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A naturalidade de um Qorpo Texto do autor gaúcho é encenado no centro da Capital Edélcio Mostaço Especial para o Anexo Florianópolis - Surpreendidos por estranhas figuras, deslocadas de época, os passantes da rua Conselheiro Mafra vêm assistindo a uma representação inusitada. Trata-se de "As Relações Naturais", montagem dos alunos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) sob a direção de José Ronaldo Faleiro. Em roupas de dormir, as criaturas percorrem a rua e se instalam nos balcões das casas históricas, levando o público a decifrar - ou tentar decifrar - a seqüência de ações, situações e conflitos. O autor é um gaúcho nascido em 1829, autodenominado Qorpo Santo, alcunha com que assinou diversas peças teatrais e uma "Ensiqlopédia", amálgama de textos inteiramente fora das convenções da época. Este universo coalhado de non-sense e surrealismo permaneceu desconhecido até os anos 60, quando algumas retomadas de sua obra elevaram-no ao rol de nossos mais ousados escritores do século 19, em parelha com o maranhense Souzândrade e o baiano Kilkerry. Vítima de um surto psicótico, Qorpo Santo foi internado em Porto Alegre, o que talvez explique porque sua obra tenha permanecido no limbo, julgada apenas como produto de uma mente doentia. "As Relações Naturais" é considerada a mais regular das 17 peças de sua lavra. A discussão centra- se sobre os deslocamentos entre a moral conveniente, regulada pelos interditos sociais, e as verdadeiras pulsões que acometem os indivíduos, independentemente de suas ligações sociais e familiares. O que gera, com grotesca veracidade, incestos e desencontros que desafiam os padrões estabelecidos. A rua Conselheiro Mafra, neste sentido, resume esta ambigüidade erótica latente na cidade, tendo sido escolhida para abrigar a encenação. A montagem é eficiente, embora lhe falte espontaneidade e maior exploração das absurdas situações enfocadas. Alguns atores se ressentem da falta de apoio das paredes de um palco, tímidos no contato direto com o público. Loren Fischer, Débora Matos, Irene Sena e Marianne Tezza mostram-se mais à vontade do que Malcon Jean Bauer e Igor Lima, bons atores incompreensivelmente apagados. Os demais cumprem, sem relevo, seus papéis. Embora a direção de arte de Luana Raiter situe, a contento, a visualidade quase surreal do entrecho, bem poderia ter explorado adereços e figurinos com maior impacto. Esta montagem curricular oferece aos jovens formandos uma excelente oportunidade de exercício sobre um material estético altamente provocativo, explorando facetas pouco conhecidas de nosso passado teatral. E ao público, um contato também pouco freqüente com o teatro de rua, quebrando a regularidade de um cotidiano marcado pela mesmice e repetição. Edélcio Mostaço, crítico de teatro. .............................................. Teatro na rua Florianópolis - Desde ontem, está de volta à rua Conselheiro Mafra, o espetáculo "As Relações Naturais". Sempre às 17 horas, será apresentado hoje, amanha e quinta-feira, sendo retomada do dia 30 até 3 de julho. O trabalho é o resultado da cadeira de montagem 2, da oitava fase de artes cênicas do Centro de Artes (Ceart) da Udesc, que estreou na semana passada. Com boa receptividade do público que passava pelo centro, com jogo e domínio de cena, os atores conquistaram o seu espaço em um ambiente singular, a rua. O texto do gaúcho José Joaquim de Campos Leão, autodenominado Qorpo Santo, escrito em 1866 amargou cem anos de espera até ser encenado pela primeira vez, em 1966, por Antônio Carlos Sena, no Teatro do Clube de Cultura, em Porto Alegre. A mesma montagem foi apresentada no 5o

Crítica de peças

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A naturalidade de um Qorpo

Texto do autor gaúcho é encenado no centro da Capit al Edélcio Mostaço

Especial para o Anexo

Florianópolis - Surpreendidos por estranhas figuras, deslocadas de época, os passantes da rua

Conselheiro Mafra vêm assistindo a uma representação inusitada. Trata-se de "As Relações Naturais", montagem dos alunos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) sob a direção de José Ronaldo Faleiro. Em roupas de dormir, as criaturas percorrem a rua e se instalam nos balcões das casas históricas, levando o público a decifrar - ou tentar decifrar - a seqüência de ações, situações e conflitos. O autor é um gaúcho nascido em 1829, autodenominado Qorpo Santo, alcunha com que assinou diversas peças teatrais e uma "Ensiqlopédia", amálgama de textos inteiramente fora das convenções da época.

Este universo coalhado de non-sense e surrealismo permaneceu desconhecido até os anos 60, quando algumas retomadas de sua obra elevaram-no ao rol de nossos mais ousados escritores do século 19, em parelha com o maranhense Souzândrade e o baiano Kilkerry. Vítima de um surto psicótico, Qorpo Santo foi internado em Porto Alegre, o que talvez explique porque sua obra tenha permanecido no limbo, julgada apenas como produto de uma mente doentia. "As Relações Naturais" é considerada a mais regular das 17 peças de sua lavra. A discussão centra-se sobre os deslocamentos entre a moral conveniente, regulada pelos interditos sociais, e as verdadeiras pulsões que acometem os indivíduos, independentemente de suas ligações sociais e familiares. O que gera, com grotesca veracidade, incestos e desencontros que desafiam os padrões estabelecidos. A rua Conselheiro Mafra, neste sentido, resume esta ambigüidade erótica latente na cidade, tendo sido escolhida para abrigar a encenação.

A montagem é eficiente, embora lhe falte espontaneidade e maior exploração das absurdas situações enfocadas. Alguns atores se ressentem da falta de apoio das paredes de um palco, tímidos no contato direto com o público. Loren Fischer, Débora Matos, Irene Sena e Marianne Tezza mostram-se mais à vontade do que Malcon Jean Bauer e Igor Lima, bons atores incompreensivelmente apagados. Os demais cumprem, sem relevo, seus papéis. Embora a direção de arte de Luana Raiter situe, a contento, a visualidade quase surreal do entrecho, bem poderia ter explorado adereços e figurinos com maior impacto.

Esta montagem curricular oferece aos jovens formandos uma excelente oportunidade de exercício sobre um material estético altamente provocativo, explorando facetas pouco conhecidas de nosso passado teatral. E ao público, um contato também pouco freqüente com o teatro de rua, quebrando a regularidade de um cotidiano marcado pela mesmice e repetição.

Edélcio Mostaço , crítico de teatro.

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Teatro na rua

Florianópolis - Desde ontem, está de volta à rua Conselheiro Mafra, o espetáculo "As Relações Naturais". Sempre às 17 horas, será apresentado hoje, amanha e quinta-feira, sendo retomada do dia 30 até 3 de julho. O trabalho é o resultado da cadeira de montagem 2, da oitava fase de artes cênicas do Centro de Artes (Ceart) da Udesc, que estreou na semana passada. Com boa receptividade do público que passava pelo centro, com jogo e domínio de cena, os atores conquistaram o seu espaço em um ambiente singular, a rua.

O texto do gaúcho José Joaquim de Campos Leão, autodenominado Qorpo Santo, escrito em 1866 amargou cem anos de espera até ser encenado pela primeira vez, em 1966, por Antônio Carlos Sena, no Teatro do Clube de Cultura, em Porto Alegre. A mesma montagem foi apresentada no 5o

Festival Nacional de Teatro de Estudantes, no Rio de Janeiro, em 1968, numa sessão especial. A partir daí, a crítica especializada aclamou o autor como o precursor do teatro do absurdo ou do surrealismo no teatro.

Qorpo Santo (Triunfo, 1829 - Porto Alegre, 1883) foi um atormentado. Em sua agitada vida exerceu atividades de comerciante, professor, eleitor-vereador, subdelegado de polícia e escritor. Escreveu 17 peças. "As Relações Naturais" apresenta, num ambiente caótico, a coexistência de vários tipos de relacionamentos sensuais, com a alternância de dois planos básicos que dissecam as ambigüidades dos afetos familiares. O desejo e o prazer são temas que o autor discute. No elenco estão Débora Matos (Júlia), Flávia Janiaski (Marca), Igor Lima (Impertinente), Irene Sena (Consoladora), Loren Fischer (Mariposa), Luana Raiter (Truque-truque), Luis Henrique, o Cudo (Inesperto), Malcon Bauer (Malherbe), Marianne Tezza (Mildona), Milena Mores (Intérpreta), Rudmar Marcos (Indivíduo). A direção de arte é de Luana Raiter. José Ronaldo Faleiro assina a direção, tendo como assistentes Marianne Tezza e Pedro Bennaton.

O QUÊ: Espetáculo As Relações Naturais. QUANDO: Dias 24, 25, 26, 30, 1º, 2 e 3 de julho, 17h. ONDE: Rua Conselheiro Mafra, 427, em frente à loja Singer e à Galeria Jaqueline. QUANTO: Gratuito.

Fonte : http://www1.an.com.br/2003/jun/24/0ane.htm