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Pediatria (São Paulo) 2001;(1):71-82 71 Revisão e Ensaio Review and Essay Revisión y Ensaio Corticoterapia e suas repercussões: a relação custo–benefício Repercussions of corticotherapy: the cost–benefit ratio Repercuciones de la corticoterapia: la relación costo–beneficio Durval Damiani 1 , Hilton Kuperman 2 , Vaê Dichtchekenian 3 , Thaís Della Manna 2 , Nuvarte Setian 4 Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança Prof. Pedro de Alcantara do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil Resumo Revisão bibliográfica a respeito dos mecanismos de ação, efeitos colaterais e principais recomendações ao uso de corticosteróides. Os corticosteróides estão entre os medicamentos de utilização mais ampla em Medicina e a razão básica desse uso tão difundido é a extraordinária capacidade antiinflamatória que possuem. Justamente este efeito antiinflamatório foi por muito tempo não bem compreendido, levando-se em conta o mecanismo clássico, genômico (tipo 1) de ação. Outros mecanismos como os não genômicos explicam melhor a inibição de fatores envolvidos no processo inflamatório esclarecendo a razão de seu uso em situações agudas, como pulsoterapia. Evidentemente, uma droga com ações tão variadas, acaba por provocar um grande número de efeitos colaterais, particularmente intensos nas fases de crescimento, interferindo diretamente com fatores de crescimento de ação parácrina e autócrina na própria cartilagem de crescimento, como é o caso do IGF-1. Todo o cuidado na indicação e as normas básicas de uso destes compostos é apresentada, o que pode permitir ao pediatra uma maior segurança quando da prescrição de uma preparação corticosteróide. Descritores: Glucocorticóides. Corticosteróides, uso terapêutico. Osteoporose. Crescimento. Hipofunção das glândulas supra-renais. 1 Prof. Livre-Docente da FMUSP 2 Mestre em Pediatria da FMUSP 3 Doutor em Pediatria da FMUSP 4 Profa. Associada da FMUSP

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Corticoterapia e suas repercussõesDamiani D, et al.

Revisão e Ensaio Review and Essay Revisión y Ensaio

Corticoterapia e suas repercussões: a relação custo–benefício

Repercussions of corticotherapy: the cost–benefit ratioRepercuciones de la corticoterapia: la relación costo–beneficio

Durval Damiani1, Hilton Kuperman2, Vaê Dichtchekenian3, Thaís Della Manna2, Nuvarte Setian4

Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança Prof. Pedro de Alcantara do Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Revisão bibliográfica a respeito dos mecanismos de ação, efeitos colaterais e principais recomendações ao uso decorticosteróides. Os corticosteróides estão entre os medicamentos de utilização mais ampla em Medicina e a razão básicadesse uso tão difundido é a extraordinária capacidade antiinflamatória que possuem. Justamente este efeito antiinflamatóriofoi por muito tempo não bem compreendido, levando-se em conta o mecanismo clássico, genômico (tipo 1) de ação. Outrosmecanismos como os não genômicos explicam melhor a inibição de fatores envolvidos no processo inflamatório esclarecendoa razão de seu uso em situações agudas, como pulsoterapia. Evidentemente, uma droga com ações tão variadas, acaba porprovocar um grande número de efeitos colaterais, particularmente intensos nas fases de crescimento, interferindo diretamentecom fatores de crescimento de ação parácrina e autócrina na própria cartilagem de crescimento, como é o caso do IGF-1.Todo o cuidado na indicação e as normas básicas de uso destes compostos é apresentada, o que pode permitir ao pediatrauma maior segurança quando da prescrição de uma preparação corticosteróide.

Descritores: Glucocorticóides. Corticosteróides, uso terapêutico. Osteoporose. Crescimento. Hipofunção das glândulas supra-renais.

1 Prof. Livre-Docente da FMUSP

2 Mestre em Pediatria da FMUSP

3 Doutor em Pediatria da FMUSP

4 Profa. Associada da FMUSP

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Abstract

Bibliographic review on the machanisms of action, side effects, and main indications of glucocorticoids. Due to itsextraordinary antiinflamatory action, the glucocorticoids are among the most prescribed drugs in Medicine. Thisantiinflamatory effect has been poorly understood for a long time, since it does not fit into the classic (type 1) genomicmechanism of action. The nongenomic action of these drugs better explains its interference with inflamatory factors andmake understand its use in acute situations and in pulse therapy. Due to its generalized actions, it is expected numerousside effects, particularly important in phases of accelerated growth, such in pediatric patients. Glucocorticoids interferewith the paracrine and autocrine action of growth factors such as IGF-1 on the growth plate. The basis of a correctlyprescription of glucocorticoids is emphasized, in order to minimize their side effects.

Keywords: Glucocorticoids. Adrenal cortex hormone, therapeutic use. Osteoporosis. Growth. Adrenal gland hypofunction.

Resumen

Revisión bibliográfica referente a los conocimientos a respecto de los mecanismos de acción, efectos colaterales y principalesrecomendaciones en cuanto al uso de los corticosteroides. Los corticosteroides están entre los medicamentos de utilización másamplia en medicina y la razón básica de este uso tan difundido es la extraordinaria capacidad antiinflamatoria que poseen.Justamente este efecto antiinflamatorio fue durante mucho tiempo no muy bien comprendido, no encajándose con el mecanismobásico clásico genómico (tipo I) de acción. Otros mecanismos como los no genómicos explican mejor la inhibición de factores querodean al proceso inflamatorio y se comprende la razón de su uso en situaciones agudas, como la pulsoterapia. Evidentementeuna droga con acciones tan variadas termina por provocar un gran número de efectos colaterales, particularmente en las fases dedesarrollo, interfiere directamente con los factores de acción paracrina y autocrina en el propio cartílago de crecimiento, como esel caso de IGF-1. Se presenta todo el cuidado en la indicación y las normas básicas de uso, lo que puede permitir al pediatra unamayor seguridad en lo que respecta a la prescripción de un preparado corticosteroide.

Palabras clave: Glucocorticóides. Corticosteróides, efectos adversos. Corticosteróides, uso terapéutico. Osteoporosis. Crecimiento. Hipofunción de las glándulas suprarrenales.

Introdução

É difícil lembrar de alguma droga que tenha tantasaplicações clínicas quanto os glicocorticóides e talvezfique mesmo mais simples listar as doenças ou as situa-ções clínicas para as quais nunca se tentou um trata-mento com um glicocorticóide do que o oposto. Essagama de aplicações desse grupo de hormôniosesteróides deriva do fato de serem os mais potentesagentes antiinflamatórios conhecidos e tem-se na lem-brança casos em que os efeitos verdadeiramente “mila-grosos” dos corticóides foram observados. Além do usoem muitas e em diversas especialidades, os corticóidessão utilizados em preparações variadas, em doses mui-to diferentes de um caso para outro, por vias diferentes epor tempo de uso não uniforme, o que torna possíveluma enorme quantidade de efeitos colaterais.

Os glicocorticóides (GC) pertencem à classe doshormônios esteróides, com um núcleo básico derivadodo colesterol–ciclopentano perhidrofenantreno. O re-presentante natural é o cortisol ou hidrocortisona, umcomposto com 21 átomos de carbono. Os GC apre-

sentam como característica atravessarem a membra-na lipoprotéica das células, ligando-se a receptorescitosólicos e exercendo sua ação no interior do núcleo,onde interagem com o DNA (ação genômica) ou comoutras proteínas implicadas no processo detranscrição(ação não genômica, específica ouinespecífica). Um terceiro mecanismo envolvido é deuma ação também não dependente de genoma, isto é,não dependente de uma ação intranuclear. Este meca-nismo de ação foi observado através dos efeitos “invitro” na respiração, na síntese de proteínas e na açãoda Na+

- K+- ATPase e Ca2+- ATPase em timócitos. Este

mecanismo de ação tem importância clínica pois podeexplicar a ação rápida de alguns glicocorticóides, justi-ficando seu uso em corticoterapia “de pulso”1.

A glândula supra-renal, na sua porção cortical(zona fasciculada) é a responsável pela síntese dosglicocorticóides e está sob o comando adeno-hipofisário do ACTH (hormônio adreno-córtico-trófico) que, por sua vez, é controlado pelo

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hormônio liberador de corticotrofina hipotalâmica(CRH) (Figura 1). A secreção de glicocorticóideapresenta um ritmo circadiano, ou seja, a cada 24horas (dia), volta-se ao ponto inicial: para um indi-víduo com ritmo vigília/sono normal, os níveis maiselevados de cortisol ocorrem às 8 horas da ma-nhã, atingem 50% desse nível às 16 horas e che-gam ao seu ponto mais baixo à meia-noite. Emsituações de estresse, exemplificada por um pro-cedimento cirúrgico do tipo laparotomia, elevam-se em 84% os níveis de cortisol em comparaçãoaos níveis pré-cirúrgicos2.

Mecanismo de ação dos glucocorticóides

Figura 1 – Representação esquemática da regulação dasecreção de cortisol, com as alças de “feed-back” em nívelde hipófise e de hipotálamo.

O mecanismo “clássico” de ação dos GC implica aligação do esteróide a receptores citosólicos que,dimerizados, dirigem-se ao núcleo celular e ligam-se aregiões promotoras do DNA onde, na maioria das ve-zes, induzem à transcrição.

No mecanismo de ação tipo 1, os glicocorticóidesligam-se a um receptor localizado no citoplasma dascélulas-alvo, através de sua porção carboxi terminal.O receptor de glicocorticóide (RG) inativado está li-gado a um complexo protéico (~330 kDa) que incluiduas proteínas sensíveis ao calor de 90 kDa (hsp90), uma imunofilina de 59 kDa e várias outras proteí-nas. Após a ligação entre o RG e o glicocorticóide,

ocorre a dissociação das hsp90, expondo dois sinaisde localização nuclear, e permitindo ao complexoativado mover-se rapidamente ao núcleo e ligar-seao DNA. Dentro do núcleo os receptores deglicocorticóides formam um dímero que se liga a sítiosde ligação do DNA chamados “elementos de repos-ta de glicocorticóides” (GRE).

A ligação do esteróide ao GRE costuma levar, maisfreqüentemente, a uma indução na transcrição devários genes, dentre eles, os que codificamlipocortina, vasocortina, endonuclease, ribonu-cleases, endopeptidases, somatostatina, fator inibidorde migração, receptores para hormônios e citoquinas(IL-1, IL-II). No entanto, pode ocorrer também umainibição da transcrição gênica . Ocorre que a maioriadas interleucinas e citoquinas, que são induzidas noprocesso inflamatório e que são bloqueadas pelosGC, não apresentam, nas regiões promotoras deseus genes, os “elementos de resposta aosglicocorticóides”, que são os locais onde o complexoGC-Receptor se liga.

Verificou-se que, ao lado da ação genômica dos GC,pode haver ação por interação proteína/proteína, seminteração com o DNA. Neste mecanismo de ação (tipo2), não há ligação com os GREs. Os glicocorticóidesativam a proteína ativadora-1 (AP-1), um fator de trans-crição composto de dímeros da família de proteínasJun e Fos (poderia haver interação com outros fatoresnucleares, como por exemplo, Kapa/B). Isto leva, maisfreqüentemente, à inibição da transcrição de váriosgenes envolvidos nas respostas inflamatória e/ou imu-ne como citoquinas, sintetase do óxido nítrico, ciclo-oxigenase, fosfolipase A-2, elastase, colagenase,ativador de plasminogênio. Quando os níveis dosglicocorticóides caem, ocorre uma dissociação rápidadestes com os receptores intranucleares, com paradada resposta transcricional. Como os glicocorticóides sãoresponsáveis pela síntese de macromoléculas, podelevar algumas horas a dias para que os seus efeitos sefaçam presentes. Por outro lado, a duração das açõesdos glicocorticóides pode prolongar-se até algum tem-po após a queda de seus níveis3-5 (Figura2). A ligaçãodo GC com receptores de diferentes capacidades deinteração quer com proteínas, quer com o próprio DNA,responde pelas diferentes potências das várias prepa-rações esteróides.

Por outro lado, sabe-se que algumas das açõesdos GC são muito mais rápidas para seremexplicadas por este mecanismo clássico: quando

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se trata choque séptico com doses maciças de GC(geralmente metilprednisolona), ou quando se em-prega pulso-terapia aguarda-se um período curto(30 minutos) para se avaliar se algum efeito foi ob-servado e, em caso negativo, repete-se a dose.

Ora, este tempo é insuficiente para que este me-canismo clássico esteja funcionante. Tais obser-vações foram conduzindo à procura de algum ou-tro mecanismo de atuação dos GC, diferente des-se modelo clássico.

Figura 2 – Representação esquemática dos mecanismos de ação (Tipo 1 e Tipo 2) dos glicocorticóides. GC- glicocorticóide;Hsp 90- proteína de choque térmico; RG-receptor de glicocorticóide; GRE-elementos de resposta a glicocorticóides3.

O efeito antiinflamatório

A resposta antiinfamatória ocorre por ação lo-cal, tanto na fase precoce (edema, dilatação ca-pilar, migração de leucócitos, atividade fagocitária,quanto na fase tardia do processo inflamatório(proliferação capilar e de fibroblastos, deposiçãode colágeno e cicatrização). Alguns mecanismosexplicam a inibição deste processo:

1. Redução da exsudação dos leucócitos e ou-tros constituintes celulares do plasma, reduzin-do assim o edema;

2. manutenção da membrana celular, evitan-

do assim edema intracelular com conseqüentedestruição da célula;

3. estabilidade dos lisossomos, evitando as-sim a liberação de enzimas que digeririam osconstituintes celulares, prolongando a respostaantiinflamatória.

Os glicocorticóides podem suprimir a inflama-ção pelo aumento da síntese de várias proteí-nas antiinflamatórias, entre elas a lipocortina-1,que tem um efeito inibitório na fosfolipase A ini-bindo a produção de mediadores lipídicos, tais

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como leucotrienos, prostaglandinas e fatorativador de plaquetas.

Os glicocorticóides inibem, pelo mecanismode ação tipo 2, a transcrição de várias citoquinasque são relevantes na resposta inflamatória,como IL-1, IL-2, IL-6, IL-11, TNF-a e quimo-quinas que atraem as células inflamatórias aolocal de inf lamação ( incluindo IL-8 e eo-taxina).Os glicocorticóides inibem a ação dasintetase do ácido nítrico, enzima cuja induçãopor citoquinas pró-inflamatórias pode aumentara produção de ácido nítrico. A inibição destaenzima leva a uma d iminuição do f luxosangüíneo e da exsudação plasmática. Osglicocorticóides inibem a indução do genecodificador do COX-2 (Ciclo-Oxigenase 2) emmonócitos, além de inibir a transcrição de umaforma de fosfolipase A2 induzida por citoquinas.

Os glicocorticóides reduzem a ativação,proliferação e a sobrevivência de eosinófilos elinfócitos T, além de bloquear a liberação de vá-rias citoquinas (IL-2, IL-3, IL-4, IL-5,IL-13, GSM-CSF), que são importantes no recrutamento esobrevivência de células envolvidas no proces-so inflamatório. Este processo leva à morte ce-lular programada ou apoptose. O mecanismomolecular de indução de apoptose pelosglicocorticóides é incerto. Por outro lado os

glicocorticóides diminuem a apoptose e aumen-tam a sobrevida de neutrófilos. Ao mesmo tem-po, os glicocorticóides inibem o acúmulo deneutrófilos nos sítios da inflamação. Em relaçãoàs células envolvidas na resposta inflamatóriaem si, os glicocorticóides inibem a liberação decitoquinas de macrófagos. A indução da apoptosede eosinófilos é medida pela eosinopenia6.

A escala de potência antiinflamatóriadas várias preparações glicocorticóides

A Tabela 1 lista os principais compostos GC deuso clínico e apresenta as relações de potênciaantiinflamatória, bem como a meia vida biológicadesses vários preparados. Esta ordem de potênciabaseia-se no mecanismo clássico, genômico. Verifi-ca-se que os mais potentes compostos são abetametasona e a dexametasona, enquanto os me-nos potentes são os compostos naturais cortisona ehidrocortisona (cortisol). Quando as potências vis-tas pelo mecanismo não genômico, são compara-das, a dexametasona é o mais potente, seguidoda metilprednisolona, da prednisona e, curiosa-mente, a betametasona figura com a menor po-tência. Mesmo a metilprednisolona, que num me-canismo clássico é tão potente quanto aprednisona, aqui é muito mais potente que aprednisona (2 vezes e meia) (Tabela 2).

Equivalências antiinflamatórias (mecanismo clássico, genômico)

Corticosteróide Meia vida biológica (h) Potência equivalente (mg)

Ação CurtaCortisona 8-12 25Hidrocortisona 8-12 20

Ação intermediáriaPrednisona 18-36 5Prednisolona 18-36 5Metilprednisolona 18-36 4Triancinolona 18-36 4

Ação LongaDexametasona 36-54 0,75Betametasona 36-75 0,6

Tabela 1 - Quadro comparativo das várias preparações glicocorticóides, suas meia-vidas biológicas, do-ses equivalentes em miligramas, levando-se em conta o mecanismo de ação clássico.

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Efeito dos glicocorticóides

A razão por que os GC produzem tantos e tão varia-dos efeitos colaterais decorre das numerosas açõesmetabólicas que esse grupo de drogas produz. Nometabolismo de hidratos de carbono, os GCantagonizam várias ações periféricas da insulina, ten-do potencial diabetogênico: aumentam a resistência àinsulina diminuindo a utilizaçào periférica de glicose epromovendo a neoglicogênese (produção de glicose apartir de substratos como aminoácidos, o que implicaum importante efeito catabólico). Já no nível hepático,o GC promove a deposição de glicogênio e, neste efei-to, é semelhante à insulina.

Com relação ao metabolismo lipídico, seu efeito agu-do é de ativar a lipólise mas, a longo prazo, promoveuma redistribuição característica do tecido adiposo queconfere ao paciente o clássico aspecto de obesidadecentrípeta (fácio-escápulo-truncal), com ganho de peso.

Já no metabolismo protéico, os GC apresentamuma dualidade de ações, dependendo da dose admi-nistrada ou do nível sérico atingido: em doses fisioló-gicas os GC atuam como agentes anabolizantes, in-corporando proteína, mas em doses farmacológicassão francamente catabólicos, promovendo intensodesgaste protéico que, clinicamente, traduz-se por umapele frágil, friável, fraqueza muscular intensa com re-dução de massa muscular e desgaste da matriz ós-sea implicando em mau desempenho estatural emcrianças em fase de crescimento.

No sistema músculo-esquelético, os GC reduzemos osteoblastos e aumentam a atividade os-teoclástica, com perda de massa óssea. Reduzema absorção intestinal de cálcio, antagonizando osefeitos da vitamina D, promovem calciúria e levama um hiperparatireoidismo secundário, com aumentodo paratormônio. O efeito final desta série de even-

tos é uma pronunciada osteopenia e osteoporose,tanto mais intensa quanto mais acelerado for o pe-ríodo de crescimento : adolescentes em fase deestirão são mais prejudicados por tais efeitos emeninas são mais afetadas que meninos.

Quanto ao equilíbrio hidro-eletrolítico, algumas pre-parações GC são poderosas retentoras de sódio eperdedoras de potássio, graças a um efeitomineralocorticóide. Os compostos naturais, como ocortisol, tendem a apresentar tal efeito de maneira maisintensa do que os compostos sintéticos como adexametasona e a betametasona, que praticamentecarecem de ação mineralocorticóide. Tais aspectosdevem ser lembrados quando diante de pacientes quetêm dificuldades de lidar com volume, como é o casode cardiopatas ou nefropatas. Pela espoliação de volu-me que provocam, ocorre ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona.

Com relação aos componentes do sistemahematopoiético, os corticóides tendem a aumentar osníveis de hemoglobina e o número de hemáciascirculantes. Na série branca, observa-se umaneutrofilia através da liberação da medula óssea paraa corrente sanguínea, diminuição da renovação dacirculação e aumento da liberação da parede doendotélio (‘pool” marginal) para a circulação (“pool”circulante). Além disso, ocorre uma eosinopenia,linfopenia e monocitopenia7.

Os efeitos psiquiátricos e comportamentais devemser lembrados quando utilizamos GC. Aparentemente,tais efeitos ocorrem em pessoas predispostas e podemincluir alterações de humor, cognição, padrões de sonoe percepção sensorial. Depressão, euforia, mania everdadeiros quadros psicóticos podem ser observadossob uso de GC. No hipocampo, podem provocar redu-

Tabela 2 - Hierarquia de várias preparações glicocorticóides levando-se em conta o mecanismo de ação nãogenômico (tipo 3)1.

Potência de glicocorticóides – Efeitos não genômicos inespecíficos (não clássicos)

Dexametasona 1,2Metilprednisolona 1,0Prednisolona 0,4Betametasona 0,2

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zida regeneração axonal e apoptose de célulashipocampais, o que deve exigir um acompanhamentoatento de todo paciente em uso crônico e em dosesaltas de GC.

O efeito imunossupressor é uma característica dosGC e é a razão do seu uso em certas condições emque se deseja tal efeito. Os linfócitos T são mais susce-tíveis aos GC do que os linfócitos B. Diminuem o aportede leucócitos aos sítios inflamados, inibem a respostaproliferativa de monócitos e sua diferenciação amacrófagos, inibem a produção de interleucinas infla-matórias, quimoquinas, moléculas de adesão e esti-mulam as interleucinas antiinflamatórias, como a IL-10.Isto confere a este grupo de compostos sua proprieda-de antiinflamatória tão potente.

Os glicocorticóides e o leite materno

O uso de prednisona, triancinolona e betametasonapode ser feito em mães que amamentam. Por outrolado, não é considerado seguro o uso de dexametasonae deflazacort. Em relação a metilprednisolona, pode serutilizado desde que a dose seja baixa (menos que 8mg/dia) e a criança seja amamentada após 4 horas datomada do corticóide. Não se conhece o efeito dahidrocortisona sobre o leite materno8.

A grande indicação de corticoterapia

Se o assunto corticóide é capaz de gerar tanta con-trovérsia, um ponto fica bem estabelecido: sua indica-ção é incontestável como terapêutica substitutiva empessoas que deixaram de ter sua produção de cortisolnormal. Mesmo assim, os esquemas de administra-ção podem ser variáveis, com defensores deste oudaquele modo de administração. A própria dose fisio-lógica de GC por muito tempo foi considerada maiselevada do que os 6-8 mg/m+/dia de hidrocortisonaaceitos atualmente9.

Em todas as outras indicações, estar-se-á sem-pre diante da questão custo x benefício, devendo-se pesar cuidadosamente o que se pode obter deefeitos benéficos com o uso de uma droga comtantos efeitos colaterais.

Quando se decide utilizar GC terapeuticamente,vários fatores devem ser lembrados, que interferem

nos seus efeitos colaterais:

A) tipo de preparação a ser utilizada;B) via de administração;C) dose;D) esquema de administração (contínuo x dias al ternados);E) tempo de uso;F) idade e sexo do paciente;G) doença de base para a qual se indica a terapêutica

GC; algumas doenças de base pré-existentescondicionam determinados efeitos colaterais. Porexemplo, um paciente com gastrite, se usar GC terámaior probabilidade de desenvolver úlcera gástricado que um paciente que não tenha essa predisposi-ção básica;

H) a real indicação de uso, ou seja, não existiria outradroga, com menos efeitos colaterais, que poderiasubstituir o GC?

Quando se leva em conta a via de administração,algumas vias são sabidamente menos propensas acausar efeitos colaterais que outras: o uso de corticóidesinalatórios, se bem que, na dependência da dose e dapreparação, podem apresentar algum grau de absor-ção, provoca muito menos efeitos colaterais do que ouso por via oral ou parenteral. Num estudo conduzidopor Kannisto et al.10 (2000) analisando 75 crianças as-máticas concluiu-se que 25% delas apresentava levesupressão adrenal e todas elas recebiam doses mode-radas de corticóides inalatórios (200 µg/dia defluticazone e 400 µg/dia de budesonida

). No entanto,

se os corticóides inalatórios representam uma evolu-ção no tratamento de doenças como a asma, não sepode inferir que outra doença, tratada eficientementecom GC por via oral ou parenteral, tenha o mesmo re-sultado terapêutico se a opção for a via inalatória. Deforma análoga, não se pode inferir que se uma doençafor adequadamente tratada com GC dados diariamen-te, o mesmo efeito será obtido em esquema de diasalternados. Ainda, o tipo de preparação pode, mesmoem doses antiinflamatórias equivalentes, propiciar re-sultados clínicos diversos.

As várias preparações para uso inalatório apre-sentam afinidades ao receptor de GC diferentese as porcentagens de absorção sistêmica são tam-bém diferentes o que, de certa forma, condicionaefeitos de supressão de eixo hipotálamo-hipófise-adrenal diferentes. Mesmo com o uso decorticóides inalatórios, deve-se dar atenção aqueixas oculares, encaminhando os pacientes à

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avaliação oftalmológica. Deve-se monitorar a ve-locidade de crescimento, que pode ser negativa-mente afetada por tais compostos. Um cuidadoespecial deve ser dado ao metabolismo ósseo,que pode ser afetado mesmo com doses baixasde GC inalatórios.

6. a corticoterapia aplicada por poucos dias (atéduas semanas), geralmente é isenta de com-plicações, exceto em doses elevadas;

7. excetuando a insuficiência supra renal, a admi-nistração de corticóides não é curativa, nemetiológica, mas apenas paliativa à custa de seusefeitos antiinflamatórios, não se recomendan-do fazer teste terapêutico;

8. quando a corticoterapia se prolonga por semanas oumeses e a dose administrada excede à recomenda-da na terapêutica de substituição, pode ocorrer su-pressão do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal;

9. sempre que possível utilizar corticóides emdias alternados.

Efeitos colaterais da corticoterapia

Como os glicocorticóides tem ações sistêmicas, seusefeitos colaterais também atingem vários órgãos e sis-

Num trabalho realizado por Toogood et al.11 (1998),com 58 voluntários normais que receberam doses cres-centes de budesonida inalatória por um período de 14dias, pode-se observar o crescente bloqueio de eixohipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) com o progredir dasdoses (Tabela 3).

Tabela 3 – Porcentagem de pacientes que se apresentam com inibição do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal com o usocrescente de doses de budesonida.

Princípios básicos da terapéuticaglicocorticóide

As diretrizes que se seguem não se aplicam somenteaos glicocorticóides, mas a toda terapêutica médica emque todas as medidas devem ser tomadas para evita-rem-se ao máximo, efeitos colaterais. A seguir, são trans-critas as recomendações de Collins e Byyni12

(1980):

1. A corticoterapia deve ser usada somente quando odiagnóstico foi estabelecido e quando ou tras formasde terapia ao paciente foram utilizadas sem sucesso;

2. considerar o prognóstico e determinar a severidadeda doença;

3. pesar a relação risco / benefício da corticoterapia;

4. administrar uma dose apropriada ao paciente avali-ando a resposta continuamente, isto é, usar a me-nor dose desejada para que se obtenha um máxi-mo efeito terapêutico;

5. uma única dose de corticóide, mesmo em elevadaquantidade, não acarreta prejuízo ao paciente (im-portante em situações de emergências);

Porcentagem do grupo com valores subnormais durante uma dose de estudo de budesonida(14 dias em cada dose) (n=58)11

Dose diária (mg)

0 0,4 0,8 1,6 2,8

Cortisol sérico às 8h < 12 14 19 19 24 7,6 µg/dL

Cortisol livre urinário menor que 46 57 73 80 80

1,45 µg/24 horas

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temas. A seguir são resumidos estes efeitos8,13-15:

1. Complicações oftálmicas: aumento da pressão intra-ocular, glaucoma, infecções bacterianas e fúngicas,exacerbação da queratite herpética.

2. Complicações do sistema nervoso central:“pseudotumor cerebral”, distúrbios do comportamen-to e psíquicos (insônia, nervosismo, euforia).

3. Complicacações hematológicas: neutrofilia,linfopenia, eosinopenia e monocitopenia; púrpuras.

4. Complicações gastrintestinais: úlcera pépticas,pancreatite, hepatomegalia, aumento do apetite.

5. Complicações músculo–esqueléticas: miopatia,osteoporose, fraturas, necrose asséptica do osso.

6. Complicações renais: nefrocalcinose, nefrolitíasee uricosúria.

7. Complicações cardiovasculares: hipertensão(mais comum), infarto do miocárdio, acidentevascular cerebral.

8. Alterações na distribuição da gordura e pele: aspec-to “cushingóide”, acne, hirsutismo, atrofia de pele(uso de corticóides tópicos).

9. Suscetibilidade a infecções: infecções virais (va-ricela), infecções bacterianas (estafilococo,proteus, pseudomonas e salmonella), reativaçãoda tuberculose, pneumocitose, infecções para-sitárias (estrongiloidíase, toxoplasmose eamebíase), infeções fúngicas (aspergilose,candidíase, criptococose).

10. Complicações metabólicas: retenção de sódio eedema, alcalose hipocalêmica, hipocalcemia, resis-tência à insulina, hiperlipidemia.

11. Alterações no crescimento.

12. Síndrome de retirada do corticóide: dor de cabeça,anorexia, náuseas, vômitos, fraqueza, mal-estar,fadiga, prostração, mialgia, artralgia, descamaçãode pele, febre baixa, perda de peso, irritabilidade,depressão e insônia (um a cinco dias após a retira-da do corticóide).

13. Alterações no feto.

14. Ações sobre o leite materno.

Dentre os efeitos colaterais acima, assume particu-lar importância para o pediatra os que afetam o feto,em situações em que se usa GC para evitar ou minimizaros efeitos virilizantes da hiperplasia congênita de su-pra-renal e a interferência sobre o crescimento, vistoque a faixa etária pediátrica, como que “por definição”,é caracterizada pelo crescimento estatural.

Efeitos dos glicocorticóides sobre o cres-cimento

Dentre os vários efeitos provocados pelosglicocorticóides, o impacto no crescimento é dignode nota. Crianças que tomam GC por longos perío-dos e em doses altas apresentam, invariavelmen-te, comprometimento estatural. Isto é compreen-sível quando recordamos o efeito catabólico des-ses compostos, mas vários outros pontos de açãoatuam prejudicando o crescimento. O prejuízo émaior em fases de crescimento acelerado, comodos 5 aos 7 anos e no estirão pubertário . Apesarde agudamente os GC estimularem a secreção deGH, seu uso crônico bloqueia em vários pontos ocrescimento normal:

1. Aumentam o tônus somatostatinérgico, reduzindo asecreção hipofisária de hormônio de crescimento;

2. Os GC provocam redução dos receptores dehormônio de crescimento, tanto no fígado quantono próprio osso (down regulation). Este efeito podeser avaliado pela dosagem da proteína ligadora dehormônio de crescimento (GHBP) que é o própriodomínio extra-celular do hormônio de crescimento;

3. Os níveis séricos de IGF-I (fator de crescimen-to insulino-símile, produzido sob a ação dosGC) curiosamente encontram-se normais, massua ação biológica encontra-se reduzida. Istoé devido a um aumento de proteínas transpor-tadoras (IGFBPs) e à presença de substânciascom capacidade inibidora de IGF-I, uma dasquais pode ser a própria IGFBP-2;

4. Supõe-se que a própria ação parácrina e autócrinado IGF-I secretado na placa de crescimento possaestar comprometida e isto tornaria difícil a reversãodesses efeitos, já que o efetor final está comprome-tido16 (Figura 3).

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Abu et al.17 (2000) recentemente demonstraram

pela primeira vez a presença de receptores deglicocorticóides (GRa) no osso humano in situ, oque sugere que algumas das ações dos GC no ossosejam mediadas por tais receptores.

A questão que se faz é se será possível reverter ou,ao menos, atenuar os efeitos adversos dos GC sobre ocrescimento, em crianças que têm indicação de usopor longo prazo e em doses supressoras (e são váriasas situações clínicas em que esta indicação existe). Numtrabalho realizado com adolescentes transplantados derim, em quem se administrava doses altas de GC,Tonshoff et al.16

compararam um grupo de 18 adoles-centes que passaram a receber hormônio de cresci-mento (GH) concomitantemente ao GC, com um gru-po que não fazia tal suplementação. Ao final de 2 anosde tratamento, o grupo tratado com GH apresentou umcrescimento de 15,7 ± 5,1 cm, comparado ao gruponão tratado com GH, que apresentou 5,8 ± 3,4 cm. Cu-riosamente, a melhora do padrão de crescimento17

ocor-reu tanto com a dose de 4UI/m2

como com a dose mais

alta de 8 UI/m2. Estes resultados levantam a possibili-dade de atenuação dos efeitos deletérios do GC nocrescimento e devem ser confirmados em outras situa-ções patológicas.

Os glicocorticóides e o feto

Há muito se discutem os eventuais efeitos indesejá-veis de glicocorticóides administrados na gestante enovamente a literatura apresenta resultados contradi-tórios. Esta questão assume uma importância particu-lar na indicação de uso em mães que tenham probabi-lidade de terem um filho com hiperplasia adrenal con-gênita e que, se for do sexo feminino, tenderá a sofrervirilização progressiva durante a gestação. Acresça-sea isso o fato de que tal tratamento, para ser eficaz, pre-cisa ser iniciado muito cedo, por volta de 4 semanas degestação. A preparação que tem sido usada é adexametasona e há relatos conflitantes na literatura comrelação aos resultados, com grupos afirmando que osresultados são muito bons e evitam ou diminuem a

Figura 3 – Representação esquemática dos pontos de ação dos glicocorticóides com potencial interferência no crescimento linear.

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1 – Diminuir gradualmente a dose até chegar a 5mg/dia ou em dias alternados, de prednisona. Após 4 semanas,

2 – Estímulo com ACTH (0,25mg IM) e dosagem de cortisol em 30 min

necessidade de cirurgia corretiva da genitália exter-na18,19, enquanto que outros grupos, muito cautelosa-mente, enfatizam o fato de tal terapêutica ainda ter umcaráter experimental e só dever ser realizada em hos-pitais-escola, com estreita monitorização de mãe efeto20. Os corticóides não fluorados (cortisona, cortisol,prednisona, prednisolona) passam pouco a barreiraplacentária. Já os fluorados (betametasona,dexametasona), no entanto, ultrapassam-na bem edevem ser utilizados pela mãe com cautela. O gradi-ente de concentração materno-fetal é de 10 para 1 paracortisol e prednisolona e de 2-3 para 1 parabetametasona e dexametasona. Recém-nascidos cujasmães receberam altas doses de corticóides devem sermonitorizados quanto a sinais de insuficiência adrenal21.Até que trabalhos com resultados finais mais convin-centes sejam publicados, aconselha-se a conduta maiscuidadosa preconizada por Seckl e Miller 20.

Esquema de retirada de glicocorticóides

Quando se propõe um esquema de retirada deGC parte-se do princípio de que o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal esteja suprimido. Aceita-se que ouso de GC por até sete dias, em qualquer dose,permite uma retirada abrupta pois o eixo tem ple-nas condições de recuperação. A partir daí, é acon-selhável imaginar-se que o eixo possa estar supri-mido e a retirada deva ser lenta.

Um outro ponto a ser considerado é o aspectoendocrinológico x a doença de base. Pensando-se ex-clusivamente sob o ponto de vista endócrino, reduzin-

do-se abruptamente qualquer dose de GC à dose fisio-lógica (6 a 8 mg/m2/dia de hidrocortisona por via endo-venosa ou 10 a 15mg/m2/dia por via oral) ou, em situa-ções de estresse, a três vezes o fisiológico, estar-se-ásuprindo as necessidades básicas de GC sem causarproblemas de insuficiência adrenal. No entanto, não sepode esquecer que os GC devem ter sido administra-dos para uma determinada doença de base e esta, ge-ralmente, recrudesce se a retirada for abrupta. Assim,os esquemas de retirada de GC contemplam ambosos aspectos, o endócrino e o da doença de base. É poresta razão que se propõe uma retirada mais rápidaquando se está bem acima da dose fisiológica e, nomomento em que se entra na faixa de dose fisiológica,gradua-se a retirada permitindo-se, assim, que as glân-dulas supra-renais possam ser progressivamente maisestimuladas por ACTH endógeno e recuperem seutrofismo e sua capacidade de produção de esteróide.O esquema abaixo tem sido utilizado na Unidade deEndocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança e podeser assim representado:

Dose de prednisona Ritmo de retirada

>20mg/dia 1/4 da dose a cada 4 dias

entre 10 e 20mg/dia 2,5 mg por semana

< 10mg/dia 2,5 mg a cada 2 semanas

Kountz22 (1997) propôs um esquema de retiradaque se baseia na recuperação do eixo, testada porestímulo com ACTH, como pode ser visto noalgoritmo abaixo:

Algoritmo para retirada ambulatorial de corticóides

2a. Se < 6µg/dL e/ou Cortisol < 20 µg/dL

� 2b. Se < 6µg/dL e/ou Cortisol < 20 µg/dL

3 – Continuar retirada lentaResposta normal

Teste do ACTH

Suspender

Manter e reavaliar

3b. Com �3a. Sem �

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Em algumas situações, com a retirada do GC ocor-re um quadro sindrômico, caracterizado por letargia,anorexia, náusea, perda de peso, descamação depele, febre, artralgia, cefaléia, vômitos, mialgia,hipotensão, taquicardia, hipotermia, hipoglicemia, quese reverte com o aumento da dose do GC. Tal

síndrome é conhecida como “síndrome da retiradado glicocorticóide” e sempre que se manipulam asdoses de GC deve-se dar atenção para essa possi-bilidade. Outras vezes poderá ocorrer um quadroclínico compatível com insuficiência supra-renal, prin-cipalmente em situações de estresse.

Recebido para publicação: 04/10/2000Aceito para publicação: 15/12/2000

Endereço para correspondência:Prof. Dr. Durval DamianiR. Bela Cintra 2117, apto 9, Cerqueira CésarCEP 01415-002 – São Paulo – SP – BrasilFax: (11) 3064-0012E-mail: [email protected]

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