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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A CATEGORIA “RAÇA” NA SOCIEDADE BRASILEIRA: Mito da Democracia Racial, Racismo e Antirracismo. FRANCISCO MARCIO ALMEIDA MACIEL 1 Resumo A construção deste trabalho fundamentou-se nas categorias analíticas centrais Racismo e Antirracismo, Democracia Racial, e Raça fundamental à compreensão e interpretação do objeto em tela. Trata-se dos resultados preliminares de revisão de literatura especializada no campo de Estudos das relações Étnicos Raciais em interface com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Desigualdades Sociais, Territórios e Margens Urbanas (GEP MARGENS), vinculado ao laboratório de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidades, Gênero e Família NUAFRO, da universidade Estadual do Ceará- UECE. Palavras chaves: Raça; Mito da Democracia Racial; Racismo e Antirracismo. Abstract The construction of this work was based on the Central analytical categories Racism and Antirracismo, Racial democracy, race fundamental to the understanding and interpretation of the object on the screen. These are the preliminary results of review of specialized literature in the field of Ethnic Relations Racial Studies in Brazil in interface with the group for studies and research on social inequalities, territories and Urban Margins (GEP margins), linked to the laboratory of studies and research in Afrobrasilidades, gender and Family- NUAFRO, of the State University of Ceará-UECE. Keywords: Race; myth of racial democracy; racism and anti-racism. 1 Graduando em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará UECE. Bolsista PBEPU do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família NUAFRO. Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Desigualdades Sociais, Territórios e Margens Urbanas. Pesquisador do grupo de pesquisa Relações Étnico-Raciais: Cultura e Sociedade

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A CATEGORIA … · analíticas, tais quais, raça, mito da democracia racial, racismo e antirracismo, a partir de uma análise em volta do processo

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A CATEGORIA “RAÇA” NA SOCIEDADE BRASILEIRA: Mito da Democracia Racial, Racismo e Antirracismo.

FRANCISCO MARCIO ALMEIDA MACIEL1

Resumo A construção deste trabalho fundamentou-se nas categorias analíticas centrais – Racismo e Antirracismo, Democracia Racial, e Raça – fundamental à compreensão e interpretação do objeto em tela. Trata-se dos resultados preliminares de revisão de literatura especializada no campo de Estudos das relações Étnicos Raciais em interface com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Desigualdades Sociais, Territórios e Margens Urbanas (GEP MARGENS), vinculado ao laboratório de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidades, Gênero e Família – NUAFRO, da universidade Estadual do Ceará- UECE. Palavras chaves: Raça; Mito da Democracia Racial; Racismo e Antirracismo.

Abstract The construction of this work was based on the Central analytical categories – Racism and Antirracismo, Racial democracy, race – fundamental to the understanding and interpretation of the object on the screen. These are the preliminary results of review of specialized literature in the field of Ethnic Relations Racial Studies in Brazil in interface with the group for studies and research on social inequalities, territories and Urban Margins (GEP margins), linked to the laboratory of studies and research in Afrobrasilidades, gender and Family-NUAFRO, of the State University of Ceará-UECE.

Keywords: Race; myth of racial democracy; racism and anti-racism.

1 Graduando em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista PBEPU do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família – NUAFRO. Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Desigualdades Sociais, Territórios e Margens Urbanas. Pesquisador do grupo de pesquisa Relações Étnico-Raciais: Cultura e Sociedade

I. INTRODUÇÃO

A perceptível desigualdade presente atualmente na sociedade brasileira entre

negros e brancos é reflexo do processo da construção sócio histórica do país, que desde o

começo de sua história excluiu e privou de direitos a população negra. Ao longo dos

séculos, o negro sempre assumiu papel de coadjuvante no que se refere ao reconhecimento

de seus direitos, ao mesmo tempo em que, na realidade, sempre foi ator principal de grande

importância no que diz respeito à construção econômica e sociocultural do país.

Diante disso, torna-se necessário realizar uma reflexão acerca das categorias

analíticas, tais quais, raça, mito da democracia racial, racismo e antirracismo, a partir de

uma análise em volta do processo das relações raciais desenvolvidas na sociedade

brasileira, que culminaram em um racismo velado e presente nas bases de nossa estrutura

social. Uma reflexão que não vise apenas justificar os problemas atuais, mas principalmente

refletir sobre as medidas a serem tomadas para a resolução desses problemas, que

possuem ligação direta aos acontecimentos históricos, que, por sua vez, fizeram gerar

evidentes desvantagens a esse povo.

Os negros sempre ocuparam na sociedade brasileira um espaço relegado a

segundo plano. Desde o período da escravidão, em que sequer eram considerados seres

humanos, vêm sofrendo com a discriminação e o preconceito no Brasil. Essas pessoas, ao

serem escravizadas, além de terem seus corpos e suas vidas submetidas à elite branca,

estavam sendo destituídas de suas culturas, de seu modo de viver.

O acesso a direitos para essas pessoas, o respeito a suas vidas, não viria, no

entanto, com a abolição da escravatura, pois, mesmo após a concretização deste feito no

âmbito formal, este povo continuou a ser excluído da sociedade. O que sucedeu, portanto,

foi uma falsa ideia de “liberdade”.

Logo, não houve a criação de qualquer política que os incluíssem à sociedade,

pelo contrário, existiam estratégias que, mesmo que de modo implícito, os excluíam ainda

mais, como por exemplo, o investimento do governo brasileiro “na migração de europeus

para assumirem a produção no lugar dos escravos, visando com esse projeto, o

branqueamento da população brasileira, acreditando que a grande entrada de brancos seria

a solução para eliminar a cor preta” (FREITAS, 2012, p. 119). Assim, restava aos negros

competir de maneira desigual com a população branca, para inserirem-se numa sociedade

que negava sua existência enquanto sujeitos de direitos.

Além disso, considera-se também que a prática racista brasileira se configurou

por não ser reconhecida pelo Estado, assim como, pelo sistema sócio jurídico, estando

presente, no entanto, nos discursos e atitudes da sociedade. Dessa forma, o racismo no

Brasil se manifesta de forma velada e sutil, através da falsa ideia da existência de uma

“democracia racial”. Domingues (2001) afirma que o racimo à brasileira agravou-se,

tomando proporção, juntamente com a consolidação de bases teóricas voltadas no que diz

respeito ao mito da democracia racial – ideologia das relações raciais no Brasil.

Atualmente, segundo o censo do IBGE2 de 2010, o Brasil possui uma população

de 190.755.779 habitantes, sendo que deste quantitativo cerca de 53% da população é de

pertença negra (pretos e pardos), em que podemos destacar alguns dados relevantes sobre

a situação da população negra em nosso país, como por exemplo, no que remete à

condição econômica, cerca de 70% das pessoas que vivem em extrema pobreza são de

pertença negras.

A cor da pele torna-se também outro fator que chama atenção, pelo fato de que

entre os homicídios entre mulheres brancas e mulheres negras, por exemplo, entre 2004 a

2014, destaca-se um aumento em relação a mortes de mulheres negras de 48% passando

para 62%, enquanto para mulheres consideradas brancas houve um declínio de 44% para

32,5%. Outro dado interessante é o número da população carcerária brasileira que possui

um percentual de 75% composta por negros3.

Segundo a organização das nações unidas (ONU, 2015), No que se refere à

educação, o índice de analfabetismo entre brancos e negros demonstra que a chance dos

negros comporem este índice é cinco vezes maior do que em relação aos brancos. E já no

que se refere ao nível superior, a cada quatro universitários, somente um é negro.

Consequentemente, não se discutem estratégias capazes de combater as

desigualdades estruturantes como educação, saúde, trabalho, renda, entre outros, que

compõem o cenário nacional. Ou quando o fazem, são realizadas sem o acompanhamento

para uma real efetivação para a mudança de cenário. Dados como estes demonstram que

mesmo em um Estado Democrático de Direito a população negra continua sendo

segregada, estigmatizada, submetida a condições de subordinação, de negação de direitos

nas diversas áreas da sociedade, o mesmo discurso empregado no passado, concretizado

em fatos nos dias atuais.

II. DESENVOLVIMENTO

2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 3 Dados retirados Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano de 2016.

2.1 CONCEITUANDO RAÇA: Considerações Para o Debate.

Podemos descrever o surgimento do racismo 4 como um fenômeno que se

contextualiza a partir do significado da categoria raça na modernidade. Em que, segundo

Schucman (2010), tornou-se necessário para justificar o processo de escravidão dos povos

africanos, a colonização e a expansão do capitalismo, legitimando a ideia de pureza racial

que levou ao extermínio de judeus na década de 40, na hierarquização dos povos europeus,

transformando o racismo em uma ideologia específica que consolidou teorias científicas em

torno do conceito de raça no século XIX.

Segundo Schucman (2010), concomitante a esse processo, o Estado, através do

conceito biológico de degeneração, embasou e legitimou através de suas instituições

(político, social, médicas e jurídica) o discurso da luta de raças, autorizando os princípios de

segregação, eliminação e normalização na sociedade.

Porém, a partir do século XX, a categoria raça com os avanços na área das

ciências biológicas e genéticas, detalha através de novos estudos a não existência genética

de comprovação que os diferenciassem através do conceito vulgar de raça: pretos, brancos,

amarelos, biologicamente.

Definir raça para a biologia tornou-se impossível geneticamente, em que, de

acordo com Guimarães,

Significa que as diferenças internas, digamos aquelas relativas as populações africanas, não são maiores do que as diferenças externas, aquelas existentes entre populações africanas e populações europeias, por exemplo, ou seja, é impossível definir geneticamente raças humanas que correspondam as fronteiras edificadas pela noção vulgar, nativa, de raça. Dito de outra maneira: a construção baseada em traços fisionômicos, de fenótipos ou genótipos, é algo que não tem nenhum respaldo científico. (GUIMARÃES, 2008, p. 65).

Diante disso, o conceito de raça só poderia ser usado cientificamente mediante

uma construção social, devendo ser estudado por uma vertente sociológica ou das ciências

sociais. Desta maneira, seus significados são tratados pelas identidades sociais, através do

campo da cultura, o da cultura simbólica, mediante os discursos empregados de seus atores

sobre suas origens no campo do imaginário social. Em que as sociedades humanas

constroem suas trajetórias através de seus discursos sobre suas origens e transmitem suas

essências entre gerações. (GUIMARÃES, 2008).

4 Considero racismo qualquer fenômeno que justifique as diferenças, preferencias, privilégios,

dominação, hierarquias e desigualdades materiais e simbólicas entre os seres humanos, baseado na ideia de raça. Fundamentado no conceito biológico. (SCHUCMAN, 2010).

No Brasil, durante muito tempo, o conceito de raça, expressou-se como uma

categoria que embasou a superioridade da elite branca brasileira no que diz respeito à

criação das identidades sociais criadas originalmente na sociedade escravocrata, seja no

aspecto material ou simbólico, em que o negro tinha um lugar e sua cor sinalizaria a ideia de

raça, seja no aspecto cultural, civilizatório, religioso, demarcando-o como escravo em uma

divisão de classes.

Dessa maneira, criaram-se as bases para a negação dos efeitos do processo da

escravidão, e o embasamento para a propagação do racismo doutrinário que constituiria as

relações sociais no Brasil como uma ideologia dominante silenciosa, mas ao mesmo tempo

gritante para aqueles que sofrem seus efeitos.

Portanto, diz-se que o processo histórico foi gerado a partir da escravidão, assim

como, todo o contexto social se desenvolveu com a abolição da escravatura, que na

realidade libertou o negro para um sistema que não lhe garantiu nenhuma base sólida para

sobrevivência fora do sistema escravista e somente reforçou toda uma corrente de um

pensamento racista que não deixou de existir. (CHIAVENATO,1999).

Dessa forma, Guimarães (1999) detalha que as explicações das desigualdades

sociais brasileiras podem ser vistas da seguinte forma: a ideia de raça superior e inferior foi

substituída pela ideia de culturas superiores e inferiores, ressaltando a hierarquia entre a

civilização branca europeia sobre as civilizações africanas e negras, em que a noção de cor

também possui um destaque neste processo, já que há uma substituição da noção de raça

pela noção de cor e aparência física, em que quanto mais escura for sua cor de pele, mais a

ideia de raça negra estereotipada e estigmatizada estará presente no indivíduo, em suas

relações, seja nos aspectos social e econômico, seja no aspecto jurídico.

À vista disso, quando falamos sobre a categoria raça na sociedade brasileira,

devemos nos atentar que esse conceito nunca foi um fator determinante, ou seja, no Brasil a

forma de classificação social perpassa necessariamente pela categoria “cor”, que se

naturalizou nas bases de nossa sociedade, em uma hierarquia social das cores, em que o

negro foi associado ao demônio e ao mal, enquanto o branco à virtude e ao bem, na

tradição greco-romana e europeia (GUIMARÃES&BASTIDE, 2008). Ou seja, define-se,

assim, que ainda que a figura do branco não seja necessariamente superior, a figura do

negro no imaginário social aparece sempre estigmatizada e estereotipada diante das

classes, dando a ele um sentido cultural negativo e criminal.

2.2 Raça e Cor na Sociedade Brasileira: Um Conceito Nativo Fundante.

O conceito de cor pode ser entendido como um discurso classificatório, em que

ele se expressa como o mais naturalizado nas relações sociais e o menos exposto a críticas

em uma sociedade. Desse modo, ressalta-se como uma de suas características, já nos

séculos XV e XVI, como sendo um marcador de diferenças, porém, ainda que de modo não

sistemático. (GUIMARÃES, 2008).

De acordo com Guimarães (2008), na classificação moderna dos seres humanos

em raças assimilou-se a antiga nomenclatura das cores mencionada anteriormente, dando à

classificação de povos e de pessoas de cor escura a assimilação de uma hierarquia própria

e racista. Em que uma nomenclatura propriamente racista (caucasoide, negroide,

mongoloide e outras já esquecidas) substituiu a classificação e a simbologia das cores

dando a ela um peso em seu significado na sociedade.

A formação da nacionalidade brasileira foi construída com a mistura de

indivíduos de diferentes etnias que vieram de diversos lugares do mundo, desse modo, com

o passar do tempo, desenvolveu-se a ideia de mestiçagem, em que a cidadania não

dependia da ancestralidade, mas sim do local de nascimento, ou seja, no caso, a

naturalidade brasileira. Assim, o que aconteceu foi a chegada de milhares de pessoas que

possuíam uma origem étnica e racial, porém, que foi “ignorada” diante da marca de

nacionalidade brasileira. (GUIMARÃES, 1995).

Nesse processo ressalta-se, portanto, a miscigenação, que teve sua origem

principalmente em decorrência dos abusos sexuais sofridos pelas mulheres negras, pois

estas eram vistas como objetos sexuais dos homens brancos. Com isto, uma “nova” cor

surge – os mulatos. Estes recebiam tratamento diferenciado em relação aos que possuíam

cor mais escura, podendo ocupar determinados espaços designados na sociedade, com

maiores chances de ascensão social. Assim, difundia-se a ilusão de não haver distinção

entre raças.

Mesmo assim, a figura do negro continuou sendo construída de forma negativa e

estereotipada, e sua cor passou a substituir todo o significado que o conceito de racismo

poderia trazer para aquele individuo, ou seja, o conceito de classificação social passou a ser

cor e não raça, tornando-se cada vez mais nativa, fazendo parte da base do que chamamos

de nação brasileira.

2.3 O Mito da Democracia Racial: Uma Ideologia Sutil aos Moldes da Nação Brasileira.

Historicamente, as raízes da construção do mito da democracia racial remetem a

meados do século XIX, tendo como impulso fatores como: a literatura produzida pelos

viajantes que visitavam o Brasil, a própria produção da elite intelectual e política, o

posicionamento do movimento abolicionista institucionalizado, e por fim, o processo de

mestiçagem. Contribuíram também nesse processo, em São Paulo, da pós-abolição até

1930, a imprensa negra, o relacionamento de aparente integração dos negros com os

imigrantes, o legado da mentalidade paternalista do setor da elite tradicional, o movimento

comunista, e a tradição de comparar o sistema racial ao modelo estadunidense.

(DOMINGOS, 2001).

Logo, alimentou-se no Brasil uma história social da figura do negro, no qual

autores como Gilberto Freyre, fizeram da miscigenação e da ascensão dos mulatos as vias

fundamentais para uma compreensão do imaginário do corpo social da sociedade brasileira,

em que foi estabelecida uma imagem nacional de harmonia na existência de uma

democracia racial em nosso país, em que segundo Guimarães,

[...] entre os acadêmicos brasileiros, uma história social do negro, desenvolvida por Gilberto Freyre, fizera da miscigenação e da ascensão social dos mulatos as pedras fundamentais de sua compreensão da sociedade brasileira. Ou seja, para sermais claro, eram fatos estabelecidos, já em 1935, pelo menos entre os intelectuais modernistas e regionalistas, que: (a) o Brasil nunca conhecera o ódio entre raças, ou seja, o “preconceito racial”; (b) as linhas de classe não eram rigidamente definidas a partir da cor; (c) os mestiços se incorporavam lenta mas progressivamente à sociedade e à cultura nacionais; (d) os negros e os africanismos tendiam paulatinamente a desaparecer, dando lugar a um tipo físico e a uma cultura propriamente brasileira. (Guimarães, 2004, p. 15-16).

Com isso, essa pseudocaracterística do povo brasileiro foi defendida por

diversos intelectuais brasileiros e estrangeiros, como por exemplo, Donald Pierson (1945),

Azevedo (1955-1966) que contribuíram de forma direta e indireta para que os estudos das

relações raciais fossem fundamentados apenas na presença dos grupos de cor, excluindo a

questão racial, com a negação da existência do racismo em nosso país e reafirmando que a

sociedade estaria sedimentada nas relações de classe e de cor e não de raça, relatando

que a ascensão social estaria ao alcance de todos, cabendo a eles, através de suas

potencialidades, sobressaírem de suas condições sociais. (SILVA, 2000)

Segundo SILVA (2000), o Brasil sempre se orgulhou de sua titulação de

“democracia racial”, tanto que essa ideologia vigora até os dias atuais no senso comum, em

que a principal justificativa para isso está na dificuldade de reconhecer que o sistema de

desigualdades sociais é também baseado na questão racial e na própria inexistência de

uma legislação mais eficaz, capaz de combater a discriminação, uma vez que o Estado se

encontra ausente da responsabilidade em face do racismo; fazendo assim, com que a culpa

do preconceito e da discriminação racial seja transferida para o nível individual, atribuindo

ao próprio negro a culpa por ocupar uma posição inferiorizada na sociedade.

Desse modo, o racismo brasileiro foi sendo forjado dentro de uma perspectiva

em que todos eram iguais perante a lei, e que se existia a diferença de vida entre brancos e

negros, em que a maioria destes últimos pertencia a classes e status mais baixos, era por

causa de sua cor e demais características físicas que definiam sua inferioridade, dentro de

uma perspectiva liberal de que os pobres eram pobres porque possuíam uma inferioridade

natural em relação aos ricos.

Em detrimento do processo histórico em que foi gerado o mito da democracia

racial, quando falamos sobre o racismo, o Brasil tem por característica reconhecê-lo como

sendo um tabu, este, como reflexo de noção construída ao longo da historiografia do país,

como um status de orgulho de um povo civilizado.

A luta antirracista enfrenta nas vias institucionais importantes fatores que foram

demarcando uma ideologia que se desenvolveu nas raízes societárias, que condicionou o

não aparecimento real da segregação, ocasionando o não conflito pela luta contra o racismo

no Brasil. Com um intuito claro de harmonizar as relações em um campo simbólico no

imaginário social evitou-se segregar politicamente, no entanto, de forma velada e sutil, as

políticas que foram aprovadas somente mascararam as desigualdades criadas ao longo da

história. De forma a criar polos opostos para comparações e constatações para moldar

padrões de relações raciais, em vista de um modelo para a construção social perfeita em

nossa sociedade. Nessa perspectiva, Guimarães vem trazer que,

Tal modelo, elevado a arquétipo, acabou por esconder antes que revelar, negar mais que afirmar, a existência das "raças" no Brasil. De fato, o modelo norte-americano exibia um padrão de relações violento, conflitivo, segregacionista, vulgarmente conhecido como "Jim Crow", sancionado por regras precisas de filiação grupal, baseadas em arrazoados biológicos que definiam as "raças". O modelo brasileiro, ao contrário, mostrava uma refinada etiqueta de distanciamento social e uma diferenciação aguda de status e de possibilidades econômicas convivendo com equidade jurídica e indiferenciação formal; um sistema muito complexo e ambíguo de diferenciação racial, baseado principalmente em diferenças fenotípicas e cristalizado num vocabulário cromático. (Guimarães, 1995, pag.27-28)

A luta antirracista no Brasil encontrava barreiras empossadas por intelectuais

brancos de classe média, ignorando o antirracismo popular dos poucos pretos e mulatos

que denunciavam as barreiras intransponíveis provocadas pelo preconceito de cor,

Imprimindo assim uma diferenciação equivocada entre o que era considerado preconceito e

o que seria discriminação aos olhos da sociedade, negando-lhe uma dimensão social para

uma reflexão crítica sobre a real condição do negro nas bases societárias.(GUIMARÃES,

1995).

No campo acadêmico, o racismo era escondido em uma tessitura discursiva e

metafórica em uma linguagem entre status social e de classe, dando ao conceito de raça no

Brasil um discurso classista, inserido falsamente como prova de uma insignificância sobre

raças e suas relações na sociedade. Porém, vale ressaltar que a luta antirracista pós-guerra

tinha como objetivo demonstrar o caráter não científico e mitológico da noção de raça e

denunciar as consequências inumanas e bárbaras do racismo. Desta forma, quando ocorre

a mudança de percepção destas pautas para um programa que denunciasse as

desigualdades raciais mascaradas em termos de classe social ou de status, os racismos

brasileiros e norte americano se tornam muito mais parecidos. (GUIMARÃES, 1995).

Nos tempos atuais, a luta antirracista para firma-se como expressão da questão

social nacional precisa ir além da própria discursão e superação dos entraves das relações

de classe, pois, o preconceito, a discriminação e o racismo são intimamente ligados às

relações de desigualdades raciais. Devem ser discutidas políticas e ações para o

enfretamento como resposta às desigualdades étnico-raciais, desde políticas universais,

como por exemplo, as políticas de ações afirmativas, mediante os desafios na

contemporaneidade. (MADEIRA, 2010). Com efeito, é necessário enfrentar as causas

através de políticas públicas capazes de transformar esse cenário vigente.

O foco deve ser o enfrentamento do racismo em sua matriz no que se refere à

vertente do preconceito racial, tal latente em nosso país, em que, notadamente, as ações

afirmativas ganham papel de destaque de cunho valoroso, cujo objetivo é combater os

estereótipos já criados na sociedade, como também o combate ao racismo institucionalizado

que opera nas vias pública e privada que inviabiliza a compreensão da luta antirracista.

Portanto, torna-se necessário para o enfrentamento desse racismo doutrinário

uma adoção de políticas públicas antidiscriminatorias visando um emponderamento, lutando

para que as bases de nossa sociedade possam ser mudadas no que diz respeito à

identidade racial em sua classificação, seus termos e significados, na própria definição do

que representa ser negro no Brasil, nos últimos dez anos tivemos avanços significantes pelo

menos no que diz respeito a colocar a temática em evidência e possibilita mudanças nessas

estruturas com políticas de reconhecimento, de acesso, para que assim haja o combate ao

senso comum da figura estereotipada que sobrevive na sociedade de forma tão naturalizada

no cotidiano brasileiro.

III. CONCLUSÃO

Assim, podemos perceber que as relações sociais no Brasil constituíram-se sob

a marca pungente da discriminação racial, fazendo, portanto, do racismo um aspecto

estruturante da nossa sociedade, sendo este, uma das causas para as desigualdades

sociais existentes no país. Nota-se ainda, que esse racismo, ao estruturar a sociedade

brasileira, forja sentimentos e comportamentos, fazendo com que a ideologia racista

disseminada no país se faça presente até os dias atuais, agindo no imaginário das pessoas,

atingindo de diversos jeitos e formas, em diversos âmbitos de nossa estrutura social, a

população negra.

Tais fatos apontam para importantes desafios a serem enfrentados, tanto no

âmbito do cotidiano, combatendo e rebatendo as diversas formas de discriminação racial

que se apresentam todos os dias, como também no âmbito das políticas públicas, para que

os direitos que foram negados historicamente ao povo negro possam enfim chegar a seu

destino, possibilitando a estes o ressarcimento de todas as injustiças e desigualdades

impostas ao longo da história brasileira.

Políticas como as ações afirmativas têm sido um caminho posto constantemente

em discussão e já contempla algumas leis, como é o caso das cotas raciais para o ingresso

de negros e pardos no ensino superior. Apesar de enfrentar diversos desafios, como por

exemplo, as cotas sociais que se posicionam em primeiro lugar em diversos “espaços”, além

do fato de haver uma grande resistência por parte da população de modo geral, que muitas

vezes afirma ser a existência de cotas raciais uma forma de racismo, estas vêm se

mostrando como uma das saídas para se começar a alcançar um meio para o

enfrentamento dessas desigualdades.

Salientamos que, para além da formalidade materializada nas legislações, existe

um desafio, sem dúvida, bem mais complicado e também mais desafiador, que é o de

construir no imaginário das pessoas uma nova ideologia racial, que produza sentimentos de

respeito e aceitação às várias diversidades existente entre as “raças” no Brasil, pois é

possível observar cotidianamente que os brasileiros, de modo geral, em menor ou maior

grau de gravidade, ainda trazem em seus gestos, hábitos, gírias, sentimentos e demais

expressões objetivas e subjetivas do ser, a reprodução da ideologia racial que considera o

negro como um ser inferior aos brancos.

Sabemos que a mudança de tal realidade não será fácil, e também que não

acontecerá da noite para o dia. No entanto, é por fatores como estes, que se torna ainda

mais necessário a constante batalha em prol da luta antirracista por todas e todos que

estudam acerca dessas questões e/ou já possuem um conhecimento mais sensível e

ampliado sobre o assunto.

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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