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currículo escolar e justiça social

currículo escolar e justiça social · 10 Jurjo Torres Santomé alertas perante as dificuldades que cada estudante tem, mas em especial nos deixar cientes das dificuldades daqueles

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currículo escolar e justiça social

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T693c Torres Santomé, Jurjo. Currículo escolar e justiça social : o cavalo de Troia da edu-

cação / Jurjo Torres Santomé ; tradução: Alexandre Salvaterra ; revisão técnica: Álvaro Hypolito. – Porto Alegre : Penso, 2013.

335 p. : il. ; 23 cm.

ISBN 978-85-65848-21-3

1. Fundamentos da educação. 2. Currículo. I. Título.

CDU 37.01

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052

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JurJo Torres sanToméuniversidade da Coruña

2013

Tradução:Alexandre Salvaterra

Consultoria, supervisão e revisão técnica desta obra:Álvaro Hypolito

Ph.D. em Educação pela University of Wisconsin-Madison.Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Professor do Departamento de Ensino da Universidade Federal do Pelotas (UFPel).

currículo escolar e justiça social

O cavalO de TrOia da educaçãO

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Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, àPENSO EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A.Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana90040-340 Porto Alegre RSFone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULOAv. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 – Cond. Espace CenterVila Anastácio – 05095-035 – São Paulo SPFone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br

IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

Obra originalmente publicada sob o título La justicia curricular: El caballo de Troya de la cultura escolarISBN 9788471126337

Copyright © Ediciones Morata,S.L., 2011.Todos os direitos reservados.

Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima

Colaboraram nesta edição

Capa: Márcio Monticelli

Editora: Lívia Allgayer Freitag

Preparação de originais: Amanda Guizzo Zampieri

Leitura final: Priscila Zigunovas e Maurício Pacheco Amaro

Editoração eletrônica: Formato Artes Gráficas

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Para Montse e Hoki

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sumário

Introdução ........................................................................................................ 9

1 Século XXI: revoluções do presente e conhecimentos necessários para entender a sociedade e participar dela ..................... 13

2 A finalidade dos conteúdos escolares: intervenções curriculares inadequadas.................................................. 223

3 As escolas e as famílias nas sociedades democráticas .......................... 290

4 As escolas no contexto das sociedades educadoras: a necessidade de estruturas flexíveis e de conexão entre as atividades escolares e extraescolares .................................................. 316

Referências ....................................................................................................... 325

AnexoOs sistemas brasileiro e espanhol de educação: equivalência de níveis ... 335

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First they came for thesocialists, and I didn’t speak out

because I was not a socialist.

Then they came for the trade unionists;

and I did not speak outbecause I was not a

trade unionist.

Then they came for the Jews,and I did not speak out

because I was not a Jew.

Then they came for me,and there was no one left

to speak for me.

Pastor Martin Niemöller

Fonte: O autor.

Antes e durante a Segunda Guerra Mundial, o partido genocida de Hitler, o Partido Nacional- -Socialista, usou variações do triângulo para identificar os cidadãos e prisioneiros dos campos de concentração de acordo com sua religião, ideologia, preferência sexual e inúmeras outras categorias.

Alguns dos símbolos eram:

Amarelo sobre amarelo (Estrela de Davi): JudeuTriângulo rosa: HomossexualMarrom: CiganoLilás: Testemunha de JeováVermelho: Prisioneiro político comunista alemãoPreto: Vagabundo e lésbicaVerde: Criminoso contumazAzul: Emigrante

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Introdução

Primeiro vieram atrás dos comunistas,e não protestei porque eu não era comunista.

Depois vieram atrás dos sindicalistas,e não protestei porque eu não era sindicalista.

Depois vieram atrás dos judeus,e não protestei porque eu não era judeu.

Depois vieram atrás de mim,e não havia mais ninguém para protestar por mim.

Pastor Martin Niemöller (1892–1984)

A justiça curricular é o resultado da análise do currículo que é elaborado, co lo cado em ação, avaliado e investigado levando em consideração o grau em que tudo aquilo que é decidido e feito em sala de aula respeita e atende

às necessidades e urgências de todos os grupos sociais; lhes ajuda a ver, analisar, compreender e julgar a si próprios como pessoas éticas, solidárias, colaborativas e corresponsáveis por um projeto de intervenção sociopolítica mais amplo destinado a construir um mundo mais humano, justo e democrático.

Comprometer-se com uma educação crítica e libertadora obriga a investigar em que medida os objetivos, os conteúdos, os materiais curriculares, as metodo-logias didáticas e os modelos de organização escolar respeitam as necessidades dos distintos grupos sociais que convivem em cada sociedade. Exige questionar se as interações pessoais nas salas de aula e na escola, assim como os modelos de par-ticipação estão condicionados por preconceitos e falsas expectativas; se as estraté gias de avaliação servem para diagnosticar o quanto antes os problemas e nos man ter

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alertas perante as dificuldades que cada estudante tem, mas em especial nos deixar cientes das dificuldades daqueles que pertencem a grupos sociais em situações de risco ou às minorias que sofrem todo tipo de discriminação. Da mesma maneira, é preciso julgar o grau em que as teorias educativas que embasam as propostas curriculares com as quais se trabalha são o resultado de levar em con ta as vozes dos “outros”, suas neces sidades, perspectivas e esperanças.

Ao longo dos distintos capítulos deste livro buscarei oferecer uma análise das 12 principais transformações que atualmente estão acontecendo na maioria dos países desenvolvidos, mas com o olhar voltado às tensões, repercussões, condições, obrigações e dilemas que cada uma delas impõe aos sistemas educativos e, portan to, ao trabalho que a sociedade atribui às instituições escolares.

Referir-se à justiça curricular implica considerar as necessidades do presente para em seguida analisar de forma crítica os conteúdos das distintas disciplinas e das propostas de ensino e aprendizagem com as quais se pretende educar as novas gerações e prepará-las para a vida. Esta meta, é lógico, preocupa os professores comprometidos com a atribuição de poderes aos grupos sociais mais desfavorecidos e, portanto, com a construção de um mundo melhor e mais justo.

Ainda hoje, encontramos em nossas instituições escolares estudantes que se sentem estranhos a cada dia do ano letivo, desde o momento de entrada até a saída. Fora uma ou outra amizade construída à margem da escola, estes estudantes não encontram ninguém que os entenda, que fale de seus problemas, suas preo-cupa ções, suas necessidades, das coisas que acontecem no seu bairro, das razões pelas quais sua vida é do jeito que é e por que não é melhor.

A educação não pode ser um instrumento que gere ódio e, portanto, que sirva para romper os laços tanto com a própria família como com a comunidade de origem. Devemos estar conscientes de que em muitos momentos a educação gerou – e isso ainda acontece – confusão e estranhamento, além de uma assi-milação não consentida, ou mais claramente, de uma desculturalização. Educar é totalmente o contrário de formar seres desvinculados socialmente, pessoas sem raízes ou tra dições culturais.

Uma situação semelhante é a melhor prova de um sistema educativo alie-nante, mas dado que na mente dos professores não existe nenhuma intenção de cau-sar tal mal estar, prefiro chamá-lo de sistema desorientado. Tratamos de educar e nos esforçamos para isso, mas no fim não temos o sucesso que gostaríamos. O problema pode estar no fato de que nossos enfoques não sejam realmente ade-quados. Procuramos atender muitas coisas ao mesmo tempo, mas parece que res-tam zonas nas quais nossos olhos não se detêm com a devida atenção.

Durante as últimas décadas, os sistemas educativos têm sido objeto de legislação, da imposição de filosofias educativas e de orientações práticas que descuidam aspectos de crucial importância, como a seleção da cultura por meio

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da qual se pode compreender melhor um mundo cada vez mais globalizado e no qual se produzem muitas transformações e – o que costuma causar mais ansiedade – de maneira simultânea.

Recolocar em seu devido lugar a importância dos conteúdos que devem ser objeto de atenção prioritária nas instituições escolares exige contemplar aspectos como a inclusão, a representação, o reconhecimento, as contribuições e as valori zações das pessoas, dos grupos e das culturas que estão presentes nas salas de aula e na sociedade mais ampla na qual a escola está inserida.

Em um mundo no qual o medo perante as pessoas desconhecidas parece aumentar, onde ao nosso redor escutamos com muita frequência falar de reduções dos direitos conquistados, de perda ou menosprezo de valores como a solida riedade, o respeito, a ajuda, o apoio, a igualdade, a austeridade, etc., é nossa obri gação nos deter à análise de quais valores se pretende substituir, e com quais raciocínios se tenta conseguir nosso consentimento.

Vivemos em um mundo complexo que exige pessoas que saibam discutir com rigor, mas que também saibam duvidar e, portanto, mantenham sempre viva sua curiosidade intelectual, pois os novos cidadãos democráticos do século XXI precisam desenvolver uma compreensão da realidade mais racional e argumen tativa, permanentemente submetida à reflexão e ao debate. Em um planeta tradicio nal-mente organizado como um mosaico, sem consciência do lugar e das interações que cada pessoa mantém no conjunto deste mosaico ao qual faz parte, é indis pen sável uma maior abertura na mente e no coração perante as distintas culturas, as ideias e os ideais dos diferentes grupos sociais que habitam um mesmo país, assim como aqueles outros com os quais nos relacionamos de maneira direta ou indireta.

Uma educação reflexiva na qual o marco das distintas convenções sobre os Direitos Humanos nos possibilite arriscar a fazer avaliações sobre realidades cultu rais muito diferentes das nossas, é uma necessidade urgente nas sociedades abertas de hoje, nas quais existe o risco de cair em um ceticismo normativo peri-goso, reforçador de situações tremendamente injustas e que nenhuma das cartas dos Direitos Humanos atualmente aprovadas e em vigor aceitaria. Este ceticismo consiste em avaliar de modo positivista qualquer comportamento ou rito diferente e típico de uma cultura, somente pelo fato de ser diferente; aludindo àquilo que, como não é típico de nosso ambiente, não podemos nem devemos valorizar. Este é um dos perigos que se corre em alguns projetos de educação multicultural que são oferecidos nas escolas, nos quais temos a sensação de que se deseja introduzir os alunos a uma espécie de feira de culturas, fazendo uma competição entre elas para ver qual é mais pura, inocente e antiga.

Em um mundo cada vez mais despolitizado e um tanto apático, corremos o risco de cair em um multiculturalismo anedótico, exclusivamente limitado a incluir pílulas de informação descontextualizadas para dar a sensação de prestar

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atenção à diversidade. Esta é uma estratégia na qual é muito fácil cair quando se faz refe rência a dados, imagens isoladas e confusas, bem como distorcidas da história, cultura e situação atual de alguns grupos culturais marginalizados ou pertencentes a minorias sem poder.

A garantia de sucesso na educação se baseia no fato de que os alunos não precisam abandonar suas identidades culturais para aprender, mas que os profes sores as considerem um ativo ponto de partida, com o qual podem começar a construção e a remodelação de novos conhecimentos, mais que tratá-las como um obstáculo ou um freio a ser solucionado ou ignorado (LADSON-BILLINGS, 1994).

É preciso estar disposto a se questionar em que medida a seleção de con-teúdos culturais com os quais se trabalha nas salas de aula tem como objetivo fun da mental preservar os interesses de determinados grupos hegemônicos e construir relações de poder a seu serviço, em vez de promover aprendizados libertadores em contextos de ensino e aprendizagem democráticos.

Uma educação que abra portas, que gere otimismo no presente e perante o futuro também requer uma tarefa prospectiva que, por sua vez, exige que se te-nham presentes as mudanças que estão acontecendo em nossas sociedades e as oportu ni dades que se abrem, assim como os perigos que as ameaçam, para poder imaginar com um pouco mais de rigor o mundo do futuro e, con sequentemente, as prováveis necessidades dos alunos que hoje estão nas salas de aula.

Consequentemente, educar pessoas solidárias, autônomas, democráticas e livres nos obriga a torná-las conscientes de que precisam de uma ampla bagagem cultural que lhes facilite entender como é o mundo atual e, é claro, que lhes ajude a se convencer de que devem ter respeito à autonomia e liberdade de pensamento a que cada ser humano tem direito; torná-las conscientes de que há realidades e ideias que são e devem ser defendidas e outras, pelo contrário, indefensáveis. Como ressalta Nussbaum (2005, p. 324), as pessoas que nunca aprenderam a usar a razão e a imaginação para ingressar em um mundo mais amplo capaz de acolher distintas culturas, grupos e ideias, se em pobrecem pessoal e politicamente, apesar do sucesso que sua preparação profissional tenha.

Uma instituição escolar comprometida com a justiça curricular obriga, além disso, que o exercício profissional dos professores seja debatido ativa e refle-xiva mente com princípios éticos como: integridade e imparcialidade inte lectual, cora gem moral, respeito, humildade, tolerância, confiança, respon sa bilidade, jus-ti ça, sinceridade e solidariedade (TORRES, 2009, p. 74).

Assegurar e aperfeiçoar a democracia conquistada é um processo per ma-nen temente aberto e que exige cidadãos informados, educados, alertas e utó picos, e com fé no futuro, porque desde hoje trabalhamos para isto.