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CRÔNICA HISTÓRICA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO (volume I) Luiz Carlos Pais

CRÔNICA HISTÓRICA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO (volume I) · regiões do país, os primeiros imigrantes europeus estavam chegando para substituir a mão-de-obra escrava e começaria

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CRÔNICA HISTÓRICA DE

SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO

(volume I)

Luiz Carlos Pais

Luiz Carlos Pais

CRÔNICA HISTÓRICA DE

SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO

(volume I)

1ª Edição

Edição do Autor Campo Grande – MS

2016

Copyright © 2016 by Luiz Carlos Pais

Editoração Eletrônica

Maria Massae Sakate

Pais, Luiz Carlos.

Crônica Histórica de São Sebastião do

Paraíso (Volume I) / Luiz Carlos Pais

Campo Grande. MS

Edição do Autor

Xxp. 1ª Edição

ISBN 978-85-919865-0-7

1.História. 2. História Regional. 3. Educação.

4. Cultura. 5. São Sebastião do Paraíso.

I. Título.

Todos os direitos reservados pelo autor. Nenhuma parte desta

publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos,

eletrônicos, seja por via xerográfica sem autorização prévia do

editor autor.

Luiz Carlos Pais

Edição do Autor

Campo Grande – MS

[email protected]

Dedico este livro à memória de minha mãe, a Dedico este livro à memória de minha mãe, a Dedico este livro à memória de minha mãe, a Dedico este livro à memória de minha mãe, a

costureicostureicostureicostureira Terezinha Lizarelli Paes, e dra Terezinha Lizarelli Paes, e dra Terezinha Lizarelli Paes, e dra Terezinha Lizarelli Paes, e do meu o meu o meu o meu

pai, o sapateiro poeta José Paespai, o sapateiro poeta José Paespai, o sapateiro poeta José Paespai, o sapateiro poeta José Paes. . . . Eles Eles Eles Eles

souberam mostrar aossouberam mostrar aossouberam mostrar aossouberam mostrar aos filhos filhos filhos filhos

os caminhosos caminhosos caminhosos caminhos corretos corretos corretos corretos da vida e da vida e da vida e da vida e

um jeito um jeito um jeito um jeito bom bom bom bom de de de de viver.viver.viver.viver.

Sumário

1. Primeiras palavras

2. Cônego Affonseca e Silva (1884)

3. Gabinete de Leitura (1889)

4. Gedor Silveira (1899)

5. Padre Benatti (1906)

6. Iluminação Elétrica (1910)

7. Grupo Escolar Campo do Amaral (1916)

8. Normalistas de Paraíso (1920)

9. Visita do ministro (1942)

10. Expedição Botânica (1945)

1. Primeiras palavras

Este livro reúne uma série de crônicas históricas que escrevi para retornar ao cenário motivador da cidade de São Sebastião do Paraíso, importante polo cafeicultor do sudoeste mineiro, a saudosa terra natal. São textos que foram publicadas, em 2015, no Jornal do Sudoeste, com pequenas adaptações ou acréscimos feitos por sugestões de leitores ou devido a descoberta de novos fragmentos. A principal intenção não é reivindicar nenhuma verdade sobre os eventos descritos. Antes de fazer sínteses mais expressivas, há uma tarefa precedente que consiste em investir esforços para recolher e difundir fontes que possam contribuir no eterno retorno necessário para obter mais um lance de aproximação da história. Nesse sentido, procuro destacar vínculos com outras referências mais amplas, que articulam as esferas globais e regionais nos diferentes temas e períodos focalizados.

As constantes buscas de fontes são motivadas ainda pelo pressuposto que tomar como referência eventos ocorridos nas raízes da terra natal é um caminho que expande o significado da história, que vai muito além do pólo cafeicultor do sudoeste mineiro. Ainda persiste o desafio de superar a repulsa provocada por aqueles velhos livros escolares, que propagam a ideologia de priorizar a história dos reis, generais, papas e vencedores, como se o leitor não tivesse nenhuma relação com os fatos descritos. Esse conto da carochinha causou um enorme prejuízo que está sendo combatido na atualidade, pelos autores filiados à nova história crítica e social.

Ao vivenciar esse retorno motivado pelas entranhas mais distantes de nossas referências existenciais, é bom lembrar que as raízes históricas de São Sebastião do Paraíso remontam aos últimos dias do período colonial, quando foi erguida a primeira capela consagrada ao santo padroeiro da localiza, em 1821. Portanto, são quase dois séculos que envolvem sinuosas vertentes que marcaram a trajetória de vida de seus moradores.

Os eventos tratados neste livro pertencem ao período de seis décadas, de 1884 a 1945, e inserem traços da instrução escolar numa série cronológica caracterizada pela criação de instituições pioneiras com seus avanços e recuos. Em 1884, o cônego Thomaz de Affonseca e Silva, exerceu sua autoridade sacerdotal em defesa do fim da escravidão, nas fazendas de café do município. Logo após a assinatura da Lei Áurea, o mesmo sacerdote liderou, com outros cidadãos beneméritos, a criação de uma biblioteca pública ou de um Gabinete Leitura, em 1889, onde existiu uma escola para adultos pobres.

Uma década depois, dois ilustres professores públicos fixaram residência em São Sebastião do Paraíso. Gedor Silveira e sua esposa Luiza Aurora de Aguiar Silveira que eram formados em tradicionais Escolas Normais de Minas. Esses dois educadores se somaram a outros que atuaram, nas escolas primárias isoladas, no início do século XX, e na instauração do primeiro Grupo Escolar da cidade, cujas aulas foram inauguradas no dia 1º de fevereiro de 1916. Em sintonia com essa trajetória, desde 1906, a expansão da educação escolar em Paraíso contou com a liderança do Padre Aristóteles Aristodemus Benatti, pároco da Igreja Matriz, que instalou o Ginásio Paraisense, em fevereiro de 1907, e três anos depois, também criou o primeiro Curso Normal, dando início à história da formação de professores na cidade.

Depois de uma década, o Curso Normal do Ginásio Paraisense protagonizou um momento marcante que foi a formação dos normalistas de 1920, turma a qual pertencia o saudoso professor Benedito Ferreira Calafiori. Desse modo, o período fixado chefa a 1945, quando a cidade foi visitada por dois renomados cientistas que fizeram uma expedição para pesquisar espécies que não estavam ainda descritas nos catálogos botânicos.

Nessas seis décadas que constituem o período fixado a cidade vivenciou importantes aspectos na expansão quanto ao acesso das classes populares à instrução e na melhoria das condições gerais de vida da comunidade. A descrição dos eventos e a produção dos fatos narrados foram possíveis graças à contribuição de várias pessoas que ajudaram a relembrar os traços da memória coletiva local. Visitar a terra natal é sempre uma oportunidade

para reencontrar uma riquíssima diversidade de traços motivadores do retorno da história, presentes vivamente na memória coletiva e nos monumentos da cidade.

Nesse sentido se faz necessário expressar aqui meus agradecimentos a todos que ajudaram a recuperar detalhes preciosos que estão inseridos na composição da história. Um agradecimento especial deve ser registrado ao jornalista e militante cultural Nelson de Paula Duarte, que tem cuidado da publicação de minhas crônicas no Jornal do Sudoeste. Finalmente, agradeço aos amigos e leitores que enviam mensagens sobre os textos publicados, seja para propor temas, acrescentar dados ou sugerir correções.

2. Cônego Affonseca e Silva (1884)

Natural de Paracatu, Minas Gerais, o cônego Thomaz de Affonseca e Silva era membro de uma grande família de descendentes de portugueses. Ainda no final do século XVIII, três irmãos se embrenharam nos sertões mineiros para tentar fortuna com a exploração de ouro. Foram exitosos, fizeram fortuna e compraram grandes extensões de terra. Após o esgotamento do garimpo de aluvião, dois dos três irmãos deixaram a região de Paracatu, onde permaneceu o mais velho arqueado pelos longos anos de trabalho e aventura. Os dois irmãos mais novos buscaram outros locais onde pudesse ainda encontrar ouro sobre a superfície da terra. Um deles resolveu desbravar os sertões do Desemboque e outro foi para Araxá.

Consta que quando os ricos irmãos se tornaram donos de grandes fazendas, eles eram generosos com as pessoas mais pobres. Dotados de espírito abolicionistas, tinham por princípio alforriar, na pia batismal, crianças escravas do sexo feminino. São raízes distantes que explicam os ideais abolicionistas do cônego Thomaz, que a família mandou estudar no Colégio do Caraça, de onde saiu para ingressar no Seminário de Mariana. Depois de ordenado, serviu na diocese de São Paulo, que ainda administrava várias paróquias do sudoeste mineiro. Foi nomeado então como pároco da Igreja Matriz de São Sebastião do Paraíso. Dotado de ampla cultura eclesiástica, quando estava nessa cidade, publicou na imprensa nacional um artigo canônico sobre o casamento de escravos.

A ênfase destacada pelo padre abolicionista, no referido artigo, consistia em chamar atenção para o conteúdo do que previa a constituição do Arcebispado da Bahia sobre o direito dos escravos receberem na Igreja o ritual do casamento. Por outro lado, a referida constituição era adotada como referência na Diocese de São Paulo. No entendimento do autor, os padres não poderiam esquecer o direito dos escravos ao sacramento do matrimônio. O texto foi publicado em um jornal do Rio de Janeiro:

“Conforme o direito Divino e Humano, os escravos e escravas podem casar com outras pessoas cativas ou livres e seus senhores não podem lhes impedir o direito ao matrimônio, nem fazer uso dele, em tempo e lugar conveniente, nem por este respeito os podem tratar pior, nem vendê-los para outros lugares remotos, para onde o outro, por ser cativo, ou por ter outro justo impedimento não possa seguir. Se seus senhores fizerem o contrário pecam mortalmente, e tomam

sobre suas consciências as culpas de seus escravos, que por este temor se deixem muitas vezes estar e permanecer em estado de condenação. Pelo que lhes mandamos e encarregamos muito, que não ponham impedimentos aos seus escravos que modo a impedir que eles se casem, e nem com ameaças e mau tratamento lhes encontrem o uso do matrimônio em tempo e lugar conveniente, nem depois de casados os vendam para partes remotas de fora, para onde suas mulheres, por serem escravas, ou terem outro impedimento legítimo, não os possam seguir. E declaramos, que posto que casem, ficam escravos como antes obrigados a todo serviço do seu senhor. Mas o sacramento deve ser administrado somente se eles estiveram capazes. Mandamos aos vigários, coadjutores, capelães e quaisquer outros sacerdotes do nosso Arcebispado, que antes que recebam os ditos escravos e escravas, os examinem para verificar se eles sabem a doutrina cristã, ao menos o Padre Nosso, Ave Maria, Creio em Deus Padre, Mandamentos da Lei de Deus e da Santa Madre Igreja. Também deve-se verificar se entendem a obrigação do Santo Matrimônio, que querem tomar, e se há intenção de permanecer nele para serviço de Deus e bem de suas almas. Mesmo que eles não entendam estas coisas, devem ser acolhidos até saberem e sabendo-as os recebam. Conformando-nos com a Bula do Papa Gregório XIII, de 25 de Janeiro de 1585, mandamos que todos os párocos, quando receberam alguns escravos dos convertidos a pouco tempo, em que haja suspeita de que não estão casados na sua terra – posto que não sacramentalmente – com eles dispense no dito antigo matrimônio. São Sebastião do Paraíso. Cônego Thomaz de Affonseca e Silva.” [O Apóstolo, Rio de Janeiro, 25 de Janeiro de 1885, p. 4]

Com problemas da visão, cônego Thomaz pretendia fazer uma viagem à França, para se tratar. Com essa intenção, viajou para ao Rio de Janeiro, onde foi acometido pela febre amarela e veio falecer no dia 31 de agosto de 1889. Para finalizar, o engajamento do cônego Thomaz em favor da abolição da escravatura, sua posição no direito canônico em favor dos escravos, na fundação pioneira de um Gabinete de Leitura em São Sebastião do Paraíso e de uma escola noturna para adultos são motivos para um trabalho de pesquisa mais amplo do que as poucas frases desta reduzida biografia didática.

3. Gabinete de Leitura (1889)

O cônego Thomaz de Affonseca e Silva tem seu nome na história de São Sebastião do Paraíso por motivos que vão muito além do honrado exercício do sacerdócio. Foi um fervoroso defensor da abolição da escravatura e liderou, com autoridade eclesiástica, reuniões com fazendeiros da região em favor da libertação dos escravos. Publicou artigos na imprensa nacional sobre o direito dos escravos recebem o sacramento do matrimônio na Igreja. Foi o 5º pároco da Igreja Matriz, onde não se esmoreceu em favor do movimento abolicionista, mesmo estando em contato direto com os coroneis proprietários das grandes fazendas cafeeiras da região. Como estava ocorrendo em outras regiões do país, os primeiros imigrantes europeus estavam chegando para substituir a mão-de-obra escrava e começaria o chamado sistema de colônias rurais.

O sacerdote abolicionista liderou grandes festejos na comunidade local por ocasião da assinatura da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, sancionada pela Princeza Isabel. É considerado o fundador de São Tomás de Aquino, cuja primeira capela foi erguida com o patrimônio constituído por terras doadas pelo Major Jerônimo Alves por solicitação do cônego. Antes de ser nomeado pároco local, cônego Thomaz exerceu o vicariato em outras cidades mineira e paulistas. Há registros de sua atuação em Carmo do Rio Claro, MG, por volta de 1875. Exerceu o sacerdócio na paróquia paulista de Nossa Senhora da Piedade do Mato Grosso de Batatais, localidade que se transformou na atual cidade de Altinópolis.

Devoto de Tomás de Aquino, cujas obras exercem grande influência na formação do pensamento católico, por onde viajava, o cônego trazia em sua bagagem uma imagem do Santo Doutor, que ele mandara um renomado artista esculpir. Tinha a intenção de erguer uma capela consagrada a São Tomás de Aquino e para isso a imagem foi encomendada. Esperou o tempo necessário para realizar o sonho de fé, até encontrar condições e apoio de fazendeiros generosos para realizá-lo. Foi então nomeado pároco da Igreja de Nossa Senhora da Penha do Rio do Peixe (Itapira), SP, onde permaneceu certo tempo, e foi transferido para a paróquia de Queluz, Minas Gerais.

Com o falecimento do pároco Joaquim Ferreira Teles, em 1884, cônego Thomaz foi nomeado pelo bispo de São Paulo, para exercer o sacerdócio em São Sebastião do Paraíso. Dois anos depois, recebeu autorização para proceder à benção de uma nova Igreja Matriz da cidade.

A antiga, construída em 1853, tinha sido destruída num terrível incêndio ocorrido no dia 31 de agosto de 1879.

No campo da educação escolar popular, seu nome deve ser destacado em vista da liderança exercida na criação da provável primeira bibliotecas da cidade franqueada à frequencia dos moradores de modo geral. O evento foi noticiado na imprensa de Ouro Preto, capital da Província de Minas Gerais, no início de fevereiro de 1889. Assim, faltavam poucos meses para terminar o período imperial e os paraisenses, principalmente, dos mais pobres, foram presenteados com uma instituição de fundamental importância para expandir a leitura, o acesso à informação e à cultura impressa de modo geral.

A notícia do evento que entusiasmou a população foi divulgada com os seguintes termos: “Fundou-se em São Sebastião do Paraíso um gabinete de leitura intitulado Gabinete de Leitura Valentim Magalhães, ficando constituída a sua diretoria sob a presidência do cônego Thomaz de Affonseca e Silva.” Fazia parte da diretoria os seguintes cidadãos: Antonio Soares de Paula Coelho, Placidino Brotero Franklin Brigagão, Ângelo Calafiori e o coronel José Luiz Campos do Amaral Junior.” [A União, Ouro Preto, 9 de fev. de 1889, p. 3]

Para consolidar o projeto, além das doações de livros recebidas da sociedade local, consta na notícia divulgada que, naquele momento, a diretoria havia feito uma encomenda de novos títulos, nas mais importantes livrarias do Rio de Janeiro. Fato ainda divulgado em âmbito nacional foi a inauguração de um curso noturno para alfabetização de adultos, anexo ao Gabinete de Leitura, com uma classe de 50 alunos, em grande parte

ex-escravos recém libertos. Na ausência de um professor público, o próprio José Luiz Campos do Amaral Junior se dispôs a ministrar lições de primeiras letras. São pequenos grandes gestos em favor da educação de outrora, cujos protagonistas transcendiam diferenças que tanto podem e devem aproximar as pessoas.

Infelizmente, poucos meses após a criação do Gabinete de Leitura, cônego Thomaz faleceu, na cidade do Rio de Janeiro, vítima de uma epidemia, quando aguardava para viajar à França, onde pretendia tratar de um problema de visão. No dia 7 de junho de 1889, o Diário de Notícias do Rio de Janeiro publicou a seguinte nota, anunciando o falecimento do generoso cônego e convidando seus amigos para assistem a uma missa que seria rezada, às 8 horas do dia seguinte, na Igreja do Carmo, para o descanso eterno de sua alma.

4. Gedor Silveira (1899)

Este capítulo registra traços da biografia didática do professor Gedor Silveira, um dos mestres pioneiros da educação escolar paraisense do início do século XX. Estavam em curso os primeiros sinais de expansão da oferta da instrução primária popular, no quadro de difusão dos ideais republicanos e quando o avanço do momento foi simbolizado pela construção dos primeiros grupos escolares. Natural de Montes Claros, Norte de Minas, Gedor Soares da Silveira nasceu aos 15 de julho de 1874 e faleceu em São Sebastião do Paraíso, com 46 anos. Em 1899, recém casado com a professora normalista Luiza Aurora de Aguiar Silveira, foi nomeado pelo governo de Minas para exercer o magistério primário público na cidade que se tornaria no principal polo da cafeicultura do sudoeste mineiro.

O competente mestre assumiu então a 2ª cadeira pública de instrução primária para meninos, quando na 1ª cadeira estava exercendo o magistério o seu companheiro de longos anos, professor Ângelo de Souza Nogueira. Cumpre observar que antes da criação dos grupos escolares, as aulas públicas eram ministradas na própria casa do professor. Assim, na residência do professor Gedor, além de suas aulas, funcionavam ainda as de sua esposa, professora Luiza Aurora de Silveira, nomeada no mesmo ano, para ocupar a 2ª cadeira para meninas. São informações publicadas no jornal Minas Gerais, edição do dia 3 de Dezembro de 1899.

Esse mesmo jornal publicou edital, declarando vagas a cadeira de ensino primário de São Paulo do Muriaé do Rio Pardo, por não ter assumido o cargo o professor Gedor Soares da Silveira, designado para reger aquela cadeira. O mestre tinha novos planos para sua vida: ir morar em São Sebastião do Paraíso, com sua esposa, onde se integrou à sociedade local e se tornou em cidadão atuante e filantropo. Foi diretor do Grupo Escolar Campos do Amaral, de 1916 a 1920, ano do seu falecimento, quando foi substituído interinamente pelo professor Ângelo. Retornando a esse tempo o corpo docente do Grupo Escolar era formado pelos seguintes professores Ângelo Souza Nogueira, José Emygdio de Lima e Gedor Silveira e pelas professoras Maria Leopoldina da Silva Lisboa, Hercília Soares, Luiza Aurora de Aguiar Silveira e Palmestina O. Bueno.

Além de exercer o magistério primário, nas chamadas escolas isoladas, o casal de educadores teve quatro filhos que nasceram em São Sebastião do Paraíso. Os dois

também exerceram o magistério nos primeiros anos de funcionamento do Ginásio Paraisense. A princípio, nas aulas do curso preparatório ao curso ginasial, instalado em fevereiro de 1907, e, posteriormente, nas aulas do curso normal, instaurado em 1910, sob a liderança do padre italiano Dr. Aristóteles Aristodemus Benatti. Três anos depois, esse curso normal, já contemplado com um decreto de equiparação ao Curso Normal Modelo de Belo Horizonte, foi transferido para o poder municipal. Nos meados da década de 1920, o mesmo curso foi transferido para o Colégio Paula Frassinetti das Irmãs Doroteias. O início dessa história de formação de professores em Paraíso contou com a competente atuação do referido casal de educadores.

A memória do professor Gedor Silveira foi homenageada com a atribuição de seu nome a um grande hospital psiquiátrico de São Sebastião do Paraíso, referência em todo o sudoeste mineiro, confirmando sua engajada atuação social em favor de instituições filantrópicas. Tinha patente capitão da Guarda Nacional do 356º Batalhão de Infantaria, baseada na Comarca de São Sebatião do Paraíso, conforme foi publicado no Diário Oficial da União, 23 de novembro de 1906.

Quando foi implantada a reforma educacional do Ministro Rivadávia Correia, em 1911, sancionada pelo presidente Hermes da Fonseca, o professor Gedor Silveira, como professor público de São Sebastião do Paraíso, enviou ofício de felicitações ao Ministro, conforme noticiado na imprensa. Na correspondência, o educador afirma que, naquele ano, ele estava completando 15 anos de experiência no magistério, tendo

iniciado o ofício em 1896 e também menciona que pertencia ao corpo docente do Ginásio Paraisense, expressando sua concordância pelas medidas tomadas, há mais de um século, para reorientar o ensino secundário no país. Nas palavras do professor Gedor Silveira: É com indizível satisfação que venho felicitar Vossa Excelência pela reforma justa, necessária e excelente, que o espírito patriótico que acaba de dar ao ensino secundário e superior em nosso país. Disse ainda o educador que em São Sebastião do Paraíso, a reforma tinha causado a melhor impressão possível.

Essa reforma instituiu o exame vestibular para o ingresso no ensino superior, que naquele momento foi um avanço em relação aos antigos exames preparatórios. Esses eram exames preparatórios eram realizados nos próprios estabelecimentos de ensino secundário. A aprovação nesses exames permitia o ingresso em cursos superiores, sendo que as instituições de ensino secundário não estavam sob o “controle” direto das academias de ensino superior. Em torno da questão estavam as correlações de poder estabelecidas pelos diferentes níveis da educação escolar. [Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16 de Abril de 1911, p. 6.]

Professor Gedor Silveira com alunos de sua escola primária em

Sebastião do Paraíso, nos primeiros anos do século XX. Fonte: Acervo iconográfico do Arquivo Público Mineiro

5. Padre Benatti (1906)

Antes de ser nomeado pároco da Igreja Matriz de São Sebastião Paraíso, em 1906, o padre Aristóteles Aristodemus Benatti atuou, por alguns anos, na Diocese de Pouso Alegre, Sul de Minas, onde ministrava aulas no Seminário Maior de Nossa Senhora Auxiliadora. Documentos da época fazem referência ao “doutor Benatti”, devido a sua vasta cultura que lhe permitia ensinar, para a formação sacerdotal, Direito Canônico, Filosofia, História Geral e Eclesiástica e Hermenêutica, além de outras matérias do ensino secundário. Para homenagear à memória desse mestre religioso que deixou seu nome na história da educação paraisense, é possível recorrer ao Almanak Laemmert de 1905, no qual há um detalhado relatório com informações sobre a Diocese de Pouso Alegre.

Trata-se de uma circunscrição eclesiástica criada em 1902, quando foi definido seu vasto território que foi constituído por parte do antigo Bispado de Mariana e outra parte da diocese de São Paulo. O primeiro bispo foi Dom João Baptista Correa Nery, transferido para Pouso Alegre, em 1901. Além de ensinar disciplinas teológicas, padre Benatti ensinava Literatura no Seminário Menor, que preparava alunos para o ingresso no Seminário Maior e também pertencia ao corpo docente do Colégio Diocesano de São José, onde regia as cadeiras de Grego e Latim, sendo o corpo docente desse estabelecimento composto por duas dezenas de professores. Em janeiro de 1904, o referido colégio estava equiparado ao Ginásio Nacional do Rio de Janeiro.

Mesmo ministrando várias disciplinas no Seminário e em outras escolas de Pouso Alegre, padre Benatti foi transferido, em 4 de setembro de 1906, para assumir a paróquia de São Sebastião do Paraíso, onde não havia ainda curso ginasial. Algumas famílias mais abastadas mandavam seus filhos para estudar em outras cidades, mas havia demanda para um curso ginasial, onde pudesse estudar jovens paraisenses. Assim, com apoio de um grupo de cidadãos, padre Benatti organizou o primeiro curso secundário regular da cidade, cujas aulas foram instaladas em 7 de fevereiro de 1907.

Além de dirigir o Ginásio, o pároco assumiu o ensino de algumas disciplinas, entre as quais as aulas de Aritmética. O primeiro corpo docente era composto pelo promotor de justiça, José Bento de Assis, pelo juiz de direito Luiz Sanches Lemos, pelo professor Gedor Silveira e pela professora Luiza Aurora de Aguiar

Silveira. Os dois últimos educadores, por ocasião da instalação do curso ginasial, já exerciam as funções de professores primários públicos.

Fontes relacionadas à história do Seminário de Pouso Alegre mostram que havia uma centena de paróquias no sul de Minas. Nem todas estavam providas de vigário. Por longos anos, parte dessas paróquias ficou sob a direção do bispado de São Paulo, como é o caso das localizadas no sudoeste mineiro. Outra parte estava vinculada ao bispado de Mariana. Havia um enorme território sem padres. As sedes dos bispados estavam excessivamente distantes da região, o que dificultava a visita regular do bispo. Por outro lado, havia vários conflitos de interesse entre as esferas eclesiásticas e políticas, resquícios de questões mal resolvidas na passagem do regime monárquico para o republicano.

Pela constituição do Império o catolicismo era a religião oficial do Estado e os cofres provinciais pagavam as côngruas dos vigários e custeava parte das despesas para manter o Culto Público. Um dos conflitos herdados desse sistema estava relacionado à criação de novas freguesias pelo governo provincial o que implicava na criação de novas paróquias, o que estava na alçada do bispado. Nem sempre havia padres disponíveis para assumi-las. Essa dificuldade de conciliar os dois poderes apareceu nas últimas décadas do século XIX, levando à criação da Diocese de Pouso Alegre.

As fontes não informaram detalhes sobre os motivos pelos quais o religioso foi transferido, inicialmente, para a paróquia de Borda da Mata e, no ano seguinte para São Sebastião do Paraíso. Por certo, a carência de padres no

sul de Minas era uma realidade, mas havia também carência de intelectuais com cultura para ensinar matérias como: Grego, Latim, Francês, Italiano, História, Direito canônico, dentre outras disciplinas ministradas pelo referido pároco. No expediente da Diocese de Pouso Alegre, referente ao período de março a maio de 1905, consta a portaria de sua nomeação como vigário de Borda da Mata. Alguns dias depois, o bispo assinou carta de autorização em favor do padre Benatti, concedendo-lhe licença de três meses de suas obrigações eclesiásticas. Após essa licença, houve então a outra transferência para a paróquia de São Sebastião do Paraíso. [A União. Rio de Janeiro, 21 de Maio de 1905]

A trajetória do padre Benatti foi objeto de um artigo escrito pelo professor e jornalista Raymundo Calafiori, inserido num esboço histórico do Ginásio Paraisense, publicado em 1944. Trabalho esse que foi publicado em uma revista lançada por ocasião do encerramento do ano letivo do referido ano, quando os Irmãos Lassalistas estavam assumindo a administração do estabelecimento. Esse registro encontra-se redigido nos seguintes termos: “Depois do seu afastamento de Paraíso, o padre Benatti passou por diversas vicissitudes, tendo por último se retirado num convento onde, após se preparar para apresentar-se ao tribunal de Deus, morreu confortado com os auxílios espirituais com que a Igreja Católica costuma assistir aos seus filhos na hora derradeira.”

Depois de passar seis anos na direção do Ginásio Paraisense e estando plenamente inserido na sociedade local, o bispo voltou a transferir o padre Benatti, dessa vez para Caracol (Andradas), no sul de Minas. Cronistas

dessa cidade confirmam a vasta cultura e o ânimo empreendedor do pároco, que tudo fez para construir uma nova igreja naquela cidade. Mas esses registros deixam dúvidas sobre a permanência de padre Benatti na carreira sacerdotal, indicando sua possível mudança para o Rio Grande do Sul, onde talvez tenha trabalhado para manter a vida. São traços que mesmo diante da incerteza sinalizam a dificuldade de rastrear a trajetória do culto educador, cuja memória está preservada com a atribuição do seu nome em vias públicas de Paraíso e de Andradas.

Cerca de quinze anos depois de exercer as funções de pároco em Paraíso, em junho de 1926, Benatti foi ordenado pastor da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Jornais de circulação nacional noticiaram sua iniciação pastoral na nova denominação cristã, destacando o fato de o religioso ter deixado a Igreja Católica e que o “Doutor Benatti tinha sido vigário de São Sebastião do Paraíso”. No contexto dessa notícia foi divulgado que o ex-padre Benatti estava proferindo conferências evangélicas e educativas em cidades da baixada fluminense. São informações publicadas em O Jornal, do Rio de Janeiro, em 22 de Junho de 1926.

Fonte: Revista do Ginásio Paraisense (1944).

6. Iluminação elétrica (1910)

Nos idos de 1910, dois anos antes da criação do Grupo Escolar Campos do Amaral, os moradores de São Sebastião do Paraíso, no sudoeste mineiro, vivenciaram um momento marcante em termos do progresso local que foi chegada da iluminação elétrica das ruas centrais da cidade. Um traço de desenvolvimento tecnológico, cujos resultados auxiliaram a impulsionar as condições gerais da sociedade local. O município estava se tornando um importante polo da cafeicultura da região e as condições dos cofres públicos tinham melhorado um pouco. Os velhos lampiões a querosene passaram então a ser considerados objetos “do século passado”. Um jornal da época noticiou que as ruas centrais pareciam estar mais alegres, ao anoitecer, e que as pessoas estavam mais estimuladas a aproveitar a gostosa brisa noturna para dar voltas no entorno do Largo da Matriz.

O retorno a 1910 pelos caminhos da história permite destacar o quanto foi importante para os paraisenses esse evento pontual da iluminação pública, que certamente clareou também, além das ruas e praças, um pouco mais as coisas do espírito e da cultura. Uma novidade singular e plural porque o mesmo progresso estava acontecendo em outras cidades do país, mostrando que a história se faz na interface de episódios locais e globais. O fato foi noticiado num jornal mineiro nos seguintes termos: “A bela e florescente cidade de São Sebastião do Paraíso, no sul de Minas, vai ser brevemente iluminada à luz elétrica”. [O Pharol, Juiz de Fora, 24 de Agosto de 1910]

Quando nem mesmo havia, com muita clareza, o atual conceito de concorrência pública, o progresso no município cafeeiro do sudoeste mineiro se tornou possível graças ao “privilégio” obtido pelo empresário Joaquim Mário de Souza Meirelles e outros. O privilégio, termo usado na época, obtido pelo empresário e formalizado por um contrato assinado com a prefeitura municipal, permitia a exploração do serviço de produção e distribuição de energia elétrica, por um longo período. Em troca do privilégio recebido, a empresa fornecia alguns serviços ao município, como a iluminação de praças, ruas e prédios públicos.

Posteriormente, o referido empresário participou da fundação da grande indústria de cimento amianto Itaú da região, bem como foi fundador de uma das maiores instituições bancárias do país, cujo nome do grupo financeiro é o mesmo da empresa produtora de cimento. Relações que entrelaçam as condições de uma época centenária, e as regras políticas “pouco republicanas e

absolutistas da República Velha. Paradoxo necessário para expressar a realidade vista do nosso território paraisense do início do século XX.

Nessa época foi constituída a empresa Siqueira Meirelles Junqueira e Companhia que construiu a primeira usina hidroelétrica da região, na localidade então denominada Usina Santana, em 1911, próximo à atual cidade de Itaú de Minas. A referida empresa ficou conhecida como “Força e Luz” e acompanhou, por mais de meio século, o desenvolvimento de São Sebastião do Paraíso e de outras cidades da região, como Passos, São Tomás de Aquino, Capetinga, Jacuí, Cássia e Pratápolis, Itamogi, Monte Santo, entre outras.

Aos poucos, a vida da região foi se modernizando. Começou a época de aposentar as lamparinas, entretanto, sem jogá-las no lixo. Uma boa dose de cautela mineira fazia com que as mesmas ficassem guardadas para iluminar as noites em que o fornecimento de energia elétrica era interrompido.

Com o advento das luzes elétricas também expandiram, um pouco mais, as luzes dos saberes escolares, sobretudo, em termos dos primeiros sinais de expansão da educação pública para as classes populares. Em 1912, o governo estadual assinou o decreto de criação do primeiro Grupo Escolar, cuja denominação prestou justa homenagem ao deputado José Luiz Campos do Amaral Junior. Este benemérito da educação paraisense era bisavô da nossa querida professora Dirce Pedroso Brigagão de Alcântara, ex-diretoria do referido Grupo. Em 1889, poucos meses antes da Proclamação da República, Campos do Amaral auxiliou, juntamente com

outros paraisenses, a instalação do Gabinete de Leitura “Valentim Magalhães”, sob a balizada liderança moral e abolicionista do cônego Thomaz de Affonseca e Silva, quarto pároco da Igreja Matriz local. Este gabinete foi, possivelmente, a primeira biblioteca da cidade, que permitia acesso público ao acervo constituído por cerca de 400 livros e alguns periódicos. Tema este de grande relevância cultural para ser historiado em outro momento de difusão das luzes em São Sebastião do Paraíso.

7. Grupo Escolar Campos do Amaral (1916)

Este capítulo descreve traços históricos do Grupo Escolar Campos do Amaral, de São Sebastião do Paraíso, criado pelo decreto estadual 3631, de 16 de julho de 1912, sendo suas aulas inauguradas do dia 1º de fevereiro de 1916. Este evento que foi amplamente divulgado na imprensa nacional está prestes a comemorar o primeiro centenário. Por esse motivo, a data justifica esse retorno para homenagear a memória de mestres, diretores e alunos de outros tempos. A motivação para escrever esta história foi o desejo de contribuir com a tarefa de preservar a memória de todos os cidadãos que protagonizaram a expansão da educação na terra natal de minha infância escolar.

O governador de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão, assinou o decreto no dia 16 de julho de 1912, quando era um dos líderes do chamado Pacto de Ouro Fino, acordo estabelecido entre coroneis do Sul de Minas e de São Paulo, que garantiu, por longos anos, a alternância de mineiros e paulistas na presidência da República. Seu nome ficou na história como um dos líderes do Partido Republicano Mineiro que exerceu o poder centralizador na República Velha. Os adversários usavam a expressão “tarasca mineira” para se referir à truculência praticada contra quem ousasse lhes fazer oposição.

O termo “tarasca” faz alusão à imagem de um mostro mitológico assustador da Idade Média. Mas, naquele momento os ideais políticos republicanos sinalizaram algum avanço em relação aos liberais e aos conservadores, entre estes, alguns defendiam o retorno ao regime imperial. Para entender as condições da instrução escolar local, antes da instalação do Grupo, é conveniente considerar um recenseamento feito pelo professor Gedor Silveira, em 1913. Esse trabalho deveria ser realizado pelo inspetor escolar, um idoso coronel que não estava muito interessado em fazer o seu trabalho. Assim, o generoso professor Gedor Silveira não mediu esforços para fazê-lo, por mais exaustivo que ele fosse.

O recenseamento cadastrou todas as crianças do município, com idade entre 7 a 14 anos, verificando a situação geral das condições de oferta de educação. Gedor Silveira elaborou um tratamento detalhado, constando ter sido uma análise objetiva primorosa, pautada nos rigores das ciências exatas e os resultados foram enviados ao governo de Minas.

Os resultados do recenseamento não foram nada elogiosos ao importante município cafeeiro do sudoeste mineiro. Ainda nem mesmo havia sido estabelecido um conceito mais sólido de políticas publicas para a educação popular e as práticas políticas da República Velha eram mais absolutistas do que republicanas. Paradoxo necessário para entender as regras sociais instituídas na querida terra natal do início do século XX. Do total de 2805 crianças, com idade entre 7 e 14 anos, existia 1174 que não tinham nenhum acesso à instrução, vivendo nas “medonhas trevas do analfabetismo”, conforme expressão usada pelo educador.

Em termos percentuais, 42 % das crianças em idade escolar não tinham acesso às lições de primeiras letras, nem mesmo à instrução doméstica, quando os pais tinham condições de ensinar seus filhos ou pagar um professor particular para proferir as lições na própria residência da família. Ao finalizar o relatório, o professor Gedor Silveira expressou sua consciente opinião: “Consola-nos, porém, vermos que dentre a população escolar em todo o município, recebem instrução nas escolas estaduais 720 crianças e 411 nas escolas mantidas pela nossa patriótica edilidade, particulares e domiciliares.” Em outros termos, as escolas primárias públicas estaduais atendiam somente a quarta parte das crianças em idade escolar.

O decreto de criação do Grupo Escolar foi assinado após discussão e aprovação dos deputados estaduais. Uma vez criado e instalado o estabelecimento, haveria acréscimo nas despesas públicas, pois além dos salários dos professores, haveria também o salário do diretor que

não assumia aulas. Assim, o pagamento dos salários deveria estar inserido no orçamento estadual. Mas, a construção do prédio seria uma contrapartida financiada pelo próprio município. Para enfrentar esse problema, o primeiro passo foi contratar o projeto do prédio ainda existente no centro da cidade, que foi elaborado pelo engenheiro José Toffoli, de Ribeirão Preto, SP. Um profissional com larga experiência; diretor da Associação Comercial e Industrial daquela cidade e venerável de uma tradicional Loja Maçônica.

José Toffoli elaborou o projeto completo, incluindo a parte arquitetônica, técnica e o orçamento. Com o projeto elaborado, teve início então o empenho político para obter os recursos para a construção. A câmara municipal solicitou ao vereador Aprígio Serra, em 25 de maio de 1913, que ele fosse à capital, com a missão de tratar com o governo, os meios para viabilizar o início das obras. Além de obter empréstimo bancário, com o aval do Estado. O vereador obteve sucesso na missão. Alguns dias depois, os vereadores aprovaram um voto de louvor pelo seu empenho na viagem realizada. O vereador conseguiu medidas relevantes para o município. Um episódio de mão dupla, pois, na reunião do mesmo dia foi aprovada uma moção de apoio à candidatura de Delfim Moreira à presidência do Estado

Em 3 de agosto de 1913, os vereadores trataram da licitação para a construção do prédio que iria proporcionar um novo estatuto para a educação local. Havia sido lançado um edital com os detalhes exigidos na construção. Naquela reunião, os trabalhos iniciaram com a abertura das propostas de três construtores da cidade, os

quais estavam dispostos a contratar os serviços. Abertas as propostas, verificou-se que um dos três construtores proponentes tinha estreito grau de parentesco com o Agente Executivo municipal, senhor José Pimenta de Pádua, filho do coronel Antônio Pimenta de Pádua.

Os três construtores eram: José Marcolino [sic], José Pimenta de Carvalho e Damião Busson. Os três nomes traziam, igualmente, o complemento “e outros”, sinalizando tratar-se de um empreendimento cujos serviços seriam repassados para outros profissionais. Antes de criar algum constrangimento, atento aos princípios éticos, o próprio agente executivo propôs que o vice-presidente, advogado José de Souza Soares, genro do coronel José Cândido Pinto Ribeiro, assumisse a coordenação daquela reunião, que foi secretariada pelo vereador Noronha Peres, em substituição ao vereador Aprígio Serra.

Cientes da importância da deliberação, os vereadores resolveram submeter o projeto à análise das comissões internas de finanças e de obras públicas. Por esse motivo a sessão foi suspensa, por alguns minutos, para aguardar a análise das comissões. No retorno, foi lido o parecer com a aprovação: “As comissões de obras públicas e finanças, reunidas conjuntamente, nas quais foram analisadas as propostas apresentadas para a construção do prédio para o Grupo Escolar (...) opina que seja aprovada e aceita a proposta de José Pimenta de Carvalho, pelo preço de 78 contos e 400 mil reis”

Alguns proprietários de imóveis situados no Largo do Rosário, atual Praça João Batista Teixeira, não gostaram nada do local escolhido para construção prédio, julgando

que o seu funcionamento pudesse trazer algum incômodo. Assim, assinaram um documento pedindo que o prédio fosse construído em outro local. O pleito foi submetido aos vereadores que, mesmo ponderando as razões dos postulantes, entenderam que o benefício da população deveria ser colocado em primeiro lugar, indeferindo a solicitação dos moradores.

O lançamento da pedra fundamental ocorreu pouco mais de um ano após a criação da escola, em cerimônia realizada no dia 7 de setembro de 1913. À noite desse mesmo dia, houve uma sessão cívica, literária e teatral no salão nobre da Escola Normal. O ponto alto dessa sessão foi a conferência proferida pelo professor Gedor Silveira, que dissertou sobre “O ensino cívico e a data da nossa autonomia nacional”. As escolas primárias isoladas foram formalmente convidadas à participarem do lançamento da pedra fundamental. Um boletim foi distribuído para convidar o povo que testemunhou um evento sem precedentes. Era o início de um novo tempo na história da expansão da instrução primária.

Por volta das 14 horas, uma multidão estava reunida no Largo do Rosário. Foi hasteado o pavilhão nacional, cantado o hino da independência, ao som de uma Banda de Música. Chegaram os alunos do professor Gedor Silveira, desfilando em marcha militar desde a Praça Aristides Lobo, ao som de clarins e de tambores. Em seguida, chegaram as alunas da professora Luiza da Silveira, todas vestidas de branco, acenando com fitas nas cores da bandeira nacional. Chegaram ainda as alunas das professoras Minervina Felinto, Leopoldina Silva e Maria Arantes. Por fim, chegaram, um pouco atrasados,

os alunos do professor Ângelo de Souza Nogueira, um educador com a experiência dos seus quase 60 anos. As alunas da Escola Normal chegaram todas vestidas de branco e acompanhadas da normalista Hercília Soares, recém graduada na Escola, que foi a primeira concluinte o curso, no final do ano anterior. O agente executivo, José Pimenta de Pádua, convidou o juiz de direito, Luiz Sanches de Lemos, para presidir a solenidade. O primeiro discurso foi do eloquente advogado José de Souza Soares, representando a Câmara Municipal. Em seguida, discursou o professor Gedor Silveira, identificado como catedrático da matéria de Língua Portuguesa e Literatura da Escola Normal da cidade.

A inauguração ocorreu no dia 1º de fevereiro de 1916 e foi um evento de grande importância na história das condições de acesso à instrução primária gratuita. Consta no livro de atas da Câmara Municipal que, por iniciativa do vereador Souza Soares, em reunião de 21 de janeiro daquele ano, foi concedida uma ajuda de 500 mil reis para as despesas com a festa de inauguração. No dia seguinte, o correspondente do jornal Correio Paulistano escreveu reportagem detalhada a qual serviu como uma das fontes para escrever a história.

Um mês antes da inauguração, uma nova Câmara Municipal havia tomado posse, assumindo como Agente Executivo, correspondente ao atua cargo de prefeito, o coronel José Francisco de Paula. A construção do prédio havia envolvido recursos um pouco mais expressivos do que o normal. Houve alguns comentários sobre a as condições financeiras deixadas pela administração anterior, mas, ao avaliar os valores em relação à receita

anual do município, não era nada que extrapolasse a receita orçamentária prevista para o ano que se iniciava. Nesse sentido, foi divulgada notícia que o município tinha uma dívida flutuante de 102 contos de reis, à qual deveria se somar um empréstimo de 315 contos. Mas, a cafeicultura estava passando por uma fase excelente. Alguns anos depois, em 1922, os fazendeiros da cidade apoiaram a liderança do abastado coronel José Oliveira Rezende que criou o Banco J. O. Rezende, com capital de um milhão de contos de reis.

No dia 9 de dezembro de 1916, um jornal do Rio de Janeiro publicou reportagem sobre uma reluzente festa organizada para comemorar o final do primeiro ano letivo do Grupo Escolar Campo do Amaral, dirigido pelo professor Gedor Silveira. Momento de expectativa dessa festa foi a entrega dos certificados de aprovação de dezoitos alunos que concluíram o curso primário. Todos eles já estudavam, antes da instalação do Grupo, na classe da professora Luiza Aurora de Aguiar Silveira. O cronista refere-se à professora como sendo uma exitosa alfabetizadora, cuja competência era amplamente reconhecida na cidade, mostrando que a sociedade local tinha por ela a mais elevada estima e consideração.

Fonte: O Malho, Rio de Janeiro, 28 de Julho de 1928

8. Normalistas paraisenses (1920)

A importância da história registrada neste artigo vai muito além das anotações coletadas para homenagear mestres de São Sebastião do Paraíso. Um dos gestos para escrever a história consiste em vasculhar, separar e interrogar documentos para tentar retornar ao passado. Todo esse esforço é feito com o propósito de entender o passado para superar questão da atualidade. Mesmo assim, persiste o desafio de preencher lacunas que não foram esclarecidas com as fontes acessadas. Mas, essa sensação de incompletude não deve inibir o desejo de registrar a história dos mestres que conduziram os primeiros passos da infância escolar. Com esse espírito, este artigo destaca eventos da história da educação de São Sebastião do Paraíso, tal como foi a festa de colação de grau da turma de professores formados da Escola Normal do Ginásio Paraisense, em 1920.

Entre os formandos estava o professor Benedito Ferreira Calafiori, de quem fui aluno no Colégio Comercial São Sebastião, em 1971. Também tenho a honra de ter sido aluno do seu filho, o historiador e brilhante intelectual paraisense, Luiz Ferreira Calafiori, no Ginásio Industrial Estadual “Clóvis Salgado”. São educadores cujas trajetórias pertencem às minhas referências de formação e ajudaram a despertar minha consciência para ser professor.

O interesse por este episódio da história local iniciou com a localização de uma reportagem publicada no jornal paulistano O Combate, edição de 20 de dezembro de 1920, escrita por um cronista residente em São Sebastião do Paraíso. Um primoroso texto com informações bem detalhadas que são aqui compartilhadas com a intenção de fomentar mais esse retorno às raízes históricas da formação de professores primários na referida cidade. Retornemos ao tempo para esboçar alguns traços do cenário mais amplo do país, quando os eventos locais marcaram a história da terra natal.

O presidente da República, Epitácio Pessoa, enfrentava uma série de conflitos e rebeliões nos quartéis do Rio de Janeiro. Prenunciava as mudanças culturais ditadas pela semana de Arte Moderna. Arthur Bernardes, presidente de Minas, comandava a ala mais conservadora da política do café com leite. Mas, os paraisenses reservaram aquela noite para festejar, com muita alegria, esse momento histórico da Escola Normal, quando a instituição ainda pertencia ao município de São Sebastião do Paraíso, após ter sido adquirida do seu fundador, padre Aristóteles Aristodemus Benatti. Nos meados da

década de 1920, o curso foi transferido para a congregação das Irmãs de Santa Doroteia.

Retornemos à solenidade que iniciou às 21 horas, no salão nobre no prédio térreo que o município havia recém construído. O cronista relata que a festa foi encantadora. O salão estava todo iluminado e enfeitado pelos formandos para receber autoridades, familiares, amigos e visitantes das cidades vizinhas. A congregação constituída pelos professores, diretor e inspetor de ensino estava reunida formalmente. Foi formado um semicírculo em torno da mesa sobre a qual estavam os diplomas e um belo arranjo de flores, que os formandos tinham colhido nos campos do entorno do Ginásio.

A solenidade foi presidida pelo promotor de justiça, José Mariano Pinto Monteiro Filho. Várias autoridades prestigiaram a festa e tomaram assento na primeira fila do auditório. O promotor que presidiu a solenidade registrou em seu discurso que estava representando o Secretário de Interior do Estado de Minas. O advogado e professor Paulo Roberto Duarte, inspetor escolar e juiz municipal de Uberabinha, foi escolhido para paraninfar a turma. Ao proferir seu discurso sobre o “ofício do educador”, destacou as brilhantes perspectivas dos formandos. Suas palavras foram aclamadas por uma salva de palmas.

O orador dos formandos foi o jovem Waldemar Calafiori. Seu nome entraria para a história local como cidadão engajado em projetos culturais e como professor da Escola de Farmácia e Odontologia. Instituição fundada em 1929 e dirigida por Lamartine Amaral e Raymundo Calafiori. Após o discurso do jovem orador, o

promotor procedeu à chamada dos formandos, os quais receberam seus diplomas e foram saudados com ruidosas palmas. Em seguida, teve início a parte mais descontraída da festa. Um baile que se prolongou até as quatro horas da manhã, com muita alegria, petiscos e refrescos e alguns licores.

A direção do Ginásio Paraisense era exercida pelo professor Georges Aloysios Nixon, que fez questão de cumprimentar cada um dos formandos e seus familiares. Estava na direção do estabelecimento deste janeiro de 1914. Natural dos Estados Unidos, o professor Nixon tinha exercido o magistério em Passos, mas fora convidado para dirigir a Escola Normal. Permaneceu ele na direção até 1922, quando assumiu o professor Tabajara Pedroso.

Após sua estada em Paraíso, o professor Nixon foi para Bebedouro, SP. Em 1944, era diretor do Ginásio Estadual de Barretos, SP. Para finalizar este registro, se faz necessário proceder a uma segunda “chamada” dos mestres formados naquele distante e próximo dia da nossa terra: Adalgisa Bueno. Almerita Pimenta. Alzira Corrêa. Alzira Ghiraldini. Balbina Paoliello. Juvenilha Simões Vieira. Leonidia Vasconcellos. Maria de Castro. Maria Sílvia de Paiva. Maria Carvalhaes. Olyntha Portella. Antônio Lopes. Benedicto Ferreira Calafiori. José Antônio Soares. Waldemar Calafiori. Todos têm seus nomes inseridos na história da educação de nossas raízes.

9. Visita do ministro (1942)

Dia 2 maio de 1942. Os conflitos da Segunda Guerra Mundial estavam em expansão. O Brasil anunciou que estava ingressando no conflito mundial, com envio de tropas para lutar na Europa, depois que submarinos do Eixo torpedearam mais de trinta navios da Marinha Mercante Brasileira, causando a morte de mais de mil pessoas. Os brasileiros estavam assustados, sem saber o que poderia resultar em consequência da declaração de guerra. Mas naquele dia, aconteceria um episódio bem diferente na vida dos paraisenses. Logo depois do almoço, um “enorme” avião militar bimotor da Força Aérea Brasileira, modelo C47, decolou do Campo de Marte, na capital paulista, com destino ao campo de aviação de São Sebastião do Paraíso.

Dois jovens oficiais estavam no comando da aeronave que transportava dois ilustres passageiros: um empresário paulista, vice-presidente do Jóquei Clube do Brasil e o outro era nada menos do que o ministro da Aeronáutica, Salgado Filho. Um dia normal na agenda do político gaúcho, de plena confiança do presidente Getúlio Vargas, mas que quebraria a rotina de muitos paraisenses que viram o “enorme avião” sobrevoando a cidade. Alguns pensaram, apressadamente, que poderia ser os alemães que estavam começando a atacar o importante polo da cafeicultura do sudoeste mineiro.

O professor Raymundo Calafiori, detentor de uma didática exemplar, ministrava mais uma de suas memoráveis lições de Ciências Físicas e Biológicas para estudantes do Ginásio Paraisense. A tranquilidade da aula foi interrompida pelo ruído do avião que passou, voando à baixa altitude, sobre o estabelecimento e provocou a curiosidade de todos, professores e alunos, por aquela experiência jamais testemunhada com tanta realidade. Todos tiveram a certeza que o grande avião pousaria no campo de aviação, nas imediações do atual Parque de Exposição. O rigoroso mestre não conseguiu mais conter a agitação dos jovens estudantes, que queriam testemunhar de perto o evento jamais presenciado. Todos saíram correndo, inclusive o zeloso mestre.

O ministro Joaquim Pedro Salgado Filho foi fundador do Correio Aéreo Nacional e um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro. Amigo de longa data do presidente Vargas, tinha verdadeira paixão pela aviação. Anos depois morreria num acidente aéreo no Rio Grande do Sul, quanto estava em campanha para o governo do

Estado. Seu nome ficou na história como incentivador na construção de muitos aeroportos civis e militares em diferentes cidades do país. Foi um entusiasta que acreditou nos primeiros anos de existência da atual Força Aérea Brasileira.

O objetivo do ministro era inspecionar, pessoalmente, o Aero Clube de São Sebastião do Paraíso, na época, dirigido pelo aviador Armando Marin. Fundado em 1º de abril de 1941, como tanto outros fundados na mesma época, o Aero Clube local formou vários aviadores e chegou a funcionar com três aparelhos novos, doados pelo Aero Clube do Brasil e outras entidades que contribuíam para a expansão da aviação. Foram também seus diretores, Dr. Luiz Pimenta Neves e o professor Carmo Perrone Naves.

Assim que a aeronave da pousou, os estudantes secundaristas chegaram ofegantes para observar de perto a bela máquina voadora, que jamais tinha descido na cidade. Mas, o ritmo tranquilo do interior provocou um “pequeno” desencontro. O aviador responsável pelo Aero Clube não estava na cidade. Providencial foi então a presença do professor Calafiori e dos estudantes que recepcionaram o ilustre visitante. Após “batizar” um avião novo que estava no hangar, o ministro conversou amistosamente com os ginasianos sobre a apaixonante atividade de aviador profissional e mostrar o interior da aeronave para eles. Depois de uma hora, mais ou menos, disse que iria levantar vôo, pois teria outro compromisso naquele mesmo dia.

Como foi anunciado na imprensa nacional, de São Sebastião do Paraíso, o ministro seguiu viagem para a

cidade de Pirassununga, SP, onde se encontrou com o interventor do Estado e com o Secretário da Educação. Em companhia dessas autoridades, o ministro fez uma inspeção técnica no campo de aviação da referida cidade, onde estava sendo estudada a possibilidade de instalar uma “Escola de Aeronáutica”. As condições locais foram aprovadas e teve início então a história da atual renomada Academia da Força Aérea de Pirassununga.

Na noite do mesmo dia, o ministro retornou à São Paulo e se hospedou num famoso hotel, onde concedeu entrevista à imprensa. Na oportunidade explicou aos jornalistas que: “Visitei a cidade mineira de São Sebastião do Paraíso, onde presidi o batismo de um avião destinado ao treinamento da mocidade daquela cidade mineira e doado pela Campanha Nacional de Aviação Civil.” Também estava prevista uma rápida cerimônia de entrega de diploma de alguns pilotos que haviam recebido o brevê, o que acabou não acontecendo porque o presidente do aeroclube não estava na cidade. São pequenos e grandes episódios que se entrelaçam para constituir a história local da querida terra natal com a história global do país e mundo. Não é nada conveniente tentar separá-las.

10. Expedição Botânica (1945)

O objetivo deste capítulo é descrever um evento singular na história de São Sebastião do Paraíso, ocorrido em 1945, quando faltavam longos quatro meses para terminar as atrocidades da Segunda Guerra Mundial e os Irmãos Lassalistas dirigiam o Ginásio Paraisense. Foi uma excursão científica realizada com a missão de explorar aspectos botânicos e geológicos em diferentes locais do município. A mesma excursão fez levantamentos sobre as reservas calcárias na região calcária de Itaú e visitou fazendas e reservas biológicas naturais no município de São Tomás de Aquino. Algumas pessoas, assustadas com o conflito mundial, imaginaram haver alguma relação do evento científico com os interesses bélicos, mas o renomado botânico alemão estava acima de qualquer suspeita.

A importância desse evento vai muito além das questões regionais e seus resultados estão na história da ciência brasileira. Essa excursão resultou do empenho pessoal do irmão Theodoro, lassalista e professor de ciências do Ginásio Paraisense, que constatou na literatura científica a inexistência de informações sobre a flora regional o que lhe despertou o interesse em conhecer melhor as espécies botânicas da região e explorar suas possíveis propriedades fitoterápicas. A realização do projeto contou com a contribuição da direção do Ginásio e do Carlos Grau, que acompanhou parte dos trabalhos de campo, quando ajudou na identificação de plantas medicinais usadas na região.

Os imigrantes italianos plenamente integrados à sociedade paraisense passavam por momentos de incerteza. A posição assumida pelos fascistas tinha confundido a cabeça de alguns que nada mais faziam do que falar pelas esquinas. Um grupo de pracinhas paraisenses, alguns descendentes de imigrantes italianos, estava lutando contra o eixo formado pela Itália, Alemanha e Japão. Foi nesse momento que Paraíso recebeu, em abril de 1945, a visita do botânico alemão Alexander Curt Brade e do seu assistente brasileiro, Altamiro Barbosa Pereira.

Brade faleceu em 1971, aos 90 anos, depois de dedicar 70 anos à pesquisa científica. O objetivo principal era explorar campos, riachos, formações geológicas e reservas biológicas para recolher amostras de plantas nativas e de outros materiais de interesse científico. Após a seleção das amostras, o material foi transportado para o Rio de Janeiro e inserido ao acervo

do Jardim Botânico, onde foi submetido às análises de laboratório. Até então nenhum outro evento do gênero tinha sido realizado no sudoeste mineiro que começou a ser povoado no início do século XIX. A expedição ocorreu a partir de um convite feito pelo Irmão Theodoro, quando realizava estudos no Jardim Botânico.

Ao relembrar desse educador lassalista, paraisenses que estudaram no Ginásio Paraisense, na década de 1940, dizem que ele tinha verdadeira paixão pela Botânica. O que confirma traço marcante da educação lassalista, no sentido de valorizar o estudo das ciências naturais e exatas, além das ciências humanas e sociais. Mas, depois de 70 anos, o evento está quase apagado na memória coletiva local, justificando esse registro para a preservação da memória cultural da cidade.

Alexander Curt Brade trabalhou várias décadas no Brasil, no Jardim Botânico e em outros institutos científicos. A extensa produção científica garantiu-lhe honrosa posição na história da botânica internacional. O fato deve ser rememorado em função dos resultados obtidos que descreveram espécies desconhecidas, envolvendo aspectos científicos e o conhecimento popular de plantas medicinais. Foi nesse aspecto que a contribuição do senhor Carlos Grau serviu de referência inicial aos dois cientistas, devido aos seus conhecimentos fitoterápicos, conforme atestam os cientistas

O ilustre botânico escreveu dezenas de artigos com a classificação biológica de espécies de orquídeas, samambaias e begônias naturais de Brasil e na América Central. Chegou ao Brasil, em 1910, depois de embrenhar, por mais de dois anos, nas densas florestas da

Costa Rica, de onde saiu triunfante. Mostrou ao mundo espécies raras que ainda não estavam nos catálogos. Em 1928, foi contratado pelo Museu Nacional e, posteriormente, passou a chefiar um laboratório do Jardim Botânico, onde trabalhou até aposentar-se.

A pesquisa foi realizada quando o botânico contava com a maturidade dos seus 66 anos e os trabalhos de campo ocorreram entre os dias 7 e 26 de abril de 1945. Até o final do mês foi preparado o material recolhido e envio para o Rio de Janeiro. Um ano depois, os cientistas redigiram um relatório de 13 páginas, publicado em uma revista científica, em 1946. [Relatório de uma excursão a São Sebastião do Paraíso. Revista Rodriguésia. Jardim Botânico. Rio de Janeiro. Dez. 1946]. Esse relatório serviu de fonte inicial para a escrita desta história, que interliga aspectos científicos e culturais e o registro de saberes populares da região.

Com a expectativa do término da Segunda Guerra Mundial, todos ansiavam por dias melhores. Imigrantes alemães, italianos de japoneses que viviam no Brasil passavam momentos angustiantes. As forças aéreas dos Estados Unidos ainda não tinham lançado as duas bombas atômicas sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki. No Brasil, chegava ao fim o Estado Novo e em São Sebastião do Paraíso, o Ginásio Paraisense estava prestes a completar quatro décadas. Fazia pouco mais de um ano que os Lassalistas estavam na direção do histórico curso ginasial paraisense. Os religiosos eram austeros na vigilância ao comportamento dos alunos, mas também tinham liberdade de jogar futebol com eles. Em

certo, momento a equipe de futebol do Ginásio tornou-se imbatível entre todas as demais da região.

Mesmo seguindo a pedagogia criada por João Batista de La Salle no século XVII, praticaram uma educação adequada aos meados do século XX. Isso permitiu que centenas de alunos recebessem instrução humanista e científica durante os 13 anos em que aturam no estabelecimento. Essa foi uma diferença marcante da educação lassalista em relação a outras ordens religiosas que nem sempre valorizavam o ensino das ciências exatas e naturais. Essa filosofia lassalista de valorização das ciências foi praticada pelo Irmão Theodoro, que vez ou outra visitava o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, para aprender um pouco mais sobre Botânica.

Ao apropriar-se de mais saberes, o irmão tinha uma questão na cabeça: a flora existente em São Sebastião do Paraíso e seus arredores teria sido objeto de um estudo mais amplo? As espécies estariam classificadas? Plantas medicinais usadas na região eram do conhecimento dos especialistas? Numa de suas visitas ao Jardim Botânico ele conheceu Brade. Enquanto aprimorava seus conhecimentos, o professor lassalista tinha aquela boa ideia fixa na cabeça. Assim, ousou convidar os cientistas para visitarem Paraíso.

Mesmo distante da capital, a cidade mineira serviu de base para preparar o material científico. As plantas colhidas receberiam um primeiro tratamento ainda na cidade, permitindo condições para o transporte e sua posterior inserção nas coleções do Jardim Botânico. Foi então acertado que o Irmão Theodoro integraria a equipe para contribuir no trabalho. O convite foi feito e refeito.

A princípio, os dois cientistas gostaram da ideia e ficaram de consultar seus superiores. O diretor do Jardim Botânico concedeu a devida autorização, em portaria assinada em 2 de abril de 1945.

Três dias depois, os dois partiram da capital da República rumo à distante São Sebastião do Paraíso. Brade e Altamiro chegaram à Estação da Mogiana, na noite do dia seguinte. O experiente cientista sabia que as adversidades da viagem seriam bem menores do que aquelas vividas nas matas da Costa Rica. Assim, partiu tranquilo com alguns apetrechos pessoais, luvas, botas, lupas e um pequeno microscópio. Quando os dois cientistas desembarcaram na estação, lá estavam para recebê-los, o irmão Theodoro e o Carlos Grau.

Mesmo não tendo sido possível consolidar a Escola de Farmácia, criada em 1929, da qual fora professor e incentivador, Carlos Grau tinha gosto pela pesquisa científica, conforme registrou Brade no referido relatório. Por esse motivo, dispusera-se auxiliar na realização do projeto. Os trabalhos começaram na manhã do dia seguinte à chegada. Carlos Grau cedeu uma sala do prédio da antiga Escola de Farmácia e Odontologia de São Sebastião do Paraíso, que estava com suas atividades encerradas, para servir de base física da expedição.

O primeiro dia de trabalho foi dedicado a uma reunião realizada nas dependências do Ginásio, onde iniciou o planejamento das atividades. Ainda no primeiro dia foi realizada uma exploração na grande fazenda de 30 alqueires anexa ao Ginásio e que tinha sido adquirida pela Igreja Católica. Além dos dois cientistas, participaram da reunião, Carlos Grau, o Irmão Theodoro

e alguns estudantes. Nos dias seguintes, a equipe visitou, entre outros lugares, campos próximos ao Rio Liso, aos Baús de Santa Terezinha e Santa Cruz, e às áreas de cerrado no entorno, região da Lagoa Seca, no então distrito de Itaú. A equipe visitou ainda as fazendas Calado, Cachoeira e Fortaleza, essa última localizada no município de São Tomás de Aquino.

As três primeiras semanas foram dedicadas aos trabalhos de campo e a quarta ao preparo do material recolhido para deixá-lo em condições de transporte para o Jardim Botânico. No relatório constam agradecimentos ao irmão Theodoro e ao farmacêutico Carlos Grau, pelo apoio material, pelo suporte oferecido e pela presença nos serviços de campo. Os autores afirmam que, se não fosse o suporte recebido, não teria sido possível fazer o trabalho em tão pouco tempo.

Os cientistas conversavam com os moradores dos locais visitados para saberem quais eram as plantas medicinais da região e como as utilizavam. Um aspecto relevante dessa pesquisa consistiu na postura dos cientistas em tentar resgatar o uso popular de plantas medicinais, pois essas utilidades, quase sempre, resultam de práticas, saberes e culturas das populações tradicionais. Uma das dificuldades para fazer esse tipo de pesquisa decorre dos diferentes nomes populares das plantas, que variam de uma região para outra.

A importância dessa expedição foi justificada com base em objetivos do campo da Botânica Aplicada e uma das metas era estudar plantas medicinais possivelmente existentes na região. Foi nessa parte que a equipe contou mais particularmente com a experiência do

conhecido farmacêutico paraisense. Foram coletadas 70 espécies, as quais foram incorporadas ao acervo do Jardim Botânico. Consta ainda no relatório um agradecimento aos moradores mais humildes dos locais visitados, que foram atenciosos no sentido de prestar-lhes informações sobre as plantas.

Os cientistas agradeceram aos fazendeiros que permitiram a realização da pesquisa em suas propriedades e por forneceram alimentação, hospedagem e o suporte material necessário à realização do trabalho de campo. São citados os proprietários da Fazenda Calado, Dr. Nelson, senhor Ozelin e Dr. Januário, o proprietário da Fazenda Cachoeira, Dr. Luiz Pimenta, no município de São Tomás de Aquino e o engenheiro Niemeyer, da Fábrica de Cimento Itaú.

Os cientistas registram no relatório que Carlos Grau, muito prestativo, sempre estava disponível para auxiliar qualquer realização, acompanhou-nos nas excursões, mostrando-se um grande estudioso de plantas medicinais. O generoso farmacêutico auxiliou os trabalhos de catalogação do material, realizados em uma sala do prédio onde funcionou a extinta Escola de Farmácia e Odontologia. Por todos esses pequenos gestos e grandes ideais, todos os cidadãos citados neste artigo têm seus nomes inscritos na história paraisense, que interliga as famosas terras cafeeiras do sudoeste mineiro aos anais da história cultural e científica do Brasil.