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1 PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL ROGÉRIO TADEU ROMANO Procurador Regional da República aposentado e advogado I CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL Tais crimes são aqueles que ocorrem contra a atividade criadora das pessoas, que é fruto de seu intelecto e cuja proteção constitucional está prevista no artigo 216 da Constituição Federal. Podemos listar nesse desiderato os seguintes ilícitos: violação do direito autoral, artigos 184 e 186; aqueles previstos na Lei 9.279/96(crimes contra as patentes artigos 183 a 186; crimes contra os desenhos industriais artigos 187 e 188; crimes contra as marcas - artigos 189 e 190; crimes cometidos por meio de marcas artigos 189 e 190; crimes cometidos por meio de marca, título de estabelecimento e sinal de propaganda artigo 191; crimes contra as indicações geométricas e demais indicações artigos 192 a 194; crimes de concorrência desleal artigo 195). Observar-se que a maioria dos crimes enfocados são de ação penal privada, queixa. Excetuam-se os delitos cometidos em prejuízo de entidades de direito público, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações instituídas pelo poder público e alguns ilícitos de violação de direito autoral, artigo 184, § 1º, º 2º, § 3º, do Código Penal como se lê da redação do artigo 186 do mesmo diploma legal. Sendo assim, procede-se mediante queixa, nos casos previstos no caput do artigo 184 do Código Penal; por ação penal pública incondicionada, nos casos do artigo 184, § 1º e § 2º, do Código Penal e mediante ação penal pública condicionada à representação, na hipótese do parágrafo terceiro do artigo 184 do Código Penal. Em sua atual redação, o artigo 184 do Código Penal contém três figuras: a) no caput, violar(infringir, ofender, transgredir) direito autoral; b) no parágrafo primeiro, reprodução(cópia), por qualquer meio, de obra intelectual(criações exteriorizadas do espírito), no todo ou em parte, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente; a reprodução de fonograma(som gravado em suporte material) ou videofonograma(imagem e som fixados em suporte material que são conhecidos

Crimes Contra a Propriedade Imaterial

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PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE

IMATERIAL

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado e advogado

I – CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

Tais crimes são aqueles que ocorrem contra a atividade criadora das

pessoas, que é fruto de seu intelecto e cuja proteção constitucional está prevista no

artigo 216 da Constituição Federal.

Podemos listar nesse desiderato os seguintes ilícitos: violação do direito

autoral, artigos 184 e 186; aqueles previstos na Lei 9.279/96(crimes contra as patentes –

artigos 183 a 186; crimes contra os desenhos industriais – artigos 187 e 188; crimes

contra as marcas - artigos 189 e 190; crimes cometidos por meio de marcas – artigos

189 e 190; crimes cometidos por meio de marca, título de estabelecimento e sinal de

propaganda – artigo 191; crimes contra as indicações geométricas e demais indicações –

artigos 192 a 194; crimes de concorrência desleal – artigo 195).

Observar-se que a maioria dos crimes enfocados são de ação penal

privada, queixa. Excetuam-se os delitos cometidos em prejuízo de entidades de direito

público, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações

instituídas pelo poder público e alguns ilícitos de violação de direito autoral, artigo 184,

§ 1º, º 2º, § 3º, do Código Penal como se lê da redação do artigo 186 do mesmo diploma

legal. Sendo assim, procede-se mediante queixa, nos casos previstos no caput do artigo

184 do Código Penal; por ação penal pública incondicionada, nos casos do artigo 184, §

1º e § 2º, do Código Penal e mediante ação penal pública condicionada à representação,

na hipótese do parágrafo terceiro do artigo 184 do Código Penal.

Em sua atual redação, o artigo 184 do Código Penal contém três figuras:

a) no caput, violar(infringir, ofender, transgredir) direito autoral; b) no parágrafo

primeiro, reprodução(cópia), por qualquer meio, de obra intelectual(criações

exteriorizadas do espírito), no todo ou em parte, sem autorização expressa do autor ou

de quem o represente; a reprodução de fonograma(som gravado em suporte material)

ou videofonograma(imagem e som fixados em suporte material que são conhecidos

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como vídeo tape), sem autorização do produtor ou de quem o represente, sempre com

intuito de lucro.

Na modalidade prevista no parágrafo segundo do artigo 184 do Código

Penal, pune-se a conduta de quem distribui, vende(aliena a título oneroso), expõe a

venda(mantém em exposição para indeterminado número de pessoas, com oferecimento

expresso ou tácito, de vendas), aluga, introduz no país, oculta, empresa, troca ou tem em

depósito, original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou videofonogramas

produzidos ou reproduzidos em violação ao direito autoral com o indispensável intuito

de lucro.

O parágrafo terceiro do artigo 184 do Código Penal constitui novatio

legis incriminadora na medida em que criminaliza a violação se consistir no

oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro

sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em

um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda com intuito

de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, do autor, do artista intérprete ou

executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente. É o caso da difusão de

cópias por meio da internet.

No entanto, o artigo 184, parágrafo quarto, de redação questionável,

determina que o disposto nos parágrafos primeiro, segundo e terceiro não se aplica

quando se tratar de exceção ou limitação do direito do autor ou os que lhe são conexos,

de conformidade com o previsto na Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia

da obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem

intuito de lucro direto ou indevido.

Nos casos de infrações previstas nos parágrafos primeiro, segundo e

terceiro do artigo 184 do Código Penal, a autoridade policial procederá a apreensão dos

bens ilicitamente produzidos ou reproduzidos em sua totalidade juntamente com os

equipamentos, suportes e materiais que possibilitaram a sua existência, desde que se

destinem a prática do delito, como se lê do artigo 530 – B do Código de Processo Penal.

A formalização da apreensão determinada pela autoridade policial deverá

envolver um termo a ser lavrado e subscrito por duas testemunhas, artigo 530 – C do

Código de Processo Penal.

Na Lei 9.279/96, há o delito previsto no artigo 191, que é o crime

cometido por meio de marca, título de estabelecimento e sinal de propaganda. Na

redação do artigo 199 da Lei 9.279/96 tal crime se procede mediante ação penal pública.

Os demais crimes previstos naquele diploma legal se procedem via queixa.

Em se tratando de infração que deixa vestígios a lei exige como condição

de procedibilidade da ação penal privada, o laudo do exame de corpo de delito, de modo

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que a sua propositura só é possível após a homologação do laudo elaborado a partir da

medida preparatória de busca e apreensão.1

II – A CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE PREVISTA PARA O

PROCEDIMENTO EM TAIS DELITOS

Prevê, como se vê, o artigo 525 do Código de Processo Penal que no caso

de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for

instruída com o exame pericial dos objetos que constituirão o corpo de delito.

Como já acentuado o exame de corpo de delito(exame pericial

constatando a existência do crime) é condição de procedibilidade para o exercício da

ação penal.

Sem ele não se poderá falar em recebimento da denúncia(ações penais

públicas) e na queixa(ações penais privadas).

Não se permite que, nos crimes contra a propriedade imaterial, que o

corpo de delito seja formado por testemunhas, sendo imprescindível o laudo pericial

devidamente homologado pelo juiz e realizado com relação a coisas que devem ser

objeto de apreensão.

Na opinião de NUCCI2 se a infração deixou vestígios materiais e, no

entanto, eles desapareceram é possível a realização do exame do corpo de delito

indireto, que é efetivado por peritos, embora fundados em elementos fornecidos por

outras fontes, que não o seu contato direto com o resquício direto deixado pela infração

penal. Em sua opinião, não se considera como exame de corpo de delito indireto, a

produção de prova testemunhal(artigo 167 do Código de Processo Penal). Essa

comporia o corpo de delito indireto que não seria admissível no caso, por se tratar de

regra especial.

Sendo assim o interessado, que é o ofendido nas hipóteses de ação penal

privada ou ação penal pública dependente de representação e o Ministério Público, no

caso de ação penal pública incondicionada, ou a própria vítima, na inércia do Parquet,

deve requerer ao juiz a busca e apreensão das coisas a serem objeto de exame pericial,

oferecendo, de pronto, seus quesitos.

Na redação original do Código de Processo Penal via-se que a diligência

de busca e apreensão devia ser realizada por dois peritos nomeados pelo juiz que

deveriam verificar a existência de fundamento para a apreensão. Deveriam eles efetuar

1 RSE 797.9903/4 – Rio Claro, Relator Pires Neto, RJTDACRIM 18/174).

2 Nucci, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, São Paulo, Ed. Revista

dos Tribunais, pág. 932 e 933.

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uma vistoria, examinando e descrevendo o que for encontrado e que possa constituir

prova da infração penal, ficando, a seu critério, a apreensão dos objetos. Devem

apreender, como por certo, apenas os exemplares estritamente necessários para a

realização da perícia e eventual comprovação do delito não devendo agir de forma

genérica e indiscriminada.3

Ora, com a edição da Lei 11.690/2008 que deu nova redação ao artigo

530 – D, o laudo poderá ser elaborado por um perito judicial.

Já se entendeu que, nos crimes de ação penal pública, artigo 184, § 1º,

§2º, pode a autoridade policial instaurar inquérito policial e proceder a busca e

apreensão, na forma do artigo 240, § 1º, do Código de Processo Penal, não se aplicando

o artigo 527 do Código de Processo Penal.4

III – LAUDO PERICIAL

Uma vez feita a diligência de busca e apreensão os peritos devem realizar

o exame e elaborar o laudo pericial correspondente, respondendo os quesitos

formulados pelo requerente, pelo Ministério Público e pelo juiz. A diligência é inaudita

altera parte, de caráter preliminar.

A teor do artigo 527, segunda parte, do Código de Processo Penal, o

laudo pericial deve ser apresentado no prazo de três dias após o encerramento das

diligências.

O requerente da diligência poderá impugnar o laudo contrário à

apreensão. Uma vez impugnado o laudo o juiz pode não aceitá-las, mantendo, no todo

ou em parte, o ato dos peritos, ou aceitar, também total ou parcialmente, as razões de

impugnação. Nessa hipótese, pode mandar que seja efetuada a apreensão ou,

entendendo formalmente admissível o laudo e discordando apenas da interpretação dos

peritos, ordenar apenas que se faça a apreensão omitida.

Encerradas as diligências os autos serão conclusos ao juiz para a

homologação do laudo, artigo 528 do Código de Processo Penal. Da decisão que

homologa o laudo, seja favorável ou desfavorável, cabe recurso de apelação.

Homologado o laudo desfavorável, por certo, a ação não pode ser

intentada.

3 RT 451/405.

4 RT 631/295, dentre outros.

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IV – DECADÊNCIA

Dispõe o artigo 529 do Código de Processo Penal que não será admitida a

queixa com fundamento em apreensão e em perícia se decorrido o prazo de 30 dias,

após a homologação do laudo.

MIRABETE5 entende que o prazo envolve um instituto inominado no

processo penal pátrio em que decorrido o prazo fixado na lei, deixa de existir uma

condição para o exercício de queixa.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que se tratava de prazo de

caducidade e que a ação deveria ser proposta dentro dos seis meses que se seguem ao

conhecimento pelo lesado da autora da lesão; mas iniciado procedimento de apuração,

por medida judicial, que objetive estabelecer a prova da autoria e a materialidade do

delito, não há que falar na decadência prevista no artigo 105 do Código de Processo

Penal, e a queixa deve ser oferecida no prazo de trinta dias fixados pelo artigo 529 do

Código de Processo Penal.6

É certo que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento em que foi

Relator o Ministro Antônio Neder, DJU de 19 de novembro de 1976, pág. 10.030,

consignou que o prazo de caducidade para o ajuizamento da queixa é o de trinta dias,

contados estes de quando o ofendido toma ciência da homologação do laudo pericial, se

este for indispensável à formalização da peça.

Para NUCCI7 quando se cuidar de ação penal exclusivamente privada

tem o interessado o prazo de trinta dias – se conta os exatos trinta dias- para propor a

queixa-crime. Os autos, com a homologação do laudo, ficam em cartório à sua

disposição para tanto. O prazo não se interrompe. A ciência do ofendido da autoria do

crime faz desencadear o prazo decadencial de seis meses para a propositura da ação

penal. Assim se tomar providências nesse prazo de seis meses, solicitando as diligências

preliminares e o laudo for concluído, tem a partir daí, trinta dias para agir.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RHC 15.992/SP,

Relator Ministro Paulo Gallotti, DJe de 8 de junho de 2009, concluiu que nos crimes

contra a propriedade imaterial que deixam vestígio, o prazo decadencial para o

oferecimento da queixa é de trinta dias após a homologação do laudo pericial, consoante

dispõe o artigo 529 do Código de Processo Penal, e não de seis meses contados da

ciência da autoria delitiva. Tal prazo, que tem natureza decadencial, é contado a partir

da intimação da homologação do laudo pericial e não da data do despacho.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial

336.553/SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 24 de março de 2003, foi

5 Mirabete, Júlio Fabbrini, Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1991, pág. 546.

6 RE 95.043 – SP, Relator Ministro Oscar Correa, RTJ 103/354.

7 Nucci, Guilherme de Souza, obra citada, pág. 934.

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peremptório ao aduzir que a norma do artigo 529 do Código de Processo Penal, de

caráter especial, prevalece sobre a geral do artigo 38, desse mesmo diploma legal. Em

consequência, o direito de queixa é de 30(trinta) dias, contados da sentença

homologatória do laudo pericial. No mesmo sentido, temos o HC 12.815/SP, Relator

Ministro Felix Fischer, DJ de 19 de novembro de 2001.

V – DA DESTRUIÇÃO DOS BENS

Dispõe o artigo 530 – F do Código de Processo Penal que ressalvada a

possibilidade de se preservar o corpo de delito, o juiz poderá determinar, à

requerimento da vítima, a destruição da produção ou reprodução quando apreendida

quando não houver impugnação quanto a sua ilicitude ou quando a ação penal não puder

ser iniciada por falta de determinação de quem seja o autor do ilícito.

VI – O PRAZO DA PRISÃO EM FLAGRANE E A DIVERSIDADE DO

PROCEDIMENTO

Havendo prisão em flagrante, sem que seja o indiciado colocado em

liberdade, deve a parte interessada propor a ação em oito dias.

Se não o fizer o detido será colocado em liberdade.

Para o ofendido, ultrapassado o prazo, há decadência no ajuizamento da

ação penal.

Continua especial o procedimento para apurar os crimes contra a

propriedade imaterial.

Nos crimes em que caiba ação penal pública incondicionada ou

condicionada, observar-se-ão as normas constantes do artigo 530 – B, 530 – C e ainda

530 – D, 530 – E, 530 – G e 530 – H.. Com relação a esse último dispositivo se vê que o

juiz poderá ordenar a destruição de bens, ilicitamente produzidos ou reproduzidos e o

perdimento dos equipamentos apreendidos, desde que precipuamente destinados a

produção e reprodução de bens em favor da Fazenda Nacional.

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VII – HONORÁRIOS DE ADVOCADO E AÇÃO PENAL PRIVADA

Entende o Superior Tribunal de Justiça que é admissível a condenação do

vencido no pagamento de verbas sucumbenciais nos crimes de ação penal privada,

incluidamente os honorários de advogado, por aplicação analógica do princípio geral da

sucumbência.

Aliás, essa a posição do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do

Recurso Especial 620.177/SP, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 29 de novembro de

2004, no sentido de que na ação penal privada incide o artigo 20 do Código de Processo

Civil, observado o artigo 3º do Código de Processo Penal.

A matéria já havia sido objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal

Federal, no julgamento do RECR 91112/SP, Relator Ministro Soares Muñoz, DJU de 10

de agosto de 1979, no mesmo sentido.