32
o K ula espaço de troca entre estudantes de ciências sociais da usp edição #4 novembro/dezembro de 2011 “Consciência NegraC onsci ê ncia Ne g r a opinião . política . sociedade . movimento estudantil e educação . contos e crônicas . poesia . arte

“Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

o Kulaespaço de troca entre estudantes de ciências

sociais da usp

edição #4 novembro/dezembro de 2011

“Consciência Negra”

Consciência Negraopinião . política . sociedade . movimento estudantil e educação . contos e crônicas . poesia . arte

Page 2: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

2

Por que “O KULA”?

editorialFim de um ciclo 3

capa: cosciência negra Das mãos brancas de Isabel às mãos marcadas de muitas Marias, Joanas e Anastácias 5 Consciência negra, conscientização dos negros 6

política e sociedade Regulação, Imprensa e Idade Média 7 A Alienação da Marcha Contra a ‘’Corrupção’’ 8

PT: Utopia da academia ou um pilar da classe dominante? 9

Radicalismo de esquerda e oportunismo de centro 10

As (ben)ditas leis 11

movimento estudantil e educação Balanço do coletivo “Barricadas Abrem Caminhos” sobre o CeUPES em 2011 12

Onde foi parar o projeto “Graduação em Foco”? 13 Homenagem ao novo estatuto 14

As conchas dessa edição Os Estudantes de Ciências Sociais voltarão a ser Perigosos: Agora Estamos Organizados 15 Novos Marcos para o Movimento Estudantil 17 O Estatuto Social, a burocracia e o 18 de outubro nas Ciências Sociais da USP – Pt. 1 18

crônicas e contos Controlando a “maluquez” 19

poesia “Les mots en liberté” 20 DIFERENTE... 21 Cotidiano urbano 22 [Sem título] 23

crítica Desafinando o coro dos contentes 24 Oficina de Humanidade 25

indicações culturais Em Cartaz 26 Quando a GENTE fala: andando por ai e TAG-ficando 27

Os rituais do kula descritos por Malinowski na obra Os Argonautas do Pacífico Ocidental fazem parte, como diz o próprio autor, de uma ins-tituição social complexa que abarca diferentes sociedades das ilhas Tro-briand. Como um de seus objetivos, o kula permite que diferentes grupos sociais troquem produtos entre si, gerando uma imensa rede de comércio. Os principais objetos no kula, porém, não são os de subsistência, mas sim os vaygu’a (longos colares feitos de conchas vermelhas) e os mwali (bra-celetes feitos de conchas brancas). Estes objetos, que nunca param em uma só mão, conferem grande prestígio a quem o detém por determinado tempo. É interessante notar que quanto mais o objeto tenha sido trocado e tenha viajado pelas ilhas, mais prestígio e reconhecimento ele confere ao seu dono temporário. Fica claro, portanto, que as sociedades trobriandesas dão grande valor à troca e ao que vem de fora, trazendo novas perspectivas e ferra-mentas de interpretação do mundo. O jornal O KULA procura incentivar exatamente esta prática de troca de opiniões e perspectivas entre os alunos de Ciências Sociais. Esperamos, dessa forma, que o intercâmbio de idéias e reflexões faça parte da rotina de nosso curso.

Page 3: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

.

O KULA é uma publicação do Cen-tro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais (CeUPES), o centro acadêmico do curso de Ciên-cias Sociais da USP, construída em reuniões aber-tas da Comissão de Comunicação, Cultura e Arte da entidade. Todas as contribuições publicadas em O KULA, tanto no que diz respeito à forma quanto ao conteúdo, são de responsabilidade exclusiva dos autores que as assinam e não refletem necessaria-mente a opinião da atual gestão do centro acadê-mico nem do conjunto dos estudantes do curso. Críticas e sugestões serão sempre muito bem-vindas e devem ser encaminhadas por meio dos contatos relacionados abaixo. Uma versão di-gital de O KULA estará disponível em breve.Centro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais - CeUPESGestão Cirandeia - 2010/2011Blog: http://ceupes2011.wordpress.comE-mail: [email protected]: @ceupesFone: 3091-3748

3

As imagens dessa edição foram retiradas da internet. Caso você seja o autor de alguma de-las, entre em contato com o CeUPES para a pu-blicação dos créditos de autoria na próxima edi-ção.

Capa: “Cabeça de negro” - 1929 - Xilogravura de Lasar Segall. Releitura por Fernanda Ortega.

Conselho editorial desta edição: Beatriz Barros, Caetano Patta, Carlos Eduardo Alves, Christiano Peres, Danilo Restaino, Fernanda Kalianny, Gus-tavo Rego, Igor Costa, Max Gimenes, Mariana Varela, Paula Kaufmann, Raíza Lira e William Santana Santos.

Edição e diagramação: Fernanda Ortega, Max Gimenes e Raíza Lira.

As três primeiras edições diagramadas por Fer-nanda Ortega

Tiragem desta edição: 300 exemplares.

Page 4: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

editorial

4

Chegamos à quarta edição de nosso jornal O KULA, a última do ano de 2011 e também a última editada e publicada pelo CeUPES sob a gestão do grupo Cirandeia, Como os mandatos são de um ano, é geralmente neste mês de novembro que costuma acontecer a eleição para a nova diretoria de nos-so centro acadêmico. Esperamos que a disputa ocorra no mais alto nível do debate de ideias e projetos e, sobretudo, do respeito à pluralidade. Independentemente do resultado, esperamos também que este espaço de troca que é o jornal O KULA continue aberto a todxs que queiram se expressar em nosso curso. Quanto aos nossos critérios de publicação, mantivemos a per-missão restrita a uma contribuição por seção para cada estudante e a ausência de parâmetros de conteúdo, o que permite a O KULA que permaneça aberto à mesma pluralidade flagrante das edições anteriores, tendo sempre em mente apenas que machismo, racismo, homofobia ou qualquer outro tipo de ofensa à pessoa humana não serão permitidos. As regras do jogo estão todas no Projeto Editorial do jornal lá no blog do CeUPES e podem ser conferidas a qualquer momento por quem tiver interesse (ceupes2011.wordpress.com/jornal). Desta vez, aproveitando o momento oportuno do feriado de 20 de novembro e deste mês geralmente marcado por debates em torno da atual inserção da população negra na sociedade brasileira, a capa de nosso jornal traz como tema a “Consciência Negra”. E tem mais: agora O KULA, além das críticas de cultura, também tem indicações culturais compartilhadas por colegas. A notícia triste é que a seção “Quando eu era estudante de Ciências Sociais”, embora a rigor continue, desta vez não recebeu a tempo a contribuição de quem havia ficado de fazê-la. Se você tem ideias de convidadxs para as próximas edições, não deixe de mandar para a gente! Para que seja possível dar prosseguimento à sua missão de ser uma publicação construída de forma aberta e democrática, na qual to-dxs estudantes de nosso curso possam dividir informações, experiências, opiniões e conhecimentos por meio de artigos, poemas, contos, charges, tirinhas etc., de acordo ou não com o tema de capa, O KULA segue con-tando com a atenção e a colaboração de todxs. Não deixe de participar!

Gestão Cirandeia 2010/2011

Fim de um ciclo

Page 5: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Há não muito tempo, Nina Rodrigues, médico nascido no Mara-nhão, defendia que, apesar da variedade nas formas de hímens de todas as mu-lheres, as negras ou mulatas possuíam hímens semelhantes aos que já haviam sido rompidos. Gilberto Freyre, ao es-crever Casa Grande & Senzala, trazia uma visão bastante idealizada da cons-trução da nação brasileira, buscando entender em quais espaços essas mu-lheres estiveram presentes, trazia então a imagem da mestiça como uma impor-tante figura na construção da nação. Segundo o último autor, as mulheres negras e “mulatas” foram res-ponsáveis por uma parcela importante na educação das crianças brancas, nas modificações da linguagem – trans-formaram-se nas grandes contadoras de histórias –, no amadurecimento e conhecimento que as sinhazinhas re-cebiam antes de seus casamentos e, o mais evidente e que nos chama mais atenção, pela iniciação sexual dos cha-mados “donzelões” que habitavam a casa grande. No entanto, apesar de Freyre romantizar bastante o convívio que se deu entre mulheres negras/mestiças e os senhores brancos, sabemos que os acontecimentos do período da escravi-dão não foram bonitos e harmoniosos. Naquele momento, reproduziram-se

capa - consciência negra

Das mãos brancas de Isabel às mãos marcadas de muitas Marias, Joanas e Anastácias

Por Fernanda Kalianny Martins Sousa

relações sexuais que se davam sem le-var em consideração qual era a vontade das mulheres trazidas da África ou das escravas nascidas no Brasil. Foi a custo de muito sangue e sofrimento de mu-lheres indígenas e negras que a idealiza-ção de uma nação mestiça e racialmente democrática apontou os seus primeiros indícios, no século XIX. Construiu-se, então, gradu-almente a idéia de um país que trazia como peculiaridade a formação a partir de raças diferentes, foi se elaborando a “fábula das três raças” e aos poucos a noção de um país que não carregava em si o preconceito foi sendo defendi-da por muitos. As mulheres “mulatas” foram constituindo-se em objeto da sociedade brasileira – condicionadas aos acontecimentos históricos – e sen-do retratadas na literatura e nas letras de samba e de marchinhas de carnaval. Mas, afinal, qual era a imagem propaga-da nessas canções e nos personagens de literatura? Notamos claramente que a imagem das mulheres negras e mestiças na literatura ou nas canções era inten-samente erotizada, eram vistas como mulheres que se desejava possuir, mas não no sentido de contrair matrimônio. Tal imagem de mulher faceira e libidi-nosa contrapunha-se à mulher branca, menos vista sexualmente, encaixando-

se mais no papel de mãe, de procriado-ra. Não podemos deixar de questionar se a sociedade superou totalmente essa visão das mulheres negras... Ao tentarmos, nesse espaço de poucos caracteres, transpor o que acon-teceu no período da escravidão para o presente século, depararemo-nos com uma situação diferente, mas que assus-tadoramente ainda faz-nos lidar com pensamentos que carregam em si pre-conceitos imensos e que o tempo não conseguiu desconstruir totalmente. As mulheres negras continuam sendo vis-tas de forma intensamente erotizada, o que é evidente no turismo sexual das “morenas cor de jambo” em Salvador, por exemplo, ou na idealização de seus corpos que presenciamos na mídia; permanecem desempenhando papéis de empregadas domésticas em nove-las e filmes; cotidianamente continuam sendo vítimas de assédio sexual seja no ambiente de trabalho ou enquanto transitam pelas ruas; são as mulheres com maior número de mortes causados por abortos clandestinos; e, além disso, muitas ainda desmamam seus filhos para cuidar afetuosamente dos filhos da elite branca. E, enquanto isso, a gente ainda escuta todos os dias de pessoas diferen-tes, em momentos e espaços distintos, que não existe racismo no Brasil, so-bretudo, ouvimos que a luta feminista é algo ultrapassado, desnecessário e que não faz mais sentido. A princesa Isa-bel continua sendo colocada em muitas escolas como a mártir da Abolição da escravidão, e a luta que foi travada pelas mulheres negras, Marias, Anastácias, Joanas, entre tantas outras, permanece esquecida. Fernanda Kalianny Martins Sousa é estudante do terceiro ano e faz parte da gestão Cirandeia.

5

Page 6: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

No dia 20 de novembro co-memoramos, em nosso país, o dia da Consciência Negra, um dia dedi-cado à reflexão da inserção do negro na sociedade brasileira. Costuma ser uma data pra relembrar a resistência do movimento negro à escravidão e de celebração da cultura e história africana, mas é preciso sair dos mol-des formais da discussão feita nessa data pra uma análise da realidade de modo a entender os problemas que estão mais de fundo. Porque fato é que se propaga atualmente um fal-so discurso de igualdade racial, que foi reafirmado com a aprovação no último ano do Estatuto da Igualda-de Racial, uma lei que versa sobre ‘igualdade de oportunidades, a de-fesa dos direitos étnicos individu-ais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica’. Uma lei que de fato é muito bonita em seu con-teúdo, mas que efetivamente não cumpriu nenhum favor a população negra brasileira; porque não retrata a realidade, não a enxerga de fato. Não é difícil dizer que nos-so país é composto por uma maioria negra e pobre, é a popula-ção que está nos transportes lotados, nos tra-balhos mais precarizados, são a par-te mais subjugada dos brasileiros e o foram em toda a sua história, mas há nessa frase uma grande contradi-ção com o que os dados do Censo

capa - consciência negra

Consciência negra, conscientização dos negros

Por Thaís Santos

de 2010 mostram, pois apenas 7,3% dos brasileiros se declaram pretos, em contraposição com 47, 7% de brancos, mas so-mando o núme-ro de pretos e pardos chegaríamos a 50,4% da população não-branca, motivo de grande comemoração na mídia, porque pela primeira vez des-de 1872 (quando começaram a ser feitos Censos no país) a população não branca era maior. Mas há uma reflexão mais profunda que deve ser feita no dia da consciência negra, pois antes de se determinar algo que remeta a igualdade racial é preciso compreen-der que em um país como o Brasil a população auto-definida como ne-gra ser de 14,5 milhões demonstra uma grave crise de identidade racial, que só vem da opressão de se deno-minar do setor mais historicamente humilhado da sociedade, a própria população negra não se reconhecer enquanto tal só é um reflexo disso A maioria parda que existe em nosso país é negra, pois no fim das contas a opressão racial vem para aquele que se considera negro da mesma forma que pra quele que se conside-ra pardo. Se a proposta do dia 20 de novembro é celebrar o orgulho da cultura preta, todos os pre-tos brasi-leiros tem uma função ganhar todos os pardos pro fato de que há uma bonita história de luta que ainda se

reflete no seio dos setores mais po-bres de nossa sociedade que lidam com as dificuldades cotidianas, pra além de sofrerem coma opressão que deve ser reivindicado. Não há hoje em nosso país democracia racial, nem haverá en-quanto todos aqueles que são ne-gros diante das elites não se assumi-rem enquanto tais, nem enquanto a população negra estiver nos setores mais precarizados do mercado de trabalho. Pardo, ser pardo é ser não-branco e portanto é ser negro. Ser pardo é sofrer o preconceito racial da mesma forma, ser pardo é negar a negritude e negar a negritude é o máximo que pode chegar um negro de aceitação do preconceito. Mais da metade da população se declarar não-branca mesmo com toda ideo-logia racista que nos é passado co-tidianamente não pode ser menos-prezado, mas também não pode nos parecer suficiente, há uma luta a ser travada pela consciência negra; pra que os próximos 20 de novembro não sejam de uma suposta minoria, mas de grande parte do povo bra-sileiro, que nada terá de pardo, mas que será negro, reivindicando sua raiz, reivindicando sua liberdade.

Thaís Santos é estudante do se-gundo ano e membro do Col. Florestan/ ANEL e Movimento Qui-lombo Raça e Classe.

6

Page 7: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Sempre que se fala em regulação do mercado de Mídia, a Imprensa brasileira começa a espernear: gritam “censura!”, ou então “controle da imprensa!”. Porém, é preciso dizer, existe um abismo entre regular o mercado de mídia e “controlar a imprensa”. Afinal, do que se trata? A regulação de Mídia busca aprofundar a liberda-de de expressão através de regras que gerem pluralidade étnica, regional e ideológica nas Comunicações de um país. Mas para isso é preciso distinguir veículos privados de veículos público-estatais. Uma revista ou jornal tem e deve ter total liberdade para escolher o perfil ideológico de seus jornalistas. Já as concessões públicas de rádio e TV – “públicas”, portanto, estamos na esfera dos Deve-res – tem responsabilidades para com a sociedade, devem espelhar a diversidade social e não podem ser usadas para fins partidários-particulares. Globo, Record, Jovem Pan, Band etc são concessionárias de algo que é de todos os brasileiros: o espectro ele-tro-magnético. Portanto, têm deveres. Um marco regulatório da Mídia prevê um órgão regulador independente, que coíba o uso privado da coisa pública na área das Comunicações. No Brasil, tal prática corrupta “rola solta”: basta ligar a TV no canal da Ban-deirantes todas as noites que lá estará o pastor R.R.Soares e seu “Show da Fé”. Ou seja, a Band terceiriza um espa-ço público a fim de ganhar dinheiro. Outro exemplo de uso da coisa pública para fins privados é a “guerrinha” de Globo e Record. Em um país com tantos setores da so-ciedade necessitando expressar suas demandas, os barões da Mídia usam algo do povo da forma que querem, para fins particulares. A regulação de mídia já existe há décadas nas Democracias mais antigas. Em certos paí-ses da Europa, até os anarquistas tem acesso a rádio e TV, mas também outras minorias, como os “verdes” etc. Recentemente, países como Argentina e Equador também aprova-ram seus marcos regulatórios da imprensa. Sem dúvida um passo importantíssimo para nossos hermanos da Pátria Grande.

política e sociedade

Regulação, Imprensa e Idade MédiaPor Lucas Alex C. Santos

Portanto, o discurso da Imprensa brasileira de que “o governo quer censurar a mídia”, não cola. Até porque, governo que busca calar a imprensa, não faz Pla-no Nacional de Banda Larga (já que a liberdade de ex-pressão na internet é muito maior que em qualquer outro meio de comunicação). Vale destacar a conclusão de uma série de estudos da Unesco (ONU) sobre regulação de Mídia. Concluem que, se a liberdade de expressão é a mãe de todos os direi-tos, e a regulação de Mídia é a provedora da liberdade de expressão; logo, regulação de mídia é provedora de direi-tos, de cidadania. Tais estudos, referindo-se ao ambiente regulatório de Mídia no Brasil, recomendam: órgão re-gulador independente, fim da propriedade-cruzada (um mesmo grupo de Mídia deter rádios, TVs, jornais, revis-tas, portais de internet), transparência no licenciamento, impedir a concentração dos meios de comunicação, etc. Outra importante medida é uma imprensa pública vigo-rosa. Sem ela, nos diz Habermas em um texto chamado “O valor da notícia” (2007), “esse modo de organização [em que as comunicações são deixadas inteiramente a car-go do mercado] causou danos políticos e culturais”. E é este o ponto. Olhemos as eleições de 2010 e vejamos a que tipos de debates essa Imprensa, concentra-da nas mãos de meia-dúzia de famílias e totalmente priva-da, nos conduziu: aborto, religião, sem falar nas desinfor-mações: “nordestino vende voto para o PT em troca de Bolsa Família”, “Dilma vai legalizar o casamento gay!”. Alguém acha coin-cidência o fato de, após as eleições de 2010, os casos de agressão a homossexuais, ra-cismo, Bolsonaro, “Mov. São Paulo para paulistas” e preconceito contra nordestinos terem crescido exponencialmente? A esfera pública brasileira está podre, medieval. Sem regulação de mídia, concorrência e pluralidade, pre-paremo-nos para surfar a “Alta Idade Média”. Se é que já não estamos...

Lucas Alex C. Santos é estudante do quinto ano.7

Page 8: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

É comum observarmos na grande mídia, o PIG (Partido da Imprensa Golpista), que é um partido político que entra em cena em momentos de crise das instituições burguesas, que a corrupção, no Estado, é o maior problema do país, muito é dito que, se não fosse pela corrupção, o país seria diferente, haveria maiores investimentos na edu-cação, saúde, moradia, etc. Isso, de certo modo, é verdade e a corrupção deve sim ser combatida de todos os modos, afinal o dinheiro do contribuinte não deve ser usado para beneficiar uma ou outra pessoa em particular. Entretanto, não se pode deixar de observar o pensamento ideológico privatista que está por trás de tudo isso, afinal os principais responsáveis pela corrupção do país não estão no Estado, mas encontram-se no setor privado. Assim, o pensamen-to de que o Estado é um sério problema serve para que a população desacredite na política, se afaste dos partidos políticos, pense que o setor privado é menos corrupto que o Estado e influencie o individualismo na sociedade, pois, muitas vezes, é passado o pensamento de que se cada um fizer sua parte o mundo será melhor e agir coletivamente pode ser problemático pela idéia de que o setor público ou ações coletivas podem ser corruptas. Sou a favor de marchas e manifestações, afinal a constituição brasileira garante esses eventos, entretanto a Macha Contra a ‘’Corrupção’’ me fez lembrar da guerra ao terror, promovida pelos EUA, pois não sabemos onde o inimigo está, mas sabemos que ele existe, sendo que não sabemos onde está a corrupção e o PIG mostra fotos de Brasília com a intenção de falar: A corrupção está em Bra-sília! Pode ser até verdade, mas o que fazer para combater a corrupção? Quais sãos as propostas e os caminhos que devem ser seguidos? A grande mídia diz que devemos com-bater a corrupção, mas o que deve ser feito? Assim, caso a grande mídia realmente quisesse combater a corrupção no país acredito que ela deveria fazer campanhas massivas pelo financiamento público de campanha, afinal a maioria dos casos de corrupção existentes no Estado estão relacionadas com o a questão do caixa 2; deveriam haver campanhas para o fim do voto secreto no congresso, afinal isso relembra o período militar; deveriam haver campanhas massivas exigindo maior transparência em administrações públicas; deveriam defender o voto em lista, para que o excessivo personalismo fosse combatido; enfim existe uma

política e sociedade

A Alienação da Marcha Contra a ‘’Corrupção’’

Por João Paulo Gatti

série de propostas que poderiam ser defendidas, mas a Mar-cha Contra a Corrupção coloca como pauta o ‘’Manifestar pelo manifestar’’. Com isso, reflito que muitas coisas estão por trás dessas ‘’inocentes’’ marchas contra a corrupção, afinal não mostram como combater o inimigo e pode-se associar esses even-tos com a Marcha da Família com Deus pela Liberda-de, que aconteceu em 1964, afinal o importante é comba-ter a ‘’corrupção’’ e a ‘’imoralidade’’ sem nenhum debate profundo. Isso, apenas demonstra que são marchas que no fundo querem criticar o governo federal, pela política pro-movida nos últimos anos, e que não está preocupada em combater os problemas realmente, sem contar que muitos organizadores eram da juventude do PSDB e de pessoas que pertencem a partidos, supostamente, de extrema-esquerda. Também, não foi questionado a dívida e os juros que o Bra-sil paga, que se iniciaram no regime militar, e que hoje con-some mais de 44% do PIB; afinal, não seriam as questões econômicas fundamentais para serem envolvidas no debate contra a corrupção ? Assim, não sei se é por ingenuidade ou malícia, mas essas marchas são muito despolitizadas, pois não questionam fatos históricos de um passado recente da história brasileira e não possuem propostas efetivas para se combater a corrupção , parecendo que o único objetivo é atrair a classe média para criticar o governo federal, através de um debate superficial que é afastado de questões profun-das e, talvez, incentivar os setores mais conservadores, pois é importante lembrarmos que algumas fontes dizem que, na véspera do segundo turno, o José Serra teve uma boa conversa com alguns militares pró-64. Assim, gostaria que os esquerdistas pensassem duas vezes antes de participarem desse tipo de manifestação e quero terminar com a frase de um importante neolibelês (*), o Reinaldo Azevedo, sobre a marcha, que foi escrita no dia 12/10/2011, no sitio da Veja: Marcha Contra a Corrupção é, sim, um sucesso!

(*) ‘’Neolibelê’’ é uma homenagem carinhosa de algumas pessoas aos neoliberais brasileiros. Ao mesmo tempo, um reconhecimento sincero ao papel que a ‘’Libelu’’ trotskista desempenhou na forma-ção de quadros conservadores (e golpistas) de inigualável tenaci-dade. A Miriam Leitão é o maior expoente brasileiro da Teologia Neolibelê.

João Paulo Gatti é estudante do segundo ano.

8

Page 9: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Na edição #3 do Kula abriu-se uma grande polêmi-ca em relação ao texto de João Paulo Gatti, Viva Lula! Por mais que o texto seja um panfleto acrítico e até caricato, é ne-cessário se debruçar sobre a questão do lulismo pois muitos de seus quadros teóricos orbitam nossa estrutura curricular, além do PT ser um fenômeno político hegemonico entre os mais amplos setores da sociedade, incluindo os mais explo-rados. No espírito do texto de Armand Aupiais, primeiro interlocutor do debate, questiono as bases fundamentais do lulismo e suas principais contradições. Partindo de uma base militante histórica, forjada num espetacular ascenso da classe operária brasileira, o PT se constitui hoje como o maior en-trave para os avanços dessa mesma classe. Buscando ocupar o maior espaço político dentro da estrutura do parlamento burguês, o PT pactuou com os se-tores mais reacionáios e conservadores do Brasil e do mundo (Igreja, alto escalão do exército, agronegócio, Fiesp e a bur-guesia financeira) para buscar uma base que o possibilitasse governar com certa estabilidade. E é claro que acordos desta magnitude subentendem abrir mão do programa já limitado e reformista que apresentava o PT durante o ascenso. João Paulo fundamenta sua tese lulista na “conten-ção do imperialismo, no fortalecimento das instituições de-mocráticas, nos avanços sociais e a participação do Estado na economia”. Pois, na realidade os 8 anos de Lula aumentaram a concentração de terras (aumento de 0,856 pontos na década de 1990 para 0,872 na seguinte de acordo com o índice Gini), aprofundando o atraso do campo brasileiro para baratear o custo da reprodução de mão de obra urbana no país. Segun-do o IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), entre 2002 e 2010, embora tenha havido cresci-mento de 24,6% da produtividade, a massa salarial aumentou apenas 19,4%: um aumento na taxa de exploração, baseado no trabalho precário e rotativo dos semiescravos que, de JI-RAU à USP, esse ano começaram a se revoltar. Por outro lado, enquanto o governo gastou, em 2010, 44,93% do or-çamento público federal em amortizações e refinanciamento da dívida soberana no Estado, destina 2,74% aos programas de assistência social, 3,91% à saúde, 2,89% para a educação e menos de 0,01% com programas de habitação. Assim ques-tiono também Armand e sua definição de que há um avanço na política orientada para os mais pobres. Qual parte então,

política e sociedade

PT: Utopia da academia ou um pilar da classe dominante?por Alexandre Guimarães

ficou destinada aos avanços sociais? O BNDES destina 76% de seus empréstimos a grandes monopólios nacionais e estrangeiros (Petrobrás, Eletrobras, Camargo Corrêa, Odebretch, Vale Votorantin JBS, OI e outras) Mesmo as grandes empresas estatais possuem diver-sos mecanismos de privatização endossados no governo do PT. A Petrobrás permite a exploração de petróleo, através de concessões feitas no governo FHC e Lula, à multinacionais Shell, Exxon, Repsol além do conglomerado do Eike Batista, possui 52% de seu capital social (direito sobre lucros) em mão privadas. Como então mencionar uma contenção do imperialismo? Como reivindicar a presença do Estado na economia se ele apenas aprofunda a concentração de renda nos monopólios nacionais e estrangeiros? Num país tão desigual, apenas medidas assistencia-listas não são suficientes para conter a explosiva população revoltosa com sua situação miserável em relação aos bilio-nários brasileiros, sendo necessário manter a terceira maior população carcerária do mundo e assassinar 2000 pobres, negros e favelados, como bem ressaltou Armand. De fato houve um fortalecimento das "instituições democráticas": a Rota, o Bope e as UPP’s, provando que estas instituições re-pressivas do Estado, que defendem tão ferrenhamente a pro-priedade privada, só podem significar o assassinato da nossa população. Ao segundo interlocutor do debate, "Pedro Serrano, do Juntos", não dedicaremos tanto espaço, já que, para além de acusar o CA de não construir debates políticos (uma crí-tica tão correta hoje quanto nas gestões anteriores, de que Pedro e sua corrente fizeram parte), ele não diz nada sobre o projeto de país do lulismo... Talvez porque a repetição, como farsa, do "PT das origens" pelo PSOL não pudesse demorar a se transformar na tragégia do nacional-desenvolvimentis-mo. É importante que nós, cientistas sociais questione-mos esta academia que defende diariamente este governo e a ideologia que lhe dá base, entendendo que podemos cumprir o papel oposto ao esperado. Ou seja, desnudar a realidade, auxiliando a luta de nossa juventude e trabalhadores num período de crise economica e política que se avizinha.

Alexandre Guimarães é estudante da Ciências So-ciais e militante da Ler-qi e da Juventude às Ruas!

9

Page 10: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

A geralmente tida como boa educação nos ensina que não é cortês deixar alguém falando sozinho, por mais que aparentemente mereça. A paciência é certamente uma virtude, e é meu propósito exercitá-la no presente texto. Em sua última edição, O KULA publicou um texto intitulado “Esquerda Radical – Vazio e Idealização”, de au-toria de um calouro chamado Luiz Fernando Borges (o qual eu conheço apenas pela assinatura de outro texto, “O que a Revolução dos Jasmins diz à América Latina?”, que cons-ta da primeira edição). Nele, por conta das minhas “Breves considerações sobre nosso currículo”, publicado na segunda edição do jornal, fui colocado no saco dessa tal “esquerda radical”, supostamente vazia e idealista. Em primeiro lugar, talvez seja de bom tom definir o que vem a ser “esquerda radical”, o que o colega não che-gou a fazer direito. Esquerda dogmática não é o mesmo que es-querda radical. Esquerda dogmática é aquela fechada às possibilidades de discussão, aprimoramento ou mudança, uma vez que o dogmatismo pressupõe uma forma de pen-samento estanque, antidialética, quase mesmo metafísica (de identificação em “sagradas escrituras” de uma verdade abso-luta e imutável). Radicalismo é algo diferente. Dicionário em mãos, e seu significado surge, por exemplo, como “sistema polí-tico que pretende a transformação imediata e completa da organização social”. A palavra “radical” está ligada à ideia de “raiz”, “origem”. Sabe aquele negócio de arrancar o mal pela raiz? É o que anima a esquerda radical, da qual orgu-lhosamente faço parte (uma vez que definições são dadas, porque do dogmatismo, à esquerda ou à direita, eu também quero distância). Para se aprofundar na discussão em torno do termo, recomendo fortemente a leitura do muito sensato ensaio “Radicalismos”, de Antonio Candido, ele mesmo um declarado radical de esquerda. Em meu texto criticado, afirmei que a matéria obrigatória ministrada na FEA “parece exis-tir apenas para defender o indefensável, ou seja, justificar o modelo sócio-econômico vigente, em vez de estudá-lo criticamente”. Sou acusado de não definir o tal modelo vigente que considero indefensável. É de se esperar de um estudante de Ciências Sociais que saiba que vive num tal de sistema capitalista em sua fase neoliberal (organização socioeconômica pautada na busca pelo lucro e justificada pelos interesses de um mercado

política e sociedade

Radicalismo de esquerda e oportunismo de centro

Resposta ao artigo “Esquerda radical: vazio e idealização”, publicado na 3a edição de O KULA.

Por Max Gimenes

financeirizado e cada vez menos regulamentado, em vez de orientada pela perspectiva do bem-estar social ou do interes-se público etc.). Reproduzo agora trecho do texto que o colega pu-blicou na primeira edição: “Ditadura ve-nezuelana? Sim! É preciso ser muito ingênuo para classificar de outra forma aquilo que infelizmente ocorre no país [...] Não vou exempli-ficar e esmiuçar os motivos que tornam Cuba e Venezuela di-taduras – afinal, seria desnecessário – e partirei do princípio de que todos já têm isso em mente”. Assim, reproduzindo senso-comum e colunistas da revista semanal mais vendida do país, ele insinua a associação entre as reais ditaduras que re-centemente vieram abaixo no Oriente Médio e no norte da África com a suposta ditadura venezuelana (o que em mi-nha opinião é um verdadeiro disparate, e só não argumento longamente por não haver espaço e não ser esse o motivo deste texto, jamais por achar “desnecessário”). Como se vê, falar dos outros é fácil. Quando o rigor é pautado mais pela emoção do que pela prudência e pela razão, ele geralmente serve para cortar para os dois lados. O cole-ga, em seus dois textos, principalmente naquele cujo trecho reproduzi acima, arroga para si a função de porta-voz da verdade (acusação que dirige à “esquerda radical”, inimigo do qual faz caricatura para poder combater com mais facili-dade). Sempre partimos de um princípio, é verdade, e se deixamos algo para trás sem a devida explicação isso não deveria ser senão por uma questão pragmática, para viabilizar o re-corte do objeto (ou, do contrário, seríamos obrigados a discorrer ad infinitum). Desprezar dessa forma o pensamen-to divergente é tática retórica que serve apenas para esconder um vazio e ganhar uma discussão pelo grito muitas vezes empolado. Por fim, uma citação que evidencia o caráter oportu-nista do discurso de centro (que só não é de Marx para fugir ao previsível). Dizia Weber, sobre a “linha do meio”: “não é nem minimamente mais verdade científica do que os ideais partidários da direita e da esquerda. Em lugar algum o inte-resse da ciência está menos protegido do que naquele em que não se quer enxergar fatos desconfortáveis e as realidades da vida”...

Max Gimenes é estudante do terceiro ano e faz par-te da gestão Cirandeia.

10

Page 11: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Não é de hoje que, no Brasil, qualquer debate relacionado à desapropriação/distribui-ção de terras ocasione tanto espanto e temor aos grandes defensores do latifúndio e da pro-priedade privada. Não ficamos, dessa forma, tão surpresxs ao nos depararmos com declarações que são feitas pela revista Veja ou pela mídia conservadora como um todo quando se trata da demarcação de terras indígenas, quilombolas ou de outras questões que digam respeito aos “po-vos tradicionais”. Mas isso não significa que de-vemos nos calar e achar que é apenas ignorância o que está sendo dito: esclarecer e questionar o que é disseminado pela mídia faz parte das ações para que possamos favorecer as causas que de-fendemos e acreditamos ser justas. Na edição 2236 de 28 de setembro deste ano, a Veja afirmou ser um absurdo o Decreto Presidencial nº 4887 de 2003 que permite a regu-lamentação e identificação de terras de remanes-centes de quilombos para fins de desapropriação. O problema estaria na antropologia oportunista do governo que permite que isso seja feito sem ser necessário comprovar que no passado esteve ali um quilombo da época da escravidão. Ao de-bater a demarcação de terras, temos que levar em consideração que os territórios para as socieda-des que se declaram tradicionais encaixam-se em suas vidas de uma forma diferente de como são colocadas em nossas vidas, isto é, não estamos falando apenas de terra, mas de toda uma relação

As (ben)ditas leisPor Fernanda Kalianny Martins Sousa e Henrique Mogadouro da Cunha

política e sociedade

entre um ambiente e o que se acredita, ou seja, todo um modo de vida. Quando a revista Veja considera um absurdo que não seja pre-ciso comprovar origens históricas de um quilombo, coloca nas mãos dxs antropólogxs o poder de decidir quem é ou não remanescente de quilombola. O que nos faz questionar se cabe às/aos antropólogos en-carar esse desafio e buscar esse tipo de definição. É bom recordarmos que não foi sempre que os quilombolas precisaram se afirmar enquanto tal. Passamos por todo um processo histórico em que, para continuar residindo nos territórios em que sempre estiveram, alguns povos pre-cisaram se definir, o que nos fez assistir a um processo no qual grupos definiram-se enquanto tradicionais. A questão é então bem mais com-plicada do que parece. Assim, como quando pensamos em quem pode ou não ser considerado índio, é difícil pensar em quem é ou não quilombola... Diante de tal dificuldade e do peso que poderíamos ter ao fazer essa definição por nós mesmos, sem levar em consideração o que está sendo dito pelxs próprixs remanescentes de quilombos, talvez devamos nos colocar ao lado de Viveiros de Castro: quando questionado sobre quem é ou não índio respondeu que só pode sê-lo quem se garante. Assim também deve ser com os quilombolas. A autoafirmação desses povos com relação às suas identidades é algo que deve ser respeitado, doendo ou não nos bolsos dos latifun-diários ou nos pensamentos de uma mídia conservadora. Absurdo é pensar que depois de privações, dificuldades e racismos esses povos ainda tenham que ser vítimas de uma possível deslegitimação do que conquistaram até agora. Na mesma reportagem, outra "lei absurda" mencionada é a que estabelece a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio em todo o Brasil. Não se limitando a questionar o conte-údo transmitido nessas disciplinas escolares ou a orientação ideológica dos professores, a revista mais uma vez se furta a qualquer proposta de melhoria do currículo: atribui-se o "absurdo", portanto, ao próprio ensino. A posição da revista com relação aos quilombos também não se coloca de forma muito diferente, faz críticas absolutamente simplis-tas que só servem para mostrar os interesses escondidos por trás de suas matérias. A reportagem não mostra uma única proposta de critério alternativo para delimitação de terras quilombolas – o que mostra que, de fato, o que incomoda não é o critério, mas simplesmente a delimita-ção dessas terras. Merece destaque que a capa desta edição da revista exibe a foto de um homem branco engravatado, enfurecido com as tais "leis absur-das que infernizam o cotidiano dos brasileiros". Ora, uma pessoa com essas características só pode ser representativa do povo brasileiro para uma revista elitista como a Veja, cuja preocupação central está evidente na frase que se segue, sobre as mesmas leis: "emperram o funcionamen-to das empresas". Fernanda Kalianny Martins Sousa é estudante do terceiro ano e Henrique Mogadouro da Cunha é estudante do quarto ano. Ambos fazem parte da gestão Cirandeia.

11

Page 12: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

A gestão Cirandeia foi responsável por significativas mudanças na dinâmica do movimento estudantil das Ciên-cias Sociais. As tão temidas reuniões abertas voltaram a exis-tir, contrariando as teses de que esses espaços se tornariam arena de batalha entre as forças políticas e não contribuiriam em nada para construção do movimento. A SeCS foi a prova mais concreta e visível do sucesso da dinâmica adotada pela gestão para abordar as pautas do curso e contou com partici-pação massiva de setores externos à gestão Nas assembléias e plenárias, rompemos com a burocratização cristalizada por gestões anteriores e contribuímos para a construção de um ambiente mais fraterno para o debate político. Isso para não falar da reocupação do Espaço Verde, que favorece o sen-timento de pertencimento ao ambiente político e dificulta possíveis ataques oriundos da burocracia universitária a esse espaço. Desde a calourada, insistimos em denunciar o auto-ritarismo e a truculência da gestão Rodas, a precarização do trabalho terceirizado, bem como apoiamos as mobilizações dxs estudantes da EACH e trouxemos as discussões do mo-vimento geral para o nosso curso. Acertamos em ser contra a PM no Campus e em politizar essa discussão, contrariando o amplo senso comum que se formava naquele momento, ainda que sem deixar de dialo-gar. Nos orgulhamos de ter participado da construção da Cirandeia, sabemos das dificuldades enfrentadas e que nem sempre é possível atingir tudo o que se deseja, mas en-tendemos que é necessário avançar em alguns pontos. É fun-damental que o CeUPES e os estudantes de Ciências Sociais não se isolem e se engajem na construção das lutas sociais para além da USP. Um exemplo foi a luta contra o aumento da passagem, na qual o CeUPES poderia ter tido um papel maior. O CeUPES não foi capaz, ainda, de se engajar satisfa-toriamente no movimento de área das Ciências Sociais, que em 2011 culminou com a fundação da ANECS – Articulação Nacional dos Estudantes de Ciências Sociais. Embora tenhamos nos esforçado para fazer media-ções e consensos nos espaços públi-cos ao longo do ano, grande parte da gestão não conseguiu escapar do sectarismo her-dado de gestões anteriores. Isso resultou em um afasta-

movimento estudantil e educação

Balanço do coletivo “Barricadas Abrem Caminhos” sobre o CeUPES em 2011

Por Camila Viviane, Danilo Ferreira, Ricardo Framil e William Santana

mento tanto dos demais CAs da FFLCH quanto da entidade de representação geral da USP – DCE. Embora seja legítima a crítica a gestões, é muito prejudicial adotar posturas contra as próprias entidades. O elemento negativo que talvez tenha sido o mais problemático foi a forma como a dis-cussão do estatuto foi conduzida. Avaliamos que, ainda que tenham existido espa-ços abertos, o Estatuto acabou cristalizando a experiência de uma gestão, ou de parte dela, em um documento que deve refletir a experiência de todo o Movimento Estudantil de Ci-ências Sociais da USP. Reconhecemos a representatividade da Assembléia Estatuinte, mas julgamos que o processo de construção poderia ser mais produtivo e que nem todos os estudantes, mesmo aqueles engajados no Movimento Es-tudantil, participaram do processo com a importância que ele merecia. Reconhecemos a importância do Estatuto para garantir um funcionamento democrático do CeUPES, mas mecanismos como o esvaziamento do papel político da dire-toria, a maioria qualificada e o método do consenso podem surtir o efeito contrário: afastar o CeUPES dos estudantes, minar sua legitimidade e reduzir a democracia da entidade. Mesmo com a aprovação de um instrumento impor-tante para a entidade, não podemos confiar que apenas uma mudança formal garanta a mobilização estudantil e a repre-sentatividade do CeUPES. Precisamos pautar um programa em defesa da educação pública. É por isso que nós, do Barri-cadas, defendemos que em 2012 o CeUPES apresente, como marcos iniciais, bandeiras como a defesa dos “10% do PIB para a Educação Pública, já!”, a resistência contra a reforma universitária de Lula e Dilma, a luta pela permanência estu-dantil e a construção da ANECS. Que assuma a defesa das bandeiras históricas do Movimento de Educação, que lute contra a PM nos campi, exigindo uma guarda universitária gerida pela comunidade e que atenda suas demandas, de for-ma preventiva e combatendo as opressões de gênero, cor de pele, identidade sexual e de classe

Camila Viviane é estudante do segundo ano, Danilo Ferreira é estudante do terceiro ano e Ricardo Framil e William Santana são estudantes do primeiro ano.

12

Page 13: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Como nós, estudantes de Ciências Sociais, enca-ramos nossa própria Graduação? O que pensamos do curso quando entramos e saímos do prédio todos os dias? O curso de Ciências Sociais costuma ser uma grande incógnita para a maioria dos estudantes do pró-prio curso. Nos primeiros anos, muitas vezes não en-tendemos como nossa grade curricular é estruturada, para que servem as aulas de métodos e estatística, ou mesmo por que não temos disciplinas em outros cursos das humanidades, como história e filosofia. Mais adian-te, chega o momento de enfrentarmos o pouco ofereci-mento de disciplinas optativas e as dúvidas em relação à licenciatura e ao mercado de trabalho. Se a graduação não costuma ser encarada com a seriedade que merece, acredito que o movimento es-tudantil deva ser o espaço para mudarmos isso. A partir de discussões amplas e democráticas entre os estudan-tes, podemos formular coletivamente o curso que que-remos e lutar para que, de fato, ele exista. Em 2011, o Centro Acadêmico propôs a realização do projeto “Graduação em Foco” nas Ciências Sociais. Foi uma importante iniciativa, que se propunha a analisar nossa graduação como um todo, desde o papel do cientista social na sociedade até o oferecimento de disciplinas optativas e obrigatórias e a questão da licenciatura. O projeto “Graduação em Foco”, no entanto, após um início pouco exitoso, foi completamente abandonado em nome da construção do Estatuto Social do CEU-PES. No próprio dia 18/10, em que aconteceu a assem-bléia final do Estatuto, um debate sobre “Sociologia no Ensino Médio e Licenciatura” foi cancelado. Tratou-se de uma opção política da atual gestão do CEUPES que, no entanto, traz conseqüências para nosso curso como um todo.

movimento estudantil e educação

Onde foi parar o projeto “Graduação em Foco”?Por Giovanna Marcelino e Matheus Trevisan

Debater a graduação não é uma questão secun-dária. O sentimento freqüente de estranhamento com nosso próprio curso demonstra uma necessidade de se pensá-lo e transformá-lo. Quando entramos na USP, é comum termos a expectativa de encontrar um curso que fomente o debate em sala de aula e que seja capaz de formar, de maneira crítica, bons analistas da socieda-de ou de entrar em contato com uma área do conheci-mento transformadora, capaz de oferecer ferramentas de análise e intervenção aplicáveis à realidade social. Se não encontramos isso no dia-a-dia, nosso papel é tentar mudar as coisas. É preciso estreitar a relação das ciências sociais com outras áreas do conhecimento, aproximar nosso curso da sociedade, fazendo com que ele saia dos muros da universidade. Nesses marcos, é fundamental retomarmos a discussão sobre o nosso curso, mas de maneira séria e conseqüente. Existe a necessidade de elaborarmos atividades que realmente sejam realizadas, com o intuito de levantarmos as posições e as propostas de todos os estudantes. É importante entendermos nosso curso para aperfeiçoá-lo e só conseguiremos realizar esse obje-tivo tão importante de maneira ampla e democrática, sabendo que a participação direta de um número cada vez maior de estudantes só será possível com a existên-cia de espaços de discussão e acúmulo. O “Graduação em Foco” poderia ter sido um importante instrumento de intercâmbio entre as experiências diversas, tanto de alunos quanto de professores. Mas não foi. Precisamos pensar em maneiras de integrar e unir os estudantes em uma dinâmica de movimentação e participação. Só as-sim conseguiremos fazer valer o espírito crítico e atuan-te que permeia os estudantes de Ciências Sociais.

Giovanna Marcelino e Matheus Trevisan são estu-dantes do segundo ano e fazem parte do coletivo Juntos!.

13

Page 14: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Nem gritos de revolta ou suspiros de indignação faziam-no parar. Mais de uma centena de jovens trocavam farpas no saguão do prédio do meio, enquanto ele, senta-do na cadeira, ao centro da mesa, calmo, com a voz firme, esforçava-se para fazer o que deveria ser feito: aprovar. Nada mais justo: estabelecer novas regras para uma assembleia, algo inventado há apenas alguns séculos. Seis reuniões abertas com poucas pessoas teriam, a partir daque-le momento, mais valor que a voz da maioria. O motivo: a representatividade tem que ser legítima. O trabalho dos pou-cos heróis que lapidaram as novas regras do centro acadêmi-co deveria ser premiado. O objetivo: aprovar. Trabalhadores dos bancos e correios aguantaram a pressão da mídia e da direção vendida por muitas semanas, um pouco antes desse episódio, sem limite de quórum para realização de assembleia, sem maioria qualificada para apro-var suas decisões. Com os alunos das Ciências Sociais seria diferente. Pouco menos da metade dos estudantes do saguão, revoltada, argumentava com os exemplos acima citados e ou-tros mais. Em vão. A pequena maioria também tinha o obje-tivo na mente. A legitimidade tinha que ocorrer. O estatu-to deveria ser aprovado. Havia ali um sentimento de bem privado: “o estatuto é nosso”. Os olhares desprezavam os argumentos alheios, quase criando uma barreira física, senti-da mais fortemente pelos ouvidos da minoria ao receber os xingamentos despolitizados. “Aprovar, aprovar, aprovar”! À medida em que o tempo passava e as propostas eram sistematicamente aprovadas sem direito à elaboração de novas alternativas pelos estudantes presentes, a pele do

movimento estudantil e educação

Homenagem ao novo estatutoPor Alberto Suzano

ra-paz da mesa se acinzentava e os óculos endureceriam. O cabelo tomava formas pontia-gudas, que lembravam uma co-roa, e a intransigência encontrava, aos poucos, sua equivalên-cia material. Não adiantava. Pouco importava se todos esta-vam numa assembleia ou numa simples reunião para aprovar algo pré-estabelecido. A faculdade poderia cair, as vassouras poderiam se insurgir e esparramar pelo chão todo o lixo que a exploração sem escrúpulos exige diariamente que mãos cansadas de faxineiras negras limpem; estudantes poderiam ser ameaçados de expulsão após anos de combates a favor de questões democráticas como permanência estudantil; a PM poderia entrar no meio da “assembleia” para revistar todos os elementos suspeitos, com truculência e petulância. Nada disso alteraria o compasso, o ritmo, o objetivo. Nada disso vai mais importar – o estatuto é mais importante do que a luta real. O mecanismo. A bolha. Leitura da proposta. A possibilidade de supressão. Votação. Proposta aprovada. Aprovada. Aprovada. O subjetivo tempo hábil atropelou a leitura na ín-tegra das novas propostas. Os fiéis seguidores das mesmas, 60% do total, concordaram em legitimar o “novo estatuto”. O sorriso robótico do coroado rapaz da mesa tinha um tom superior de ironia. Ele disse, bem feliz: “aprovado”! Aprovado o engessamento. Aprovada a burocracia. Aprovada a burrocracia. Mas ele se esqueceu que a revolta, quando incitada, não precisa ser aprovada. Ela cresce sem mecanismos.

Alberto Suzano é estudante do segundo ano e mem-bro da Juventude às Ruas.

14

Page 15: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Paradoxal ou não, o modo como as idéias da Internacional Situacionista foram levadas a cabo pelo Movimento Estudantil, foi com essa palavra de ordem (título do texto) que os estudantes de Ciências Sociais de todo Brasil saíram em um ato nas ruas de Belo Hori-zonte no ao fim do XXVI Encontro Nacional dos Es-tudantes de Ciências Sociais. O Motivo da palavra de ordem foi à criação nesse ENECS de uma Organização Nacional dos Estudantes de Ciências Sociais. O XXVI ENECS 2011 aconteceu no mês de Julho em Belo Horizonte e foi organizado pela UFMG e PUC-MG, junto com alguns estudantes (14) que par-ticiparam de um curso de coordenadores. O encontro teve como tema: Nós na América Latina – Resistências e Movimentos. Contou com a participação de cerca de 45 Universidades de todo Brasil, possuindo representa-tividade de quase todos estados. Haviam cerca de 800 pessoas. O Debate mais polêmico e mais importante no ENECS era se construiríamos uma Entidade Nacional ou não nesse Encontro. Desde 2003 quando foi extin-ta a FEMECS (Federação do Movimento Estudantil de Ciências Sociais) estávamos sem uma organização na-cional. E desde 2008 no ENECS Salvador-BA existem propostas de criação dessa organização, mas sempre o que era encaminhado é que não tínhamos acúmulo para a criação da mesma. Nos ENECS de 2009 na Paraíba e de 2010 no Pará, foi o mesmo encaminhamento. Nesse ENECS, em Belo Horizonte, a maioria dos estudantes presentes se posicionaram a favor da criação de uma en-tidade nacional, no entanto havia posicionamentos con-trários, com argumento: de que temos uma metodologia de encontro viciada, precisaríamos primeiro modificar essa metodologia para depois criarmos a Organização Nacional (pensamento linear, mecanicista, anti-dialéti-co); Que ainda não tínhamos acúmulo; Que uma execu-tiva é por natureza, hierárquica, esmaga minorias polí-ticas, hegemonizadora, burocrática...; E a preocupação de ser aparelhada por algum partido político (muitos que votaram a favor da criação da executiva também

movimento estudantil e educação

Os Estudantes de Ciências Sociais voltarão a ser Perigosos: Agora Estamos OrganizadosPor William Santana Santos

tinham essa preocupação). Os motivos que levaram a aprovação de uma Organização Nacional foram:

1 - O Movimento Estudantil de Ciências Sociais (MECS) en-contra-se, atualmente, total-mente disperso a nível nacional, sem conseguir construir propostas ou atividades em consen-so, ressalvo a região nordeste que já se encontra em um pro-cesso de articulação mais adiantada que em outras regiões;

2 - Compreendemos que a Articulação Nacional não é a resolução de todos os problemas organizativos que temos. A organização se faz pela ação, assim, precisamos acima de tudo, intensificarmos que nossas atividades em âmbito local, regional e nacional para a consolidação de uma real articula-ção nacional;

3 - A articulação nacional seja através de uma entidade, as-sociação, federação, executiva ou outros é uma importante ferramenta que pode auxiliar o trabalho de base nas escolas e também o avanço das nossas pautas e lutas, na medida em que as escolas saem do isolamento local e entram em contato com outras experiências do movimento estudantil de ciên-cias sociais;

4 - Uma articulação nacional não se resume a uma rede de contatos, ela só faz sentido se tem como objetivo pautar um projeto político na sociedade, seja institucionalmente, seja nas ruas. Enquanto estudantes de ciências sociais existem diversas pautas que exigem uma postura ou resposta nossa (que só conseguiremos fazer se estivermos organizados e ar-ticulados),

A Organização nacional aprovada no ENECS tem sua estrutura organizativa provisória, e o nome também provisório, ANECS (Articulação Nacional dos Estudantes de Ciências Sociais). A Composição é por escolas. 3 escolas responsáveis por região para acom-pa-nhar o movimento regional, e dessas 1 vai para Na-cional. As escolas não tem caráter deliberativo, apenas executa tarefas. 3 pessoas de referência por escola. 5 escolas na Nacional.

15

Page 16: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Principais resoluções do Movimento Estudantil Geral aprovados no ENECS:

1 - Contra a construção de Belo Monte!

2 - Contra o Novo Código Florestal!

3 - Defesa dos 10% do PIB para educação Pública, já!

4 - Por uma expansão universitária com qualidade, contra a política do Reuni do governo Lula/Dilma que sucateia as Universidades Federais.

5 - Contra o financiamento público às Universidades parti-culares.

6 - Pelo fim da elitização do Ensino Superior, lugar de “prou-nista” é na universidade pública.

7 - Fora Polícia no Campus! Por uma política de segurança universitária, não machista, racista e homofóbica, que não reprima os movimentos sociais.

8 - “Abaixo o PNE neoliberal do Governo Dilma”.

9 - “Abaixo o corte de 3bi na educação”.

10 - Legalização do aborto.

11 - Que a ação direta dos estudantes (piquetes, fechamento de ruas, ocupação de ór-gãos públicos) seja o principal mé-todo de luta.

12 - Se articular com entidades da classe trabalhadora em di-versos espaços de luta, for-mação e articulação/organização para avançar no entendimento e capacidade de luta de nossas pautas compartilhando experiências com essas entidades.

No Movimento Estudantil de área de Ciências Sociais tivemos deliberações nas áreas de Formação do Cientista Social (Grade Curricular, Estágio...), Sociologia

movimento estudantil e educação

no Ensino Médio e Atuação do Cientista Social (Mercado de trabalho, organizações...). Foram Criados 6 Grupos de Trabalho Permanentes (GTP’s) para acumularmos sobre diversos temas. São os GTP’s: Combate as Opressões, Universidades Particulares, Sociologia no Ensino Mé-dio, Memória do MECS, Currículo e Pesquisa e Extensão. Foi deliberado também que a metodologia do ENECS será modificada no Conselho Nacional dos Estudantes de Ci-ên-cias Sociais (CONECS) que acontecerá em Janeiro no Ceará, organizado pela UFC e a UECE. Teremos também um Curso de Formação Política Nacional junto com o CONECS. Uma coisa é certa, o Movimento Estudantil de Ciências Sociais andou a passos largos no último ENECS. Ainda é cedo para saber o futuro do movimento estudan-til de Ciências Sociais. Talvez a nossa principal fragilidade seja a falta de bandeiras específicas e que dialoguem com mais força no curso. Em São Paulo começou uma orga-nicidade maior do MECS, onde já foi criado blog, lista de email, já rolou reunião presencial e vai rolar um seminário ainda esse ano, provavelmente no final de Setembro. O Desafio agora é construir as deliberações do ENECS nas nossas Universidades. Construir a ANECS na base de nossas escolas. Em uma carta aberta que o Movimento Estudantil de Ciências Sociais do Nordeste produziu em 2010, intitulada “Faz Escuro, mas eu can-to”, (parodiando Guy Debord), que devemos ter como meta, diz o seguinte: “O que queremos de fato é que os estudantes e os encontros de Ciências Sociais voltem a ser perigosos”.

William Santana Santos é estudante do primeiro ano e membro do coletivo estudantil Bar-ricadas Abrem Caminhos.

16

Page 17: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Um balanço crítico sobre o processo de cons-trução do Estatuto Social exige que pensemos sobre como todo este processo foi conduzido, quais foram os resultados atingidos, e qual a atuação dxs estudantes em geral, dos grupos organizados e da Cirandeia, durante as seis reuniões de acúmulo e debate que culminaram na Asssembleia Geral para votação do Estatuto Social de nosso centro acadêmico, com a participação de mais de 200 estudantes. Mais do que um documento burocrático o Es-tatuto Social é um instrumento que dá maior legitimida-de à nossa entidade diante dos órgãos institucionais da USP – algo importantíssimo, por exemplo, para defen-der o espaço estudantil comum (espaço verde), buscar financiamento e, principalmente, estabelecer um pata-mar mínimo de democratização dxs espaços de decisão estudantis. A democratização dos espaços de decisão não vem da formalidade do documento, mas sim do mo-mento por que passa o movimento estudantil de nos-so curso. Estamos experimentando uma renovação das formas de participação, com a ampliação dos espaços de participação direta e diversificação das atividades do Centro Acadêmico. Desta forma, o Estatuto não vem sugerir práticas, mas reafirmá-las, enriquecendo este importante processo de renovação. Um dos principais avanços trazidos pela cons-trução do Estatuto Social é a subordinação da atuação da gestão eleita aos interesses dxs estudantes. Se antes uma gestão poderia decidir sozinha quando deveriam ser convocadas Assembleias e Plenárias, hoje xs estu-dantes têm o direito de solicitar a sua convocação. Se uma gestão poderia decidir se existiriam reuniões aber-tas de entidade, em que todxs estudantes pudessem su-gerir a inclusão e discussão de pautas, hoje essa é uma das obrigações de qualquer gestão eleita. Para a gestão Cirandeia, o Estatuto Social é, acima de tudo, um mecanismo para aproximar aqueles estudantes tradicionalmente excluídos do movimento estudantil vanguardista, no qual apenas alguns grupos organizados reivindicam para si a “direção” dos rumos do movimento. Trata-se de uma opção política: admitir as limitações que enfrentamos para poder superá-las. A desconfiança de muitos colegas frente à legitimida-

movimento estudantil e educação

Novos Marcos para o Movimento EstudantilPor Gabriel Neves Martins

de do movimento estudantil não pode ser vista como “problema deles”. Pelo contrário: um movimento que se reivindica amplo e democrático deve ter a maturida-de de rever seus mecanismos no sentido de ampliar-se, construindo uma política democrática compatível com a maioria, e não manter a estrutura restritiva que só con-templa uma minoria. Lamentamos profundamente que o Estatu-to Social e a democratização da entidade tenham sido abandonados pelas gestões anteriores do CeUPES, e que alguns grupos tenham adotado a lógica de auto-construção e demarcação política em vez de elaborar propostas concretas, discutir as divergências de con-teúdo político e, principalmente, propor alternativas. Infelizmente, a escolha desses grupos foi negligenciar todos os espaços de formulação coletiva e não discutir as propostas concretas para o processo – o que, no nos-so entendimento, revela uma intenção de deslegitimar o Estatuto. Entendemos que o Estatuto Social servirá axs estudantes como novo paradigma do movimento es-tudantil de nosso curso, uma abertura de portas para que todxs xs estudantes possam se apropriar de sua entidade, decidir por si mesmos, sem “terceirizar” seus direitos políticos, seja por meio do voto nas eleições, seja pela inexistência de regras, que tantas vezes levou a longos e exaustivos debates sobre questões formais, em detrimento do conteúdo político. A partir de agora, as regras do jogo estão estabelecidas. Quem não concor-dar com elas pode propor mudanças, sendo que o po-der decisório final deve estar, acima de tudo, nas mãos dxs estudantes como um todo. Esta é a única premissa que, em nossa opinião, não deve ser questionada. Acreditamos que este passo sinaliza um avan-ço positivo, demonstrando a disposição dxs estudantes em não abdicar de seu movimento e de sua entidade. Sendo assim, lutando por renovação, legitimidade e re-presentatividade, com as portas abertas para a participa-ção cotidiana e plural, podemos dizer que o movimento estudantil se liberta de algumas de suas amarras para se tornar, cada vez mais, espaço de conquistas e constru-ção coletiva de alternativas.

Gabriel Neves Martins é estudante do terceiro ano e faz parte da gestão Cirandeia.

17

Page 18: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Todos que estiveram presentes na assembleia de 18 de outubro assistiram, alguns menos ou mais indig-nados, uma vitória da burocracia uspiana nas Ciências Sociais. E por que vitória? Porque desta vez, ao contrá-rio, por exemplo, do ano de 2010, não havia um grupo ou partido centralizando propostas controversas, mas sim, a nosso ver, diversos estudantes identificados com o ideal burocrático, ou com a própria burocracia pura manifesta nas mais diversas formas de regulação, orde-nação e engessamento do movimento estudantil. Nesse caso, na criação de um estatuto para o CEUPES. Podemos descrever como a assembléia teve ampla participação de bixos e segundo-anistas, estes, a nosso ver, em sua maioria muito apáticos à política de verdade, confundindo ingenuamente ação política com burocracia, organização estudantil com um estatuto. Pobres estes infelizes, vítimas do fenômeno da eterna juventude do movimento estudantil, que a cada 4, 5 ou 6 anos se renova, e traz consigo sempre novas cabeças, abertas e, talvez por isso, tão suscetíveis a se tornarem crentes de sistemas capazes de inibirem ações políticas reais por meio de regras burocráticas; pobres destes que ignoram os lamentos daqueles que já tanto aprenderam em lutas de 2007, 2009 e cotidianamente nos duros dias de hoje; pobres destes que acreditam que um mero estatuto mudará o status quo da apatia política presente no curso e promoverá uma ampla participação incentivada pelo CEUPES. Difícil crer que este discurso de regulação e or-denamento via estatuto seja tão potente e eficaz para mudar a realidade de alunos que estudam, desde a Po-lítica 1, as mazelas da burocracia e da centralização po-lítica. Difícil acreditar que esse medo e essa, de certa forma, intolerância, em relação aos grupos e partidos organizados dentro da Ciências Sociais permita que um discurso esvaziado tanto de conteúdos programáticos quanto de ação política real venha a se consolidar como a ordem do dia. Difícil confrontar a falta de humildade e petulância destes que, em 6 reuniões isoladas, acredi-tam ter definido claramente propostas que engendram

movimento estudantil e educação

O Estatuto Social, a burocracia e o 18 de outubro nas Ciências Sociais da USP – Pt. 1

Por Armando Manoel

todo um universo político, atropelando as instâncias máximas de discussão e deliberação, que são as Assem-bleias. Ora, a Assembleia do dia 18 tratou-se, como bem identificado pelos participantes, de um mero jogo. As propostas já estavam discutidas, vejam bem, por um "processo que se estendeu por 6 reuniões abertas e com participação ampla e representativa". Portanto cabia a nós que estivemos de fora dessas reuniões apenas "acla-mar" as propostas. Paradoxalmente, apesar das propos-tas estarem tão bem discutidas, resolvidas e esclarecidas elas não puderam nem ao menos ser discutidas ou ques-tionadas novamente, e no final o que prevaleceu foi a maneira burocrática de se implantar a coisa. Claro que o processo das 6 reuniões é válido e importante, mas não se compara ao poder popular de uma Assembleia; é nas assembleias que devem ser devidamente resolvidas as coisas, perante todos os pre-sentes. O curso de Ciências Sociais se mostrou mais uma vez um espaço heterogêneo. Existem militantes do Psol, PSTU, LER-QI, independentes, não militan-tes, mas também existem os burocratas. Estes, ingenua-mente ou oportunisticamente (realmente não sabemos) acreditam que é a regulamentação da ação política que deve prevalecer sobre a verdadeira ação política, acre-ditam que a regulamentação via estatuto vai viabilizar as manifestações, quando na verdade proporcionará mil maneiras de se barrar legalmente a atuação de grupos ou indivíduos. É muito fácil acreditar que o estatuto dará di-versas garantias jurídicas contra ações “prejudiciais” à organização estudantil. Difícil é perceber que estas mesmas garantias possibilitarão que grupos façam suas manobras políticas, tão bem ensaiadas, garantidas por uma legitimação estatutária, como bem demonstraram os parágrafos do texto lido de maneira eloquente no dia 18 de outubro.

Armando Manoel é estudante do segundo ano.18

Page 19: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Mais um Natal chegava. Natal, aniversário, Dia das Crianças, tanto fazia, B.M. gostava era de ganhar presentes. Gostava ainda mais quando eram brinquedos. B.M. gostava mesmo era de brincar.

E o brinquedo podia ser qual fosse, B.M. brincava com tudo da mes-ma forma que brinca-va com nada: usando a imaginação. Se tinha apenas um boneco, a cabeça encarregava-se de imaginar mais um punhado deles. Se o que tinha à mão era um carrinho, não demorava então a metê-lo numa sinuosa e cheia pista de mentira. No fim das contas, os brinquedos sempre se perdiam por entre os dedos. E as brincadeiras tinham lugar lá dentro de sua cabeça.

Com o passar do tempo, B.M. percebeu que o espaço para sua ima-ginação vinha sendo cada vez mais restringido. Ninguém tolerava mais que se recostasse sozinho a um canto para cuidar dos devaneios. Acontece que B.M. não suportaria viver neste mundo esquisito sem poder dar algumas escapulidas. Precisava agora procurar outra maneira de seguir em frente.

Foi assim que B.M. começou a ler os devaneios dos outros. E a escrever os seus próprios devaneios. Enfim, descobriu a literatura... B.M. ainda hoje gosta de ganhar presentes. Gosta mais quando são livros. B.M. gosta mesmo é de ler...

Max Gimenes é estudante do terceiro ano e faz parte da gestão Cirandeia.

crônicas e contos

Controlando a maluquezPor Max Gimenes

19

Page 20: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

“Les mots en liberté”Por Renan Virginio

A poesia é sempre um ato de guerra.O poeta nasce da guerra como a bombanasce da pólvora.

Renan Virginio é estudante do primeiro ano.

poesia

20

Page 21: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

às vezes significa Especialàs vezes significa Indesejávelàs vezes a gente só quer pertencer (belong)às vezes a gente quer se destacar (stand-out)

mas ninguém perguntou o que a gente quersó existe o olhar que sussura: "diferente..., diferente..., diferente"não dá pra conversar com um olhar (ou dá?)tentar se explicar (e é preciso ou desejável?)

não interessa em que alguém seja diferenteessa conversa não precisa de muitas palavrasquem se sente assim, simplesmente entende

daí a gente escolhe o significadoquero que signifique especial!mas de vez em quando vem o olhar e a sensaçãoe daí a gente duvida, porque a sensação é de in-desejo

ser diferente não é fácil, seja qual for seu significadomas com certeza não é tão solitário quanto parecehá tanta diferença! e disso vem tanta criatividade!tem que dar pra vir também felicidade...

diferentes! não vamos só ter grupos específicos de diferentesvamos ser todos diferentes juntosencontrar todas as formas e jeitose sermos iguais na tolerância (ah! prefiro aceitação)

diferentes! vamos ser igualmente diferentese juntos mudar os olhares... os ativos e os reativospra que a sensação no peito seja de levezapra que o olhar seja acompanhado de um sorrisoe de um profundo, mas silencioso:"eu te entendo. eu te vejo. portanto, eu te amo como a mim"

Roberta Soares é estudante do segundo ano.

poesia

DIFERENTE...Por Roberta Soares

21

Page 22: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Os faróis verdes,as bicicletas,a vida toda em debocheos homens à brincarde mundo,e o mundo à brincar de fantoche

As ruas à traçar as rotasAs rotas a traçaras vidasOs carros a pilotaros homensOs homens a pilotaro tédio

A realidade à se acabarnos cruzamentos,nua e crua,como só ela sabe ser

A esperança à se acabarno infinito durodo cotidiano,como se nada fosse acontecer

Um vai e vem perpétuoUm perambular clandestinoOs atores a venerar seu totemJoões-bobo do destino

Thiago Ricardo é estudante do segundo ano e membro do coletivo de arte do ABC "Retrato da Realidade".

poesia

Cotidiano urbanoPor Thiago Ricardo

22

Page 23: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Por Caio Andreucci

quase não consigo existirquando vindo do descontínuo

ouvindo o tum tum tumo vrum e o bum bum bum

chego num abatedouro humanosobre trilhos abarrotados

– Peguem o trem amaldiçoado!Paraíso pela esquerda, Liberdade pela direita!

homens e mulheres peladoslado a lado caminham desavisados

uma infinidade de cores e formasem movimento compacto, previamente designado

como um gado que paga para ser fatiadocomo um gado de boi-cotados

quase não consigo resistiruma mulher canta e desafina

não sei se rio do gado mudoou da vergonha alheiaou do descontínuo vai-e-voltanão sei se me revoltose posso simplesmente dar a volta:

quase não consigo existirquando vindo do descontínuo

ouvindo o tum tum tumo vrum e o bum bum bum

chego na faixa e pulovem um carro e tum.

Caio Andreucci é estudante do segundo ano.

poesia

23

Page 24: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Escutamos música em casa, na rua, no car-ro, na espera do dentista, enquanto trabalha-mos e até quando andamos de elevador. O rádio, o apare-lho de som, o computador e o ipod nos permitem ter sempre uma melodia nos ouvidos. Nossa vida tem trilha sonora. A música nos acompanha, mes-mo quando não prestamos atenção nela. João Mar-cos Coelho é um cara que não escuta música, ele a ouve. A tênue distinção entre o verbo escutar e o ouvir resume a diferença de como Coelho vê qual-quer canção se comparado à maioria das pessoas. Quem apenas escuta toma a música como cenário, quem a ouve pode vê-la como o personagem prin-cipal da peça. Como um arquiteto que reconhece a es-trutura física, a fachada e cada material usado na construção de uma casa, Coelho sabe distinguir a melodia, do compasso, da harmonia e perceber cada instrumento de uma música. Isso porque ele foi contaminado pelo vírus incurável da música, quando, ainda menino, começou a estudar piano. A música nunca “largou do seu pé”, nem dos seus ouvidos e nem da sua cabeça. Sim, Coelho pensa muito sobre música. Nas horas vagas é pianista, mas no restan-te do tempo Coelho é crítico de música erudita e de jazz. De aparência, parece músico: tem cabelos brancos para o lado, barba e sapa-tos engraxados. Mas, de jeito, parece crítico mesmo: é mal-humora-do, vaidoso e exigen-te. Depois de mais de 30 anos no ramo, Coelho já passou por alguns dos maiores veículos de comu-nicação do país e, hoje, escreve para o jornal Esta-do de S. Paulo, tem um pro-grama na rádio Cultura e faz outros trabalhos paralelos. Devido à desvalo-

crítica cultural

Desafinando o coro dos contentes

Por Fernanda Ortega

rização do críti-co, do jornalismo, da cultura e da música, a remuneração é baixa e, para ganhar um pou-co mais, ele passa dia e noite ouvindo, pensan-do, pesquisando e escrevendo sobre música. Sem sossego, publica cerca de sete textos a cada dez dias. Para Coelho, a crítica de música serve, no final das contas, para duas coisas: “para fazer com-panhia ao papel higiênico do banheiro ou para pro-mover um músico”. Aparentemente, no entanto, Coelho mais despromove os artistas do que escre-ve para o papel higiênico. Pobres músicos, é difícil agradar o sujeito! A música, para ele, não pode ser só bonita, ou só interessante, ela tem que inovar. Tudo o que é cópia e simulacro do passado é ar-remessado, antes do meio de campo, diretamente para a cesta, do lixo. O músico não pode tentar reproduzir algo, ele tem que ser o que Picasso foi nas artes plásticas: alguém que passa a vida recriando novas formas de se fazer arte. Coelho, por exemplo, diz não ter qual-quer respeito por Martinho da Vila, que se mantém em três acor-des há mais de três décadas. Para ele, a inventividade da música contemporânea e do jazz vale muito mais do que a 478º releitura da Nona Sinfonia de Beethoven. Apesar de raros, alguns músicos consegui-ram não se afogar no mar de exigências de Coelho. Na música popular brasileira, Noel Rosa, Pixingui-nha, Benedito Lacerda, Tom Jobim e Milton Nas-cimento sobrevivem em um barco a velas muito resistente. E, entre os músicos contemporâneos estrangeiros, Esperanza Spalding, Craig Taborn e Norman Winsdom nadam com facilidade nestas águas.

Fernanda Ortega é estudante do terceiro ano e faz parte da gestão Cirandeia.

24

Page 25: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Dizer que uma peça produzida pelo Ofici-na é uma ruptura para com quase a totalidade dos preceitos tradicionais do teatro é igual a se chegar à estaca zero, tendo em vista ser esse o pressupos-to basilar para entender (?) as pictóricas acrobacias perpetradas pelo Conselheiro da encenação paulis-tana, Zé Celso. O que dizer, então? Antes de qualquer coisa, sentenciar, sem receio algum, que dentre as singulares des-cons-truções realizadas, nenhuma outra trupe consegue incorporar a platéia à encenação com tamanha or-ganicidade como o Oficina: a peça se inicia, indu-bitavelmente, quando o “público” adentra, literal-mente, o palco (quem conhece o espaço físico da Rua Jaceguay sabe bem do quê estou falando). Isso acontece porque a dicotomia entre atores e espectadores é dilacerada no contato com a atmosfera oficiniana; o que concebemos é um compacto de pessoas prontas para se deliciar diante daquilo que a outra tem a oferecer. E o resultado dessa experiência é um ganho que transcende a ine-gável conquista artística: o Oficina nos lega um ga-nho humano, tornando-o o pilar para sua arte, para a Arte. Essa conquista se revela em cada detalhe: cercados pela arquitetura irreverente (outra dádiva de Lina Bo Bardi), as pessoas são estimuladas a ir-romper o seu interior com as mãos dadas, forman-do uma corrente gigantesca que atesta a imensidão

crítica cultural

Oficina de HumanidadePor Felipe Eduardo Lázaro Braga

desse pequeno ato, tão embriagado que é de sig-nificado; em determinado momento da peça, so-mos convidados a livrarmo-nos de nossas rou-pas e, com os corpos nus, desnudamos também qualquer diferença social, artificial, que esse sar-gento do individualismo conhecido como Cul-tura Ocidental insiste em nos empurrar goela baixo, tal qual um remédio necessário à vida. O grupo dos humanos atores extasia os humanos expectadores com um texto delicio-sa-mente explosivo. O grupo dos humanos ex-pectadores extasia o grupo dos humanos ato-res com a indecifrável expectativa sobre o quê aquele indomado componente da encenação lhes apresentará como desafio. No fim, compreendemos que bastamo-nos a nós mesmos: sem adereços, sem marca-dores de superioridade, sem pudores inúteis; apenas nós, apenas tudo, despossuídos daquilo que não constituiu o humano em sua gênese, ni-velados enquanto corpos de natureza idêntica. Encontramos na relação com o outro o devir ser, essa que é a mais bela das Revoluções e uma das bandeiras do tão, tão querido Teatro Ofici-na. A peça vista? “Macumba Antropófoga”. Oswald, do céu Caraíba, sorri orgulhoso.

Felipe Eduardo Lázaro Braga é estudante do primeiro ano.

25

Page 26: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Teatro é uma forma de arte bem interessante:não é como um livro porque além do texto existe movimento;não é como um quadro pois não é só imagem. É som;não é como cinema porque a ação (ou ausência dela, nunca se sabe) acontece ali na sua frente, esperando sua reação e dependendo da sua imaginação.

Por isso, seguem aqui algumas dicas de peças em cartaz, tanto as que eu vi, quanto as que pretendo.

Detalhe: Os valores informados são os da MEIA ENTRADA.

+ Ensina-me a viver

Local: Teatro Sérgio Cardoso (agora reformado) - Rua Rui Barbosa, 153 - Bela VistaTemporada: por enquanto, até 6 de novembro (com esperanças de que continue).Horários: Sexta e sábado às 21h; domingo às 18h.Preço: Como é uma temporada popular, os ingressos custam R$15.Sinopse: Com Glória Menezes, a peça conta o encontro entre um jovem velho e uma velha jovem. Ele cercado pelo desejo da morte e ela inundada de vida, cor, alegria. Bonito pra pensar e pra ver (o cenário usa umas cor-tinas que são muito bem utilizadas em algumas cenas).

+ Viver Sem Tempos Mortos

Local: Teatro Raul Cortez - Rua Doutor Plínio Barreto, 285 - Bela VistaTemporada: até 27 de novembro.Horários: Sexta às 21h30, sábado às 21h e domingo às 18h.Preço: Muito salgado. Sextas e domingos R$40; aos sábados R$50.Sinopse: É um monólogo feito pela Fernanda Montenegro e baseado nas correspondên-cias de Simone de Beauvoir. Para quem não gosta de monólogos, melhor não ir – algu-mas pessoas dormiram durante a peça. Vale muito a pena assistir não só pela atuação da Fernanda Montenegro, mas também pelo texto.

+ Doze Homens e Uma Sentença

Local: Tuca (Teatro da PUC-SP) - Rua Monte Alegre, 1024Temporada: até 20 de novembro.Horários: Sexta e sábado às 21h e domingo às 19h30.Preço: Às sextas, R$20; aos sábados e domingos, R$25. Para quem estuda na PUC, R$10.Sinopse: Adaptação de um filme dos anos 50, doze jurados ficam confinados na sala do júri a fim de decidir se devem ou não condenar à morte um jovem acusado de matar o pai. Todos os 12 devem concordar sobre o assunto. Se um deles julgar o jovem inocente, não há condenação. Vale a pena pelo exercício de argumentação.

Raíza Lira é estudante do segundo ano.

indicações culturais

Em CartazPor Raíza Lira

26

Page 27: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

indicações culturais

Quando a GENTE fala: andando por ai e TAG-ficando Por Diego Corrêa de Araújo

Saudações a todos os man@socupem seus lugares e estejam

à vontade pra presenciar a manifestaçãomaior da cultura de rua(RZO. Um poder a mais)

São Paulo, 26 de setembro de 2009, 10h25min. Pude conhecer a Casa do Hip Hop de Diadema (Município). Antigo Centro de cultura e biblioteca Canhema que a partir de 1999 passou a ser também a Casa do Hip Hop, junto dela a montagem do acervo afro-americano de hip hop coordenado pelo historiador King Nino Brown (Historiador e mantenedor da cultura Hip Hop), Nelson Triunfo, Banks, Rosana, Mônica Oswaldo Faustino, Marcelinho Back Spin, entre outros. Lá pude conhecer a dinâmica dos quatro elementos da Cultura Hip Hop (DJ, B.Boying, MC e o Grafite) somados ao Conhecimento e a parte social que é o que faz a Casa do Hip Hop de Diadema permanecer até os dias atuais - hoje com dez anos de existência.

King Nino Brown, diz: Eu danço, sou DJ e historiador. A gente fala aquela coisa: uma árvore sem raiz cai e um movimento sem história não existe. Vivi a história, gosto dela e gosto de contar essa história. Então tudo que eu tenho hoje aqui é pouco, mas o pouco que tem muita qualidade. Ali [no quadro com fotos] tem a foto de James Brown com o Nelson triunfo em 1978, uma foto da Rua 24 de maio, São Bento (...) então, a gente tem de tudo um pouco. Mapa da África e seus personagens, pessoas conhecidas minhas e pessoas lá de fora, por exemplo, Nelson Mandela, Dona Rivanilda lá do Rio de Janeiro, você tem ali uma menina lá do meu bairro. (King Nino Brown).

123 na batida pum pá... (Z’Africa Brasil. O dom da rima) No mesmo dia, 20h00min - Em frente à Estação Santa Cruz do metrô acontece semanalmente, a Batalha de Mc’s. No ambiente encontram-se jovens - homens e mulheres que têm em comum a mesma finalidade: rimar em cima do beat (Batida: no caso, refere-se à produção vocal do hip hop - em outras palavras, significa o som produzido pela boca que gera alusão aos sons de bateria, baixo, cornetas, entre outros instrumentos musicais). Na rua a rima é livre, sem censura, o que há entre eles é o bom senso. O agrupamento no local faz com que crie uma roda onde acontece a “batalha dos MC’s” e dentro dela ecoam os beats e as rimas sagazes e engenhosas:

Pum pá – pum pá – pum pá – pum pá – pum pá – um pá!!!Aê! Deixa eu mandar um improvisado. Já era eu vou chegando aqui representando, se tá ligado que a gente aqui não está moscando, chega representa assim no sapatinho (...). Eu vou chegando, e mostrando habilidade - é desse jeito que eu chego com o céu da cidade. Te mostro qual é a verdade do rap e é claro, eu represento de verdade, este é o fato! (...). Mostrando a habilidade, mostrando a coerência, chegando e mostrando que eu tenho competência. (30seg - captado 26/09/2009 – batalha de mc’s Estação Sta. Cruz do Metrô). Na banca (no grupo), o beat mais a rima fazem com que o grupo crie som e movimento, para quem está de passagem no local a sensação é de estranhamento, visto que é ao lado da estação Santa Cruz do Metrô, é comum esta sensação. Mas estas manifestações de jovens por meio, mais precisamente, da arte/free style (Estilo de canto [também de grafite] que significa improviso nas rimas), são de fato um fenômeno que está intrinsecamente ligado as estruturas anteriores do movimento hip hop. Pois mobilizam referências complexas de outras expressões da cultura, como por exemplo, a dança, o grafite e o rap, que compõe o hip hop. Pra fechar quero mandar um salve pros manos e minas que compartilharam seus conhecimentos, que eu levo pra vida e também aqueles que juntos vamos vivendo e construindo: Querido PAI (vibrações positivas), MÃE do coração, Zizi e Rafa, Querida Meg, Família Corrêa/Carvalho, Prof. José Carlos (Unifesp), Nino Brown, Gaspar do Z’áfrica Brasil, Zinho Trindade, Raphael, Equipe X do Jd. Uma-rizal, Diego Jeleia, (sarau do) Binho, Banda Mundo Cana, Seu Odair, Dona Branca, Cebola, Renato Bob, Lucas O Lupi, Anderson e manos e minas da Batalha de MC – Sta. Cruz, Léo de Diadema, James Banto, Antonio Ribeiro, Adriana Lopes, Fê Sales. Geraldo, Eduardo, Silvio, E um salve geral pra galera da Unifesp dos Pimentas: Maria Oliveira, Kátia, o pessoal da rép. Badalhoca: Alê, Mauro, César, Lucão, Edu, André e também pro meu bairro - Jd. Umarizal!! É nóis! Todos vocês contribuíram de alguma forma p/ o nosso crescimento (espiritual, social, etc...). Ah! Quando a gente fala é assim...

Diego Corrêa de Araújo é estudante do segundo ano e integrante da Banda Mundo Cana.27

Page 28: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Miles Davis por Anton Corbijn

Page 29: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Cantora de Mali

Page 30: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Excepcionalmente nesta edição não será possível

apresentar a prestação de contas da entidade. Para mais informações sobre a

política financeira do centro acadêmico, escreva para o

CeUPES.

Page 31: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma

Contribua você também com a construção do jornal!

Para ficar por dentro das próximas reuniões e/ou saber

mais sobre a iniciativa, acesse: ceupes2011.wordpress.com/jornal.

Page 32: “Consciência Negra Consciência Negra - ceupes.fflch.usp.brceupes.fflch.usp.br/sites/ceupes.fflch.usp.br/files/kula_4.pdf · Consciência negra, ... poesia “Les mots en ... uma