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Participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articu- lação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibilidades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibili- dades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobiliz ção, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representaçã justiça, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibili- dades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobiliz ção, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representaçã Cultura e Sustentabilidade: o Papel das Organizações Não Governamentais e a Cultura dos Movimentos Sociais na Apreensão e Implementação de Políticas Públicas

Cultura e Sustentabilidade: o Papel das Organizações Não … · CULTURA E SUSTENTABILIDADE: ... apresentação de abertura. Aos palestrantes: Oded grajew, presidente emérito do

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1C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S

Participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articu-lação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibilidades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibili-dades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobiliza-ção, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibili-dades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobiliza-ção, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação,

Cultura e Sustentabilidade: o Papel das Organizações Não Governamentais e a Cultura dos Movimentos Sociais na Apreensão e Implementação

de Políticas Públicas

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de Políticas Públicas

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Fundação Tide SetubalRua Jerônimo da veiga, 164 – 13º andar04536000 – São Paulo – SPwww.fundacaotidesetubal.org.br

Conselho FTAS

Presidente do ConselhoMaria Alice Setubal

Conselheiros

Guilherme Setubal Souza e SilvaJosé Luiz Egydio SetubalMarlene Beatriz Pedro CorteseOlavo Egydio Setubal JúniorRosemarie Teresa Nugent Setubal

Coordenação-geral Paula Galeano

Coordenação de CulturaSebastião Soares (Tião Soares)Assistente de CoordenaçãoDouglas Alves

Coordenação AdministrativaMirene São José

Coordenação de ComunicaçãoFernanda NobreAssistente de ComunicaçãoAdriana Lima

Dados da publicação

Coordenação Editorial e TextosFernanda Nobre e Sebastião Soares (Tião Soares)

Edição de TextosPlural Soluções em Conteúdo Editorial e Multimídia

Fotos: Veronica Manevy

Revisão: Viviane RoweProjeto gráfico: SM&A Design

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)

Esta publicação é o registro do 3º Encontro de Cultura e Sustentabilidade: o papel das organizações não governamentais e a cul-tura dos movimentos sociais na apreensão e implementação de políticas públicas, realizado em 15 de maio de 2010, no CDC Tide Setubal, em São miguel Paulista, zona leste de São Paulo.

As apresentações foram registradas em áudio e transcritas. A edição buscou preservar a oralidade das discussões.

Agradecemos à equipe do CDC Tide Setubal e ao Coral vovó Neusa, do movimento das mulheres sem Terra, responsável pela apresentação de abertura. Aos palestrantes: Oded grajew, presidente emérito do Institu-to Ethos e coordenador-geral da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo; Francis-co Whitaker, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do movimento de Combate à Corrupção Eleitoral; Silvio Caccia Bava, coordenador-geral do Instituto Pólis e editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil; e Padre Ticão, presidente da Associação da Casa de Pessoas com Deficiência e integran-te do movimento Nossa zona Leste.

Aos participantes e profissionais dos projetos da Fundação que de algum modo contribuíram para a realização deste evento.

São Paulo, outono de 2011.

E56p Cultura e Sustentabilidade (3. : 2010 : São Paulo, SP). O papel das organizações não governamentais e a cultura dos movimentos sociais na apreensão e imple- mentação de políticas públicas / coordenação editorial Fernanda Nobre e Sebastião Soares. – São Paulo, SP : Fundação Tide Setubal, 2011. 52 p.

Organização da Fundação Tide Setubal. ISBN 978-85-62058-11-0 1. Organizações não governamentais. 2. Movimentos sociais. 3. Políticas públicas. I. Nobre, Fernanda. II. Soares, Sebastião. III. Título. CDU 061.2:304 CDD 361.76

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Sumário

Apresentação: Reflexões sobre a participação e a construção social maria Alice Setubal 9

Introdução: A busca pela autonomia política e a qualidade da participação cidadã Tião Soares 13

1 | Informação e participação política Oded grajew 17

2 | Mobilizações sociais, utopias e conquistas Silvio Caccia Bava 23

3 | ONGs, movimentos sociais e contexto histórico Francisco Whitaker 29

4 | As alianças no processo de mudança: leitura crítica Padre Ticão 37

5 | Debate 41

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Francisco Whitaker, Silvio Caccia Bava, maria Alice Setubal, Padre Ticão eOded grajew (da esquerda para a direita), debatedores do tema

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Apresentação:Reflexões sobre a participaçãoe a construção socialmaria Alice Setubal

Maria Alice Setubal é socióloga, doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e mestre em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo). É presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal e do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e membro do grupo de Trabalho de Educação do movimento Nossa São Paulo.

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11

Desde o início de suas atividades em São miguel

Paulista, com a missão de contribuir com o empode-

ramento da comunidade e o desenvolvimento local,

a Fundação Tide Setubal tem procurado criar espaços

de diálogo e participação entre os diferentes atores

da região.

Essa articulação busca estimular as construções co-

letivas, que nascem da atuação e da força de dife-

rentes segmentos: as organizações não governa-

mentais, com experiências práticas e, muitas vezes,

inovadoras dentro de cada território, favorecendo a

compreensão das demandas locais; a iniciativa pri-

vada, com investimento financeiro e apoio técnico;

a sociedade civil, com sua capacidade de mobiliza-

ção e de questionamento de seus representantes;

e o poder público, no papel de ampliar e fortalecer

a implantação de políticas públicas que atendam às

demandas da população.

A sociedade do século XXI busca respostas para um

novo modelo que tem como eixo a democracia e a

sustentabilidade ambiental, social, econômica. Essas

mudanças certamente virão de novos arranjos com a

participação da sociedade na construção e no acom-

panhamento das políticas públicas, exigindo maior

transparência e prestação de contas.

Por acreditar nessa forma de atuação, a Fundação in-

centiva e articula encontros e ações que possam pro-

porcionar esse exercício de participação, e o Encontro

de Cultura e Sustentabilidade é um desses espaços.

Anualmente, a comunidade se reúne com diferentes

especialistas e todos esses encontros são registrados

e transformados em publicações, para que as ideias

se multipliquem.

Em 2010, realizamos a terceira edição desse encon-

tro para discutir O papel das organizações não go-

vernamentais e a cultura dos movimentos sociais na

apreensão e implementação das políticas públicas.

A escolha desse tema está alinhada ao fortalecimen-

to e a institucionalidade de organizações da socieda-

de civil, um de nossos objetivos.

Temos feito isso por meio de apoio financeiro, em

editais realizados anualmente, com formações e es-

tímulo à discussão e à construção conjunta. Com isso,

contribuímos para uma sociedade civil mais forte,

mais capacitada e mais empoderada.

Nas próximas páginas, apresentamos exemplos que

nascem sob essa nova perspectiva e ganham força

na sociedade. A experiência da Rede Nossa São Pau-

lo, apresentada por Oded grajew, que tem produzido

indicadores e informações para ações mais conscien-

tes da população. A construção do Fórum mundial

Social e a caminhada pela aprovação da Lei da Ficha

Limpa, dois exemplos fortes de mobilização, apre-

sentados e debatidos por Francisco Whitaker, um dos

líderes desses movimentos. O olhar para a capacida-

de de produção de conhecimento e de avaliação das

políticas públicas das organizações sociais, na análise

de Silvio Caccia Bava, do Instituto Pólis.

Em sua leitura crítica após o debate, Padre Ticão,

uma das lideranças da região de São miguel, desta-

cou a importância de as organizações não atuarem

de forma isolada. Em sua análise, reforçou a impor-

tância das alianças.

Nossa intenção não é apresentar uma fórmula pronta

ou um modelo. mas multiplicar as reflexões, a escuta

e a troca de ideias, elementos fundamentais para uma

sociedade mais justa e com maior sustentabilidade.

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Introdução:A busca pela autonomia política e a qualidade da participação cidadãSebastião Soares

Sebastião Soares é doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP e mestre em Educação, membro da Diretoria do Fórum Permanente das Culturas Po-pulares do Estado de São Paulo, membro fundador da Rede Nacional das Culturas Populares e FIC (Fórum Intermunicipal de Cultura), colaborador do Instituto Pólis e professor universitário. Atualmente, atua como coorde-nador cultural e relações institucionais da Fundação Tide Setubal, em São miguel Paulista, em São Paulo.

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15A B U S C A P E L A A U T O N O m I A P O L í T I C A E A Q U A L I D A D E D A PA R T I C I PA ç ã O C I D A D ã

Quando se pensou na realização deste seminário,

buscamos, em primeiro lugar, discorrer sobre as

condições da realidade contemporânea dos entes

sociais, com a perspectiva de trazer à tona ideias

enriquecedoras ao debate sobre o papel dos mo-

vimentos sociais, especialmente os movimentos

urbanos. O desafio é entendermos a forma como

eles são abordados, trabalhados, discutidos, reali-

zados. Com isso, pretendemos iluminar questões

de nosso tempo, ou seja, observar como esses

movimentos se adequam às novas realidades.

Como esses movimentos sociais são entendidos?

Na fala de Castells, “eles são o que dizem ser. Suas

práticas são sua autodefinição”1.

Cremos que os movimentos populares, ou a ten-

tativa de existência e sobrevivência destes, têm se

preocupado em definir significados sociais e abrir

chances para reconstrução do controle social. A bus-

ca de estratégias para agregar cidadãos(ãs) a diálo-

gos abertos sobre temas de interesse comum que

afligem a sociedade tem sido, certamente, um baluarte

simbólico da luta de algumas organizações pela ga-

rantia de um outro jeito de participação popular.

Seria a reconstrução de outra filosofia, na qual

os(as) cidadãos(ãs) poderiam contribuir para o

controle social, exercido pela participação ativa da

sociedade e não com uma configuração de legali-

dades homologatórias. Em outras palavras, que o

sujeito fosse parte da ação e esta se estruturasse

numa prática social concreta, muito embora, não

se possa negar a participação por meio da atuação

em conselhos, fóruns e conferências, espaços públi-

cos livres, geralmente ocupados pelas organizações

não governamentais (ONgs) e muitas vezes pelas

INgs (indivíduos não governamentais), dada a sua

importância e legitimidade.

A proposta deste encontro se deteve, entre outros

objetivos, em aprofundar essas reflexões que, de

certo modo, têm nos trazido preocupação quanto ao

papel que as entidades sociais exercem no acom-

panhamento da implantação das políticas públicas

de interesse coletivo já existentes, e das que ainda

estão ocultas. Sabemos que a sociedade civil pode

e deve ter o controle social e também possui poder

de propor novas medidas e acompanhar os recursos

disponíveis utilizados para sua execução.

vimos, durante todo o debate, que as reflexões ex-

postas discorreram sobre a pontuação de como as

ONgs começaram a se formar nas décadas de 1970

e 1980, ancorando-se nas organizações populares,

que tinham por objetivos a promoção da cidadania,

a defesa de direitos e a luta pela democracia políti-

ca e social. Nesse sentido, floresceram em sintonia

com as reais demandas e dinâmicas dos movimen-

tos sociais, com ênfase nos trabalhos de educação

popular e de atuação na elaboração e no controle

social das políticas públicas.

Entendemos, então, que a formação de uma ONg é

oriunda da vontade livre de um grupo de pessoas

que se reúnem em busca de um objetivo social ou

com uma causa social em comum. De certa ma-

neira, a criação de uma organização não gover-

namental, como não poderia deixar de ser, pode

significar uma constatação ou uma resposta que a

sociedade encontra para viabilizar ou realizar ações

que os governos não realizam ou, quando realizam,

desempenham de forma incompleta. vale destacar

que elas não têm o papel de substituição do Estado.

Em hipótese alguma podem ser comparadas ao po-

der público em suas ações sociais. Elas devem pres-

sionar e se colocar como articuladoras para impul-

sionar os governos para a realização de suas ações,

1. Termo emprestado por Manuel Castells, in O Poder da Identidade. Paz e Terra.

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ou seja, a sociedade terá que ter o papel autôno-

mo de fazer valer as práticas da cidadania e, desse

modo, o Estado deve retribuir essa exigência.

A mobilização da sociedade civil deve conter um vi-

goroso sentido de pertença, entender que mobilizar

não significa, apenas, reunir-se em torno de uma

mesa ou de uma comunidade, mas criar formas

de sociabilidade e de interesses comuns, em torno

de uma causa, nas quais as pessoas tenham voz,

sejam ouvidas, auscultadas e, dessa forma, façam

parte das ações, gerando PARTICIPAçãO, chave da

garantia da política de direitos. Assim, ONgs devem

se afinar com a discussão de seus objetivos, de sua

política e de sua missão, observando o contexto em

que está inserida. Uma nova ONg só se justifica

como consequência de uma mobilização social que

já existe, mas que precisa de ações mais propositi-

vas, com mais força para mudar uma realidade.

Com base nessas premissas, defendemos que as

ONgs possam constituir e agregar forças de pressão

e de ação capazes de influenciar, propor e ajudar a

criar políticas públicas democráticas para construção

de uma sociedade mais justa. Deveriam, também,

agir como força motriz para a democratização das

políticas governamentais para que estas estejam a

serviço da sociedade e não ao contrário. Uma po-

lítica plural, justa e solidariamente compartilhada,

pelas mais diversas formas de participação ativa da

sociedade, em que possamos melhor compreender

o(a) cidadão(ã) como parte da ação de uma atua-

ção consciente e propositiva.

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1 Informação e participação política Oded grajew

Oded Grajew é presidente emérito do Instituto Ethos e coordenador-geral da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo. Idealizador do Fórum Social mundial e da Fundação Abrinq. Foi assessor especial da Presidência da República (2003).

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19I N F O R m A ç ã O E PA R T I C I PA ç ã O P O L í T I C A

Este encontro é fundamental porque trata das rela-

ções da sociedade com o poder público, o que, do meu

ponto de vista, é o assunto mais importante quando

falamos de sociedade, de justiça social, de melhoria

das condições de vida das pessoas, já que os gover-

nos são responsáveis pela educação, pela saúde, pela

segurança, pela habitação, pelas condições de vida da

população. Essa é a forma de nos organizarmos.

A sociedade escolhe seus representantes para que

estes tomem conta do dinheiro, nosso dinheiro, reco-

lhido na forma de impostos, e apliquem-no em be-

nefício da sociedade. Como determina a Constituição

e as leis, o objetivo primeiro é reduzir a desigualda-

de, fazer com que haja equilíbrio maior na socieda-

de, condições de vida dignas para todos. Essa é a

função dos governos, a obrigação dos governos. Eles

são escolhidos por nós como representantes para

aplicar o nosso dinheiro em benefício da sociedade.

Então, vocês veem a importância desse processo, de

esse sistema funcionar como deveria funcionar.

Certamente, não estamos satisfeitos com o funciona-

mento desse sistema, porque, não só em São Paulo,

mas em nosso país, permanecem inúmeros proble-

mas. Temos uma imensa desigualdade na socieda-

de. Em São Paulo, no Brasil, a distância entre aqueles

que têm mais recursos, uma vida melhor, e aqueles

que passam muita dificuldade é muito grande. As

condições dos nossos serviços públicos oferecidos

para a população, que deveriam ser de boa quali-

dade, geralmente não estão à altura do que espera-

mos: a saúde, a educação, a segurança, a habitação,

o lazer, a cultura... Algo não está funcionando. Os

governos poderiam dizer: “gostaríamos muito, mas

não temos dinheiro.” Uma boa explicação, se ela fos-

se verdadeira.

Acontece que, no Brasil, o nível dos impostos é igual

ou até maior do que em muitos países do Primei-

ro mundo: França, Inglaterra, Espanha, Portugal. Os

governos – quando digo governos, digo municipal,

estadual, federal – têm muito dinheiro. Às vezes, a

distribuição entre eles não é a mais justa, mas a po-

pulação paga muitos impostos. Há pessoas que pen-

sam que não pagam impostos: “Ah! Eu sou isento de

imposto de renda, sou isento desse imposto.” Elas

não percebem que o nosso sistema tributário é tão

ruim e perverso que não mostra como se pagam os

impostos. Na hora em que você toma uma água,

na hora em que você coloca gasolina no seu carro,

na hora em que você compra qualquer produto no

supermercado, você está pagando muitos impostos.

E estudos mostram que quem ganha menos paga

mais proporcionalmente do que aquele que ganha

mais. Dinheiro os governos têm e nós elegemos os

nossos governantes. O que está errado, por que as

coisas não funcionam como gostaríamos que funcio-

nassem? Porque há problemas nesse processo.

Primeiro, imaginamos que a população elege seus

representantes de uma forma muito democrática,

mas não é bem assim. Quem quer ser eleito, para

qualquer cargo, precisa fazer campanha. Agora, para

fazer campanha, precisa de dinheiro e quanto mais,

melhor. Há mais chance. Dinheiro é muito importan-

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te hoje nas eleições. Isso porque, no Brasil, existe um

sistema de financiamento privado de campanhas po-

líticas, quando muita gente acredita – eu também – que

deveríamos ter sistema de financiamento público.

E onde o candidato vai buscar o dinheiro? Não é com

a população com menos recursos. A busca é nas em-

presas. E por que as empresas dão dinheiro para a

campanha eleitoral? Porque vai trazer retorno. Se for

eleito, o candidato defenderá os interesses daquele

setor, daquela empresa. Isso acontece na maioria das

vezes. Não são todas as empresas que agem dessa

forma, mas a maioria é assim. Como é esse retor-

no? Em termos de benefícios tributários, de acesso a

dinheiro público. Então, uma boa parte dos recursos

que deveria ir para a educação, para a saúde, para a

habitação vai para aqueles que financiam as campa-

nhas. Por isso que, muitas vezes, o governo diz: “Ah!

Eu gostaria, mas não tenho dinheiro.” O dinheiro não

vai exatamente para onde precisa ir. vocês veem que

todos os escândalos de que se tem conhecimento no

Brasil, de corrupção, qualquer um deles, na origem

está a destinação de dinheiro público para quem fi-

nancia a campanha. Esse sistema tributário, fiscal, pri-

vilegia quem tem mais recursos, e outros sistemas

são exatamente frutos desse processo.

Imaginamos que os governantes são ruins, não têm

coração ou não têm sensibilidade. O problema não

são as pessoas, o problema é o sistema. você pode

mudar as pessoas. É claro que nem todos são iguais,

mas, se você não mexer no sistema, será muito di-

fícil ter a melhoria, aquilo que realmente desejamos.

Porque o sistema está contaminado pelo sistema po-

lítico que temos e pela introdução dos interesses eco-

nômicos, que tiram recursos e fazem políticas que não

beneficiam o bem-estar geral. Se não percebermos

esse perverso sistema, se não tivermos essa clareza,

nada mudará. Uma mudança real, concreta, transfor-

madora só será feita quando mudarmos o sistema. E

qual é a saída para isso? A saída é quando a sociedade

se organizar para conseguir mudar as coisas.

Informação mobilizadora

Antigamente, o domínio dos governantes, reis e dita-

dores sobre a população era pela força, pela violên-

cia. Hoje, você não domina apenas pela força, domina

pela cabeça, pelo pensamento. Esse é o domínio. En-

tão, a percepção das coisas é a chave, porque, a partir

dela, há possibilidade de mudança. Na medida e no

momento em que esses tantos se organizam, aí sai de

baixo. vocês viram, agora, a questão do movimento

da Lei da Ficha Limpa, um dos líderes está aqui, Chico

Whitaker. Quando juntou 1,7 milhão de assinaturas,

aquilo que parecia impossível aconteceu. A Ficha Lim-

pa é uma das maneiras de diminuir a possibilidade

de entrada de pessoas com crimes cometidos na vida

política, que estão lá para fazer as suas atividades cri-

minosas, tirar dinheiro público em proveito próprio.

O acesso à informação e as mudanças no pensamento

que são importantes. O que faz, por exemplo, o Rede

Nossa São Paulo? Fornece informação à população.

Qual a primeira atitude de qualquer ditadura? Quando

a ditadura se instalou no Brasil, em várias ocasiões,

o que ela fez? A primeira coisa que faz a ditadura é

instalar a censura, não é isso? Cortar as informações,

dominar a comunicação. Por que qualquer ditadura

não abre mão de manter o controle sobre as informa-

ções, como queimar livros, censurar rádio, televisão,

jornal, não permitir encontros como este, onde circula

a informação? Porque é a ferramenta da revolução,

das mudanças. É com a informação que você faz a

mudança, que você muda as coisas e se confronta

com domínios ditatoriais ou de poucos. A informação

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é básica, é fundamental. Por exemplo, a informação

sobre a situação da cidade que expõe a desigualda-

de em São Paulo. Por isso, no Rede Nossa São Paulo,

uma das primeiras coisas que fazemos é mostrar os

indicadores da cidade: como está a educação, a saúde,

a habitação, a renda, a violência, a cultura. mostrando

a desigualdade, o quanto uma região da cidade é me-

lhor ou pior do que outra, as pessoas tomam conheci-

mento da situação, de que aquilo não é aceitável.

Conseguimos uma coisa fantástica em São Paulo.

mudamos a constituição da cidade introduzindo a Lei

das metas. O que diz a Lei das metas? Diz que, de

agora em diante, cada prefeito eleito, a começar pelo

atual, tem três meses, 90 dias, para apresentar um

plano de metas para a cidade, para todas as áreas da

gestão pública – educação, saúde, habitação, cultu-

ra, esporte –, para cada subprefeitura e cada distrito.

Não adianta ter um número médio para a cidade

porque ele não diz muita coisa. A média pode ser

dez, mas numa região você tem um e na outra tem

mil. As metas têm que conter todas as promessas

de campanha, têm que reduzir a desigualdade, pro-

mover o desenvolvimento sustentável pela função

social da propriedade. Há uma série de requisitos,

não são quaisquer metas. O prefeito apresentou as

suas metas. São 223 que espero que todos vocês

conheçam, é importante. Não são as metas de que

gostaríamos, faltaram muitas por distritos, por sub-

prefeituras, faltaram números em várias áreas da edu-

cação, da saúde, mas aceitamos porque é a primeira

vez, vamos aprender com o processo. Há metas im-

portantes. Como o prefeito prometeu na campanha

não ter mais nenhuma criança fora da creche e fora

da escola até o final desta gestão, essa é a meta.

A promessa está na lei: não podemos ter nenhuma

vaga solicitada e não atendida, em creche e em pré-

escola. No final do mandato, qualquer prefeito ou

prefeita de São Paulo dirá a todo mundo se cumpriu

ou não cumpriu as metas, fez o que prometeu ou

não fez. Isso fará com que o peso do dinheiro nas

campanhas seja menor e com que a Prefeitura seja

avaliada por cumprir ou não cumprir as metas. Não

porque fez um filminho ou uma propaganda.

As metas que nós propusemos eram um pouco di-

ferentes. Por exemplo, se na cidade de São Paulo

a mortalidade infantil na melhor região, no melhor

distrito, é “x”, essa deveria ser a meta para todas as

regiões da cidade. Se em Pinheiros a mortalidade

infantil é “x”, a meta deveria ser esse “x” – já que

foi atingida não em zurique, Amsterdã ou Nova York,

mas em São Paulo – para todas as regiões da cidade.

Outra coisa, nenhum distrito de São Paulo poderia ter

zero de equipamento público.

Instituímos na cidade o indicador chamado Irbem

[Indicador de Referência para o Bem-Estar do muni-

cípio], que mede a qualidade de vida de quem mora

aqui. Esse indicador de percepção mostra como as

pessoas percebem a sua qualidade de vida. Isso foi

construído com a população. Questionamos o que as

pessoas acham importante para a sua qualidade de

vida, para o seu bem-estar – posto de saúde perto

de casa, biblioteca perto de casa, trabalho perto de

casa, uma renda digna e assim por diante. Foram

construídos vários indicadores. Depois perguntamos

qual é o grau de satisfação para saber, se ao longo

da gestão de um prefeito, de uma prefeita, a quali-

dade de vida melhorou ou piorou.

Isso está sendo acompanhado passo a passo. Existe

uma lei na cidade de São Paulo que obriga o prefeito

a publicar os indicadores da qualidade dos serviços

públicos. É uma lei que a Prefeitura não cumpre. vou

dar alguns exemplos: quanto tempo uma pessoa es-

I N F O R m A ç ã O E PA R T I C I PA ç ã O P O L í T I C A

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pera no ponto de ônibus até ele chegar, como é a

limpeza dos ônibus? Qual é o tempo de espera no

posto de saúde, para realizar um exame, uma ope-

ração? Isso nos permite saber como está a qualidade

dos serviços públicos, obrigação do governo. Nesse

levantamento com a população, chegamos a núme-

ros absurdos. Por exemplo, as pessoas demoram cer-

ca de um mês para fazer um exame e um ano para

fazer uma operação. Quer dizer, elas morrem no cami-

nho. Essa informação chega pouco à população. Quan-

do acontece, ela se conforma e acha que é de graça e

não reclama. Não é de graça nada! Nós pagamos!

Qual é a maneira de a sociedade agir e se

contrapor ao sistema atual? Ter conheci-

mento, saber se o governo está cumprin-

do aquilo que se espera, para na hora de

mudar, nas eleições, todo mundo saber

o que aconteceu. Se foram cumpridas ou

não as promessas e as metas, se a vida

melhorou ou piorou, se a desigualdade

foi combatida, diminuída ou não. Assim,

teremos um voto mais consciente, que

levará em conta os resultados e não a

propaganda, o poder econômico.

Quando governos em geral, representantes nossos,

souberem que estamos todos de olho, a coisa poderá

mudar. Eles perceberão que, para ganhar as eleições

e continuar na política, não bastará arrumar dinheiro

para a campanha e levar a vida como sempre, por-

que a população vai ficar de olho para saber se me-

lhoramos ou não a vida das pessoas, se combatemos

a desigualdade, se cumprimos ou não as metas. Na

hora em que essas informações chegarem a todos,

para a maioria, a coisa poderá mudar.

O Rede Nossa São Paulo tem essas informações. Te-

mos os indicadores da cidade: evasão escolar; mor-

talidade infantil; habitação – região por região. Temos

o “desigualtômetro”, representando a diferença entre

melhor e pior região para visualizar a desigualdade; o

indicador de referência para o bem-estar do municí-

pio, que vamos acompanhar para ver se melhora ou

não melhora a qualidade de vida; as metas da Pre-

feitura, do plano de metas; e as metas de referência,

aquilo nós achamos que são as metas.

A cada ano, no aniversário de São Paulo, atualizare-

mos os indicadores da cidade e do bem-estar da po-

pulação e, no final de cada gestão, o resultado será

mostrado. Assim, poderemos dizer para o candidato:

“você quer ser eleito? Quais são as suas metas? Aqui,

estão os indicadores, quais são as suas metas? Quere-

mos saber qual será a renda média do distrito, quais

serão os indicadores de violência, qual será o número

de creches e crianças na pré-escola e assim por diante.”

Essa ferramenta está no site do Rede Nossa São Paulo.

Todo mundo tem acesso e pode saber.

Essa é uma maneira diferente de relacionamento da

sociedade com o poder público e acredito que ela tem

um poder transformador, uma possibilidade de mu-

dança muito grande. Aliás, isso já aconteceu em ou-

tras cidades do mundo e, quando realmente se expan-

diu na sociedade, as mudanças foram muito grandes.

Aconteceu na Colômbia. Bogotá era uma cidade falida,

violenta, com qualidade de vida muito baixa, e esse

tipo de processo a mudou totalmente. vimos, na práti-

ca, o que um processo como esse pode produzir numa

cidade e eles estão querendo levar em nível de país.

Trata-se de pensar como podemos transformar essa

relação, hoje perversa, entre sociedade e poder públi-

co, em uma relação virtuosa, que realmente faça com

que governos cumpram o que a sociedade demanda

deles. É para isso que foram eleitos. É para isso que

pagamos os impostos. muito obrigado.

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23C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S

2 Mobilizações sociais, utopias e conquistasSilvio Caccia Bava

Silvio Caccia Bava é sociólogo e mestre em Ciências Políticas pela USP (Universidade de São Paulo). É coordenador-geral do Instituto Pólis e editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil.

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25m O B I L I z A ç õ E S S O C I A I S , U T O P I A S E C O N Q U I S T A S

Está aqui o padre Ticão, que acompanha o movi-

mento de moradia e participa dele há mais de 20

anos. Essa luta é outro exemplo que saiu de São

miguel. O movimento de moradia vai conquistar o

capítulo da Constituição Federal sobre política ur-

bana, a lei geral contra a especulação imobiliária,

o Estatuto da Cidade. Todo esse processo dá visibi-

lidade aos conflitos urbanos, gerará a própria pro-

posta do ministério das Cidades, gerará os sistemas

participativos de Conselhos e de Conferências de

avaliação das políticas públicas em níveis munici-

pal, estadual, federal.

Essas conquistas não saíram da vontade dos técnicos

do governo, saíram da mobilização da cidadania or-

ganizada. Se não tivesse um movimento de saúde,

não haveria o SUS. Se não tivesse as ocupações e o

movimento de moradia, não haveria o sistema das

cidades. mas eu acho que temos que tentar ver além

da reivindicação específica. Quer dizer, tem gente

que luta por creche, tem gente que luta por mora-

dia, tem gente que luta por saúde melhor. E como é

que isso se junta?

Nosso querido geógrafo milton Santos dizia o se-

guinte: “As cidades não são as coisas que a gente vê:

a ponte, o prédio, a rua, o viaduto. É um erro dizer

que a cidade é isso. As cidades são as relações que

a população tem com esse espaço físico. As cidades

são as formas pelas quais se constrói uma convivên-

cia de maior ou de menor qualidade.” Quer dizer, a

alma da cidade é o seu povo. Então, se nós formos

falar das melhorias, não poderemos falar das pro-

postas técnicas e ponto; temos que perguntar para

quem vai bancar essa mudança. Porque ideias boas

nós temos.

Há mais de 20 anos, teve uma discussão na Paró-

quia de São miguel sobre um curso para formação da

Quero primeiramente agradecer o convite para es-

tar aqui com vocês, agradecer à maria Alice, ao Tião,

à Fundação Tide Setubal. Acho muito importante esse

tipo de discussão. Para falar deste tema – movimen-

tos sociais, ONgs e políticas públicas –, fiquei pensan-

do que não precisaria sair de São miguel Paulista. Foi

aqui que começou o SUS e muito poucos sabem que

por trás do Sistema Único de Saúde, sustentando-o,

há toda uma mobilização, uma luta que começa com

o movimento de saúde e os médicos sanitaristas, no

começo dos anos 1980, com o controle da qualidade

do posto de saúde do bairro.

As mobilizações acontecem porque a situação não

está boa. Porque o serviço público é deficiente, por-

que faltam creche, ônibus, escola, lugar para morar.

Se estivesse boa, não haveria mobilização.

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cidadania. Havia a preocupação de como discutir o

que é cidadania. Falar de teoria não adiantava. Então,

surgiu uma ideia: vamos contar a história das revo-

luções sociais no Brasil, como Canudos e outras, para

mostrar que as situações políticas podem mudar, que

a mudança depende da capacidade dos cidadãos se

organizarem em defesa de direitos. Isso ocorreu no

mundo inteiro, não é novidade, nem é algo origi-

nal do Brasil. As condições sociais, a qualidade de

vida na Europa, vieram basicamente da luta dos sin-

dicatos. As conquistas desses direitos, como saúde,

educação e transporte público para todos, vieram da

mobilização dos cidadãos; assim como as 40 horas

de trabalho e o salário-mínimo. Portanto, ou a so-

ciedade ou os grupos de cidadãos se organizam na

defesa de direitos, se juntam e se mobilizam, ou as

coisas não mudam.

Bom, se tomarmos como referência as conquistas

que mudaram políticas públicas, criaram o Sistema

Único de Saúde e o Sistema das Cidades, vamos ver

que foi preciso 20 anos para isso acontecer, às vezes

até mais. mas a persistência e a mobilização gera-

ram essas mudanças, e temos que reconhecer que

os movimentos de São miguel fizeram parte disso.

movimento social, como a própria palavra diz, é um

movimento, não é para durar a vida inteira, é um

movimento que busca atingir um objetivo, conquis-

tar uma ampliação de um direito. E o que sustenta

o movimento? Nos anos 1980, a principal organiza-

ção que sustentou os movimentos aqui foram as

comunidades eclesiais de base. Elas se juntaram,

depois, com as Associações de moradores, com o

Sindicato dos Químicos, com voluntários, que vie-

ram da universidade e estavam comprometidos

com esse ideário de transformação, inclusive eu

estava entre eles. O que quero dizer é que o mo-

vimento não brota de graça, tem que ter um nível

de organização, como, por exemplo, este centro de

associações de moradores.

Quero trazer o exemplo da luta pela moradia, da luta

pelo direito à cidade, a experiência do Fórum Na-

cional da Reforma Urbana. É um fórum que, desde

1987, antes da atual Constituição, se mobilizou nos

comitês pró-constituinte populares, se mobilizou

em discussões no Brasil inteiro, pelo direito à cida-

de. Nós sabemos o que vivemos, e essa é a razão

das mobilizações. vivemos numa cidade dividida:

temos os bairros com todos os equipamentos, segu-

rança, escolas, bom transporte; e metade da cida-

de, ou mais, de ocupações ilegais, de loteamentos

clandestinos, onde não tem nada e os moradores

têm que lutar arduamente para ir construindo aos

poucos, conquistando aos poucos, o que é um di-

reito de todos.

Esse Fórum Nacional da Reforma Urbana tem uma

característica que abre espaço para fazermos alian-

ças com os diferentes. Quem normalmente participa

nesses 20 anos do Fórum Nacional da Reforma Urba-

na? Participam o Sindicado dos Arquitetos; o Sindica-

to dos Trabalhadores do meio Ambiente, que mexe

com lixo e esgoto; os movimentos de moradia. Par-

ticipam ONgs e outros movimentos. É uma aliança

mais ampla, com o objetivo de conquistar a melhoria

de vida na cidade. Esse fórum, uma rede horizontal,

está organizado em várias regiões do país.

A alma da cidade é o seu povo. Então, se nós

formos falar das melhorias, não poderemos fa-

lar das propostas técnicas e ponto; temos que

perguntar para quem vai bancar essa mudan-

ça. Porque ideias boas nós temos.

C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S

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E como é que cada organização participante dessa

rede contribui, de maneira singular, para fortalecer o

movimento coletivo? Os movimentos trazem a força

da mobilização, trazem a base, trazem o bairro, tra-

zem o cidadão. Já o sindicato do pessoal da água e

do esgoto trouxe muita informação sobre a carência

do equipamento, o custo de implantação, os progra-

mas de governo. E as ONgs?

Acredito que aqui precisamos abrir um parêntese e

dizer que nem todas as ONgs são iguais, porque te-

mos períodos históricos diferentes. Nos anos 1980,

tivemos uma geração de ONgs voltadas à defesa dos

direitos, da justiça, da igualdade social, da busca da

equidade. Já nos anos 1990, a maior parte das ONgs

se formou para prestar serviço para o governo, elas

não têm o mesmo foco das ONgs dos anos 1980.

Acho que não vale a pena discutir a relação dos

movimentos sociais com as ONgs em geral, temos

que diferenciar. Uma professora da Unicamp [Uni-

versidade Estadual de Campinas], a Evelina Dagnino,

tem um conceito muito interessante, ela diz o se-

guinte: “A gente não pode juntar as organizações e

entendê-las pela sua natureza, se é uma ONg, uma

associação de moradores, um sindicato. Porque tem

sindicato bom, tem sindicato ruim; tem ONg boa e

tem ONg ruim; tem movimento bom e tem movi-

mento que não é tão bom.”

Por isso é importante identificar as organizações

pelo que elas fazem, pelos seus trabalhos, pelos

seus compromissos expressos na prática, assim

encontraremos um elemento comum: a luta pelos

direitos. Podemos dizer que, nos anos 1980, com

toda a expectativa de mudança, depois da ditadura,

tínhamos uma utopia e pensávamos em construir

um Brasil mais igual, mais justo. A própria Teologia

da Libertação falava na construção de um mundo

melhor, não dizia como, porque ficava nos valores,

mas, de alguma maneira, também abriu muito es-

paço para esse debate.

Quando nos identificamos nessa chave dos direitos,

as alianças se dão entre aqueles que estão com-

prometidos com essa luta, definimos um campo

político na sociedade, de afinidades, de propósitos

comuns. Um campo de ação coletiva articulada e

democrática, para que a democracia se amplie para

todos. Não apenas para o cidadão se reapropiar dos

instrumentos de governo, da cidade, mas para pas-

sar a controlar o governo, a participar do planeja-

mento. Tem um colega meu que diz assim:

Não podemos juntar as organizações e

entendê-las pela sua natureza, se é uma ONG,

uma associação de moradores, um sindicato.

Porque tem sindicato bom, tem sindicato

ruim; tem ONG boa e tem ONG ruim; tem

movimento bom e tem movimento que não é

tão bom.

m O B I L I z A ç õ E S S O C I A I S , U T O P I A S E C O N Q U I S T A S

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“A gente tem que caminhar para o planejamento

participativo, envolvendo a comunidade, definindo

metas, para um controle público e social.”

Na cidade de maringá [Paraná], por exemplo, o pre-

feito, há uns dez anos, botou a mão no dinheiro

público e foi um escândalo. Com isso, surgiu a ini-

ciativa de formar uma comissão reunindo Associa-

ção Comercial, maçonaria, igrejas, sindicatos. Essa

comissão começou a fiscalizar as licitações públi-

cas. Em dois anos, a capacidade de investimento

da prefeitura dobrou. Hoje, tem mais de 40 cidades

que adotam esse tipo de controle.

vou voltar à questão das ONgs presentes na chave

da luta pelos direitos para fechar minha fala. Acredi-

to que a marca principal dessas ONgs é a produção

de conhecimento. Elas servem para fazer programa

de formação com os movimentos, reunir informação

e avaliar a política pública.

Em 2008, o movimento de saúde de São Paulo veio

ao Pólis e disse assim: “Precisamos entender melhor

como controlar o orçamento de saúde.” A partir dessa

necessidade, desenvolvemos e realizamos um curso

com a participação de duas pessoas do movimento

por subprefeitura e a coordenação do movimento. O

objetivo do curso foi que todos aprendessem a fisca-

lizar o gasto da área de saúde na sua subprefeitura.

As ONgs podem oferecer esse tipo de apoio, siste-

matizar as propostas e também organizar as próprias

demandas, acompanhando os movimentos. Nós, do

Pólis, estamos, por exemplo, no Conselho das Cida-

des, no Conselho de Assistência Social, no Consea

[Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nu-

tricional], articulando desde o trabalho local até os

momentos de política mais ampla nacional.

Na Rio 92, há 18 anos, achávamos que a socieda-

de civil não seria capaz de fazer um diagnóstico da

situação ambiental do Brasil para enfrentar o diag-

nóstico do governo. Não é que deu o contrário? O

diagnóstico feito pela sociedade civil foi melhor,

mais consistente e, além disso, crítico, se compara-

do ao do governo brasileiro. E aí eu me perguntava:

“mas como é possível, se o governo tem técnicos,

tempo à sua disposição, todas as informações, e o

movimento não tem?”

Começamos a descobrir que esse diagnóstico foi fei-

to em conjunto por professores universitários espe-

cialistas no tema, ONgs ambientalistas e de desen-

volvimento, que, naquela época, ainda tinham essa

divisão, e alguns sindicatos. Foi um esforço coletivo

que gerou uma análise de qualidade. O segredo é

ser coletivo, com cada especialista contribuindo para

o coletivo.

Precisamos resgatar um pouco a ideia da utopia.

Pensar a cidade do futuro, como queremos que seja

a nossa cidade, como queremos São miguel para

os nossos filhos, para os nossos netos. Uma vez me

perguntaram assim: “Como você quer que São Paulo

seja daqui a 30 anos?” Eu pensei, pensei e falei: “Eu

quero nadar e pescar no Tietê.” muito obrigado.

Na Rio 92, há 18 anos, achávamos que a

sociedade civil não seria capaz de fazer um

diagnóstico da situação ambiental do Brasil

para enfrentar o diagnóstico do governo. Não

é que deu o contrário? O diagnóstico feito pela

sociedade civil foi melhor, mais consistente e,

além disso, crítico, se comparado ao do gover-

no brasileiro.

C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S

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3 ONGs, movimentos sociaise contexto históricoFrancisco Whitaker

Francisco Whitaker é arquiteto e urbanista, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, participa da organização dos Fóruns Sociais mundiais e, em 2006, recebeu o Prêmio Nobel Alternativo (Right Rivelihood Award).

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Nascemos e já começamos a aprender. Passamos

a vida inteira aprendendo. Tudo o que foi falado aqui

continuaremos discutindo em casa, com os amigos.

Depois vamos aprender mais e, assim, dirigimos nos-

sa presença no mundo pelo que aprendemos. Há a

história de uma velhinha que estava morrendo e, na

hora da extrema-unção, hoje chamada de unção aos

enfermos, enquanto estava segurando a vela, o pa-

dre falou: “minha senhora, desculpe, mas a senhora

vai ter que segurar a velinha com a mão esquerda

e não com a mão direita. E ela falou: “morrendo e

aprendendo.” É isso! A vida é isso.

Quando começamos a pensar nos problemas do

Brasil, dizemos: “Nossa, como tem problema!” Nós

tivemos, no país, um momento em que havia tanta

mudança a fazer que os presidentes e os governos

daquele tempo resolveram esticar mais a corda,

fazer coisas absolutamente necessárias, que ainda

são até hoje, como, por exemplo, a reforma agrária.

Agora, mudou o quadro. mas, naquele tempo, os

problemas do latifúndio improdutivo e da quantida-

de de pessoas que chegavam às cidades expulsas do

campo fizeram com que o governo tomasse algumas

atitudes. E aqueles que eram os privilegiados no país

chamaram os militares e disseram: “Deem um jeito,

isso não pode continuar.” E o que os militares fize-

ram? Deram o chamado golpe de Estado de 1964.

A partir de 1964, vivemos muitos anos numa situa-

ção em que quem reclamava corria risco de vida, e

os que se opunham ao sistema eram devidamente

presos, torturados e assassinados. Isso ainda acon-

tece em muitos países do mundo, mas nós vivemos

esse problema de 1964 até entrar em 1980. Nos

anos 1980, os problemas não se resolveram. Pelo

contrário, muitos se agravavam porque o modelo

econômico adotado pelos militares era concentrador

de riqueza, excluía. Um modelo que determinou a

expulsão de ainda mais gente do campo, para en-

cher as favelas da cidade onde não tinha emprego.

Esse processo estava ficando tão complicado que um

dos generais de turno – os nossos ditadores foram

muito vivos, em vez de ter um ditador, um Pino-

chet 15 anos no Chile, eles revezavam; a cada quatro

anos, vinha outro –, durante um evento, disse que a

economia estava bem, de 7% a 8% de crescimento,

mas o povo estava mal. Ele deixou isso escapar por-

que estava percebendo que a situação social não era

uma maravilha, como a tal da economia.

Bem, dito isso, eles tiveram que ceder. O general

que pensava toda a teoria do governo militar dizia:

“Nós temos que funcionar como o coração, sístole,

diástole; sístole, diástole; concentra, desconcentra;

concentra, desconcentra. Tivemos um tempo de con-

centração de poder e, agora, temos que passar por

uma desconcentração, senão o coração vai estourar.”

O N g S , m O v I m E N T O S S O C I A I S E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O

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Eles chamaram essa desconcentração de abertura

lenta, gradual e segura. Segura para eles. Quando

esse processo começou a ser chamado de redemo-

cratização, iniciou-se uma nova fase política, sem

assassinato, sem tortura, começou a haver um pouco

mais de liberdade. mas muita gente ainda morria

de medo. medo porque, nos tempos da ditadura, o

sujeito se reunia com três na esquina e já era consi-

derado subversivo, já era preso. mas, de forma lenta,

gradual e segura – para eles –, começamos a en-

trar de novo na política. Pessoas como eu voltaram

para o Brasil e começaram a fazer política. E política

nunca fazemos sozinho. Para mudar alguma coisa

na sociedade, temos que nos unir com outros. E o

modo que tínhamos naquele tempo para nos reunir

era nos partidos. A forma de participar politicamente

era entrando em um partido. Isso aconteceu logo no

começo da redemocratização. Também começamos

a nos candidatar a vereador, a prefeito... O nosso tra-

balho era identificar as pessoas boas a serem eleitas

e os partidos realmente interessados em melhorar

a situação do país. Depois, começamos a verificar

que não bastava eleger, era preciso ir um pouco

mais longe. Era preciso começar a controlar, ajudar

e fiscalizar os eleitos, a se organizar de outra forma.

Nesse momento, as ONgs e os sindicatos iniciaram

uma etapa de participação política diferente do puro

envolvimento partidário.

Existem diferentes tipos de ONg. Qual é a caracterís-

tica principal da ONg? O nome dela já diz: organiza-

ção não governamental, organização da sociedade,

não é governo. Cada ONg pode ser fundada por três

pessoas, basta definir um objetivo, o tipo de trabalho

a ser feito e ter registro em cartório. E qual a carac-

terística fundamental da ONg? Ser uma organização

sem fins lucrativos. Não é feita para ganhar dinheiro,

mas para prestar um serviço social para a socieda-

de. O grande drama de muitas ONgs que existem

hoje é que elas têm fins lucrativos. Existe ONg cria-

da por deputado, porque há uma série de distorções

terríveis no Brasil, como as famosas emendas par-

lamentares, uma forma de o deputado colocar no

orçamento uma determinada destinação de verba.

Então, ele destina verba para uma ONg cuja presi-

dente é a mulher dele. Existem milhares pelo Brasil

feitas para desviar dinheiro. Há ONgs criadas para

defender interesses específicos antibrasileiros, como

aquelas com raiz nos Estados Unidos, por exemplo.

mas existem muitas ONgs. Temos uma associação,

da qual Silvio Bava é um dos fundadores, chamada

Abong – Associação Brasileira de ONgs –, que reúne

aquelas que querem mudar as coisas. Eu participo

de pelo menos umas quatro ou cinco ONgs peque-

nas e grandes. Tem uma que presta um serviço

interessantíssimo há 30 anos, ajudamos na Consti-

tuinte, no combate ao desemprego. Também estou

na ONg ligada à igreja, da Comissão Brasileira de

Justiça e Paz.

Além das ONgs, existem os chamados movimentos,

que são completamente diferentes. O movimento

não é uma estrutura jurídica, tem um objetivo rei-

vindicatório geral, de mudança, e quanto mais gen-

te reunir melhor. Na ONg, já é diferente. Às vezes,

para funcionar, é formada por um grupo relativa-

mente pequeno. Hoje, também existe o que não

é nem ONg nem movimento, como o nosso Fó-

rum Social mundial, criado pelo Oded grajew. É um

grupo de ONgs e movimentos que se reuniram e

O movimento não é uma estrutura

jurídica, tem um objetivo reivindicatório

geral, de mudança, e quanto mais gente

reunir, melhor.

C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S

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disseram: “vamos criar, mundialmente, um espaço

para a discussão dos grandes problemas do mundo

e de grandes saídas, superando a lógica do lucro

que domina o mundo atualmente. vamos fazer o

mundo funcionar segundo a lógica do atendimento

das necessidades das pessoas e não a lógica do

crescimento econômico puro e simples.

vamos continuar aprendendo, descobrindo e inven-

tando pelo resto da vida. Quem não está contente

com o que acontece tem que começar a acreditar

que um outro mundo é possível. Não é só possível

como é necessário, é urgente. Nesse processo, cada

um de nós faz o que pode. Eu, por exemplo, dei-

xei de ser vereador. No tempo em que fui vereador,

achava que podíamos trabalhar na Câmara munici-

pal. mas, depois, vi que a relação entre o custo e

o benefício era desequilibrada. O custo de trabalhar

dentro daquela casa era enorme e o benefício social

era mínimo. Então, decidi sair, voltar para a socieda-

de civil, que é um mar de possibilidades.

Nesse mar de possibilidades, tivemos agora mais

uma experiência notável: a Lei da Ficha Limpa, que

é um processo. Eu escrevi para o jornal Le Monde

Diplomatique um artigo que tinha como título: “Par-

ticipação popular, a cada dez anos um passo”. mui-

to devagar, a cada dez anos. mas, objetivamente, o

que aconteceu? Na Constituinte, quando a abertura

lenta, gradual e segura exigiu uma nova Constitui-

ção no Brasil para eliminar as leis autoritárias, foram

criados três instrumentos de participação popular: a

iniciativa popular de lei, o plebiscito e o referendo.

A iniciativa popular de lei consiste em dar à popula-

ção a possibilidade de apresentar projetos de lei ao

Congresso Nacional, desde que assinados por pelo

menos 1% do eleitorado. Essa foi uma conquista,

na Constituinte, por meio das emendas populares.

Participei exatamente da apresentação da emenda

pela qual esse instrumento de participação entraria

na Constituição como iniciativa popular de lei. Os de-

putados achavam que não conseguiríamos nada e

estabeleceram que as emendas precisariam de, no

mínimo, 30 mil assinaturas. Só essa nossa emenda

obteve 400 mil assinaturas. O pessoal estava mobi-

lizado, era um movimento. Em 1988, a Constituição

Brasileira, chamada de Constituição Cidadã, foi feita

com muita participação popular e introduziu vários

direitos, como esse da iniciativa popular de lei.

Em 1992, o movimento de moradia apresentou a pri-

meira iniciativa popular para o Congresso com 700

mil assinaturas, naquele tempo 1% do eleitorado era

mais ou menos isso. Surgiu a questão da verificação

das assinaturas, o que levaria mais de três anos, por-

que teríamos que enviar cada uma para o cartório

para provar sua veracidade. Impossível. Então, teria

que ser iniciativa parlamentar, ou seja, algum depu-

tado teria que patrocinar a iniciativa popular.

O movimento de moradia pediu para um deputado.

Um mineiro muito bom, Nilmário miranda, uma pes-

soa muito bacana, assinou e virou o patrono daquela

ação. Sabe quanto tempo levou no Congresso para

ser aprovada a lei correspondente? Dezessete anos.

Saiu uma lei boa, bem trabalhada, baseada no pro-

jeto do Fundo Nacional de moradia.

Em 1997, quase dez anos depois da Constituinte,

com a Campanha da Fraternidade de 1996, Frater-

nidade e Política, nós identificamos um problemão

no Brasil: a famosa compra de votos. Quer dizer, o

candidato é eleito com distribuição de cestas bási-

cas, óculos, dentaduras, ou seja, com dinheiro que

compra votos. A essa altura, não eram mais 600 mil

assinaturas, era necessário 1 milhão, em 1997. Lan-

O N g S , m O v I m E N T O S S O C I A I S E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O

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çamos a bendita campanha, levamos um ano e meio

coletando, chegamos ao Congresso com 1 milhão de

assinaturas. O impacto foi tão grande que, em sete

semanas, não em 17 anos, conseguimos aprovar a

lei, a famosa Lei 9.840. Sabem quantos vereadores,

deputados e prefeitos já foram cassados desde que

essa lei foi aprovada? Quase mil.

A pressão da sociedade criou, então, um movimento

de combate à corrupção eleitoral – do qual eu tam-

bém faço parte – que, agora, conquistou a Lei da

Ficha Limpa. E, para a Ficha Limpa, não precisávamos

de 1 milhão de assinaturas, precisávamos de 1,3 mi-

lhão! Levamos os mesmos dois anos para chegar lá

e o entusiasmo do pessoal foi tão grande que en-

tregamos ao Congresso quando comemoramos dez

anos da promulgação da primeira. Por isso digo: a

cada dez anos um passo. Acabamos fazendo uma lei

que diz: para ser deputado, tem que ter ficha lim-

pa. Se não contrato um advogado que roubou, por

exemplo, como vou contratar um representante po-

lítico que já tem penas nas costas, de crime doloso,

quando a pessoa pratica o crime intencionalmente?

Ou seja, a lei é muito rígida e, ao mesmo tempo,

muito cuidadosa.

vivemos uma experiência riquíssima nesse pro-

cesso porque, em vez de pedir para um deputado

assinar, abrimos para todos que quisessem, e 33

deputados assinaram o projeto de lei. Chamamos

todos para várias reuniões sucessivas, para melho-

rar a lei e deixá-la cada vez mais amarrada. Foram

sete meses de trabalho no Congresso. A proposta

começou a ser trabalhada por um grupo especial,

depois foi retrabalhada na Comissão de Constitui-

ção e Justiça. Então, o que aconteceu? Na Câmara

Federal, ficou impossível votar contra a lei, embora

houvesse no mínimo um terço contra a aprovação.

Perguntávamos para os deputados, como essa mi-

noria mandaria na maioria? Isso criou uma tamanha

pressão que o projeto saiu direto da Comissão de

Constituição e Justiça, sem ser votado, e foi para o

plenário para votação. O interessante dessa história

é que nós, do movimento de Combate à Corrupção

Eleitoral, estávamos lá no Congresso. Fomos em

comitiva falar com o Sarney [senador José Sarney

– presidente do Senado]. Falamos que agora era

com o Senado, que queríamos a mesma celerida-

de, sem alterações, porque, se houvesse mudança,

voltaria para a Câmara. Depois, em conversa com o

Temer [deputado michel Temer – presidente da Câ-

mara dos Deputados], dissemos que a experiência

tinha sido tão boa, o entrosamento com os deputa-

dos foi tão intenso, que já havia clima, ambiente e

massa crítica para a experiência seguinte, a refor-

ma política. Dissemos: “Preparem-se para discutir

esse problema. O movimento quer trabalhar uma

nova iniciativa popular que mude o que precisa

ser mudado.”

Nesse processo, o que mais aprendi foi em relação

ao poder do Legislativo. Ele tem um poder enorme,

segura qualquer prefeito, qualquer governador, qual-

quer presidente. E nós, infelizmente, estamos longe

ainda de descobrir que, na hora de uma eleição, te-

mos que pensar em quem votar para presidente, para

governador ou prefeito, mas pensar dez vezes mais

em quem votar para deputado e vereador. Aí está o

Acabamos fazendo uma lei que diz: para

ser deputado, tem que ter ficha limpa. Se

não contrato um advogado que roubou, por

exemplo, como vou contratar um represen-

tante político que já tem penas nas costas,

de crime doloso, quando a pessoa pratica o

crime intencionalmente?

C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S

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poder, a fonte da corrupção e a fonte da impossibilida-

de, por exemplo, de fazer uma reforma política.

Toda mudança depende da nossa capacidade de mo-

bilização. Ou nos mobilizamos, nos juntamos e fazemos

o que tem que fazer, ou ficaremos sempre sonhan

do com outro mundo possível, porque realmente

os donos do poder vão sempre empurrar mais para

adiante, porque eles são privilegiados pelo sistema.

Reeducação dos partidos políticos

Faço parte daqueles desencantados com partido po-

lítico. O drama, na minha opinião, é que ele existe

para tomar o poder e essa dinâmica se repete inter-

namente. Ele acaba se transformando numa arena

de pessoas querendo o poder dentro do partido, o

que torna as alianças muito difíceis. mas, na nossa

estrutura política, você só pode ser candidato se es-

tiver num partido. Não é a mesma coisa em outros

países, onde o candidato deve ter o apoio de um

certo número de cidadãos. Assim, ele pode criticar

o partido com esse grupo, ser candidato e eleito. Na

nossa estrutura, o que precisamos é de uma reedu-

cação dos partidos políticos. O jovem precisa entrar

lá e tentar fazer com que o partido funcione com

outro tipo de comportamento. É possível.

No Fórum Social mundial, quando estabelecemos

a carta de princípios, abrimos para a participação

de todos, exceto para governos e partidos políticos.

Isso porque criaria uma competição interna pelo do-

mínio daquele espaço, o que acabaria com o fórum.

O princípio do fórum é a horizontalidade, é não ter

direção, ninguém que mande, todo mundo é igual

e tem a mesma importância. É possível fazer essa

horizontalidade, desde que se tenha uma noção de

poder diferente. É uma questão de reeducação. E a

reeducação interna dos partidos é muito mais violen-

ta, muito mais forte, mas precisa ser feita. Quem en-

tra no partido político tem que viver a vida partidária.

mas, uma vez vivendo, pode perfeitamente exigir. É

difícil, porque é o caminho para o poder, e tem uma

quantidade enorme de gente que se engaja nisso

para ter o próprio poder. As ambições pessoais inter-

ferem fortemente na maneira como a pessoa atua.

Quem tiver paciência entre, mas sabendo que é pre-

ciso introduzir outra ética. Caso contrário, caímos no

mesmo problema de luta pessoal pelo poder.

Na nossa estrutura, o que precisamos é de

uma reeducação dos partidos políticos. O

jovem precisa entrar lá e tentar fazer com

que o partido funcione com outro tipo de

comportamento. É possível.

O N g S , m O v I m E N T O S S O C I A I S E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O

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4 As alianças no processo demudança: leitura críticaPadre Ticão

Padre Ticão é presidente da Associação da Casa de Pessoas com Deficiência, integra o movimento Nossa zona Leste e realiza trabalhos comunitários na zona leste desde 1978.

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Na minha opinião, uma coisa importante são as

alianças. Às vezes, temos uma caminhada muito

fragmentada, as entidades ficam isoladas. O que es-

tamos fazendo aqui é justamente refletir em conjun-

to. Sabemos que mudança exige ampla participação

e, agora, estamos num clima de criar alianças, arti-

culações, para descobrir os melhores caminhos. mi-

nha questão é sobre o que Chico Whitaker abordou

em relação aos partidos políticos: nossa democracia

é centrada nos partidos políticos e esse é o único

caminho para chegar ao poder.

Acredito que as organizações sociais – nós – tive-

ram um avanço muito grande aqui na região da zona

leste, onde vivemos. Outro dia, Jaime Lerner2 dizia:

“As mudanças acontecem nesse esforço e cada

um faz como uma acupuntura, colocando as agu-

lhinhas.” Cada ONg, cada organização, cada lide-

rança é essa agulhinha que faz um tratamento e a

pessoa vai se sentindo melhor. No social, acredito

que cada um é como um poste que ilumina e nos

faz caminhar melhor.

Nós caminhamos, avançamos nos movimentos e

deixamos de lado os partidos políticos. Há um en-

canto das pessoas em participar dos movimentos,

das entidades, das discussões; mas há um desen-

canto diante dos partidos políticos. Estamos, há me-

ses, refletindo um pouco sobre isso: como criar uma

metodologia que envolva mais os partidos, para que

eles assumam compromissos. Não tenho receita,

mas precisamos de uma metodologia, de um cami-

nho, que faça com que os partidos se comprome-

tam mais publicamente. Eles estão distantes, há um

desencanto da população, dos movimentos, das en-

tidades. Os partidos políticos parecem viver em ou-

tro mundo. mas como a democracia é centrada no

partido político, temos que incentivar o interesse, o

encanto da população em entrar no partido político

também. Como fazer isso? Quais os caminhos?

Há um encanto das pessoas em participar

dos movimentos, das entidades, das dis-

cussões, mas há um desencanto diante dos

partidos políticos. Não tenho receita, mas

precisamos de uma metodologia, de um

caminho, que faça com que os partidos se

comprometam mais publicamente.

2. Jaime Lerner é arquiteto e urbanista. Foi governador do Paraná por duas vezes e prefeito de Curitiba por três vezes.

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5 Debate

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Walter: sou membro do Fórum de Desenvolvi-

mento da Zona Leste e professor de História em

São miguel Paulista. Comecei a dar aulas há 25 anos.

Sou filho de operário que trabalhou mais de 20 anos

numa fábrica de papel, para fazer livros e jornais, e

morreu analfabeto. Li vários livros que meu pai não

pôde ler. Com base nessas leituras, quero apresentar

umas questões para a mesa.

Estamos juntos no movimento Nossa São Paulo,

ajudando a construir o movimento Nossa Itaquera.

Sabemos da importância dessa aliança. Temos uma

longa caminhada. Para dialogar um pouco sobre o

que foi falado, milton Santos, citado durante uma

das apresentações, foi um dos maiores intelectuais

brasileiros e falava muito sobre o poder do dinheiro

e da informação. milton Santos também falava da

perversidade. mas acredito que, talvez, seja conve-

niente lembrar que esse sistema perverso tem um

nome: capitalismo. Hoje, temos uma grande ideo-

logia que milton Santos chamava de pensamento

único, que esconde o capitalismo, esconde a luta de

classes. Parece que não existem mais classes, não

existe mais classe trabalhadora. meu pai foi o último

operário? Será que não existe mais operário aqui em

São Paulo ou no Brasil? Precisamos sempre lembrar

que existem contradições muito sérias e a questão

ética da política individual, mas não podemos es-

quecer a ética de um sistema que é, na base, injus-

to, desumano, o sistema capitalista. Como as nos-

sas ONgs consideram as desigualdades das classes

sociais? Esse assunto de fato está enterrado, é do

século passado, do outro milênio, ou é um assunto

que permanece atual?

Ana Martins: sou da União Brasileira de Mu-

lheres. Aos 70 anos, ainda busco o melhor caminho

para construirmos uma nova sociedade. Nós temos a

missão de construir algo que vá além do que existe,

porque isso não nos satisfaz. Uma grande parte da

população ainda é conservadora, mas não é à toa,

porque as instituições são conservadoras. A justiça é

conservadora. As universidades são conservadoras.

Quanta riqueza existe dentro dessas universidades e

elas estão fechadas, bloqueadas, sem nenhuma in-

teração com a população? A igreja também é conser-

vadora. A igreja que nos fortalece e nos ajuda a fazer

avançar é a progressista. Fico procurando na história,

sempre para me reanimar, para tocar a nossa luta

para frente, o que nos aponta sinais positivos e nos

ajuda a avançar. Se João XXIII estivesse aqui, ele diria

que o Fórum Social mundial foi um sinal dos tempos,

porque buscou a unidade de tudo aquilo que tinha

de melhor para refletir sobre os problemas do mun-

do, porque sem unidade não tem avanço.

O que aconteceu com os partidos políticos no Brasil?

A sua grande maioria é conservadora e os novos,

que surgiram dos anos 1980 para cá, passaram a

repetir a prática conservadora, que prejudica a po-

pulação fazendo clientelismo. O que se constrói com

profundidade, gerando justiça e mudança, exige

tempo, participação. Por isso, queremos dos partidos

um programa que trabalhe os grandes interesses do

povo e do país, capaz de fazer avançar a consciên-

cia política da população, para que ela não caia nas

mãos de políticos aproveitadores. Aqui, na nossa re-

gião, é triste quando setores evangélicos e católicos

aceitam dinheiro para levar políticos a missas e a

cultos. É preciso combater o conservadorismo. Quero

sugerir a construção de um debate entre partido po-

lítico e movimento social.

Eu sei, Chico Whitaker, o quanto é difícil participar da

Câmara municipal e da Assembleia Legislativa, como

vereador e deputado. mas o Legislativo, como você

bem disse, tem um poder importante, com capaci-

dade para ajudar os movimentos sociais a promove-

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45D E B A T E

rem algumas transformações e avançar. Temos sinais

positivos: as lideranças que surgiram nessas institui-

ções, mesmo que conservadoras. Por que existe a

Associação de Juízes pela Democracia? Isso não é um

sinal dos tempos, no raciocínio de João XXIII? Por que

existe um ministério Público democrático? Não são

os promotores que têm um compromisso com a po-

pulação? Por que existem um Ticão e outros padres

que também se comprometem com o movimento

social? Por que existem lideranças de ONgs que que-

rem compromisso e não se aproveitam do poder? Por

que existem militantes de partidos políticos que são

incentivadores dos movimentos sociais? Isso tem que

crescer, tem que avançar. Por isso, não podemos opor

o povo ao partido político. Temos que opor aos vícios,

aos conservadorismos, à política do toma cá da lá.

Não podemos ter militância em ONg, em partido e

na igreja sem comprometimento com os movimen-

tos sociais, porque são eles que constroem o novo,

trazem inovações e vão ajudar a construir uma nova

sociedade. Cada um tem a sua opção, defende o que

acredita ser melhor, mas uma sociedade justa e fra-

terna nós somos e temos a capacidade de continuar

persistindo e ajudar a construir uma nova sociedade.

Para mim, a socialista. mas, se tivermos uma alter-

nativa, vamos construí-la.

Luis França: sou do Movimento Nossa São Pau-

lo, do Movimento Nossa Zona Leste e do Jornal

Voz da Comunidade. A grande utopia hoje, aqui na

zona leste da cidade de São Paulo, como militantes,

é a gestão administrativa da cidade. É inadmissível,

numa cidade com 11 milhões de habitantes, apenas

uma pessoa definir seus rumos. Coloco essa questão

para nossas ONgs, para nossos movimentos. A ad-

ministração da cidade deve ser novamente colocada

no debate político, senão não avançaremos. É preciso

descentralizar o poder político de São Paulo para pro-

pormos isso para um novo Brasil também. De repente,

mais para frente, sonharmos com a descentralização

política do estado e do próprio governo federal.

Aqui na zona leste, estamos propondo um debate.

Inspirados no Nossa São Paulo, denominamos como

Projeto de Planejamento zona Leste 2022. Estamos

criando, a partir de ações das políticas públicas na re-

gião, o caminho para colocar a zona leste no foco do

debate político até o ano 2022, procurando melhor

qualidade de vida para a população da região. As en-

tidades, os movimentos, as lideranças têm que fazer

parte desse contexto, senão a coisa não acontece. Não

adianta esperar. São as lideranças que alavancam e

estimulam o povo a participar do debate. Temos go-

vernos que são eleitos e não governam com o povo, se

acham donos da verdade e falam que vão fazer coisas

para o povo. Não pode ser para o povo, tem que ser

com o povo. Por isso, as entidades, os movimentos, as

lideranças têm que estar presentes.

No projeto da zona Leste 2022, corremos atrás de pa-

trocinadores para lançar uma revista com 50 mil exem-

plares, para que a maioria das lideranças, das escolas

e das entidades faça parte desse debate e acompanhe

o desenvolvimento dessas propostas. Focamos muito

nessa questão do planejamento por causa do projeto

Parque várzeas do Tietê, na zona leste. Somos favorá-

veis, mas esqueceram de fazer o projeto habitacional

para a população do entorno. Isso se chama falta de

planejamento, falta de sentimento e de carinho com

o povo. E mais um detalhe sobre esse programa da

várzea do Tietê: tivemos as enchentes deste ano, o

caso foi muito comentado pela imprensa e, depois,

não apareceu mais nada nos jornais. Na próxima en-

chente, o governador não aparece, o prefeito não re-

solve nada, o problema é esquecido e a população, de

novo, perde. Então, temos que fazer parte do debate

político, sempre pontuando essas questões.

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É importante debater o poder da comunicação aqui

no Brasil. Temos políticos envolvidos nos maiores

grupos que formam a opinião pública. Lá nos Es-

tados Unidos, o New York Times tem definida sua

posição ideológica, a população sabe qual é. Aqui,

os meios de comunicação escondem para quem

trabalham e ainda utilizam-se do poder para fazer

a cabeça da população.

Para finalizar, quero falar que concordo com você,

Chico Whitaker, sobre as dificuldades para participar

de partido político, mas o modelo político no Brasil

exige partidos políticos. O partido político, as igrejas,

as ONgs têm que privilegiar as pessoas de bem. Se

as pessoas do mal estão ocupando espaço das pes-

soas de bem, nunca vamos melhorar a nossa socie-

dade. Então, não adianta sair de um partido político

sem provocar um debate interno.

Alessandra: faço parte da Associação Amigos de

Bairro da Cidade Nova. Sou diretora da creche gol-

finho Dourado. A questão de o prefeito ter 90 dias

para apresentar novas metas para a educação, no

caso da creche, fica muito fácil. Isso porque é fei-

to um convênio com uma entidade, que fica com

a responsabilidade de arcar com 60% da despesa.

Assim, a Prefeitura investe 40% do recurso. Ela paga

parte da alimentação, o aluguel da casa e a folha de

pagamento. Porém, todo o material pedagógico, os

brinquedos, a proposta cultural e de educação ficam

para a entidade. Por isso que muitas creches abrem

e, depois de seis meses, fecham. O motivo é esse.

Convido a todos para participarem do debate dessa

questão das creches em São Paulo.

JB: tenho uma pergunta para o Oded grajew em

relação ao plano de metas para a cidade de São Pau-

lo, sobre os indicadores, que são maravilhosos e nos

norteiam. Queria dar o exemplo do Jardim Helena,

um dos IDHs [índices de Desenvolvimento Humano]

mais baixos da cidade de São Paulo. Qual a expec-

tativa, com todo esse trabalho, para um distrito que

tem 160 mil habitantes e uma precariedade muito

grande na questão da saúde?

Célia: sou secretária de movimentos do PT, do

Partido dos Trabalhadores. Queria ressaltar a fala

do Silvio Bava. Ele resgatou nossa história de São

miguel Paulista, especialmente a questão da saúde.

Temos militantes que fizeram essa história, mas que

também podem contribuir ainda mais para melho-

rarmos a questão da saúde. Espero que consigamos

fazer mais dessas reuniões e pensar na questão de

um fórum social da zona leste. Precisamos realmen-

te constituir uma relação e o fórum talvez seja o ca-

minho. Proponho aos integrantes dessa mesa que

nos ajudem a fazer esse fórum social e a pensar na

construção de uma outra zona leste. Esse momento

de debate é importante e temos que continuar.

Cláudio Gomes: participo de um grupo de teatro

com pessoas de mais de 60 anos e do IPDESH (Ins-

tituto de Pesquisa em Desenvolvimento Social e

Humano). Acho fundamental que cada instituição pre-

sente aqui, cada grupo, coloque na sua pauta o trabalho

com os jovens. Como trazer os jovens para assumir os

destinos da nossa sociedade. Porque quando todos nós,

há 17 anos, estávamos começando a participar desses

movimentos, tínhamos os nossos 25 anos. Quem vai

construir um mundo novo são os jovens, isso é claro

para todos. Outra questão: cada um deve assumir o

desafio de pautar em todas as ações das instituições a

criação de instrumentos de informação, de comunica-

ção. Nós precisamos discutir cultura, tecnologia, arte e

informação. Esses são os dois desafios que sugiro que

coloquemos nas nossas pautas daqui por diante.

D E B A T E

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RESPOSTAS

Silvio Caccia Bava: precisamos entender como

o sistema funciona hoje para podermos compreen-

der como se dão essas contradições. Se vocês olha-

rem, por exemplo, para o começo dos anos 1980,

havia uma força enorme do operariado, que se ex-

pressou nas greves metalúrgicas do ABC e depois foi

se alastrando pelo Brasil inteiro. O que foi um impulso

para sairmos da ditadura e entrarmos no processo de

redemocratização. Nesse caso particularmente, essa

liderança operária se fez presente e foi muito impor-

tante, determinante.

Agora, estamos vivendo uma transformação muito

grande no mundo. A categoria dos bancários, por

exemplo. Ela foi reduzida enormemente por conta

do caixa eletrônico, da internet, dessa tecnologia que

dispensa mão de obra. Hoje, as fábricas modernas

de automóveis têm muito robô e menos trabalhador,

operário. Hoje em dia, o setor de serviços é maior

do que o de trabalhadores em fábrica. mudou muita

coisa, o mapa dos conflitos ganhou novas configu-

rações. Então, começamos a perceber que existem

novos movimentos e lutas, como a do mST [movi-

mento dos Trabalhadores Sem Terra] pela reforma

agrária. vocês ouviam falar dos Quilombolas cinco

anos atrás? Há cinco anos, não tinha esse assunto,

temos novos atores. Há dez anos, a primeira Parada

gay em São Paulo reuniu 10 mil pessoas, hoje são de

3,5 milhões a 4 milhões. Nós precisamos entender

que os movimentos contra as discriminações tiveram

um grande avanço durante esses últimos dez anos,

como o movimento negro, por exemplo.

Não é só o operário, não é só a dona de casa, não é

só o negro, é todo mundo junto. Recentemente, par-

ticipei de uma pesquisa na América Latina, de uma

rede de ONgs, que mostra o mapa dos conflitos hoje,

passando, por exemplo, pela defesa dos recursos na-

turais e do meio ambiente, pela universalização de

alguns bens que são privados e deveriam ser pú-

blicos. A água, por exemplo, tem que ser um bem

público. É um absurdo pagar pela água, para tomar

água. Há políticas que precisam mudar.

Tomem um exemplo: o transporte no Brasil, o seu fi-

nanciamento é custeado pela tarifa paga pelo usuário,

pela passagem. Em muitos países, o financiamento

dos transportes sai dos impostos gerais. Então, não

apenas temos exemplos de fora para identificar al-

ternativas para os conflitos, como temos que fazer

uma leitura desses conflitos: quem está brigando,

quem está lutando por direitos, quais alianças estão

sendo feitas e como essas alianças nos fazem avan-

çar para uma cidade mais justa, mais democrática.

Quero ressaltar a importância de desenvolver inicia-

tivas de discussão sobre a zona leste no futuro. A

ideia da utopia não é uma discussão de ideias sol-

tas. É botar em marcha um processo que convide as

pessoas para participarem e discutirem como elas

querem o futuro. A formação é isso. Formação não

é dar um curso sobre a sociedade ou sobre como se

produz a desigualdade. A informação deve dialogar

com as aspirações e os problemas de cada região,

de cada território, e dizer assim: como resolver isso

coletivamente, como apresentar nossas demandas

de descentralização, de participação, de conselho de

representantes, de planejamento participativo, de

controle social sobre o que vem sendo feito em cada

subprefeitura, para que possamos nos sentir partici-

pantes da construção de um futuro. Obrigado.

Oded Grajew: quero fazer algumas observa-

ções. Primeiro, Chico Whitaker falou com muita

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propriedade da questão dos partidos políticos e da

cultura do poder que contamina os partidos, fazen-

do com que o poder seja mais importante do que

as suas missões. mas isso não é exclusividade dos

partidos políticos. A cultura da competição e do

poder é reinante hoje na sociedade. Ela perpassa

todos os segmentos da sociedade – os sindicatos,

as ONgs – que competem entre si, o sistema eco-

nômico e, certamente, as relações humanas. Então,

há essa cultura do poder e da competição versus a

cultura da solidariedade, da alteridade, da fraterni-

dade, da horizontalidade. Isso está levando o mun-

do a uma situação de impasse. E, se acreditarmos

nos cientistas, há o risco da própria extinção da

espécie humana, o processo pode resultar irrever-

sível, como o câncer, em pouco tempo. Podemos

acreditar ou não, mas acho melhor acreditar. Então,

temos pela frente um desafio enorme que pode

ser resolvido pela prevenção. Depois que as coisas

acontecerem, poderá ser tarde demais.

O Instituto Ethos fez recentemente uma conferência

sobre responsabilidade social empresarial. Foi mui-

to interessante. vieram representantes do governo

cubano, da sociedade, do partido comunista. Fizemos

um encontro, inclusive, com algumas fundações nor-

te-americanas que têm enorme interesse em mu-

dar as relações dos Estados Unidos com Cuba. E eles

estão com a mesma perplexidade, requestionando

o sistema, não do ponto de vista de seus valores,

mas do seu funcionamento. Como fazer, ao mesmo

tempo, uma sociedade socialista e democrática? E

como construir um sistema econômico socialista com

eficiência econômica e respeito ao meio ambiente?

Questionando todo o sistema, todo o modelo. Da

mesma forma que temos um sistema capitalista

que está levando a catástrofes e que não resolveu

o problema da desigualdade nem da sustentabili-

dade do planeta.

Nós temos vários avanços e Silvio Bava colocou al-

guns bem interessantes e importantes, inclusive

exemplares. mas precisamos de algo muito mais

forte e com muito mais gente, como disse Chico

Whitaker. Precisamos de uma mudança de mode-

lo cultural, de pensar a sociedade, porque vivemos

atualmente o que nunca foi vivido pela humanida-

de. Nunca ninguém imaginou que o planeta tivesse

limites. Isso nunca foi levado em conta. O planeta

provinha qualquer coisa – água, ar, comida. A Terra

nunca foi ameaçada. muita gente morre de fome, na

guerra, mas a espécie humana nunca foi ameaçada.

De repente, algo novo está acontecendo, ameaças

concretas para a existência da espécie humana: mu-

danças climáticas, esgotamento dos recursos e das

riquezas naturais, transformação de terras férteis em

desertos. Isso é absolutamente novo. E, se continuar-

mos do mesmo jeito, não sabemos onde isso vai dar.

Temos uma oportunidade de repensar tudo, não re-

pensar valores, nem justiça social, nem direitos hu-

manos, não é nada disso. Esses são valores eternos.

mas de pensar neste novo contexto, no que almeja-

mos em termos de sociedade. É um desafio enorme

que temos pela frente. Um desafio que, às vezes, faz

com que fiquemos paralisados. O que fazer diante

de tudo isso?

É muito importante pensar no local, no que está ao

nosso alcance, porque muita ação localizada, na sua

multiplicação, se torna universal pela sua exempla-

ridade, pela experiência que pode resultar em ações

concretas. A ideia é montar conexões e relações de

redes para que ações locais, que estão ao alcance

das pessoas, não causem paralisação diante da gran-

diosidade do desafio. Fazer no local para entender

que está conectado numa rede. Por exemplo, as

decisões são tomadas quando você distribui os re-

cursos. É como na vida da gente, na nossa casa, no

D E B A T E

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orçamento, o que faço com meus recursos – tempo,

dinheiro e assim por diante. É aí que as coisas são

decididas, é o exemplo concreto para definir priori-

dades e ações.

O debate e a discussão orçamentária pública no

Brasil pela sociedade são pífios. Quando se decide

o orçamento da cidade de São Paulo, o acompanha-

mento é feito apenas por aqueles que se interessam,

geralmente aqueles que querem abocanhar o orça-

mento público. vocês viram que, na campanha elei-

toral, o setor imobiliário colocou muito dinheiro na

candidatura de vereadores, prefeito. Por quê? Por-

que eles querem retorno. Na marginal Tietê, foram

colocados R$ 2 bilhões para alargar as avenidas

para os carros passarem e distanciar ainda mais o

rio da população, que está querendo nadar e pes-

car. você consegue chegar ao rio, mesmo poluído?

Não! Enquanto isso, foi anunciado aos quatro ven-

tos que R$ 1 bilhão foi colocado no metrô. O que

foi privilegiado? O transporte coletivo, para a maio-

ria da população, ou uma obra feita rapidamente

para o transporte individual? mas isso foi decidido,

tiraram do orçamento, e a cada ano é discutido o

orçamento da cidade de São Paulo. Para onde vão

os recursos? Para a saúde, para a educação, para o

transporte público ou para pontes e avenidas, obras

de interesse de algum financiador de campanha?

O orçamento é decidido em audiências públicas,

na Câmara municipal. Os vereadores decidem, mas

é importante eles sentirem que a população está

em cima e sabe o que vai ser discutido e votado.

Por isso, uma mobilização importante da sociedade,

uma tarefa muito importante para a comunidade, é

participar da decisão sobre para onde vão os recur-

sos. É muito importante fazer uma discussão geral,

colocar as coisas em prática e ao alcance das pesso-

as e fazer com que isso seja possível.

A Lei da Ficha Limpa foi possível porque as pessoas

entendem, sabem da necessidade e estão em rede

– 1,7 milhão de assinaturas não foram recolhidas

uma a uma, existiu uma rede. A tarefa importante

do Fórum Social mundial é a construção das redes,

é ligar as pessoas, conectar as organizações, formar

uma infraestrutura social que permita que iniciativas

isoladas possam se tornar grandes, universais, nacio-

nais, regionais, municipais. A tarefa de se conectar de

forma generosa, sem querer tomar conta das redes,

é a cultura do poder. Permitir que as redes funcionem

de forma espontânea e voluntária, quem quer se unir

com o outro não precisa pedir autorização para nin-

guém. Ninguém chega lá e manda todo mundo seguir

uma direção. As redes e os encontros são feitos es-

pontaneamente, voluntariamente, por afinidade. Essa

arquitetura social é uma tarefa importante para nós.

É diferente da piramidal, hierárquica, autoritária, da

arquitetura do poder que queremos combater.

Quanto à questão do Jardim Helena, o próximo pre-

feito ou prefeita terá que apresentar metas. É impor-

tante que vocês se reúnam e cheguem a um con-

senso das metas a serem estabelecidas na próxima

eleição para o Jardim Helena. vivemos em novos

tempos, se fala muito em educação de qualidade

para todos, não é isso? O desafio hoje é reformular

todo o sistema educacional, o currículo, para pre-

parar as pessoas para serem cidadãs, para atuarem

nesse outro mundo possível. Como um engenheiro

pode fazer construção sustentável, como o médico

pode ser o médico no sentido amplo das terapias e

como cada um deve ser um cidadão acima de tudo?

Por exemplo, como introduzir o Jardim Helena no

currículo escolar? Quem conhece o Jardim Helena?

você acha que o Jardim Helena é ensinado nas es-

colas públicas ou privadas e na escola chamada de

qualidade em São Paulo? vamos lá à escola de quali-

D E B A T E

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dade perguntar o que eles conhecem sobre o Jardim

Helena, o que conhecem da sua cidade. Então, um

desafio enorme é reformular as coisas diante desse

novo mundo que temos. Depende de nós. Obrigado

pela oportunidade de estar aqui.

Padre Ticão: hoje, muitas “agulhinhas” estão

nas nossas mãos e muitos “postes” podem iluminar

melhor. Com o movimento Nossa São Paulo, estamos

em articulação. Podemos, em cada subprefeitura, or-

ganizar mais o movimento Nossa zona Leste, conec-

tado com o movimento Nossa São Paulo, porque não

adianta ficar isolado. Hoje, refletimos bastante sobre

como superar essa fragmentação, esse isolamento.

A segunda questão é a da universidade sobre a que

Oded grajew falou. A USP Leste, com o apoio da

Fundação Tide Setubal, está começando um cursinho

preparatório para mil jovens aqui na zona leste. En-

tão, poderíamos discutir um pouco o que Oded falou.

Como fazer para que esses jovens possam conhecer

e se envolver em questões como a do Jardim Hele-

na? Sabemos que é um desafio, mas é possível.

Francisco Whitaker: há tanta coisa para falar,

mas pegarei o ponto do Fórum Social da zona Leste,

uma outra zona leste é possível. A ideia está lança-

da. É interessante porque o método do Fórum So-

cial mundial é exatamente trazer todo mundo que

queira aprender uns com os outros, para descobrir

convergências e seguir em frente. Como disse an-

teriormente, não é nem uma ONg nem um movi-

mento, mas um espaço em que se cria, que aqui,

em São Paulo, está amadurecendo. Já temos a ideia

de criar um fórum de São Paulo no ano que vem. Já

existe na zona sul o fórum social. O fórum tem sido

uma ocasião de muita atração para os jovens e, nes-

sa perspectiva, entra o aspecto da cultura, das ativi-

dades culturais, que também são uma maneira de se

exprimir politicamente. Então, digo força e coragem,

para frente, que somos muitíssimos. mas muitos de

nós estamos adormecidos, precisamos acordar mais

gente e fazer com que acreditem na nossa utopia de

outro mundo possível, necessário e urgente.

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Colofon