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CONHEÇA A HISTÓRIA E COMO FUNCIONA O SUS Muita gente já ouviu falar no SUS, o Sistema Único de Saúde de nosso país. O SUS é um sistema, composto por muitas partes e, por mais diferentes que pareçam, tem uma finalidade comum: cuidar e promover a saúde de toda a população, melhorando a qualidade de vida dos brasileiros. O SUS existe há pouco tempo. Surgiu como resposta à insatisfação e descontentamento existente em relação aos direitos de cidadania, acesso, serviços e forma de organização do sistema de saúde. Nos anos 70 e 80, vários médicos, enfermeiros, donas de casa, trabalhadores de sindicatos, religiosos e funcionários dos postos e secretarias de saúde levaram adiante um movimento, o "movimento sanitário", com o objetivo de criar um novo sistema público para solucionar os inúmeros problemas encontrados no atendimento à saúde da população. O movimento orientava-se pela idéia de que todos têm direito à saúde e que o governo, juntamente com a sociedade, tem o dever de fazer o que for preciso para alcançar este objetivo. A Constituição Federal de 1988 determinou ser dever do Estado garantir saúde a toda a população. Para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde, que detalha o funcionamento do Sistema. Portanto, o SUS resultou de um processo de lutas, mobilização, participação e esforços desenvolvidos por um grande número de pessoas. Como funciona o SUS?

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CONHEÇA A HISTÓRIA E COMO FUNCIONA O SUS

Muita gente já ouviu falar no SUS, o Sistema Único de Saúde de nosso país. O SUS

é um sistema, composto por muitas partes e, por mais diferentes que pareçam, tem uma

finalidade comum: cuidar e promover a saúde de toda a população, melhorando a

qualidade de vida dos brasileiros.

O SUS existe há pouco tempo. Surgiu como resposta à insatisfação e

descontentamento existente em relação aos direitos de cidadania, acesso, serviços e forma

de organização do sistema de saúde. Nos anos 70 e 80, vários médicos, enfermeiros, donas

de casa, trabalhadores de sindicatos, religiosos e funcionários dos postos e secretarias de

saúde levaram adiante um movimento, o "movimento sanitário", com o objetivo de criar

um novo sistema público para solucionar os inúmeros problemas encontrados no

atendimento à saúde da população. O movimento orientava-se pela idéia de que todos têm

direito à saúde e que o governo, juntamente com a sociedade, tem o dever de fazer o que

for preciso para alcançar este objetivo.

A Constituição Federal de 1988 determinou ser dever do Estado garantir saúde a

toda a população. Para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso

Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde, que detalha o funcionamento do Sistema.

Portanto, o SUS resultou de um processo de lutas, mobilização, participação e esforços

desenvolvidos por um grande número de pessoas.

Como funciona o SUS?

O SUS é um sistema público, organizado e orientado no sentido do interesse

coletivo, e todas as pessoas, independente de raça, crenças, cor, situação de emprego,

classe social, local de moradia, a ele têm direito.

As diferentes situações de vida dos vários grupos populacionais geram problemas

de saúde específicos, bem como riscos e/ou exposição maior ou menor a determinadas

doenças, acidentes e violências. Isto significa, portanto, necessidades diferenciadas,

exigindo que as ações da gestão do sistema e dos serviços de saúde sejam orientadas para

atender a essas especificidades. Entretanto, como o SUS oferece o mesmo atendimento a

todas as pessoas, algumas não recebem o que necessitam, enquanto outras têm além do

satisfatório, o que aumenta as desigualdades. No SUS, situações desiguais devem ser

tratadas desigualmente. Baseia-se, portanto, no princípio da eqüidade.

Este é um grande desafio. Muito tem que ser feito para que todos possam ter saúde.

O Governo deve concentrar esforços e investir mais onde há maior carência. O SUS tem o

papel de cuidar de todas as necessidades da área da saúde. E cuidar da saúde não é apenas

medicar os doentes ou realizar cirurgias, é preciso garantir vacinas à população, dar

atenção aos problemas das mulheres, crianças e idosos, combater a dengue e outras

doenças. Este é o princípio de integralidade, ou seja, realizar todas as ações necessárias

para a promoção, proteção e recuperação da saúde de todos.

Todos sabem, porém, que, para ter boa saúde, é preciso ter boa alimentação, possuir

uma casa, morar num local com rede de esgoto, luz e água, trabalhar, ter um meio de

transporte bom e barato, desfrutar de programas de lazer. Assim, para que as pessoas

tenham uma boa qualidade de vida, não depende apenas do setor saúde. Compreende-se

que "os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do

país". Ou seja, há o reconhecimento de que os indicadores de saúde das pessoas devem ser

tomados para medir o nível de desenvolvimento do país e do bem-estar da população.

O Sistema Único de Saúde tem seus serviços administrados pelos governos federal,

estaduais e municipais e por organizações cujo objetivo é garantir a prestação de serviços

gratuitos a qualquer cidadão.

Em locais onde há falta de serviços públicos, o SUS realiza a contratação de serviços de

hospitais ou laboratórios particulares, para que não falte assistência às pessoas. Desse

modo, esses hospitais e laboratórios também se integram à rede SUS, tendo que seguir seus

princípios e diretrizes.

Devido às significativas diferenças existentes entre as várias regiões e municípios

brasileiros, o Ministério da Saúde criou formas de descentralizar a prestação dos serviços

públicos de saúde, repassando responsabilidades diferenciadas aos diferentes municípios.

A mudança foi grande, pois ocorreu a unificação de comando, representada pela

transferência ao Ministério da Saúde de toda a responsabilidade pela saúde no plano

federal. Da mesma forma nos estados e municípios, onde a responsabilidade fica a cargo

das respectivas secretarias estaduais e municipais de saúde. Sob outro aspecto, o princípio

da universalidade representou a inclusão de todos no amparo prestado pelo SUS, ou seja,

qualquer pessoa passa a ter o direito de ser atendidos nas unidades públicas de saúde,

lembrando que antes apenas os trabalhadores com carteira registrada faziam jus a esses

serviços.

Nem sempre é possível ao município executar sozinho todos os serviços de saúde.

Pequenos municípios carecem de recursos humanos, financeiros e materiais, e sua

população é insuficiente para manter um hospital ou serviços especializados. Por isso, a

descentralização dos serviços implica também na sua regionalização. Num país imenso

como o nosso, para evitar desperdícios e duplicações faz-se necessário organizar os

serviços, visando dar acesso a todos os tipos de atendimento.

O sistema de saúde é ainda um sistema hierarquizado: compõe-se de várias

unidades interligadas, cada qual com suas tarefas a cumprir. Num primeiro nível, estão os

centros de saúde, que todos podem procurar diretamente; em seguida, há outros

estabelecimentos que ofertam serviços mais complexos, como as policlínicas e hospitais.

Quando necessário, as pessoas serão encaminhadas para eles, sempre referenciadas a partir

dos centros de saúde. Para os casos de urgência e emergência, há um pronto-socorro

próximo.

É bem verdade que o SUS, como não poderia deixar de ser, está em constante

processo de aperfeiçoamento. A promoção da saúde à população estará sofrendo sempre

transformações pois, como as sociedades são dinâmicas, a cada dia surgem novas

tecnologias que devem ser utilizadas para a melhoria dos serviços e das ações de saúde.

Além disso, temos também como condição essencial para um melhor funcionamento do

SUS a participação e mobilização social em seus trabalhos. Podemos dizer que a sua

participação é a alma do SUS.Texto produzido pela Área Técnica da Promoção da Saúde - Ministério da Saúde

O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

O Sistema Único de Saúde é uma nova formulação política e organizacional para o

redirecionamento dos serviços e ações da saúde. É assim definido por seguir a mesma

doutrina e os mesmos princípios organizativos em todo o território nacional, sob a

responsabilidade das três esferas do governo: federal, estadual e municipal. Não se trata de

um serviço ou uma instituição, mas um sistema que significa um conjunto de unidade, de

serviços e ações que interagem para um fim comum. Esses elementos integrantes do

sistema referem-se, ao mesmo tempo, às atividades de promoção, proteção e recuperação

da saúde.

Baseado nos preceitos constitucionais, a construção do SUS se norteia pelos seguintes

princípios doutrinários:

Universalidade: é a garantia de atenção à saúde, por parte do sistema, a todo e qualquer

cidadão. Com a universalidade, o indivíduo passa a ter direito ao acesso a todos os serviços

de saúde, inclusive àqueles contratados pelo poder público. Saúde é direito de todos e

dever do governo, seja ele municipal, estadual ou federal.

Equidade: é assegurar ações e serviços de todos os níveis de acordo com a complexidade

que cada caso requeira, more o cidadão onde morar. Todo cidadão é igual perante o SUS e

será atendido conforme suas necessidades até o limite do que o sistema pode oferecer.

Integralidade: é o reconhecimento na prática dos serviços que:

cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade;

as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam também um todo

indivisível e não podem ser compartimentalizadas;

as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus de complexidade, formam

também um todo indivisível configurando um sistema capaz de prestar assistência integral;

o homem é um ser integral, bio-psico-social, e deverá ser atendido com esta visão

integral por um sistema de saúde também integral, voltado a promover, proteger e

recuperar sua saúde.

Os princípios que regem sua organização são:

Regionalização e hierarquização: os serviços devem ser organizados em níveis de

tecnologia crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com definição da

população a ser atendida Isto implica na capacidade dos serviços em oferecer a uma

determinada população todas as modalidades de assistência, bem como o acesso a todo tipo

de tecnologia disponível, possibilitando um ótimo grau de resolubilidade. O acesso da

população á rede deve se dar através dos serviços de nível primário de atenção, que devem

estar qualificados para atender e resolver os principais problemas que demandam os

serviços de saúde. Os demais deverão ser referenciados para os serviços de maior

complexidade tecnológica.

Resolubilidade: é a exigência de que, quando um indivíduo busque atendimento ou

quando surge um problema de impacto coletivo sobre a saúde, o serviço correspondente

esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-lo até o nível de sua competência.

Descentralização: é entendida como uma redistribuição das responsabilidades quanto ás

ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo, a partir da idéia de que quanto

mais perto do fato a decisão for tomada, mais chance haverá de acerto. Deverá haver uma

profunda redefinição das atribuições dos vários níveis de governo com um nítido reforço

do poder municipal sobre a saúde - o que é denominado municipalização da saúde.

Participação popular: é a garantia de que a população, através de suas entidades

representativas, participará do processo de formulação das políticas de saúde e do controle

da sua execução, em todos os níveis, desde o federal até o local. Essa participação deve se

dar nos Conselhos de Saúde, com representação paritária de usuários, governo,

profissionais de saúde e prestadores de serviço. Outra forma de participação são as

conferências de saúde, periódicas, para definir prioridades e linhas de ação sobre a saúde.

Complementariedade do setor privado: a constituição definiu que quando o setor público

não for suficiente para prestar os serviços necessários devem ser contratados serviços

privados, desde que sejam seguidas as regras do direito público e as diretrizes do SUS e

sejam priorizadas as entidades não-lucrativas ou filantrópicas.

Gestores são as entidades encarregadas de fazer com que o SUS seja implantado e

funcione adequadamente dentro das diretrizes doutrinárias, da lógica organizacional e seja

operacionalizado dentro dos princípios anteriormente citados. Haverá gestores nas três

esferas de governo, sendo a nível federal o Ministério da Saúde, a nível estadual a

Secretaria Municipal de Saúde e a nível municipal a Secretaria Municipal da Saúde.

O financiamento do SUS vem de recursos da Seguridade Social (30%), verbas do

tesouro nacional e do orçamento da união que é destinado á saúde (cerca de 3%). Todos

estes recursos juntos constituirão o Fundo Nacional de Saúde que será administrado pelo

Ministério da Saúde e controlado e fiscalizado pelo Conselho Nacional de Saúde. Esses

recursos serão divididos em duas partes: uma será retida para o investimento e custeio das

ações federais e a outra será repassada para as secretarias de saúde estaduais e municipais,

de acordo com critérios definidos em função da população, necessidade de saúde e rede

assistencial. Em cada estado os recursos repassados pelo Ministério da Saúde serão

somados aos alocados pelo próprio governo estadual e desse montante, uma parte ficara

retida para as ações e os serviços estaduais, enquanto outra será repassada aos municípios.

Finalmente, caberá aos próprios municípios destinar a parte adequada de seu próprio

orçamento para as ações e serviços de saúde de sua população e gerir os recursos federais e

estaduais repassados a ele para o custeio das ações e serviços de saúde de âmbito

municipal.

A legislação básica do SUS é:

Constituição federal de 1988;

Lei 8080/setembro de 1990;

Lei 8142/ dezembro de 1990;

Normas Operacionais Básicas ( NOBS ) 01/91, 01/93, 01/96;

Norma Operacional de Assistência – NOAS-SUS 01/2000.Autor desconhecido

HÁ PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO DO SUS!

 

  Fui convidado para organizar um número temático sobre o Sistema Único de

Saúde. Senti-me agradecido e honrado. A eleição do assunto é oportuna, pois, de fato,

precisamos repensar o SUS também sob uma ótica objetiva, sistemática e científica. Que

nossos desejos e utopias não sirvam como venda a ocultar o óbvio: há pedras no meio do

caminho!

Por isso, é importante este número temático que tem objetivo de atualizar e difundir

diferentes interpretações sobre o SUS. Ele focaliza o SUS na prática, suas realizações e

limites e busca contextualizar seus problemas no marco histórico das políticas sociais

brasileiras.

Vivemos em uma época em que há imensos obstáculos estruturais (pedras) à

construção do bem-estar social. Talvez essa seja a marca que irá caracterizar no futuro esse

nosso tempo: a incapacidade, apesar da produção exponencial de riqueza, de assegurar

bem-estar às pessoas. As políticas públicas estão em crise, são consideradas fora de moda.

Construiu-se um discurso bastante difundido, repetido como um cantochão sinistro, sobre a

quase auto-suficiência do mercado. E essa é uma pedra no caminho do SUS.

O SUS é um sistema público, descentralizado e com gestão participativa, mas é

integrado por uma rede intricada de serviços e de servidores públicos, ainda que bastante

penetrada por componentes da sociedade civil: conselheiros, prestadores, organizações não

governamentais, opinião pública, etc. Boa parte das sugestões sobre como organizar e gerir

esse sistema parte do discurso único - em decorrência, é pobre e reduzido de construir

"agenda", "regulação" e "avaliação", na suposição de que com esses conceitos estaria dada

a boa "governança". Infelizmente, esses termos tecnocráticos não dão conta da gestão de

um sistema público, não privatizado, ainda que com interações importantes com entidades

privadas. Faltam-nos elementos para a tarefa concreta de planejar e gerir diretamente uma

rede complexa, falta-nos política de pessoal, falta-nos incorporar avaliação à gestão e falta-

nos subordinar a avaliação aos objetivos e metas do sistema.

Falta um mundo de coisas! Falta pensar outra estrutura administrativa para o SUS:

continuar a reforma política para dentro do Sistema, criar uma nova legislação sobre suas

organizações e sobre o modo como poderiam se relacionar. Há o obstáculo do

financiamento, há projetos pelo meio do caminho, mas, sobretudo, há, creio, uma falha

entre nós, atores sociais, usuários, governantes e sujeitos ou vítimas desse processo: no

fundo, no duro da batata, não pensamos e agimos como se o SUS fosse nosso espaço vital

encarregado de co-produzir saúde. A classe média e as empresas fogem pela saúde

suplementar; os governantes, para programas focais; a mídia, raramente nomeia o SUS:

fala em fila, hospitais, entretanto ignora o sistema, sequer menciona o controle social e a

gestão participativa; os pesquisadores são segmentados e empurrados para temas da moda:

governança, avaliação, integralidade, promoção, humanização. Raramente logramos

realizar alguma "meta-análise" que articule alhos com bugalhos.

Mesmo assim, há esse número da revista Ciência & Saúde Coletiva, houve o XII

Congresso de Saúde Coletiva e está havendo a "refundação" do CEBES. Pedras e

obstáculos no meio do caminho são para serem contornados ou destruídos, desde que se

almeje seguir pela trilha da não-violência, da solidariedade, da defesa da vida e do planeta.Gastão Wagner de Sousa Campos

Editor convidado

Ciênc. saúde coletiva vol.12 no.2 Rio de Janeiro Mar./Apr. 2007

SAÚDE PÚBLICA, REDE BÁSICA E O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

Resumo

Este artigo focaliza o desenvolvimento da saúde pública no Brasil com o intuito de

analisar os problemas com os quais se depara o processo atual de municipalização dos

serviços de saúde. Argumenta-se que a postura neoliberal ou conservadora tornou-se

incapaz de articular uma proposta viável para o sistema de saúde. Por outro lado, a

proposta reformista concentra sua atenção no sistema de saúde e sua administração, tendo

como modelo a postura positivista das ciências naturais e administrativas. Argumenta-se

que apenas uma mudança radical no paradigma da medicina, na qual a dimensão coletiva e

social predomina sobre a dimensão biológica e individual, permitiria conciliá-la com as

necessidades de saúde da população.

Palavras-chave: Saúde Pública; Sistemas de Saúde

Introdução

Este artigo tem como objetivo principal focalizar o desenvolvimento da saúde

pública e do sistema de saúde no Brasil, buscando contribuir para a compreensão dos

principais problemas que marcam o momento atual. Será argumentado que o processo de

municipalização dos serviços de saúde, em grande medida estimulado por princípios

contidos no paradigma (o termo "paradigma" é empregado de acordo com o conceito de

Kuhn (1975), ou seja, como um mapa que governa a percepção do cientista no sentido de

conformar a ele os fatos e as descobertas) social da medicina, encontra-se, presentemente,

num estágio crucial do seu desenvolvimento. Observa-se, neste sentido, que, sob uma nova

fachada de racionalidade administrativa, o paradigma mecanicista se impõe sobre o

paradigma social da medicina. Este artigo defende o ponto de que é necessário ir além de

uma mera reforma administrativa e, no interior de uma concepção social de medicina,

encontrar tecnologias (o termo "tecnologia" é empregado no sentido usado por Gonçalves

(1986), ou seja, como um instrumental contido principalmente na formação do especialista,

e não somente como um aparelho externo a ele) que, ao organizar o sistema de saúde, a

tornem prática.

Embora os fatos históricos apresentados na primeira parte deste artigo sejam de

conhecimento comum e já tenham sido divulgados (Merhy, 1991), sua apresentação

justifica-se por fornecer uma visão resumida do processo e permitir focalizar o momento

atual a partir de uma dimensão histórica.

O Desenvolvimento da Saúde Pública

A história da Saúde Pública brasileira inicia-se no começo do século com Emílio

Ribas, em São Paulo, e Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. No interior da escola

pasteuriana, estes cientistas tinham como meta superar a teoria miasmática a partir da

introdução da teoria bacteriológica, considerada mais adequada para organizar a

intervenção no campo da saúde. Nesta perspectiva, tanto a saúde como a doença passaram

a ser vistas como um processo coletivo, resultado da agressão externa que o corpo

biológico (fisiologicamente harmônico) sofria de um meio social/natural insalubre. A

descoberta e o isolamento dos indivíduos doentes contagiantes, o saneamento do meio, a

destruição dos vetores biológicos e a proteção dos sadios consistiam nos principais

objetivos desta perspectiva. Para instrumentalizar as ações de saúde, adotava-se a

bacteriologia e a engenharia sanitária. Secundariamente, utilizava-se a medicina, entendida

como muito limitada e pouco eficaz.

O modelo assistencial público tinha na campanha e na polícia sanitária seus meios

principais de efetivação. Para pôr em prática esta política, foram organizadas leis, códigos

e decretos. Além disso, foram também organizados institutos de pesquisa, laboratórios e

serviços sanitários como braços auxiliares. Os principais aspectos administrativos e

programáticos situavam-se no âmbito estadual, com alguns resíduos no nível municipal.

Via de regra, os pensadores da política de saúde eram funcionários públicos e, como tal,

compartilhavam das perspectivas que os grupos oligárquicos adotavam para as questões

sociais, tendo em vista servir ao processo agroexportador e legitimar o Estado.

A partir da teoria bacteriológica, novas idéias foram se organizando e

desembocaram, na década de 10, na formação de um movimento em saúde pública que

ficou conhecido como "médico-sanitário". Esta perspectiva foi influenciada pela escola

norte-americana de saúde pública, que tinha em Baltimore seu núcleo mais ativo, através

da associação entre a Fundação Rockefeller e a John Hopkins University.

Nesta época, já se buscava no Brasil uma ação social que saneasse a zona rural, a

fim de constituir um povo saudável, racialmente forte, permitindo, ao mesmo tempo, a

ocupação do interior do país, considerada vital para a integração nacional. A chamada Liga

do Saneamento caracterizou-se, neste sentido, por criticar os excessivos urbanismo e

regionalismo da política de saúde então vigente. Este movimento tinha em Belisário Pena e

Artur Neiva os seus mais significativos representantes.

No decorrer da década de 20, a corrente médico-sanitária tornou-se hegemônica,

organizando-se principalmente nos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro, São

Paulo, Belo Horizonte, Recife, entre outros. Dois núcleos foram especialmente ativos: o

paulista, influenciado por Paula Souza e Borges Vieira (médicos sanitaristas formados pela

John Hopkins University, com bolsas da Fundação Rockfeller), e o dos "jovens turcos",

sanitaristas vinculados ao Departamento Nacional de Saúde Pública, no Rio de Janeiro, que

defendiam a especialidade na carreira médica na área de saúde pública e o trabalho integral

nas instituições estatais. Estes núcleos chegaram a organizar cinco congressos durante a

década de 20 (os Congressos Brasileiros de Higiene) e tiveram tal influência no

desenvolvimento da política de saúde no Brasil que sua presença se fez marcante até a

reforma administrativa da década de 60/70, no interior da Secretaria de Saúde do Estado de

São Paulo.

A base deste modelo pressupunha o processo saúde-doença como um fenômeno

coletivo, porém determinado, em última instância, pelo nível individual. O conceito de

"consciência sanitária" permitia compreender como o meio insalubre atingia os indivíduos.

Medicina e saúde pública eram entendidas como campos distintos; a primeira para curar

através da clínica, patologia e terapêutica, e a segunda para prevenir doenças, prolongar e

promover a saúde através da higiene e da educação sanitária. O setor privado, entendido

sob o ângulo "caritativo", deveria ser controlado pelo serviço público. Não havia qualquer

conflito com a organização liberal, predominante no período. O modelo tecno-assistencial

desta proposta centrou-se na construção de serviços regionais permanentes de saúde

pública (os centros e postos de saúde) comandados por especialistas — os sanitaristas —

em tempo integral.

Durante a fase de transição 30/37, a saúde pública praticamente reduziu-se à

atuação campanhista pelo conjunto do país. Sob a influência da Liga de Saneamento,

foram favorecidas as ações verticais permanentes. Este foi um período que viabilizou a

construção dos serviços médicos previdenciários, abrindo um outro setor socialmente

significativo no conjunto das ações de saúde.

Os "jovens turcos" foram marcando passagem pelas instituições na luta por uma

reforma que levasse à criação de um ministério da saúde e de secretarias estaduais de

saúde, experiência, aliás, já vivida pelo estado da Bahia em 1925. Assim ocorreu com a

Reforma Federal de 1937, que permitiu a criação dos departamentos nacionais de combate

a problemas específicos, como a malária, a febre amarela e a saúde das crianças. Quando,

na década de 40, tiveram a oportunidade (diante dos problemas colocados pela situação da

Segunda Guerra Mundial e as relações do governo brasileiro com o norte-americano) de

organizar um serviço que permitisse a ocupação de regiões importantes para a produção de

borracha e minérios, implementaram a Fundação Servico de Saúde Pública (Sesp). O

ideário original desta corrente foi mantido mesmo com a incorporação de novos recursos

médicos, como, por exemplo, o antibiótico, que foi "retraduzido" sob a mesma ótica

"tecnológica". A esta experiência seguiu-se a criação, em 1953, do Ministério da Saúde e,

em 1956, do Departamento de Endemias Rurais, que herdou um conjunto de projetos

realizados nos departamentos verticalizados específicos, como o da malária, existente

desde 1939.

No estado de São Paulo, a exemplo do que ocorria em outros estados, a Fundação

Sesp tentou influenciar a constituição da Secretaria Estadual de Saúde, em 1948. Neste

processo, os vários grupos articulados a esta proposta saíram frustrados, pois consideraram

que seus objetivos foram desvirtuados pela presença de interesses políticos menores que se

sobrepuseram aos técnicos. No entanto, com a reforma da organização dos serviços de

saúde no estado, em 1968, consideraram atingidos seus objetivos.

No pós-guerra, sem alterar as estratégias básicas da corrente "médico-sanitária",

novos elementos foram sendo incorporados, como, por exemplo, o uso da medicina clínica

pela saúde pública, que encontrava suporte teórico na concepção de Leavell & Clarck

(1967), que preconizavam a união do conjunto das ações de saúde num esforço comum de

prevenção e cura. Com isso, o modelo passou a introduzir a clínica nos programas de

saúde, dentro de uma perspectiva multicausal do processo saúde-doença. Esta concepção

permitiu que as ações de saúde se tornassem parte de uma atividade globalmente planejada.

Desde o final dos anos 40 já era evidente uma inversão dos gastos públicos, favorecendo a

assistência médica em relação à saúde pública. Nos anos 60, a dicotomia assistência

médica-saúde pública radicaliza-se no interior de um modelo institucional que mostrava

ações pontuais e desordenadas, incapazes de conter a miséria e as péssimas condições de

saúde da população brasileira.

Tomando como ponto de reflexão a falência das perspectivas "campanhistas" e

"norte-americanas", Mario Magalhães introduziu, numa perspectiva desenvolvimentista, a

integração e o planejamento das ações de saúde. Como presidente da Sociedade Brasileira

de Higiene, em 1962, e como secretário-geral da III Conferência Nacional de Saúde (cujo

tema era a municipalização dos serviços de saúde), em 1963, ele capitaneou um esforço no

sentido de reinterpretar a organização dos serviços de saúde no interior do conjunto dos

problemas brasileiros.

A idéia mais intensamente propagada neste período é que a doença e a miséria só

seriam controladas com o desenvolvimento econômico. No campo da saúde propriamente

dito, propunha-se um padrão tecnológico mais racional, de menor custo, integrado em seus

vários campos de atuação e sem a influência das leis de mercado. Esta perspectiva rompia

com a dicotomia entre assistência médica e saúde pública, subordinando aquela à lógica

desta. Previa-se, para isso, a implantação de serviços permanentes (contendo ações

médicas e sanitárias), municipalizados e controlados pelo Estado segundo uma hierarquia

de complexidade tecnológica. A ação federal deveria ocorrer no sentido de normatizar as

ações, racionalizar as atividades e ajudar os municípios que ainda não tivessem condições

de organizar seus próprios serviços.

Pela primeira vez discutiu-se, no país, um modelo tecno-assistencial baseado na

integração das ações coletivas e individuais de saúde, cujo ponto de apoio seria constituído

a partir de serviços básicos de saúde permanentes, elaborados de acordo com um

planejamento governamental. Pela primeira vez, também, levantou-se a questão da

organização dos serviços médicos privados.

A derrota destas propostas, em 1964, abriu um outro capítulo que vingou na

estruturação de um modelo centrado na assistência médica comercializada, que passava

pelo setor previdenciário, sendo a saúde pública reduzida a um braço auxiliar. Na

realidade, promoveu-se uma completa separação entre o campo da assistência médica e o

da saúde pública, com maciços investimentos no primeiro e o sucateamento do segundo.

Neste novo contexto, foi implementado um projeto privatizante e medicalizante. Somente

em algumas regiões renasceram experiências no campo da saúde pública que merecem

alguma atenção, como o "campanhismo", a nível federal, e as ações médico-sanitárias, em

alguns estados, principalmente o de São Paulo, com o Secretário Walter Leser, em 1968 e

1974.

Este modelo pós-64, sobejamente analisado no que se refere às questões da

assistência médica previdenciária, foi exposto a um conjunto severo de críticas que

permitiram um repensar de todo o sistema. O movimento sanitário, constituindo um campo

de saber, criando espaços para uma política alternativa e um trabalho de difusão

ideológica, teve um importante papel neste sentido. A criação dos departamentos de

medicina preventiva e do Centro de Estudos Brasileiros de Saúde foi o principal agente de

difusão desta nova consciência. Pretendia-se uma reforma sanitária que, adequada aos

limites financeiros impostos pela crise econômica, efetivamente pudesse oferecer melhores

condições de saúde à maioria da população.

Em 1974, a reorganização da estrutura institucional do Ministério da Previdência e

Assistência Social não se fez acompanhar de medidas que alterassem o modelo privado

prestador de serviços e que tocassem no chamado complexo médico-industrial. Pelo

contrário, a busca de extensão com baixo custo, através do projeto da Pronta Ação,

ampliou a base financeira disponível para o setor privado. No entanto, a instituição do

Sistema Nacional de Saúde, em 1975, abriu efetivamente um novo espaço de atuação a

partir da assistência médica individual e de medidas de alcance coletivo voltadas às

populações de baixa renda.

A partir de 1977, quando se estendeu o atendimento de urgência a qualquer

indivíduo, previdenciário ou não, os chamados "estouros" orçamentários no sistema

previdenciário passaram a ocorrer com maior freqüência, acentuando a urgência de se

imprimir uma maior racionalidade ao sistema de saúde. Os planos de governo Programa

Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde) e Conselho Consultivo de

Administração da Saúde Previdenciária (Conasp) vieram como tentativas de imprimir uma

maior racionalidade ao sistema de saúde. Este último, em particular, propunha a

descentralização do sistema de assistência médica através da criação de uma única "porta

de entrada", integrando, numa rede básica de serviços públicos de saúde, a capacidade

instalada já existente no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(Inamps), nos estados e nos municípios, entrando a rede privada apenas onde não

existissem unidades estatais.

A municipalização dos serviços de saúde passou a ser entendida como o único meio

que permitiria, ao mesmo tempo, maior racionalização administrativa, controle financeiro e

participação democrática da comunidade no gerenciamento do sistema, em oposição à

excessiva centralização do modelo anterior. Esperava-se, também, que este novo sistema

estimulasse o desenvolvimento de uma medicina mais holística, gravitasse em torno dos

verdadeiros problemas de saúde da comunidade e provesse uma melhor organização do

sistema, tornando menos oneroso o serviço de saúde. Este processo permitiu experimentar

modelos tecnológicos e assistenciais alternativos, baseados na medicina comunitária, que,

embora marcados pelo baixo custo, mostraram algum sucesso no interior das instituições

públicas (Somarriba, 1978).

O aprofundamento da crise econômico-financeira da Previdência Social acelerou a

reforma no setor saúde, principalmente a partir das Ações Integradas de Saúde (AIS), em

1982. As AIS efetivamente produziram um deslocamento relativo de recursos financeiros

da Previdência para o setor público prestador de serviços de saúde e promoveram uma

integração das ações setoriais. Este processo acentuou-se com a estruturação do Sistema

Unificado Descentralizado de Saúde (Suds) e com a formação do Sistema Único de Saúde

(Sus). Com a implementação do primeiro, ocorreu um deslocamento das responsabilidades

de gestão dos serviços de saúde para o nível estadual, permitindo uma efetiva

descentralização administrativa. Com a implementação do segundo, através da nova

Constituição Federal, ocorreu a descentralização, a nível municipal, da gestão dos serviços

públicos de saúde.

As Posições Político-Ideológicas e a Rede Básica

A partir dos anos 70, duas posições político-ideológicas organizaram-se em torno

da disputa por um novo modelo de política social de saúde: a conservadora e a

reformadora.

A posição conservadora pouco tinha a dizer sobre a organização assistencial ou

tecnológica da rede básica, uma vez que defendia uma lógica de mercado para a

organização dos serviços de saúde cujo eixo tecnológico principal era a assistência médica

baseada no produtor privado. Neste modelo, a intervenção estatal só se justificaria para

cuidar ou dos que ficavam fora do sistema, por não terem "capacidade social" de se

integrarem ao mercado, ou das questões que não interessavam nem ao produtor privado

nem ao seu modelo tecno-assistencial. Assim, o Estado atuaria de modo "caritativo", dando

assistência social aos mais necessitados e/ou excluídos, ou interviria em questões coletivas

com os tradicionais instrumentos da saúde pública, como a campanha e a educação

sanitária em massa.

Nesta vertente, o campo tecnológico fundamental manifesta-se na área médica

através da incorporação dos mesmos padrões que se adaptam às medicinas dos países

"mais centrais", nos quais vingaram os modelos baseados na especialização médica e na

intensa absorção de insumos e equipamentos para a realização do "ato médico" ordenado

pela lógica comercial capitalista (Donnangelo, 1976). Para as ações coletivas, sobram as

tecnologias tradicionais, retiradas fragmentariamente da bacteriologia, como a campanha, e

da perspectiva médico-social que preconiza a necessidade de educação sanitária em alguns

postos de serviços de saúde.

Pode-se apontar como interessados neste modelo tanto os grupos médicos que

defendem a organização empresarial e/ou liberal quanto alguns funcionários das

instituições públicas de serviços de saúde. Dentre estes últimos, são ressaltados os

ministros e suas equipes técnicas dos três primeiros governos militares, dentre os quais

destaca-se Leonel Miranda, que, em 1968, elaborou um plano nacional de saúde centrado

na privatização total da assistência à saúde (Melo, 1977).

Já a posição reformadora preconiza a constituição de uma rede básica de serviços

públicos de saúde descentralizada e universalizada, ou seja, que atenda à população coberta

ou não pela previdência social. Internacionalmente legitimada pela Conferência de Alma-

Ata, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), postula-se o combate à

dicotomia das ações de saúde, técnica e institucionalmente, através formação de serviços

de saúde regionalizados e hierarquizados de acordo com sua complexidade tecnológica e

da unificação das ações a nível ministerial.

Torna-se estratégica, nesta concepção, uma rede básica de saúde que funcione

como porta de entrada de um sistema mais amplo e que obedeça à hierarquia tecnológica

da assistência à saúde, classificada em primária, secundária e terciária. Neste esquema, os

insumos e equipamentos correspondem a padrões quantificáveis de abrangência e

resolutividade dos problemas de saúde. As instituições que detivessem maior grau de

complexidade tecnológica passariam, então, a constituir as retaguardas que completam a

resolução dos problemas de saúde. Esta estratégia visa a organização de uma rede de

atenção primária pelos estados e municípios como um primeiro passo para o controle do

sistema de saúde como um todo.

Nesta perspectiva, os problemas de saúde seriam passíveis de um enquadramento

segundo o paradigma biologicista e naturalista, no qual a doença começaria gradativamente

e iria se tornando complexa, até constituir um quadro biológico dramático, em termos de

vida e morte orgânica. Ações médicas, específicas e inespecíficas, interviriam antes do

quadro patológico se desenvolver ou, gradualmente, a partir de seu desenvolvimento. Isto

é, a intervenção ocorreria do momento mais simples, em termos clínico-terapêuticos, para

o mais complexo, quando, então, haveria a incorporação de uma grande quantidade de

insumos e equipamentos.

Ainda que haja uma perspectiva epidemiológica e um sentido coletivo a partir de

ações educativas e de higiene nesta postura, ela encontra-se mais próxima de um enfoque

clínico do que de um enfoque populacional. Centrada na ótica médica e na teoria dos

sistemas que se tomam como ciências exatas, esta perspectiva pressupõe que o

planejamento das ações baseado na relação custo/eficácia seria não só possível, mas

fundamental.

Desde a Reforma de 1968, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo já tinha

adotado uma postura que trouxe avanços significativos às questões de planejamento das

ações e dos serviços de saúde, além da incorporação da assistência médica como

instrumental de saúde pública. Ela trouxe para o interior dos programas a serem executados

pelos centros e postos de saúde os parâmetros da epidemiologia (da multi-causalidade das

doenças) e do planejamento das ações, tornando estratégico o equacionamento da relação

entre eficiência e eficácia das ações técnicas programadas, tendo em vista os recursos

disponíveis e as necessidades "epidemiologicamente" detectadas.

A implantação deste modelo, no entanto, chocou-se com a contradição entre a

extensão de cobertura que ele implicava e o padrão de gasto maior do que historicamente

vinha ocorrendo (Braga & Paula, 1981). Isto fez com que a proposta não se reproduzisse

igualmente pelo território nacional e só vingasse, ainda que em termos relativos, em

estados e regiões mais ricos, que puderam equacionar melhor este obstáculo.

Discussão

O desenrolar dos acontecimentos na área da saúde, a partir da década de 70, mostra

profundas reformas que, mais do que nunca, merecem ser dimensionalizadas e criticadas

em função de um melhor controle democrático de seu processo. O desenvolvimento da

Reforma Sanitária significou uma derrota definitiva da proposta conservadora baseada no

predomínio da medicina privada. Mesmo os países ricos e desenvolvidos tiveram que rever

em profundidade esta perspectiva, a partir da constatação de que ela é extremamente

onerosa para o Estado e produz poucos resultados em termos de saúde. Assumindo,

portanto, que não há possibilidade de retorno nesta questão, pretende-se concentrar a

atenção na posição reformadora discutida acima e levantar alqumas questões sobre o seu

modelo tecnológico.

Ao se observar concretamente a rede básica de serviços de saúde presente no

contexto atual da maioria dos municípios mais desenvolvidos, em termos sócio-

econômicos, do país, os principais pontos que se destacam referem-se, de um lado, ao

sucesso significativo no que diz respeito à implantação de uma rede de serviços

municipalizada e universalizada e, de outro, à extrema dificuldade de se libertar do

predomínio da clínica individual, baseada no paradigma biológico, em favor da lógica da

saúde pública. Embora o discurso da Reforma Sanitária incorporasse uma perspectiva mais

holística da saúde e da medicina, na qual a dimensão clínica deveria se submeter ao

controle de critérios coletivos e sociais no âmbito da saúde, os fatos acabaram por

confirmar a dificuldade de se implementar tal proposta.

O que se observa, neste sentido, é uma redução do problema saúde-doença a uma

questão de organização racional (custo/eficácia) das ações médicas, auxiliadas pelas ações

coletivas, na qual a rede básica de serviços de saúde se transforma numa verdadeira

triagem dos problemas de saúde, a partir do eixo "queixa/procedimento", descaracterizando

a dimensão coletiva do processo saúde-doença e realizando, em nome da unificação das

ações de saúde, uma "deslavada" medicalização (Gonçalves, 1986).

A Reforma Sanitária posta em prática pode até gerar, em alguns casos, uma rede

que não caia na medicina aviltada própria do pronto atendimento e que realize uma

assistência médica primária com um razoável grau de resolutividade. Mesmo assim,

porém, o eixo central desta rede/porta de entrada é baseado não na unificação efetiva das

ações, mas na redução medicalizante do conjunto destas ações.

Diante deste quadro, o grande desafio da medicina passou a ser a superação da

forma degradante do pronto atendimento, através da reconciliação entre uma clínica que

dimensione o caráter individual e subjetivo da doença e o saber contido na epidemiologia e

na medicina social e coletiva. Neste novo modelo, as ações de saúde, embora incorporem a

assistência médica, não podem mais estar centradas na medicina. Todo um leque de

questões envolvendo o meio ambiente, a vigilância sanitária e epidemiológica e uma

perspectiva holística do ser humano e da saúde deve estar acoplado organicamente na

concepção de sistema de saúde.

O esforço para a integração entre clínica e saúde pública num mesmo programa de

saúde envolvendo ações individuais e coletivas de prevenção e de cura concorre para

melhorar a prática clínica e legitimar o programa de saúde pública. Neste esquema, o

ensinamento ao doente sobre sua doença é considerado um ato terapêutico tão importante

quanto administrar medicamentos. A integração da medicina coletiva com a clínica produz,

inevitavelmente, a necessidade de interação de uma equipe multi-disciplinar de trabalho

envolvendo vários profissionais. O trabalho em equipe contribuiria para uma melhor

percepção da demanda e sua relação com os programas de saúde, adaptando o sistema

médico a novos problemas decorrentes do modo de vida.

Um outro ponto importante, amplamente expresso na VIII Conferência Nacional de

Saúde, diz respeito à dimensão que deverá assumir a rede básica de serviços de saúde a

partir do nível de complexidade tecnológica que poderá absorver. É questionável, neste

sentido, a noção de que ela seria apenas a "porta de entrada" de um sistema de saúde, caso

haja a pretensão de transformá-la em um lugar essencial para que se realize a integralidade

das ações individuais e coletivas, numa abrangência que pressupõe o conjunto das práticas

sociais que determinam a qualidade de vida.

É evidente que a tecnologia adequada para a implementação de tal proposta teria,

em vários aspectos, que ser "inventada", não bastando incorporar o que já se acumulou em

outras experiências, em particular as que agregaram simplesmente a assistência médica à

saúde pública no mesmo lugar institucional.

Um fator, no entanto, é fundamental para se começar a pensar nas novas

tecnologias necessárias para uma rede básica que supere as inconsistências encontradas no

presente modelo: o predomínio dos aspectos coletivos e sociais da medicina em relação à

clínica individual e seu paradigma centrado na biologia e no hospital, numa nova

concepção de saúde e doença. É evidente que uma rede básica com este perfil teria que

incorporar alta tecnologia, enquanto saber que engendra instrumentos e formas

organizacionais, para que atingisse uma capacidade efetiva de descoberta e solução dos

casos individuais/coletivos. Além disso, esta rede teria que ser planejada e organizada

levando-se em conta um eficiente e eficaz sistema de retaguarda, sem o qual a base/origem

não funcionaria a contento.

Uma nova base tecnológica para a implementação desta proposta exigiria uma

mudança radical no paradigma dominante da medicina e da saúde, baseado nos princípios

positivistas, envolvendo os aspectos clínicos e epidemiológicos que tradicionalmente são

vistos como neutros e capazes de realizar um equacionamento dos problemas de saúde a

níveis individual e coletivo. Neste novo modelo de medicina e saúde, um pressuposto

fundamental se destaca, qual seja, a consideração de que a dimensão social configura e dá

sentido à dimensão biológica. Trata-se de um paradigma científico cujos contornos exigem

uma dimensão tecnológica que seja desenvolvida a partir de um novo enfoque nas causas

(sociais) das doenças e nas condições (sócio-ambientais) que promovem a saúde (Queiroz,

1987).

Se assumirmos que dimensões culturais e ideológicas encontram-se inevitavelmente

presentes no ato médico, mesmo quando ele se pretende positivo e neutro, uma questão

importante é considerá-lo como uma forma política de realizar certos objetivos sociais,

numa postura epistemológica radicalmente diferente da que caracteriza o positivismo.

No interior deste modelo, o grande problema é a radicalidade democrática e a grande

politização dos grupos sociais, uma vez que ele exige predominância dos interesses

coletivos sobre os privados. Esta perspectiva pressupõe um processo social bem mais

extensivo, de transformação, ampliação e composição da arena política, do que os limites

dados apenas pelo setor saúde. Além disso, como muito bem demonstra Sader (1988), os

agentes sociais que podem viabilizar este modelo extrapolam o nível exclusivo dos

profissionais e técnicos de saúde.Emerson E. Merhy; Marcos S. Queiroz

Cad. Saúde Pública v.9 n.2 Rio de Janeiro abril/jun. 1993

POLITICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA

Capítulo I: Da Atenção Básica

1 - Dos Princípios Gerais

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito

individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de

agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É

desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e

participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem

delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade

existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada

complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior

freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os

sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da

coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização,

da humanização, da equidade e da participação social.

A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade, na complexidade, na

integralidade e na inserção sócio-cultural e busca a promoção de sua saúde, a prevenção e

tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer

suas possibilidades de viver de modo saudável.

A Atenção Básica tem a Saúde da Família como estratégia prioritária para sua

organização de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde. A Atenção Básica

tem como fundamentos:

I - possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e resolutivos,

caracterizados como a porta de entrada preferencial do sistema de saúde, com território

adscrito de forma a permitir o planejamento e a programação descentralizada, e em

consonância com o princípio da eqüidade;

II - efetivar a integralidade em seus vários aspectos, a saber: integração de ações

programáticas e demanda espontânea; articulação das ações de promoção à saúde,

prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação, trabalho de forma

interdisciplinar e em equipe, e coordenação do cuidado na rede de serviços;

III - desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população

adscrita garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado;

IV - valorizar os profissionais de saúde por meio do estímulo e do acompanhamento

constante de sua formação e capacitação;

V - realizar avaliação e acompanhamento sistemático dos resultados alcançados, como

parte do processo de planejamento e programação; e

VI - estimular a participação popular e o controle social.

Visando à operacionalização da Atenção Básica, definem-se como áreas

estratégicas para atuação em todo o território nacional a eliminação da hanseníase, o

controle da tuberculose, o controle da hipertensão arterial, o controle do diabetes mellitus,

a eliminação da desnutrição infantil, a saúde da criança, a saúde da mulher, a saúde do

idoso, a saúde bucal e a promoção da saúde. Outras áreas serão definidas regionalmente de

acordo com prioridades e pactuações definidas nas CIBs.

Para o processo de pactuação da atenção básica será realizado e firmado o Pacto de

Indicadores da Atenção Básica, tomando como objeto as metas anuais a serem alcançadas

em relação a indicadores de saúde acordados. O processo de pactuação da Atenção Básica

seguirá regulamentação específica do Pacto de Gestão. Os gestores poderão acordar nas

CIBs indicadores estaduais de Atenção Básica a serem acompanhados em seus respectivos

territórios.

3 - Da infra-estrutura e dos recursos necessários

São itens necessários à realização das ações de Atenção Básica nos municípios e no

Distrito Federal:

I - Unidade(s) Básica(s) de Saúde (UBS) com ou sem Saúde da Família inscrita(s) no

Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde, de acordo com

as normas sanitárias vigentes;

II – UBS com ou sem Saúde da Família que, de acordo com o desenvolvimento de suas

ações, disponibilizem:

III - equipe multiprofissional composta por médico, enfermeiro, cirurgião dentista, auxiliar

de consultório dentário ou técnico em higiene dental, auxiliar de enfermagem ou técnico de

enfermagem e agente comunitário de saúde, entre outros;

IV - consultório médico, consultório odontológico e consultório de enfermagem para os

profissionais da Atenção Básica;

V - área de recepção, local para arquivos e registros, uma sala de cuidados básicos de

enfermagem, uma sala de vacina e sanitários, por unidade;

VI - equipamentos e materiais adequados ao elenco de ações propostas, de forma a garantir

a resolutividade da Atenção Básica;

VII - garantia dos fluxos de referência e contra-referência aos serviços especializados, de

apoio diagnóstico e terapêutico, ambulatorial e hospitalar; e

VIII - existência e manutenção regular de estoque dos insumos necessários para o

funcionamento das unidades básicas de saúde, incluindo dispensação de medicamentos

pactuados nacionalmente.

Para Unidade Básica de Saúde (UBS) sem Saúde da Família em grandes centros

urbanos, recomenda-se o parâmetro de uma UBS para até 30 mil habitantes, localizada

dentro do território pelo qual tem responsabilidade sanitária, garantindo os princípios da

Atenção Básica.

Para UBS com Saúde da Família em grandes centros urbanos, recomenda-se o

parâmetro de uma UBS para até 12 mil habitantes, localizada dentro do território pelo qual

tem responsabilidade sanitária, garantindo os princípios da Atenção Básica.

5 - Do processo de trabalho das equipes de atenção básica

São características do processo de trabalho das equipes de Atenção Básica:

I - definição do território de atuação das UBS;

II - programação e implementação das atividades, com a priorização de solução dos

problemas de saúde mais freqüentes, considerando a responsabilidade da assistência

resolutiva à demanda espontânea;

III - desenvolvimento de ações educativas que possam interferir no processo de saúde-

doença da população e ampliar o controle social na defesa da qualidade de vida;

IV - desenvolvimento de ações focalizadas sobre os grupos de risco e fatores de risco

comportamentais, alimentares e/ou ambientais, com a finalidade de prevenir o

aparecimento ou a manutenção de doenças e danos evitáveis;

V - assistência básica integral e contínua, organizada à população adscrita, com garantia de

acesso ao apoio diagnóstico e laboratorial;

VI - implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização, incluindo o

acolhimento;

VII - realização de primeiro atendimento às urgências médicas e odontológicas;

VIII - participação das equipes no planejamento e na avaliação das ações;

IX - desenvolvimento de ações intersetoriais, integrando projetos sociais e setores afins,

voltados para a promoção da saúde; e

X - apoio a estratégias de fortalecimento da gestão local e do controle social.

7 - Do processo de educação permanente

A educação permanente dos profissionais da Atenção Básica é de responsabilidade

conjunta das SMS e das SES, nos estados, e da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Os conteúdos mínimos da Educação Permanente devem priorizar as áreas

estratégicas da Atenção Básica, acordadas na CIT, acrescidos das prioridades estaduais,

municipais e do Distrito Federal.

Devem compor o financiamento da Educação Permanente recursos das três esferas

de governo acordados na CIT e nas CIBs.

Os serviços de atenção básica deverão adequar-se à integração ensino-

aprendizagem de acordo com processos acordados na CIT e nas CIBs.Trechos de: POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA

Série Pactos pela Saúde -Volume 4 - 2006

ATENÇÃO BÁSICA E A SAÚDE DA FAMÍLIAMinistério da Saúde

Diretriz conceitual

O acúmulo técnico-político dos três níveis de gestão do SUS, na implantação do Programa

de Agentes Comunitários de Saúde e da estratégia de Saúde da Família, elementos

essenciais para a reorientação do modelo de atenção, tem possibilitado a identificação de

um conjunto de questões relativas às bases conceituais e operacionais do que se tem

denominado "Atenção Básica à Saúde" no Brasil, e de suas relações com os demais níveis

do sistema. Esta discussão fundamenta-se nos eixos transversais da universalidade,

integralidade e eqüidade, em um contexto de descentralização e controle social da gestão,

princípios assistenciais e organizativos do SUS, consignados na legislação constitucional e

infraconstitucional.

A expansão e a qualificação da atenção básica, organizadas pela estratégia Saúde da

Família, compõem parte do conjunto de prioridades políticas apresentadas pelo Ministério

da Saúde e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde. Esta concepção supera a antiga

proposição de caráter exclusivamente centrado na doença, desenvolvendo-se por meio de

práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em

equipes, dirigidas às populações de territórios delimitados, pelos quais assumem

responsabilidade.

Os princípios fundamentais da atenção básica no Brasil são: integralidade, qualidade,

eqüidade e participação social. Mediante a adstrição de clientela, as equipes Saúde da

Família estabelecem vínculo com a população, possibilitando o compromisso e a co-

responsabilidade destes profissionais com os usuários e a comunidade. Seu desafio é o de

ampliar suas fronteiras de atuação visando uma maior resolubilidade da atenção, onde a

Saúde da Família é compreendida como a estratégia principal para mudança deste modelo,

que deverá sempre se integrar a todo o contexto de reorganização do sistema de saúde.

Gestão

O Departamento de Atenção Básica (DAB), estrutura vinculada à Secretaria de Atenção à

Saúde, no Ministério da Saúde, tem a missão institucional de operacionalizar essa política

no âmbito da gestão federal do SUS. A execução dessa política é compartilhada por

estados, Distrito Federal e municípios. Ao DAB cabe, ainda, desenvolver mecanismos de

controle e avaliação, prestar cooperação técnica a estas instâncias de gestão na

implementação e organização da estratégia Saúde da Família e ações de atendimento

básico como o de Saúde Bucal, de Diabetes e Hipertensão, de Alimentação e Nutrição, de

Gestão e Estratégia e de Avaliação e Acompanhamento.

Saúde da Família

A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo

assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em

unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um

número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes

atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e

agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. A responsabilidade

pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a necessidade

de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil,

especialmente no contexto do SUS.

A estratégia de Saúde da Família é um projeto dinamizador do SUS, condicionada pela

evolução histórica e organização do sistema de saúde no Brasil. A velocidade de expansão

da Saúde da Família comprova a adesão de gestores estaduais e municipais aos seus

princípios. Iniciado em 1994, apresentou um crescimento expressivo nos últimos anos. A

consolidação dessa estratégia precisa, entretanto, ser sustentada por um processo que

permita a real substituição da rede básica de serviços tradicionais no âmbito dos

municípios e pela capacidade de produção de resultados positivos nos indicadores de saúde

e de qualidade de vida da população assistida.

A Saúde da Família como estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde tem

provocado um importante movimento com o intuito de reordenar o modelo de atenção no

SUS. Busca maior racionalidade na utilização dos demais níveis assistenciais e tem

produzido resultados positivos nos principais indicadores de saúde das populações

assistidas às equipes saúde da família.

Equipes de Saúde

O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de

comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e

desses com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde. As equipes são compostas,

no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e 6

agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta ainda com: um dentista, um

auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental.

Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de 3 mil a 4 mil e 500

pessoas ou de mil famílias de uma determinada área, e estas passam a ter co-

responsabilidade no cuidado à saúde. A atuação das equipes ocorre principalmente nas

unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade,

caracterizando-se: como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de

saúde; por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua

responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está

exposta; por prestar assistência integral, permanente e de qualidade; por realizar atividades

de educação e promoção da saúde.

E, ainda: por estabelecer vínculos de compromisso e de co-responsabilidade com a

população; por estimular a organização das comunidades para exercer o controle social das

ações e serviços de saúde; por utilizar sistemas de informação para o monitoramento e a

tomada de decisões; por atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas

com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que

transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as

condições de vida e saúde dos indivíduos-famílias-comunidade.

Agentes Comunitários de Saúde

O Programa de Agentes Comunitários de Saúde é hoje considerado parte da Saúde da

Família. Nos municípios onde há somente o PACS, este pode ser considerado um

programa de transição para a Saúde da Família. No PACS, as ações dos agentes

comunitários de saúde são acompanhadas e orientadas por um enfermeiro/supervisor

lotado em uma unidade básica de saúde.

Os agentes comunitários de saúde podem ser encontrados em duas situações distintas em

relação à rede do SUS: a) ligados a uma unidade básica de saúde ainda não organizada na

lógica da Saúde da Família;e b) ligados a uma unidade básica de Saúde da Família como

membro da equipe multiprofissional. Atualmente, encontram-se em atividade no país 204

mil ACS, estando presentes tanto em comunidades rurais e periferias urbanas quanto em

municípios altamente urbanizados e industrializados.

Valorização Profissional

O Ministério da Saúde reconhece e valoriza a formação dos trabalhadores como um

componente para o processo de qualificação da força de trabalho no sentido de contribuir

decisivamente para a efetivação da política nacional de saúde. Essa concepção da formação

busca caracterizar a necessidade de elevação da escolaridade e dos perfis de desempenho

profissional para possibilitar o aumento da autonomia intelectual dos trabalhadores,

domínio do conhecimento técnico-científico, capacidade de gerenciar tempo e espaço de

trabalho, de exercitar a criatividade, de interagir com os usuários dos serviços, de ter

consciência da qualidade e das implicações éticas de seu trabalho.

Desafios Institucionais

Como desafios institucionais para expandir e qualificar a atenção básica no contexto

brasileiro destaca-se:

1 - a expansão e estruturação de uma rede unidades básicas de saúde que permitam a

atuação das equipes na proposta da saúde da família;

2 - a contínua revisão dos processos de trabalho das equipes de saúde da família com

reforço as estruturas gerenciais nos municípios e estados;

3 - a elaboração de protocolos assistenciais integrados (promoção, prevenção, recuperação

e reabilitação) dirigidos aos problemas mais freqüentes do estado de saúde da população,

com indicação da continuidade da atenção, sob a lógica da regionalização, flexíveis em

função dos contextos estaduais, municipais e locais;

4 - ações que visem o fortalecimento das estruturas gerenciais nos municípios e estados

com vistas a: programação da atenção básica, supervisão das equipes, supervisão dos

municípios, supervisão regional, uso das informações para a tomada de decisão;

5 - revisão dos processos de formação. educação em saúde com ênfase na educação

permanente das equipes, coordenações e gestores;

6 - a definição de mecanismos de financiamento que contribuam para a redução das

desigualdades regionais e para uma melhor proporcionalidade entre os três níveis de

atenção;

7 - a institucionalização de processos de acompanhamento, monitoramento e avaliação da

atenção básica;

8 - ações articuladas com as instituições formadoras para promover mudanças na

graduação e pós-graduação dos profissionais de saúde, de modo a responder aos desafios

postos pela expansão e qualificação da atenção básica, incluindo aí a articulação com os

demais níveis de atenção.

Desempenho

- Modelo de Atenção à Saúde do Brasil é referência internacional.

- Estratégia Saúde da Família como desenhada no caso Brasileiro é destaque e modelo para

outros países.

- Atenção Básica em Saúde é a pauta política dos gestores públicos.

- A estratégia Saúde da Família está consolidada nos municípios brasileiros.

- Estudos acadêmicos em curso demonstram que a Saúde da Família no período de 1992 a

2002 apresenta indicadores animadores como a redução da mortalidade infantil.

- Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade de São

Paulo e Universidade de Nova York, demonstra que a cada 10% de aumento de cobertura o

índice de mortalidade infantil cai em 4,6%.

- Aumento da satisfação dos usuários quanto ao atendimento recebido resultado das

mudanças das práticas das equipes de saúde.

Responsabilidades das Esferas Gestoras em Atenção Básica

Federal

- Elaborar as diretrizes da política nacional de atenção básica;

- Co-financiar o sistema de atenção básica;

- Ordenar a formação de recursos humanos;

- Propor mecanismos para a programação, controle, regulação e avaliação da atenção

básica;

- Manter as bases de dados nacionais.

Estadual

- Acompanhar a implantação e execução das ações de atenção básica em seu território;

- Regular as relações inter-municipais;

- Coordenar a execução das políticas de qualificação de recursos humanos em seu

território;

- Co-financiar as ações de atenção básica;

- Auxiliar na execução das estratégias de avaliação da atenção basica em seu território.

Municipal

- Definir e implantar o modelo de atenção básica em seu território;

- Contratualizar o trabalho em atenção básica;

- Manter a rede de unidades básicas de saúde em funcionamento (gestão e gerência);

- Co-financiar as ações de atenção básica;

- Alimentar os sistemas de informação;

- Avaliar o desempenho das equipes de atenção básica sob sua supervisão.

O SUS PODE SER SEU MELHOR PLANO DE SAÚDE

Apresentação

Todos os brasileiros e brasileiras, desde o nascimento, têm direito aos serviços de

saúde gratuitos. Mas ainda faltam recursos e ações para que o sistema público atenda com

qualidade toda a população.

Você, que utiliza esses serviços, conhece bem as dificuldades e pode se valer desta

cartilha para conhecer seus direitos e exigir que eles sejam cumpridos.

Esta publicação também é de muita utilidade para quem possui um plano de saúde.

Se você fez essa opção, deve ter sido porque o sistema público ainda não funciona como

deveria e porque tem condições econômicas para tanto. Mas, certamente, você não deve

estar satisfeito com a idéia de pagar impostos para não receber nada em troca e, ao mesmo

tempo, pagar mensalidades altas para ter um plano que, ainda por cima, tem limitações,

impõe dificuldades, enfim, deixa muito a desejar.

O Idec sempre atuou na defesa dos usuários de planos de saúde e continuará nessa

batalha. Mas, por não acreditar que os planos sejam a solução, nem para os atuais usuários

muito menos para toda a população, é que decidimos participar da luta pela melhoria dos

serviços públicos. O Idec espera que, um dia, os consumidores deixem de ser reféns dos

planos de saúde e possam fazer valer o dinheiro pago com seus impostos.

Vale ressaltar que, em alguma medida, mesmo quem tem um plano de saúde é

também usuário do SUS, já que se beneficia das campanhas de vacinação; das ações de

prevenção e de vigilância sanitária (como controle de sangue e hemoderivados, registro de

medicamentos etc.); ou de eventual atendimento de alta complexidade, quando este é

negado pelo plano de saúde. Como você pode ver, o SUS não está tão longe quanto parece.

O Idec convida você a conhecer seus direitos, os avanços já conquistados e ajudar a

transformar o SUS no verdadeiro plano de saúde do Brasil. Marilena Lazzarini

Coordenadora Executiva do Idec

O plano de saúde de todos os brasileiros

Há mais de 15 anos o Brasil vem implantando o Sistema Único de Saúde, o SUS,

criado para ser o sistema de saúde dos 170 milhões de brasileiros, sem nenhum tipo de

discriminação. Está enganado quem pensa que o SUS se resume a consultas, exames e

internações. O sistema hoje faz muito com poucos recursos e também se especializou em

apresentar soluções para casos difíceis, como o atendimento aos doentes de Aids e os

transplantes.

O orçamento do SUS conta com menos de R$ 20,00 reais mensais por pessoa. Isso

é dez vezes menos do que é destinado pelos sistemas de saúde dos países desenvolvidos e

bem abaixo do valor de qualquer mensalidade de um plano de saúde.

Por outro lado, os planos privados de saúde, que atendem 35 milhões de brasileiros,

estão longe de representar a solução para a saúde no Brasil. É ilusão achar que os planos

prestam serviços de qualidade. Além de custarem caro, muitas vezes negam o atendimento

quando o cidadão mais precisa: deixam de fora medicamentos, exames, cirurgias e muitas

vezes dificultam o atendimento dos cidadãos idosos, dos pacientes crônicos, dos portadores

de patologias e deficiências.

Alguns donos de planos de saúde já compararam os doentes e idosos a “carros

batidos”. Como só visam o lucro, eles preferem ter como “clientes” apenas os jovens e os

sadios.

Compare a diferença entre os dois sistemas:

Planos de saúde SUS

Só tem direito quem adere ao plano Todos têm direito, desde o nascimento

Só tem direito quem pode pagar Os serviços são gratuitos

A finalidade é o lucro A finalidade é a promoção e a recuperação

da saúde

Quem paga mais, recebe mais e

melhores serviços

Não há discriminação. Todos têm direito a

todos os serviços

Idosos pagam mais caro Não há discriminação

Doentes sofrem restrições e precisam pagar

mais caro para ter atendimento

Não há discriminação

Há carências de até 2 anos Não existem carências

Só realiza atendimento

médico-hospitalar

Dá atendimento integral

Há planos que não cobrem internação e parto Dá atendimento integral

Há planos que não cobrem exames e

procedimentos complexos

Dá atendimento integral

Em geral, os planos não cobrem

Doenças profissionais e

acidentes de trabalho

Não há restrições, apesar das deficiências

Não têm compromisso com a prevenção de

doenças

Realiza prevenção de doenças e campanhas

educativas em saúde

Aposentados, ex-funcionários, ex-

sindicalizados e ex-associados perdem

direitos do plano coletivo com o tempo

Pode ser utilizado independentemente de

qualquer situação ou vínculo empregatício

Você paga duas vezes, e ainda não fica satisfeito

Todos os cidadãos pagam mais de uma vez para ter acesso à saúde, mas, em geral,

nem o usuário do SUS, nem o consumidor de planos de saúde, está satisfeito com o

atendimento que recebe.

Boa parte do dinheiro para financiar o SUS vem de contribuições sociais de patrões

e empregados. Outra parte vem do pagamento de impostos embutidos no preço de produtos

e serviços (Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS) e também de impostos

sobre o lucro (o Cofins), sobre os automóveis (o IPVA) e sobre a movimentação financeira

(a CPMF).

Os planos de saúde não são financiados apenas pelas mensalidades dos usuários ou

pelas empresas que pagam o benefício para seus funcionários. Indiretamente, eles recebem

recursos públicos, como, por exemplo, por meio dos planos de saúde contratados para

funcionários públicos. Além disso, os planos de saúde tiram muitas vantagens do SUS.

Quando o plano nega um atendimento (a negativa pode ou não estar prevista no contrato),

como exames e procedimentos caros e complexos, é o SUS quem acaba atendendo o

cidadão.

Mesmo quando o paciente tem plano de saúde, o SUS atende todos os casos de

urgência e emergência que dão entrada nos hospitais públicos, a exemplo dos acidentes de

trânsito. Nestes casos, o SUS paga a conta que deveria ser da empresa de plano de saúde e

poucas vezes é ressarcido pelo atendimento prestado.

Outro desvio é a prática ilegal da “fila dupla”, quando as unidades do SUS,

principalmente hospitais universitários, fazem parcerias com planos de saúde. Neste caso,

os usuários dos planos recebem atenção diferenciada, “furam” a longa fila de espera do

SUS de marcação de exames e consultas, passam na frente nas cirurgias e demais

procedimentos, além de serem atendidos e até internados em melhores acomodações.

Conheça melhor o SUS, um direito de todos

A saúde no Brasil é direito de todos e dever do Estado. Mais que isso, a saúde é

item de relevância pública, o que assegura a participação do Ministério Público na

fiscalização do cumprimento das leis.

O SUS é um sistema porque é formado por várias instituições dos três níveis de

governo (União, estados e municípios) e pelo setor privado, com o qual são feitos contratos

e convênios para a realização de serviços e ações, como se fosse um mesmo corpo. Assim,

o serviço privado (um hospital, por exemplo), quando é contratado pelo SUS, deve atuar

como se fosse público.

O SUS é único, porque tem a mesma filosofia de atuação em todo o território

nacional e é organizado de acordo com uma mesma lógica. Além disso, o SUS:

- É universal porque deve atender a todos, sem distinções, de acordo com suas

necessidades; e sem cobrar nada, sem levar em conta o poder aquisitivo ou se a pessoa

contribui ou não com a Previdência Social.

- É integral, pois a saúde da pessoa não pode ser dividida e, sim, deve ser tratada como um

todo. Isso quer dizer que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o

indivíduo e para a comunidade, para a prevenção e para o tratamento, sempre respeitando a

dignidade humana.

- Garante eqüidade, pois deve oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades

de cada um; dar mais para quem mais precisa.

- É descentralizado, pois quem está próximo dos cidadãos tem mais chances de acertar na

solução dos problemas de saúde. Assim, todas as ações e serviços que atendem a

população de um município devem ser municipais; as que servem e alcançam vários

municípios devem ser estaduais e aquelas que são dirigidas a todo o território nacional

devem ser federais. O SUS tem um gestor único em cada esfera de governo. A Secretaria

Municipal de Saúde, por exemplo, tem que ser responsável por todos os serviços

localizados na cidade.

- É regionalizado e hierarquizado: os serviços de saúde devem estar dispostos de maneira

regionalizada, pois nem todos os municípios conseguem atender todas as demandas e todo

tipo de problemas de saúde. Os serviços de saúde devem se organizar regionalmente e

também obedecer a uma hierarquia entre eles. As questões menos complexas devem ser

atendidas nas unidades básicas de saúde, passando pelas unidades especializadas, pelo

hospital geral até chegar ao hospital especializado.

- Prevê a participação do setor privado: as ações serão feitas pelos serviços públicos e de

forma complementar pelo setor privado, preferencialmente pelo setor filantrópico e sem

fins lucrativos, por meio de contrato administrativo ou convênio, o que não descaracteriza

a natureza pública dos serviços.

- Deve ter racionalidade: o SUS deve se organizar para oferecer ações e serviços de acordo

com as necessidades da população e com os problemas de saúde mais freqüentes em cada

região. Uma cidade não pode, por exemplo, manter um hospital e não dispor de unidades

básicas de saúde.

- Deve ser eficaz e eficiente: deve prestar serviços de qualidade e apresentar soluções

quando as pessoas o procuram ou quando há um problema de saúde coletiva. Deve usar da

racionalidade, utilizar as técnicas mais adequadas, de acordo com a realidade local e a

disponibilidade de recursos, eliminando o desperdício e fazendo com que os recursos

públicos sejam aplicados da melhor maneira possível.

- Deve promover a participação popular: o SUS é democrático porque tem mecanismos de

assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos com o sistema -

governos, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e, principalmente, os usuários

dos serviços, as comunidades e a população. Os principais instrumentos para exercer esse

controle social são os conselhos e as conferências de saúde, que devem respeitar o critério

de composição paritária (participação igual entre usuários e os demais); além de ter caráter

deliberativo, isto é, ter poder de decisão.

O SUS já provou que pode dar certoFonte: Ministério da Saúde e Fundação Oswaldo Cruz, 2002.

Você já deve ter ouvido falar muito mal do SUS. Freqüentemente, jornais, rádios e

TVs apresentam o seu lado ruim: filas de espera, hospitais lotados e sucateados, situações

de mau atendimento, falta de remédios e outros problemas.

O lado bom do SUS é mesmo muito pouco conhecido, pois há preconceito,

desinformação e até má fé de alguns setores que lucram com a exposição negativa dos

serviços públicos de saúde. Conheça alguns dos avanços e das conquistas do SUS:

- Dá assistência integral e totalmente gratuita para a população de portadores do HIV e

doentes de Aids, renais crônicos e pacientes com câncer.

- Realiza, por ano, 2,4 consultas para cada brasileiro; 2,5 milhões de partos; 200 milhões

de exames laboratoriais; 6 milhões de ultrassonografias.

- Na última década houve aumento da esperança de vida dos brasileiros; diminuição da

mortalidade e da desnutrição infantil; eliminação da varíola e da poliomielite; controle da

tuberculose infantil, tétano, sarampo e de muitas doenças que podem ser prevenidas com

vacinação.

- Mantém 500.000 profissionais de saúde, 6.500 hospitais, 487.000 leitos, onde são

realizadas mais de um milhão de internações por mês. Conta com 60.000 unidades básicas

de saúde, que realizam 350 milhões de atendimentos por ano.

- Realiza 85% de todos os procedimentos de alta complexidade do país. Em 2000, fez 72

mil cirurgias cardíacas, 420 mil internações psiquiátricas, 90 mil atendimentos de

politraumatizados no sistema de urgência emergência, 7.234 transplantes de órgãos.

- O Programa Saúde da Família do SUS contava com mais de 16.000 equipes no final de

2002, atendendo 55 milhões de pessoas, presente em 90% dos municípios brasileiros.

- Realiza por ano 165.000 cirurgias de catarata; distribui 200 milhões de preservativos;

realiza campanhas educativas; ações de vigilância sanitária de alimentos e medicamentos;

além do controle de doenças e epidemias.

- Os brasileiros que conseguem ser atendidos pelo SUS estão satisfeitos com o tratamento

que recebem. Pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em 2001, com 110 mil usuários

internados pelo SUS, mostra que 85% consideram excelente ou bom o atendimento

oferecido pelo hospital.

- Outra pesquisa, do Ibope, revelou que a metade da população acredita que a implantação

do SUS está dando certo e 41% admitem que a qualidade dos serviços vem melhorando.

Não são poucas as dificuldades do SUS

As dificuldades do SUS são conhecidas, mas não podem ser generalizadas. Muitos

municípios, que assumiram a saúde de seus cidadãos, que respeitam a lei e investem

recursos próprios, estão conseguindo prestar atendimento com qualidade e dignidade a toda

a população. Todos nós podemos dar uma contribuição, pois ainda persistem muitos

problemas que precisam ser enfrentados:

- Muita gente não consegue ter acesso ao SUS. Em algumas cidades, principalmente nos

grandes centros, é longa a fila de espera para consultas, exames e cirurgias.

- Dependendo do local, é comum não haver vagas para internação, faltam médicos,

pessoal, medicamentos e até insumos básicos. Também é grande a demora nos

encaminhamentos e na marcação para serviços mais especializados.

- Muitas vezes os profissionais não estão preparados para atender bem a população, sem

contar que as condições de trabalho e de remuneração são geralmente muito ruins. Isso

também acontece nos planos de saúde, que remuneram mal os profissionais credenciados.

- O atendimento às emergências está longe de ser o adequado, principalmente às vítimas da

violência e dos acidentes de trânsito.

- São precários os serviços de reabilitação, o atendimento aos idosos, a assistência em

saúde mental e os serviços odontológicos. Nos planos de saúde, a situação não é muito

diferente: é comum a restrição aos serviços de reabilitação, à saúde mental e os serviços

odontológicos, normalmente, são excluídos. Os idosos, por sua vez, sofrem com os altos

preços das mensalidades.

- De acordo com pesquisas realizadas pelo Idec, em 2002, apenas 54% de 61

medicamentos básicos estavam disponibilizados em centros de saúde de 11 cidades. Outra

pesquisa do Idec demonstrou que em alguns municípios os usuários precisam chegar de

madrugada ou retornar várias vezes para marcar um exame preventivo.

Faltam recursos e políticas sociais

A saúde da população não depende somente do SUS, mas também de investimento

de recursos, de políticas econômicas e sociais. A garantia de emprego, salário, casa,

comida, educação, lazer e transporte interfere nas condições de saúde e de vida. Saúde não

é só atendimento médico, mas também prevenção, educação, recuperação e reabilitação.

Além disso, veja só o que está por trás das dificuldades do SUS:

- O orçamento público destinado ao SUS é insuficiente, o que fica pior com a política

econômica do governo; a CPMF (o “imposto” do cheque), criada para melhorar a saúde,

acabou sendo usado para outros fins; há estados e municípios que descumprem a

Constituição e não destinam os recursos previstos para a saúde.

- Parte do dinheiro da saúde, que já é pouco, está sendo desviada para pagamento de

salários de aposentados, pagamento de dívidas, obras de outros setores e até pagamento de

planos privados de saúde para funcionários públicos.

- A implantação do SUS esbarra na falta de vontade política de muitos governantes e na

falta de organização da sociedade, especialmente aqueles mais pobres e marginalizados,

que têm dificuldades de mobilização para pressionar as autoridades.

Está tudo na Constituição. Só falta cumprir.

Resultado de muita luta e mobilização da sociedade, a Constituição Brasileira

reconheceu a saúde com um direito de cidadania e instituiu um sistema de saúde que

precisa ser implementado.

Com base na Constituição Federal; na Lei 8080/90, a Lei Orgânica da Saúde; na

Lei 8142/90, que trata da participação da sociedade e do financiamento da saúde; e nas

demais leis que de alguma forma relacionam-se com o tema, o Idec elencou os principais

direitos dos usuários de ações e serviços de saúde. Conheça de perto esses direitos e passe

a lutar por eles no seu dia a dia.

São seus direitos:

- Ter acesso ao conjunto de ações e serviços necessários para a promoção, a proteção e a

recuperação da sua saúde.

- Ter acesso gratuito, mediante financiamento público, aos medicamentos necessários para

tratar e restabelecer sua saúde.

- Ter acesso ao atendimento ambulatorial em tempo razoável para não prejudicar sua

saúde. Ter à disposição mecanismos ágeis que facilitem a marcação de consultas

ambulatoriais e exames, seja por telefone, meios eletrônicos ou pessoalmente.

- Ter acesso a centrais de vagas ou a outro mecanismo que facilite a internação hospitalar,

sempre que houver indicação, evitando que, no caso de doença ou gravidez, você tenha que

percorrer os estabelecimentos de saúde à procura de um leito.

- Ter direito, em caso de risco de vida ou lesão grave, a transporte e atendimento adequado

em qualquer estabelecimento de saúde capaz de receber o caso, independente de seus

recursos financeiros. Se necessária, a transferência somente poderá ocorrer quando seu

quadro de saúde tiver estabilizado e houver segurança para você.

- Ser atendido, com atenção e respeito, de forma personalizada e com continuidade, em

local e ambiente digno, limpo, seguro e adequado para o atendimento.

- Ser identificado e tratado pelo nome ou sobrenome e não por números, códigos ou de

modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso.

- Ser acompanhado por pessoa indicada por você, se assim desejar, nas consultas,

internações, exames pré-natais, durante trabalho de parto e no parto. No caso das crianças,

elas devem ter no prontuário a relação de pessoas que poderão acompanhá-las

integralmente durante o período de internação.

- Identificar as pessoas responsáveis direta e indiretamente por sua assistência, por meio de

crachás visíveis, legíveis e que contenham o nome completo, a profissão e o cargo do

profissional, assim como o nome da instituição.

- Ter autonomia e liberdade para tomar as decisões relacionadas à sua saúde e à sua vida;

consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e com adequada informação prévia,

procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou outros atos médicos a serem realizados.

- Se você não estiver em condição de expressar sua vontade, apenas as intervenções de

urgência, necessárias para a preservação da vida ou prevenção de lesões irreparáveis,

poderão ser realizadas sem que seja consultada sua família ou pessoa próxima de

confiança. Se, antes, você tiver manifestado por escrito sua vontade de aceitar ou recusar

tratamento médico, essa decisão deverá ser respeitada.

- Ter liberdade de escolha do serviço ou profissional que prestará o atendimento em cada

nível do sistema de saúde, respeitada a capacidade de atendimento de cada estabelecimento

ou profissional.

- Ter, se desejar, uma segunda opinião ou parecer de outro profissional ou serviço sobre

seu estado de saúde ou sobre procedimentos recomendados, em qualquer fase do

tratamento, podendo, inclusive, trocar de médico, hospital ou instituição de saúde.

- Participar das reuniões dos conselhos de saúde; das plenárias das conferências de saúde;

dos conselhos gestores das unidades e serviços de saúde e outras instâncias de controle

social que discutem ou deliberam sobre diretrizes e políticas de saúde gerais e específicas.

- Ter acesso a informações claras e completas sobre os serviços de saúde existentes no seu

município. Os dados devem incluir endereços, telefones, horários de funcionamento,

mecanismos de marcação de consultas, exames, cirurgias, profissionais, especialidades

médicas, equipamentos e ações disponíveis, bem como as limitações de cada serviço.

- Ter garantida a proteção de sua vida privada, o sigilo e a confidencialidade de todas as

informações sobre seu estado de saúde, inclusive diagnóstico, prognóstico e tratamento,

assim como todos os dados pessoais que o identifiquem, seja no armazenamento, registro

e transmissão de informações, inclusive sangue, tecidos e outras substâncias que possam

fornecer dados identificáveis. O sigilo deve ser mantido até mesmo depois da morte.

Excepcionalmente, poderá ser quebrado após sua expressa autorização, por decisão

judicial, ou diante de risco à saúde dos seus descendentes ou de terceiros.

- Ser informado claramente sobre os critérios de escolha e seleção ou programação de

pacientes, quando houver limitação de capacidade de atendimento do serviço de saúde. A

prioridade deve ser baseada em critérios médicos e de estado de saúde, sendo vetado o

privilégio, nas unidades do SUS, a usuários particulares ou conveniados de planos e

seguros saúde.

- Receber informações claras, objetivas, completas e compreensíveis sobre seu estado de

saúde, hipóteses diagnósticas, exames solicitados e realizados, tratamentos ou

procedimentos propostos, inclusive seus benefícios e riscos, urgência, duração e

alternativas de solução. Devem ser detalhados os possíveis efeitos colaterais de

medicamentos, exames e tratamentos a que será submetido. Suas dúvidas devem ser

prontamente esclarecidas.

- Ter anotado no prontuário, em qualquer circunstância, todas as informações relevantes

sobre sua saúde, de forma legível, clara e precisa, incluindo medicações com horários e

dosagens utilizadas, risco de alergias e outros efeitos colaterais, registro de quantidade e

procedência do sangue recebido, exames e procedimentos efetuados. Cópia do prontuário e

quaisquer outras informações sobre o tratamento devem estar disponíveis, caso você

solicite.

- Receber as receitas com o nome genérico dos medicamentos prescritos, datilografadas,

digitadas ou escritas em letra legível, sem a utilização de códigos ou abreviaturas, com o

nome, assinatura do profissional e número de registro no órgão de controle e

regulamentação da profissão.

- Conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados e poder verificar, antes de

recebê-los, o atestado de origem, sorologias efetuadas e prazo de validade.

- Ser prévia e expressamente informado quando o tratamento proposto for experimental ou

fizer parte de pesquisa, o que deve seguir rigorosamente as normas de experimentos com

seres humanos no país e ser aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do hospital

ou instituição.

- Não ser discriminado nem sofrer restrição ou negação de atendimento, nas ações e

serviços de saúde, em função da idade, raça, gênero, orientação sexual, características

genéticas, condições sociais ou econômicas, convicções culturais, políticas ou religiosas,

do estado de saúde ou da condição de portador de patologia, deficiência ou lesão

preexistente.

- Ter um mecanismo eficaz de apresentar sugestões, reclamações e denúncias sobre

prestação de serviços de saúde inadequados e cobranças ilegais, por meio de instrumentos

apropriados, seja no sistema público, conveniado ou privado.

- Recorrer aos órgãos de classe e conselhos de fiscalização profissional visando a denúncia

e posterior instauração de processo ético-disciplinar diante de possível erro, omissão ou

negligência de médicos e demais profissionais de saúde durante qualquer etapa do

atendimento ou tratamento.Esta publicação, uma iniciativa do Idec com o apoio da Fundação Rockfeller,

é destinada a informar e orientar os cidadãos sobre seus direitos

às ações e aos serviços de saúde.