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CORRENTES TURBIDÍTICAS (versão preliminar) J. Alveirinho Dias (2004) 1 CORRENTES TURBIDÍTICAS J. Alveirinho Dias 1. Fluxos Sedimentares Gravíticos Os fluxos sedimentares gravíticos são fluxos de sedimentos ou de misturas de água e sedimento que se deslocam devido à acção da gravidade, sem influência significativa do meio existente por cima desse fluxo. Frequentemente, as partículas são sujeitas a dispersão no início da movimentação. Alguns destes fluxos iniciam-se muito lentamente. Outros ocorrem de forma súbita. As velocidades são, também, muito variáveis, podendo ser, consoante o tipo de fluxo, de centímetros por ano a muitos quilómetros por hora. Os principais fluxos sedimentares gravíticos são: Fluxos granulares (grain flows) – Nestes fluxos a dispersão dos materiais e a manutenção destes em suspensão é promovida pela colisão entre partículas; ao depositarem-se podem produzir sequências negativamente granuloclassificadas, isto é, em que na base se depositaram as partículas mais finas e no topo as mais grosseiras. Podem ocorrer nas vertentes inclinadas quando os sedimentos se encontram em equilíbrio instável, podendo ser iniciados, inclusivamente, por actividade biológica bentónica. Fluxos liquificados (liquified flows) – Nestes fluxos os grãos perdem contacto uns com os outros, sendo dispersos e mantidos em suspensão pelos movimentos ascendentes da água; produzem geralmente depósitos heterométricos. Produzem-se, por exemplo, quando sedimentos não consolidados existentes numa vertente são instabilizados pelas vibrações causadas por um evento sísmico. Fluxos detríticos (debris flow) – O fluido tem grande quantidade de material fino em suspensão, o qual serve de sustentáculo ao transporte em suspensão de alguns elementos maiores. Os depósitos correspondentes são, em geral, maciços, heterométricos e não granuloclassificados. Correntes turbidíticas (turbidity currents) – Afectam misturas turbulentas de água e sedimentos variados que, no conjunto, correspondem a um fluido cuja densidade global é maior do que a da água que envolve a corrente. Cada um destes tipos de fluxo têm mecanismos de suporte do material em suspensão específicos mas que não são mutualmente exclusivos. Existe mesmo a convicção de que de que, em muitos casos, vários destes mecanismos são simultaneamente importantes. Um mesmo fluxo pode mesmo ter dominância de mecanismos diferentes em diferentes estádios do seu percurso. Por exemplo, uma massa sedimentar pode entrar em liquefação devido às vibrações causadas por um sismo e, quando começa a descer a vertente a suspensão é mantida pela movimentação ascensional do fluido, isto é, é um fluxo liquificado. À medida que a mistura água – sedimento acelera ao descer a vertente a pressão dispersiva começa a ser progressivamente mais importante, podendo mesmo converter-se num fluxo granular em que a carga sedimentar é mantida em suspensão pelas colisões entre as partículas. No caso de se verificar ainda maior aceleração o fluxo de água e sedimento começa a ser do tipo turbulento, convertendo-se, eventualmente, numa corrente turbidítica de alta densidade. A mistura com a água envolvente e/ou a perda de carga sedimentar por deposição pode converter esse fluxo numa corrente turbidítica de baixa densidade. Se o pendor da vertente se atenua e o fluxo começa a desacelerar, as partículas grosseiras começam a concentrar-se na parte inferior do fluxo, podendo mesmo verificar-se separação de fluxos, com um inferior, mais denso e com partículas mais grosseiras, e outro superior, menos denso e com partículas mais finas. Neste caso, o fluxo inferior pode desacelerar mais, designadamente devido à fricção com o fundo, deixando de ser turbulento, passando as partículas a ser mantidas em suspensão apenas pelo movimento ascensional da água. Existe, assim, um fluxo liquificado (inferior) e, eventualmente, um fluxo (superior) que continua a ter características turbidíticas. Fig. 1 - Classificação dos fluxos sedimentares gravíticos subaquosos. Adaptado de Middleton e Hampton (1973). Assim, o tipo de fluxo prevalecente na fase de deposição da carga sedimentar pode não corresponder ao que dominou no decurso do transporte.

CORRENTES TURBIDÍTICASw3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks/Turbiditos.pdf · verifica-se na base da vertente continental, na rampa continental, ou nas partes proximais das planícies abissais

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CORRENTES TURBIDÍTICAS (versão preliminar) J. Alveirinho Dias (2004)

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CORRENTESTURBIDÍTICAS

J. Alveirinho Dias

1. Fluxos Sedimentares GravíticosOs fluxos sedimentares gravíticos são fluxos de sedimentosou de misturas de água e sedimento que se deslocam devidoà acção da gravidade, sem influência significativa do meioexistente por cima desse fluxo. Frequentemente, aspartículas são sujeitas a dispersão no início damovimentação.

Alguns destes fluxos iniciam-se muito lentamente. Outrosocorrem de forma súbita. As velocidades são, também,muito variáveis, podendo ser, consoante o tipo de fluxo, decentímetros por ano a muitos quilómetros por hora.

Os principais fluxos sedimentares gravíticos são:

• Fluxos granulares (grain flows) – Nestes fluxos adispersão dos materiais e a manutenção destes emsuspensão é promovida pela colisão entre partículas; aodepositarem-se podem produzir sequênciasnegativamente granuloclassificadas, isto é, em que nabase se depositaram as partículas mais finas e no topo asmais grosseiras. Podem ocorrer nas vertentes inclinadasquando os sedimentos se encontram em equilíbrioinstável, podendo ser iniciados, inclusivamente, poractividade biológica bentónica.

• Fluxos liquificados (liquified flows) – Nestes fluxos osgrãos perdem contacto uns com os outros, sendodispersos e mantidos em suspensão pelos movimentosascendentes da água; produzem geralmente depósitosheterométricos. Produzem-se, por exemplo, quandosedimentos não consolidados existentes numa vertentesão instabilizados pelas vibrações causadas por umevento sísmico.

• Fluxos detríticos (debris flow) – O fluido tem grandequantidade de material fino em suspensão, o qual servede sustentáculo ao transporte em suspensão de algunselementos maiores. Os depósitos correspondentes são,em geral, maciços, heterométricos e nãogranuloclassificados.

• Correntes turbidíticas (turbidity currents) – Afectammisturas turbulentas de água e sedimentos variados que,no conjunto, correspondem a um fluido cuja densidadeglobal é maior do que a da água que envolve a corrente.

Cada um destes tipos de fluxo têm mecanismos de suportedo material em suspensão específicos mas que não sãomutualmente exclusivos. Existe mesmo a convicção de quede que, em muitos casos, vários destes mecanismos são

simultaneamente importantes. Um mesmo fluxo podemesmo ter dominância de mecanismos diferentes emdiferentes estádios do seu percurso. Por exemplo, umamassa sedimentar pode entrar em liquefação devido àsvibrações causadas por um sismo e, quando começa adescer a vertente a suspensão é mantida pela movimentaçãoascensional do fluido, isto é, é um fluxo liquificado. Àmedida que a mistura água – sedimento acelera ao descer avertente a pressão dispersiva começa a ser progressivamentemais importante, podendo mesmo converter-se num fluxogranular em que a carga sedimentar é mantida em suspensãopelas colisões entre as partículas. No caso de se verificarainda maior aceleração o fluxo de água e sedimento começaa ser do tipo turbulento, convertendo-se, eventualmente,numa corrente turbidítica de alta densidade. A mistura coma água envolvente e/ou a perda de carga sedimentar pordeposição pode converter esse fluxo numa correnteturbidítica de baixa densidade. Se o pendor da vertente seatenua e o fluxo começa a desacelerar, as partículasgrosseiras começam a concentrar-se na parte inferior dofluxo, podendo mesmo verificar-se separação de fluxos,com um inferior, mais denso e com partículas maisgrosseiras, e outro superior, menos denso e com partículasmais finas. Neste caso, o fluxo inferior pode desacelerarmais, designadamente devido à fricção com o fundo,deixando de ser turbulento, passando as partículas a sermantidas em suspensão apenas pelo movimento ascensionalda água. Existe, assim, um fluxo liquificado (inferior) e,eventualmente, um fluxo (superior) que continua a tercaracterísticas turbidíticas.

Fig. 1 - Classificação dos fluxos sedimentares gravíticossubaquosos. Adaptado de Middleton e Hampton (1973).

Assim, o tipo de fluxo prevalecente na fase de deposição dacarga sedimentar pode não corresponder ao que dominou nodecurso do transporte.

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2. Correntes TurbidíticasAs correntes de densidade são fluxos granulares induzidospela gravidade, em que a densidade global do fluidoafectado é maior do que a do fluido envolvente. Os factoresresponsáveis pelo aumento da densidade global desse fluidopodem ser a menor temperatura, a salinidade maior e/ou omaior conteúdo em matéria em suspensão.

As correntes turbidíticas são correntes de densidade em quea maior densidade global do fluido se deve a uma maiorquantidade de matéria mantida em suspensão porfenómenos turbulentos. As colisões entre as partículas sãoum factor importante de dispersão destas e da suamanutenção em suspensão. No entanto, as movimentaçõesascendentes do fluido através do conjunto de partículas éoutro factor dispersivo muito importante. Os materiais finosem suspensão, que constituem, de certa forma, a matriz domeio, são outro sustentáculo muito importante para que asuspensão se mantenha.

Fig. 2 - Principais zonas turbidíticas abissais.

As correntes turbidíticas são assim designadas porque acarga sedimentar em suspensão faz com que a água fiquemuito turva. A existência de correntes turbidíticas foiproposta nos anos 30 do século passado por Philip Kuenen(geólogo e oceanógrafo holandês), tendo sido estudadas demodo aprofundado, na década de 40, através deexperiências laboratoriais.

Fig. 3 - Fotografia de uma pequena corrente turbidíticadescendo a vertente continental da Califórnia. Extraído dehttp://www-class.unl.edu/geol109/sediment.htm

Nos anos 50, finalmente, obtiveram-se evidências claras dasua existência em domínio profundo. Nas décadas de 60 e70 constatou-se que os episódios turbidíticos são bastantefrequentes nas margens continentais e que grande parte dacobertura sedimentar existente nas planícies abissais éconstituída por turbiditos.

Quando se obtêm testemunhos sedimentares verticais (coresou carottes) do fundo oceânico é frequente encontrarem-sevários turbiditos sobrepostos, muitas vezes separados porníveis, geralmente com pequena espessura, de sedimentospelágicos mais biogénicos. Deve-se ter em atenção que otempo necessário à acumulação desses níveis mais estreitosé muito maior (anos a séculos ou, mesmo, milénios) do queo correspondente à deposição do turbidito (horas a dias).

As correntes turbidíticas constituem mecanismos muitoeficazes de transferência de partículas grosseiras (areia)para o domínio profundo, frequentemente para áreas onde, àexcepção dos turbiditos, só ocorre sedimentação fina.

Observações efectuadas no campo e experimentaçõeslaboratoriais indicam que a densidade das correntesturbidíticas naturais pode variar entre um pouco menos doque 1,00 a mais de 1,58. com base na densidade. É costumedividir as correntes turbidíticas em correntes de baixa e dealta densidade, sendo geralmente utilizado como limiteentre as duas, a densidade 1,1. Esta divisão é importanteporquanto as correntes de alta densidade podem transportargrãos de areia em suspensão, enquanto as de baixadensidade apenas envolvem partículas mais finas. Grandeparte das correntes turbidíticas de curta duração, que podemser catastróficas, têm densidades da ordem de 1,2.

2.1. Início das Correntes TurbidíticasAs correntes turbidíticas não se iniciam sem haver qualquermecanismo exógeno que faça com que grande quantidadede sedimento entre em suspensão. O fluido com essa cargasedimentar em suspensão fica, então, com uma densidadeglobal maior do que a do fluido envolvente, sem (ou commuito pouca) matéria em suspensão. Este contraste dedensidade, combinado com a acção da gravidade, provocaum fluxo turbulento que tende a manter o sedimento emsuspensão, inibindo a sua deposição e, consequentemente, adissipação da corrente turbidítica por perda da cargasedimentar. A manutenção da turbulência e, portanto, dacarga em suspensão e do fluxo turbidítico, carece de umaintrodução constante de energia, a qual lhe advém daenergia potencial da corrente fluindo por uma vertente oucanal descendente.

Os mecanismos indutores das correntes turbidíticas sãovariados, podendo ser abalos sísmicos, grandes temporais,deslizamentos de terras, deposição sedimentar rápida emvertentes inclinadas na sequência de cheias fluviais, etc.

Muitas correntes turbidíticas iniciam-se na vertentecontinental superior, próximo do bordo da plataforma. Ointenso fornecimento sedimentar proveniente da plataformacontinental, que muitas vezes conduz à formação dedepósitos em equilíbrio instável, aliado aos fortes pendoresexistentes na vertente superior, criam as condiçõesnecessárias para o desenvolvimento de episódiosturbidíticos. Qualquer dos factores acima aludidos pode,nestas condições, originar correntes deste tipo, a quais sedescem então a vertente a grande velocidade, podendoatingir mais de 100km/hora.

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2.2. Hidrodinâmica do FluxoAs correntes turbidíticas são compostas por três regiões:

a) parte frontal, em geral, a mais turbulenta, e a quecontém maior carga sedimentar, que é a que avançapenetrando em água sem ou com pequena cargasedimentar;

b) corpo, que se segue à parte frontal, onde o fluido globalapresenta condições mais ou menos uniformes;

c) cauda, onde o fluxo pode ter ainda condiçõesaproximadamente uniformes, mas em que a espessurae a concentração sedimentar vão diminuindogradualmente com a distância à parte frontal.

A mistura com a água envolvente vai progressivamentediluindo a parte frontal, o que provoca decréscimo dadensidade global. Por outro lado, a fricção com o fundo ecom a água envolvente diminui a velocidade do fluxo. Paraque a corrente se mantenha é necessário que se verifiqueconstante adição de mater ia l sedimentar .Consequentemente, o pendor da zona onde a corrente sedesloca, bem como a constituição do fundo, são factoresdeterminantes na manutenção do fluxo. Devido à densidadeglobal e à elevada quantidade de material sedimentar emsuspensão, o que torna a corrente muito abrasiva, estascorrentes são muito erosivas na fase em que descem aszonas com maiores pendores.

Por vezes a corrente turbidítica atinge condições queBagnold (1962) apelidou de auto-suspensão, isto é,condições em que a acção da gravidade actuando sobre aspartículas gera a energia cinética suficiente para manter aturbulência necessária para que as partículas continuem emsuspensão.

A velocidade da corrente, bem como a distância percorrida,dependem da densidade global do fluxo e do pendor davertente em que este se desloca. Com uma densidade maiordo que a da água do mar envolvente, a corrente turbidíticacontinua a deslocar-se até que os últimos sedimentosacabem por se depositar na parte distal do turbidito.

A velocidade de uma corrente turbidítica não é fácil decalcular, até porque cada uma das partes que a compõem sedesloca a velocidades diferentes. A parte frontal da correntedesloca-se a velocidade inferior à do corpo.

A velocidade da parte frontal é matematicamente expressapela equação:

em que

u2 é a velocidadeCD é o coeficiente de arrasteΔρ é a diferença de densidade entre a corrente turbidítica e aágua do mar envolventeg é a aceleração da gravidadeh é a espessura da parte frontal da corrente

Num substracto fixo, o coeficiente de arraste (CD) tomavalores entre 0,70 e 0,75. se o substracto for constituído por

areia não consolidada, o valor de CD será inferior, embora sedesconheça como determinar esse valor com exactidão. Noentanto, se a corrente for acompanhada, na base, por umfluxo liquificado de partículas, o valor de CD torna-sebastante maior do que 1,0.

2.3. DeposiçãoAs correntes turbidíticas têm muitas analogias com ascorrentes geradas pela escorrência superficial nas zonascontinentais emersas. Efectivamente, ambas ficamconfinadas em canais que, no entanto, vão modificando,ambas formam lateralmente diques naturais, e ambasdepositam, de forma relativamente rápida, a cargasedimentar que transportam assim que deixam de estarconfinadas no canal que as dirigiu.

Quando começam a perder rapidamente competência, o quenormalmente acontece assim que deixam de estarconfinadas num canal, a deposição da carga sedimentarconstrói deltas submarinos que têm semelhanças com osdeltas construídos na parte terminal dos grandes rios. Talverifica-se na base da vertente continental, na rampacontinental, ou nas partes proximais das planícies abissais.

2.4. Sequências de BoumaOs depósitos turbidíticos adquirem característicasdiferenciadas consoante a deposição se efectua na parteproximal ou na distal do turbidito. A deposição do materialsedimentar efectua-se em sequência, designada porsequência de Bouma, composta por 5 níveis:

A – areia compacta, com base bem definida e topopassando gradualmente ao nível seguinte

B – areia estruturada em lâminas paralelasC – areia afectada por estruturas sedimentares onduladasD – silte e argila depositados em lâminas paralelasE – argilas correspondentes a acumulação calma e lenta

Fig. 4 - Esquema de um depósito turbidítico em domínioprofundo, com indicação dos níveis da sequência de Boumaque se depositam em cada zona.

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Normalmente há várias sequências sobrepostas, cada umacorrespondente a um episódio turbidítico diferente. Comfrequência os turbiditos acumulam-se em grandes lequessubmarinos conectados com canhões submarinos.

2.5. O Episódio turbidítico da Terra NovaUm dos episódios turbidíticos mais bem conhecido foi oque ocorreu na Terra Nova, em 18 de Novembro de1929,originado na vertente continental superior ao largo de NewBrunswick (Canadá), na sequência de um sismo commagnitude 7,2 ocorrido às 20:32 GMT. Quer quandoocorreu o sismo, quer nas horas subsequentes, vários cabossubmarinos entraram em ruptura e deixaram de funcionar. Osismo e as movimentações de massa subsequentesprovocaram um tsunami que vitimou 27 pessoas naPenínsula de Burin, na Terra Nova.

Fig. 5 - localização dos cabos submarinos existentes, em1929, na região afectada.

Para aquilatar das consequências deste episódio refira-seque, nessa época, o telefone e o telégrafo eram as únicasformas rápidas e fiáveis de comunicação entre os doiscontinentes. Por esta região passavam, em 1929, vinte e umcabos submarinos de ligação telefónica e telegráfica entre aEuropa e a América, treze dos quais partiam da NovaEscócia. Dezasseis desses cabos foram partidos nestaocasião. Alguns dos cabos ficaram enterrados tãoprofundamente que nunca mais foram recuperados.

Na altura, o conhecimento dos fundos marinhos eraextremamente limitado, pelo que a interpretação do queocorreu só foi efectuada mais tarde, depois da comunidadecientífica ter adquirido consciência da existência, naNatureza, das correntes turbidíticas. A interpretação foifacilitada pela existência de registos bastante precisos sobreo evento sísmico, e da hora a que os diferentes cabossubmarinos deixaram de funcionar.

À luz dos conhecimentos actuais, e com base na informaçãoexistente, é possível reconstruir a sucessão deacontecimentos que então se verificou. As vibraçõesdevidas ao abalo sísmico induziram deslizamentos de terrasna vertente continental superior, cujo pendor é da ordem de1:50, os quais provocaram a ruptura dos cabos localizados amenor profundidade.

Estes deslizamentos provocaram uma grande correnteturbidítica cuja velocidade, estimada com base na rupturado primeiro cabo presumivelmente causada por estacorrente, era de 2250cm/s, isto é, mais de 80km/h. Avelocidade estimada da corrente turbidítica entre os doisúltimos cabos danificados, numa zona onde o pendor é daordem de 1:2000, é de 600cm/s, ou seja, mais de 20km/h. Aruptura do último cabo submarino a deixar de funcionar,localizado a 615km do epicentro do sismo inicial, verificou-se às 09:50 GMT de 19 de Novembro, isto é, 13 horas e 17minutos após o sismo que originou as movimentações demassa.

Fig. 6 - corte esquemático da região afectada, com indicaçãoda localização dos cabos submarinos e com as velocidadesdeduzidas para a corrente turbidítica.

Em 1968, trabalhos de mar efectuados nesta áreaconduziram à recolha, no eixo do canhão oriental (dos doispor onde estas correntes desceram para o domínio abissal),de cascalhos bem calibrados, o que parece só ser justificadopor fluxos liquidificados, o que faz suspeitar da actuação detipos diversificados de fluxos. Os dados obtidos indicamque cascalho com elementos com 2cm foi remobilizado,tendo-se depositado a profundidades entre 1600 e 4500metros. Na planície abissal, a profundidades de 5200m, odepósito turbidítico deste evento tem 1 metro de espessura,correspondendo a areias finas e siltes granuloclassificados.

Estima-se que o volume do material sedimentar mobilizadonesta corrente tenha sido de cerca de 100km3. A correntepercorreu várias centenas de quilómetros e os depósitosturbidíticos correspondentes cobrem uma área de cerca de100 000km2.

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BibliografiaBagnold, R.A. (1962) – Auto-suspension of transported

sediment: turbidity currents. Proceedings of the RoyalSociety of London, A265:315-319.

Friedman, G.M. & Sanders, J.E. (1978) - Principles ofSedimentology. John Wiley & Sons, 792p.

http://www-class.unl.edu/geol109/sediment.htmMiddleton, G.V. e Hampton, M.A. (1973) – Subaqueous

sediment transport and deposition by sediment gravityflows. In Stanley & Swift, eds., Marine SedimentTransport and Environmental Management, pp. 197-218.

Middleton, G.V. e Southard, J.B. (1984) – Mechanics ofSediment Movement. SEPM Short Course nº 3, 2nd ed.,401p.