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Quinta - feira, 04 de Dezembro de 2014 l O País l 13 12 l O País l Quinta - feira, 04 de Dezembro de 2014 12 l O País l Quinta - feira, 27 de Novembro de 2014 A quase ausência de crédito é frequentemente citada como um dos principais constrangi- mentos ao desenvolvimento do sector agrícola Moçambicano. Muito se tem escrito e falado sobre o tema, mas parece que tem havido pou- co esforço dirigido ao aprofundamento do problema. Atendendo que a formulação de soluções inovadoras de acesso ao crédito passa necessariamente por um entendimen- to mais abrangente dos fundamentos do problema, pretendo, com este artigo, desenvolver e aprofundar a discussão, inicia- da pelo meu colega Domingos Mazivila no artigo publicado no jornal O País de 6 de Novembro 2014 intitulado “Agricultura e acesso ao crédito em Moçambique”, para incluir dimensões que não tem recebido a merecida reflexão e debate. Quando se fala de falta de acesso a crédito na agricultura te- mos antes de tudo que separar dois aspectos do problema: (i) a dificuldade de obtenção de crédito por parte de agricultores devido a questões específicas à actividade agrícola e (ii)os obs- táculos de acesso ao crédito enfrentados por MPMEs (Micro, Pequenas e Medias Empresas) no geral. A composição do sector agrícola Moçambicano, dominado por pequenos agricultores, faz com que as duas dimensões tenham uma grande área de in- tersecção. Mas é importante entender a distinção se queremos desenvolver politicas e produtos que visam resolver obstáculos específicos. É igualmente importante definir do que estamos a falar quan- do dizemos “crédito”. Aqui geralmente está-se a falar do crédi- to bancário mas o sector agrícola tem também acesso (ou falta de acesso) a outras formas de crédito desde informal (amigos, família, esquemas de interajuda), crédito de fornecedores (ge- ralmente financiamento de capital de giro através de termos de pagamento de insumos) e o próprio Governo (através dos Fun- dos para Desenvolvimento do Distrito designados “7 milhões”). Se decidirmos focar a nossa atenção no crédito bancário espe- cificamente no contexto agrícola a atenção tende a estar voltada para a incapacidade dos agricultores usarem as suas terras de cultivo (muitas vezes o único activo imóvel do agricultor) como garantia bancaria. Este fenómeno está ligado ao facto de que DU- ATs somente representam um direito de uso e aproveitamento e não um título de propriedade da terra. Isto certamente constitui um obstáculo mas penso que o tema apesar da atenção que re- cebe, está longe de constituir o principal obstáculo. A qualidade de uma garantia bancaria depende do valor que o banco prevê ser recuperável em caso de incumprimento, a liquidez do activo (facilidade em monetizar o activo) e o custo administrativo-ju- dicial que o banco teria que incorrer. Vale a pena salientar que em Moçambique os bancos tendem a não avançar com processos judiciais para confiscar garantias (particularmente activos ru- rais) devido à complexidade, morosidade e custo do processo, preferindo restruturar ou mesmo cancelar a divida. Existem, no entanto, outras questões mais fundamentais que, a meu ver, não recebem a merecida atenção. A primeira esta relacionada com a própria natureza da actividade agrícola que implica um elevado nível de sazonalidade de receitas e um grau também elevado de incerteza. A sazonalidade vária de acordo com o tipo de cultura mas geralmente a actividade envolve um investimento em preparação do terreno, insumos (sementes, fer- tilizantes, etc.) e a operação de plantio seguida de um período de maturação (que pode ser longo no caso de algumas varieda- des de frutas por exemplo). Finalmente o agricultor terá que incorrer custos de colheita (contratação de mão-de-obra tem- porária, aluguer de colhedoras, etc.), custos de armazenamento pós-colheita e possivelmente de transporte até ao mercado. Só depois deste período de fluxos de caixa negativos o agricultor terá a oportunidade de receber os ingressos das vendas. A in- certeza provem do facto de que nem os volumes e nem os preços são garantidos, ambos dependem de vários factores incluindo a qualidade das sementes, o regime pluviométrico (na ausên- cia de irrigação) e as perdas pós-colheita. Isso sem contar com a possibilidade de eventos catastróficos como enchentes ou a ocorrência de uma praga. Esta situação faz com que a gestão de tesouraria dos bancos seja mais difícil e onerosa visto que pre- cisam financiar estes empréstimos com passivos de longo prazo ou ter acesso a uma fonte de financiamento a curto prazo mui- to liquida para fazer o “rolling” (renovação) do financiamento. Outra consequência da sazonalidade é a redução do retorno so- bre capital empregado dos bancos devido a lenta rotatividade do capital (se o banco recebesse pagamentos mais cedo poderia reinvestir esse capital). O segundo ponto tem a ver com o risco sistémico que o sector agrícola apresenta. Risco sistémico é um risco que afecta todo uma economia, um sector ou um produto, ou seja, não é um ris- co específico de uma empresa. No caso da agricultura a situação é agravada devido ao dilema rendimento vs. Diversificação. A especialização em uma, ou em um número limitado de culturas, favorece escala e aumento de rendimentos. Por outro lado esta prática provoca uma grande concentração de risco correlaciona- do. Por exemplo, um período de seca teria um impacto negativo sobre todos os agricultores de sequeiro ou uma queda drástica do preço do milho teria um impacto sobre todos os produtores de milho. Do ponto de vista de um banco, a mesma logica pre- valece, um evento que produz um efeito negativo em um produ- to poderá também afectar toda carteira de clientes agrícolas. Esta realidade poderá desencorajar alguns bancos a financiarem agricultores ou a fazê-lo a taxas mas elevadas para compensar o custo de protecção, “hedging”, ou o impacto negativo no lucro causado por elevadas provisões para perdas (reconhecidos como despesas na demonstração de resultados dos bancos). Outro desafio que afecta o acesso ao crédito é a questão dos custos de transacção face a pequena escala da maioria dos agri- cultores Moçambicanos. Os custos operacionais para a banca são elevados em Moçambique particularmente quando se trata de clientes rurais (difícil acesso devido a fraca infra-estrutura, baixa densidade populacional, etc.). O processo de avaliação do crédito é geralmente onerosa e dispendiosa mais uma vez pelo difícil acesso físico mas também pelo difícil acesso à informa- ção (agravada pela ausência de um Bureau de Crédito robusto, abrangente e transparente). Ao mesmo tempo, a pequena escala dos agricultores limita a sua capacidade de absorver financia- mentos em uma escala que é rentável para os bancos. Esta com- binação contribui tanto para encarecer o crédito, na medida em que os custos são frequentemente passados para os clientes, limitando assim o acesso ao crédito (muitos bancos têm limites mínimos em termos de dimensão dos empréstimos). Finalmente temos a questão da capacidade técnica. Aqui es- tou a referir a capacidade inadequada dos dois lados, tanto na procura como na oferta do crédito. Do lado dos clientes, a preva- lência de MPMEs no sector agrícola doméstico também levanta a questão de capacidade limitada em matéria de gestão. Mui- tos pequenos agricultores têm boas praticas agrícolas e existem uma serie de iniciativas de programas de extensão voltadas para a adopção de melhores praticas e tecnologias agrícolas. No en- Crédito Agrícola: mais que um problema de garantias Dorival tanto, pouco é feito para melhorar a capacidade de gestão de em- presas (gestão contabilística e financeira, gestão de operações, etc.). Este tipo de conhecimento é importante tanto na fase ini- cial quando o agricultor prepara a solicitação do financiamen- to (plano de negócios, contabilidade organizada, etc.) como na própria gestão da divida (planeamento do fluxo de caixa para acomodar o serviço da divida). Todavia o problema não reside exclusivamente nos clientes. Existe também uma certa falta de capacidade técnica na área específica da agricultura a nível dos bancos em Moçambique. Um profundo conhecimento do sector é necessário para se realizar uma segmentação adequada, uma análise robusta dos riscos e a concepção de produtos bancários, adequados às necessidades específicas dos clientes agrícolas. O sector agrícola moçambicano é bastante heterogéneo. Os agricultores variam em termos de área cultivada, tipo de cul- tura, nível de mecanização e utilização de tecnologias, grau de integração em cadeias de valor (acesso a mercados) entre outros parâmetros. O sector inclui agricultores de subsistência, semicomerciais, comerciais de pequena escala, agricultores de tamanho médio e finalmente agricultores de larga escala. Cada um desses segmentos têm características especificas em termos de uso da terra, mão-de-obra, tecnologia, tipo de produção e as cadeias de valor em que participam. A combinação desses facto- res produz um agricultor específico com necessidades específi- cas de financiamento. Por exemplo agricultores semicomerciais tendem a produzir uma combinação de culturas de rendimento (café, frutas, tabaco) com culturas alimentares básicos (milho, arroz, mandioca) para consumo familiar e necessitam de crédi- to para financiar capital de giro durante o período pré-colheita mas não necessariamente de empréstimos de longo prazo para investimento em bens de capital visto que geralmente se concen- tram em culturas intensivas em mão-de-obra (maioritariamente familiar). Já um agricultor de médio porte integrado em uma cadeia de valor bem estruturada (como é o caso do tabaco e do algodão) terá menor necessidade de crédito bancário para financiar capital de giro uma vez que poderá ter acesso a faci- lidades de pagamento através dos fornecedores de insumos ou até através do comprador (possivelmente em regime de “outgro- wer”). Este agricultor precisaria sim de financiamento de longo prazo para financiar a mecanização da produção ou a reposição de activos agrícolas (por exemplo, uma plantação de bananas em declínio). Os profissionais bancários precisam ter um conhe- cimento detalhado destas especificidades para poder entender tanto os riscos como as oportunidades que apresentam. Os aspectos apresentados acima servem para demonstrar que a questão do acesso ao crédito agrícola em Moçambique é ampla e complexa e assim requer uma análise e debate a altura em termos de abrangência e profundidade. Não será um problema de fácil solução mas penso que um entendimento das raízes da questão nos permitirá conceber formas inovadoras de ultrapas- sar esta barreira ao desenvolvimento de um sector que é chave para o futuro de Moçambique, tanto em termos de fonte de ex- portação como também para garantir a segurança alimentar do país. n Larga Escala Tamanho Médio Comercial (Pequena Escala) Semi-comercial Subsistência Acesso a Mercados Acesso ao Crédito Bancário O processo de ava- liação do crédito é geralmente onerosa e dispendiosa mais uma vez pelo difícil acesso físico mas também pelo difícil acesso à informação (agravada pela au- sência de um Bureau de Crédito robusto, abrangente e trans- parente). Ao mesmo tempo, a pequena escala dos agriculto- res limita a sua ca- pacidade de absorver financiamentos em uma escala que é ren- tável para os bancos. Os profissionais bancários precisam ter um conhecimen- to detalhado destas especificidades para poder entender tan- to os riscos como as oportunidades que apresentam.

Crédito Agrícola: mais que um problema de garantias · acesso ao crédito em Moçambique”, ... de uma garantia bancaria depende do valor que o banco prevê ... contabilidade organizada,

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Quinta - feira, 04 de Dezembro de 2014 l O País l 1312 l O País l Quinta - feira, 04 de Dezembro de 201412 l O País l Quinta - feira, 27 de Novembro de 2014

A quase ausência de crédito é frequentemente citada como um dos principais constrangi-mentos ao desenvolvimento do sector agrícola Moçambicano. Muito se tem escrito e falado sobre o tema, mas parece que tem havido pou-co esforço dirigido ao aprofundamento do

problema. Atendendo que a formulação de soluções inovadoras de acesso ao crédito passa necessariamente por um entendimen-to mais abrangente dos fundamentos do problema, pretendo, com este artigo, desenvolver e aprofundar a discussão, inicia-da pelo meu colega Domingos Mazivila no artigo publicado no jornal O País de 6 de Novembro 2014 intitulado “Agricultura e acesso ao crédito em Moçambique”, para incluir dimensões que não tem recebido a merecida reflexão e debate.

Quando se fala de falta de acesso a crédito na agricultura te-mos antes de tudo que separar dois aspectos do problema: (i)a dificuldade de obtenção de crédito por parte de agricultores devido a questões específicas à actividade agrícola e (ii)os obs-táculos de acesso ao crédito enfrentados por MPMEs (Micro, Pequenas e Medias Empresas) no geral. A composição do sector agrícola Moçambicano, dominado por pequenos agricultores, faz com que as duas dimensões tenham uma grande área de in-tersecção. Mas é importante entender a distinção se queremos desenvolver politicas e produtos que visam resolver obstáculos específicos.

É igualmente importante definir do que estamos a falar quan-do dizemos “crédito”. Aqui geralmente está-se a falar do crédi-to bancário mas o sector agrícola tem também acesso (ou falta de acesso) a outras formas de crédito desde informal (amigos, família, esquemas de interajuda), crédito de fornecedores (ge-ralmente financiamento de capital de giro através de termos de pagamento de insumos) e o próprio Governo (através dos Fun-dos para Desenvolvimento do Distrito designados “7 milhões”).

Se decidirmos focar a nossa atenção no crédito bancário espe-cificamente no contexto agrícola a atenção tende a estar voltada para a incapacidade dos agricultores usarem as suas terras de cultivo (muitas vezes o único activo imóvel do agricultor) como garantia bancaria. Este fenómeno está ligado ao facto de que DU-ATs somente representam um direito de uso e aproveitamento e não um título de propriedade da terra. Isto certamente constitui um obstáculo mas penso que o tema apesar da atenção que re-cebe, está longe de constituir o principal obstáculo. A qualidade de uma garantia bancaria depende do valor que o banco prevê ser recuperável em caso de incumprimento, a liquidez do activo (facilidade em monetizar o activo) e o custo administrativo-ju-dicial que o banco teria que incorrer. Vale a pena salientar que em Moçambique os bancos tendem a não avançar com processos judiciais para confiscar garantias (particularmente activos ru-rais) devido à complexidade, morosidade e custo do processo, preferindo restruturar ou mesmo cancelar a divida.

Existem, no entanto, outras questões mais fundamentais que, a meu ver, não recebem a merecida atenção. A primeira esta relacionada com a própria natureza da actividade agrícola que implica um elevado nível de sazonalidade de receitas e um grau também elevado de incerteza. A sazonalidade vária de acordo com o tipo de cultura mas geralmente a actividade envolve um investimento em preparação do terreno, insumos (sementes, fer-tilizantes, etc.) e a operação de plantio seguida de um período de maturação (que pode ser longo no caso de algumas varieda-des de frutas por exemplo). Finalmente o agricultor terá que incorrer custos de colheita (contratação de mão-de-obra tem-

porária, aluguer de colhedoras, etc.), custos de armazenamento pós-colheita e possivelmente de transporte até ao mercado. Só depois deste período de fluxos de caixa negativos o agricultor terá a oportunidade de receber os ingressos das vendas. A in-certeza provem do facto de que nem os volumes e nem os preços são garantidos, ambos dependem de vários factores incluindo a qualidade das sementes, o regime pluviométrico (na ausên-cia de irrigação) e as perdas pós-colheita. Isso sem contar com a possibilidade de eventos catastróficos como enchentes ou a ocorrência de uma praga. Esta situação faz com que a gestão de tesouraria dos bancos seja mais difícil e onerosa visto que pre-cisam financiar estes empréstimos com passivos de longo prazo ou ter acesso a uma fonte de financiamento a curto prazo mui-to liquida para fazer o “rolling” (renovação) do financiamento. Outra consequência da sazonalidade é a redução do retorno so-bre capital empregado dos bancos devido a lenta rotatividade do capital (se o banco recebesse pagamentos mais cedo poderia reinvestir esse capital).

O segundo ponto tem a ver com o risco sistémico que o sector agrícola apresenta. Risco sistémico é um risco que afecta todo uma economia, um sector ou um produto, ou seja, não é um ris-co específico de uma empresa. No caso da agricultura a situação é agravada devido ao dilema rendimento vs. Diversificação. A especialização em uma, ou em um número limitado de culturas, favorece escala e aumento de rendimentos. Por outro lado esta prática provoca uma grande concentração de risco correlaciona-do. Por exemplo, um período de seca teria um impacto negativo sobre todos os agricultores de sequeiro ou uma queda drástica do preço do milho teria um impacto sobre todos os produtores de milho. Do ponto de vista de um banco, a mesma logica pre-valece, um evento que produz um efeito negativo em um produ-to poderá também afectar toda carteira de clientes agrícolas. Esta realidade poderá desencorajar alguns bancos a financiarem agricultores ou a fazê-lo a taxas mas elevadas para compensar o custo de protecção, “hedging”, ou o impacto negativo no lucro causado por elevadas provisões para perdas (reconhecidos como despesas na demonstração de resultados dos bancos).

Outro desafio que afecta o acesso ao crédito é a questão dos custos de transacção face a pequena escala da maioria dos agri-cultores Moçambicanos. Os custos operacionais para a banca são elevados em Moçambique particularmente quando se trata de clientes rurais (difícil acesso devido a fraca infra-estrutura, baixa densidade populacional, etc.). O processo de avaliação do crédito é geralmente onerosa e dispendiosa mais uma vez pelo difícil acesso físico mas também pelo difícil acesso à informa-ção (agravada pela ausência de um Bureau de Crédito robusto, abrangente e transparente). Ao mesmo tempo, a pequena escala dos agricultores limita a sua capacidade de absorver financia-mentos em uma escala que é rentável para os bancos. Esta com-binação contribui tanto para encarecer o crédito, na medida em que os custos são frequentemente passados para os clientes, limitando assim o acesso ao crédito (muitos bancos têm limites mínimos em termos de dimensão dos empréstimos).

Finalmente temos a questão da capacidade técnica. Aqui es-tou a referir a capacidade inadequada dos dois lados, tanto na procura como na oferta do crédito. Do lado dos clientes, a preva-lência de MPMEs no sector agrícola doméstico também levanta a questão de capacidade limitada em matéria de gestão. Mui-tos pequenos agricultores têm boas praticas agrícolas e existem uma serie de iniciativas de programas de extensão voltadas para a adopção de melhores praticas e tecnologias agrícolas. No en-

Crédito Agrícola: mais que um problema de garantiasDorival

tanto, pouco é feito para melhorar a capacidade de gestão de em-presas (gestão contabilística e financeira, gestão de operações, etc.). Este tipo de conhecimento é importante tanto na fase ini-cial quando o agricultor prepara a solicitação do financiamen-to (plano de negócios, contabilidade organizada, etc.) como na própria gestão da divida (planeamento do fluxo de caixa para acomodar o serviço da divida). Todavia o problema não reside exclusivamente nos clientes. Existe também uma certa falta de capacidade técnica na área específica da agricultura a nível dos bancos em Moçambique. Um profundo conhecimento do sector é necessário para se realizar uma segmentação adequada, uma análise robusta dos riscos e a concepção de produtos bancários, adequados às necessidades específicas dos clientes agrícolas.

O sector agrícola moçambicano é bastante heterogéneo. Os agricultores variam em termos de área cultivada, tipo de cul-tura, nível de mecanização e utilização de tecnologias, grau de integração em cadeias de valor (acesso a mercados) entre outros parâmetros. O sector inclui agricultores de subsistência, semicomerciais, comerciais de pequena escala, agricultores de tamanho médio e finalmente agricultores de larga escala. Cada um desses segmentos têm características especificas em termos de uso da terra, mão-de-obra, tecnologia, tipo de produção e as cadeias de valor em que participam. A combinação desses facto-res produz um agricultor específico com necessidades específi-cas de financiamento. Por exemplo agricultores semicomerciais tendem a produzir uma combinação de culturas de rendimento (café, frutas, tabaco) com culturas alimentares básicos (milho,

arroz, mandioca) para consumo familiar e necessitam de crédi-to para financiar capital de giro durante o período pré-colheita mas não necessariamente de empréstimos de longo prazo para investimento em bens de capital visto que geralmente se concen-tram em culturas intensivas em mão-de-obra (maioritariamente familiar). Já um agricultor de médio porte integrado em uma cadeia de valor bem estruturada (como é o caso do tabaco e do algodão) terá menor necessidade de crédito bancário para financiar capital de giro uma vez que poderá ter acesso a faci-lidades de pagamento através dos fornecedores de insumos ou até através do comprador (possivelmente em regime de “outgro-wer”). Este agricultor precisaria sim de financiamento de longo prazo para financiar a mecanização da produção ou a reposição de activos agrícolas (por exemplo, uma plantação de bananas em declínio). Os profissionais bancários precisam ter um conhe-cimento detalhado destas especificidades para poder entender tanto os riscos como as oportunidades que apresentam.

Os aspectos apresentados acima servem para demonstrar que a questão do acesso ao crédito agrícola em Moçambique é ampla e complexa e assim requer uma análise e debate a altura em termos de abrangência e profundidade. Não será um problema de fácil solução mas penso que um entendimento das raízes da questão nos permitirá conceber formas inovadoras de ultrapas-sar esta barreira ao desenvolvimento de um sector que é chave para o futuro de Moçambique, tanto em termos de fonte de ex-portação como também para garantir a segurança alimentar do país. n

Larga Escala

Tamanho Médio

Comercial (Pequena Escala)

Semi-comercial

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O processo de ava-liação do crédito é geralmente onerosa e dispendiosa mais uma vez pelo difícil acesso físico mas também pelo difícil acesso à informação (agravada pela au-sência de um Bureau de Crédito robusto, abrangente e trans-parente). Ao mesmo tempo, a pequena escala dos agriculto-res limita a sua ca-pacidade de absorver financiamentos em uma escala que é ren-tável para os bancos.

Os profissionais bancários precisam ter um conhecimen-to detalhado destas especificidades para poder entender tan-to os riscos como as oportunidades que apresentam.