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1 CRISE NA COMUNIDADE RURAL DEBRASA-MS: A DEPENDÊNCIA DO AGRONEGÓCIO Maria Aparecida de Souza Professora Ms. Efetiva do Ensino Básico/MS [email protected] Resumo Debrasa, é um distrito em área rural do município de Brasilândia/MS e depende do agronegócio da cana-de-açúcar, da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA). A empresa atualmente se encontra em crise financeira e mantém uma deficiência insustentável sobre o pagamento dos salários dos seus funcionários. O objetivo do trabalho é o de investigar a situação atual das famílias da comunidade Debrasa e as consequências geradas pela crise produtiva e financeira da usina, principalmente no setor da educação local. A investigação constará de levantamento documental e de dados utilizando-se de registros fotográficos, pesquisa na secretaria da Escola rural e questionário semi-estruturado com os estudantes. A pesquisa se encontra em andamento, porém foi possível apresentar alguns resultados preliminares. Esta situação tem afetado sensivelmente as famílias e a Escola rural do distrito. Palavras-chave: Escola rural. Comunidade Debrasa. Usina de açúcar. Álcool. Introdução A comunidade rural Debrasa é um distrito do municipio de Brasilândia, Estado de Mato Grosso do Sul, localizada em área rural da Fazenda Debrasa. O acesso à comunidade, se situa em uma entrada pela Rodovia MS 365 que liga o município de Brasilândia ao município de Bataguaçu. Esta entrada é de Estrada não pavimentado com cerca de 25 quilômetros até o povoado. O distrito se localiza a uma distância aproximada de 65 quilômetros da sede do município, e tem sua origem e desenvolvimento relacionado com a instalação do monocultivo da cana-de-açúcar e posterior implantação da usina de destilaria sucroalcooleira, a Companhia brasileira de Acúcar e Álcool (CBAA/Debrasa), unidade das Empresas do Grupo José Pessoa. A empresa sucroalcooleira Debrasa é uma das unidades da Companhia Brasileira de Açúcar e Alcool, que pertence ao Grupo José Pessoa, segundo informações da Reporter Brasil (2008), mantendo cinco unidades de produção de açúcar e alcool no Brasil, instaladas nos municípios de Japorã (SE), Campos dos Goytacazes (RJ), Icém (SP) e duas no Mato Grosso do Sul, nos minicípios de Brasilândia e Sidrolândia. O monocultivo da cana no local substituiu a criação do gado e suprimiu parte da vegetação nativa do Cerrado.

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CRISE NA COMUNIDADE RURAL DEBRASA-MS: A DEPENDÊNCIA DO AGRONEGÓCIO

Maria Aparecida de Souza Professora Ms. Efetiva do Ensino Básico/MS

[email protected]

Resumo Debrasa, é um distrito em área rural do município de Brasilândia/MS e depende do agronegócio da cana-de-açúcar, da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA). A empresa atualmente se encontra em crise financeira e mantém uma deficiência insustentável sobre o pagamento dos salários dos seus funcionários. O objetivo do trabalho é o de investigar a situação atual das famílias da comunidade Debrasa e as consequências geradas pela crise produtiva e financeira da usina, principalmente no setor da educação local. A investigação constará de levantamento documental e de dados utilizando-se de registros fotográficos, pesquisa na secretaria da Escola rural e questionário semi-estruturado com os estudantes. A pesquisa se encontra em andamento, porém foi possível apresentar alguns resultados preliminares. Esta situação tem afetado sensivelmente as famílias e a Escola rural do distrito. Palavras-chave: Escola rural. Comunidade Debrasa. Usina de açúcar. Álcool. Introdução A comunidade rural Debrasa é um distrito do municipio de Brasilândia, Estado de Mato

Grosso do Sul, localizada em área rural da Fazenda Debrasa. O acesso à comunidade, se

situa em uma entrada pela Rodovia MS 365 que liga o município de Brasilândia ao

município de Bataguaçu. Esta entrada é de Estrada não pavimentado com cerca de 25

quilômetros até o povoado. O distrito se localiza a uma distância aproximada de 65

quilômetros da sede do município, e tem sua origem e desenvolvimento relacionado

com a instalação do monocultivo da cana-de-açúcar e posterior implantação da usina de

destilaria sucroalcooleira, a Companhia brasileira de Acúcar e Álcool (CBAA/Debrasa),

unidade das Empresas do Grupo José Pessoa.

A empresa sucroalcooleira Debrasa é uma das unidades da Companhia Brasileira de

Açúcar e Alcool, que pertence ao Grupo José Pessoa, segundo informações da Reporter

Brasil (2008), mantendo cinco unidades de produção de açúcar e alcool no Brasil,

instaladas nos municípios de Japorã (SE), Campos dos Goytacazes (RJ), Icém (SP) e

duas no Mato Grosso do Sul, nos minicípios de Brasilândia e Sidrolândia.

O monocultivo da cana no local substituiu a criação do gado e suprimiu parte da

vegetação nativa do Cerrado.

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Este trabalho tem como objetivo investigar a situação atual das famílias da comunidade

Debrasa e as consequências geradas pela crise produtiva e financeira da usina CBAA

que tem gerado consequências para a Escola Estadual Debrasa.

A metodologia será de revisão bibliográfica, levantamento documental e de dados nos

órgãos públicos, mídia informacional, visando a investigação sobre crise atual da usina

de açúcar e álcool, das famílias residentes no local e da Escola Rural Debrasa,

utilizando-se de registro fotográficos, pesquisa na secretaria da Escola e conversas

informais com os moradores, trabalhadores, direção da escola e questionário semi-

estruturado com os alunos. A investigação, entrevista e levantamento de dados se

encontram em andamento, porém é possível apresentar alguns resultados preliminares

nesta etapa do envio do trabalho, mas que se pretende apresentá-lo completo na data da

realização do evento.

Características e localização da área de estudo O município de Brasilândia está situado a Leste de Mato Grosso do Sul na Microrregião

de Três Lagoas. Localiza-se na latitude de 21º15’21” Sul e longitude de 52°02’13”

Oeste, com área área de 5821,45 km2, (IBGE) e relevo apresentando altitude de 343

metros. As distâncias entre o município e a capital Campo Grande é de 352 quilômetros

e de Três Lagoas, distando apenas 65 quilômetros entre os núcleos urbanos.

A característica de solo é de Latossolo mesclando com manchas consideráveis de

Latossolo Roxo. A vegetação nativa é de Cerrado, no entanto muito suprimido pelos

tipos de ocupação e uso que outrora eram de pastagens e atualmente pelas monoculturas

da cana-de-açúcar e eucalipto.

A distância entre a sede do municipio de Brasilandia e do distrito da Debrasa é de

aproximadamente 60 quilômeto (Figura 1), sendo que 25 é de difícil acesso pela não

pavimentação, que na seca, ocorrem muitos bancos de areia e no período das

precipitações fica praticamente intransitável. A entrada para a fazenda Debrasa se

localiza na Rodovia Ms 365 Denominada Julião Lima Maia, ligando o município de

Brasilândia e Bataguaçú.

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Figura 1

Municipio de Brasilândia e distrito da Debrasa. Fonte: DUTRA, C. A. dos S. 1996

Na rodovia que liga o município de Três Lagoas e Brasilândia existe a instalação da

indústria Fibria, Internacional Paper, Votorantin na produção de papel e celulose. Este

fato leva a constatação de que a região entre os dois municípios disputam áreas para as

monoculturas de eucalipto e de cana-de-açúcar (Foto 1).

Foto 1

Fonte: Maria A. de S. (2012)

A Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil A Usina da Debrasa foi suspensa do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho

Escravo em 2007 pelas condições extremamente precárias, de trabaladores em condição

análoga à de escravos – crime que, no Código Penal, abrange situações de trabalho

degradante. Foram resgatados entre 800 a 1.000 trabalhadores indígenas (Fotos 2 e 3),

pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que flagrou o descumprimento de leis

trabalhistas (HASHIZUME, 2008).

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Fotos 2 Foto 3

Foto 2- Indios, cortadores de cana, no canavial. Foto 3- Detalhe das condições do alojamento na Usina da Debrasa em 2007. Fonte: CAMPOS (2009); Hashizume (2008).

O afastamento do Grupo José Pessoa da lista de signatários comprometidos em cortar

relações comerciais com companhias envolvidas em casos de trabalho escravo

contemporâneo, foi gerada pela reincidência em novos casos de trabalho degradante em

empreendedoras do grupo, conforme Hashizume (2007), que levou à exclusão das

empresas do Grupo José Pessoa, Agriholding, Agrisul Agrícola Ltda, Companhia

Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA) Debrasa e Jotapar, do Comitê de Monitoramento

do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O Pacto Nacional pela

erradicação do trabalho análogo ao trabalho escravo no Brasil considera na alínea "d"

que todo foco de trabalho forçado em áreas rurais, tem característica de escravidão e na

alínea "c", considera que todo trabalho forçado são graves violações aos Direitos

Humanos, expressamente condenados pela Declaração dos Direitos Humanos, pela

Convenção Internacional do Trabalho - OIT, e pela Convençao Americana sobre os

Direitos Humanos. Este Pacto resultou na consideração de grande importância, nas

agendas que comprometa as empresas e entidades empenhadas para a responsabilidade

social e o desenvolvimento sutentável tão propagado nos dias atuais.

Sobre as metas a serem seguidas pelas empresas, são estabelecidas as regulamentações

das relações de trabalho nas cadeias produtivas, nas obrigações trabalhistas e

previdenciárias e segurança no trabalho. O não cumprimento destes direitos é

identificado como condições degradantes de trabalho que caracterizam práticas

semelhantes à escravidão.

Considera-se importante essa introdução-informação referente à situação da Usina

CBAA da Debrasa, porque pode ter relação aos problemas enfrentados pela população

moradora no distrito, apesar de que, conforme a reportagem, registros encontrados em

posse dos fiscais da Delegacia Regional do Trabalho (DRT/MS) e do Ministério Público

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do Trabalho (MPT/MS), declara que a empresa, em outras ocasiões já fora autuada e

denunciada por transgredir as normas de segurança no trabalho e por atraso no

pagamento dos funcionários.

A instabilidade dos trabalhadores da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool Debrasa. A maioria das famílias moradoras do distrito da Debrasa é dependente do emprego na

usina de álcool. Há uma atual crise na empresa que conforme comentários informais,

possivelmente tenha se agravado em consequência do fato ocorrido em 2007, que

resultou na proibição por tempo determinado da ocupação da mão-de-obra indígena nos

campos de cana da Usina Debrasa, que conforme relato da imprensa, [..] "as condições encontradas são extremamente degradantes". Em todos os alojamentos destinados aos indígenas foram encontrados objetos e roupas e calçados muito sujos espalhadas pelo chão, além de pratos e marmitas com restos de comida (partilhada com animais). Não havia roupas de cama e de banho e os trabalhadores eram obrigados a providenciá-los, além de comprar as marmitas, garrafas de água, talheres, papel higiênico e outros produtos de higiene pessoal. Também foi constatado atraso no pagamento de salários e o não recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço [...]" (HASHIZUME, 2008).

Além dos problemas relatados sobre as condições degradantes com os índios

trabalhadores no corte da cana, irregularidades com o transporte de trabalhadores

também de outros setores foram encontradas, como veículos não autorizados para o

transporte de pessoas, e em péssimas condições tanto físicas como insalubres e

desconfortáveis, alguns motoristas com habilitaçõe vencidas ou não compatíveis com o

cargo executado. Foi também notificada pela equipe móvel de combate ao trabalho

escravo, a falta de segurança para o trabalhador no campo, plantio e corte da cana, como

também a falta de suporte de descanso nos horário das refeições e higiene.

Atualmente os índios voltaram a trabalhar na usina, porém em número menor de

indivíduos, e as condições de moradia foram melhoradas, inclusive com uma

funcionária paga pela empresa para manter o alojamento limpo.

A resistência dos trabalhadores em permenecer na Usina Segundo Antunes e Alves (2004) a luta cotidiana pela sobrevivência ultrapassa as

fronteiras humanas. Os processos de marginalizações e empobrecimento tomam

proporções quantitativo-qualitativamente em hierarquizações. Em todos os sentidos, se

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hierarquizam. Combinados a estes protótipos há um processo crescente de alienação. A

alienação advém com a transformação da vida em coisas, resultando em desumanização.

Os excluídos desumanizados são alienados porque são excluídos de todos os processos,

até mesmo do processo de viver, por isso, alienados. Antunes e Alves (2004) utilizam a

palavra estranhamento para se referirem a alienação no campo do trabalho. O trabalho

faz parte da vida do ser humano. A alienação-estranhamento do trabalho ocorre quando

o trabalhador perde o controle-conhecimento do processo produtivo como um todo.

Neste ano de 2012, os funcionários da Usina Debrasa têm sofrido com as

irregularidades do pagamento que vem ocorrrendo com frequência. Ficaram três meses

sem receber desde o início do ano, receberam os atrasados no final de junho e

novamento no próximo dia trinta do mês de julho, se não houver a regularização dos

meses atrazados, completará novamente mais três meses sem pagamento. Através de

informações colhidas pelos moradores, a Usina de açúcar e álcool está endividada e por

isso, não consegue regularizar a folha de pagamento. Este relato informal pode estar

correto já que neste ano não haverá a safra e a usina não vai realizar a destilaria. A cana

que já está no porte de colheita será vendida para outras usinas.

Para os funcionários que trabalham com o maquinário, em laboratórios e outros setores

que não diretamente com o plantio e colheita da cana, a empresa, segundo informações

dos funcionários, estava com uma proposta de realizar rodízios entre os funcionários da

Debrasa cedidos temporariamente às outras usinas do grupo, já que além de não estar

necessitando destes tipos de manutenção, também não estão recebendo o salário. No

entanto, tudo indica que sem o pagamento em dia, os trabalhadores, não querem correr o

risco de se deslocarem para outros municípios deixando a família sem condições

financeiras para se manterem. Está havendo um impasse entre a empresa e os

funcionários, como eles mesmos conversam entre sí: "Querem que trabalhemos e nos

ameaçam de que se não trabalharmos não receberemos, mas nós não estamos recebendo"!

O que se observa através dos relatos é como se estivessem utilizando a estratégia da

"operação tartaruga", e o que se presencia é um grande descontentamento e revolta.

Resultados e discussões. Este quadro apresentado da vida das famílias do povoado da Debrasa tem demonstrado

consequências significativas em todos os setores do distrito, já que a situação tem

obrigado a famílias a deixarem o lugar para procurarem emprego em outras usinas do

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mesmo grupo ou até mesmo em outros Estados como tem ocorrido, por exemplo,

mudanças para o estado de Goiás. Não são poucas as famílias que tem deixado o

povoado da Debrasa. Em conversas com os moradores, mães de famílias, quando já

estavam comentando sobre a insustentabilidade da situação, diziam que a comunidade

da Debrasa acabaria se transformando em um lugar fantasma, porque não ia ficar

ninguém morando em um lugar, onde se trabalha sem receber. Ao perguntar se elas

tinham idéia de quantas famílias já tinham se mudado, disseram que por volta de trinta e

que já sabiam de mais algumas que também iam deixar a Debrasa. Ao percorrer o

povoado, foi possível obter uma estimativa de quantas casas estavam vazias e

abandonadas, embora não muito fácil por se tratar de um lugarejo em que ocorram

muitos trabalhadores sazonais, significando que existem os tipos de construções longos

com vários quartos de aluguéis, foram constatados por volta de 26 casas fechadas.

Um fator que não se pode deixar de levar em conta é com relação ao comércio local. Por

se tratar de uma pequena vila, o pequeno comércio local sofre pela falta do pagamento

das famílias que somente contam com aquela renda. A população prefere procurar a

cidade mais próxima, Bataguaçú, embora o distrito pertença ao município de

Brasilândia, os moradores do distrito preferm ir às compras em Bataguaçu que se

localiza a uma distância de quarenta quilômetros.

Dos alunos entrevistados, oito deles disseram que a família dependia do tabalho na

usina Debrasa, e seis que não dependiam. Entretanto, certamente que os estudantes

consideraram somente os pais que trabalham diretamente na usina, sem considerar que

outros tipos de serviços também podem indiretamente dependerem da usina, como o

comércio, os profissionais da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura,

construção civil, etc. Em um levantamento aleatório sem muito rigor, foi constatato

vinte e um estabelecimento comercial fechado no lugarejo.

Quanto ao tempo de residência das famílias na Debrasa, dos alunos entrevistados

precebeu-se que a maioria reside no distrito a mais de cinco anos, alguns entre nove a

dezoito anos. Pode até ser um número irrisório, mas alguns alunos nasceram na

Debrasa. Estes dados instigam para uma análise não apenas quantitativa, que são

importantes, mas também e principalmente uma análise qualitativa, do que representa

para estas famílias terem que sair do seu lugar (Foto 4 e 5), lembrando as reflexões

realizadas por Hasbaert, das desterritorialidades. Daquele "lugar" que só oferece um

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tipo de profissão e que passaram muitos anos de sua vida se dedicando àquele tipo de

trabalho, de vida e o que realmente uma empresa desde porte representa para elas.

Foto 4 Foto 5

Comunidade Debrasa. Fonte: Maria A. de Souza (2012)

Foram surpreendentes as respostas dos estudantes, apesar de a pesquisa não ter

finalizado e que por este motivo foram poucos os alunos entrevistados, sobre a opinião

do motivo de tantos moradores estrarem deixando a Debrasa. As respostas foram cem

por cento unânimes: pela falta de pagamento do salário em dia. Para exprimir este fato,

alguns relatos serão transcritos abaixo:

"Porque a usina da Debrasa não pagam ninguém"; Por não tá tendo pagamento"; Porque

o pagamento atrasa demais"; Porque não está pagando no mês certo" Eu ajo é porque no

José pessoa não está pagando direito os mes atraza" ; "Porque sem pagamento não tem

como viver"; "Pq o pagamento ñ está saindo no dia certo eles preciza dessa usina p/ sua

sobrevivência. Eles vai em busca de um serviço melhor ou seja melhorar de vida"

As consequências da crise da usina CBAA/Debrasa na educação. É notável como a maioria das famílias do povoado da Debrasa depende do trabalho na

usina de açúcar e álcool. Não é necessário esforço algum para ouvir nas mercearias,

padarias, ruas, esquinas e escola comentários a respeito da crise financeira da Usina e

consequentemente dos trabalhadores. Assim como também é visivel perceber o estresse

e irritabilidade que afetam tanto os pais de família quanto os estudantes que estão

sempre cientes de todo o processo de instabilidade, afetando no desenvolvimento de

aprendizagem, interesses e motivação para o estudo dos alunos e a comunidade geral da

Escola. A Escola Estadual Debrasa possui uma boa estrutura, com dois pisos, capaz de

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receber alunos nos três períodos, como em outros tempos já fora oferecido o ensino no

período noturno, porém atualmente só trabalha com os turnos matutinos e vespertinos.

A escola possui doze salas de aula e dois laboratórios de informática no piso superior, e

embaixo fincionam a secretaria, diretoria, sala de professores, duas salas de

coordenação, uma biblioteca, a cozinha, um refeitório, pátio espaçoso, e quadra de

esportes. (Foto 6).

Os estudantes nunca sabem até quando vão continuar estudando na Escola da Debrasa.

A vulnerabilidade porque passam os seus pais estão afloradas de tal forma que se reflete

em sala de aula. A cada dia, comenta-se sobre algum aluno que vai embora. Segundo a

direção da escola, desde o início das aulas neste ano de 2012, a escola já perdeu

cinquenta alunos. Foto 6

Escola Estadual Debrasa. Fonte Maria A. de Souza (2012)

Em pesquisa na secretaria da Escola, os documentos analisados constam que em 2007,

ano em que houve a autuação da Usina sucroalcooleira da Debrasa, pelo Ministério

Público do Trabalho, o número de alunos no início do ano era de trezentos e setenta e

dois e no término do ano eram de trezentos e dez, resultando, portanto em sessenta e

dois alunos que saíram da Escola. Em 2008 a perda foi de sessenta e sete; em 2009 foi

de vinte e três; em 2010 a perda foi de vinte e seis; em 2011 foram de quatorze alunos.

Se a análise dos dados documentais levarem em conta somente os números, a perda de

alunos de 2007 a 2011 foi de cento e quarenta e nove alunos. Logicamente que não se

podem considerar somente números, como também as perdas pode não significar a

saída das famílias do local.

Embora tenha sido interessante o levantamento realizado na secretaria da escola sobre

os números de alunos transferidos desde o ano de 2007, o objetivo desta pesquisa é

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analisar o número de alunos que deixaram a escola neste ano de 2012, pela hipótese de

que, ainda não comprovado, neste ano a usina CBAA esteja em uma grave crise

financeira, e é comprovado que nunca houve outro tempo em que tantas famílias

tiveram que deixar o distrito.

A Escola Rural da Debrasa iniciou o ano de 2012 com duzentos e oito alunos. Do início

do ano de 2007 ao início do ano de 2012, a perda de alunos foi de cento e sessenta e

quatro alunos. O interesse especial para a análise do número de alunos que estão

deixando a escola se deve ao fato de que pode estar havendo uma crise na empresa de

maior expressividade que nos anos anteriores. Porém, não se deve afirmar que todos os

estudantes que deixam a escola sejam pela mudança da família em busca de um

emprego em outros locais. Podem existir outros motivos que são comuns no cotidiano

das escolas como a evasão. No entanto, quando houve o comentário da direção escolar

sobre a saída de cinquenta alunos, foi utilizado o termo "perda", referente às mudanças

de famílias pela situação de instabilidade na Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool.

A pesquisa está em andamento e os resultados preliminares já demonstram

preocupações com um futuro próximo da Escola Debrasa.

Nas salas do Ensino Fundamental do sexto ao nono ano, é possível verificar do início do

ano letivo em sete de fevereiro até oito de julho, portanto um semestre letivo, a

alteração no quadro de alunos.

No sexto ano do Ensino Fundamental a sala de aula iniciou com vinte alunos e foram

transferidos três alunos; no sétimo ano teve início com vinte e quatro alunos e houve

três transferências; no oitavo ano a sala contava com dezoito alunos no início e houve

quatro transferências. O nono ano foi o único que não ocorreu transferência,

permanecendo doze alunos em sala. Foram transferidos dez alunos do sexto ao oitavo

ano do Ensino Fundamental, no primeiro semestre de 2012.

No primeiro ano do Ensino Médio, as aulas iniciaram com vinte e dois alunos e somente

um aluno foi transferido. O segundo ano iniciou o ano letivo com dez alunos e

atualmente a sala conta com oito alunos. O terceiro ano iniciou com desesseis alunos e

foram transferidos três alunos. No Ensino Médio a perda de alunos foi de seis alunos.

Na soma, foram transferidos no primeiro semestre, sem contar com as primeiras séreis

iniciais no Ensino fundamental, 16 alunos. Estes dados não são totalmente oficiais,

porque foram retirados dos diários de classe e não da secretaria.

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Considerações preliminares Dos alunos entrevistados, a maioria sabia da existência de trabalho escravo no Brasil

nos dias atuais, mas não sabiam sobre o afastamento da Usina CBAA/Debrasa do Pactro

contra o trabalho escravo. Porém, estão cientes da situação em que o(s) proprietário(s)

da usina está colocando suas famílias.

A tensão, insegurança e revolta está presente em todos os estabelecimentos do lugar e

até mesmo nas ruas. É o comentário geral. É nas conversas informais que se consegue a

maioria das informações e também é onde se percebe a angústia e comportamento das

pessoas envolvidas neste processo. Existem famílias passando fome, ouve-se sem

mesmo perguntar. Percebe-se que os trabalhadores estão perdidos sem saberem como

agir e isto se reflete dentro das famílias e dentro da Escola. A tensão é tão grande, que

telefonemas estão sendo direcionadas à direção da Escola perguntando se a escola vai

fechar. Há também uma instabilidade no ambiente escolar, pois além da insegurança dos

alunos, sem saber se continuarão ou não a estudar na escola Debrasa, professores se

sentem tensos porque a maioria deles são apenas contratados. Em alguns comentários

chega-se a ouvir algumas sugestões dos trabalhadores para o grande proprietário, como

se valesse: "vender uma das usinas para conseguir pagar as dívidas e os salários

atrasados", mas logo vem a respostas deles próprios, que o proprietário já deixou claro

que não vai vender, nem que perca tudo. Neste momento há uma grande apreensão tanto

pelos moradores como pelos agentes da Escola, após o recesso do meio do ano, quando

voltarem às aulas, pois já é esperado que diminua ainda mais os alunos da Escola.

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DUTRA, Carlos A dos S. Distrito Debrasa. Brasilândia, 1996. HAESBAERT, R. 2004. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi- territorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. HASHIZUME, Beatriz Camargo e Maurício. Fiscais resgatam 831 indígenas de usina de cana-de-açúcar no MS. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/agência/ 2008. Acesso em 03 de junho 2012. H.C. Exploração de indígenas nos canaviais do MS é histórica. 2008. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/tag/trabalho-degradante/ Acessado: 04 de jun de 2012. NETTO, Ibiapaba. Uma mancha no Grupo J. Pessoa. Disponível: http://www.terra.com.br/revistadinheirorural/edições/39/artigo72602-1.htm. Acessado em 04/jun/2012. REPORTER BRASIL. Grupo José Pessoa é excluído de Pacto contra escravidão. 2008. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/pacto/ Acessado em 04/ jun/2012.