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SEM INVENÇÕES 19 de abril de 2015, 7h30 Por Dierle Nunes e Flavio Quinaud Pedron Em outra oportunidade se pontuou que o papel da doutrina na aplicação do Direito precisava “ser revitalizado, porque é a partir de uma teorização adequada que a ciência do Direito se desenvolve e se renova. E no direito processual a situação é ainda mais delicada, em face da proximidade de um Novo Código de Processo Civil.”[1] O argumento do aludido texto se preocupava com a necessidade de interlocução entre a doutrina e o direito jurisprudencial. No entanto, a mesma advertência ganha ainda maior destaque no contexto da interpretação e aplicação do CPC-2015 em decorrência da tendência de uma “inflação” principiológica que a nova legislação se mostra propensa a gerar entre os doutrinadores. O fenômeno da criação de princípios sem conteúdo normativo vem sendo há muito denunciada por pensadores brasileiros,[2] especialmente em face da força (normativa) que tais normas obtiveram no período posterior à Constituição de 1988. Em decorrência do sistema jurídico ter se tornado principiológico, o legislador os levou tão à sério ao elaborar o CPC-2015 com a adoção de normas fundamentais em seu bojo. Com tais premissas, sob a égide da nova lei, “juízes, assim como todos os demais sujeitos do processo, estão sobremaneira vinculados à normatividade. A invocação de um princípio precisa encontrar lastro normativo. Não bastam argumentos lógicos, morais, pragmáticos etc. para se “inferir” um princípio (não é porque determinado argumento faz sentido ou produz bons resultados que isso o credencia a princípio): tais argumentos até podem ser usados pelo legislador para elaborar uma nova norma, mas não pelo juiz ao solucionar um Doutrina deve ter prudência e rigor ao definir princípios do Novo CPC

ConJur - Doutrina Deve Ter Prudência Ao Definir Princípios Do Novo CPC

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  • 12/05/2015 ConJurDoutrinadeveterprudnciaaodefinirprincpiosdoNovoCPC

    http://www.conjur.com.br/2015abr19/doutrinaprudenciadefinirprincipioscpc?imprimir=1 1/4

    SEM INVENES

    19 de abril de 2015, 7h30

    PorDierle NuneseFlavio Quinaud Pedron

    Em outra oportunidade se pontuou que o papel da doutrina na aplicaodo Direito precisava ser revitalizado, porque a partir de uma teorizaoadequada que a cincia do Direito se desenvolve e se renova. E no direitoprocessual a situao ainda mais delicada, em face da proximidade deum Novo Cdigo de Processo Civil.[1]

    O argumento do aludido texto se preocupava com a necessidade deinterlocuo entre a doutrina e o direito jurisprudencial.

    No entanto, a mesma advertncia ganha ainda maior destaque no contexto dainterpretao e aplicao do CPC-2015 em decorrncia da tendncia de umainflao principiolgica que a nova legislao se mostra propensa a gerarentre os doutrinadores.

    O fenmeno da criao de princpios sem contedo normativo vem sendo hmuito denunciada por pensadores brasileiros,[2] especialmente em face dafora (normativa) que tais normas obtiveram no perodo posterior Constituio de 1988.

    Em decorrncia do sistema jurdico ter se tornado principiolgico, o legisladoros levou to srio ao elaborar o CPC-2015 com a adoo de normasfundamentais em seu bojo.

    Com tais premissas, sob a gide da nova lei, juzes, assim como todos osdemais sujeitos do processo, esto sobremaneira vinculados normatividade.A invocao de um princpio precisa encontrar lastro normativo. No bastamargumentos lgicos, morais, pragmticos etc. para se inferir um princpio(no porque determinado argumento faz sentido ou produz bons resultadosque isso o credencia a princpio): tais argumentos at podem ser usados pelolegislador para elaborar uma nova norma, mas no pelo juiz ao solucionar um

    Doutrina deve ter prudncia e rigor ao definirprincpios do Novo CPC

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    caso.[3]

    Se esta assertiva, acerca dos princpios, se aplica em relao aos sujeitosprocessuais, a mesma ganha ainda maior destaque em relao literaturajurdica ou doutrina.

    Nesse mesmo passo, tambm no pode a doutrina brasileira comear ainventar princpios que tambm carecem de lastro normativo. Dworkin (que um importante autor quando falamos do estudo e das definiescontemporneas sobre o tema) preciso em afirmar que os princpios sofrutos da histria institucional de uma dada comunidade, razo pela qual noso inventados por atos criativos individuais, e sim, compreendem umreconhecimento intersubjetivo de uma prtica social que espelha umacorreo normativa (dizem a respeito do que correto/lcito e do que incorreto/ilcito); isto , princpios estabelecem normas a respeito de direitosque encontram sua base na normatividade constitucional. Perder isso de vista, correr o risco de desvincular os princpios de sua fora normativa e, comisso, desnaturar sua normatividade (para no falar em um discursobanalizador).

    Paradoxalmente, ao ler textos acerca do Novo CPC j se comea a perceber aaluso a supostos novos princpios sem que o seu idealizador decline qualseria o mbito de sua correo normativa ou de vinculao com a histriainstitucional da comunidade jurdica brasileira. A simples existncia de novasregras no as habilita a serem aplicadas com a dimenso de normas-princpio.

    Ainda que tal doutrina se mostre bem intencionada, preciso identificar que ouso argumentativo que estabelece a diferena entre princpios, regras ediretrizes polticas, j que no se mostra plausvel a tese de Alexy de umadistino estrutural (morfolgica ou a priori).[4]

    Logo, quando a doutrina procura afirmar a existncia de novos princpiosprocessuais muito importante assumir um olhar crtico perante taisconcluses.

    Dessa feita, os discursos que parecem estruturar o que tal doutrinadenominam de novos princpios processuais se assemelham muito mais: (1)ora a um projeto (ou um plano de metas coletivas utilitrias), que demandauma concretizao e execuo no tempo, razo pela qual muito mais seaproximam das denominadas diretrizes polticas dado o carter utilitrio epragmtico do que a princpios; (2) ora a uma regra, que ainda que contenhadireitos, seja em razo de sua novidade, ou seja, em razo de sua importncia

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    para o sistema processual ou , at mesmo, simplesmente porque se querchamar a ateno para ela a batizam de princpio.

    Exatamente no momento em que vivemos, mostra-se crucial no banalizarmoso emprego dos princpios j existentes com criaes doutrinrias que em nadase apresentam como normas instituidores de direitos, j que conforme a crticade Streck, se assim no procedermos, abrimos as portas para alcanarmosexatamente o oposto do que deveramos pretender; ou seja, ao invs deafirmarmos a fora normativa dos princpios processuais jinstitucionalizados pela prtica jurdica e reconhecidos pela comunidade comodetentores de uma normatividade, acabamos por colocar em risco sua prpriafora normativa reduzindo-os a diretrizes polticas ou algo pior um merorecurso argumentativo retrico.

    Nesse ltimo cenrio, princpios sem fora normativa acabam por setransformar em meros topoi (lugares comuns, para utilizar a terminologia deViehweg, em uma argumentao tpica) e abrem a prtica jurdica para o riscode uma discricionariedade jurisdicional como j se vem denunciando e quetanto se quer evitar no Novo CPC.

    E, aqui, por bvio no se impede que novos princpios sejam derivados dosistema processual brasileiro, mas, para tanto, faz-se necessrio literaturajurdica indicar seus supostos e suas aplicaes deontolgicas. No bastanominar de modo inovador algo como princpio pelo simples interessecriativo ou efeito retrico.

    Cabe a todos os doutrinadores responsabilidade e reflexo neste momento detransio que, por via de consequncia, se transforma num momento muitodelicado.

    No momento de inventar, mas de atuar com fundamentao profunda ecriteriosa.

    Da a advertncia final: doutrina processual, convena-nos de seus novosprincpios!

    [1] NUNES, Dierle; REZENDE, Marcos; ALMEIDA, Helen. Doutrina no temcontribudo como deveria na aplicao do Direito. Revista Conjur. Acessvelem: http://www.conjur.com.br/2014-jul-30/doutrina-nao-contribuido-deveria-aplicacao-direito. O tema explorado de modo mais denso em: NUNES, Dierle;REZENDE, Marcos; ALMEIDA, Helen. A contribuio da doutrina na(con)formao do direito jurisprudencial: uma provocao essencial. Revista

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    de Processo. So Paulo, n. 232, jun. 2014.

    [2] Destaca-se, neste ponto, o argumento de Lenio Streck naquilo que o mesmoconvencionou nominar de fenmeno do pamprincipiologismo. Cf. STRECK,Lenio. O pamprincipiologismo e a flambagem do Direito. Revista Conjur.Acessvel em: http://www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito

    [3] THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON,Flvio. Novo CPC: Fundamentos e sistematizao. 2a Ed. Rio de Janeiro: GENForense, 2015. p. 62 e 63.

    [4] PEDRON, Flvio Quinaud. A proposta de Ronald Dworkin para umainterpretao construtiva do direito. Revista CEJ, v. 13, n. 47, out.-dez. 2009.Disponvel em: . Mais detalhes tambm em: ALEXY,Robert. Derecho y razn prctica. 2. ed. Cidade do Mxico: Fontamara, 1998; eSOUZA CRUZ, lvaro Ricardo. Regras e princpios: por uma distinonormoteortica. In: SOUZA CRUZ, lvaro Ricardo. Hermenutica jurdica e(m)debate. Belo Horizonte: Frum, 2007.

    Dierle Nunes advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto naPUC Minas e na UFMG e scio do escritrio Camara, Rodrigues, Oliveira &Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comisso de Juristas queassessorou na elaborao do Novo Cdigo de Processo Civil na Cmara dosDeputados.

    Flavio Quinaud Pedron scio do escritrio Tolentino, Chernicharo & PedronSociedade de Advogados, doutor em Direito pela UFMG, e professor adjunto naPUC-Minas, IBMEC e FUMEC.

    Revista Consultor Jurdico, 19 de abril de 2015, 7h30