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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
TEREZINHA LANGHINOTTI
O CURRÍCULO OCULTO NA VISÃO DE MUNDO EUROCÊNTRICA
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICAPROFESSOR PDE – 2009
LARANJEIRAS DO SUL2010
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 3 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 3 UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO POUCO CONHECIDA ............................ 5 CONSEQUÊNCIAS DA HERANÇA: a visão de mundo que nos foi legada faz com que aceitemos como ‘natural’ atitudes de extremo desrespeito ao outro. .................................................................. 10
LEITURA DE APROFUNDAMENTO TEXTO: A Partilha da África .......................................... 11 ......................................................................................................................................................... 12 QUE HISTÓRIA NOS CONTARAM? ............................................................................................. 12
LEITURA DE APROFUNDAMENTO ......................................................................................... 13 Texto (2) A questão da Educação Indígena no Brasil ............................................................... 14
CRIANDO JUSTIFICATIVAS PARA O ATRASO: a contribuição dos ‘atrasados’ para os ‘desenvolvidos’. ............................................................................................................................... 15
LEITURA DE APROFUNDAMENTO ......................................................................................... 16 Texto/resumo (1): A cultura chinesa. ......................................................................................... 16 TEXTO/resumo (2) Na América ............................................................................................... 17
A CIÊNCIA MODERNA PROVA NÃO SER ‘A ÚNICA VIA DE ACESSO A UM MUNDO VERDADEIRAMENTE HUMANO’: ao desconsiderar a diversidade cultural, mascara o verdadeiro sentido da História e revela sua fragilidade. ................................................................................... 19
LEITURA DE APROFUNDAMENTO .......................................................................................... 20 Texto/resumo: A Cultura árabe-islâmica ................................................................................... 20
CONHECIMENTOS QUE FORAM OCULTADOS NA HISTÓRIA OFICIAL .............................. 21 INVERSÃO DE PAPÉIS: os acontecimentos mudam o pensamento e a ciência e redefinem o rumo da história. .......................................................................................................................................... 22
LEITURA DE APROFUNDAMENTO .......................................................................................... 24 Texto/resumo: O caminho para a liberdade: conflitos e conquistas ........................................... 24
Mas existe uma luz no fim do túnel! Já podemos ver sinais de uma outra concepção de mundo se estabelecendo entre nós. .................................................................................................................... 26 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO ............................................................................................................... 28 CRONOGRAMA DE AÇÕES ........................................................................................................... 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 30
APRESENTAÇÃO
Como Professora efetiva da Rede Estadual do Paraná na Disciplina de Geografia, faço
parte da terceira turma do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, período que ficamos
afastados do trabalho para estudar. Durante esse afastamento que é de 100% no primeiro ano, e 25%
no segundo, um dos compromissos assumidos é o de desenvolver um projeto de pesquisa sobre um
tema, que acreditamos vir contribuir no processo de ensino aprendizagem dos alunos da rede
pública do Paraná.
Este material didático foi construído a partir do tema do projeto: Os Fundamentos Teóricos
do Pensamento Geográfico, uma reflexão crítica sobre o pensamento geográfico
ocidental/eurocêntrico, que traz implícito uma forma velada de discriminação sobre os povos do
oriente e grupos étnicos “minoritários” dentro dos países, basicamente indígenas e
afrodescendentes. Tem como título: O Currículo Oculto na Visão de Mundo Eurocêntrica, e será
desenvolvido com alunos do Ensino Médio do Colégio Estadual Professor Gildo Aluisio Schuck –
EMN, de Laranjeiras do Sul.
INTRODUÇÃO
A formação do pensamento geográfico brasileiro moderno, deu-se com base no
pensamento geográfico difundido pelas escolas alemã e francesa, o qual prega que quanto mais
culto um povo, maior o domínio que este exerce sobre a natureza; e em conseqüência disso, vai
necessitar de cada vez mais espaço, para continuar seu processo evolutivo. Friedrich Ratzel da
escola alemã, chamou de conquistas cultas de um povo, a capacidade elevada de exploração dos
recursos naturais, e criou o conceito de espaço vital, para justificar a necessidade deste, por maior
espaço. Para Vidal de La Blache da escola francesa, o encontro de culturas propiciava o que ele
chamou oficinas de civilização, fortalecendo, assim, a idéia de missão civilizadora européia, o
avanço sobre outras regiões e povos da terra.
Portanto, as duas teorias tinham o propósito de justificar, naquele momento, a colonização
dos povos da África pelos países europeus.
Com a realização deste trabalho, pretendemos trazer esse assunto para a reflexão,
mostrando que a atual situação de degradação, guerras e miséria que o mundo vive, atende aos
interesses de grupos e/ou países hegemônicos, que se julgavam e se julgam no direito de abarcar
para si a maior parcela possível do espaço e riquezas naturais, sem nenhuma preocupação com os
povos que lá vivem. Ideologias que cegaram a humanidade, continuam respaldando atitudes, como
a invasão do Iraque pelos Estados Unidos.
3
A escola e principalmente a Geografia Escolar, tem o compromisso de desvelar essa
situação.
“Um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe é possível participar. Ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos, a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhe caberá na sociedade” (PARANÁ, 2008, p. 14).
Quanto mais conhecemos outras culturas, mais vamos percebendo a intencionalidade que
se esconde por trás de uma teoria, aparentemente neutra.
Referindo-se ao pensamento geográfico na modernidade, nos chama a atenção o grau de
astúcia com que os europeus o elaboraram, justificando, mais uma vez, sua “necessidade” de
explorar o espaço de vivência de outros povos.
O Professor Manoel Fernandes de Sousa Neto (2001) critica a Geografia que é
ensinada na escola e nos alerta: “[...] a ciência geográfica tem uma utilidade que poucos conseguem
ver, pois um dos papéis que cumpre é justamente o de cegar a sociedade, desde a infância, de uma
leitura da produção social deste espaço cheio de contradições”.
Com Base no que prega o pensamento geográfico ocidental, na afirmação de Sousa Neto e
tendo como compromisso reverter essa situação, nos propomos a pesquisar a visão de mundo de
outras culturas, desconstruindo nossa visão de mundo ocidental/eurocêntrica, a qual concebe o
mundo de forma fragmentada, onde sociedade e natureza são entendidas como coisas distintas.
Buscar nos primórdios da constituição de sociedades humanas, explicações para distintas formas de
ver a natureza, que determinaram diferentes visões de mundo.
Seguindo a Concepção Progressista de educação adotada no Estado do Paraná a partir de
2003, a tendência Histórico Crítica do Professor Dermeval Saviani que orientaram a construção das
Diretrizes Curriculares para a Educação Básica neste Estado, e a leitura de textos, documentários,
vídeos, filmes abordando o tema em estudo, promoveremos discussões que levem à reflexão e a
percepção de que existem diversas visões e interpretações sobre um mesmo assunto ou fato. Para
isso, buscaremos fundamentar este trabalho em bibliografia que apresente um posicionamento
contrário à dominação e à exploração entre indivíduos e povos.
Promover uma educação para a cultura do respeito à diferença de opinião, de costumes e
de valores, desenvolvendo o sentimento de humanidade e convivência pacífica.
O material pesquisado e selecionado será apresentado articulado aos conteúdos de
Geografia, evidenciando formas diferentes de olhar e entender o mundo. Iniciando com um
questionário de sondagem, com o intuito obter dados sobre a visão que os alunos possuem sobre
outras culturas, e algumas ciências fundamentais para a organização da vida em sociedade. O
4
questionário será assim composto:
- Como você define a Ciência?
- O que é e para que serve a Geografia?
- O que é a História?
- O que é e para que serve a Ciência?
- Como você vê a sociedade?
- Você conhece o modo de vida do indígena (o que ele faz no seu dia-a-dia)?
- Como você vê a natureza?
- Como o indígena vê a natureza?
UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO POUCO CONHECIDA
Desde os tempos mais remotos, quando o homem vivia em grupos que se deslocavam
continuamente em busca de meios de subsistência, precisou estabelecer relações com a natureza. Os
povos caçadores e coletores observaram que os períodos de frio e calor se alternavam
continuamente, que mais tarde chamou-se estações do ano. Perceberam que essas mudanças,
determinavam o ciclo reprodutivo da natureza. Para os povos pescadores que dependiam da
navegação, o mais importante foi conhecer a dinâmica dos ventos, o movimento das marés e as
correntes marítimas. Esses conhecimentos sobre variações climáticas e a alternância entre período
seco e período chuvoso foram fundamentais para o surgimento da agricultura. Propiciou o
relacionamento do homem com a natureza, modificando-a em seu favor.
Os diferentes contextos onde viviam os grupos sociais primitivos, fizeram surgir formas
diversas de organização social e de relações com a natureza. Cidade (2001, p. 99-118), afirma que
autores ligados ao pensamento ecológico tentam identificar possíveis relações entre visões de
mundo e visões da natureza em povos primitivos, em contextos sociais diferenciados.
SAHTOURIS (1991, p. 192-193) citada por CIDADE (2001, p. 99-118), distingue, em povos primitivos, sociedades agrícolas e sociedades caçadoras nômades. Considera que as sociedades agrícolas eram bem planejadas e administradas; havia grandes cidades e ao mesmo tempo tecnologia agrícola. Para a pesquisadora, esses grupos constituíam sociedades igualitárias, pacíficas e democraticamente avançadas. Em contraste, as sociedades caçadoras nômades seriam constituídas de invasores e conquistadores, experientes no uso de armas. Esses povos não eram igualitários, estabelecendo-se competição, segundo a autora, devido ao meio muito severo. As visões de mundo e ideologia dessas sociedades também seriam diferentes. Enquanto as sociedades agrícolas seriam caracterizadas pela parceria, as sociedades caçadoras nômades enfatizavam a dominação. Enquanto as sociedades agrícolas colocavam-se sob a proteção de uma deusa-mãe, as sociedades caçadoras nômades adoravam um deus-pai. [...] as
5
diferenças de contexto e de visões de mundo encontram correspondência clara nas visões da natureza dessas sociedades. As sociedades agrícolas consideravam a natureza uma grande mãe, viva e em transformação; as pessoas eram parte desse ser. [...] diferentemente, para as sociedades caçadoras nômades, a natureza estaria separada tanto dos deuses como das pessoas. A natureza teria sido criada por um deus exterior a ela; significava uma dádiva para ser usada e explorada. Os homens e seus deuses desfrutariam uma posição externa e superior à natureza.
O avanço de pesquisas com o propósito de descobrir a verdade dos acontecimentos,
revelam indícios de civilizações que nunca antes apareceram, e vão mudando o rumo da história.
Conforme Fonseca (2004, p. 60), “O continente africano além de ser o berço da humanidade é
também, o das civilizações [...]”. Afirma que:
Deu-se na África a primeira revolução tecnológica da humanidade, a passagem de caçador e coletor de frutos e raízes para agricultura e pecuária. A agricultura africana, no vale do rio Nilo, tem cerca de 18 mil anos, sendo duas vezes mais antiga do que no sudoeste asiático. A pecuária aparece a 15 mil anos atrás, perto da atual Nairobi (Quênia), sendo uma técnica sofisticada de domesticação de animais que deve ter se espalhado para os vales dos rios Tigre e Eufrates séculos depois. (MALOMALO, FONSECA E MENE, 2005, p 56).
Para Cidade (2001, p. 104) referindo-se a análise feita por Satouris (1991, p. 191) “ [...]
indica a possibilidade de contextos sociais e materiais distintos desenvolverem valores opostos que,
por sua vez, alimentariam diferentes visões de mundo”. A Grécia Antiga é citada para ilustrar a
tendência a uma distinção de visões de mundo entre povos próximos, com aspectos sociais e
culturais diferentes, e diferentes visões da natureza. Satouris analisou diferenças entre a Grécia
milésia (região da atual Turquia) e Eléia (atual Cecília). Uma parte importante da Grécia milésia foi
a Jônia, colônia grega formada por ilhas do Mar Egeu; onde, segundo o biólogo e historiador da
ciência Carl Sagan (citado por Cidade, 2001, p. 104) “se encontrava uma variedade de sistemas
políticos, o que facilitava grande diversidade social e intelectual e a livre investigação”. Segundo
Satouris, por volta do século VI a.C. “os filósofos milésios entendiam o mundo como algo ordenado
segundo padrões, nos quais se sucedia a ordem, a desordem e novamente a ordem em um
movimento contínuo. [...] tinham uma visão da natureza como um ser vivo em constante
transformação”. A influência dos pensadores jônios atingiu a Grécia e a sociedade ateniense, que
estaria em busca da democracia para homens imperfeitos em um mundo imperfeito. Já a Eléia, era
uma colônia grega localizada na costa da Campânia, no sul da Itália; por volta do século V a.C.
havia uma outra organização social e diferenças na forma de ver o mundo. Segundo Satouris, para
os filósofos eleatas, “a visão de mundo seria a de um cosmo caracterizado pela perfeição
6
matemática, de equilíbrio e harmonia imutáveis. [...] descobriram que a natureza possuía leis
regulares e permanentes, cujos efeitos poderiam ser modificados pela técnica” Satouris (1991, p.
197-2002) citado por (Cidade (2001, p.105). O embate entre ideias diferentes, que se delineava de
maneira clara, aos poucos foram se influenciando mutuamente.
A autora coloca que a riqueza de opiniões divergentes pode ser considerado um dos
motivos que fez avançar a ciência grega, base da ciência ocidental. Mas na Europa, durante o
período seguinte, que foi a Idade Média, “as divergências não foram consideradas como motivo de
progresso. A evolução da ciência e da filosofia [...] passou a apresentar uma desaceleração até
atingir estágios de regressão” (CIDADE, 2001, p. 106). O que justifica esse período da história, que
oficialmente vai do ano 365 a 1453 da era Cristã, ser identificado como a idade das trevas, devido a
baixa produção de conhecimentos.
E assim a autora continua:
A Europa medieval [...] encontrava-se em larga medida sob a hegemonia da Igreja Católica. [...] a religião, ao impor seus valores, chegou a forçar pensadores a verdadeiros retrocessos, contrariamente ao mundo árabe, que soube valorizar a bagagem acumulada por outras civilizações, como a grega. (Cidade, 2001, p. 106).
Para Broek, a imagem do mundo era a estabelecida pela Bíblia. ‘O pensamento grego,
quando contrário à doutrina cristã, tinha que ser suprimido como pagão. A Terra tornou-se um disco,
tendo Jerusalém como centro’. (BROEK, 1972, p. 22) citado por (CIDADE, 2001, p. 107).
Passados mais de mil anos, em que a Igreja criou regras tentando homogeneizar as formas
de pensamento, “a tensão entre percepções da natureza como integrada e espiritual e visões da
natureza como entidade externa e matemática, [...] desembocou vívida na Europa renascentista”.
(CIDADE, 2001, p. 107).
Segundo a autora:
Após longo período de hibernação do conhecimento autônomo, a Europa dos séculos XVI e XVII tornou-se sede de um florescimento da cultura e das artes, com o resgate de valores estéticos da cultura clássica, o Renascimento. (CIDADE, 2001, p. 107).
A emergência do capitalismo na Inglaterra, transformava a vida agrária em urbano
industrial.
Os principais países da Europa da época Espanha, Portugal, França e Inglaterra, pioneiros
nos descobrimentos, lançam as bases do colonialismo com o propósito de expandir o capitalismo
mercantilista.
Na Alemanha, o surgimento do Protestantismo com Martinho Lutero (1483-1546),
7
provocou a cisão da Igreja católica, através da Reforma. Com suas bases divididas e o capitalismo
comercial em ascensão, o poder da Igreja deixou de ser incontestável. Impulsionados pelos novos
conhecimentos, cientistas religiosos passaram a contestar os conhecimentos aceitos pela Igreja.
Segundo Cidade (2001, p. 107) “as visões de mundo dessa época estavam passando por
significativas mudanças. Na filosofia, estabeleceram-se bases de conhecimentos cuja influência
perdura até os nossos dias por meio da valorização do empirismo1 e do racionalismo2”. Para
Satouris (1991, p. 209) citada por Cidade (2001, p 109) “a antiga crença da natureza como um ser
vivo, personalizado e misterioso persistiu, por trás das idéias dominantes, durante a Idade Média, a
renascença e o iluminismo”; embora com predominância da visão da natureza como uma dádiva a
ser explorada pelo homem. Esses dualismos também estavam presentes no pensamento geográfico
da época. (CIDADE, 2001, p. 109).
Na cosmologia que serviu de base ao conhecimento geográfico, Nicolau Copérnico, pode ser considerado o indicador da revolução científica que inaugurou o primado da razão como sistema universal da ciência. Opôs-se à concepção geocêntrica de Ptolomeu e da Bíblia, que haviam sido dogma por mais de mil anos. Finalmente, com a hipótese heliocêntrica, a Terra deixou de ser o centro do universo [...]. (CAPRA, 1987, p. 50) citado por (CIDADE, 2001, p. 109). [...] Galileu observou, com um telescópio, que a Terra girava em torno do Sol e, portanto, não poderia estar no centro do universo. (CIDADE, 2001, p. 109).
Nessa época, Varenius (1622-1650) identificou um dualismo na geografia. Broek (1972, p.
24) citado por Cidade (2001, p. 109) afirma que “no sistema de Varenius haveria uma geografia
dedicada a estudar processos físicos, que seriam passíveis de abordagem científica, e outra
geografia interessada em processos humanos, que poderia formular apenas generalizações
limitadas”. Segundo o autor, um dualismo duplo - entre a geografia geral e a regional; e entre a
geografia física e a humana - iria perdurar ao longo do desenvolvimento da disciplina.
Cidade (2001, p. 112) afirma que a ciência do século XVIII foi o reflexo e a consolidação
dos sistemas de pensamento que haviam emergido no período anterior. “A separação entre sujeito e
objeto é uma das características básicas do pensamento racionalista. Tornou-se uma das grandes
responsáveis pelo desenvolvimento da ciência moderna, [...] influenciando de forma direta o
pensamento e o método positivistas3”. A autora cita como legado do século XVIII, a emergência
do capitalismo e a ampliação de sua área de abrangência, com o aumento da urbanização e a
industrialização.
As visões da natureza adotadas pelo pensamento racionalista, vão desembocar no
1 Sistema filosófico que atribui à experiência a origem do conhecimento humano. (LUFT, Celso Pedro, 2000, p 266). 2 Doutrina que tem a razão como fonte do conhecimento, independente da experiência e das percepções, opondo-se ao empirismo. (LUFT, Celso Pedro, 2000, p. 266). 3 Que fundamenta o conhecimento nos fatos. (LUFT, Celso Pedro, p. 531).
8
empirismo (possibilismo), e a visão de natureza dos idealistas4, no determinismo. Porém, percebe-se
aqui a prevalência da ascensão da concepção de natureza como algo externo, a ser explorado.
Ainda de acordo com Cidade:
As relações entre contexto material, visões de mundo e visões da natureza presentes na geografia histórica ocidental até o século XVIII continuaram manifestando-se ao longo dos séculos subseqüentes. O século XIX caracterizou-se pela continuada ampliação do território sob a hegemonia capitalista, para garantir mercados e matérias-primas para as indústrias que se expandiam mantendo-se ainda traços do colonialismo. (CIDADE, 2001, p. 113).
Segundo Mota (1994, p. 11), referindo-se ao pioneirismo da ocupação americana: “[...]
justifica a ocupação dos espaços que faziam parte de uma outra forma de relação homem/natureza .
Isso ocorre em especial a partir do século XVII, [...] quando florestas, rios, terras, rochas e minerais
são transformados em matérias-primas e meios de produção”.
A dualidade entre tendências racionalistas e idealistas manteve-se no século XIX e se
refletiram na geografia. O racionalismo, pregava a separação entre sujeito e objeto e a visão de uma
natureza externa à sociedade e à cultura; já as correntes idealistas tendiam a ver a natureza como
espiritualizada, em sua totalidade. Presentes nas principais correntes de pensamento, essas
dualidades se mantiveram na geografia do século XX.
A marcha acelerada do capitalismo monopolista marcou o contexto socioeconômico do
século XX, impondo seu modelo de acumulação a praticamente todo o globo terrestre. Após a
segunda guerra mundial o modelo fordista5 entra em crise, iniciando-se uma nova fase, a
globalização.
As contradições e a pobreza são marcas características do capitalismo contemporâneo. [...]. Conflitos étnicos e religiosos têm evidenciado sérias dificuldades para o convívio com diferenças na sociedade atual. A diferença entre o modelo de acumulação, baseado no lucro, e modelos de valorização da natureza, apoiados em noções de sustentabilidade, tem sido responsável pela emergência de movimentos sociais de cunho ecologista e ambientalista. (CIDADE, 2001, p. 114)
A visão de mundo e ideologia que prevaleceu na nossa história ocidental/eurocêntrica foi a
das sociedades caçadoras nômades, que enfatiza a dominação e a competição e adora um deus-pai,
que criou a natureza para ser usada e explorada pelos homens. Ou seja, a natureza como algo
4 Seguidor do Idealismo. Modo de pensar (...) que busca a perfeição (LUFT, Celso Pedro, p. 373). 5 Modelo de racionalização da produção elaborado pelo industrial norte-americano Henry Ford (1863 – 1947). Método de produção em massa. (PEDROSO, 2004, p. 10).
9
externo aos homens e aos deuses, da qual se consideram superiores. Nesta visão de mundo estão as
origens da filosofia eleata - pensamento racionalista grego, adotado como doutrina pela Igreja
Católica, expandindo-se por várias partes do mundo, através da colonização.
PARA DEBATER
Como teriam se organizado a sociedade e o espaço no mundo ocidental e áreas
influenciadas, se tivéssemos herdado a visão de natureza das sociedades coletoras/agrícolas, que
concebiam a terra como uma grande mãe, viva e em constante transformação, da qual os seres
humanos são parte?
CONSEQUÊNCIAS DA HERANÇA: a visão de mundo que nos foi legada faz com que aceitemos como ‘natural’ atitudes de extremo desrespeito ao outro.
Mesmo com todos os seus terríveis fracassos e seu ditador lamentável parcialmente criado pela política americana de duas décadas atrás, o fato é que, se o Iraque fosse o maior exportador mundial de bananas ou laranjas, sem dúvida não teria havido guerra [...] (SAID, 2008, p. 16).
Referindo-se ao interesse que tem levado os Estados Unidos a invadir os países do Oriente
Médio por causa do petróleo, mais recentemente o Iraque, desencadeando uma guerra absurda com
a morte de milhares de pessoas inocentes (como outras tantas que provocaram), o autor diz que se
os mesmos produzissem laranjas ou bananas, com certeza não haveria motivo para tão grande
esforço em destruí-los. E assim ele continua:
[...] efetivos de proporções descomunais do exército, da marinha e da aeronáutica não teriam sido transportados a uma distância de 11 mil quilômetros com o objetivo de destruir um país que nem os americanos cultos conhecem direito tudo em nome da “liberdade” (p.16). [...] Que avaliação superficial da intrusão imperial! Que maneira mais sumária de lidar com a imensa distorção introduzida pelo império na vida dos povos ‘menores’ e das ‘raças submetidas’, geração após geração! Que falta de vontade de encarar a longa sucessão de anos durante os quais o império continua a se introduzir nas vidas, digamos, de palestinos ou congoleses ou argelinos ou iraquianos! Admitimos, com justiça, que o holocausto alterou permanentemente a consciência de nosso tempo: por que não reconhecer a mesma mutação epistemológica nas ações do imperialismo e no que o orientalismo6 continua a fazer? (SAID, 2008, p.18).
Nossa visão de mundo ocidental/eurocêntrica encara de forma natural o fato de uma nação
6 Segundo SAID (2008) “(...) o Orientalismo é o sistema do conhecimento europeu ou ocidental sobre o Oriente” (p. 8). “Um modo de abordar o Oriente” (p. 27).
10
invadir o território de outra e usurpar suas riquezas. Essa forma de pensar tem raízes nos
ensinamentos difundidos pelas chamadas Escolas de Pensamento Geográfico alemã e francesa, que
afirmavam que quanto mais um povo se desenvolve, maior espaço e maior quantidade de riquezas
vai necessitar. É uma forma ideologisada de ver e compreender as coisas, conforme seus interesses;
nessa época, vários países da Europa, entre eles a Alemanha e a França, dominavam grandes áreas
(colônias) no continente africano.
LEITURA DE APROFUNDAMENTO TEXTO: A Partilha da África
Adaptado de MALOMALO, B; FONSECA, Dagoberto; MENE, Maricel Lopes. O
continente africano, seu legado e suas histórias. In: Vilson Caetano de Sousa Junior. (Org.).
Nossas Raízes africanas. São Paulo: Atabaque, 2005, v., p. 53-84.
A partilha da África é o segundo episódio da dominação dos povos europeus sobre os
povos africanos, depois de explorar a África através de expatriação dos corpos de seus homens,
mulheres e crianças. Interessados agora com as riquezas das suas terras, os europeus apoiados na
força tecno-militar e nas ideologias colonialistas e racistas, elaboradas pela antropologia e
interpretações teológicas da época, montaram e começaram a realizar o projeto desumano da
colonização que vai se estender do século XIX ao XX. O tratado de Berlim ocorreu entre 15 de
novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885. Foi convocado pela Alemanha e França para resolver
a crise suscitada na bacia do Congo entre as ocupações coloniais do rei Leopoldo da Bélgica e de
Portugal. Portugal, apoiado pela Inglaterra reivindicava, sob ameaça de guerra, seus direitos
seculares de ser o primeiro ocupante desse território. Para resolver a crise, que era quase geral, entre
vários países europeus, porque cada um queria ter direito sobre os ricos territórios africanos, o
príncipe alemão, Bismack abriu a conferencia de Berlim, sem o consentimento dos povos africanos,
que dividia esses povos em vários territórios segundo os interesses das potencias européias. A crise
foi resolvida. O Congo virava um Estado Independente, isto é, uma propriedade privada da família
do rei Leopoldo II e Angola e outros paises ficaram para Portugal (BRUNSCHWI, 1974). Como
sabemos a partilha da África e a colonização são responsáveis pelas crises social, política,
econômica e cultural, que viveram ou vivem muitos dos Novos Estados africanos. Muitos reinos,
povos, etnias, famílias foram divididos segundo os interesses particulares e nacionais europeus. A
África sofreu uma desestruturação social, material e simbólica tremenda. A escravidão com a
colonização é uma dupla dívida de sangue que os povos europeus têm em relação às jovens nações
africanas e a seus descendentes espalhados nas diásporas americanas e brasileiras.
11
PARA REFLETIR
Qual o significado dos termos colônia e colonizar?
Observando o mapa da colonização européia na África:
Além da Alemanha e da França, quais outros países da Europa estabeleceram colônias na
África?
Após a independência das colônias, como ficou a convivência entre os colonizadores e o
povo nativo? (Assistir, com os alunos, recortes do filme: Mandela: luta pela liberdade).
DEBATE
Após assistir o filme, o que você pensa sobre a afirmação de Vidal de La Blache que
chamou de “oficinas de civilização” e “missão civilizadora européia” o avanço sobre o espaço de
vida de outros povos?
Qual o significado dos termos missão e civilização?
QUE HISTÓRIA NOS CONTARAM?
A imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças.
Tendo como objetivo desenvolver o espírito investigativo, próprio das crianças ao
iniciarem a vida escolar “convém preservar essa atitude curiosa e ‘investigativa perante seu mundo’
e, progressivamente, ir ampliando essa curiosidade para outros tempos e espaços no intuito de
compreender melhor essa aventura da humanidade, que denominamos História” (MIRANDA e
COSTA apud PARANÁ, 2009, p. 115)
No Brasil hoje, a criação de leis voltadas para a garantia de políticas públicas e de respeito
à diversidade cultural, nos tem propiciado - mesmo que por força da lei – um olhar diferente para os
indígenas e os afrodescendentes. Apesar de formarem a base étnica e cultural do povo brasileiro,
essas culturas foram sempre vistas como “inferiores” aos olhos da cultura branca do descendente
europeu.
Sobre esse assunto, FERRO (apud PARANÁ, 2009, p. 115), afirma: “Não nos enganemos:
a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos
ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida. [...]”.
Segundo Sousa (2001, p. 08)
Hoje a comunidade geográfica luta para resgatar as verdades ocultadas, em detrimento de uma grande massa de população mundial, que precisa ser ouvida e que é absolutamente carente e anseia por mudanças radicais numa
12
sociedade injusta.
O autor chama a atenção dos educadores para o compromisso de desvelar uma forma
equivocada de entender o mundo, voltada para a defesa dos interesses de uma minoria. E continua
denunciando “[...] os métodos científicos mais recentes [...], a angústia advinda dos graves
problemas sociais que vivemos, tudo tem levado a humanidade a questionar seus conhecimentos e
as próprias bases dos mesmos” (SOUSA, 2001, p. 09).
A questão dos indígenas no Paraná exemplifica o que estamos tratando.
Segundo Mota (1994, p. 4-5) “A evidente presença indígena no Paraná não é [...] registrada
pela história da região [...]”.
Pois, na maioria dos discursos oficiais, em livros didáticos, nas obras sobre o pioneirismo no norte do Estado, nos trabalhos acadêmicos que tratam da ocupação da região a partir da década de 30 deste século, é comum encontrar-se a afirmação de que essas terras eram ‘devolutas’, ‘selvagens’, ‘desabitadas’, ‘estavam abandonadas’ [...]. As terras do setentrião, do oeste e sudoeste paranaense, para o colonizador dos anos 20 aos 50 deste século são desabitadas, vazias, prontas para serem ocupadas e colonizadas. É o mito do vazio demográfico.
PARA REFLETIR
O que significa terras devolutas?
LEITURA DE APROFUNDAMENTO
Texto (1): As primeiras populações indígenas no Paraná: os caçadores e coletores pré-históricos. Adaptado de PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos: Educação Escolar Indígena. Curitiba, SEED, 2006
O território hoje denominado Paraná foi continuamente habitado por diferentes populações
humanas há cerca de 8.000 anos atrás, de acordo com os vestígios materiais mais antigos encontrados pelos
arqueólogos. Entretanto, se considerarmos a cronologia dos territórios vizinhos que foram ocupados em
épocas anteriores, é provável que ainda possam ser obtidas datas que poderão atestar a presença humana em
períodos mais recuados, podendo alcançar até 11 ou 12.000 antes do presente.
Muitas são as perguntas feitas sobre a presença desses caçadores coletores aqui no Sul do Brasil e
no Paraná. A primeira é: se o homem não surgiu na América, de onde ele veio? Grande parte dos
pesquisadores são unânimes em afirmar que a maioria dos grupos que aqui chegaram vieram pelo estreito de
Bering, no extremo norte do continente americano. Existem outros que afirmam que o continente também foi
povoado por grupos humanos vindo das ilhas do Oceano Pacífico, navegando do oeste para leste, e
desembarcando na costa oeste da América Central e do Sul. E ainda existe quem afirme que também
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recebemos migrações de grupos humanos pelo extremo sul do continente que chegaram na Terra do Fogo,
vindos da Austrália e Nova Zelândia.
A segunda pergunta é a que questiona qual foi a época da chegada dos primeiro humanos no
continente americano. Neste ponto, temos um debate intenso que está longe de terminar. Existem autores que
afirmam que os primeiros homens chegaram na América há mais de 300 mil anos antes do presente (AP).
Mas, as datações mais aceitas pela comunidade científica, são aquelas que giram em torno de 12.000 AP. A
grande maioria dos pesquisadores aceita a presença do primeiro homem americano em torno de 11.000 a
12.000 AP, porque situa-se nesse período as datações dos esqueletos mais antigos encontrados no continente.
Como é o caso do crânio de uma mulher batizada de Luzia, encontrada em Minas Gerais, que data de 11.500
AP. (PARANA, 2006, p.11)
Texto (2) A questão da Educação Indígena no Brasil Adaptado de “Isso é coisa de vocês”: os índios Canela e a escola (MACENA, 2007, p. 12-18).
Para as sociedades ocidentais, a escola sempre representou uma forma de educar os indivíduos para o convívio social, aprendendo a reproduzir comportamentos e padrões de convivência. Além de criar mecanismos de reprodução social, a escola atua como fornecedora dos saberes cientificistas e racionais, tidos como universais. Para Foulcalt (1999: 126), o espaço escolar faz funcionar uma “máquina de ensinar, mas também de vigiar e de hierarquizar”. A escola vigia porque coíbe ações “inadequadas” aos olhos da pedagogia ocidental. Hierarquiza porque cria mecanismos de classificação que reproduzem as diferenças existentes nas sociedades orgânicas. (MACENA, 2007, p.12)
O Estado ao submeter os indígenas, no Brasil, às formas de educação ocidentalmente constituídas,
na figura da escola, tentou inseri-los em um esquema que atendesse à demanda do próprio Estado,
dependendo do conteúdo paradigmático em que se encontrava. Através dos processos de educação formal, os
indígenas deveriam ser cristianizados, civilizados e integrados à comunhão nacional, como brasileiros
comuns.
O modelo escolar empregado baseava-se na lógica do controle, na individualização e
hierarquização através de classes seriadas, características essas que são fatores preponderantes dentro das
instituições de ensino ocidentais.
Por mais que a escola, atualmente tente perpassar a imagem de uma instituição que preza pelo
respeito cultural para com os indígenas, de forma a se constituir em uma instituição de suporte e manutenção
de suas culturas, ela também traz consigo uma série de elementos que introduzem entre os indígenas como
cargos e salários. A presença da escola, assim como de qualquer outra instituição ocidental, entre os
indígenas acarreta uma série de fatores que contribuem para a criação de vínculos, cada vez maiores entre os
indígenas e o Estado brasileiro.
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A cultura ocidental, auto-aclamada superior, resiste em aceitar a cultura aborígene, e esta, por sua
vez administra como pode a presença alienígena. (MACENA, 2007, p. 12-18).
Referindo-se à epistemologia do conhecimento, Alves e Garcia nos lembram que:
“[...] Estudar como o conhecimento é tecido exige que se admitam as diferenças culturais sem hierarquias, o que abre múltiplas possibilidades ao ato humano de conhecer” (1999, p. 12-13) apud Krug (2001, p. 6)
CRIANDO JUSTIFICATIVAS PARA O ATRASO: a contribuição dos ‘atrasados’ para os ‘desenvolvidos’.
Diniz Filho (2009, p. 36) cita o pensamento de Karl Ritter (antecessor de Ratzel e La
Blache), o que ele chama de “um tipo muito singular de determinismo ambiental, em que a forma
dos continentes teria sido planejada por Deus para conduzir o desenvolvimento da humanidade”.
Chegou a explicar o expansionismo europeu “como uma consequência da forma triangular da
Europa” em meio às grandes massas líquidas, “fatores que dariam aos povos desse continente uma
tendência às explorações marítimas e ao comércio com outras regiões”. E assim ele continua sua
justificativa: “Em contraste, a África teria uma forma elíptica, a mais simples de todas as formas, o
que levaria os povos africanos [...] ao isolamento e, portanto, ao atraso”).
Como afirma Theodoro (1994, p. 12 - 13): “Estamos acostumados a contar histórias sobre
o século XV como se a Europa pudesse ser considerada, na época, o núcleo central irradiador de
cultura”. Só para citar um exemplo, mal sabemos que muitos dos instrumentos náuticos como
mapas, a bússola, o astrolábio usados pelos povos europeus para se aventurarem nos oceanos em
suas “conquistas de novas terras”, foram inventados pelos chineses; além da pólvora, do papel e da
imprensa. E a autora continua a observar:
A Europa é herdeira de um patrimônio cultural admirável. A China, durante séculos, através do comércio, da conquista e da colonização passou inúmeros conhecimentos científicos para as sociedades muçulmanas, com as quais os europeus tiveram muito o que aprender. [...] A Idade Moderna inaugura não apenas o chamado ‘milagre europeu’ como também o milagre do esquecimento. (THEODORO, 1994, p. 13).
Paul Kennedy (1989) citado por Theodoro (1994, p. 13) “[...] nos lembra da necessidade de
percebermos a importância das grandes civilizações no mundo pré-moderno. A China e a Índia, no
século XV, concentravam a maior população e possuíam áreas bastante férteis. [...] Já a Europa
vivia assolada por invasões”. Segundo a autora, precisamos apreciar com correção as heranças
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culturais de que espanhóis e portugueses eram tributários.
LEITURA DE APROFUNDAMENTO
Texto/resumo (1): A cultura chinesa.
Adaptado de THEODORO, Janice. Pensadores, exploradores e mercadores. São Paulo:
Scipione, 1994.
Estamos acostumados a pensar nos grandes feitos da navegação portuguesa e da espanhola
isoladamente. Muitas vezes não nos damos conta de que a bússola foi invenção dos chineses e de
que suas embarcações eram capazes de responder adequadamente tanto às necessidades do
comércio como da guerra. Estavam aparelhados para manter seu comércio com as Índias e com
outras regiões que por ventura desejassem comerciar. Contudo, os chineses não estavam muito
interessados nessas trocas. Preferiam seus próprios produtos, e por essa diferença os excluímos de
nossas narrativas.
Paul Kennedy nos fornece alguns dados bastante significativos para avaliarmos o potencial
da marinha Ming em 1420. Ela possuía 1305 navios de combate, inclusive 400 fortalezas flutuantes,
e 250 navios destinados a viagens de longo curso. Essa força não incluía os muitos navios
administrados privadamente, que já comerciavam com a Coréia, e o Japão, o sudeste da Ásia e até
mesmo, a África Oriental. Este comércio proporcionava receitas para o estado chinês.
Segundo Kennedy, “as mais famosas das expedições marítimas oficiais foram os sete
cruzeiros a longa distância empreendidos pelo almirante Cheng Ho entre 1405 e 1433. Elas foram
formadas por centenas de navios e dezenas de milhares de homens. Estas frotas visitaram portos
desde Málaca e Ceilão até as entradas do mar Vermelho e Zanzibar.
Era grande o tamanho e o poder de navegabilidade da marinha chinesa. Alguns navios que
levavam os tesouros parecem ter medido 120 metros de comprimento e deslocado mais de 1500
toneladas. Eles poderiam ter navegado em volta da África e ‘descoberto’ Portugal, muitas décadas
antes dos portugueses começarem suas expedições e descobertas pela costa ocidental da África.
Mas não apenas a arte da navegação fora muito desenvolvida nessa civilização. As
bibliotecas assustariam qualquer europeu pela quantidade de volumes e a forma com que os livros
eram compostos. Destacavam-se também os chineses no o uso do papel moeda, que implica a
capacidade de abstrair e representar valores, diferentemente da utilização do ouro e da prata, em que
o valor está contido no próprio objeto com o qual se efetua a troca. A Europa, só nos séculos XIX e
XX, difundirá o uso do papel moeda.
As cidades não poderiam ser comparadas às européias, tanto em densidade demográfica
como pelas construções de canais necessários ao abastecimento de toda a zona urbana.
Por uma série de motivos internos, a partir da metade do século XV, a China tenderá a se
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fechar para o mundo. Desativa sua frota naval e o comércio, iniciando um período de fechamento e
conservadorismo.
O confucionismo favoreceu esta política de desmobilização do exército e das fundições,
que preparavam material para a guerra, e até mesmo o uso do papel-moeda. Voltada para si mesma,
a China Ming procura restaurar uma antiga filosofia de vida, para a qual a conquista e o exercício
das armas eram inadequados e indesejáveis.
Para nós que estamos acostumados a pensar a História com base em políticas de expansão
territorial e econômica, nem sempre é fácil compreender o significado de um fechamento. A China
não queria manter nenhum contato com o europeu, que tanta desconfiança lhe havia gerado. A
violência e a ambição dos comerciantes ocidentais comprovaram ser o contato frequentemente
prejudicial aos chineses.
Embora o cristianismo tenha penetrado na China, a religião cristã não encontrou eco na
sociedade chinesa. A cultura ocidental em nada os seduzia; se um artífice italiano, nos anos de 1400,
se sentasse diante de um chinês, erudito e hábil artesão, teria muito que aprender. E se dois
navegadores, um português e um chinês, se encontrassem com suas embarcações no século XIII,
provavelmente o chinês ficaria constrangido com o despreparo do navegador ibérico. É necessário
que se tenha dimensão das outras culturas, antes de supormos ser a Europa centro do mundo e da
História.
REFLETIR SOBRE A AFIRMAÇÃO
Eles poderiam ter navegado em volta da África e ‘descoberto’ Portugal, muitas décadas
antes dos portugueses começarem suas expedições e descobertas.
TEXTO/resumo (2) Na América
Adaptado de MALOMALO, B; FONSECA, Dagoberto; MENE, Maricel Lopes. O
continente africano, seu legado e suas histórias. In: Vilson Caetano de Sousa Junior. (Org.).
Nossas Raízes africanas. São Paulo: Atabaque, 2005, v., p. 53-84.
Os africanos com seu conhecimento náutico estiveram nas Américas, muito antes de
Colombo e Cabral, por exemplo. Desde 1862 as pesquisas históricas, etnológicas, craniológicas,
oceanográficas, filológicas, botânicas, arqueológicas, de história natural e de lingüística tem trazido,
muito a contragosto de pesquisadores, intelectuais e governantes ocidentais que os africanos
marcaram as civilizações pré-colombianas. Van Sertima demonstra crânios africanóides em Titilco,
Cerro de las Mesas e Monte Albán, no México, enfatizando que nesses fósseis havia 13,6 % de
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presença africana entre os olmeca, população anterior aos maias.
Constata-se que nessa população olmeca e, posteriormente, na maia nos seus registros orais
e lingüísticos freqüentes encontra-se informações sobre “esse povo negro que veio do sol nascente”.
Esse relato fundamenta o fato de que há no idioma maia, diversas expressões que encontra-se nos
idiomas inca e egípcio. Outros fatores como as pirâmides egípcias, mexicanas e peruanas, bem
como as técnicas de mumificação expressam não uma coincidência, mas uma relação de
intercâmbio científico e cultural, além das grandes esculturas em basalto desenvolvidas pelos
olmecas, que encontraram-se em La Venta, San Lorenzo e Três Zapotes, representando os reis
nubas, o tipo étnico africano que esteve entre eles em tempos remotos. Os reis nubas são de origem
egípcia, da 25ª dinastia dos faraós núbios de 800 e 600 a.C. que tornaram-se à época a maior
potência naval e bélica do mundo (apud NASCIMENTO, 1996, p. 70).
O conhecimento naval africano era antigo. Os antigos egípcios construíram navios com
estruturas de papiro ou madeira que possibilitava-os navegar para diversas partes do mundo. Desde
o ano de 2.600 a.C. elaboravam navios de grande porte, com capacidade superior as naus européias
que chegaram a América dois milênios depois. Já nesta época utilizavam o remo e a vela, enquanto
as naus de Cabral e de Colombo dependiam exclusivamente do vento. Vale ressaltar que os
africanos conheciam as rotas marítimas, o que chamavam de “rios no meio do mar”. Essas teorias
africanas propiciaram a que em 1964 e 1965, o norueguês Thor Heyerdahl mostrasse na prática
esses caminhos no meio do mar, já conhecido há milênios pelos africanos.
O Império de Mali que foi maior que o romano, quando o seu imperador era Abubakari II,
irmão do lendário Mansa Musa, teve contato com os registros orais desses contatos entre africanos e
americanos; pôs-se ao mar em 1.311, utilizando esses rios dentro do mar chegando à península de
Yucatan, região litorânea do México. O Popul Vuh descreve o retorno do deus-serpente emplumado,
registrando-o como um homem escuro, alto e barbado, vestido de branco, coincidindo com a figura
de Abubakar II, vestido com o seu traje islâmico e sua barbicha (NASCIMENTO, 1996, p. 75).
Esse conhecimento naval, cultural e cientifico africanos propiciaram a chegada de
Colombo e Cabral nas Américas, a medida em que os portugueses tiveram acesso a essas
informações, quando no século XV, por volta de 1450, já estavam na África ocidental traficando
matérias-prima e pessoas para o seu país e para toda a Europa ocidental. Neste contexto seguiram as
rotas marítimas elaboradas nas cartas náuticas pelos africanos do norte e do ocidente.
18
PARA REFLETIR
Esse conhecimento naval, cultural e científico africanos propiciaram a chegada de
Colombo e Cabral nas Américas [...].
A CIÊNCIA MODERNA PROVA NÃO SER ‘A ÚNICA VIA DE ACESSO A UM MUNDO VERDADEIRAMENTE HUMANO’: ao desconsiderar a diversidade cultural, mascara o verdadeiro sentido da História e revela sua fragilidade.
Para Gomes (1996, p. 66) “a constituição da ciência se confunde a tal ponto com o
nascimento da modernidade, que é difícil pensar uma sem fazer referência à outra. O pensamento
científico moderno é a própria essência da modernidade” Não pretendemos aqui, ao explicitar
limites e contradições da ciência racionalista moderna, cair na defesa da subjetividade e do
relativismo que caracterizam a pós- modernidade.
O autor assim continua:
[...] é fundamental notar que ao lado de uma concepção da pós- modernidade tida [...} como o fim da modernidade, uma outra interpretação começa a ser vislumbrada, buscando [...] vínculos e identidades com outros momentos de contestação ao poder absoluto da razão, ocorridos também no decurso da modernidade (GOMES, 1996, p. 66).
Coloca que no final do século XVIII a razão se transformou em ciência, constituída por
modelos experimentais [...]. “A razão é a fonte de toda generalização, da norma, do direito e da verdade. A
ordem, o equilíbrio, a civilização, o progresso são noções saídas diretamente deste sistema moderno que se
proclama como a única via de acesso a um mundo verdadeiramente humano. (GOMES, 1996, p. 25)
Passados duzentos anos, percebemos que os princípios mais importantes para a vida do
cidadão difundidos naquele momento - como direito, verdade e progresso - não atingem grande
parte da população e as diferenças de desenvolvimento entre nações, é gritante. A promessa de
promover o acesso a um mundo ‘verdadeiramente humano’ não se cumpriu.
Sobre as características desse novo tempo, Gomes assim continua: “a modernidade fundou
uma nova idéia de sociedade [...] sobre a base de valores gerais de uma ‘natureza humana’ [...];
impôs uma outra leitura da diversidade cultural, submetida, a partir daí, aos valores universalmente
reconhecidos”. (1996, p.57). É interessante lembrar que esses valores não surgiram do além, mas
representavam, naquele momento, os interesses da sociedade européia. “A ordem seria mantida,
nesta concepção, de maneira artificial, [...] baseada em uma [...] falsa consciência que mascara o
verdadeiro sentido da História [...]. (GOMES, 1996, p. 59-60).
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Teodoro (1994, p. 13) nos chama à reflexão sobre o que está oculto na forma como esse
pensamento nos é apresentado. Referindo-se à Europa assim se expressa: “[...] supomos ser esta a
região mais desenvolvida do ponto de vista cultural, o lugar a partir do qual as narrativas históricas
deveriam ser organizadas”.
LEITURA DE APROFUNDAMENTO
Texto/resumo: A Cultura árabe-islâmica
Adaptado de THEODORO, Janice. Pensadores, exploradores e mercadores. São Paulo:
Scipione, 1994.
A cultura árabe-islâmica agrega um patrimônio que é fruto de diversas etnias. Ao
conquistar a Pérsia e a Síria ou ao comerciar ou guerrear, a população muçulmana foi hábil na
conjugação de várias tradições. Na Pérsia, poderiam ser encontrados inúmeros médicos gregos, e na
Síria, muitos sábios formavam verdadeiras escolas de filosofia e retórica, contando com o apoio de
várias bibliotecas.
As traduções elaboradas pelos árabes foram feitas com esmero, e grande parte dos textos
gregos perdidos puderam ser resgatados graças a essas traduções árabes. O pensamento muçulmano,
diversamente do cristão, permitia uma adaptação intercultural muito grande. Ele abria caminho para
constantes reflexões sobre o que poderia ser considerado ‘a verdade’.
Além da filosofia, a cultura árabe-islâmica contou com astrônomos que supuseram, antes
mesmo que os europeus desconfiassem, que a Terra se movimentava em um eixo próprio, girando
em torno do Sol. Elaboraram um calendário mais exato do que o gregoriano. Foram ágeis no
manejo dos números, cabendo a eles a divulgação do sistema numérico indiano (hoje chamado
algarismo arábico); desenvolveram a álgebra e a trigonometria. Muitas vezes, a imagem criada pelo
cristão de uma Europa ameaçada pelos muçulmanos bárbaros não nos deixa ver o significado das
conquistas. Foram muitos os avanços que obtiveram tanto na química como na medicina.
Descobriram o caráter contagioso de algumas doenças, e criaram espécies de hospitais para
tratá-las. Construíram cidades esplendorosas, recheadas de objetos de arte bastante elaborados.
Vidros, cerâmica, louças, tapetes, sedas, brocados adornados com padrões geométricos e grande
variedade de cores. Tudo isso tornava a cidade muçulmana o espaço do florescimento de uma
cultura que o europeu tenderá a incorporar. Para avaliar uma troca, precisamos ter a justa medida do
que foi dado e do que foi recebido. O conhecimento abstrato é um patrimônio de valor inestimável,
não podemos compará-lo a uma banana ou um tomate. O comércio pode gerar formas de contato
muito diferenciadas, desde a simples troca de mercadorias até a incorporação de conhecimentos, e a
reutilização deles dentro de um novo contexto cultural. (THEODORO, 1994, p. 17-20).
20
PARA REFLETIR E DISCUTIR
Para avaliar uma troca, precisamos ter a justa medida do que foi dado e do que foi recebido.
CONHECIMENTOS QUE FORAM OCULTADOS NA HISTÓRIA OFICIAL
Após longo processo de assimilação cultural, a Europa inicia um percurso de
desenvolvimento e, a partir do século XVI, torna-se um núcleo centralizador de poder, dominando
extensas regiões e formando os grandes impérios coloniais.
A História da América nos é apresentada a partir da chegada de Colombo em 1492, que
embora tenha estado aqui por quatro vezes, morreu sem reconhecer a presença de um outro
continente. Uma terra que há muito tempo já tinha sido encontrada e povoada por grupos humanos
que aqui chegaram, não se sabe ao certo como. O ano de 1492 deu início ao processo de destruição
das civilizações indígenas.
A maioria dos livros de História não falam do avançado estágio de desenvolvimento das
civilizações pré-colombianas da América. As cidades que aqui existiam, como Tenochtitlan-
Tlatelolco (hoje cidade do México), que na época da conquista possuía mais de 500 mil habitantes.
Enquanto apenas cinco cidades européias possuíam mais de 100 mil habitantes.
A cidade asteca de Tenochtitlan, contava com uma estrutura urbana superior à das cidades
européias; possuía um aqueduto de cinco quilômetros de extensão, com dois condutores de água de
uso alternado, o que facilitava a limpeza. Tenochtitlan, assim como Veneza, foi construída em cima
de ilhas e terras pantanosas, onde o transporte e a comunicação eram feitos por canoas através de
canais navegáveis. Para evitar inundações, construíram um dique de 16 quilômetros de
comprimento.
As construções e cidades incas no Peru, eram verdadeiras fortalezas, construídas com
grandes muralhas de pedras. Os incas eram mestres em cortar e unir enormes blocos de pedras. A
cidade de Machu Picchu é o exemplo mais espetacular dessa arte; foi descoberta em 1911, no topo
de uma montanha de 2400 metros de altitude. Outras construções incas importantes localizam-se em
Cusco (capital do império inca) e Pisac, também no Peru.
A agricultura era a base da economia inca com o cultivo do milho e da batata, e sistema de
irrigação através de diques, canais e aquedutos. Possuíam enormes rebanhos de lhamas e vicunha,
que lhes forneciam a lã.
Os maias, que habitavam ao sul da Península de Yucatan, formaram uma das mais ricas
21
civilizações pré-colombianas que se tem registro. Criaram uma série de cidades, como Chiclen, Itza
e Uximal; a pirâmide é um símbolo da arquitetura maia.
INVERSÃO DE PAPÉIS: os acontecimentos mudam o pensamento e a ciência e redefinem o rumo da história.
Ferreira e Simões (1986, p. 90 – 91) citam grandes transformações ocorridos em nível
mundial entre as décadas de 1950 e 1970, que provocaram profundas alterações no pensamento
científico das ciências sociais. Entre eles estão: o fim da guerra fria, atenuando as tensões
ideológicas entre Leste e Oeste, possibilitando a reflexão marxista no Ocidente; e o questionamento
dos problemas do subdesenvolvimento nos países do Terceiro Mundo:
Estas mudanças culminaram no processo de descolonização, com independência de muitos países africanos, como a Guiné e a Argélia [...], o que veio alterar de modo radical as relações internacionais. O subdesenvolvimento podia agora analisar-se sob uma nova ótica, visto que se tomou conhecimento das conseqüências da dominação do sistema capitalista e reconheceram as relações existentes entre o atraso econômico, a dependência e o intercâmbio internacional (FERREIRA e SIMÕES, 1986, p. 91)
Em conseqüência da crise do sistema mundial de dominação européia e norte-americana,
surgem movimentos que vão provocar grandes transformações na organização do espaço
internacional; como exemplo, podemos citar a vitória do socialismo na China, em alguns países
africanos e Cuba. Culminando com a intervenção dos EUA no sudeste asiático, provocando a
Guerra do Vietnã; fato este que vai comprometer a confiança interna no sistema econômico e social
daquele país.
Com isso, abria-se às ciências sociais um novo campo de trabalho, surgido da compreensão
de que os problemas dos países periféricos têm como causa principal, a exploração das potências
ocidentais e o próprio sistema capitalista. Questões estas que vão exigir das ciências sociais,
respostas fundamentadas em outras crenças.
Em meio a essas mudanças, surgem os movimentos críticos das ciências sociais – e da
geografia, apontando as deficiências das relações de produção capitalistas. As condições de trabalho
precárias, a crescente degradação das condições de vida e da natureza, fazem surgir os movimentos
sociais e ecológicos, de características e atitudes antipositivista. Com isso, afirmam as autoras: “A
ciência começa a perder a imagem de conhecimento por excelência [...] uma vez que se chega à
conclusão de que a investigação científica deve obter resultados socialmente significativos”
22
(FERREIRA E SIMÕES, 1986, p. 93).
Referindo-se a propalada neutralidade científica “entendemos que o fazer ciência não pode
ter um caráter partidário, mas também não pode ter um caráter pusilânime7 em que se lava as mãos
para a realidade” (SILVA, 2002, p. 223).
Ao conceber um mundo com valores universais, aplicando um método também universal, a
ciência moderna ignora boa parte da humanidade, que vai ficando à margem dos benefícios do
conhecimento produzido.
Segundo Balandier (apud Mota, 1994, p. 4-5)
El processo de descolonizacion ha tiendo conseqüências inmediatas em la práctica científica peculiar de la antropologia social y de la sociologia de las sociedades no europeas [...]. Repentinamente, de golpe, las sociedades consideradas estáticas, o limitadas, a la ‘repeticion’, se han abierto al cambio o a la revolucion; han vuelto a encontrar una história; han dejado de pertencer al orden de la passividad y de los objetos inanimados.
Buscando compreender como se tem tratado no decorrer da história as diferenças na forma
de ver o mundo, encontramos em Cidade (2001, p. 104) que “a tendência a uma distinção de visões
de mundo entre povos próximos, porém com aspectos sociais e culturais diferentes, com
rebatimento em diferentes visões da natureza, pode ser ilustrada por uma breve abordagem da
Grécia antiga [...]”. Segundo Carl Sagan apud Cidade (2001, p. 104) “A Jônia era uma região
insular na qual se encontrava uma variedade de sistemas políticos, o que facilitava grande
diversidade social e intelectual e a livre investigação”.
Silva (2001, p. 216) reforça o pensamento de que a busca por uma outra forma de
organização social passa, necessariamente, pelo reconhecimento do peso que a cultura exerce em
cada povo ou grupo diverso. “Nossas decisões estão interadas nos valores políticos, econômicos,
culturais que indiscutivelmente fazem parte do mundo que nos cerca”. O que seriam assim, não
uma, mas muitas formas de organização social, respeitando a liberdade de expressão de cada
cultura.
Trazendo para o momento atual, o autor nos auxilia na reflexão, colocando a seguinte
questão:
“[...] qual a perspectiva de pensarmos a liberdade política numa sociedade de consumo, para além da dimensão relativa que se tem? Parece-nos que a possibilidade passa por uma reflexão do sentido que terão nossas ações diante das forças que contraditoriamente nos submetem e possibilitam reações contrárias, o que talvez fosse conveniente chamarmos de conscientização. (SILVA, 2001, p. 219).
7 De ânimo fraco, sem energia, covarde, (LUFT, Celso Pedro, 2000, p. 547)
23
LEITURA DE APROFUNDAMENTO
Texto/resumo: O caminho para a liberdade: conflitos e conquistas
Adaptado de SILVA, Silvio Simione da. A Liberdade no “fazer ciência” em Geografia.
Terra Livre, São Paulo: Ano 18, n. 19, p. 213-228, 2002.
O nascer significa a primeira luta pela liberdade e é neste ato que começamos a construí-la
em nossa vida. Portanto, o homem não nasce livre, mas nasce para ser livre. O primeiro sentido da
liberdade está no gesto que se tem ao irromper do ventre materno e respirar o ar da atmosfera
terrestre. Ao penetrar o ar em suas entranhas, e se inserir no contexto social que o espera, o recém
chegado é colocado diante de uma nova realidade que o desafia a construir novas relações que darão
sentido ao seu viver. Esta passagem é o símbolo da primeira vitória do ser humano em busca da
liberdade e, aí, estará a mais significante demonstração de que ele não a buscará sozinho.
Assim, a liberdade vai se constituindo num problema humano/social como uma condição a
ser conquistada. Pode-se dizer que ela não resulta de uma ação individual, mas sim coletiva; o
resultado de uma libertação, de uma conquista que se deve realizar ao produzirmos nossa realidade.
Ao agirmos em nossa realidade, nossas decisões estão interadas nos valores políticos, econômicos,
culturais que fazem parte do mundo que nos cerca.
Assim, nosso mundo, nossa vida, nossa situação, forma um conjunto de condições e
circunstâncias que não foram escolhidas por nós. Mas, se observarmos passado e presente, podemos
ter uma previsão de como será o futuro. Diante disso podemos assumir duas atitudes: ou a ilusão de
somos livre para mudá-lo de acordo com nosso interesse ou a resignação de que nada podemos
fazer.
O sentido da liberdade poderá, então, ser apreendido na capacidade que temos de dar novas
significâncias às coisas, recriando novas realidades com novas ações.
As possibilidades reais para o exercício da liberdade estarão concretamente relacionadas à
organização dos grupos sociais, manifestando e exigindo o seu “necessário”, no conjunto das forças
antagônicas que constitui a realidade social. Isto nos leva a refletir sobre as condições para o
exercício da liberdade em situações sociais, políticas e econômicas atuais.
A seguir, três pontos de vista nos ajudarão na reflexão sobre a questão:
Primeiro ponto, a crítica de Huisman e Vergez (1964, p. 324-325), citado por Silva
(2002, p. 213-228) sobre a liberdade nos regimes de liberalismo econômico.
‘O regime denominado liberalismo econômico só garante uma liberdade econômica
abstrata. A oferta e a procura aí são livres, o Estado não intervém na fixação dos preços e dos
salários, o que traduz concretamente pelo domínio dos que possuem os instrumentos sobre os que
só possuem a força de trabalho’.
24
Segundo ponto, as críticas às desigualdades sociais no Peru, do Monsenhor Luciano
Metzinger, em resposta dada aos jornalistas Calvo e Declerq (1994), quando questionado sobre o
processo de inserção daquele país na Comunidade Econômica Financeira Internacional, nos anos 90
do séc. XX:
‘Eu creio que o FMI está jogando conosco. Se pedirmos mais sacrifícios ao povo, a ajuda
vai chegar para o cemitério. Os poucos que têm um trabalho recebem saldos que me pergunto:
como podem viver ganhando 30 dólares mensais, se isto não alcança nem a quarta parte do valor da
cesta básica? E isto vem de muitos anos atrás. Dizem que todos nascemos iguais, porém
desgraçadamente há uns que são mais iguais que outros’. (Calvo e Declerq, 1994, p. 16).
Esta é a realidade de muitos países que se dizem “livres”. Que liberdade é possível aí? Será
que é aquela da contestação da ordem exercida na luta dos guerrilheiros peruanos, hoje já semi-
sufocados pelo poder do Estado? Ou será a da acomodação?
Terceiro ponto, Chauí pode nos ajudar a dar a resposta:
‘Se nascemos numa sociedade que nos ensina certos valores morais (justiça, igualdade ...),
no entanto impede a concretização deles, por que está organizada e estruturada de modo a impedi-
los, o reconhecimento da contradição entre o ideal e a realidade é o primeiro momento da liberdade
e da vida ética como recusa da violência. O segundo momento é a busca das brechas pelas quais
possa passar o possível, isto é, uma outra sociedade que concretize no real aquilo que a nossa
propõe no ideal. O terceiro momento é o da nossa decisão de agir e da escolha dos meios para a
ação. O último momento da liberdade é a realização da ação para transformar um possível num
real’. (SILVA, 1994, p. 215-217).
E o autor assim continua “as alternativas das sociedades que passaram por experiências [...]
socialistas não elevaram a edificação de novas perspectivas a um poder político que apontaria para
outras possibilidades objetivas de liberdade”.
Houve avanço na capacidade de elevar [...] certos padrões materiais da população [...] ao usufruto de bens e serviços que antes dificilmente acessado. (como p. e., educação e saúde), porém isto não foi acompanhado de avanços no poder das pessoas de livremente se manifestarem, aliás, a liberdade política, muitas vezes foi tolhida [...]. Neste sentido, podemos apontar que, como alternativa o socialismo experimentado no leste europeu e em outros países do mundo, configurou-se mais como capitalismo de Estado de que uma alternativa à sociedade de consumo. (SILVA, 2001, p.219)
Portanto, a questão que se nos coloca é que não temos modelo a seguir, e isso passa a
exigir consciência dos professores de que não existe neutralidade em
educação. Precisamos estar atentos se os conteúdos eleitos para compor o currículo escolar, na
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disciplina de Geografia, garantem esses conhecimentos.
Que concepção de ser humano, de sociedade e de mundo os embasa?
“É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de
raiz européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade
cultural, racial, social e econômica brasileira”. (PARANÁ, 2005, p. 24).
Retomamos aqui as palavras de Chauí, “[...] o reconhecimento da contradição entre o ideal
e a realidade é o primeiro momento da liberdade [...]” (apud SILVA, 2001, p. 217).
PARA REFLETIR
Porque pessoas passam fome? Porque pessoas moram em favelas? Porque não existe
emprego para todos? Porque existe tanta diferença salarial entre um político e um trabalhador?
Porque existem crianças e jovens fora da escola? Porque parte deles desistem de estudar? Porque os
bairros não tem a mesma infra-estrutura do centro da cidade?
Mas existe uma luz no fim do túnel! Já podemos ver sinais de uma outra concepção de mundo se estabelecendo entre nós.
Título e trecho de entrevista da veterinária Sheila Waligora8 a revista Planeta, Ano 38,
Edição 451, Abr/2010:
“A NOSSA NATUREZA HUMANA ESTÁ EM UNIÃO COM TODAS AS OUTRAS
FORMAS DE VIDA”
“[...] O homem moderno perdeu isso e agora se percebe separado dos outros seres, mas em
nossa essência originalmente sempre estivemos conectados com todas as formas de vida, com todos
os reinos [...]”
“[...] Estamos entrando numa nova era, em que existe a ideia de evoluir, progredir e crescer
em várias dimensões e junto com os outros reinos naturais, não mais explorando o mundo e a Terra
apenas em nosso benefício.”
“FALA-SE MUITO DO ENCONTRO DA CIÊNCIA COM A ESPIRITUALIDADE”.
8 Sheila Waligora é autora do livro Eu Falo, Tu Falas... Eles Falam, Editora Irdin.
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“A ciência da qual eu falo não é convencional. Ela é arejada, assenta-se sobre novas bases
e, como tudo o que é novo, ainda é combatida pelos antigos cientistas. É uma nova lente, uma nova
visão da realidade tentando se instalar e romper resistências. [...]”
Manchete de capa da Revista Planeta, Ano 38, Edição 454, Jul/2010
“A TERRA É UM SER VIVO”
“REVOLUÇÃO NA CIÊNCIA: cada vez mais, nosso planeta é visto como um
superorganismo, dotado de corpo, psique e inteligência.
Nós fazemos parte dele. Somos o seu sistema nervoso”
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ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
O intuito de todas as atividades teórico-práticas desenvolvidas no Plano Integrado de
Formação Continuada tem como objetivo central a melhoria da qualidade de ensino nas escolas
públicas paranaenses. Para isso, como professor participante do Plano de Desenvolvimento
Educacional, o projeto de intervenção pedagógica deve contemplar as dificuldades diagnosticadas
na escola de atuação. Propomos uma discussão no sentido de desmistificar a suposta superioridade
européia em relação a outros povos e culturas, evidenciando o patrimônio cultural de que os
europeus são tributários, sem os quais não teriam realizado a façanha dos descobrimentos.
Por se tratar de uma questão ideológica, ela está presente na educação de modo geral.
Porém, a aplicação deste Projeto de Intervenção Pedagógica será desenvolvido com o corpo
discente do Colégio Estadual Professor Gildo Aluisio Schuck -EMP de Laranjeiras do Sul, no
segundo semestre de 2010, em uma carga horária de 12 horas.
Como material didático, será produzido uma Unidade Didática, com a seguinte seqüência:
Apresentação do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola; Introdução ao tema pesquisado e
seus propósitos; Desenvolvimento, mostrando contradições em nossa forma de ver e compreender
o mundo, que aceitamos como naturais: 1) Uma História do Pensamento Geográfico pouco
conhecida, revelando novos dados sobre a história dos povos e das civilizações; 2) Consequências
da Herança: a visão de mundo que nos foi legada, faz com que aceitemos como ‘naturais’, atitudes
de desrespeito extremo a outros povos e culturas; 3) Que História nos contaram? A imagem que
fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando
éramos crianças, ela nos marca para o resto da vida; 4) Criando Justificativas para o atraso:
contribuição dos ‘atrasados’ para os ‘desenvolvidos’; 5) A Ciência Moderna dá sinais de não ser a
‘única via de acesso a um mundo verdadeiramente humano’: ao desconsiderar a diversidade cultural
existente entre os povos, mascara o verdadeiro sentido da história; 6) Inversão de papéis: os
acontecimentos mudam o pensamento científico e redefinem o rumo da história.
Como introdução a Implementação do Projeto na Escola, será aplicado um Questionário
de Sondagem para obter dados referente a concepção dos alunos sobre o homem, Deus e a natureza,
sobre sua visão de mundo.
As dinâmicas utilizadas para implementação do projeto na escola serão a partir de
exposições orais, leituras de textos, vídeos, análise de fragmentos de filmes entre outros.
Promovendo reflexões e debates no decorrer de cada leitura/análise, propiciando o aprofundando do
tema em discussão. Estas ações dar-se-ão no decorrer do terceiro e quarto períodos do programa.
Sendo objeto de acompanhamento pela escola, pelo Núcleo Regional de Educação de Laranjeiras do
Sul e pela Coordenação Estadual do Programa PDE.
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Paralelamente, deverá ser elaborado o Artigo Final, onde serão sistematizadas as
experiências na implementação do projeto. Busca-se com o artigo científico socializar o projeto
desenvolvido, com as demais escolas da rede pública paranaense.
CRONOGRAMA DE AÇÕES
ATIVIDADES 1º
PERÍODO
MAIO A OUT/2009
2º
PERÍODO
NOV.
A JUL/2010
3º
PERÍODO
JUL. A
DEZ/2010
4º
PERÍODO
FEV. A
MAIO/2011PESQUISA
BIBLIOGRÁFICA
X X X X
ELABORAÇÃO
DO MATERIAL
DIDÁTICO
X X
PRODUÇÃO
CADERNO TEMÁTICO
XAPLICAÇÃO
DA UNIDADE
DIDÁTICA
X
ANÁLISE DA
APLICAÇÃO
X
XREDAÇÃO DO
ARTIGO FINAL
X
X
29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Geográfico. 7. ed. Lisboa – Portugal: Gradiva, 1992.
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