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A VISÃO CUBANA DA PUBICIDADE A retomada da produção da publicidade comercial em Cuba só ocorreu depois do início do Período Especial, já nos anos 90. O que ocorria desde a Revolução até então era o largo uso de propaganda ideológica. O país relutou em usar este recurso de mercado e muitos leigos em todo mundo associam o conceito de publicidade à produção capitalista. No entanto, se sabe que a publicidade independe de sistemas políticos ideológicos, o que marca a diferença entre Cuba socialista e países capitalistas é a natureza e a finalidade do seu uso. José Benitez escreveu certa vez que "na atual etapa da produção capitalista, a publicidade comercial - gastos de compra e venda - desempenha um papel, tanto quantitativamente quanto qualitativamente, como jamais sonhou o fundador do socialismo científico"(1986:18) Este mesmo fundador também jamais pensou que um país socialista pudesse se utilizar desta mesma publicidade comercial como ferramenta para a sobrevivência, com os mesmos artifícios e técnicas de países capitalistas, ainda que procurando construir uma teoria essencialmente cubana. Não é em vão que criticam o exagero de publicidade nas ruas das grandes cidades do mundo, como uma forma de instigar sempre o consumo supérfluo, conduzindo o consumidor a comprar determinada marca apenas por suas mensagens repetitivas e persuasivas, e não pela qualidade do produto. Defendem ser um erro considerar a publicidade como sinônimo de consumismo e que aquela pode ser utilizada de forma a ajudar e prestar serviços à sociedade, e não iludi-la sobre sua real condição sócio-econômica e cultural. " As grandes cidades se asfixiam com outdoors gigantescos que exibem o último carro ou a cerveja local, mas não conseguem tapar os imensos bairros marginais; um europeu ou norte-americano pode digerir diariamente dezenas de doses de anúncios em pílulas impressas ou audiovisuais, enquanto algum japonês se queixa de que sua caixa de correio esteja cheia de saldos promocionais com os novos preços que encontrará no supermercado..." (García, 2000:36) Há cerca de 5 meses, o visitante no seu deslocamento do Aeroporto José Martí para a cidade de Havana, se deparava com uma série de outdoors de publicidade comercial, como do sabão em pó Omo, companhias aéreas diversas e produtos de beleza, entre eles o Avon Lux, além de outdoors de telefonia celular. Segundo a presidenta da Associação Cubana de Publicitários e Propagandistas foi uma decisão muito acertada a de retirar todos esses outdoors comerciais e colocar em seu lugar propaganda política e campanhas de bem público. Seria uma incoerência permanecer como estava, já que existem cubanos que não têm acesso à divisa e portanto não podem comprar esses produtos. No caso da telefonia celular, por exemplo, só quem utiliza telefones deste tipo são empresas mistas e firmas estrangeiras, pois Cuba ainda não disponibilizou uma estrutura suficiente para que a população em geral tenha acesso a telefones celulares. Além disso, Galán ressalta que Cuba é um país que prega a igualdade, a cultura, a educação para a população, portanto o turista que chega hoje à Cuba "perceberá certamente que é um país culto, porque a Revolução trabalhou e lutou para levar a

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A VISÃO CUBANA DA PUBICIDADE

A retomada da produção da publicidade comercial em Cuba só ocorreu depois do início do Período Especial, já nos anos 90. O que ocorria desde a Revolução até então era o largo uso de propaganda ideológica. O país relutou em usar este recurso de mercado e muitos leigos em todo mundo associam o conceito de publicidade à produção capitalista. No entanto, se sabe que a publicidade independe de sistemas políticos ideológicos, o que marca a diferença entre Cuba socialista e países capitalistas é a natureza e a finalidade do seu uso.

José Benitez escreveu certa vez que "na atual etapa da produção capitalista, a publicidade comercial - gastos de compra e venda - desempenha um papel, tanto quantitativamente quanto qualitativamente, como jamais sonhou o fundador do socialismo científico"(1986:18) Este mesmo fundador também jamais pensou que um país socialista pudesse se utilizar desta mesma publicidade comercial como ferramenta para a sobrevivência, com os mesmos artifícios e técnicas de países capitalistas, ainda que procurando construir uma teoria essencialmente cubana.

Não é em vão que criticam o exagero de publicidade nas ruas das grandes cidades do mundo, como uma forma de instigar sempre o consumo supérfluo, conduzindo o consumidor a comprar determinada marca apenas por suas mensagens repetitivas e persuasivas, e não pela qualidade do produto. Defendem ser um erro considerar a publicidade como sinônimo de consumismo e que aquela pode ser utilizada de forma a ajudar e prestar serviços à sociedade, e não iludi-la sobre sua real condição sócio-econômica e cultural.

" As grandes cidades se asfixiam com outdoors gigantescos que exibem o último carro ou a cerveja local, mas não conseguem tapar os imensos bairros marginais; um europeu

ou norte-americano pode digerir diariamente dezenas de doses de anúncios em pílulas impressas ou audiovisuais, enquanto algum japonês se queixa de que sua caixa de

correio esteja cheia de saldos promocionais com os novos preços que encontrará no supermercado..." (García, 2000:36)

Há cerca de 5 meses, o visitante no seu deslocamento do Aeroporto José Martí para a cidade de Havana, se deparava com uma série de outdoors de publicidade comercial, como do sabão em pó Omo, companhias aéreas diversas e produtos de beleza, entre eles o Avon Lux, além de outdoors de telefonia celular. Segundo a presidenta da Associação Cubana de Publicitários e Propagandistas foi uma decisão muito acertada a de retirar todos esses outdoors comerciais e colocar em seu lugar propaganda política e campanhas de bem público. Seria uma incoerência permanecer como estava, já que existem cubanos que não têm acesso à divisa e portanto não podem comprar esses produtos. No caso da telefonia celular, por exemplo, só quem utiliza telefones deste tipo são empresas mistas e firmas estrangeiras, pois Cuba ainda não disponibilizou uma estrutura suficiente para que a população em geral tenha acesso a telefones celulares. Além disso, Galán ressalta que Cuba é um país que prega a igualdade, a cultura, a educação para a população, portanto o turista que chega hoje à Cuba "perceberá certamente que é um país culto, porque a Revolução trabalhou e lutou para levar a cultura até os locais mais longínquos do país, e isso se faz através dos primeiros outdoors por ele vistos, por exemplo, as campanhas de economia de energia e água, em outdoors com pinturas de famosos artistas cubanos..." Ainda segundo Galán, é interessante que o visitante conviva com outro panorama, e seu primeiro encontro com esse novo ambiente são os outdoors, pois eles vão dizer qual é a cultura da população, sua base ideológica e seu nível sócio-econômico. Ela admite que esse processo é um grande desafio para os publicitários cubanos, pois os mesmos que criam a publicidade comercial são os que também têm que criam essa publicidade de bem público. Ou seja, os mesmos profissionais que fazem a campanha do Popular, marca de cigarro cubana mais consumida no país, também realizam campanhas contra o tabagismo. Na cidade de Havana e seus arredores, entretanto, observamos locais onde existiam pequenos outdoors e displays de publicidade comercial, ainda que em pouca quantidade, principalmente em bairros e localidades turísticas, como a Praia de Varadero.

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Outro alvo de críticas é a publicidade veiculada nos grandes meios de massa, como a televisão, o que obriga a população a assistir diariamente comerciais de produtos que não quer comprar ou não tem condições de adquirir. "Acelera-se o processo de concentração, quando os meios de difusão passam a representar um papel destacado no processo de produção capitalista como veículos fundamentais da publicidade comercial" (Benitez, 1986:19). Além disso, no contexto cubano, é um desperdício utilizar o espaço dedicado à programação - que deve informar e entreter a sociedade - com publicidade. Então, a partir deste ponto de vista, a publicidade se concentra essencialmente nos pontos de vendas, em exposições e feiras específicas de determinados artigos, onde a pessoa vai porque se interessa e não porque foi induzida, através de publicidade exterior. Ao chegar nestes lugares, o consumidor entra em contato com a publicidade respectiva àqueles produtos que procura. Assim, existem em Cuba anualmente feiras de livros, calçados, de saúde e bem-estar, além de uma grande feira, a Feira Internacional de Havana, o evento onde há mais publicidade de produtos nacionais e internacionais.

Entretanto, não é fácil utilizar um instrumento que durante muito tempo foi inconveniente para o funcionamento do país. A publicidade cria vida em Cuba, depois de um longo e profundo sono e, apesar de ter vindo para se estabelecer, não agrada a todos. Foi vista por muito tempo como uma ferramenta capitalista. Em muitos casos ainda não se vê sua função como orientadora de consumo. E é esta a finalidade suprema pretendida pelos que hoje fazem publicidade na Ilha - orientar e informar o cliente sobre determinado produto, ainda que não haja um limite rígido entre esta e outras formas de se fazer publicidade.

Existem produtos estrangeiros com bom posicionamento no mercado mundial e que são vendidos em Cuba, assim, a publicidade vem para reforçar os produtos nacionais e fazê-los obter um bom posicionamento no mercado cubano. As pessoas devem saber que se há a cerveja Heinecken, também há a cubana Cristal, se há a Coca-cola, também há o refrigerante cubano Tropicola. O objetivo seria o de informar o cliente da existência de determinados produtos e suas qualidades, além de onde encontrá-los, e não incitar a sua compra através de formas gastas, em desuso, de mal gosto ou excessiva compulsividade, que freqüentemente deformam esse tipo de mensagem.

" Posto que existe um mercado em que cada dia vemos nutrir-se de novas marcas - aplaudimos que muitas delas sejam crioulas e competitivas - ou inéditos serviços que

engrossam aos poucos a lista dos já oferecidos, entendemos que deve dotar-se de informação sobre eles aos diferentes públicos que precisam conhecer primeiro para

depois eleger. Desta maneira poderia propiciar-se um consumo mais racional daqueles bens que necessitamos ou desejamos em nossa vida cotidiana" ( Toirac, 2000:38)

Segundo Galán, em Cuba nunca vai haver a publicidade que há em outros países, pois o discurso do país tem que coincidir com o seu fazer. Entretanto, na prática não acontece sempre assim, porque todo esse processo é muito recente, e portanto está sujeito a desvios e erros.

" O que queremos é que na mensagem final, o que pese mais seja a informação. Por exemplo, ao fazer o anúncio de um produto, tratamos de colocar as vantagens desse

produto e não de repetir um monte de vezes 'este é o preferido, este é o preferido, este é o preferido'. Entretanto, isso não acontece sempre, é uma vontade."(2)

É o caso, por exemplo, dos adesivos e toldos que circulam nas "bicis"(3), principalmente da cerveja Cristal e de outras bebidas alcoólicas, que preenchem as ruas da capital com publicidade comercial, por razões contraditórias e diversas. Alguns motoristas de bicis dizem ter recebido metade do dinheiro do veículo para a colocação do toldo, nos casos averiguados, da cerveja Cristal. A agência que tem a conta da cerveja, Premium Publicity, na pessoa do gerente Carlos Fernandéz, diz que a cerveja não dá nem custeia cartazes, adesivos ou toldos para estes taxis, que se eles colocam é por conta própria, no intuito de enfeitar e incrementar a bicicleta, que se tornará mais atraente e bonita, ou por patriotismo e orgulho, pois é um produto cubano. O fato é que a teoria de não induzir o consumidor a comprar determinado produto não funciona neste caso, pois a

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Cristal é marca líder no país justamente por apresentar o maior volume de publicidade nas ruas e demais locais. Este resultado foi inclusive almejado, com fins de vencer a concorrência estrangeira.

Esses desvios podem se manter, melhorar ou piorar, apesar da tendência descrita por Rebeca Galán e Pedro Pérez de que a publicidade, e consequentemente estes desvios, decresçam. Essa afirmação é justificada pela diminuição progressiva do orçamento destinado à, além de outras medidas, como a retirada de outdoors e de outros meios utilizados anteriormente para a publicidade, como no caso da televisão cubana, que chegou por curto tempo a veicular mensagens publicitárias em programas esportivos.

Verificamos outro exemplo, o da Rádio Taíno, como único grande meio de massa que abre espaços à publicidade paga, e justifica a sua atitude pelo turismo, contrariando a idéia inicial de não utilizar o espaço de meios de massa para a publicidade comercial. A preservação da identidade nacional é um ponto essencial para a conceitualização da publicidade em Cuba. Existe uma grande preocupação em proteger a própria cultura, já que "o norte industrializado pretende absorver e anular - e por acaso está conseguindo - a diversidade cultural do planeta" (Benitez, 1986:37) . Segundo este autor, as multinacionais no mundo subdesenvolvido, principalmente, atropelam a soberania nacional dos países e reorientam os planos e a política de desenvolvimento destes. Para os profissionais de comunicação cubanos da atualidade, existem duas importantes missões a eles cabíveis, que são a sobrevivência econômica da nação e a sobrevivência cultural. A II Assembléia Nacional da Associação de Publicitários e Propagandistas, em 1998, chama a atenção contra a adoção irracional de formas, métodos e modos de fazer que, ausentes deste sentimento nacional, não favoreçam a continuidade da valiosa cultura cubana . Esta mesma associação já criticou determinadas produções publicitárias no país, seja em vitrines, publicações ou outros meios, em que utilizavam, por exemplo, palavras em outros idiomas, principalmente o inglês, ou a ausência de profissionalismo em certas peças dedicadas ao mercado interno.

" Ser publicitário e propagandista não é apenas um meio de vida; é a alta responsabilidade social que se adquire ao conhecer que nosso trabalho influi nas ações de nossa cidadania e, com isso, se ajuda a conformar um modo de viver ou um desejo

de ser, no contexto dos princípios de nossa sociedade" (Suárez, 1999:11)

O Código de Ética dos publicitários cubanos, que foi aprovado pela primeira vez em 1995, conta com cinco capítulos e 23 artigos. Ele está direcionado à preservação do receptor da mensagem, além do estabelecimento de penas educativas para os infratores, o que não exclui a expulsão, em caso de condutas graves o de traição da pátria.

O importante para a publicidade cubana é que coexistam pacificamente o respeito pelos valores nacionais, nestes se incluem as crenças políticas, sociais e culturais e o progresso econômico do país, sem que para isso permita o domínio estrangeiro e determinados aspectos que advêm da publicidade praticada pelo resto do mundo, como a utilização de técnicas de persuasão que manipulam o consumidor, o incentivo ao consumo de produtos supérfluos e a inserção de estereótipos. Em entrevista ao grupo, a editora da revista cubana Mujeres - publicação dedicada ao público feminino -Isabel Moya, diz que não mais se utiliza a imagem da mulher na publicidade como a mulata sensual, nem se utiliza imagem estereotipada de crianças, mesmo sendo uma empresa mista, em que prevalece a lei cubana.

Entretanto, a relação entre os princípios estabelecidos e o que é realmente realizado nem sempre conduz a uma linha lógica e coerente. Mesmo sendo negada num primeiro momento, " a publicidade se converteu em peça imprescindível do xadrez econômico que joga Cuba com o exterior. E pouco a pouco crava bandeirinhas no tráfico comercial interno e - quem iria dizer? - no arsenal ideológico da revolução cubana". (Terrero; 1999:5). Essa característica não é uma questão da falta de experimentação e de tentativas em corresponder ao discurso vigente, mas uma necessidade de se integrar às regras da globalização para sobreviver.

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CRÍTICA SOCIAL E PREVISÃO EM MARX

Hegel havia ensinado a seus alunos ver a história do mundo como um processo dialético, ditado e dirigido pelo espírito absoluto ou pela razão implícita dos acontecimentos. Esses se sucederiam segundo uma férrea lógica: tudo o que é fenece em decorrência de sua contradição interna; tudo o que é sobrevive na síntese superior em que tese e antítese se unem.

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É de se perguntar se os últimos resultados da história, as formas mais desenvoltas da sociedade e do pensamento também obedecem a tais leis? Será possível aplicar o método dialético, evidenciar a tensão entre elementos contrários e apresentar previsões quanto a sínteses superiores, que concretizar-se-ão em seu devido tempo?

Pensamentos desse tipo não são considerados pela Filosofia da História de Hegel. Segue o desenrolar dos séculos e mostra como a necessidade interna desemboca num estágio final no qual as contraditórias tendências passam a coincidir. Mostra que o passado sobrevive no presente, e que este não é produto do acaso e sim resultado o mais apurado de um processo. Caso contrário a postura conservadora do velho Hegel não se coadunaria com a realidade manifesta. Na ordem dada ele percebe um sistema de valores, que não pode ser espoliado por nenhum projeto de futuro de qualquer salvador do mundo. Encontra a passagem de Deus pelo mundo nos símbolos do cristianismo protestante, expressando explicitamente as verdades mais profundas do cristão estado germânico ou de uma monarquia constitucional na qual todos são tidos como livres.

A esquerda hegeliana considerava questões não percebidas ou não reconhecidas por seu grande mestre em Berlim. Defendia poder dirigir a dialética para formas culturais e sociais existentes. Piedade mal direcionada não impediria o pensador de desnudar suas latentes contra-dições. Seu dever não seria o de justificar o existente e sim o de esclarecê-lo como um estágio transitório a caminho de modos superiores de vida. O manifesto seria absorvido pelo processo como uma das partes de seu encadeamento. Cada ponto final de uma série era visto como o início de outra. Aquilo que foi objeto de um enfoque dialético é superado ao nível do pensamento. Segundo os hegelianos não somos dominados pelo objeto, reconhecemo-nos homens livres para provar a realidade. Um hegeliano de esquerda defende que só o racional é verdadeiramente real; a situação considerada sendo em muito irracional seria portanto irreal. Defendem a dialética como um instrumento de emancipação espiritual.

Bruno Bauer o líder dos jovens hegelianos, enaltecia o espírito crítico com um entusiasmo quase religioso. Para esse crédulo ateu o enfoque hegeliano apresentava-se como uma salvadora deidade, uma força superiora liberando as almas do domínio da fé autoritária e descortinando ilimitadas perspectivas de futuro. A crítica passaria assim a ser desenvolvida num plano teológico. Ao perderem sua aureola os sagrados credos mostraram-se incapazes de deter o livre desenvol-vimento do espírito. As questões políticas fizeram-se atuais. As antigas formações sociais deveriam ser superadas da mesma forma que as antigas crenças, com descompromissada crítica, forjada no melhor espírito da filosofia dialética.

Marx manteve traços essenciais do enfoque dos jovens hegelianos. Viu a tradição nostálgica como uma força adversa e considerava a filosofia carente de um crítico acerto de contas com os seus fundamentos. Não hesitou em afirmar ser a religião o ópio do povo. Mas ao contrário da fé de Bruno Bauer na capacidade do puro pensamento em se libertar e se recriar, Marx afirma que a idéia não passa de gafe quando não vem ligada a algum interesse. Obedece a seguinte construção:

A crítica é uma atividade social; pressupõe um público receptivo à sua argumentação. Noutro caso não passaria de uma arenga no vazio, sem sentido. Em que circunstâncias poderá se dirigir a alguém que dê atenção e se impressione? Só com o interesse dos ouvintes voltando-se em favor do crítico; senão reagiriam contrariamente ou restariam indiferentes, como se a questão não lhes dissesse respeito. O auditório ou o circulo de leitores precisa entender que as instituições e as ideologias atravancam o caminho de suas exigências de uma vida melhor. Então e só então levará em conta uma crítica capaz de evidenciar com motivos incontestáveis a falta de conteúdo da comunicação.Do ponto de vista do observador externo, visto objetivamente, essas pessoas estão destituídas de qualquer interesse em manter uma situação estabelecida. Não têm nenhuma participação nas vantagens que possa oferecer. Querem-na melhor. Podem, no entanto, aceitar sua situação como uma necessidade inevitável alegando que o mundo sempre foi assim, e assim sempre será. Talvez desde a mais tenra idade tenham recebido imagens de tradições, justificando a ordem estabelecida e condenam toda resistência a grupos sociais dominantes. Talvez sintam de forma pouco claro que essas ideologias sejam contrárias a seus anseios de uma existência mais digna. Diz-se de tais

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desejos que são presunçosos e infrutíferos: temos que ser submissos contentando-nos com a situação que um poder superior nos proporcionou.

A crítica social de Marx procura tornar os grupos desfavorecidos conscientes de seus interesses objetivos. Com argumentos cientificamente imbricados evidencia as realidades sociais não observadas ou mascaradas por falsas idealizações. Explica a situação social reinante como um estágio e um desenvolvimento ainda em curso; arrancando assim as bases do fatalismo que leva à passividade social. Finalmente mostra que as imagens endoutrinadas são ideologias estranhas cuja função é manter os interesses da classe dominante. A força demolidora do corpo teórico deixado por Marx abre campo para a renovação social, tarefa do proletariado consciente.

Em Marx a crítica não é uma condição suficiente para a emancipação. Nada pode realizar se não apelar para latentes interesses tornando-os claramente conscientes. É para ele uma condição necessária; sem sua contribuição a grande obra de reconstrução social não é realizável. Para Marx o pensamento crítico tem ainda uma outra função: provar as idéias que se evidenciam no mundo do trabalho e eliminar os elementos sem fundamento real. Sobrevivências de antigas formas de pensar tem que ser rastreadas e neutralizadas; entre elas está a aversão à sociedade industrial e o reacionário sonho de retorno a uma sociedade de pequenos produtores e artesãos. Insustentáveis utopias sociais têm que ter seus intentos desmascarados. Assim como todo obscuro e mal pensado revolucionarismo romântico. A emancipação dos trabalhadores tem que ser obra deles mesmos reza o Manifesto Comunista. Marx observa com toda energia, que os trabalhadores precisam ser formados para uma compreensão da realidade livre de ilusões, para que sua luta não resulte em decepções e fracasso. Via como uma prazerosa obrigação exercer o papel de educador.Bakunin e outros adversários acusaram Marx de ilimitada sede de poder aborrecendo-se com seus modos autoritários. Certamente sem motivo. Ele era altamente intolerante em relação a opiniões divergentes quanto ao socialismo. Sabia, no entanto, sempre motivar seus atos com a necessidade de se resguardar de falsos educadores, condutores das massas ao engano. Entre esses se encontrava entre outros Proudhon com suas arengas sobre a justiça eterna; Bakunin com sua retumbante retórica, ocultando confusão e pobreza intelectual; Lasalle, uma figura suspeita, que secretamente conspirava com Bismarck, imperador da Prússia, e induzia os trabalhadores a acreditar no estado como instituição protetora. Convém lembrar ainda que o primeiro programa dos social-democratas alemães, o programa de Gotha, não obteve o apoio de Marx; discutíveis heresias haviam se infiltrado no mesmo. Marx via o caminho claro baseando-se no inabalável alicerce da ciência.

OBS. O presente texto baseia-se em e transcreve trechos do livro: Marx como cientista e pesquisador social, de Gunnar Aspelin (1898 – 1977), militante marxista e professor catedrático de filosofia da Universidade de Lund, Suécia.

Cuba Sí: ¿Por qué no?

Após longos anos de espera e expectativa fui a Cuba, pela primeira vez, para participar do IV Encontro Internacional de Pais de Alunos da ELAM, que se realizou de a 6 de fevereiro, em Havana, na própria Escuela Latinoamericana de Medicina.

Mas, além de representar a nossa associação de pais, a apaC, naquele evento, não podia deixar de aproveitar a oportunidade para conhecer um pouco de Cuba, do seu povo e de sua cultura. e, mais do que isto, precisava ver Cuba com os meus próprios olhos que, até então, só conhecia através de livros, pelo relato de amigos e pela imprensa.

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Embarquei para Havana na expectativa de rever minha filha que lá estuda. e de buscar respostas para perguntas que, até aquele momento, nenhum livro tinham respondido. Como um país que sofre o mais longo e cruel bloqueio do mundo conseguiu sobreviver à queda do bloco socialista, seu grande parceiro político e econômico? Como vive um povo que detém índices sociais iguais ou superiores a muitos países do primeiro mundo, mas que tem uma renda média anual que corresponde à metade da renda média do brasileiro? Que encantos têm esse país que atrai mais turistas que o Brasil? Como um país que perdeu mais da metade de seus seis mil médicos logo após o triunfo da revolução tem hoje, 0 anos depois, quase 70 mil médicos atendendo os seus 11 milhões de habitantes e outros 15 mil médicos atuando em 0 países e ainda prepara 10 mil, provenientes de 2 países latino-americanos, no Projeto ELAM? Enfim, as perguntas eram muitas. E para buscar essas respostas lá fui eu para a ilha socialista. logo na chegada no aeroporto internacional José Martí (um dos onze aeroportos internacionais de Cuba) começamos a perceber que Cuba é um país diferente.

Na saída do aeroporto um outdoor chama a atenção e emociona qualquer visitante. Bem visível ele anuncia: “esta noite, milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”.

Eé verdade. nos 17 dias que lá estive não vi qualquer criança abandonada ou pedindo esmolas nas ruas. e nem adultos. Para um morador de qualquer país da américa latina isto já causa um grande impacto. Que o diga, por exemplo, um morador de qualquer cidade brasileira, argentina e uruguaia após anos de neoliberalismo.

Ao contrário, o que se vê em Cuba são crianças uniformizadas nas escolas ou nas atividades extraclasse caminhando pelas ruas, acompanhadas de seus “maestros”. Em cada quadra residencial ou quarteirão existe pelo menos uma escolinha, além de um consultório médico comunitário e um Comitê de Defesa da Revolução – CDR.

Visitando uma escola - A Educaçã em Cuba

No entanto, precisava visitar uma dessas escolas. Ao caminhar em Habana vieja, na Calle obispo, uma das mais famosas ruas do centro histórico, muito freqüentada pelos turistas e onde se localiza o Hotel que abrigava Hemingway, encontrei uma de portas abertas, com o nome de um dos heróis nacionais: José Martí. parecia um convite. Uma feliz coincidência. Uma pequena e velha casa onde há cerca de quatro salas de aulas e não mais do que cem crianças. em poucos minutos de conversa com as professoras comecei a encontrar algumas respostas de como Cuba conseguiu acabar praticamente com o analfabetismo em menos de um ano (antes da revolução o índice era de 30% da população) e por que, ao lado da saúde, cultura e esportes, a educação é reconhecida mundialmente por sua excelência.

A motivação daquelas professoras, a consciência de sua responsabilidade social e a percepção de que são peças importantes no processo revolucionário do país – que não se esgotou na derrubada do ditador Batista – e na formação daquelas crianças, reforçaram minha convicção de que educação não se faz apenas com prédios bonitos. Registra-se que o salário de um professor em Cuba pode variar em torno de 200 a 400 pesos, o que não lhe garante um padrão de vida superior aos dos professores dos demais países latinoamericanos.

E comentar sobre os salários em Cuba é complexo, pois existem duas moedas correntes: o peso cubano e o dólar. Oficialmente um dólar norte-americano vale 26 pesos cubanos nas casas de câmbio do governo e existem produtos que só estão disponíveis com preços cotados em dólar. entretanto, o trabalhador cubano pode adquirir boa parte dos produtos essenciais em pesos a preços subsidiados pelo estado, inclusive energia elétrica, água, gás e o transporte público.

O mesmo entusiasmo que senti naquelas professoras cubanas pude constatar no contato com os mestres e funcionários da escola Latinoamericana de Medicina. É incrível como uma idéia concebida pelo Comandante Fidel tornou-se um projeto nacional. ao conversarmos com aqueles que trabalham na elaM, desde o reitor até o

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pessoal da limpeza, entendemos como um povo consegue superar tantas dificuldades pela força dos ideais e o pelo verdadeiro papel exercido por um líder. Podemos afirmar que Fidel não é uma unanimidade em Cuba, mas mesmo a minoria que não concorda com algumas de suas posições reconhece os avanços sociais conquistados nas últimas décadas e a conquista, após quatro séculos dominados pelos espanhóis e pelos norte-americanos, da liberdade e da autodeterminação de seu país.

As dificuldades econõmicas

Na verdade o povo cubano passa por um grande aperto econômico, pois além de enfrentar o bloqueio econômico dos Estados Unidos, a situação se agravou após o desmanche do bloco socialista. Durante três décadas Cuba concentrou o seu comércio no bloco socialista onde a moeda forte era o rublo. praticamente a totalidade das exportações cubanas eram para os países do leste europeu que recebiam os seus produtos, basicamente o açúcar, e enviavam para a ilha derivados de petróleo, alimentos e outros produtos essenciais. naquela época o peso cubano correspondia a um dólar norte-americano e a portabilidade do dólar era proibida.

Após a queda do bloco socialista, Cuba viveu três longos anos de ajustes em sua economia, no início da década de 1990. Foi o chamado período especial em que muitos, inclusive cubanos, apostavam que o regime de Fidel não sobreviveria à crise que então se instalara na ilha.

Segundo relatos de alguns cubanos, com os quais tive oportunidade de conversar, esses anos foram terríveis. logo no início dessa tempestade um dólar chegou a valer mais de cem pesos cubanos, o transporte público entrou em colapso pois o país não tinha fornecimento de petróleo, muitos produtos básicos, antes importados dos países do leste europeu, não eram encontrados para consumo e o país continuava a enfrentar o bloqueio econômico que o penaliza há 45 anos, sem acesso a créditos e financiamentos internacionais.

Algumas medidas como a liberalização do dólar como meio de pagamento, a flexibilização para investimentos externos (especialmente europeus na área do turismo e em parceria com o Governo cubano), a transformação de fazendas coletivas em cooperativas e uma modesta abertura para pequenos negócios no setor de serviços amenizaram os efeitos nefastos da crise econômica.

A grande virada da economia cubana, que a partir de 1994 retomou o crescimento econômico, deu-se com a abertura ao turismo, hoje a grande fonte de divisas do país que, no ano de 2000, chegou a receber cerca de dois milhões de visitantes, mais do que o nosso país.

Explorando a riqueza cultural do país, a simpatia e amizade de seu povo, as belezas arquitetônicas de Havana e as lindíssimas praias de varadero (que se localiza na província de Matanzas a 120 kilometros de Havana), Cuba é hoje uma das melhores opções turísticas do mundo.

A liberalização das transações em dólar e a abertura ao turismo, no entanto trouxeram, além da redenção para a combalida economia cubana, efeitos sociais indesejáveis. Junto aos milhões de turistas aparecem nas ruas de Havana prostitutas, que. como em todas as demais partes do mundo, negociam algumas horas de prazer em troca de alguns dólares. esse fato causa grande constrangimento ao cubano, pois, embora comum nos demais países, inclusive no Brasil onde a prostituição, inclusive infantil, é uma vergonha para a nossa sociedade, é um sinal de que seqüelas da crise foram deixadas no contexto social do país.

Mas, em minha opinião, um grande efeito dessa liberalização econômica necessária foi a reestruturação social e salarial em Cuba, que trouxe benefícios e também problemas. Boa parte da economia cubana e dos trabalhadores cubanos vivem em função do turismo.

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Como os demais, esses trabalhadores recebem seus salários em pesos cubanos e tem todos os direitos à assistência médica, odontológica e hospitalar gratuitas, a escola em todos os níveis para seus filhos, transporte e energia subsidiados e produtos essenciais – controlados pela libreta – fornecidos pelo estado. no entanto, algo em especial os diferem dos demais cubanos. por trabalharem na área do turismo eles tem acesso às “propinas” em dólar, o que lhes proporciona acesso mais fácil a alguns produtos vendidos na moeda norte-americana. assim, um carregador de malas, uma camareira ou um atendente de Hotel no final do mês, computados os seus salários em pesos e as gorjetas em dólar, podem ter um poder de compra superior a um médico ou outros profissionais de nível superior altamente qualificados. Não é difícil, pois, mesmo com todo o planejamento típico de um governo socialista, encontrarmos profissionais de nível superior trabalhando em hotéis e nas demais atividades no atendimento a turistas. aliás, os postos de trabalho ligados ao turismo são os mais procurados e desejados na ilha. Este é um problema e um desafio a ser solucionado pelo Governo Cubano.

Conhecendo um poco de Havana

Ao caminharmos em Havana constatamos uma grande preocupação do povo, através de trabalhos voluntários, e do estado em manter a cidade limpa e bem cuidada. Essa preocupação se verifica tanto na parte história da cidade (Habana vieja, tombada em 1982 pela Unesco como patrimônio da Humanidade) quanto na outra parte onde se destacam os bairros de vedado e Miramar. se em Habana vieja vemos ruas estreitas e casas muito antigas, algumas em ruínas e outras sendo recuperadas pelo Governo, na parte “nobre” da cidade temos ruas largas e com verdadeiros palacetes construídos nas décadas de 1940 e 1950.

Uma das mais belas dessas ruas é a Quinta avenida, em Miramar. No bairro de vedado e na parte histórica da cidade vemos que Havana hoje é um grande canteiro de obras e o governo tenta recuperar, em ritmo acelerado, boa parte das casas, algumas em péssimo estado de conservação.

Mais do que os prédios velhos e históricos e dos automóveis americanos, muitos bem conservados, da década de 1940 e 1950, o que nos faz viajar no tempo, temos que falar sobre a alma da cidade: O seu povo sempre alegre, que gosta de expressar seu carinho e admiração pelos brasileiros e registrar que adoram as nossas novelas, que nos leva a entender as palavras de Hemingway: “amo esse país e sinto-me como se estivesse em casa”.

E quem vai a Cuba não pode deixar de caminhar no malecón – um calçadão que começa no bairro de vedado, passa em frente do escritório de negócios dos eUa, estrategicamente localizado ao lado de uma praça onde se concentram as manifestações contra aquele país, e termina praticamente dentro de Havana vieja – curtindo a brisa do mar e a bela paisagem do casario histórico e seus detalhes arquitetônicos. Mas se você não quiser caminhar, mesmo assim não deixe de percorrê-lo a bordo de um dos inúmeros coco-táxis, ao preço de 1 dólar a cada 2 kilometros. É um prazer único e indescritível. outro programa imperdível é saborear os deliciosos sorvetes da “Copélia”, o único lugar do mundo onde se pode comer cinco bolas de sorvete por menos de 1 dólar e que fica em frente ao mais famoso cinema da capital: o Iara. e pertinho dali um dos monumentos de Havana: o Hotel Habana Libre que foi inaugurado em 1959, pouco antes do triunfo da Revolução, com o nome de Habana Hilton, e que foi a primeira sede do Governo revolucionário de Fidel Castro. ali, além da beleza e sofisticação internas, encontram-se registrados momentos importantes da história cubana.

Mas é em Habana Vieja onde nos deparamos com as melhores surpresas. Ao caminhar por suas estreitas ruas é comum assistirmos a shows relâmpagos da mais pura e contagiante salsa, dos saltimbancos (trupe de artistas e dançarinos que se apresentam nas ruas com roupas coloridas e pernas-de-pau) e de figuras pitorescas como velhos dançarinos que se exibem para os turistas e velhas cubanas que, sentadas nas portas de suas casas, saboreiam grandes e largos charutos cubanos.

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Mais importante do que saborear um congri (arroz com feijão cozidos juntos) com carne de porco e beber um mojito é se alimentar um pouco da diversidade cultural do lugar.

Ali mesmo em Habana Vieja pode-se conhecer o Museu de arte Moderna e o Museu da Revolução, que conta toda a história cubana, desde a época dos primitivos índios, que habitavam a ilha antes da chegada dos espanhóis, até os dias atuais.

Como quem vai a Roma quer ver o Papa, eu não poderia deixar de contemplar um espetáculo do famoso balé cubano. Para quem quer conhecer a ilha a dica é conseguir um exemplar da Cartelera Cultural, distribuída todas as quintas-feiras nas portas dos museus e teatros. Por sorte estava programada a apresentação do Balé Espanhol de Cuba no Teatro Nacional, outro belíssimo prédio. Ao preço de 20 dólares para os turistas e de 4 pesos para os cubanos pode-se assistir a um espetáculo de balé simplesmente inesquecível. e, praticamente ao lado, encontrase o Capitólio, a réplica cubana do conhecido prédio norte-americano.

Mas se depois de um belo espetáculo de balé a fome apertar, a menos de 1 kilometro fica o Bairro Chino, onde se come bem e barato, o que não é muito comum em Havana. Mas Havana tem ainda muito mais. a belíssima plaza de la Revolucion, onde se cultuam os dois maiores heróis nacionais: José Martí e Che Guevara. E tem o seu maior patrimônio e o que mais encanta quem a conhece: a simpatia e amizade do povo cubano.

Os contrastes da Ilha

Cuba é um lugar polêmico e cheio de contrates. engana-se quem pensa que esses contrastes se limitam ao tráfego de carros antigos das décadas de 1940 e 1950 paralelamente a modelos sofisticados e atuais pelas ruas de Havana.

Além da diversidade cultural, em Cuba pratica-se uma diversidade religiosa onde encontramos templos protestantes e católicos – a Catedral de Havana é linda e não pode deixar de ser visitada – e até sinagogas, que convivem com o culto a santeria, semelhante ao nosso candomblé.

Distante algumas dezenas de milhas da maior potência econômica do mundo e, também, de uma das nações mais pobres do mundo, o Haiti, Cuba tem características próprias e o cubano, apesar de todas as dificuldades, uma maneira peculiar de viver, onde o mais importante não é o “ter” e sim o “ser”. embalados pelo rum cubano, um néctar dos deuses, podemos conversar com um cubano e sentir exatamente o que é amizade e desprendimento. e o verdadeiro sentido da solidariedade que é compartilhar não só as coisas materiais, mas, especialmente, os sentimentos.

Com tantos contrastes culturais, Cuba é um país onde todos os cidadãos têm os seus direitos elementares garantidos pelo estado. Assim, o salário do reitor de uma universidade, ou de um médico graduado não é tão distante do salário de um faxineiro ou de um operário da construção civil. Os filhos de todos eles freqüentam a mesma escola e são atendidos pelo mesmo médico. a alimentação básica, fornecida pelo estado a preços subsidiados, é igual para todos.

Mas por que alguns cubanos querem fugir do país se arriscando no perigoso mar do Caribe? talvez encontremos a resposta analisando as razões para milhões de brasileiros migrarem legal e ilegalmente a outros países. Mas se alguns atletas cubanos buscam no exterior a riqueza que não teria em Cuba, muitos outros, como os jogadores de baiseball, e em Cuba é onde se pratica o melhor baiseball do mundo, ainda preferem ficar na ilha. O importante é que apesar da emigração de alguns médicos, artistas, cientistas e atletas, em Cuba não faltam médicos, artistas, cientistas e atletas. E, talvez, a resposta para essa pergunta seja tão ou mais importante do que procurar a explicação de alguns saírem do país.

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Após 17 dias inesquecíveis, nos quais conheci um país e um povo admiráveis, encontrei algumas respostas que procurava. Mas não todas! e se você acha que isto é uma desculpa para voltar à ilha....confesso: você tem razão! e se você também tem dúvidas e perguntas sobre Cuba faça como eu. Procure você mesmo essas respostas.

Acredito que é difícil ir a Cuba e não querer voltar. não só para rever a bela cidade, caminhar por suas ruas e voltar ao passado, mas para rever os amigos que inevitavelmente deixamos. Mesmo em poucos dias é possível deixar amigos em Cuba. assim, terei de voltar a Cuba para rever amigos antigos, como o adalberto, funcionário da Embaixada do Brasil e grande amigo dos estudantes brasileiros, e para ter uma “prosa” agradável com o nosso embaixador tilden. Mas gostaria de voltar para rever, também, os novos amigos que lá deixei como o raul – o inspetor da ELAM que me acompanhou na visita à escola -, a Maira, que mais do que uma trabalhadora que nos serviu ficou nossa amiga, e, dentre tantos outros, o albino, um brasileiro que chegou a Cuba com doze anos de idade, há 40 anos, e cuja estória mereceria uma edição do Globo Repórter, ou, pelo menos, uma reportagem do Fantástico.

Mas tenho que voltar a Cuba, pois é lá que está guardado o meu grande tesouro e de quem morro de saudades.

E para quem me pergunta se vale a pena conhecer Cuba respondo: Cuba si. por que no?

Cuba, quem diria, está dando certo

I

É engraçado ouvir ou ler os comentários de alguns brasileiros que passam alguns dias em Cuba, a turismo ou a trabalho, e manifestam opiniões definitivas sobre o país. Horrorizam-se com as moradias precárias e deterioradas e com as crianças que lhes pedem balas e chicletes nas ruas. Há mendigos, alardeiam. Criticam as filas, impressionam-se com os ônibus lotados e espantam-se porque todos os cubanos não têm acesso a todos os serviços e bens de consumo. Vêem na existência de prostitutas e malandros nas ruas como prova definitiva de que Cuba vai mal, muito mal. Há pessoas que cometem atos ilícitos, roubando produtos nas fábricas e cometendo delitos, vejam só. E ainda lembram que milhares de cubanos procuram deixar o país, rumo aos Estados Unidos e a outros países do Primeiro Mundo.

Esses brasileiros - entre os quais alguns jornalistas -- voltam ao nosso país com a idéia de que Cuba está à beira do colapso, tal a crise econômica que enfrenta e a falta de perspectivas para superá-la. E transmitem isso aos que os ouvem e, no caso dos jornalistas, aos que os lêem ou assistem.

Parece que esses brasileiros não vivem no Brasil. Pois falam como se aqui não existissem favelas e pessoas morando sob pontes e marquises. Como se aqui não houvesse crianças pedindo nas ruas, nem mendigos. Como se não houvesse filas. Vendo-os criticar Cuba, a impressão que se tem é de que no Brasil o transporte coletivo funciona muito bem. E que, em nosso país, qualquer cidadão pode comprar o que quiser e freqüentar qualquer restaurante, sem se preocupar com os preços. Além disso, não há prostitutas nem malandros em nossas ruas, ninguém rouba e nenhum brasileiro deixa o

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país para tentar a vida nos Estados Unidos, no Japão e na Europa. O Brasil, a julgar pelos comentários desses brasileiros que criticam Cuba por coisas como essas, está em ótima situação econômica, em pleno desenvolvimento. Sem pobreza, sem miséria, sem fome e sem desemprego. E em excelente situação no que diz respeito à criminalidade e à moralidade pública.

II

Muitas críticas podem ser feitas a Cuba, e mais especificamente ao sistema político, econômico e social que lá vigora - e que, naturalmente, não é perfeito. Há problemas na sociedade cubana, e muitos. Mas esse tipo de críticas superficiais, de quem se esquece de olhar no espelho, cai no ridículo. São críticas que partem ou de um preconceito ideológico, ou de um desconhecimento profundo da real situação de Cuba ou do simplismo que caracteriza as observações de turistas apressados e jornalistas despreparados. Se deixassem o preconceito ideológico de lado e procurassem conhecer mais a realidade de Cuba, esses brasileiros saberiam que:

- Cuba é um país pequeno, um arquipélago de 110.922 quilômetros quadrados e 11,2 milhões de habitantes, e poucos recursos naturais. Um país colonizado pelos espanhóis, que o exploraram até 1898. Tem todas as características históricas e culturais dos países latino-americanos. É um país pobre, do Terceiro Mundo.

- Cuba sofre hostilidades praticadas pelos poderosos Estados Unidos da América, ou com sua cumplicidade, há 43 anos: não apenas um bloqueio econômico drástico, como também ações armadas, atos de terrorismo, atentados a dirigentes, transmissões radiofônicas e televisivas incitando à revolta, incentivos materiais e políticos à derrubada do governo e muitas outras.

- Com o fim da União Soviética e do bloco socialista europeu, de 1989 a 1991, Cuba passou a enfrentar uma crise econômica de enormes proporções. Perdeu, praticamente de um dia para outro, 85% de seu comércio externo. Seu Produto Interno Bruto caiu 34,8%, de 1990 a 1993. O déficit fiscal, em 1993, era de 33,5% do PIB. A relação peso-dólar chegou a 140 por 1.

- Mesmo sendo um pequeno país de Terceiro Mundo, enfrentando uma pesada crise econômica e sofrendo bloqueio econômico e hostilidades por parte da maior potência da Terra, Cuba apresenta indicadores sociais que a colocam ao lado das nações do Primeiro Mundo em termos de educação, saúde e previdência social. Esses indicadores são, hoje, melhores do que os de 1990. A taxa de mortalidade infantil, por exemplo, baixou de 11,1/1000 em 1989 para 6,2/1000 em 2001 - índice menor do que o dos Estados Unidos. A partir de setembro, nenhuma sala de aula em Cuba terá mais de 20 alunos.

- Sem recorrer ao Fundo Monetário Internacional e sem abdicar da soberania nacional, Cuba está em processo de recuperação econômica: o PIB vem crescendo desde 1994, alcançando 6,2% em 1999, 5,7% em 2000 e 3% em 2001 (a segunda taxa da América Latina, muito acima da média de seus países); o déficit fiscal foi reduzido para 3% do PIB; o desemprego urbano é de 4,5% (o segundo menor da América Latina). A relação peso-dólar é de 26 por 1. A economia cubana já recuperou 85% do que perdeu de 1989 a 1993.

- Cuba foi atingida no ano passado pelo pior furacão dos últimos 50 anos, o Michelle. Plantações foram destruídas, mais de 45 mil casas foram derrubadas ou danificadas, torres de transmissão de energia e de telecomunicações ficaram inoperantes, enfim, um prejuízo calculado em US$ 1,5 bilhão. Mesmo assim, ninguém ficou desamparado.

E apenas cinco pessoas morreram, graças às medidas de prevenção tomadas.

III

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Não é justo, porém, exigir que todos os brasileiros que forem a Cuba passar uma ou duas semanas saibam tudo isso. Mas, se deixassem de lado os preconceitos ideológicos e o simplismo, e conseguissem refletir por mais de cinco minutos, esses observadores acidentais da vida cubana veriam que:

- Há muitas moradias precárias e deterioradas em Cuba, especialmente em Havana, a capital com dois milhões de habitantes. Havia até 1990 um enorme esforço de construção e recuperação de casas e apartamentos, reduzido em decorrência da crise econômica. Mas todos os cubanos têm uma casa, um endereço. Um aluguel sai por US$ 1 ou US$ 2, 85% das moradias são próprias. Ninguém mora nas ruas.

- Muitas crianças pedem balinhas e chicletes aos estrangeiros, pois lá não há a diversidade de confeitos que se encontra em outros países. Mas todas essas crianças têm casa, estão na escola, vestem-se decentemente e não passam fome. Os que pedem esmolas em Havana podem ser contados em duas mãos - são pessoas pobres, mas também têm suas casas e, diferentemente de muitos brasileiros, não passam fome. O governo cubano reconhece que 14% da população vive em situação precária - o que está muito longe de viver na miséria - e dá a essas pessoas uma atenção especial. E os índices de criminalidade em Cuba são baixíssimos, sendo o furto o crime mais comum.

- As filas são decorrência da carência de vários produtos e da relativa igualdade entre as pessoas, pois todos, sem exceção, têm direito aos mesmos produtos que integram a "libreta" - a cesta básica de alimentos e produtos que custa US$ 0,80 - e as atividades culturais, recreativas e desportivas são muito baratas. Quem for ao Parque Coppelia, em Havana, verá filas enormes, desde cedo, para tomar sorvete. Há filas porque todos os cubanos têm condições de tomar os sorvetes da Coppelia.

- Os ônibus são poucos, muitos deles - como os chamados "camelos" - são ruins e geralmente estão lotados. O transporte urbano é um dos maiores problemas do cotidiano cubano e a carona é uma instituição nacional. Mas há sensíveis melhoras em relação aos anos anteriores, inclusive com a montagem de ônibus, em Havana, por uma empresa cubano-brasileira, a Tranbuss.

- Uma das estratégias para enfrentar a crise econômica foi institucionalizar a dupla moeda em Cuba, uma medida considerada transitória. Por isso, há um mercado em dólares e outro em pesos, a moeda nacional, o que cria desigualdades sociais que não existiam antes. Quem tem acesso ao dólar (estima-se que, em variadas medidas, 64% da população), ou quem tem mais dólares, tem acesso a produtos e serviços que não estão ao alcance dos que têm apenas pesos. Uma desigualdade, porém, milhares de vezes menor do que a que existe no Brasil ou em qualquer país da América Latina.

- Há prostitutas (e prostitutos) em todos os lugares de mundo, e em Cuba também. Lá, como no Brasil, vender o corpo não é crime. A diferença é que a prostituição em Cuba não é questão de sobrevivência, mas de opção de vida em busca de um melhor padrão de consumo proporcionado pelo dólar. Aumentou, na década de 90, em decorrência do enorme crescimento do fluxo de turistas e de estrangeiros.

- Há malandros também, pessoas que abordam os estrangeiros para vender produtos roubados ou falsificados (principalmente charutos), ou oferecer seus serviços informais de "guia turístico", cafetão ou algo semelhante. Há funcionários e trabalhadores que cometem ilícitos, menores ou maiores, para ganhar um "extra", em dólares - de preferência - ou em pesos. É uma conseqüência da crise econômica, do crescimento do turismo e da dupla moeda. Mas em Cuba não há corrupção sistemática no governo, e isso é reconhecido por todos que lidam com as autoridades do país.

- Do mesmo jeito que há cubanos querendo ir para os Estados Unidos e outros países desenvolvidos, em busca de melhores oportunidades, há brasileiros, mexicanos, hondurenhos, argentinos, equatorianos, haitianos... A imigração é uma aspiração compreensível. Muitos cubanos que não conseguem obter o visto de entrada no consulado norte-americano em Havana tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos, da mesma maneira como outros latino-americanos - a diferença é que são apenas 180

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quilômetros de distância por mar e a lei norte-americana incentiva as saídas ilegais, ao receber os cubanos que tocam o solo dos Estados Unidos, enquanto manda devolver aos países de origem os demais estrangeiros.

IV

É claro que os problemas de Cuba não se limitam a esses citados, geralmente os mais alardeados. Há outros problemas econômicos e sociais, até mais graves, mas há também críticas ao sistema político: alega-se que não há democracia, não há eleições livres, que a população é subjugada pelo Partido Comunista, que não há liberdade de imprensa, que o regime é policial, os direitos humanos não são respeitados. Em Cuba, há uma resposta para cada contestação, embora se admita a necessidade de aperfeiçoar - mas não mudar - o sistema político.

Essa é uma discussão inócua, se feita superficialmente ou para que um lado convença o outro (o que jamais acontecerá). Os conceitos da democracia socialista, na visão marxista, não são os mesmos da democracia capitalista. Não pode haver democracia socialista em um país capitalista, e vice-versa. Logo, a contestação ao tipo de democracia que se pratica é a contestação à raiz do próprio sistema.

Há, porém, um fato inegável: a maioria da população cubana aprova o sistema e o governo. Há indicadores confiáveis para demonstrar isso, entre os quais até uma pesquisa realizada por instituto norte-americano. Mas basta ir além das áreas turísticas e das conversas com os que cercam os estrangeiros nas proximidades dos hotéis para verificar pessoalmente isso. Não é que a população esteja plenamente satisfeita. Há reclamações, queixas. Situadas, porém, dentro do sistema. Há uma consciência majoritária de que os cubanos estão em melhor situação do que a maioria dos que vivem em outros países latino-americanos, inclusive no nosso. E que um retorno ao capitalismo causaria mais prejuízos do que vantagens.

Além do que ninguém pode achar que, em uma sociedade plenamente participativa como a cubana (fato que também se desconhece fora de Cuba), o povo não derrubaria o governo e o sistema se quisesse. Ainda mais tendo ao lado os Estados Unidos, ansiosos por isso. Um dado pouco levado em conta nas avaliações que são feitas fora de Cuba é que o sistema contou com uma ampla base de apoio social mesmo nos piores momentos da crise econômica, de 1992 a 1994, quando faltavam alimentos, veículos não circulavam e fábricas estavam fechadas porque não havia combustível, os apagões chegavam a oito ou dez horas por dia.

Em Cuba não há miseráveis nem ricos. As pessoas se situam entre a pobreza com decência e a classe média "baixa", com alguns bolsões, mais recentemente, de classe média "média". Como a opção é pela igualdade, ainda que menor do que a que existia nos anos 80, o estilo de vida é modesto e austero. A classe média brasileira, que vai a Cuba a passeio ou a trabalho, tem, é lógico, dificuldade em entender e aceitar isso. Compara o padrão de vida dos cubanos não ao padrão de vida da maioria dos brasileiros, mas ao seu padrão de classe média "média" e "alta". E rejeita o socialismo, independentemente de razões políticas, porque fatalmente perderia renda e nível de vida se o sistema fosse adotado no Brasil.

V

Pode-se optar pelo capitalismo ou pelo socialismo, gostar ou não do sistema cubano. Mas não há como negar que nenhum país latino-americano (para nos restringirmos à nossa região) enfrenta uma crise econômica:

1 - com as proporções da enfrentada por Cuba;

2 - sob o bloqueio econômico que sofre Cuba;

3 - mostrando índices de recuperação econômica como os de Cuba;

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4 - sem recorrer aos Estados Unidos e ao FMI e sem abdicar de sua soberania nacional e do controle de sua economia;

5 - sem provocar altos índices de desemprego e a exclusão e marginalização de parcela de sua população;

6 - sem que essa crise se transforme em crise política, com protestos de rua e instabilidade social;

7 - com o presidente da República mantendo e até aumentado sua popularidade.

Cuba tem imensos problemas, mas seguramente não é o país em pior situação na América Latina. Economicamente, recupera-se. Socialmente, é equilibrado e estável.

Politicamente, tem um peso específico muito superior às suas reais dimensões. E, apesar de suas fragilidades, não teme desagradar os Estados Unidos ao defender suas posições de princípio.

Cuba está dando certo, e por isso incomoda muita gente. Que então fala em casas precárias, ônibus lotados, crianças pedindo chicletes, prostitutas, emigrantes clandestinos...

Ode a um sonhado arquipélago de cubas

Há na cuba um pouco de vida para além das cotoveladas.Uma ilha-cana-de-açucar no meio de uma arena de luta livre.Uma ilha feita de princípio em um redemoinho de fim,como uma quaresmeira frondosa em um estacionamento.Cuba, apenas ilha de rum e rumba que eu queria continente;queria um arquipélago destas cubas, ao invés deste mundo seco.Em um mundo que é mar onde tubarão morde golfinho,uma estreita cuba onde as abelhas oferecem mel para os ursose as formigas trabalham para as cigarras cantarem.Em um mundo onde gato com pressa come cão,uma cuba, onde quando há cordeiros não ha leão.Uma ilha onde se pode ver gentes ajudarem,onde instintos puros não seguem repetidos cursos.Os impulsos secos que vem do oceano sangrando em torvelinhobatem nesta ilha e se dissolvem, encurralados em um beco.Queria uma ilha assim, sem chicote, sem gula, diferente.Onde todos vissem em toda coisa não entrave mas sustento,não entrave mas ambiente, outro Abel, nenhum Caim.Mas é apenas uma cuba, cercada de abismos de todo calibree sozinha sem patrões, sem ignorância, sem espadas,apenas um oásis sem armadilhas onde as idéias ficam rebeladase todos comem.

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CUBA: UMA TELEVISÃO A FAVOR DA CULTURA, DO POVO E DO PAÍS

Justo no momento em que duas grandes redes televisivas brasileirasinvestem altas somas na disputa pela maior imbecilização e selvajaria em BigBrother versus Casa dos Artistas 2, em Cuba, com recursos modestos, tomamse medidas que comunicam ao mundo que a televisão pode sim servir comoinstrumento de elevação cultural, de humanização da sociedade e deinformação em sentido amplo.

O governo cubano acaba de adquirir 1 milhão de televisores a cores daChina.

Para uma população de pouco mais de 10 milhões de habitantes, aaquisição atinge potencialmente cerca de um terço dos domicílios. Expressivo, enão se trata pura e simplesmente de uma compra isolada. Representa oreconhecimento do novo papel desempenhado pela televisão dentro de um conjunto de medidas frente aos novos desafios da Revolução Cubana que, mesmo em meio a um mundo adverso, surgido após a desintegração da União Soviética, se propôs a transformar o cubano no povo mais culto do planeta. E a instalar um vídeo e um televisor em cada sala de aula da ilha, mesmo nos povoados nas montanhas, abastecidos com energia solar, onde existam apenas 5 alunos.

Para se compreender a função desempenhada pela televisão e pelo rádioem Cuba, basta citar a trágica passagem do furacão Michele pela ilha,provocando uma destruição arrasadora. O número de vítimas só não foimaior (5 mortos apenas) porque de modo coeso a mídia, o governo, o partido,os sindicatos e organismos sociais conseguiram promover um deslocamentopopulacional de quase l milhão de pessoas em poucas horas.

Proporcionalmente, seria como deslocar 10 por cento da populaçãobrasileira em poucas horas. Vale lembrar que há alguns anos, quando um temporal impressionante abateu-se sobre o Rio de Janeiro, deixando centenas demortos, a principal rede de televisão até suspendeu sua programaçãonormal, mas não para difundir informações preventivas de utilidade pública:transmitiu durante horas a fio, sem grade comercial, o funeral dosintegrantes do grupo musical Mamonas Assassinas, mortos em desastreaéreo, que ocorria naquele mesmo dia da tragédia carioca. A banda gravava

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seus discos pela Som Livre, de propriedade da Rede Globo. E após oacidente a gravadora vendeu ainda mais.

Depois de ter tocado no fundo do poço em 1993, a economia cubana vemempreendendo sinais sistemáticos de recuperação, apoiando-se naalternativa do turismo e no desenvolvimento da biotecnologia, combinada com uma importante alteração da matriz energética que reduziu a dependência decombustíveis do exterior. Os progressos no campo econômico, apesar dacontinuidade do bloqueio norte-americano sobre a ilha, permiteminvestimentos em setores considerados estratégicos. Mesmo nos pioresmomentos de racionamento de alimentos e eletricidade, nenhum hospitalou escola foram fechados. Ao contrário, recebem reforços orçamentários.

É neste contexto que surge a nova televisão cubana: um terceiro canal,resultado do investimento de 3 milhões de dólares na compra deequipamentos digitais e na reforma de um prédio em Havana onde funcionava uma emissora de tv comercial, desativada simplesmente porque seus proprietários, uma família rica, abandonou Cuba quando ocorreu a Revolução, em 1959.

A TV Educativa de Cuba nasce como expressão dos novos desafioscolocados pela própria Revolução, mas tendo como base social uma população que não conhece mais o analfabetismo, que registra o mais elevado índiceeducacional de todo o chamado terceiro mundo e a mais alta taxa deuniversitários. Ou seja, os dois canais existentes, ambos pertencentesao Estado, já se tornavam insuficientes para o atendimento da demanda pormaior variedade, sem abandonar a função educativa que a tevê cubanadesempenha.

O novo canal, já funcionando em caráter experimental, responde aodesafio de tornar ainda mais culto um povo com a mais alta escolaridade emtoda América Latina. Entre os objetivos traçados está o de que cada cubanodomine pelo menos um idioma estrangeiro. São ministradas aulas deinglês, francês e português, de história social e da arte além de outras peçasculturais.

A nova tv seguirá a mesma filosofia da televisão cubana na qual não hápublicidade, O humanismo predomina como mensagem. Não há noticiáriossensacionalistas, muito menos programas como os do Ratinho, LinhaDireta ou outros exemplares mais rudimentares. Há ainda nos dois canais antigosum grande espaço para a música cubana, para o esporte nacional preferido,o beisebol (la pelota), para as mesas redondas informativas, as novelase para o cinema nacional e internacional, incluindo novelas brasileiras,mexicanas e colombianas. Os documentários e os desenhos animados de bom gosto também ocupam grande espaço na programação, com destaque para uma programação infantil que prima pela elevação informativa da criançada, porprogramas lúdicos sem estimular uma competição desagregadora, até mesmo pela existência de um programa jornalístico produzido e apresentadointeiramente por crianças e adolescentes.

O surgimento da nova TV Educativa permitirá que os dois canais diversifiquem mais a sua programação, dedicando-se inteiramente à informação e ao entretenimento. Que incluem os premiados Castelo Ra-Tim-Bum e Bambalalão, da TV Cultura de São Paulo.

Soviet televisivo?

Único país latino-americano a realizar e consolidar uma revolução decunho socialista, Cuba continua marcada pelo enfrentamento de desafiosconstantes.

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Desde o início do período revolucionário enfrenta um bloqueioeconômico impiedoso dos EUA. Sofreu agressões militares, rechaçou tentativas de invasão e amarga a perda da vida de mais de 3 mil cidadãos, vítimas deatentados terroristas organizados com o apoio da Cia, ou seja, dogoverno americano, incluindo explosões de navios, aviões, fábricas, guerrasbacteriológicas (dengue), etc.

Este quadro de adversidades nunca se alterou. Mas foi talvez a partirdo seqüestro do menino cubano Elián González, sobrevivente de umnaufrágio organizado por quadrilhas em Miami e que criminosamente realizam otráfico ilegal de seres humanos que não recebem o visto de entrada dasautoridades dos EUA, que a sociedade cubana levou um novo choque de mobilização política, de reafirmação de seus valores socialistas. Durante osvários meses em que Elián González permaneceu praticamente detido em Miami ese viu transformado em instrumento político contra a revolução cubana, apesarde seu pai permanecer em Cuba e requerer sua devolução, uma intensa einterminável mobilização política, envolvendo avós, crianças,trabalhadores, mulheres grávidas, etc, acontecia na ilha e passava a ser transmitida ao vivo pela televisão. Surgem as Tribunas Abertas Antiimperialistas nas quais todos fazem uso da palavra, fazem discursos, declamam, cantam. Atelevisão cumpre uma função importantíssima, permitindo ao povo ver-se a simesmo como protagonista, perante o mundo, de uma reivindicação patriótica que não se esgotava na devolução do menino Elián. Era também a comunicação ao mundo de que os cubanos, de modo claro e inequívoco, em manifestações que alcançaram até 1 milhão ou mais de pessoas (a população de Havana, a capital, não chega a 2 milhões), que exigem ser respeitados na alternativa socialista que escolheram para a sua sociedade. As imagens destas manifestações gigantescas foram levadas ao mundo pelos satélites e a tv cubana tem informações de que emissoras de vários países captaram estes sinais com a mensagem de um povo que não aceita a perda de um único de seus membros. Será que as autoridades brasileiras sabem sequer o nome de uma das centenas de crianças que morrem diariamente de fome ou na pena de morte da diarréia infantil? Cuba tem mortalidade infantil inferior à dos EUA. A TV é parte desta conquista!

As Tribunas Abertas Antiimperialistas transformam-se em atospermanentes, realizados regularmente, a cada sábado, em uma cidade do país, sempre transmitidas ao vivo pela televisão, numa espécie de sovietestelevisivos onde várias questões da realidade nacional ou internacional sãoabordadas pelos oradores, entre os quais há sempre crianças falando comdesenvoltura.

Ou seja, ao invés de uma Casa dos Artistas ou Big Brother onde oindividualismo vulgar e a competição desagregadora são os valorestransmitidos aos milhões de brasileiros, a tv cubana transmite aovivo, sem edições, um povo de frente a si próprio, elevando-se coletivamente em defesa dos valores que o fizeram protagonista de sua própria história.Outro programa televisivo surgido também na esteira das grandesmanifestações pela volta do menino Elián é a Mesa Redonda Informativa.O formato é simples, privilegiando a informação, o conteúdo, oesclarecimento aprofundado dos temas tratados. Convocam-se especialistas, cientistas sociais, jornalistas e intelectuais para o debate ao vivo em estúdioda tv, com a participação dos telespectadores por telefone. No auditório,algumas dezenas de estudantes ou cidadãos comuns que também participameventualmente com perguntas e interpelações. Logo ao início, muitos jornalistasduvidaram que as Mesas Redondas emplacassem, imaginando que seriam muito pesadas e monótonas. Pesquisas posteriores indicam que o programa alcança uma média de 60 por cento de audiência, a depender do tema abordado. Umaapresentadora introduz o tema, lê notícias da internet e chama um VT que pode ser sobre a questão palestina, a dívida externa latino-americana ou sobre ostransgênicos.

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Pode-se questionar que programas desta natureza podem ser muitoexigentes e que após uma jornada de trabalho o cubano mereceria algo mais leve.

É preciso considerar que trata-se de uma sociedade onde o acesso acinemas, óperas, teatros, balés e espetáculos musicais é amplo e democrático,ao custo padrão de 1 peso o ingresso, já que todas as atividadesculturais são organizadas pelo estado. As partidas de beisebol sempre foram deentrada franca e só passaram a ser cobradas após a crise causada peladesorganização da URSS, e mesmo assim, só após um tenso debate com os aficcionados do esporte mais popular. Além disso, vale lembrar que trata-se de um povo que possui amplo acesso a bibliotecas, onde os livros são extremamente baratos e sempre editados em gigantescas tiragens, o que faz com que Jorge Amado seja proporcionalmente mais lido pelos cubanos do que pelos brasileiros, cuja grande maioria só conhece o escritor baiano pelas telenovelas que retrataram algumas de suas obras.

Talvez surpreendendo os críticos de um suposto isolamento cultural-informativo da ilha, o que há na realidade é muita queixa contra a programação televisiva dos fins de semana quando são exibidos, regulamente, filmes norte-americanos com todos os seus ingredientes de sensacionalismo, tramas óbvias e violência em alto grau. "Sábado e domingo à noite a programação é para débil mental", reclamam alguns jornalistas. A explicação para isto é que além da produção nacional audiovisual ter sofrido vertiginosa queda nos anos 90, não se deve esconder dos cubanos a realidade de outros países, acreditando-se na sua capacidade de discernimento e juízo crítico.

Embora exista uma latente exigência para que a tv supere-se aindamais, fruto de constantes debates entre jornalistas, especialistas etelespectadores, o que não está em questão é a opção feita por umatelevisão que difunda, reproduza e solidifique os valores socialistas e da ricahistória cubana, inclusive de seus principais personagens, como Maceo,José Marti ou Ernesto Che Guevara.

Para um brasileiro que chega desavisado, ligar a televisão em Cuba edeparar-se com um programa de longa duração sobre as várias faces doamor é quase desconcertante. O programa mostrava o amor entre o homem e aciência e tomava algo da vida de Einstein; abordava o amor do homem pela música e focalizava Beethoven. Em seguida, falava do amor do homem pela mulher, recorrendo às cenas amorosas do clássico "Casablanca"; tomava o amorentre irmãos retratando a relação fraterna entre Van Gogh e seu irmão Théoatravés das famosas cartas entre os dois. E por aí caminhava o programa,mostrando o encantamento do astrônomo pelo cosmos, do marinheiro pelo mar, do camponês pela natureza, etc .

Na volta ao Brasil, a telinha mostra diante de um auditório empobrecido, estimulado a rebaixar-se mais e mais, um candidato dizer que estavatentando ganhar o prêmio em dinheiro para pagar o tratamento do pai, vítima dehanseníase. "É uma doença nova?" pergunta o animador sorridente, queignora ser o Brasil o segundo país em número de leprosos no mundo.