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A CONSTRUÇÃOAXIOMÁTICA
DE N
Como NÃO ensinar o conceito de número natural para uma criança de 08 anos
Wescley Bonomo
Deus criou os números naturais, todo o resto é obra do homem.
Os números naturais são conhecidos há tantos milênios, que o famoso matemáticoKronecker (1823, 1891) dissera isto.
A abordagem que aqui apresento sobre a construção formal dos números naturais ébaseada nas obras
• Teoria Ingênua dos Conjuntos; Paul R. Halmos.
• A construção dos Números; Jamil Ferreira.
A ideia de Número natural sempre esteve associada a ideia de quantidade e a necessidadede contagem.
Opcionalmente, de modo axiomatico e não construtivo, a definição dos números naturaisconsiste em assumir a existência de um conjunto satisfazendo certos axiomas capazes decaracterizar completamente e de forma rigorosa, a ideia intuitiva do que são os númerosnaturais, que nos foi ensinada no ensino primário (ou deveria ter sido!). Estes axiomas - aotodo, três -, são os denomidados axiomas de Peano (Giusepe Peano, Sec. XIX).
AXIOMAS DE PEANO
Existe um conjunto N e uma função S : N→ N satisfazendo
A1) S é injetora;
A2) Existe um elemento em N que denotamos por 0, tal que 0 /∈ Im(S);
A3) Se X ⊂ N é tal que
• 0 ∈ X;
• Se n ∈ X, então S(n) ∈ X.
então X = N.
O Axioma A2 garante que N 6= ∅;
• Além disso, 0 6= S(0) (pois 0 /∈ Im(S)), revelando-nos um outro elemento para N;
• Também, pelo Axioma A1, 0 6= S(0) ⇒ S(0) 6= S(S(0)) e pela frase anterior, 0, S(0)e S(S(0)) são distintos, dois-a-dois;
• Aplicando novamente este raciocínio, concluiremos que 0, S(0), S(S(0)) e S(S(S(0)))são dois-a-dois distintos, revelando-nos um novo elemento para N;
e por ai vai ...
Neste momento, alguns questionamentos certamente devem se passar em vossas mentes...imagino que dentre eles certamente estão:
• É possível mostrar que tal conjunto N existe, ou isso precisa ser admitido mesmo?
Resposta: Sim, é possivel construir rigorosamente tal conjunto. Vide o livro doHALMOS para maiores detalhes técnicos. Explicarei agora o esboço dessa construção:
Dado um conjunto a, define-se o SUCESSOR de a como sendo a+ = a ∪ {a}. Alémdisso, ω é dito ser um conjunto sucessor se para todo conjunto a ∈ ω tivermos a+ ∈ ω.
AXIOMA DA INFINITUDE [HALMOS]: Existe um conjunto que contém ∅ e osucessor de cada um de seus elementos.
0 ∅
1 {∅} {0}
2 {∅, {∅}} {0, 1}
3 {∅, {∅}, {∅, {∅}}} {0, 1, 2}
4 {∅, {∅}, {∅, {∅}}, {∅, {∅}, {∅, {∅}}}} {0, 1, 2, 3}
e por ai vai...
• N é infinito?
Resposta: Cabe aqui um alerta quanto a intuição sobre grandezes infinitas e aformalização matemática destas. Dizemos que um conjunto X é infinito se existirum subconjunto Y ⊂ X e uma função bijetora f : X → Y (obviamente existemoutras definições equivalentes para conjuntos infinitos!). Nestes termos, mostraremosque S : N→ N− {0} é uma bijeção.
Pode-se provar que um conjunto X é finito se e somente se ele for vazio, ou entãoexistir n ∈ N−{0} e uma bijeção ϕ : X → {1, 2, 3, · · · , n}. Um tal n quando existeé único (prove isso!) e por causa disso chama-se "número de elementos de X".
• N contém outros elementos, distintos de 0, S(0), S(S(0)), S(S(S(0))), · · · ?
Resposta: Mostraremos que não. Este fato estabelece permanentemente que osAxiomas de Peano fornecem uma caracterização completa do conjunto dos númerosnaturais.
TEOREMA. A "função sucessor"S : N→ N satisfaz:
a) S(n) 6= n para todo n ∈ N (nenhum número natural é sucessor dele mesmo).
Prova: Seja A ⊂ N constituído por todos os elementos n ∈ N tais que S(n) 6= n.
Por A2, 0 ∈ A. Também, se n ∈ A, isto é, S(n) 6= n, então por A1 temos S(S(n)) 6=S(n), do que segue que S(n) ∈ A.
Com isso, A3 garante-nos que A = N.
b) Im(S) = N − {0} (0 é o único número natural que não é sucessor de nenhum númeronatural).
Prova: Seja A = {0} ∪ Im(S) ⊂ N.
Temos 0 ∈ A, e se n ∈ A, então S(n) ∈ Im(S) ⊂ A.
Com isso, A3 garante-nos que A = N.
COROLÁRIO: N é infinito
Prova: De fato, S : N→ N− {0} é uma bijeção.
TEOREMA. N = {0, S(0), S(S(0)), S(S(S(0))), · · · }.
Prova: Seja A = {0, S(0), S(S(0)), S(S(S(0))), · · · }.Temos 0 ∈ A, e se n ∈ A, então S(n) ∈ A, pois A contém 0 e o sucessor de qualquer
elemento nele contido.Com isso, A3 garante-nos que A = N.
Como era de se esperar, por razões históricas adotaremos a notação indo-arábica:
• 0 (lê-se zero);
• S(0) = 1 (lê-se um);
• S(S(0)) = S(1) = 2 (lê-se dois);
• S(S(S(0))) = S(S(1)) = S(2) = 3 (lê-se três);
• S(3) = 4 (lê-se quatro);
• S(4) = 5 (lê-se cinco);· · ·
• S(13) = 14 (lê-se quatorze, mas também pode-se usar catorze sem problemas!);· · ·
• S(396) = 397 (lê-se trezentos e noventa e sete, e em francêstrois cents quatre-vingt-dix-septe);
· · ·
• S(665) = 666 (lê-se seiscentos e sessenta e seis);
e por ai vai...
OPERAÇÕES EM N
Teorema da Recursividade [HALMOS]:Seja X um conjunto não vazio, a ∈ X e f : X → X uma função qualquer. Existe uma únicafunção u : N→ X tal que u(0) = a e u(S(n)) = f(u(n)) para todo n ∈ N.
De fato, u(n) = fn(a).
OBS: este Teorema é o princípio no qual se apoia toda a teoria dos sistemas dinâmicosdiscretos.
ADIÇÃO EM N
Para cada m ∈ N fixado, o Teorema da Recursividade garante-nos a existência de umafunção Am : N → N tal que Am(0) = m e Am(S(n)) = S(Am(n)). Por definição, Am(n) =m + n, assim Am(0) = m ≈ m + 0 = m e Am(S(n)) = S(Am(n)) ≈ m + S(n) = S(m + n).
PROPRIEDADES:
Para quaisquer m, n, p ∈ N temos
1. m + n = n + p
2. m + (n + p) = (m + n) + p
Prova: A ideia é Fixar m, n e usar indução sobre p. Considere então Am, n = {p ∈ N :m + (n + p) = (m + n) + p}.
É óbvio que 0 ∈ Am, n pois m + (n + 0) = (m + n) + 0. Suponha então p ∈ Am, n, idest, m + (n + p) = (m + n) + p; com isso:
m + (n + S(p)) = m + S(n + p) = S(m + (n + p)) = S((m + n) + p) = (m + n) + S(p),do que conclui-se que S(p) ∈ Am, n e consequentemente, Am, n = N, por A3.
3. Lei do cancelamento: Se m + n = m + p, então n = p.
MULTIPLICAÇÃO EM N
Para cada m ∈ N fixado, o Teorema da Recursividade garante-nos a existência de uma funçãoPm : N → N tal que Pm(0) = 0 e Pm(S(n)) = Pm(n) + m. Por definição, Pm(n) = m · n,assim Pm(0) = 0 ≈ m · 0 = 0 e Pm(S(n)) = Pm(n) + m ≈ m · S(n) = m · n + m.
PROPRIEDADES:Para quaisquer m, n, p ∈ N temos
1. m · n = n ·m;
2. m · (n · p) = (m · n)p;
3. m · (n + p) = (m · n) + (m · p);
4. m · 1 = m;
RELAÇÃO DE ORDEM EM N
Lembremos que uma relação de ordem � em um conjunto X 6= ∅ é uma relação binária emX tal que para quaisquer a, b, c ∈ X tenhamos
1. a � a;
2. Se a � b e b � a, então a = b;
3. Se a � b e b � c, então a � c.
Definamos em N a relação a ≤ b se e somente se existir m ∈ N tal que b = a + m. Mostreque ≤ é uma relação de ordem.
OBS: Com a construção apresentada para N, alternativamente poderíamos definir a ≤ b see somente se a ⊂ b.
LEI DA TRICOTOMIA
Dados quaisquer a, b ∈ N, uma e apenas uma das seguintes ocorre:
1. a < b;
2. a = b;
3. a > b.
Prova: Inicialmente, observe que no máximo apenas uma das três alternativas podeocorrer. De fato, obviamente 1. e 2. são inconsistentes, assim como 2. e 3.
Se 1. e 3. ocorressem simultaneamente, então existiriam m, n ∈ N tais que b = a + m ea = b+n. Dai, b = a+m = (b+n)+m = b+(n+m)⇒ m+n = 0⇒ m = 0 = n⇒ a = b.Absurdo!
Mostremos agora que uma das tres relações ocorre. Fixado m ∈ N, seja Am = {n ∈ N :m > n ou m = n ou m < n}.
Obviamente 0 ∈ Am, pois ou 0 = n = m, ou 0 = n 6= m e neste caso 0 < m (prove isso!).Se n ∈ Am, então ou n = m⇒ n+1 > m, ou n < m⇒ n+1 ≤ m, ou n > m⇒ n+1 > m.
Assim, por A3, Am = N.
COMPATIBILIDADE DA RELAÇÃO DE ORDEM COM ASOPERAÇÕES EM N
1. a ≤ b⇒ a + c ≤ b + c;
Prova: Se a ≤ b, então existe m tal que b = a+m⇒ b+c = (a+m)+c = (a+c)+m⇒a + c ≤ b + c.
2. a ≤ b⇒ a · c ≤ b · c;
3. Se a · b = a · c e a 6= 0, então b = c.
PRINCÍPIO DA BOA ORDEM
1. Todo subconjunto não vazio de N tem menor elemento.
Prova: Seja S um tal subconjunto de N e consideremos M = {n ∈ N : n ≤ x, paratodo x ∈ S}. É claro que 0 ∈M .Como S 6= ∅, tome s ∈ S. s + 1 /∈M ⇒M 6= N.Com tudo isso, deve existir m ∈M tal que m+1 /∈M , pois do contrário, pelo princípioda indução, M 6= N.Afirmação: m = min(S).Como m ∈M , m ≤ x, para todo x ∈ S. Com isso, falta apenas verificar que m ∈ S.Suponha que não, então m < x, para todo x ∈ S ⇒ m + 1 ≤ x, para todo x ∈ S ⇒m + 1 ∈M , o que é absurdo.
2. Todo subconjunto de N não vazio e limitado superiormente tem maior elemento.
CONCLUSÃO
Os axiomas de Peano e suas consequências realmente cumprem o papel de tornar rigorosoo conceito de número natural.
- Pra encerrarEu falei de tanto número, talvez esqueci algum,Mas as coisas que eu disse não são lá muito comum,Quem souber que conte outra, ou que fique sem nenhum.
Raul seixas - os números