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LUCAS FABIANO DE OLIVEIRA
CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NA ATIVIDADE POLICIAL
PONTA GROSSA 2014
LUCAS FABIANO DE OLIVEIRA
CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NA ATIVIDADE POLICIAL
PONTA GROSSA 2014
Artigo científico apresentado à disciplina de
Metodologia da Pesquisa Científica, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização
em Direito Penal e Direito Processual Penal aplicado à Atividade Policial, do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da
Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Profº. Ms. José Carlos Portella
Júnior.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NA
ATIVIDADE POLICIAL
RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo referenciar a complexidade do uso de algemas na atividade de segurança pública. Para tanto, fora situado o uso de algemas dentro da
atividade policial, enfocando o poder de polícia concedido pelo Estado, e a consequente coercitividade que lhe é peculiar. Ao estudar a evolução da legislação
que delimitou o uso de algemas ao longo do tempo, pôde-se observar a histórica falta de objetividade dos legisladores ao regulamentar o uso daquele aparato policial. A edição da 11ª Súmula Vinculante pelo STF denotou o objetivo
contemporâneo da Suprema Corte, qual seja disciplinar, enfim de forma objetiva, o uso daquele equipamento, visando coibir eventuais abusos por parte de agentes
policiais, e preservar a dignidade do conduzido. Para o perfeito encadeamento de ideias, tornou-se necessário enfatizar o estudo acerca da origem e propósitos da edição daquele verbete sumular, abordando sua constitucionalidade, e aplicabilidade
ao caso concreto, sem denegrir, no entanto, o mérito de seu objetivo primordial: proteger direitos e garantias individuais assegurados a qualquer individuo,
incondicionalmente. Assim, o estudo sobre a atuação policial diante da legislação vigente adquiriu fundamental importância, haja vista a tríplice responsabilização a ser imposta pela prática de qualquer abuso durante a prisão e condução de um
infrator, mediante o emprego de algemas. Será observado, como resultado deste artigo, que o uso de algemas, mesmo diante da excepcionalidade do ato, é
discricionário e legítimo, quando respeitadas as condições impostas pela súmula supramencionada, garantindo efetividade e segurança ao agente policial.
Palavras-chave: Algemas. Direitos e Garantias Individuais. Súmula Vinculante.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NA
ATIVIDADE POLICIAL
ABSTRACT
This research aimed to reference the complexity of the use of handcuffs in the activity of public safety. To do so, set out the use of handcuffs in the police activity,
focusing on the police power granted by the state, and the resulting coercivity that is peculiar. By studying the evolution of legislation that restricted the use of handcuffs
over time, we could observe the historical lack of objectivity of lawmakers to regulate the use of that police apparatus. The edition 11th of Binding Precedent denote the contemporary purpose of the Supreme Court, which is disciplinary, objectively, the
use of that equipment, aimed at curbing abuses by police officers, and preserve the dignity of the led. For the perfect chain of ideas, it became necessary to emphasize
the study of the origin and purpose of editing sumular addressing its constitutionality and applicability to this case, without denigrating, however, the merit of his primary goal: to protect rights and individual guarantees provided to any individual,
unconditionally. Thus, the study of police operations the current legislation has acquired critical importance, given the triple liability to be imposed for the commission
of any abuse during arrest and conduct of an offender through the use of handcuffs. Will be observed as a result of this article, the use of handcuffs, even given the exceptional nature of the act is discretionary and legitimate, when respected the
conditions imposed by the above docket, ensuring effectiveness and safety police.
Keywords: Handcuffs. Individual Rights and Guarantees. Binding Precedent.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 5
2 REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................... 8
2.1 ETIMOLOGIA E CONCEITOS........................................................................ 8
2.2 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO.................................... 10
2.3 O CONTEXTO ATUAL................................................................................... 16
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A 11ª SÚMULA VINCULANTE......................... 20
2.5 A ATIVIDADE POLICIAL FRENTE À LEGISLAÇÃO VIGENTE..................... 23
3 CONCLUSÃO................................................................................................. 27
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 29
5
CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NA
ATIVIDADE POLICIAL
Lucas Fabiano de Oliveira1
1 INTRODUÇÃO
A manutenção da ordem pública, fator primordial à existência de uma
sociedade civilizada, constitui um dever do Estado, que organiza e mantém forças
de segurança pública, voltadas para a preservação da ordem.
A atividade policial, direcionada para a defesa dos direitos do cidadão,
responsável por garantir a segurança de pessoas e bens, sobretudo através da
aplicação da lei, é realizada diuturnamente como forma de prevenção e repressão
ao crime, cujo exercício encontra-se devidamente regrado no § 5º do art. 144 da
Constituição da República Federativa do Brasil, o qual versa:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...]
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. (BRASIL, 1988).
Neste contexto, destaca-se a figura do policial, agente de segurança pública
que tem como principal função o exercício daquela atividade, tendo sua autoridade
delegada pelo Estado, para o exercício dos poderes de polícia dentro de um limite
definido de responsabilidades legais.
O poder de polícia, concedido aos agentes policiais para a aplicação da lei e
manutenção da ordem pública, autoridade que lhe é atribuída por força da
Constituição Federal, compreende uma atividade consistente em limitar direitos
1
Lucas Fabiano de Oliveira
Bacharel em Ciências Econômicas Curso de Formação de Sargentos Policiais Militares Auxiliar de Comunicação Social do 1º Batalhão de Polícia Militar
E-mail: [email protected] ou [email protected]
6
individuais em benefício da segurança pública, cujo exercício admite o uso legítimo
da força aos agentes de segurança no âmbito do cumprimento de suas missões.
Não raramente o administrado, discordando ilegalmente desta intervenção
estatal, impõe resistência à execução da atividade de segurança pública, cabendo
ao Estado, personificado no agente policial, reprimir tal conduta, fazendo, se
necessário, uso da força no intuito de garantir a preservação da ordem.
A coercitividade, um dos principais atributos do poder de polícia delegado
pelo Estado, permite o uso da força pelo policial no cumprimento de sua missão
constitucional, conjuntura que remete a um tema amplamente debatido na
atualidade: a legalidade do uso de algemas na atividade policial.
O estudo sobre a fundamentação legal do uso de algemas na atividade
policial objetiva assegurar que o uso deste equipamento se enquadre em uma
sociedade civilizada, que enfrenta graves problemas relacionados à segurança
pública, que se expressa mediante o amparo da legislação vigente, e clama por
profissionais qualificados.
A utilização deste equipamento, algumas vezes indispensável ao bom
andamento da atividade de segurança pública, garante não apenas a integridade do
agente estatal, mas também a segurança de terceiros, ou ainda, a do próprio
infrator.
É importante salientar que o uso de algemas, de forma indiscriminada e sem
fundamentação legal, fere direitos e garantias assegurados pelo art. 5º da
Constituição Federal, respectivamente os previstos nos incisos:
Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Ressalte-se que os incisos supramencionados vão de encontro à rotina do
policial, agente de segurança pública que inúmeras vezes retira do autor de um
delito um bem de valor inestimável: sua liberdade, podendo este, a qualquer
7
momento, resistir à ação policial no intuito de resgatá-la, pondo em risco, por vezes,
a própria integridade, a do agente público de segurança e a de terceiros.
Contextualmente, enfocando a manutenção da integridade física do policial
em sua atuação diária contra criminosos, deve-se considerá-lo também como
cidadão amparado pelo direito, especialmente os Direitos Humanos, minimizando os
riscos que sua profissão lhe impõe diariamente.
Apresenta-se, portanto, a seguinte pergunta de pesquisa: Quais os
princípios reguladores do uso de algemas na atividade de segurança pública, os
quais admitem o uso deste equipamento em situações específicas, sem que o
policial incorra em qualquer crime contra a pessoa do conduzido, nem viole
quaisquer de seus direitos e garantias constitucionais?
Como hipótese de pesquisa, tem-se que a legislação atual em torno do uso
de algemas impõe ao policial a necessidade de avaliar de pronto, no momento da
prisão, se existe ou não perigo para si, ou para o infrator e a terceiros, antecipando,
subjetivamente, como o infrator irá reagir quando for privado de sua liberdade, sendo
de suma importância para o exercício de sua função, a clara distinção entre um
procedimento padrão, e uma exceção à regra, no que tange ao uso daquele
equipamento.
O Objetivo Geral deste trabalho científico é demonstrar a complexidade do
uso de algemas na atividade policial, importante não apenas aos operadores do
direito, mas principalmente àqueles agentes públicos que estão à frente no combate
em defesa da segurança pública, e necessitam deter total conhecimento técnico-
profissional, identificando os limites legais de sua atuação.
Objetivos Específicos
I - Apresentar um referencial teórico, abordando aspectos conceituais e
históricos acerca do uso de algemas;
II - Elaborar uma revisão bibliográfica em torno da fundamentação legal a ser
observada pelo policial, ao fazer uso de algemas durante a prisão e condução de
indivíduos, em tese, autores de delitos;
III - Verificar o entendimento doutrinário acerca da legalidade do uso de
algemas, considerando-se a proporcionalidade e a razoabilidade no uso deste
equipamento;
IV - Esclarecer ao policial, enquanto agente aplicador da lei, se o uso de
algemas para a prisão e condução de infratores deve ser considerado como
8
procedimento padrão, ou trata-se de exceção, a ser adotado apenas em situações
específicas.
2 REVISÃO DE LITERATURA
Para o estudo sobre a legalidade do uso de algemas na atividade policial é
importante que seja realizada inicialmente uma abordagem a respeito da origem e
conceituação do termo algemas, explicitando aspectos históricos e objetivos
principais daquele aparato. O segundo assunto abordado no presente trabalho
científico situa no tempo a evolução da legislação pertinente àquele instrumento
policial, evidenciando a histórica ausência de normas expressas, a regularem sua
utilização.
O enfoque contemporâneo, alvo do terceiro assunto estudado, salienta a
edição da 11ª Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, verbete criado
com o objetivo de disciplinar de forma específica o uso de algemas, inibindo ações
desarrazoadas e desproporcionais por parte de agentes policiais. A súmula
referenciada constitui o tema principal da quarta matéria elencada, no intuito de
esclarecer ao leitor a força de lei adquirida pelo verbete em pauta, bem como o
vínculo jurídico criado após sua aprovação, com efeitos obrigatórios a todas as
instituições policiais.
Mais adiante, por fim, o quinto tema abordado está direcionado à atividade
prática de segurança pública, com ênfase para o dever de atuar do Estado frente ao
ato criminoso, destacando-se as imposições da súmula vinculante ao exercício da
atividade policial, e a discricionariedade dos agentes públicos frente ao caso
concreto.
2.1 ETIMOLOGIA E CONCEITOS
Algema é uma palavra introduzida na língua portuguesa por influência árabe,
em cujo idioma “al jamad” significa “a pulseira”. A utilização deste aparato, com a
finalidade de aprisionar, segundo Quezado e Virgínio (2008), provém do século XVI.
A Academia Brasileira de Letras Jurídicas, citada pelos mesmos autores, em seu
dicionário jurídico, define o termo algemas como sendo “[...] pulseira de ferro
9
empregada para manietar2 alguém a fim de dificultar sua fuga quando em transporte
fora do lugar de confinamento [...]".
Ao conceituar este instrumento, admite-se invocar as notas de Pitombo
(1985, citado por Cavallari, 2011), as quais versam sobre o termo “algema”,
definindo-o comumente como grilhão3 ou ferro, expressão que se tornara usual a
partir do século XVI.
Tido como instrumento de força, metálico, era utilizado para imobilizar o
infrator pelos punhos, quer seja para sua prisão, ou simplesmente para sua
contenção. Por vezes fora utilizado também para provocar sofrimento, como forma
de castigo aos presos, em virtude das lesões que seu formato rudimentar lhes
causava.
Neste contexto, embora grilhões e algemas possam ter sido amplamente
utilizados como termos equivalentes, há de se destacar as diferenças entre ambos.
Culturalmente, tendo por referência sua real utilização, os grilhões, utilizados
basicamente nos tornozelos, de acordo com Herbella (2008, p. 22 e 33),
estampavam publicamente a imagem do castigo, acompanhado de um sofrimento
severo, corporal e moral, haja vista que suas grilhetas, unidas por barras de ferro,
obrigavam o prisioneiro a permanecer com seus membros inferiores numa posição
única, por meses, causando-lhes deficiência definitiva, ou até a perda dos membros,
características que, em princípio, se mostravam ausentes nas algemas.
Rangel (2009, p. 644) define doutrinariamente este aparato em sua obra
como sendo um instrumento confeccionado em metal, normalmente utilizado nos
pulsos, tornozelos, ou até nos polegares, cujos objetivos principais são obstar a fuga
do infrator, evitar qualquer forma de resistência, bem como impedir que o conduzido
atente contra a vida de terceiros, ou contra si mesmo.
Sob a ótica da definição apresentada pelo Dicionário Saraiva Jovem (2010,
p. 36), tem-se o termo algema como:
[...] uma espécie de argola de ferro, aço, níquel ou material similar ligadas entre si, que possuem fechadura, usadas para prender uma pessoa pelo pulso a um lugar ou a outra pessoa, ou para imobilizar alguém prendendo-
lhe os dois pulsos.
2 Atar as mãos, tolher os movimentos, subjugar, prender, etc. 3 Cadeia de ferro, terminada por duas argolas largas com que se prendiam pelas pernas os
condenados.
10
Resta claro que a utilização do termo algemas, no plural, deriva de seu
objetivo fundamental: imobilizar ambas as mãos do conduzido.
2.2 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO
O Brasil do século XVII já possuía regulamentação acerca do uso de
algemas, conforme se observa no decreto expedido por Dom Pedro, de 23 de maio
de 1821. O então Príncipe Regente, discordando das penas e sofrimentos impostos,
estabeleceu por meio deste decreto que as prisões deveriam ter por objetivo apenas
conservar os presos, e não torturá-los ou castigá-los de qualquer modo, abolindo-se
definitivamente o uso de algemas ou de quaisquer outros instrumentos
desenvolvidos para o martírio de supostos infratores da lei, haja vista que as prisões
guardavam presos ainda não julgados e não sentenciados definitivamente,
definições que influenciaram amplamente a legislação da época. (SOUZA E
JAPIASSÚ, 2011, p. 45).
No entanto, ao longo da história, a legislação brasileira deixou de
regulamentar, de forma expressa e objetiva, o uso de algemas no país. O Código
Criminal do Império, datado de 1830, sujeitava os condenados às chamadas “penas
de galés”, submetendo-os ao uso de correntes de ferro, obrigando-os a prestar
serviços públicos à disposição do governo. Mulheres, os menores de 21 anos, e os
maiores de sessenta não estavam sujeitos a este diploma legal.
Com o título “Da ordem da prisão” a norma supracitada dava ao executor do
ato o direito de fazer uso da força necessária para efetuar a detenção daquele que
tentasse evadir-se, desobedecendo à sua prisão. Contudo, frente à sua obediência,
vedava-se o uso da força, não se regulamentando, à época, o uso de algemas de
forma objetiva. Tal disposição, prevista no art. 180 do Código de Processo Criminal
do Império, tornou-se absoluta com o advento da Lei nº 261, de 3 de dezembro de
1841, a qual impôs reformas àquele Código Imperial (HERBELLA, 2008, p. 36-38).
Segundo a mesma autora, a edição do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro
de 1871, veio por vedar de forma expressa a condução de presos mediante a
utilização de ferros, algemas ou cordas, excetuando-se apenas as situações
extremas, quando seu uso deveria ser devidamente justificado pelo condutor, sob
pena de multa.
11
Sob a égide de que as chamadas “penas de galés”, aplicadas durante muito
tempo, principalmente pela prática dos crimes de homicídio, roubo e latrocínio, ao
invés de proporcionarem qualquer forma de regeneração, degradavam ainda mais
os prisioneiros, tais imposições punitivas foram extintas da legislação nacional por
meio do Decreto de nº 774, de 20 de setembro de 1890, tendo sua supressão
confirmada com o advento da Constituição de 1891.
As algemas, apesar da supressão descrita, continuaram a ser utilizadas em
casos excepcionais, como na indisciplina de presos, tendo amparo regulamentar,
mesmo que de maneira implícita.
Mesmo com a instituição do Código de Processo Penal, em outubro de
1940, a utilização de algemas permaneceu subentendida, conforme se verifica nos
artigos 284 e 292 do CPP, os quais, respectivamente, não subsidiam de forma direta
o uso legal daquele instrumento:
Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no
caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. [...] Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as
pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas. (grifo nosso).
As expressões “emprego de força” e “usar dos meios necessários”, para
Herbella (2008, p. 45), deixaram uma lacuna, explorada amplamente até hoje por
vários doutrinadores, face à indefinição de meios a serem utilizados por seu
executor, críticas que buscam preencher a escassez de objetividade do próprio
legislador.
Deste modo, ficava a critério do agente, no momento da prisão, estabelecer
as medidas de força a serem utilizadas, proporcionais à gravidade da reação a ser
vencida, possibilitando o uso diversificado de instrumentos contendores à tentativa
de fuga ou resistência do infrator, dentre estes as algemas, com respaldo legal
previsto no CPP.
Tornaghi (1978, p. 233), ao analisar os artigos 284 e 292 do Código de
Processo Penal, defendeu ser pacífico o entendimento de que as algemas
possibilitavam ao executor de uma prisão vencer a resistência imposta, estando
este, portanto, autorizado a fazer uso daquele instrumento de contenção, mesmo
que o ato não estivesse referenciado de forma expressa no ordenamento jurídico
nacional.
12
Por sua vez, para os crimes militares previstos no Código Penal Militar, o
Decreto-Lei nº 1.002/69, que instituiu o Código de Processo Penal Militar, trouxe ao
cenário legislativo, em seu artigo 234, § 1º, regulação específica ao uso de algemas,
estabelecendo que seu uso deveria ser evitado, salvo de houvesse risco de fuga ou
violência advinda do preso, aplicando-se a referida norma, no entanto, apenas aos
crimes definidos em lei como militares.
Mais recentemente, Raymundo (2012), ao dissertar sobre o artigo 234, § 1º
do CPPM, considerando aspectos relativos à segurança, ressalta sua aplicabilidade,
haja vista a grande diferença numérica entre o efetivo militar existente e o número
geralmente baixo de presos mantidos nas unidades militares, sendo estes membros
da própria corporação, cuja periculosidade poderia ser determinada de forma mais
precisa.
No entanto, o mesmo autor faz críticas à parte final do art. 234, a qual
determina que o uso de algemas “[...] de modo algum será permitido, nos presos a
que se refere o art. 242 [...]”, referenciando suposta distinção entre indivíduos, o que
não harmoniza com a igualdade acautelada pela Constituição Federal.
Sobre este aspecto, é necessário ressaltar a crítica contemporânea existente
em torno da validade do art. 234 do CPPM, mediante a observância dos princípios
constitucionais pátrios. Sob a ótica de que proibir o uso de algemas em
determinados indivíduos, definidos pelo art. 2424 do CPPM, fere o princípio da
igualdade, Távora e Antonni (2008, p. 443) declaram terminantemente que a parte
final desse dispositivo é inconstitucional, especialmente por seu caráter anti-
isonômico, haja vista que o uso de algemas deveria ser definido pelas circunstâncias
do caso concreto, não importando a qualificação funcional do preso.
4
Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível:
a) os ministros de Estado; b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia;
c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembleias Legislativas dos Estados; d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei;
e) os magistrados; f) os oficiais das Fôrças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional; h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional; i) os ministros do Tribunal de Contas;
j) os ministros de confissão religiosa.
13
Mais adiante, Quezado e Virgínio (2008) destacam a importante contribuição
da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para com o cenário normativo do
Estado. Através da emissão da Resolução SSP-41, de 2 de maio de 1983, aquela
Secretaria passou a regular o uso de algemas pelos órgãos policiais estaduais,
autorizando o uso daquele instrumento de contenção nos seguintes casos:
a) condução à presença da autoridade dos delinquentes detidos em
flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga; b) condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de
infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força; c) transporte, de uma para outra
dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.
Importante salientar que as disposições impostas pela Resolução
supracitada já figuravam na legislação do Estado de São Paulo desde o advento do
Decreto Estadual nº 19.903, de 30 de outubro de 1950, exarado pelo então
Governador do Estado, Adhemar de Barros. (SÃO PAULO, 1950).
Denota-se, portanto, o histórico interesse do Estado de São Paulo em
proteger, sob quaisquer situações, a integridade física e moral de infratores
eventualmente conduzidos por meio de algemas, resguardando-os dos riscos
intrínsecos às ações policiais e suprindo, no âmbito estadual, a inexistência de
normas reguladoras do uso de algemas, ausência notoriamente observada no
cenário legislativo nacional.
Em 11 de julho de 1984, ao ser instituída a Lei nº 7.210 – Lei de Execução
Penal, o emprego de algemas passou a ser condicionado à prévia regulamentação
por meio de Decreto Federal, dispositivo que ainda não fora estabelecido no
ordenamento jurídico brasileiro.
Sobre a segurança aérea, a Lei nº 7.565, que instituiu em 1986 o Código
Brasileiro de Aeronáutica, embora previsse em seu art. 168 que um comandante
poderia adotar medidas em sua concepção necessárias para a manutenção da
segurança das pessoas e bens transportados na aeronave, não previa
especificamente o uso de algemas. (BROD, 2009).
A mesma autora destaca em sua obra a Instrução da Aviação Civil nº 2504-
0388, editada em 1988 pelo extinto Departamento de Aviação Civil (atual Agência
Nacional de Aviação Civil – ANAC) que estabelecia que ao embarcarem
passageiros, presos e conduzidos mediante o uso de algemas, estas deveriam estar
14
encobertas, impedindo eventual constrangimento para o preso e demais
passageiros.
Já a normatização do sistema de segurança aquaviário, definida através da
Lei nº 9.537/97, ao contrário do Código Brasileiro de Aeronáutica, regulamentava
especificamente o uso de algemas em seu art. 10:
O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança
das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: [...] III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se
necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga. (BRASIL, 1997, grifo nosso).
Dessa forma, regulando-se o poder de polícia atribuído aos comandantes de
aeronaves e embarcações, tornava-se legítimo o uso de algemas em qualquer
indivíduo que colocasse em risco a segurança destes meios de transporte.
(HERBELLA, 2008, p. 81).
A histórica ausência de regulamentação expressa acerca do uso de algemas
ainda pôde ser observada com o advento da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990,
que passou a dispor sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em cujo art. 178
tão somente desautorizava a condução e transporte de qualquer adolescente infrator
em compartimento celular de viaturas policiais, como norma mantenedora de sua
dignidade, preservando-lhe, assim, a integridade física e mental, sob pena de
responsabilidade. (BRASIL, 1990).
Contudo, Nogueira (1993, citado por Camargo, 2008), afirma que o uso de
algemas em adolescentes tem sido admitido jurisprudencialmente, desde que
respeitadas algumas circunstancias diferenciais como porte físico, periculosidade do
infrator, e comportamento durante a prisão, sempre visando à segurança dos
executores da apreensão, dentro dos limites legais de sua atuação.
Reafirmando este prisma, Betiate (2009) relata que o ECA não faz quaisquer
referências ao uso de algemas em adolescentes, o que não suprime
obrigatoriamente seu uso. Tem-se que o infrator que resiste à intervenção do Estado
mediante o emprego de violência, ou tenta evadir-se do executor de sua apreensão,
pode ser submetido ao uso deste instrumento de contenção, mesmo diante da
ausência de qualquer regulamentação expressa, conduta que se torna
imprescindível, especialmente em situações em que o adolescente possuir porte
físico avantajado, ou for perigoso, arguindo-se que a utilização de algemas em
15
adolescentes infratores deve, portanto, cumprir a mesma normatização pertinente
aos adultos.
Em 1994, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP,
órgão do Ministério da Justiça, através da edição da Resolução nº 014, criou as
chamadas Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil, destacando-se para
este estudo os seguintes artigos e incisos:
Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de-força.
[...] Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos:
I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou administrativa;
II – por motivo de saúde, segundo recomendação médica; III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utilizá-los em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.
(CNPCP, 1994).
Nas palavras de Jobim (1994, citado por Paim, 2000), os dispositivos
elencados reforçam tão somente as Regras Mínimas para Tratamento do Detento,
editadas pela Organização das Nações Unidas em 1971, seguindo-se princípios que
em 1970, com a realização do IV Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção
do Delito e do Tratamento do Delinquente, já orientavam e limitavam o poder
punitivo do Estado.
Somente ao ser sancionada a Lei nº 11.689, em 9 de junho de 2008, é que o
termo algemas fora efetivamente consignado, pela primeira vez, no Código de
Processo Penal, por meio de alterações impostas através da modificação dos artigos
474, § 3º, e 478, inciso I, os quais passaram a limitar o uso daquele instrumento no
Tribunal do Júri, a situações extremamente necessárias “[...] à ordem dos trabalhos,
à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes [...]”,
não se admitindo, durante as argumentações, quaisquer referências ao uso de
algemas, sob pena de influenciar no convencimento dos jurados. (BRASIL, 2008).
Nota-se, contudo, que a norma regulamentar supramencionada não cumpre
o previsto no art. 199 da já mencionada Lei de Execuções Penais, haja vista que os
artigos alterados tem aplicabilidade somente em julgamentos perante o Tribunal do
Júri.
16
2.3 O CONTEXTO ATUAL
O amplo debate em torno do uso de algemas tem sido notório ao longo dos
últimos anos. A Lei nº 7.210/84 – Lei de Execuções Penais, conforme visto
anteriormente, estabelece expressamente que o uso de algemas deverá ser
disciplinado mediante Decreto Federal.
Embora o citado dispositivo ainda não tenha sido instituído, faz-se
necessário destacar a inciativa do Senado Federal ao elaborar o Projeto de Lei nº
185/2004, em trâmite no Congresso Nacional. O citado PLS, de autoria do Senador
Demóstenes Torres, em atenção ao contido na Lei de Execuções Penais, tem por
objetivo regulamentar o uso de algemas no território nacional, autorizando o uso
deste instrumento em determinadas situações, descritas em seu art. 2º:
I - durante o deslocamento do preso, quando oferecer resistência ou houver fundado receio de tentativa de fuga, II - quando o preso em flagrante delito oferecer resistência ou tentar fugir, III - durante audiência perante
autoridade judiciária ou administrativa, se houver fundado receio, com base em elementos concretos demonstrativos da periculosidade do preso, de que possa perturbar a ordem dos trabalhos, tentar fugir ou ameaçar a segurança
e a integridade física dos presentes, IV - em circunstâncias excepcionais, quando julgado indispensável pela autoridade competente, V - quando não houver outros meios idôneos para atingir o fim a que se destinam. (CAPEZ,
2009).
O autor entende como clara a intenção deste Projeto de Lei em certificar o
caráter excepcional do uso de algemas. No entanto, ao analisar o caso concreto,
afirma que a segurança jurídica desejada por aquele PLS resta prejudicada, uma
vez que as situações previstas no art. 2º tendem a conferir, ainda, certa
discricionariedade ao agente policial, único responsável por avaliar, subjetivamente,
a necessidade do emprego de algemas no momento da prisão ou condução de um
infrator, não havendo como extrair o concreto entendimento deste em torno da
oportunidade e/ou conveniência do ato. [...] Tampouco é possível mediante lei ou
súmula vinculante exaurir numa fórmula jurídica rígida e fechada todas as hipóteses
em que é admissível o emprego de algemas [...], face à impossibilidade de elencar
de forma confiável, toda e qualquer situação autorizadora de sua utilização.
Em relação à dignidade do preso enquanto pessoa humana, a Lei de
Execuções Penais impõe às autoridades de segurança pública, em seu art. 40, a
obrigatoriedade do respeito à integridade física e moral dos sentenciados, bem como
17
das pessoas presas provisoriamente, exigência intimamente ligada ao uso de
algemas. (STARLING, 2010).
Segundo Gomes (2002), o uso de algemas é regulamentar, desde que
satisfeitas condições essenciais ao caso concreto, como “[...] indispensabilidade da
medida, necessidade do meio e justificação teleológica5 ("para" a defesa, "para"
vencer a resistência) [...]”. A justificativa plausível para o uso da força demanda,
segundo o autor, “[...] adequação, necessidade e ponderação na medida [...]”,
devendo respeitar-se o princípio da proporcionalidade, e constituindo-se crime de
abuso de autoridade sempre que o uso daquele aparato extrapolar quaisquer destes
requisitos.
Neste contexto, ressalta-se que o Direito de Representação e o processo de
Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade,
são regulados pela Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, com destaque para o
descrito no art. 3º, alínea “i” daquele dispositivo, que define como crime o atentado à
incolumidade física do indivíduo; no art. 4º, alínea “b”, que dá proteção ao conduzido
contra qualquer exposição a vexame ou constrangimento não autorizados em lei ; e
alínea “h”, que reprime o ato lesivo à honra de qualquer pessoa, quando praticado
com abuso de poder. (BRASIL, 1965).
Os objetivos desta lei são, obviamente, preservar direitos e garantias
constitucionais sem distinção, inclusive daqueles que eventualmente tenham sua
liberdade suprimida em virtude da prática de algum delito. De acordo com Moreira
(2006), os dispositivos em pauta têm propósitos fundamentais, quais sejam o de
garantir que o exercício das funções públicas ocorra dentro da total legalidade, sem
abusos de qualquer natureza, e preservar garantias individuais inerentes à pessoa,
em conformidade com a Carta Magna do país.
Malta (2000, citado por Gomes, 2008), defende que todos os atos
executados por policiais no cumprimento de suas missões institucionais,
desempenhando atividades de polícia ostensiva e de preservação da ordem, devem
ser pautados em conformidade com os princípios constitucionais pátrios, somados à
necessidade e proporcionalidade, sob pena de responsabilização criminal pela
prática de qualquer abuso.
5
Relativo à teoria das causas finais; conjunto de especulações que têm em vista o conhecimento da
finalidade, encarada de modo abstrato, pela consideração dos seres, quanto ao fim a que se
destinam.
18
Com respeito à proporcionalidade, segundo o mesmo autor, devem os
agentes de segurança pública efetuar a prisão de quem quer que se encontre em
situação de flagrante delito. Caracterizando-se a resistência, a tentativa ou perigo de
fuga, ou ainda de agressão proveniente do infrator, deve o policial fazer uso de
algemas como instrumento para vencer a resistência imposta, sendo imprescindível
consignar os fatos em documento respectivo (boletim de ocorrência), a fim de
justificar a conduta policial, auto que deverá ser subscrito pelo executor e por
testemunhas.
Resta, portanto, ao executor de uma prisão, distinguir exatamente as
diferenças entre discricionariedade e abuso de autoridade, limites que, embora
relativamente complexos, devem ser claramente entendidos e respeitados durante a
utilização de algemas, superando-se as lacunas existentes na regulamentação do
uso deste instrumento.
A discricionariedade, para Silva (2002), é por essência originária do Direito
Administrativo, e autoriza o agente estatal a agir estritamente dentro dos limites
legais pré-existentes, constituindo-se abuso de autoridade todas as vezes que o uso
de algemas ultrapassar os limites de sua real necessidade.
Ao analisar a legislação vigente, observa-se que a Constituição Federal,
mesmo não tratando especificamente do uso de algemas, dispõe sobre temas
diretamente relacionados, a exemplo dos Direitos Humanos. A dignidade da pessoa
humana, fundamento de um Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º,
inciso III da CF, pode eventualmente ser desrespeitada em virtude de excessos
cometidos durante a prisão/condução de infratores, mediante o uso desvirtuado de
algemas. Conduto, o uso deste instrumento, quando revestido de legalidade, deixa
de constituir crime para transformar-se em meio garantidor de proteção individual ou
coletiva. (BERNARDO, 2013).
De acordo com Raymundo (2012), questões atinentes a eventuais danos à
integridade moral e dignidade dos presos, conduzidos mediante o uso de algemas,
vêm recentemente adquirindo relevância perante a sociedade.
Fatores como democracia e liberdade de imprensa tem subsidiado um
aumento significativo do interesse acerca da exposição por vezes desnecessária de
infratores, do constrangimento que isto lhe impõe, além daquele naturalmente
causado pela própria prisão.
19
Para o autor, considerando-se a presunção de inocência do preso até o
trânsito em julgado de eventual sentença criminal condenatória, o uso desvirtuado
de algemas por parte das forças de segurança, com o mero objetivo de tornar
pública a eficiência policial, expõe o conduzido, pondo em risco sua integridade
moral, ocultando, assim, a garantia de efetividade e segurança que o uso regular
daquele instrumento proporciona aos agentes policiais.
Corroborando com este entendimento, Starling (2010) esclarece que a
prisão de qualquer pessoa não lhe pode gerar constrangimento maior do que aquele
que a medida, por sua natureza, lhe impõe. Assim sendo, a condução por meio de
algemas, qualquer que seja a forma empregada, não pode ir além de seu propósito
inicial, sob pena de submeter o condutor à responsabilidade por eventuais danos
causados à integridade moral e dignidade do preso.
Diante desta realidade, o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a não
regulamentação do uso de algemas no país, em razão da inexistência de norma que
cumpra o previsto pelo art. 199 da Lei de Execuções Penais, e solicitado a
manifestar-se sobre o tema, especialmente em razão da repercussão nacional que o
uso desvirtuado e desmedido daquele instrumento vinha ocasionando, aprovou em
13 de agosto de 2008, a 11ª Súmula Vinculante. (GOMES, 2008).
O texto aprovado na 11ª Súmula Vinculante, segundo o Portal do Supremo
Tribunal Federal (2008), estabelece que:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
O posicionamento do STF acerca do uso daquele aparato, e a consequente
instituição da 11ª Súmula Vinculante, ratificam o entendimento da Corte sobre a
necessidade de cumprimento da legislação pré-existente, que disciplinava até então
o uso de algemas, quase sempre de forma subentendida, no intuito basilar de
proteger direitos primordiais e de valor indiscutível, previstos na Carta Magna pátria,
em especial os que referenciam o respeito à dignidade da pessoa humana e seus
direitos fundamentais.
20
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A 11ª SÚMULA VINCULANTE
O instituto da Súmula Vinculante, segundo o Portal do STF (2008), foi criado
pela Emenda Constitucional (EC) nº 045/04, e objetiva dirimir discussões acerca de
situações julgadas em instâncias inferiores do Poder Judiciário.
A Súmula Vinculante, depois de aprovada por no mínimo dois terços dos
membros do STF, e publicada no Diário de Justiça Eletrônico (DJE), possibilita aos
Poderes Judiciário e Executivo, a adoção de jurisprudências eventualmente fixadas
por aquele Tribunal.
O texto previsto no art. 103-A da Constituição Federal, incluído pela EC nº
045/04, versa que:
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
A edição do texto de uma súmula vinculante, conforme se verifica no artigo
supramencionado, é atribuição legítima do STF. Entretanto, Barros (2008),
considerando o referencial pronunciamento do então Ministro José Paulo Sepúlveda
Pertence (2006), durante julgamento do Habeas Corpus nº 89.429/RO, faz algumas
ressalvas, afirmando haver inconstitucionalidades na edição da 11ª Súmula
Vinculante, por não terem sido cumpridos alguns requisitos, obrigatórios à sua
elaboração.
Segundo Barros, as declarações de Pertence, à época, deram conta de que
o enfrentamento pelo STF, de questões envolvendo abusos na utilização de
algemas, ocorrera pela 1ª vez naquela oportunidade, embora abusos já estivessem
sendo praticados de forma frequente, no mero intuito de supervalorizar as ações
policiais. Descumpria-se, portanto, o contido no já mencionado art. 103-A da
Constituição Federal, qual seja a obrigatoriedade de reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, até que se pudesse editar tal súmula vinculante.
Moraes (2002, p. 516) concorda que tal exigibilidade garante segurança
jurídica à elaboração de uma súmula, por meio da qual se atinge a maturidade
jurisprudencial necessária à sua elaboração, fruto de diversas e prolongadas
discussões e da análise criteriosa de casos reprisados.
21
Outra inconstitucionalidade verificada na edição da súmula em questão diz
respeito à exigência de justificativas, por escrito, do uso excepcional de algemas
pelo agente ou autoridade, sob pena de responsabilidades civil e penal.
Não há no ordenamento jurídico atual, segundo Silva (2008), normas que
atribuam ao STF o poder de legislar ou criar regras. Para o autor, invocando o
contido na CF, em especial quanto à divisão de poderes, prevista no art. 2º, não
cabe ao STF a imposição de regras ou criação de direitos, mesmo diante da
inexistência de norma anterior que regulamente o uso daquele instrumento de
contenção, questionando, assim, a validade da 11ª súmula do STF. A exigência de
justificativa por escrito do uso de algemas remete aos dispositivos da época imperial,
mencionados no capítulo 3 deste estudo.
A 11ª Súmula Vinculante teve sua elaboração deliberada pelo STF durante o
julgamento do HC nº 91.952, de 7 de agosto de 2008. Na oportunidade, segundo
Fudoli (2008), o réu fora submetido ao uso de algemas durante seu julgamento, o
que motivou o STF a anular a decisão proferida pelo Júri Popular, por ficar
comprovado não haver indicativos concretos de que o acusado oferecesse riscos
aos presentes, razão pela qual considerou-se lesada sua dignidade.
Entretanto, na visão do autor, algumas reflexões são necessárias. Os
jurados, ainda que leigos, são incumbidos pela CF da árdua tarefa de julgar pessoas
que, em tese, cometeram crimes contra vida, e tem capacidade para aferir juízo
acerca da conduta do réu, conforme avaliação prévia de requisitos exigidos por força
de lei. Além disso, a Carta Magna pátria atribui aos jurados soberania para efetuar
seus julgamentos de tal forma, que seus vereditos não precisam ser fundamentados,
podendo decidir até mesmo contra os elementos de convicção apresentados nos
autos, sendo impossível presumir quais circunstâncias motivaram a
condenação/absolvição, sem a realização de estudos aprofundados.
Posto isto, tem-se que os jurados não tomam suas decisões por meio da
simples visualização do réu algemado, mas sim através da exaustiva avaliação dos
elementos apresentados pelas equipes de acusação e defesa, bem como das regras
e princípios constitucionais e legais atinentes ao caso concreto, mediante a
supervisão geral de um Juiz, disposto a impedir eventuais induções por parte dos
oradores.
22
Cabe a estes Magistrados decidir de forma fundamentada sobre a real
necessidade do uso de algemas durante audiências e/ou tribunais, conforme se
verifica na jurisprudência apresentada:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PENAL. USO DE
ALGEMAS DURANTE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SUPOSTA AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE 11 DESTA SUPREMA CORTE. INEXISTÊNCIA. DECISÃO RECLAMADA DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA. DESMONSTRAÇÃO DE NECESSIDADE PARA GARANTIA DA SEGURANÇA DO ATO. AGRAVO IMPROVIDO. I - O uso de algemas durante audiência de instrução e julgamento pode ser
determinado pelo magistrado quando presentes, de maneira concreta, riscos a segurança do acusado ou das pessoas ao ato presentes. Precedentes.
II - No caso em análise, a decisão reclamada apresentou fundamentação idônea justificando a necessidade do uso de algemas, o que não afronta a Súmula Vinculante 11.
[...] Rcl 9.468 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgamento em 24.3.2011, DJe de 11.4.2011. (BRASIL, 2011).
As decisões de Magistrados acerca do uso de algemas durante audiências
e/ou tribunais dependem, substancialmente, de informações advindas dos agentes
policiais incumbidos da escolta de presos, atinentes à periculosidade de cada réu.
De fato, a utilização de algemas durante a realização de audiências não
afronta o texto sumular editado pelo STF, exceto se as circunstâncias do caso
concreto indicarem que o uso daquele aparato submeterá o réu a constrangimento
desnecessário. Observa-se, portanto, que o réu somente deverá permanecer
algemado se as condições de segurança assim o determinarem. Note-se que a
excepcionalidade do uso de algemas não obsta sua utilização em adolescentes
infratores, conforme destacado na seguinte decisão do STF:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A HOMICÍDIO QUALIFICADO PRATICADO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO TRÁFICO DE DROGAS NO LOCAL DO
FATO. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO EM RAZÃO DO USO DE ALGEMAS PELO MENOR. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À SÚMULA
VINCULANTE 11 DO STF. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. ALTA PERICULOSIDADE DO REPRESENTADO. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
[...] 2. Na hipótese, a premência no uso do referido instrumento de jugo foi irrepreensivelmente declinada pelo Juiz condutor da audiência de
apresentação ao esclarecer que o menor em questão possui alto grau de periculosidade, entrevisto pelo seu profundo envolvimento com o tráfico de drogas e pela forma de execução do ato sob investigação, caracterizado por
desmedida violência, uma vez que teria promovido a morte de morador que se opôs à instalação da sede do tráfico em sua residência, alvejando-a com vários tiros e jogando seu corpo em uma lixeira e acertando sua cabeça
com uma pedra. 3. Parecer ministerial pela denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (STJ - HC: 140982 RJ 2009/0129475-7, Relator: Ministro
23
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 19/11/2009, T5 -
QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/02/2010). (BRASIL, 2009).
Conclui Fudoli (2008) que o objetivo do STF ao editar a Súmula nº 11 foi o
de proteger a imagem do réu algemado, não só em Tribunais, mas especialmente
durante prisões em flagrante e/ou cumprimento de mandados de prisão. Resta
evidente que se buscou com a edição desta súmula impedir quaisquer formas de
exposição exagerada do preso, independente de sua classe social, impedindo que a
liberdade de imprensa, bandeira comumente levantada por órgãos de comunicação,
se sobreponha à dignidade humana, tampouco lese sua integridade moral.
Sob este prisma, a preocupação fundamental do STF mostra relevância
expressa, qual seja a intenção de proteger e solidificar direitos e garantias
individuais do infrator, em especial a sua dignidade humana, reprimindo eventuais
constrangimentos, uma vez que o uso indisciplinado de algemas pelos órgãos de
segurança tende a transformar o ato da prisão em espetáculo público, e o uso de
algemas durante as audiências, em condenação moral ao preso.
2.5 A ATIVIDADE POLICIAL FRENTE À LEGISLAÇÃO VIGENTE
Resta claro que excessos cometidos mediante o uso desarrazoado do
instrumento algema atentam contra direitos constitucionais garantidos, constituem
crime de Abuso de Autoridade, de acordo com a Lei nº 4.898/65, e sujeitam, ainda,
seu executor à eventual responsabilização civil e/ou disciplinar.
No entanto, de modo geral, há que se considerar a necessidade de resposta
do Estado diante de um ato criminoso, o que remete à importância da prisão do
infrator, mesmo que o ato, em tese, viole sua dignidade enquanto pessoa humana,
exigindo-se, porém, que a prisão tenha fundamentação legal, e que o preso não seja
exposto indevidamente aos órgãos de comunicação.
A legislação atual impõe ao agente policial, no momento da prisão,
condução ou escolta de um infrator, a responsabilidade de reflexão, se o preso deve
ser algemado em virtude da gravidade do crime cometido, mesmo que não haja por
parte do preso qualquer conduta adversa à ação policial, ou se o uso daquele
instrumento de contenção será regular em crimes de menor gravidade, em que o
conduzido tenha demonstrado periculosidade.
24
Fudoli (2008) questiona se o uso de algemas deve ser definido
subjetivamente, pela eventual atitude adversa do preso, diante do crime por ele
cometido, ou se o uso daquele aparato se justifica somente de forma explícita, por
tudo aquilo que o infrator efetivamente demonstrou durante sua prisão. Além disso,
deve o policial considerar a existência de fundado receio de fuga em toda e qualquer
prisão executada, independentemente de flagrante delito, ou ainda, em qualquer
situação em que o infrator vislumbre a possibilidade de fuga, haja vista que o desejo
de liberdade é inerente à pessoa humana em qualquer condição.
Sob este aspecto, considerando que as circunstancias de uma prisão que
demanda o uso de algemas normalmente submetem o policial a condições
emocionais adversas, eventuais dúvidas por parte do agente policial em relação ao
uso ou não daquele equipamento acabam por favorecê-lo, haja vista que as
circunstâncias objeto de análise (receio de fuga e/ou resistência) podem se constituir
num temor justificável, amparando legalmente o uso daquele instrumento, desde que
o ato seja acompanhado da devida justificativa por escrito.
A exigência de uma justificativa escrita acerca dos motivos que levam o
policial a fazer uso de algemas, imposta àquele agente do Estado por intermédio da
11ª Súmula Vinculante, de acordo com Capez (2009), restringe sua
discricionariedade.
No entanto, as dúvidas acerca do emprego deste instrumento advogam tanto
em favor do policial, como da sociedade, não havendo outro caminho senão o do
bom senso e da razoabilidade, a fim de evitar relaxamento ou nulidade das prisões,
ficando a supracitada justificativa por escrito como procedimento a ser realizado
após o ato prisional, o que não implica em crime de abuso de autoridade, haja vista
a inexistência de dolo por parte do policial em agir contrariamente às normas, uma
vez que este, na dúvida, fez uso de algemas acreditando estar agindo corretamente,
justificando mesmo que posteriormente sua conduta, e não ensejando em qualquer
nulidade para a prisão.
Ressalte-se o entendimento de que a edição daquele verbete sumular não
aboliu o uso de algemas. Apenas definiu parâmetros para seu emprego, a fim de
evitar excessos durante as ações policiais. No intuito de exemplificar o bom senso e
a razoabilidade necessários ao bom andamento da atividade policial, bem como a
discricionariedade do agente policial que faz ou não uso de algemas durante a
prisão e/ou condução de infratores, sem denegrir o caráter excepcional de sua
25
utilização, torna-se oportuno citar o seguinte caso, levado a julgamento perante a
Suprema Corte:
[...] Solicitadas informações ao Delegado Titular do 4º Distrito Policial de Betim sobre o uso das algemas quando da prisão dos ora reclamantes, este noticiou: No momento em que efetuamos as prisões de Vanderlei, Ronilson
e Vanessa, não fora utilizado algemas, visto que os mesmos não ofereceram resistência, naquele momento, bem como outros aspectos que justificassem a utilização, visto que havia muitos policiais na operação
policial. Com relação à transferência de presos, fora sim utilizado algemas , visto o pequeno efetivo que a 4ª Delegacia de Polícia possuía, ou seja, apenas 4 (quatro) policiais para 3 (três) presos. (...) Ressalto que fora
utilizado como medida de salvaguarda da integridade física dos conduzidos, bem como de terceiros e dos agentes policiais que realizaram a escolta, além de impedir qualquer reação indevida dos presos' - (fl. 153). No caso, a
utilização excepcional das algemas foi devidamente justificada pela autoridade policial, nos termos exigidos pela Súmula Vinculante n. 11." Rcl 8.409, Relator Ministro Gilmar Mendes, Decisão Monocrática,
julgamento em 29.11.2010, DJe de 3.12.2010. (BRASIL, 2010).
No entanto, sob a ótica da atividade policial, alguns aspectos devem ser
considerados. Lucena (2008), posicionando-se contrariamente à 11ª Súmula
Vinculante, defende que o uso de algemas na atividade de segurança pública deve
ser discricionário por essência, haja vista que o agente estatal, executor da prisão e
responsável pela condução do infrator, “[...] é o único a possuir as informações
necessárias para a tomada da decisão do uso ou não da algema [...]", não
acreditando que “[...] tal decisão possa ser tomada por pessoa que não se encontra
presente no ato da prisão do suspeito [...]".
Concordando com este posicionamento, Fudoli (2008) acredita que privar a
liberdade de alguém se constitui em um ato antinatural, já que qualquer prisão tende
a violar sua dignidade. Contudo, defende que não se pode desacreditar o ato da
prisão amparada em lei, circunstância que se sobrepõe à vedação do emprego de
algemas, cujo uso admite-se em casos excepcionais, visando à continuidade do
processo penal em desfavor do autor de um delito, e acrescenta:
Uma vez feita a prisão sem alarde, entendemos, com o acato e o respeito devidos à decisão do STF, que não há razão para se estabelecerem tamanhas restrições e sanções ao uso de algemas, de forma apriorística e
sob a forma de uma súmula com caráter vinculante. Estando preso o investigado, réu ou condenado, a regra é a de que ele se submeta, como consectário natural de tal situação, à privação de liberdade, com todas as
consequências daí decorrentes, o que é autorizado pela Constituição da República e pelas leis de nosso país.
O mesmo autor, em favor do agente estatal, incumbido da árdua missão de
preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, e
26
contrapondo-se à aplicabilidade da súmula editada pelo STF, elenca vários pontos a
serem considerados, dentre eles:
Como o policial que trabalha nas ruas e que cotidianamente efetua prisões em flagrante e cumpre mandados judiciais de prisão irá aquilatar, no caso concreto, a periculosidade da pessoa a ser presa, que ele nem conhece e
que, por instinto natural de liberdade, pode ser capaz de reações violentas? A opção pelo uso das algemas durante a prisão terá que ser reportada por escrito, sob pena de nulidade? Em se tratando de prisão em flagrante,
deverá constar do relato do condutor a justificativa para o emprego das algemas? Que justificativa será aceita para que se caracterize o "fundado receio" de fuga e de ameaça à integridade física de outrem, evitando-se que
a prisão seja anulada? A gravidade em abstrato do crime? O uso de arma pelo preso na prática do delito? Sua folha penal extensa? O concurso de pessoas? A decisão sobre o emprego de algemas ficará ao "prudente
arbítrio" (melhor seria dizer "prudente discricionariedade" – escolha entre indiferentes jurídicos) do policial? [...].
Torna-se, portanto, inviável manter a convicção de que a decisão
discricionária de um policial, quando do uso de algemas para a prisão e condução
de um indivíduo autor de um delito, possa ser deliberadamente vinculada, decisão
esta tida como a única licitamente digna de ser admitida, face à subjetividade de
interpretação acerca de eventuais erros ou acertos na conduta adotada pelo agente
estatal, já que este é o único a ter enfrentado diretamente os percalços e
adversidades da execução de uma prisão.
Não há essencialmente o objetivo de se macular a validade ou aplicabilidade
da súmula em pauta. Por ora, cabe ressaltar que, atendendo ao disposto naquele
texto sumular, tem-se que as algemas não representam uma consequência natural e
obrigatória de qualquer ato prisional, constituindo-se em uma exceção à regra,
conforme legislação em vigor.
Observa-se, portanto, que o poder discricionário do policial que se depara
com o caso concreto, ao analisar subjetivamente a eventual intenção de fuga do
infrator, ou o provável risco à integridade física própria ou de terceiros, oriundos da
conduta do preso, deverá estar resguardado por outros princípios não menos
importantes: a proporcionalidade e razoabilidade, o que coloquialmente denomina-se
de "bom senso".
27
3 CONCLUSÃO
Acerca de tudo que foi vislumbrado no presente trabalho científico, pode-se
concluir que o ato de retirar a liberdade de outrem, face ao cometimento de um
delito, frequentemente envolverá o uso do instrumento algemas, a fim de coibir
quaisquer atos contrários à ação policial, ou atentatórios à integridade física dos
envolvidos e/ou de quaisquer membros da sociedade.
Entretanto, há de se destacar que diante do exposto na 11ª Súmula
Vinculante do STF, única norma reguladora do uso daquele instrumento de
contenção, o uso de algemas, salvo previsões específicas, deve ser considerado
como exceção, e que somente o caso concreto fornecerá elementos suficientes para
justificar seu uso.
Vale salientar ao leitor que o uso de algemas, apesar de vinculado e de
natureza excepcional, é legítimo, quando sustentado pela razoabilidade e
proporcionalidade do ato, e discricionário, sendo o executor da prisão a única
pessoa capaz de identificar a real necessidade de seu uso, dentro de necessidades
específicas, quais sejam: evitar e/ou prevenir a fuga ou a reação adversa do
conduzido, reprimir eventuais agressões por parte do preso e, ainda, impedir que o
administrado atente contra policiais, contra terceiros, ou até contra si mesmo.
Naturalmente, durante a execução de qualquer prisão, admite-se o receio de
fuga ou violência advinda do conduzido, sendo absolutamente cotidiana a
necessidade do uso de algemas em atos prisionais, em cumprimento à ordens
judiciais ou em situações de flagrante delito. Portanto, cabe ao agente de segurança
pública antecipar-se ao infrator, considerar as circunstâncias concretas do ato e
justificar, por escrito, sempre que houver a necessidade (legal) de utilização daquele
aparato.
Além disso, cabem às Instituições Policiais, diante de sua imensurável
responsabilidade, independentemente da esfera de atuação, capacitar plenamente
seus integrantes, como forma de garantir total compreensão acerca da complexa
temática apresentada, padronizando procedimentos e coibindo condutas
desproporcionais e ilegais, evitando a submissão de seus agentes à tríplice
responsabilidade: administrativa, civil e penal, e subsidiando com inteligência o fiel
cumprimento de sua missão constitucional.
28
Não há como exaurir-se completamente o debate acerca da legalidade ou
não do uso de algemas na atividade policial, uma vez que esta questão, além de
impulsionar as discussões acadêmicas, consiste em um problema resultante de
ações práticas, que envolvem o exercício concreto do poder estatal, atingindo
diretamente a segurança da população e, especificamente, de agentes policiais que,
representando o Estado, atuam na linha de frente, no combate cotidiano à
criminalidade.
29
4 REFERÊNCIAS
BERNARDO, R. D. O Uso Legal de Algemas por Agentes de Segurança Pública.
Disponível em: <http://dspace.bc.uepb.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/2899/PDF%2
0-%20Rog%C3%A9rio%20Damasceno%20Bernardo.pdf?sequence=1>. Acesso em: 28 ago. 2014.
BETIATE, L. Adolescentes e a Utilização de Algemas. Disponível em:
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