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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO VERA CRUZ
LUANNA CHIARELLI
CONSTRUINDO O OLHAR DA CRIANÇA PEQUENA A PARTIR DAS ARTES
VISUAIS: PROPOSTAS E METODOLOGIAS
São Paulo
2013
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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO VERA CRUZ
LUANNA CHIARELLI
CONSTRUINDO O OLHAR DA CRIANÇA PEQUENA A PARTIR DAS ARTES
VISUAIS: PROPOSTAS E METODOLOGIAS
Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia apresentado ao Instituto Superior de Educação Vera Cruz sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Luisa Fridman
São Paulo
Novembro - 2013
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LUANNA CHIARELLI
CONSTRUINDO O OLHAR DA CRIANÇA PEQUENA A PARTIR DAS ARTES
VISUAIS: PROPOSTAS E METODOLOGIAS
TERMO DE APROVAÇÃO
Este trabalho foi apresentado para a obtenção do Certificado de Conclusão da Pós-Graduação Lato Sensu, em “Gestão Pedagógica e Formação em Educação Infantil” do Instituto Superior de Educação Vera Cruz. O examinado foi considerado aprovado com a nota _____.
BANCA EXAMINADORA
NOME ASSINATURA
1. Prof.ª Dr.ª Ana Luisa Fridman ______________________
2. Prof.ª M.ª Maria Paula Zurawski ______________________
São Paulo, 23 de novembro de 2013
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais
E principalmente à minha orientadora, Ana Luisa Fridman
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CONSTRUINDO O OLHAR DA CRIANÇA A PARTIR DAS ARTES VISUAIS:
PROPOSTAS E METODOLOGIAS
Luanna Chiarelli
Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz
Prof.ª Dr.ª Ana Luisa Fridman
Orientador
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma investigação como a criança pequena constrói seu olhar para a
obra de arte visual e reflete sobre o papel da arte para a formação da criança em sua integralidade. A
partir dessa temática embasamos nosso estudo em referenciais como Piaget, Wallon, Lowenfeld,
Malaguzzi, Brito e demais pesquisadores que trazem contribuições para se pensar como a criança de 3
a 4 anos pode significar a obra de arte visual ou mesmo a arte em seu sentido mais amplo. Ainda para
este fim, descrevemos experiências com crianças de 3 e 4 anos na escola Alecrim e em visitas
monitoradas ao Museu de Arte Moderna (MAM) através de entrevista com Mirela Estelles. As
experiências descritas trazem depoimentos que relatam impressões e sensações das crianças sobre
reproduções de quadros, desenhos e pinturas, além de trazer reflexões sobre a preparação do educador
para construir o olhar da criança a partir de seu contato com as artes visuais.
Palavras-chave: Educação Infantil; Arte e educação; Artes Visuais; Relato de experiência
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SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO................................................................................................7
2.O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL...............................................8
3.RELATO DE EXPERIÊNCIA NA ESCOLA ALECRIM......................................12
4.A CONSTRUÇÃO DO OLHAR DA CRIANÇA A PARTIR DAS ARTES VISUAIS:
ENTREVISTA COM MIRELA ESTELLES...........................................................16
5.CONCLUSÃO................................................................................................21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................23
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1.INTRODUÇÃO
A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se numerosos e significativos a partir do fim século XVI e durante o século XVII. (ARIES, 1978, p 28.).
Até o século XIII, a concepção de infância que existia na sociedade era muito
diferente da que temos atualmente. Até este período histórico, acreditava-se que as crianças
não faziam ou não deveriam fazer parte da cultura por ainda não terem capacidade de
participar ativamente dela, de entendê-la e de produzi-la. Essa visão da infância era retratada
inclusive nas pinturas, onde os meninos e meninas eram mostrados como mini adultos.
Conforme a concepção de infância foi mudando ao longo do tempo, esta passou a ser
vista como uma fase singular e relevante. A partir dessa mudança de paradigma, a criança
passou a não ser mais um ser que precisa crescer e virar adulto para ter algum valor e
participar da sociedade. A criança também é vista como cidadã e produtora de cultura. Em
Reggio Emilia, após a segunda guerra mundial, na Itália, o pedagogo Loris Malaguzzi,
baseando-se em Piaget, Vygotsky, Wallon e outros pensadores, fundou junto a alguns pais e
mães uma escola diferenciada, baseada no que ele chamou de pedagogia da escuta, na qual os
professores ficam extremamente atentos aos interesses dos alunos e criam projetos a partir
deles, sendo que a arte é o ponto de partida. Malaguzzi acreditava que “a criança tinha cem
linguagens e que todas deveriam poder ser exploradas por elas: o desenhos, a música, a
pintura, a dança, entre tantas outras”. (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999).
Hoje esta pequena cidade é referência mundial em educação infantil, na qual se
promove uma "Cultura da Infância". Através do trabalho desenvolvido nesta rede de escolas,
as crianças ficam em contato intenso com a própria cidade. Fazem passeios, produzem
desenhos, maquetes e pinturas a partir de pontos importantes da cidade e, da mesma forma, ao
caminhar por Reggio Emilia, pode-se ver produções das crianças em lugares públicos, como
praças e metrôs. A abordagem Reggiana, como é chamada a concepção de educação de Loris
Malaguzzi, prima pela ampliação do espaço para as artes e experimentações na educação
infantil e na visão da criança como um ser capaz de produzir cultura usando todas as suas
linguagens e todo o seu potencial criativo. Essa ideia em muito se assemelha à abordagem da
escola Alecrim, como veremos adiante. A produção da criança não se assemelha à do adulto e
não precisa se assemelhar, pois, considerando a infância como um período singular, também
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serão singulares as produções desses pequenos cidadãos. Ou seja, mudando-se o olhar sobre
as crianças, muda-se também o olhar sobre suas produções.
Pensando nas considerações anteriores e em experiências que vem ao encontro das
mesmas, o trabalho de apreciações de obras de arte e pesquisa sobre artistas plásticos
realizado com crianças de 3 anos na escola Alecrim, da qual o autor faz parte do corpo
docente, foi o que motivou este trabalho. A questão central do trabalho que vamos apresentar
aqui parte da ideia que a construção de sentido através das artes visuais tem duas vias,
levantando os seguintes questionamentos: Como a criança desta faixa etária constrói sentido
para a obra de arte visual e, ao mesmo tempo, como o contato com obras de arte visual pode
contribuir na leitura de mundo e construção de sentidos na criança? Embasado nas ideias de
alguns pensadores, como Piaget, Wallon e Malaguzzi, este trabalho tem por objetivo o
aprofundamento nestas questões. No trabalho em questão o direcionamento dado foi partir de
um foco mais geral para um mais específico. Desse modo, serão abordados inicialmente o
papel das diversas artes no desenvolvimento infantil, depois o foco irá especificamente para a
contribuição do trabalho com artes visuais, e por fim faremos um relato sobre experiência
realizada na escola Alecrim sobre a apreciação de obras de arte e pesquisa sobre pintores e
experiências práticas relacionadas ao tema.
2.O PAPEL DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Podemos dizer que a arte é produto da cultura dos povos. Através da dança, da música,
das artes visuais, do teatro, da literatura e da poesia, as pessoas expressam seus sentimentos,
medos, ideias, opiniões e sensações. No contexto em que a infância é vista como uma fase
formativa crucial, conforme descrito na introdução, vamos considerar que o espaço para as
artes na escola desde a primeira infância é fundamental.
A arte constitui uma forma ancestral de manifestação, e sua apreciação pode ser cultivada por intermédio de oportunidades educativas. Quem conhece arte amplia sua participação como cidadão, pois pode compartilhar de um modo de interação único no meio cultural. Privar o aluno em formação desse conhecimento é negar-lhe o que lhe é de direito. A participação na vida cultural depende da capacidade de desfrutar das criações artísticas e estéticas, cabendo à escola garantir a educação em arte para que seu estudo não fique reduzido apenas à experiência cotidiana.(IAVELBERG, 2003, p 9-10).
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Uma criança que cresce ouvindo histórias, poesias e parlendas, que tem acesso a
materiais plásticos diversos, que vê obras de arte tanto em livros, quanto em museus e outros
espaços públicos, que ouve músicas, canta, dança, com certeza será uma criança com muito
mais referências, que saberá muito mais tanto sobre si própria quanto sobre o mundo que a
cerca e as pessoas que a rodeiam. Sem dúvida será uma pessoa mais sensível, mais culta e
com mais recursos.
A direção do desenvolvimento da inteligência é do estado de total indiferenciação para estados progressivos de diferenciação. Esse estado que caracteriza a infância é chamado então de sincretismo. Pensamento sincrético, como Wallon vai definir. E conforme vão se processando diferenciações fundamentais ao sincretismo, a criança constrói algo que Wallon vai chamar de pensamento categorial, que nada mais é do que a possibilidade de pensar o real [...] e para esse desenvolvimento é fundamental a interação da criança com a cultura [...]. É por meio da interação da criança com os produtos da cultura que ela também vai incorporando muitas dessas diferenciações e articulando isso com seu modo próprio de pensar. (GALVÃO, 2006)
Nessa primeira fase de aprendizado, é importante que a criança tenha contato com a
arte através de brincadeiras, conversas e outras atividades que façam parte de seu dia a dia e
que façam sentido para ela. Desta forma, explorar instrumentos, fazer brincadeiras cantadas,
ouvir histórias com músicas, cantar canções dos tempos dos avós, desenhar na areia, na
parede de azulejo, pintar o corpo, brincar com massinha e tantas outras propostas que fazem
parte da rotina das crianças, são maneiras de se trabalhar com dança, música e artes visuais de
forma orgânica dentro do cotidiano. Segundo Izabel Galvão "se a gente pensar o currículo
escolar à luz da teoria do Wallon no que diz respeito à inteligência, dá para dizer que o
currículo escolar deve valorizar a ciência, mas deve valorizar igualmente a arte” (2006).
As crianças de 3 e 4 anos estão mergulhadas no campo simbólico. "O jogo simbólico
assinala, sem dúvida, o apogeu do jogo infantil" (PIAGET, 1985, p. 51). A brincadeira
simbólica se assemelha um pouco ao teatro, pois as crianças têm a possibilidade de
experimentar personagens diferentes, como acontece com o ator. Porém, no caso das crianças
menores, isso ocorre de uma forma muito mais espontânea. Elas usam o jogo simbólico como
uma ferramenta para entender o mundo que as cerca e as relações que nele se estabelecem.
Através dessa possibilidade, as crianças podem experimentar se colocar no lugar do
outro, reproduzir situações que já vivenciaram, experimentar situações que nunca viveram,
mas que gostariam ou que sentem medo, tentar reproduzir uma situação que tenha acontecido
com ela, porém na brincadeira assumir outro personagem e assim, através desse universo
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mágico, ressignificam a realidade, criam sentidos, superam obstáculos, refletem, ampliam o
conhecimento de mundo, entre tantas outras conquistas.
Durante a brincadeira simbólica, tanto um objeto quanto um espaço ou uma pessoa
podem se transformar em diversas coisas. Desta forma, a criatividade da criança é estimulada,
bem como o apuro do olhar e da sensibilidade.
Sobre o aspecto motor da criança entre 3 e 4 anos, esta já tem algumas noções sobre o
próprio corpo, já consegue andar, correr, tem controle dos esfíncteres e costuma se mover ao
ser estimulada pelo som de uma canção ou pelo ritmo de instrumentos musicais. Tanto a
dança como a música têm raízes ancestrais e estas duas artes podem contribuir para uma
maior interação entre as pessoas. Ao cantarem ou dançarem juntas, podemos dizer que as
pessoas entram em uma espécie de comunhão. Ao transpor essa mesma ideia para a escola,
fica visível quando, por exemplo, as crianças estão muito dispersas e começamos a cantar
uma música que todos conheçam. O mais provável é que elas comecem a cantarolar junto até
que estejam em uma mesma sintonia, muitas vezes sem que um adulto tenha que chamá-las.
Através da música, as crianças aprendem noções de ritmo, de afinação, ampliam seu
conhecimento de mundo, através das letras diversas, ao conhecer sobre os cantores,
instrumentistas e/ou compositores que fizeram aquela canção. Através da dança, entram em
contato com o próprio corpo de uma forma diferenciada, experimentam novos movimentos,
descobrem como adequá-los ao som que estão ouvindo. Aprendendo diversos ritmos, podem
entrar em contato com danças regionais, folclóricas, ampliando seu conhecimento de mundo,
aprendendo sobre as diferenças e particularidades e respeitando-as. Além disso, como todas
as artes, tanto a música quanto a dança carregam uma grande carga afetiva. A criança então se
deparara com diferentes sensações ao ouvir uma canção. Existem canções que podem marcar
uma fase, lembrar uma pessoa ou mesmo trazer sentimentos como medo, saudade ou alegria.
Assim como a brincadeira simbólica/teatro, a música também estimula a imaginação
da criança, aguça a criatividade, expande sua visão do mundo, lhe coloca em contato com
outras ideias e possibilidades.
Fazer música pode ser bem mais do que aprender a reproduzir tons e ritmos; do que desenvolver a disciplina necessária à boa repetição de modelos estabilizados. Fazer música com as crianças pode ser um jogo que mergulha no caos de onde emerge as forças do sensível; jogo que é presente e forte no modo de ser e viver da criança. (BRITO, 2007, p.11)
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Sobre as artes visuais, podemos dizer que estas já fazem parte da vida da criança desde
pequena, pois a criança vê esculturas em parques, quadros em museus ou mesmo em sua
própria casa. As crianças costumam se interessar muito cedo pelo desenho, pela pintura, por
massinha, argila e outros materiais com os quais possam fazer testes, experiências, criar
histórias e expressar suas ideias e sentimentos. Dessa forma “dialeticamente, ao desenhar a
criança amplia seus acervos de memória e enriquece a sua imaginação” (LIMA, 2013). O
contato com as artes visuais é fundamental na formação das crianças pequenas, pois estimula
sua capacidade criativa, possibilita diferentes experiências sensoriais, apura o olhar,
sensibiliza e pode ser o estopim para conversas, reflexões e descobertas acerca do mundo e de
si mesmas.
Tal como a música, as Artes Visuais são linguagens e, portanto, uma das formas importantes de expressão e comunicação humanas, o que, por si só, justifica sua presença no contexto da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente. (RCNEI, 1998, p 84)
Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,
RCNEI,1998), mesmo atualmente, muitas escolas tratam as artes visuais são como um
passatempo, nos quais as crianças podem desenhar, pintar, recortar e colar, sem que essas
propostas tenham qualquer outro contexto, completamente destituídas de significados. Outra
prática que se observa nas escolas é a de fazer arte com as crianças para enfeitar os espaços da
escola, principalmente em datas comemorativas ou para confeccionar presentes para os pais.
Nesses casos, é muito comum que os professores interfiram significativamente na produção
das crianças, já que acreditam que o que elas produzem não é bonito ou sofisticado o
suficiente para ser exposto ou dado de presente. Ou seja, tais escolas costumam não tratar a
infância como uma fase singular e a criança como um ser competente, além de
desconsiderarem as diferenças entre as crianças, já que frequentemente adequam suas
produções artísticas a um padrão estético.
As crianças têm suas próprias impressões, ideias e interpretações sobre a produção de arte e o fazer artístico. Tais construções são elaboradas a partir de suas experiências ao longo da vida, que envolvem a relação com a produção de arte, com o mundo dos objetos e com seu próprio fazer. As crianças exploram, sentem, agem, refletem e elaboram sentidos de suas experiências. A partir daí constroem significações sobre como se faz, o que é, para que serve e sobre outros conhecimentos a respeito da arte. (BRASIL, RCNEI,1998. p. 89)
Entretanto, nem todas as escolas pensam dessa forma e, já há alguns anos, diversos
profissionais ligados à arte e à educação artística vem questionando propostas educativas e
pensando novas formas de contato com a arte. Na década de 70, essa já era uma questão para
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diversos profissionais, que pensavam que o ensino da arte não deveria estar centrado apenas
no fazer. Começa-se a pensar então em como incluir a apreciação de obras de arte, bem como
o conhecimento do contexto em que foram criadas.
A produção de arte faz a criança pensar inteligentemente acerca da criação de imagens visuais, mas somente a produção não é suficiente para a leitura e o julgamento de qualidade das imagens produzidas por artistas ou do mundo cotidiano que nos cerca (...). Temos que alfabetizar para a leitura da imagem. Através da leitura das obras de artes plásticas, estaremos preparando a criança para a decodificação da gramática visual, da imagem fixa e, através da leitura do cinema e da televisão, a prepararemos para entender a gramática da imagem em movimento. Essa decodificação precisa ser associada ao julgamento da qualidade do que está sendo visto aqui e agora e em relação ao passado. (BARBOSA, 1991. p 35 e 36)
Ana Mae Barbosa, importante referência no Brasil para o ensino das artes nas escolas,
sistematizou, entre 1987 e 1993, com base em trabalhos desenvolvidos por pesquisadores
ingleses e americanos, o que foi chamado de Metodologia Triangular. Esta proposta consiste
em entrar em contato com a arte através de três tópicos: Conhecer arte, apreciar arte e fazer
arte (LEÃO, 2003, p. 55-65). O primeiro possibilita o entendimento de que a arte acontece em
um determinado contexto, tempo e espaço; o segundo desenvolve a habilidade de ver a obra
de arte, apurando-se o senso estético para que o aluno aprenda a julgar a qualidade das
imagens e o terceiro desenvolve a expressão criadora do aluno.
3.RELATO DE EXPERIÊNCIA NA ESCOLA ALECRIM
A Escola Alecrim é uma instituição particular, localizada na zona oeste de São Paulo,
fundada em 1984, com propostas abrangentes para a Educação Infantil. Afinada com o
movimento das escolas “alternativas”, a Escola Alecrim nasce com uma forte motivação
política, identificada com a liberdade individual, com o espaço de desenvolvimento, de
criação e de expressão da criança.
As escolas “alternativas” foram fieis a vários pressupostos piagetianos (e ainda são), na prática pedagógica. E até mesmo na questão institucional, mais precisamente na pretensão de realizar “aqui e agora” e entre os adultos “aquele sonho ideal”, onde as ideias de cooperação, autonomia e equilíbrio tinham um lugar de destaque. (REVAH, 1994, p. 106-107)
O construtivismo piagetiano e suas proposições do desenvolvimento para a autonomia
tendo a cooperação como papel importante, fundamentaram a proposta pedagógica da Escola
Alecrim. Na obra de Piaget, o papel da cooperação no desenvolvimento torna-se mais ou
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menos central, dependendo da fase considerada. Num de seus textos mais antigos, o único em
que trata das questões morais de maneira mais aprofundada, a cooperação é essencial, pois
“só a cooperação leva à autonomia” (PIAGET, 1977, p. 349) – embora outros fatores também
devam ser considerados, sobretudo internos (como as invariantes funcionais). Devido ao papel
atribuído à cooperação – o ideal da “sociedade contemporânea” (1977 p. 319) – a experiência
democrática, assentada no respeito mútuo e nas relações de reciprocidade, era considerada
essencial por Piaget, por isso apoiava as ideias da “escola ativa” (1977, p. 381). Somente
nesse tipo de experiência, o indivíduo poderia chegar a esse ponto final do desenvolvimento e
autonomia, entendida enquanto “um poder que só se conquista de dentro e que só se exerce no
seio da cooperação” (1977, p. 321).
O trabalho em artes sempre fez parte da rotina diária de todas as crianças da Educação
Infantil da Escola Alecrim. Inicialmente quase que inteiramente baseado nas proposições de
Viktor Lowenfeld, que valorizava a experimentação como forma de cultivar e acentuar a
criatividade infantil, abominando totalmente modelos prontos. Nessa instituição, todos os dias
as crianças costumam fazer o que na escola é chamado por atividade plástica, momento em se
têm contato com diversos tipos de suporte, como papéis de muitas cores, tamanhos e
formatos, sucata, isopor, azulejo, entre outros, além de diferentes tipos de materiais plásticos,
como giz, canetinhas, lápis de cor, carvão, tintas, cola, tesoura, além de argila, massinha e
muitos outros. A escola Alecrim tem por princípio não trabalhar com imposição de modelos
de desenhos, pois acredita-se na importância da liberdade, da criatividade e das
individualidades. "Estes (os modelos) não permitem a expressão espontânea da criança. Tão
pouco levam em conta as diferenças individuais" (LOWENFELD, p. 26, 1954). Porém,
considera-se fundamental que a criança tenha boas e variadas referências de imagens, por isso
costuma-se valorizar tanto as ilustrações de boa qualidade nos livros às quais as crianças têm
acesso quanto a apresentação de obras de artistas plásticos em outros contextos.
Apoiada na metodologia triangular, de Ana Mae Barbosa, o trabalho da Escola
Alecrim em relação ao acesso das crianças à obras de arte foi ganhando corpo.
Um currículo que interligasse o fazer artístico, a análise da obra de arte e a contextualização estaria se organizando de maneira que a criança, suas necessidades, seus interesses e seu desenvolvimento estariam sendo respeitados e, ao mesmo tempo, estaria sendo respeitada a matéria a ser aprendida, seus valores, sua estrutura e sua contribuição específica para a cultura. (BARBOSA, 1991. p 36)
Na Escola Alecrim a professora costuma observar um foco de interesse das crianças
em qualquer assunto e procura um artista plástico que, de alguma forma, se relacione a este
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tema. É comum na escola mostrar a primeira foto da obra cobrindo-a com um papel ou tecido
e ir revelando a imagem aos poucos para que as crianças tentem adivinhar o que aparecerá. A
partir desse procedimento as ideias das crianças vão mudando conforme surge mais uma parte
da figura. Quando as crianças conseguem ver a obra inteira, costumam fazer inúmeros
comentários espontâneos sobre o que estão vendo. Neste momento já costumam aparecer
divergências, como, por exemplo, uma criança achar que está vendo uma árvore enquanto
outra acha que a mesma figura é um castelo. A partir deste conflito, a professora costuma
propor uma conversa sobre como a obra se completa a partir do olhar do observador,
ressaltando que não há problema em haver diferentes interpretações de uma obra, ou seja,
para uma criança esta obra pode ser uma árvore e para outra, um castelo. Observamos que tal
ideia pode ajudar as crianças a entenderem sua própria diversidade, aceitando que podem ter
ideias, opiniões e visões diferentes sem que necessariamente uma seja certa e outra errada.
Primeiro, é necessário garantir que os alunos tenham liberdade para sentir e perceber a obra de arte sem serem induzidos, previamente, por essa ou aquela visão. O conhecimento vem por meio da observação, que, por sua vez, deve surgir das suposições que os alunos fazem diante do objeto observado. Aproveitar esses elementos de observação que brotam espontaneamente dos alunos (tanto dos pequenos quanto dos maiores), e acrescentar a eles perguntas pertinentes ou instigações com base nos elementos da linguagem visual, é um bom caminho para uma apreciação mais perspicaz, que não permitirá que a relação dos alunos com a obra seja passiva. (TATIT e MACHADO, 2003, p.7)
Uma outra forma de abordagem sobre uma obra ou objeto artístico na Escola Alecrim
é conversar sobre as cores que as crianças estão vendo e, a partir disso, as crianças passam a
olhar com uma atenção maior para ver os tons diferentes de uma mesma cor. Neste
procedimento as crianças costumam apontar detalhes pequenos que às vezes passam
despercebidos para os olhos de um adulto, como uma cor que aparece em um cantinho
misturada a várias outras.
Observamos aqui que o jogo simbólico está presente de maneira intensa nesta etapa do
desenvolvimento das crianças e, portanto, unir o pensamento mágico às apreciações de obras
de arte é mais uma maneira muito rica de aproximá-las deste universo. Sendo assim, na escola
Alecrim consideramos interessante conversar sobre o que aparece na imagem muitas vezes
inventando pequenas histórias. Dessa forma, costuma-se instigá-los com perguntas como:
“Será que mora alguém neste castelo?”, “De quem será este quarto?” e assim eles falam sobre
o que imaginam, muitas vezes se colocando como protagonistas das pinturas, dizendo que são
eles que dormem naquela cama, passeiam naquele cavalo ou correm pelas montanhas que
estão vendo na imagem. Dentro deste mesmo procedimento, a escola considera interessante
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potencializar estas projeções brincando de fazer uma mágica na qual colocam as crianças
“dentro da obra” e cada uma vai falando o que está fazendo e como se relaciona com cada
parte do quadro. Quando é um artista que já conhecem mais, observa-se que as crianças
relacionam as obras brincando de “pular” de uma para a outra. Por exemplo: estão passeando
pelo quadro “Noite estrelada”, depois vão para “O quarto” (ambos de Van Gogh), para
dormirem.
Quando as crianças observam diversas obras de um mesmo artista, na Escola Alecrim
considera-se importante chamar sua atenção para que tentem reparar se há semelhanças entre
as pinturas. Normalmente as crianças percebem cores, tipo de pinceladas ou ainda temas que
se repetem. Sendo assim, quando as crianças já conhecem uma gama de artistas, pode-se levar
uma obra nova de cada autor para ver se elas conseguem criar hipóteses sobre quem pintou
qual obra, baseada nos conhecimentos prévios que têm das pinturas de cada um.
A partir das observações e conversas praticadas na Escola Alecrim, também são
propostas algumas pinturas de observação ou inspiradas de alguma forma no artista que está
sendo pesquisando ou em algum assunto relacionado a ele. A partir de uma pesquisa sobre
Renoir, por exemplo, iniciou-se uma conversar sobre figura e fundo e foi sugerido às crianças
diversas atividades plásticas nas quais eles puderam experimentar esta técnica. As crianças
também experimentaram desenhar com canetas e giz para depois fazerem o fundo com
aquarela. Com essa mesma ideia, as crianças também fizeram primeiro o fundo com tinta e a
figura no dia seguinte e exploraram estas possibilidades tanto em cartolina, quanto em uma
parede de azulejo e em telas, individualmente e em grupo.
Outros tipos de atividade plástica relacionadas a uma pesquisa na Escola Alecrim
ocorreu quando foi proposta uma atividade com carimbos feitos com rolha na tinta, que
produziam "bolinhas" no papel. As crianças descobriram diferentes possibilidades de
expressão a partir dessa proposta e, ao observarem os próprios trabalhos, chegaram à
conclusão de que conseguiam até fazer algumas formas usando apenas essas "bolinhas". Foi
então que a professora introduziu o artista Georges Seurat e a técnica do pontilhismo. Os
alunos ficaram encantados ao descobrir que era possível pintar dessa outra forma e
experimentaram fazê-lo com inúmeros materiais, como cotonete, pincel e conta-gotas, entre
outros. Em uma pesquisa sobre Jackson Pollock, que desenvolveu uma técnica de pintura
chamada dripping ou gotejamento, na qual respingava tinta nas telas sem encostar o pincel,
foi proposto às crianças uma série de possibilidades de pintar desta forma. A partir da
experiência de jogar tinta, pingar, pintar usando bisnagas, entre outras, as crianças puderam
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experimentar uma técnica de pintura e ainda observar como o produto final se assemelhava de
alguma forma às obras do pintor pesquisado.
Há vários caminhos para a apreciação da produção artística. Pode-se começar uma atividade sensibilizando os alunos por meio da observação e do levantamento de todas as impressões que uma obra de arte suscita, e somente depois passar para uma atividade prática. Pode-se, ao contrário, iniciar por uma atividade prática e posteriormente introduzir, no debate a respeito do que foi produzido, elementos tirados da observação de obras que, de antemão, o professor tenha selecionado para aquele exercício. (TATIT e MACHADO, p. 6, 2003)
Entre as pesquisas já realizadas na Escola Alecrim com crianças de 3 e 4 anos, estão
relacionadas a artistas como Van Gogh, Claude Monet, Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral,
Franz Marc, Jackson Pollock, Georges Seurat, Pierre-Auguste Renoir e Caetano de Almeida.
O trabalho relacionado a este último artista contemplou, além de inúmeras conversas e
apreciação de reproduções de suas obras, uma visita à Galeria Luisa Strina para ver a
exposição “Caetano de Almeida” e uma visita a seu ateliê em novembro de 2009.
Na visita à exposição, Almeida mostrou alguns quadros em que colava fita crepe e
deixava na janela para que a poluição da cidade cobrisse e depois tirava as fitas deixando a
figura que havia feito e, na visita ao ateliê, mostrou que estava pintando um quadro usando
seringas em vez de pinceis. A partir dessa visita, as crianças tiveram a oportunidade de testar
essas novas técnicas na escola Alecrim, ampliando seu repertório.
Por fim, outras sequências de atividades relacionadas à arte incluíram visitas ao MASP
para ver o acervo em novembro de 2011; ao Instituto Tomie Ohtake para ver a exposição “A
teimosia da imaginação”, em maio de 2012 e ao MAC USP para ver “Modernismos no
Brasil” em junho de 2012. Vemos portanto que, na escola observada, a expressão artística é
um dos principais eixos de trabalho.
4. A CONSTRUÇÃO DO OLHAR DA CRIANÇA A PARTIR DAS ARTES VISUAIS:
ENTREVISTA COM MIRELA ESTELLES
Mirela Estelles trabalha no MAM (Museu de Arte Contemporânea) há 4 anos como
educadora formadora e responsável pelo Família MAM, um projeto que oferece uma
programação especial construída em torno do universo artístico do museu, no qual as famílias
podem agendar visitas monitoradas ao jardim de esculturas ou exposições em exibição no
museu, sempre aos finais de semana. Visitas estas que incluem narração de histórias,
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brincadeiras e oficinas artísticas com o objetivo de inserir as crianças e suas famílias na arte.
Além do Família MAM, o museu também oferece visitas monitoradas a escolas, sendo um dos
únicos em São Paulo que realiza estas visitas com crianças a partir de 3 anos.
A seguir, trechos da entrevista com Mirela:
O MAM se dispõe a realizar visitas monitoradas a escolas com turmas de crianças a
partir de 3 anos. Como se deu a escolha por esta faixa etária, levando em conta que a
maioria dos outros museus trabalha com crianças a partir de 5 anos?
Mirela - Até 2010, as visitas monitoradas eram quase sempre para crianças a partir de 7 anos,
porém, a partir de uma exposição chamada "Dengo", de Ernesto Neto, que era feita com
instalações que convidavam ao toque, à exploração sensorial, fez com que a equipe do museu
pensasse em abrir as visitas monitoradas para crianças menores. Então, começamos a
capacitar os monitores para recebê-las. Dependendo da exposição que está em exibição,
fazemos a monitoria com as crianças ou usamos o jardim de esculturas para isso. Essas
esculturas podem ser tocadas. Algumas vezes fazemos a visita apenas ao jardim, outras
relacionamos com alguma exposição interior também.
Quais são os procedimentos utilizados nas visitas monitoradas para crianças de 3 anos?
Mirela - A gente sempre tem momentos de preparação da equipe (...) Tivemos encontros com
a Lydia Hortélio e a Lucilene Silva, que são referências nesse olhar para a criança e eu, como
contadora de histórias, que já contava história antes e que trouxe também o projeto das
narrações aqui para o MAM, uso muito desse repertório da cultura tradicional. Então tem
diversos momentos da visita que a gente vai cantar, vai fazer uma roda, a gente vai se preparar
também para estar no coletivo e poder olhar esse trabalho, mas aproximando a linguagem
artística da linguagem que é específica da criança. Então tem até uma brincadeira que eu uso
muito nas histórias e também na preparação das visitas mediadas, que é: "Então vamos nos
preparar para olhar essas obras?", por exemplo, e eles esquentam a mão, aí prepara o olho,
prepara o ouvido... Um outro educador que trabalhou aqui utilizava um outro recurso, ele
falava "pega o binóculo", num momento que você quer atenção para observar. Às vezes são
pequenos recursos que a gente vai usando e que entra no universo deles, então tudo isso é
muito legal.
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Como se dá a preparação para as visitas com crianças de 3 anos e quais são os pontos
abordados durante as mesmas?
Mirela - Cada educador vai preparar um percurso específico para a escola que vem.
Logicamente que eles já têm um planejamento prévio, mas diante do grupo ele vai também
adequar algumas escolhas, a quantidade de obras vai variar muito dependendo das crianças e
o tempo de duração também. Nossa visita básica é de uma hora e trinta, dos grupos em geral e
compreende mais ou menos uma hora de visita à exposição e mais trinta minutos de
experiência poética, que é o nome que a gente dá para essas atividades que podem
compreender tanto um fazer artístico, como uma narração de histórias, como uma dinâmica na
própria exposição com jogos de palavras... então por isso que a gente deu esse termo. E no
caso dos pequenos, a visita já dura menos, já é pelo menos uma hora, às vezes 45 minutos, 50,
dependendo da dinâmica. E uma experiência poética que a gente faz no jardim, por exemplo,
baseados na obra "O divisor", da Lygia Pape (obra que utilizava um tecido grande como parte
de uma intervenção performática na qual as pessoas entram no tecido e ficam só com a cabeça
para fora, virando uma espécie de esse corpo coletivo). Aqui temos um tecido assim e esse
tecido às vezes é associado à teia da aranha que temos quando se chega no MAM, além de
uma outra escultura no jardim que também lembra uma aranha. Nós exploramos essas figuras
primeiro e depois passamos embaixo dessa aranha e fazemos uma brincadeira com o tecido
para criar esse desafio de andarmos juntos.
Os conteúdos abordados pela escola responsável pelas crianças podem ser incluídos de
alguma forma durante a visita? Esses conteúdos são repassados para os monitores?
Mirela - Sim. Se nos é informado que elas estão trabalhando com os 5 sentidos, por exemplo,
isso pode ser uma possibilidade. O jardim é muito sensorial. Além das esculturas, tem a
composição paisagística pensada pelo Burle Marx. Então, quando a gente anda aqui tem
pedrinha, aqui tem grama, aqui tem cimento. Existe o som desse lugar, porque este acaba
sendo um jardim sonoro. Então quando eu ando na pedra, quando eu ando na grama
chamamos a atenção para que eles observem essa dinâmica. Temos uma escultura de árvore
no jardim, cuja parte de cima gira quando está ventando muito. Outro dia atendi um grupo de
crianças de 3 anos e eu falei “vamos olhar para uma árvore de verdade e ver o que está
acontecendo". As árvores estavam se mexendo porque havia um ventinho fraco, mas essa que
não se mexe é diferente. Disse que se houvesse um vento muito forte, a parte de cima se
mexeria. Acho que é um pouco difícil para eles a abstração, mas acredito que para alguns,
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mesmo com 3 anos isso fez sentido... "ah, ali se mexe e aqui é uma representação, então não
está se mexendo, mas ela também tem essa possibilidade de se movimentar". Dizemos isso de
um jeito diferente, de uma forma lúdica e para algumas crianças aquilo, naquele momento, vai
fazer sentido.
E com relação à pintura? Vocês já fizeram monitoria com as crianças dessa idade para
ver uma exposição só de pinturas?
Mirella – Sim, fizemos uma do Portinari por exemplo. Vinham muitas crianças também. A
gente pergunta o que vocês conhecem de arte? "Portinari, Tarsila!". Os pequenos vinham
muito e fomos criando outras estratégias. Por exemplo: com as pinturas é muito legal dar
desafios para uma "visita descoberta", então, um símbolo ícone recorrente eram os baús do
Portinari, e aí a gente às vezes fazia umas caças para eles encontrarem tal elemento, tinham as
crianças brincando no escorregador, as crianças na roda em ciranda, os trabalhadores... Uma
coisa que com os muito pequenos já não dá para fazer, mas que no Família MAM, quando eles
estão com os pais, a gente faz muito, é usar a criação de versos a partir desse universo. No
Portinari tinha uma obra que retratava os trabalhadores, então você pega um canto de trabalho
que é uma roda de verso, porque a música está muito presente no universo deles e esse é um
registro muito marcante e significativo no contato também com a arte no espaço do museu. Se
você canta, se você brinca, eles entram nesse contexto de uma outra forma. Enfim, mesmo
com pinturas que causem estranhamento, a gente também pode trabalhar essas diferentes
emoções com eles. Então não temos exposição para crianças e exposição para adultos. Para
nós, tem a exposição como foco para trabalhar os diversos públicos. Tem a exposição que é
para todo mundo, só que as estratégias, o vocabulário, as adequações, as atividades, as
experiências poéticas vão ser direcionadas para cada tipo de público.
Se o museu tem essa opção de contemplar a criança pequena para que ela tenha contato
com a obra de arte, gostaria que você me contasse um pouco no que acreditam que a
arte pode contribuir para crianças tão pequenas?
Mirela - A gente acredita que o quanto antes a criança tiver contato com a arte, isso já vai
fazer parte da formação dela para ter esse interesse. Às vezes vemos adolescentes que vem
para o museu pela primeira vez com 14 anos. Aquilo não faz sentido para ele e o Família
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MAM, por exemplo, que é uma situação em que a criança está com os pais, então focamos
muito na interação, nesse convívio mesmo, nessa aproximação com a arte, mas também nas
possibilidades de relação, na questão do pertencimento. O que é um museu? Para que é o
museu? É um lugar que tem o seu papel social e é um momento de sociabilidade quando você
participa e interage com outras crianças, com outras famílias, com outras pessoas diferentes
do seu convívio. Porque é na infância que a criança está sendo formada, preparada para o
mundo, seus valores, seus interesses, seus gostos... se ela não tem acesso, contato com isso,
depois vai ficando cada vez mais difícil. Então isso é importante. Aqui tem algumas palavras
chave, que contam um pouco do que é o Família MAM, que vem nesse sentido (lendo trechos
de um papel de divulgação do projeto): "O brincar, ouvir histórias, fazer arte, são algumas
experiências promovidas pelo programa. Elas estimulam a imaginação e enriquecem o
relacionamento, abrindo novas possibilidades de diálogo e interação entre familiares, crianças
e amigos. Além de oferecer uma programação especial construída em torno do universo
artístico do museu, o Família MAM, fomenta a cultura tradicional da infância por meio de
jogos, brincadeiras e diversos tipos de atividade, como as visitas, narrações, oficinas." O
convite para a criança vir é "venha, nós consideramos a sua cultura, a gente fomenta isso
também, mas a gente também abre outras possibilidades para você experimentar
diferentemente desse cotidiano", então acho que para responder mesmo é isso. É importante
para a formação mesmo da criança, essa sensação de pertencimento. E eu acho que é um
pretexto muitas vezes para muitas coisas. Você poder estar junto com o outro... porque o
pretexto estar junto aqui muitas vezes é "ah, vamos fazer uma visita na exposição", mas a
visita na exposição envolve tantas coisas! Por isso que eu falo do pretexto. Ela envolve o
respeito para ouvir uma opinião diferente da minha, um tempo para eu poder escutar o outro,
um espaço para eu poder me colocar e me sentir também parte e opinante ali,
desenvolvimento da crítica, além da imaginação, mas um pensamento crítico, de reflexão
sobre aquilo que está sendo produzido no campo artístico.
5.CONCLUSÃO
Na pesquisa que apresentei aqui, assumi que a criança, desde pequena, deve estar
inserida na sociedade como um ser pensante, que cria hipóteses, que se relaciona ativamente
com o mundo que a cerca, que é parte da cultura e também produtora de cultura. Sendo assim,
considero que ela pode e deve ter um contato especial com a arte. Não é necessário que
primeiro cresça e aprenda português, matemática, história, geografia e biologia para supor-se
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que está pronta a compreender uma obra de arte visual. Afinal, o que é compreender uma obra
de arte? Existem obras que nos tocam fundo apenas pelo contato do olhar, outras necessitam
de uma contextualização maior para ganhar sentido, outras podem não nos sensibilizar,
mesmo que saibamos muito a respeito do artista, da época, do movimento artístico no qual a
obra está inserida. Acredito que a arte é uma das formas de expressão do ser humano e esta
tem a capacidade nos tocar quando nos reportamos ao universo do sensível. Neste ponto, as
crianças são seres extremamente sensíveis por ainda estarem descobrindo o mundo, com o
olhar atento de quem vê tudo pela primeira vez. Sendo assim, é comum que as obras de arte
incitem sua curiosidade, já normalmente tão aguçada.
Como já citado anteriormente, pensando na arte como produto da cultura dos povos, e
pensando na criança como parte ativa da sociedade, o acesso às obras de arte colabora para
uma sensação de pertencimento, ou seja, para que a criança sinta-se como parte ativa da
comunidade em que vive. Considero que tanto o trabalho com arte quanto qualquer outro
realizado com as crianças pequenas, aqui tratando-se especialmente das crianças de 3 anos,
não deve ser compartimentado. O interesse pelas arte vem junto com o interesse pelas
formigas, pelo escorregador do parque, pelas histórias, pelos amigos, pelas brincadeiras
simbólicas, pelas palavras, entre outros tantos. A apreciação de uma obra de arte pode virar
um jogo de palavras, uma brincadeira, uma canção... um momento de atividade plástica pode
envolver diversos desafios corporais, pode ter relação com objetos da natureza que lhes
desperte curiosidade... as possibilidades são quase infinitas!
Em uma conversa a respeito de um artista plástico, não precisamos nos ater apenas a
fatos específicos de sua vida, podemos conversar sobre o país que ele mora, por exemplo, ver
se alguém conhece ou se já ouviu falar, pode-se conversar sobre a temperatura diferente entre
o país dele e o nosso, a neve, pode-se falar sobre a diferença das línguas... ao falar sobre um
artista que já morreu, este tema pode ser abordado, mesmo com crianças tão pequenas. Todos
esses assuntos geram extremo interesse nas crianças e as rodas de conversa em torno de um
artista, uma visita a um museu ou um momento de desenho ou pintura, podem ir por caminhos
que jamais havíamos imaginado. As crianças pequenas contribuem com palavras,
comentários, expressões que nos surpreendem e se o professor for sensível e criativo, tudo
isso pode ir muito longe. Acredito que se deve ter um objetivo e um planejamento prévio,
mas, certamente, muitas coisas podem se alterar e se enriquecer no caminho se o professor
estiver aberto ao material trazido pelas crianças.
Ressalto ainda que o trabalho com a arte também traz à tona questões como as
diversas interpretações que uma mesma obra pode ter para diferentes crianças. Sendo assim, o
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professor tem a oportunidade de trabalhar as diferenças e o respeito à opinião alheia. Em uma
situação com as crianças uma vez, ao observarem o quadro de Alfredo Volpi, alguns acharam
que uma imagem fosse um barco, enquanto outras acreditavam que a mesma fosse uma
banana. Conversamos bastante a respeito disso e os pequenos pareceram compreender que um
poderia interpretar de um jeito e outros de outra forma. Confirmei isso quando, no dia
seguinte, observei uma das crianças olhando a imagem com sua mãe. A mãe perguntou "O
que é isso, filho?" e ele respondeu "Para mim é uma banana e para você, o que é?"
Neste trabalho quis portanto trazer reflexões para se construir o olhar da criança a
partir da observação de obras de arte em contextos diversos de formação educativa. Meu
objetivo foi colocar em evidência o fato de que vivenciar a experiência de fazer arte,
experimentar diversos materiais, criar, testar, aprender técnicas, conhecer um pouco sobre
alguns artistas plásticos, visitar ateliês, entre tantas outras experiências, pode ampliar o
conhecimento de mundo da criança. Acredito que a arte não pode ser inteiramente traduzida e
mensurada por palavras. A arte tem algo de inexplicável, que chega a expandir nossa alma e
que, de certa forma, nos conecta universalmente como seres humanos sensíveis. Que a
construção do olhar da criança sobre a obra de arte contribua para a formação de um ser
transformador e sensível, que tanto precisamos para o mundo de hoje.
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Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo sob a
orientação da Profa. Dra. Irene de Arruda Ribeiro Cardoso, 1994.