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X SEL – Seminário de Estudos Literários
UNESP – Campus de Assis
ISSN: 2179-4871
www.assis.unesp.br/sel
CULTURA E REPRESENTAÇÃO REGIONAL NOS CONTOS DA REVISTA CLARIDADE1
Bruna Carolina de Almeida Pinto (Graduanda – UNESP/Assis – FAPESP)
RESUMO: Este trabalho apresenta considerações realizadas em torno de três contos da revista cabo-verdiana Claridade: “As férias do Eduardinho” de Manuel Lopes, “Dona Mana” de Baltasar Lopes e “A família de Aniceto Brasão” de Henrique Teixeira de Sousa. Estabelecendo um panorama analítico, esta pesquisa, entre outros aspectos, adentra um ambiente que permeia a representação, a cultura e o engajamento nas narrativas da literatura de Cabo-Verde da chamada segunda fase literária, iniciada com o impetuoso surgimento da revista citada, a qual significou um importante impulso na produção artística do arquipélago, pois está ligada ao processo de emancipação cultural, social e política de sua sociedade. Os contos explicitados estão introjetados entre os números seis e nove da mesma. Os autores são também importantes colaboradores da revista e contribuíram para a formação da consciência nacional e cultural dos cabo-verdianos através da divulgação de seus trabalhos e de suas ideias. A revista é, ainda, de um modo geral, uma importante contribuição para a representação da vida cultural em Cabo-Verde, bem como da problematização social do arquipélago. PALAVRAS-CHAVE: literatura cabo-verdiana; contos; identidade; revista Claridade.
Cabo-Verde: aspectos sociopolíticos vistos sob os faróis da Claridade
Nos últimos anos, os escritores africanos de língua portuguesa têm se feito notar nos
meios literários. Muitos deles já ganharam importantes prêmios de literatura, o que nos leva a
acreditar que este trabalho contribui para o conhecimento de uma literatura emergente, genuína
e essencialmente voltada para o humano, a qual, aos poucos, adentra os meios acadêmicos
brasileiros. Em virtude da sua circunspecção, assim, tal literatura torna-se parte de nossos
estudos literários. Além disso, sendo um campo com, ainda, pouquíssimas pesquisas realizadas,
oferece um riquíssimo repertório literário pronto para ser explorado. Poucos são, também, os
1 Este texto faz parte de uma pesquisa intitulada “A formação literária caboverdiana nos contos de Baltasar Lopes, Henrique Teixeira de Sousa e Manuel Lopes na revista Claridade”, financiada pela FAPESP e orientada pelo professor Rubens Pereira dos Santos, professor do Departamento de Literatura da FCL-Assis. E-mail: [email protected]
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estudos analíticos das literaturas africanas de língua portuguesa; sendo assim, todas as
contribuições, por menores que sejam, pelo mínimo que representem, têm um valor suntuoso ao
impulso investigativo da produção literária dos países africanos de língua portuguesa.
O arquipélago de Cabo-Verde assume, sem dúvida, uma condição muito particular
entre os países africanos de língua portuguesa. A sua particularidade se constituiu já dos
primórdios da colonização lusitana. As ilhas que hoje formam Cabo-Verde eram desertas quando
os portugueses nelas aportaram e aos poucos o lugar tornou-se um importante entreposto para o
comércio de escravos da administração colonial. Desse modo, o processo de colonização
operado no país foi, com efeito, diferente do operado em Angola e Moçambique, para citarmos
alguns exemplos. O resultado dessa dominação diferenciada foi uma sociedade altamente
miscigenada, tanto étnica, linguística quanto culturalmente.
A revista Claridade (1936-1960), como um órgão de manifestação legítima e de
importante valor cultural, exerceu forte influência na construção da ideologia nacional de Cabo-
Verde, embora não tenha sido a única a lutar pela liberdade e originalidade patriótica.
Representou o mais importante órgão cultural e seu projeto de conscientização nacionalista
marcou fortemente a trajetória intelectual do país. A sua importância não foi somente literária,
mas também e, sobretudo, social, política e econômica, pois através dos estudos realizados
pelos intelectuais pôde-se conceber um modo consciente de vida, relações sociais e
sobrevivência no arquipélago. Dessa forma, nos deparamos com a função social da literatura: a
sua contribuição para a formação do juízo crítico do ser em contato com a sua sociedade e com
o mundo, de um modo geral.
Apresentamos aqui algumas considerações feitas em torno de três contos publicados
em Claridade (1936-1960), periódico de grande importância no impulso da produção ficcional
moderna de Cabo-Verde, como já foi evidenciado.
Os contos que compõem o corpus dessa análise são: “As férias do Eduardinho” de
Manuel Lopes, publicado em 1949, no número sete da revista, “A família de Aniceto Brasão” de
Henrique Teixeira de Sousa, publicado no nono número, em 1960, e “Dona Mana” de Baltasar
Lopes, presente na sexta edição (1948). Através da leitura e análise, propomos uma
investigação das influências literárias portuguesas e, principalmente, brasileiras como agentes
auxiliares na ascensão da moderna literatura cabo-verdiana, procurando verificar nessas
relações a sua dimensão ao que concerne, entre outros aspectos, à estética e temáticas. Por
outro lado, este estudo busca revelar em que medida as produções literárias em Cabo-Verde
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representaram algo de inovador e passaram a constituir a ficcionalização de um povo como um
fenômeno detentor de sua realidade humana e de seus contingentes sociais, bem como, de que
forma contribuem para uma formação (ou consolidação) literária genuinamente cabo-verdiana,
isto é, ligada ao sentimento de patriotismo e à consciência nacional. Pretendemos, ainda,
demonstrar a importância que a literatura portuguesa e, principalmente, a regionalista brasileira
(notadamente a partir de 1930) exerceram em relação ao surgimento da literatura cabo-verdiana,
além de expor o processo criativo dos contistas africanos, deixando entrever o seu empenho em
retratar o homem nativo, enfatizando que ainda que tenham emprestado a forma, esses autores
inovaram na representação, em seu sentido mais literário. Dessa forma, os contos explicitados
estão introjetados entre os números seis e nove da mesma. Os autores são também importantes
colaboradores da revista e contribuíram para a formação da consciência nacional e cultural dos
cabo-verdianos através da divulgação de seus trabalhos e de suas ideias. A revista é ainda, de
um modo geral, uma importante contribuição para a representação da vida cultural em Cabo-
Verde, bem como da problematização social do arquipélago.
A revista de artes e letras, Claridade (1036-1960) foi lançada em março de 1936, na
cidade do Mindelo, ilha de São Vicente e representa o marco da moderna literatura de Cabo-
Verde. Desempenha um papel essencial não só para o seu surgimento, mas também para sua
formação e definição em relação às outras culturas, como por exemplo, a europeia pois, ao
contrário do que se pensa, os africanos, apesar de terem sido por muito tempo territorialmente e
culturalmente colonizados, possuem – cada qual dentro de seus grupos étnicos – suas
particularidades e as suas riquezas culturais e populares que sustentam características próprias
de seu modo típico de viver e ver o mundo.
Levando em conta a história política e social de Cabo-Verde pode-se afirmar que a
Claridade está inserida num contexto de emancipação política, econômica, social e cultural, o
que faz com que seu conteúdo seja nitidamente marcado por mudanças que diziam respeito aos
seus organismos sociais. A intenção maior da revista e do grupo que a compunha, os chamados
“claridosos”, para Manuel Ferreira, era fazer um estudo que tivesse o homem cabo-verdiano e o
meio social em que ele vive como principal objeto de análise, visando produzir, assim, um estudo
da realidade cabo-verdiana com vistas a promover o melhoramento social e econômico das
ilhas. De certa forma, pretendiam, com isso, refazer também um caminho literário que
“resgatasse” as suas raízes, tentando trilhar a história social de sua identidade, uma busca que
marcará com grande ênfase o conteúdo da revista e, posteriormente, grande parte das obras
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publicadas, tanto em prosa como em verso. Essa peculiaridade da criação ficcional cabo-
verdiana se faz presente através do processo composicional inspirado, por exemplo, em
caracteres considerados memorialistas, que constituem muitas vezes episódios cotidianos e
aparentemente sem valor, que aos poucos são totalmente construídos na memória daquele que
narra e, de uma vez por todas, tornam-se relevantes ao findar da leitura porque edifica, quase
sempre, os valores humanos, fazendo com que se vincule à literatura universal.
Embora o grupo da Claridade tenha encontrado algumas dificuldades para colocar em
prática suas idéias, foi ele o responsável por oferecer um importante órgão de expressão à
sociedade local, órgão pelo qual os intelectuais preocupados com o futuro de sua nação
puderam expor estudos e ideias, as quais, ainda que amenas para não incomodar a censura,
promoveram a conscientização em meio nacional. Assim, foram nove números entre 1936 e
1960, sendo que entre os quais, os três primeiros significaram a concretização do início de um
projeto literário extremamente voltado para a cultura nacional, como já ficou dito. A publicação
dos números quatro e cinco, que havia sido impedida anteriormente pela censura, representou o
recomeço de uma jornada que no fundo jamais havia terminado.
Esse movimento não era ingênuo, mas consciente de sua função social, pois,
reconhecia que o contato do povo cabo-verdiano com o europeu resultou numa sociedade
miscigenada tanto na linguagem, quanto na sua formação sociocultural. Também dessa
aproximação resultou o dialeto crioulo dos cabo-verdianos, bem como algumas práticas e
aspectos atribuídos à presença de elementos da tradição lusitana nas manifestações folclóricas
do arquipélago, como por exemplo, as festas típicas religiosas (tais quais ocorrem no Brasil),
bem como, a forte influência do catolicismo. Contudo, apesar das fortes marcas da presença
portuguesa, assim como da sua cultura e costumes, os cabo-verdianos não renderam forças,
permitindo uma “substituição” da sua tradição e dos seus próprios costumes pelos dos
portugueses. O que houve foi que, aos poucos, deu-se o fenômeno da miscigenação – que
nesse caso foi também cultural –, mas que nem por isso deixa de ser própria do ser cabo-
verdiano.
O Modernismo brasileiro e o Movimento claridoso
Uma das grandes motivações externas do movimento claridoso foi o Modernismo
brasileiro. Cabo-Verde encontrou no Brasil muitos aspectos em comum:
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O Brasil recém-independente e com literatura divulgada em terras lusas, passava a ser um modelo de afirmação mestiça no qual Cabo-Verde buscava a sua identidade. (GOMES, 2008, p. 133)
No segundo número de Claridade, José Osório de Oliveira afirma que os cabo-verdianos precisavam de um exemplo que só a Literatura do Brasil lhes poderia dar, justificando as afinidades entre Cabo-Verde e os estados do Nordeste brasileiro. Até o último número da revista (1960) o Brasil permanece como padrão ou intertexto nos estudos do folclore, da língua, das estruturas sociais e da produção literária. (GOMES, 2008, p. 133).
Além da colonização portuguesa, os intelectuais cabo-verdianos perceberam no
“irmão do Atlântico”, fortes ligações com o sertão nordestino, um dos contingentes mais fortes
foi, sem dúvida, a seca. Não à toa, um dos escritores brasileiros mais notáveis entre os
claridosos foi Manuel Bandeira:
Manuel Bandeira, por exemplo, teve larga recepção no meio literário cabo-verdiano, sobretudo pela perseguição da felicidade cujo protótipo se cristaliza na imagem de Pasárgada. Considerado um irmão atlântico por Jorge Barbosa, que relê a sua poesia em inúmeros textos, Bandeira tem outro importante admirador, o poeta Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes). A imagem de Pasárgada fecunda seus textos, não mais motivada pela doença como nos poemas do brasileiro, mas pela pobreza do arquipélago. A nova Pasárgada também não se resume a um espaço único, mas propõe-se, pela evasão, sempre como transposição de limites. (GOMES, 2008, p. 133)
O mito de Pasárgada, ressaltado por Bandeira, permanece na memória de vários poetas cabo-verdianos, seja para parafraseá-lo ou recusá-lo ideologicamente, como é o caso de Ovídio Martins no poema citado, ‘Anti-evasão’ (GOMES, 2008, p. 135).
Foi assim que Manuel Bandeira tornou-se um importante exemplo para os poetas do
arquipélago. O “irmão brasileiro” impulsionou um tipo de expressão literária que muito poderia
dizer sobre a nação de Cabo-Verde. Essa motivação foi objetivada, principalmente, pelo
intimismo literário e a busca incessante de um lugar melhor (utópico), aspectos característicos da
poeticidade de Bandeira. As figuras modernistas de 1930 foram de importância crucial para o
movimento claridoso, pois foi por meio dos romancistas e poetas brasileiros que os intelectuais
que mobilizavam os estudos da sociedade crioula tomaram como exemplo uma fase importante
da literatura brasileira que acabou por contribuir estética e ideologicamente para o sucesso (em
parte) de sua própria expressão ficcional. Quer dizer – em parte – porque não foi essa a colossal
matéria da expressão literária cabo-verdiana, posto que o material de que é feita estava entre
eles, em sua própria terra, nascida dela e, ainda que mal nutrida, sustentada por ela: era o povo
e o seu modo de vida.
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Assim, tendo mais do que a intenção estética em vista, os intelectuais cabo-verdianos
traçaram um projeto ideológico que se aproxima muito do dos modernistas da geração de 30 no
Brasil, no sentido de resgatar a originalidade e a identidade nacional. Sua proposta era
movimentar os processos artísticos no arquipélago, modificando, assim, o panorama literário
com vistas à representação da paisagem física e humana e a todos os aspectos aos quais se
vincula a realidade, principalmente a coletiva, ou seja, a nacional, como bem demonstra o trecho
de Gomes:
Em Cabo-Verde, a geração da revista Claridade preferiu imaginar-se não mais à luz do modelo colonizador ou de uma literatura colonial apologética da figura do herói navegador, e escolheu mirar-se em outro paradigma cultural, forte, irmão, independente: o Brasil do mulatos, malandros e heróis ignorados [...]. (GOMES, 2008, p. 113).
Não só pelo aspecto literário, mas também pelo cultural e étnico, Cabo-Verde é o país
africano de língua portuguesa que mais se assemelha ao Brasil, seja pela completa
miscigenação de seu povo (os dois maiores “caldeirões” portugueses), pelas festas religiosas
típicas, tal qual ocorrem no Brasil, ou pela paixão musical dos cabo-verdianos (mornas)
evidenciada em tantos textos. O fato é que essa proximidade cultural e, de certa forma também
étnica, nos delega o direito de retribuir-lhes a irmandade proposta quando ainda muitos
brasileiros ignoravam a sua existência.
Assim, pois, como o Modernismo brasileiro, a segunda fase literária de Cabo-Verde,
iniciada com o surgimento da revista Claridade, insere-se em um processo de conhecimento e
interpretação da realidade nacional. O Modernismo brasileiro tomou por base as vanguardas
europeias do início do século XX. A revolução estética operada a partir de 1920 nas estruturas
literárias brasileiras contribuiu para a preparação do propício espaço no qual se entreporiam as
obras da segunda fase. Mais maduro e concretamente estabelecido, o Modernismo de 1930
protagonizou um cenário nacional no qual surgiram obras de caráter e consciência ideológica e
nacionalista que contribuíram para uma visão crítica do país, tanto no que diz respeito à política
e economia, como também à cultura e à sociedade de uma maneira geral (LAFETÁ, 2004, p.
57). Mas o movimento modernista, principalmente em sua segunda fase, não aconteceu de
forma ilhada; muito pelo contrário: ele foi resultado de transformações importantes nas estruturas
que então regiam o país: no sistema econômico e político, bem como, nos organismos sociais.
Basicamente, foi o declínio da sociedade oligárquica e surgimento de uma doutrina
capitalista, o consequente colapso nos sistemas agrário e pecuário; e, ainda, o início da
industrialização nacional que fizeram os intelectuais brasileiros refletirem sobre a situação do
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Brasil no mundo. Equivale a dizer que todos esses aspectos estão de alguma forma imbricados e
criticamente expostos, principalmente, nos romances de 1930; e consequentemente, isso se
deve ao engajamento social dos autores dessas obras, e ao “assumir” de uma responsabilidade
que tem por principal objetivo conscientizar. Daí a importância dos estudos realizados por
Antonio Candido no que diz respeito à compreensão moderna da obra literária; pois eles afirmam
que a literatura não é um “corpo morto” como pretendiam os estudos anteriores à década de
1970, mas assume uma função primordial para a sociedade: o processo de humanização. Dessa
forma, a literatura e a leitura de obras literárias atuam de forma ativa no meio social, pois coloca
o homem em contato direto com a sociedade e faz reverberar as consequências que isso
implica. Dá-se então, através da tensão criada, o processo de humanização que se constitui –
basicamente – em compreender o outro.
De um modo geral, os contos cabo-verdianos apresentam – como as obras
regionalistas brasileiras – marcas de oralidade, uma seleção rica em metáforas e analogias
muito originais. Os personagens são representantes genuínos da cultura coletiva que é
resgatada, na maioria das vezes, através da memória e do discurso direto e/ou indireto livre. São
fortemente ligados a sua terra e vivem um dilema muito comum: o evasionismo (o “ter de partir e
querer ficar” / ou “ter de ficar e querer partir”, tema frequente de Manuel Lopes), o qual – embora
tenha sido vivamente criticado pelo grupo que formaria a revista Certeza (entre os quais se
identifica Ovídio Martins) – representa o exílio a que são constantemente submetidos pela
condição insular, pela falta de recursos materiais necessários à sobrevivência, pela ausência de
um membro da família, entre outras vicissitudes de suas difíceis vidas. Desse modo, pode-se
afirmar que, sem dúvida, essa literatura está calcada na realidade e ainda que se prenda à
questão evasionista, assume constantemente um papel crítico frente à sociedade. De qualquer
forma, é importante afirmar: os contistas cabo-verdianos associados à Claridade trabalham a
matéria narrativa de tal forma a tornar tudo, analogicamente, consequência e fruto da identidade
do homem cabo-verdiano.
Considerando que a obra literária é uma recriação artística e subjetiva da realidade, o
contexto em que se insere atua como complemento da sua função e do sentido que adquire. O
autor, ao decodificar a realidade, cria a sua representação (socialmente concebida), viabilizada
pelo texto verbal. Nesse sentido, é importante mencionar as palavras de Vicente Ataíde:
[...] a obra de arte literária é um dado da cultura. A cultura é entendida como o conjunto de conhecimentos, atitudes, atividades, hábitos, recursos, técnicas, sentimentos, pensamentos e sensações de um grupo humano dentro de seu ambiente físico, social e psíquico. [...] A
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obra se faz sobre a linguagem, que é um acervo da cultura. Contém ideias e elementos culturais. Enriquece o grupo humano a que se dirige, com suas colocações, com o que levanta, com o conhecimento que implica, com uma visão nova do mundo e do homem. (ATAÍDE, 1972, p. 5).
A representação da vida em movimento no arquipélago cabo-verdiano
Para melhor explanar essa representatividade da cultura cabo-verdiana nos contos
selecionados, exporemos aqui breves considerações resultantes do processo analítico das
narrativas:
O primeiro, Dona Mana, é um conto de Baltasar Lopes da Silva (1907–1990) publicado
na revista em 1948, no número seis. Narra, de forma concisa, a história de uma mãe (Dona
Mana) que está prestes a perder a guarda da filha (Salu) para o pai. O espaço físico desse conto
se restringe ao tribunal, mas em dado momento, ele é transcendido pela memória através da
intervenção da personagem Maria dos Reis. E é essa transcendência que trará ao leitor (e
concomitantemente ao juiz do tribunal) uma espécie de justificativa para os atos da personagem
principal, a réu, acusada de maltratar a própria filha. Assim, Maria dos Reis, a testemunha,
tomando a vez do narrador antes heterodiegético, passa a contar o passado da personagem
principal: dona Mana e, ao final, o que se descobre é, de certa forma, uma tentativa de justificar
pelo passado e pela vida difícil a qual dona Mana fora submetida, os maus tratos revelados pelo
pai e pela própria Maria dos Reis.
Esse conto entra em uma questão muito importante de caráter social: é a da posição
que a mulher ocupa na sociedade cabo-verdiana que, com efeito, é muito peculiar. Estudos
revelam que as mulheres em Cabo-Verde são grande maioria – cerca de 60% especificamente –
(GOMES, 2008, p. 161). Segundo GOMES (2008), elas assumem, comumente, a
responsabilidade de educar sozinhas vários filhos ao mesmo tempo e são consequentemente
responsáveis pela transmissão e manutenção dos costumes, práticas e comportamentos, tais
como as tradições familiares, religiosas, as crenças e técnicas culinárias, entre outros aspectos.
Isso se dá, em parte porque os homens, também comumente, têm relações com várias mulheres
ao mesmo tempo e o casamento é uma das últimas de suas preocupações. O resultado é um
número considerável de famílias cujo pai é uma figura ausente, e as mães são, assim,
incumbidas da tarefa educativa em todos os seus âmbitos.
Essa grande proporção feminina em relação aos homens se deve, igualmente, a outro
fenômeno social: o da emigração, que afetou predominantemente a camada masculina da
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sociedade. Assim, com a partida dos maridos pela falta de empregos locais, as mulheres ficavam
responsáveis pela educação dos filhos e manutenção cotidiana da família, tendo que prover,
muitas vezes, a alimentação diária o que fez e ainda faz em alguns casos, com a mulher
encontre meios práticos de subsistência.
No conto de Baltasar Lopes pode-se notar que a personagem de Dona Mana alugava
os quartos de sua casa, onde vivia com os seus três filhos, para marinheiros e prostitutas,
expondo a filha Salu aos maus exemplos de vidas corrompidas e degradadas pela pobreza e
necessidade de sobreviver. Assim, essa autonomia que a mulher cabo-verdiana forçosamente
assume é uma das características mais marcantes dessa sociedade e Baltasar Lopes, que tem a
família como uma das suas maiores preocupações sociais, não poderia deixar de retratar as
dificuldades femininas em Cabo-Verde. Ao mesmo tempo, ele nos traz essa perspectiva dúbia da
representação do local e das condições específicas que isso implica (a mulher como maioria, o
fenômeno da emigração, etc.) para uma transcendência ao universal que são as dificuldades que
uma mulher enfrenta para educar os filhos sozinha, situação que pode ocorrer em qualquer lugar
do mundo.
As férias do Eduardinho é um conto de Manuel Lopes e foi publicado no número sete
de Claridade, em 1949. É o mais complexo da tríade escolhida. Ele propõe com grande ênfase a
terra como um elemento primordial da identidade cabo-verdiana. Eduardinho (o personagem-
protagonista) vai de S. Vicente (uma cidade grande, capital) passar férias em Ribeira das Patas
(sertão de Cabo-Verde) com uma função: escrever um artigo exatamente sobre a realidade do
local. Pode-se dizer que, entre os contos escolhidos, esse é o mais representativo da relação
"terra-homem-meio", tão forte nas produções literárias de Cabo-Verde. É uma narrativa na qual o
espaço físico caracteriza os sentimentos de Eduardinho, e mais que isso, se constitui em
caracteres psicológicos que fornecem, não gratuitamente, a tipicidade cabo-verdiana.
Os personagens são trabalhados de tal forma a se fundirem à natureza essencial do
homem local. Um exemplo bem prático é o do personagem José Viola, o qual em seu próprio
nome constitui uma analogia à paixão musical do arquipélago remetida à morna (modalidade
musical típica de Cabo-Verde) que é comum a todos e por isso o primeiro nome comuníssimo
(José). Estabelecendo esses tipos de relações entre homem-terra-costumes, Manuel Lopes
consegue fazer uma síntese muito complexa do ser cabo-verdiano.
No conto, para além da representação, de certa forma, metalingüística da função do
intelectual da qual foge o personagem principal Eduardinho, há muitas minúcias, muitos detalhes
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que confluem para a representação da tipicidade desse povo. São detalhes que sintetizam
sentimentos que nos permitem concluir que a alma do cabo-verdiano está no meio onde vive e
na relação estabelecida com ele.
Porém, desse conto, sobretudo, é interessante ressaltar a forte simbologia entre
lagartixas e “passarinhos”. No decorrer da narrativa, lagartixas e pássaros interrompem a
produção de Eduardinho para bisbilhotar o seu artigo e comprovar se ele, de fato, merece
alguma esperança. A lagartixa, como se sabe, é oriunda da África e tem um poder
impressionante de se confundir com a paisagem pelo efeito natural da camuflagem. Ela foi
espalhada pelo mundo todo, inicialmente, através dos navios que transportavam escravos.
Possuem uma grande facilidade de adaptação e representam a resistência pela sua capacidade
de regeneração. A lagartixa é uma espécie de lagarto (da família das geconídeas) e este,
segundo o Dicionário de símbolos de Jean Chevalier (p. 533), simboliza a humildade, porque
está em constante busca de luz/claridade.
Nesse sentido, a lagartixa e o pássaro constituem de certa forma, uma analogia de
contrários (ao menos aparentemente) que se torna complementar na medida em que vai
adquirindo significado pela simbologia resultante, pois os pássaros, apesar de se alimentarem de
migalhas, o que também lhe atribui um caráter de humildade, representam a liberdade, pois eles
sim podem voar pela claridade/luz. E dessa perspectiva pode-se concluir que a utilização desses
símbolos pode servir para aliar o povo esperançoso (representado pelas lagartixas) ao grupo
claridoso (representado pelos pássaros) que espera e incita o interesse real dos intelectivos da
nação e do seu envolvimento, no caso, literário, chamando-os para uma atividade consciente:
para que se tornem cientes das condições locais de vida e sobrevivência e para que contribuam
para tornar a nação ciente através do seu trabalho intelectual e reflexivo. Assim, a decepção final
em relação à composição de Eduardinho é duplamente reforçada: de um lado pelos pássaros
(representantes do grupo claridoso que semeava a conscientização no seio da sociedade cabo-
verdiana); de outro e, sobretudo, pelas lagartixas (representantes dos próprios cabo-verdianos
que tinham a esperança de serem ouvidos e percebidos): “As lagartixas ocorrem, aproximam-se
curiosas, mas verificando que são papéis, regressam desiludidas aos buracos donde saíram”
(CLARIDADE, n. 7, 1949, p. 16). Nesse caso, os papéis não são desvalorizados porque são
simplesmente papéis, mas porque não apresentam nada que possa servir para além de uma
nota em um jornal que serviria para um dia e depois para o esquecimento, pois não detinha um
sentido profundo, tal qual o povo almejava, tal qual a nação precisava.
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O conto A família de Aniceto Brasão, de Henrique Teixeira de Sousa foi publicado em
1960 (número nove) – última publicação da revista – e é quase uma retratação de uma família
burguesa que é notificada de sua falência. O pai, seu Aniceto Brasão, é viúvo e vive com as
quatro filhas em sua propriedade (provavelmente rural). A família parece muito regrada com
afazeres divididos e funções nominalmente distribuídas entre as filhas, sendo o pai a figura
máxima da casa (já que nesse caso é representante de uma sociedade patriarcal). Assim, de
certa forma, esse conto faz uma analogia à estrutura capitalista: um patrão e os empregados
com suas tarefas bem definidas.
Há uma breve menção ao negativismo trazido aos países africanos pela política
colonialista: a escravidão. Em certa altura da narrativa, o senhor Aniceto Brasão se dirige a
Waldemar (o portador da notícia de sua ruína) com palavras de superioridade que na época do
regime colonial poderiam ser ditas por um patrão (ou dono de escravos): “– Negro atrevido! Filho
de escravos!” (CLARIDADE, n. 9, 1960, p. 49). E essa notícia, dada por um negro que outrora
poderia ocupar um posto de escravo em relação a esse patrão, também é muito simbólica da
decadência dessa antiga burguesia cabo-verdiana. Pois agora, é como se a figura do escravo
fosse a portadora de más notícias ao patrão e este não pudesse mais fazer nada quanto a sua
condição financeira.
A questão da ausência, nesse conto, é primordial. Aniceto Brasão convive com uma
principal ausência: a da mulher. A ausência frequentemente configura um tipo de exílio que,
neste caso, é sentimental. Há caracteres na narrativa que dão a impressão nítida desse vazio (a
cadeira, a cama, a mesa, o quarto). Mas há também a ausência do dinheiro e em consequência
desta, no final, com a perda de sua propriedade, estabelece-se a ausência da posse. Destituído
de todos os bens materiais e da afetividade da mulher, no final, Aniceto Brasão canta: “loti pingo
d’ouro / na ladeira grande”. Ao cantar, ainda que o som produzido pela sua voz pouco se pareça
com um canto, Aniceto Brasão exterioriza o seu exílio sentimental; a sua revolta – perceptível em
falas e descrições anteriores – é agora substituída pela melodia desafinada que saía de sua
boca. Opera-se, a partir desse instante, uma reformulação no caráter de “Nhô Aniceto”, que
agora é um homem desapegado de bens materiais e esquecido de sua antiga superioridade
senhorial.
Os contos da revista Claridade são interpretados no contexto de emancipação: os
“claridosos” tinham como projeto a busca da caboverdianidade (praticamente iniciado com
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Amílcar Cabral2), isto é, a sua “emancipação” cultural em relação aos portugueses. Por isso,
como publicações de uma revista que visava à individualização e definição cultural de seu povo,
os contos são instituídos de uma dose importante dessa carga emocional, que deve ser vista e
interpretada de acordo com a sua consecução histórica.
Com efeito, depois da implementação das ideias da Claridade, o ponto de vista em
relação a uma nação propriamente dita muda entre os cabo-verdianos. Por causa da
miscigenação (a população foi basicamente constituída por naturais da Guiné-Bissau e
portugueses) ocorrida no arquipélago, de certa forma, embora permanecessem na África, houve
uma perda referencial em relação à identidade e esse movimento foi o grande responsável por
iniciar o seu resgate. Para tanto foi necessário que o povo identificasse as suas raízes e para
identificá-las era necessário, ainda, desprender-se do que não proviesse do seu povo e da sua
terra: era necessário não apenas olhar para a sua terra, mas compreendê-la. Desse modo, as
produções literárias publicadas em Claridade representam, em grande parte essa procura. A
busca de "quem sou eu" na África é uma constante nessa literatura liderada pelo grupo
claridoso. Nesse sentido, vale lembrar as considerações de Anatol Rosenfeld (1976) ao
considerar a ficção como um “lugar privilegiado” para compreender a si mesmo e ao outro:
A ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, através de personagens variadas, a plenitude da sua condição, e em que se torna transparente a si mesmo; lugar em que, transformando-se imaginariamente no outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição fundamental de ser auto-consciente de si mesmo e de objetivar a sua própria situação. (ROSENFELD, 1976, p. 48)
Salientamos, portanto, que os contos analisados, como participantes dessa ideologia,
representam o homem em relação constante com a terra e com as pessoas que compartilham de
seus dramas e alegrias; indivíduos próximos que frequentemente passam pelas mesmas
situações. Daí a insistência pela representação do coletivo.
Para concluir essa parte, ressaltamos um dado interessante que permeia as produções
ficcionais da Claridade. Assim, embora esse movimento seja voltado para a representação local,
com efeito, há o aspecto universal representado pelos dramas vividos pelos personagens e que
constitui a transcendência da literatura africana/cabo-verdiana para a literatura universal. Mas se
2 Amílcar Cabral (1924-1973) foi um importante intelectual e guerrilheiro do PAIGC (Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo-Verde), que lutava pela libertação dos países africanos de língua portuguesa e, de um modo geral, pela “reafricanização dos espíritos”. Constitui uma importante figura, indispensável para a tomada de consciência nacional em Cabo-Verde e na Guiné, particularmente.
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perguntassem: “se o elemento fulcral desse movimento é o local, como pois seria possível tratar
do universal?”. Responderia: isso é possível porque os dramas dos contos analisados nesse
trabalho podem transcender os espaços a que estão presos em função da abrangência do
humano e das contingências enfrentadas por este. A esse respeito elucida Perez (1988):
Essa cultura plurietnica do arquipélago é índice real da comprovação de uma predisposição cultural para a assimilabilidade literária do modelo brasileiro. De fato, o pensamento crítico dos regionalistas do nordeste do Brasil (sob a influência das teorias de Gilberto Freyre) enfatiza a focalização da paisagem fundiária e patriarcal, com destaque para a narrativa folclórica, tradicional, de valores místicos, supersticiosos, fatalistas mas, ao mesmo tempo, transcende este localismo programático, ganhando dimensão humana e universal. (PEREZ, 1988, p. 80).
E conclui:
Em Cabo-Verde, o Regionalismo se despoja de toda excentricidade local e compactua com o canto universal da humanidade. E nesta perspectiva, ao invés do caricaturesco, o que importa à caracterologia da tipicidade das personagens, famílias e/ou grupos sociais, é, antes, a organicidade da narrativa que produz estes seres, norteada sempre pelos substratos ideológicos que a sustentam e explicam sua origem e finalidade. A obra de Cabo-Verde é, pois, resultado da expressão lírica de um cabo-verdiano a evocar suas origens telúricas (insularidade) e sua inserção na complexidade cultural do mundo (universalidade). Cultura local e cultura universal se cruzam no interior do texto literário das ilhas (PEREZ, 1988, p. 81).
Conclusões
Concluímos, de um modo geral, que nos estudos das literaturas africanas de língua
portuguesa a questão da identidade é um ponto crucial que se liga às produções literárias. Pode-
se notar nos contos cabo-verdianos um empenho muito grande em retratar o seu povo
intimamente ligado à sua terra, ao seu dialeto crioulo (língua familiar) e aos seus costumes; por
isso, ressaltamos a importância de não tratar, de forma generalizadora e homogênea, o estudo
das literaturas africanas de língua portuguesa, partindo do princípio de que, embora estejam
ligadas pelo mesmo evento histórico (a colonização portuguesa), são diferentes nações, com
específicas condições de vida e produções ficcionais que interpretam sua própria realidade (seja
ela mística ou não), as quais fazem parte de uma ideologia local e coletiva, constituindo, por
conseguinte, expressões e releituras de sua realidade. Portanto, é superficial tratar as literaturas
africanas de língua portuguesa como um processo único e uniforme, pois, cada país
desenvolveu as suas habilidades literárias e o seu panorama artístico-literário de acordo com a
sua realidade específica. Nesse sentido, é interessante ressaltar que a literatura cabo-verdiana
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não teve que se “descolonizar”, como ocorreu, por exemplo, com a angolana; pois, sempre se
apresentou como produto de uma sociedade hibridamente constituída (africana/europeia). Assim
sendo, o que define a literatura cabo-verdiana em relação às outras literaturas africanas de
língua portuguesa, de um modo geral, é sua peculiaridade imanente da sua condição
diferenciada: a de ser proveniente de um povo colonizado, mas não intelectualmente de todo
dominado, o que possibilitou uma adaptação cultural decorrente da convivência com os
portugueses e fez nascer entre esse povo mestiço uma visão diferenciada, já que eles não se
contrapunham à cultura europeia e acabaram, assim, assimilando alguns de seus elementos,
além da língua, também a religião, por exemplo. Também a isso pode dever-se o fato de que
Cabo-Verde foi o que mais cedo apresentou uma literatura própria, valorizando a cultura
nacional: já nos anos 30, com Pedro Cardoso, Eugênio Tavares e José Lopes.
No campo estético literário, se pode notar, com efeito, fortes influências,
principalmente, da literatura regionalista brasileira e do neorrealismo português, sabe-se que são
conceitos literários estéticos e temáticos que atendem a finalidades específicas e, de certa
forma, divergentes, racionalizadas, no entanto, no texto cabo-verdiano, como evidencia a obra
de PEREZ (1988). Foi, portanto, combinando um macrossistema externo (luso-brasileiro) a um
microssistema interno (traduzido pelo esforço de identidade e consciência cultural exercidos
pelos autores cabo-verdianos) que se formou a moderna literatura cabo-verdiana, tendo como
condição sui generis para a sua produção literária, a caboverdianidade, como também afirma
PEREZ (1988), a qual resume um conjunto de características peculiares de sua formação.
A produção ficcional africana, em prosa e em poesia, tem se destacado fortemente nas
últimas décadas e os estudos sobre ela vêm aumentando no âmbito acadêmico. Isso se deve,
com efeito, à força de certa forma desmistificadora que ela incorpora intencionando combater a
visão preconceituosa em relação ao continente africano, frequentemente concebido por certa
visão negativa do passado colonial, a qual culmina em uma concepção atrasada que tem por
ideia o empate social no continente. O que queremos dizer, é que em muitos casos, a literatura
tem sido responsável pela divulgação das culturas africanas pelo mundo e isso tem sido
fundamental para o sucesso de tal desmistificação.
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