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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. ( HALL, 2006, p.7) Diante dessas considerações , a escola e o currículo não podem

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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MULTICULTURALISMO: a cultura Afro na escola

Adriana Sílvia Roth Zvolinski1Raquel Terezinha Rodrigues2

RESUMO

Este artigo enfoca a implementação do projeto PDE/2009 “A literatura contemporânea e os desafios dos estudos culturais: um estudo a partir do gênero poema”. Projeto desenvolvido em uma terceira série do Ensino Médio no Colégio Estadual Rui Barbosa da cidade de Guarapuava/Pr. Os desafios contemporâneos nos levam a uma nova postura em relação à Educação, o que nos era modelo deixa de ser,o quadro de referência dos modelos literários estão sendo modificados. O objetivo deste trabalho foi o de estudar o gênero literário poema em práticas pedagógicas escolares, abordando a questão do multiculturalismo sob o enfoque da literatura afrodescendente. A escritora escolhida foi Conceição Evaristo, pois além de ser porta-voz do negro é também da mulher, a qual, por muito tempo, foi sufocada por uma sociedade essencialmente masculina. O aporte teórico baseia-se em alguns pontos da Teoria da Estética da Recepção, bem como as estratégias de leitura propostas por Rildo Cosson.

PALAVRAS-CHAVE: Estudos culturais; currículo; literatura; poema.

ABSTRACT

This article focuses on the implementation of the PDE/2009 project titled “the contemporaneous literature and the challenges of cultural studies: a poem genre study”. The project was developed in the third year of high school at Colégio Rui Barbosa in Guarapuava/PR. The contemporaneous challenges lead us to a new vision in relation to education; the pattern is not the same, since the references of the literary genre are being modified. The aim of this work is the study of the literary 1 Especialista em Literatura-Poesia de Expressão Portuguesa: a Modernidade em questão pela

UNICENTRO. Graduada em Letras-Literatura pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava-FAFIG. Professora PDE/2009.

2 Doutora em Letras, área de concentração: Teoria Literária e Literatura Comparada.Graduada em Letras Português-Francês, Unicentro, Literatura Portuguesa e Teoria Literária. Professora adjunta do Departamento de Letras.

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genre Poem in school pedagogical practice, taking into account the multiculturalism issue under the focus of Afro American literature. Conceição Evaristo was chosen, not only because she is the Afro American’s voice, but also the women’s voice, which have been suffocated by a masculine society. This investigation is based on the Reception Esthetic as well as the reading strategies proposed by Rildo Cosson.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade passa por transformações constantes, o quadro de referência

dos indivíduos está desestruturado,o que para Hall significa um “duplo

descentramento”, o indivíduo se desloca de si, do mundo social e cultural. Para ele:

“o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está

tornando-se plural“ vivemos um momento de crise de identidades. (HALL,2006,p.9)

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando o quadro de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. ( HALL, 2006, p.7)

Diante dessas considerações , a escola e o currículo não podem ficar

alheios a essa mudança, pois durante muito tempo os conteúdos eram aqueles que

faziam parte de um modelo que era o “resumo do saber culto e elaborado sob a

formalização das diferentes disciplinas” ( SACRISTAN apud DCE's, 2009, p:39 ) o

que segundo Lopes (2002 ) seria a transmissão aos alunos da lógica do

conhecimento de referência. No entanto, observa-se que o currículo como

configurador da prática, vinculado às teorias críticas pressupõe uma nova postura

frente aos desafios que se nos apresentam.

Sendo assim, uma sociedade plural precisa ser compreendida com base na

diversidade, quer seja de raça, gênero, padrões culturais ou quaisquer outros

marcadores identitários que a todo momento nos são dados a conhecer. Faz-se

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necessário, então que tenhamos um currículo que respeite essa pluralidade.

Lembrando também que não se considera cultura algo produzido apenas pelas

elites, mas sim como o modo de vida global de uma sociedade.

É pois, nesse contexto de mudanças e busca de novos planos de

sustentação da sociedade, no qual as palavras de reflexão e desafios, sustentam-se

sobremaneira em alteridade e identidade, que se acredita ser importante estabelecer

pontos de estudos na relação entre a cultura escolar e a diversidade cultural .

Para tanto, esta pesquisa centrou-se no gênero literário poema, na

perspectiva dos estudos culturais. Percebe-se nesse gênero, a possibilidade de uma

estratégia de trabalho , pois ele permite que se aborde de maneira intrínseca o

prazer e a seriedade de ler e de escrever em um processo de (des)construção do

conhecimento e por extensão do saber poético. É o que Averbuck (1982) diz ao citar

Carlos Drummond de Andrade quando este afirma que a escola valoriza em demasia

outros saberes que não o saber poético : “A escola enche o menino de matemática,

geografia , de linguagem[...] não repara em seu ser poético, não o atende em sua

capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo.( AVERBUCK, 1982,p.

66).

Diante de tais considerações é que se estabeleceu o recorte temático da

pesquisa: buscar entender as possibilidades que o educador tem em trabalhar com

as perspectivas do multiculturalismo no ensino da literatura, a fim de formar

cidadãos reflexivos diante das condições sociais e culturais advindas das teorias

pós-críticas. A relevância desta pesquisa deve-se ao fato de tentar contribuir no

sentido de entender as reais possibilidades de atuação de uma prática pedagógica

voltada para as questões da literatura frente a um contexto histórico permeado pela

alteridade .

Seguiram-se também as orientações da Secretaria de Estado da Educação

do Paraná por meio da Coordenação dos Desafios Educacionais Contemporâneos e

a partir da lei 10.639/03, a qual em seu Art. 26 diz :

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros nos Brasil, a

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cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura- Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.(SEED,2008,p.5)

Portanto, mais uma vez , espera-se que a escola assuma uma nova

proposta e consequentemente uma nova postura diante desse novo cenário.

Estamos no limiar de um novo tempo. Tempo de África, vida nova, mais justa e mais livre e, inspirados por ela, renascemos arrancando as máscaras brancas, pondo fim à imitação. Descobrimos a lavagem cerebral que nos poluía e estamos assumindo nossa negrura bela e forte. Estamos limpando nosso espírito das ideias que nos enfraquecem e que só servem aos que querem nos dominar e explorar.(CADERNOS NEGROS, n.1, 1978)

O propósito deste trabalho foi estudar o gênero literário poema em práticas

pedagógicas escolares, aliando à lei 10.639/03 aos estudos de literatura, sob a

perspectiva de alguns pontos destacados pela Estética da Recepção e pela

Sequência Expandida, uma estratégia para o ensino da literatura, criada pelo

professor e pesquisador Rildo Cosson. Como corpus selecionou-se a obra Poemas

da recordação e outros movimentos da escritora afrodescendente Conceição

Evaristo. O livro traz em suas páginas poemas que falam sobre memória,

feminilidade e resistência negra.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As atividades aqui propostas seguiram as orientações presentes nas

Diretrizes Curriculares da Educação Básica - DCEs - que norteiam as ações

educativas no Estado do Paraná e que trazem em suas linhas :

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Para Cândido (1972) a literatura é vista como arte que transforma/humaniza o homem e a sociedade. O autor atribui à literatura três funções: a psicológica, a formadora e a social. A primeira, função psicológica, permite ao homem a fuga da realidade,mergulhando num mundo de fantasias, o que lhe possibilita momentos de reflexão, identificação e catarse. Na segunda, afirma que a literatura por si só faz parte da formação do sujeito, atuando como instrumento de educação, ao retratar realidades não reveladas pela ideologia dominante. A função social, por sua vez, é a forma como a literatura retrata os diversos segmentos da sociedade, é a representação social e humana. (CÂNDIDO, apud DCE's, 2009, p.57)

Além disso, segundo Eco (apud Aguiar,1999,p.242) , “o texto literário é um

organismo preguiçoso, trabalhando pouco para se constituir, é econômico na ação,

delegando ao leitor a tarefa de completá-lo.” Seguindo essa perspectiva Aguiar

declara :

Nesse processo, ler é ampliar horizontes e a literatura será tanto melhor quanto mais provocar o seu leitor. […] podemos dizer que ela é eficiente quando se faz através de práticas desafiantes e tem por foco textos que negam, em instância cada vez maior, o horizonte de expectativas do sujeito. (AGUIAR,1999,p.242)

A partir disso, buscou-se fundamentação teórica no que diz respeito às

mudanças pelas quais a sociedade vem passando e que se tornam urgentes no

campo do currículo e consequentemente na escola.

Segundo Hall o sujeito

previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está setornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, que compunham as paisagens lá fora e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as necessidades objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais.(HALL, 2006,p.12)

Diante dessa desestruturação e desse novo sujeito , a escola não pode ficar

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alheia, afinal é com esse sujeito o seu compromisso. Para Canen (2000,p.177) “A

visão de um mundo dividido em classes dominantes e dominadas, opressores e

oprimidos, direita e esquerda passa a ser desafiada em função de acontecimentos

mundiais e de transformações de ideias“. Então, o currículo precisa ser repensado.

Trata-se de uma redefinição sobre quais saberes devem ser valorizados .

O multiculturalismo emerge nesse contexto, deixando conceitos

cristalizados, afinal, entende-se cultura na atualidade como sendo todo o fazer

humano. Hora, partindo desse pressuposto não existe diferença qualitativa entre as

grandes obras e as variadas formas pelas quais os outros grupos se manifestam e

se expressam. Nesse sentido, Conceição Evaristo,por meio de suas obras, se

apresenta como porta voz do negro e da mulher, numa sociedade que até então

tinha impregnada como referência o branco e o homem.

Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em 29 de novembro de 1946

em Belo Horizonte. É a segunda filha de uma família de nove irmãos. Em 73, após

concluir o Curso Normal, no Instituto de Educação de Minas Gerais, emigra para o

Rio de Janeiro e, por meio de concurso, ingressa no magistério. A questão da

emigração foi fundamental em sua história, por pertencer a uma estirpe de

cozinheiras, arrumadeiras e lavadeiras teve dificuldades para estudar e ocupar

espaço na sociedade mineira.

Segundo Duarte (2006), ao citar Evaristo, diz que a escritora ao longo de

sua vida deparou-se com muitas dificuldades, porém o maior empecilho era que as

famílias mineiras não a imaginavam nem a queriam em um outro lugar que não

fosse aquele para o qual ela “naturalmente” tinha sido escolhida:

Enquanto trabalhava como doméstica e após concluir o Curso Normal, sonhava em dar aula em Belo Horizonte. Mas aí entra uma questão seríssima. Em 1971, não havia concurso para o magistério e, para ser contratada como professora, era necessário apadrinhamento. E as famílias tradicionais para quem nós trabalhávamos não me indicariam e nunca indicaram; não imaginavam e não queriam para mim um outro lugar a não ser aquele que "naturalmente" haviam me reservado. Houve mesmo uma patroa de minha tia, numa casa em que eu ainda menina e já mocinha ia fazer limpeza, lavar fraldas de bebês, ajudar nas festas, entregar roupas limpas e buscar as sujas, que fez a seguinte observação: "Maria, não sei porquê você esforça tanto para a Preta estudar!"(EVARISTO, apud DUARTE, 2006,p.1)

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Mesmo diante das adversidades forma-se em Português literaturas pela

UFRJ tornando-se Mestre em Literatura Brasileira pela PUC-Rio . Sua estreia na

literatura acontece em 1990, na série Cadernos Negros, antologia publicada

anualmente pelo Grupo Quilombhoje de São Paulo, dos quais fazem parte escritores

afro-brasileiros reunidos desde 1978.

Tem as seguintes obras individuais: Ponciá Vicêncio (2003/2006); Becos da

Memória (2006) e Poemas da recordação e outros movimentos (2008). O romance

Ponciá Vicêncio foi uma das obras indicadas para o vestibular de 2008, da UFMG,

do CEFET/BH e de mais quatro faculdades mineiras. Ainda compôs a lista de obras

indicadas para o vestibular da Universidade Estadual de Londrina em 2008/2009,

além de ter sido traduzido para a língua inglesa, pela Host Publications, Texas,

Estados Unidos.

A pesquisa desenvolvida abordou alguns poemas da obra Poemas da

recordação e outros movimentos por acreditar que o gênero em questão merece

especial atenção por parte dos educadores. Infelizmente, muitas vezes, o texto

poemático é relegado a um segundo plano, marginalizado nas programações

escolares por acharem-no difícil de ser trabalhado ou por perda de tempo. Porém,

por ser um gênero cheio de lacunas , o poema e o leitor completam-se, não há

poema sem leitor e o texto nunca é o mesmo, pois provoca de modo diferente cada

indivíduo. Por participar de um universo plurissignificativo, contribui para a reflexão,

conduzindo ao processo de construção e desconstrução de conhecimento.

No pensamento de Walty (1999, p.52/53) as concepções acima podem ser

reforçadas:“o que caracteriza o texto dado como literário é justamente sua

polissemia, suas lacunas a serem preenchidas pelo leitor, mesmo quando se tenta

guiar esse leitor em seu ato de leitura, sentidos se formam e escapam ao controle do

mediador da leitura.”

Evaristo também afirma que palavra poética é um modo de narração do

mundo, não só de narração, mas antes de tudo, de revelação do utópico desejo de

construir um outro mundo. Pela poesia, inscreve-se, então, o que o mundo poderia

ser. O que comprova-se por meio dos poemas evaristianos, os quais abordam

questões vivenciadas pela mulher negra, não mais escrita sob a ótica dominante,

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mas em uma nova identidade literária ,na qual o negro e a mulher saem de sua

condição de objeto e passam a ser sujeito da sua história.

O corpo negro vai ser alforriado pela palavra poética que procura imprimir e

dar outras re-lembranças às cicatrizes das marcas de chicotes ou às iniciais

dos donos -colonos de um corpo escravo. A palavra literária como rubrica

enfeite surge como assunção do corpo negro. E como quelóides –

simbolizadores tribais – ainda presentes em alguns rostos africanos ou

como linhas riscadas nos ombros de muitos afro-brasileiros – indicadores de

feitura nos Orixás – o texto negro atualiza signos lembranças que

inscrevem o corpo negro em uma cultura específica. (EVARISTO,2000, p.3)

As diretrizes também propõem que as aulas de literatura norteiem-se a partir

da Estética da Recepção . Sob esse enfoque busca-se

formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática de leitura. […] Aquele que lê amplia seu universo, mas amplia também o universo da obra a partir da sua experiência ( DCE's Língua Portuguesa, 2008 p.59)

A Estética da Recepção teve início com a conferência na Universidade de

Constança em 13 de abril de 1967, ministrada por Jauss. Segundo Zilberman (1989,

p. 29) “ o Autor parece ter a intenção de polemizar com as concepções vigentes de

história da literatura. Investe contra seu ensino e propõe outros caminhos,

assumindo uma atitude radical que confere ao texto a marca da ruptura e baliza o

começo de uma nova era.”

O questionamento sobre o estudo apenas historiográfico da literatura e o

papel do leitor - considerado elemento fundamental - na recepção do texto fez

surgir o Método Recepcional, o qual é composto por cinco etapas, são elas: a

determinação do horizonte de expectativas em que o professor detecta os valores

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dos alunos,suas crenças, estilo de vida, preferências quanto a trabalho e lazer; o

atendimento ao horizonte de expectativas que determina o horizonte dos alunos,

em relação à literatura; a ruptura do horizonte de expectativas em que se introduz os

textos e atividades de leitura; o questionamento e a ampliação do horizonte de

expectativas.

3 POEMAS DA RECORDAÇÃO E OUTROS MOVIMENTOS: A

IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO

A implementação do projeto realizou-se no Colégio Estadual Rui Barbosa,

no município de Guarapuava/Pr, no segundo semestre de 2010. Participaram do

projeto alunos de uma segunda e terceira séries do ensino médio. As atividades

literárias tiveram suporte teórico em alguns pontos da estética da recepção como o

atendimento e ampliação ao horizonte de expectativas e da sequência expandida

proposta por Rildo Cosson.

A Sequência Expandida proposta por Cosson(2007) consiste em seguir

determinados passos. São eles:

1. Motivação: preparação do aluno para entrar na obra, utilização de reflexão

sobre um tema da obra.

2. Introdução: apresentação da obra feita pelo professor. Não pode ser o resumo

da obra, pois isso elimina o prazer da descoberta.

3. Leitura.

4. Primeira interpretação: deve-se deixar o aluno fazer uma apreensão global

da obra sem interferência do professor .

5. Contextualização: é o momento de ler a obra dentro do seu contexto e

Cosson propõe sete contextualizações: Contextualização teórica, a qual

busca tornar explícitas as ideias que sustentam ou que estão encenadas na

obra. Contextualização histórica refere-se ao período no qual a obra é

encenada ou no qual foi publicada, trata-se de relacionar o texto com a

sociedade que o produziu ou que pretendia representar. Contextualização

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estilística é centrada nos estilos das épocas ou períodos literários, deve-se

lembrar que são as obras que determinam características de períodos e não o

inverso. Contextualização poética refere-se à estruturação, à composição da

obra, não se restringindo às figuras (no caso da poesia) ou às personagens,

(narrador, tempo, espaço, no caso das narrativas), mas buscando a

compreensão e organização da obra de maneira geral. A contextualização

crítica trata de estudar e discutir sobre o que diz a crítica especializada acerca

de determinada obra. Contextualização presentificadora é uma prática comum

nas aulas de literatura do ensino médio, tem por finalidade mostrar a

atualidade da obra. Contextualização temática, esta não deve restringir-se ao

tema em si, mas observar a sua repercussão dentro da obra (Aqui, o

professor pode escolher uma ou mais contextualizações.).

6. Segunda interpretação: tem por objetivo a leitura aprofundada dos aspectos

do texto, podendo centrar-se sobre uma personagem, um tema, um traço

estilístico, questões contemporâneas, etc...

7. Expansão: A última etapa é a da Expansão, é o movimento de ultrapassagem

do limite do texto, busca possibilidades de diálogo com outras obras.

Começou-se pela atividade intitulada Autorretrato de leitor ( nomenclatura

criada por Cosson) para conhecer os leitores: quais são os interesses que movem

suas leituras, o que leem, se leem...

Os alunos responderam ao questionamento:

Você lê?

Quais são os assuntos que mais o interessam?

Qual foi o último livro lido?

Escreva um autorretrato de leitor, falando sobre suas leituras, suas

preferências de leitura e os últimos livros lidos.

De acordo com as respostas, percebeu-se que os alunos não liam

frequentemente, pois poucos lembravam qual havia sido a sua última leitura e dentre

elas os livros de poesia não faziam parte do gosto literário da maioria como segue.

Os alunos serão nominados aqui por letras.

“Algumas vezes eu leio, os assuntos que mais me interessam são as

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notícias, destaques da atualidade. Eu não sou muito de ler, mas quando pego

alguma coisa pra ler é relacionado à atualidade, não gosto de ler livros, o último livro

que peguei na biblioteca foi um de poesias e não era interessante, não entendi, não

recordo nem o nome .” (Aluno A)

“ Eu não leio muito. Os assuntos que me interessam são temas engraçados ,

curiosos. Não lembro qual o último livro que li.” (Aluno B)

“Às vezes, só quando são assuntos que me chamam atenção. Coisas sobre

músicas, atores, cantores, livros românticos. O último livro que li foi Obrigado por

você existir. É um romance bem interessante, conta uma linda história de amor. Não

sou muito de ler livros de história, gosto mais de poesias, esse eu leio bastante,

porque eu gosto, não me lembro dos livros que li, porque leio mais poemas.”(Aluno

C)

“Leio pouco, gosto de ler apenas notícias, assuntos de jovens, coisas sobre

moda. Leio pouco, mas sei que a leitura é fundamental”(Aluno D)

Sendo assim, percebeu-se que fazer com que os alunos lessem com prazer

não seria uma tarefa fácil. Por isso optou-se em levá-los ao laboratório de informática

e deixar que buscassem seus interesses de leitura. Grande parte dos alunos buscou

por músicas. Aproveitando o momento, discutiu-se a questão de que boas letras de

músicas também são poemas.

Apresentou-se a proposta a ser trabalhada , bem como o novo olhar dado

aos assuntos literários que a lei 10639/03 traz para a literatura em sala de aula.

Foram levados alguns livros encontrados na biblioteca e algumas africanas para

despertar o interesse e a discussão pelo assunto.

A surpresa veio no momento em que um aluno perguntou onde seria a

macumba. Percebeu-se nesse momento, o quanto ainda precisamos multiplicar

iniciativas para que haja uma nova visão quanto ao papel do negro em nossa

cultura, trata-se de resgatar a História da África.

Segundo Inocêncio:

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Precisamos valorizar o esforço de quem procura recuperar os relatos das contribuições de origem africana para o modo de vida dos que vivem na América. Mais do que perceber nesse gesto o trabalho do bom professor/da boa professora, devemos entendê-lo como algo fundamental para interromper esse processo de apagamento, de alienação em relação aos valores e às formas de expressão dos descendentes da África, presentes em nosso dia-a-dia, porém quase sempre relegados ao segundo plano. Sabemos o quanto a humanidade perde com esse apagamento, essa subalternização e invisibilização... Precisamos sair em busca do saber. (INOCÊNCIO, 2008,p.51)

A partir daí notou-se o quanto precisávamos resgatar a beleza da África e do

povo africano para despertar o interesse de leitura para uma obra de uma escritora

afrodescendente. Era o momento de iniciar com a aplicação da sequência de leitura

proposta por Cosson (2007).

Motivação: Então mais uma vez se foi ao laboratório de informática para

ampliar os conhecimento sobre o território africano e sua cultura. Durante duas aulas

foram feitas leituras e discussões sobre o que tinha sido descoberto a respeito desse

continente e desse povo tão esquecido pela história e pela literatura.

Com o auxílio da TV pendrive apresentou-se Conceição Evaristo e seu livro

Poemas da recordação e outros movimentos, objeto de nosso estudo. A partir da

história de vida de Conceição Evaristo, percebeu-se que os alunos começaram a

sensibilizar-se com o assunto. Passamos então à primeira leitura de Vozes

Mulheres:

A voz de minha bisavó

ecoou criançanos porões do navioecoou lamentosde uma infância perdida. A voz de minha avóecoou obediênciaaos brancos donos de tudo.

A voz de minha mãeecoou baixinho revoltano fundo das cozinhas alheiasdebaixo das trouxasroupagens sujas dos brancospelo caminho empoeirado

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rumo à favela.(EVARISTO, 2008,p.10)

Pedra, Pau, espinho e grade

“No meio do caminho tinha uma pedra”mas a ousada esperançade quem marcha cordilheirastriturando todas as pedras da primeira à derradeirade quem banha a vida toda no unguento da corageme da luta cotidianafaz do sumo beberagemtopa a pedra-pesadeloé ali que faz paradapara o salto e não o recuonão estanca os seus sonhoslá no fundo da memória,pedra, pau, espinho e gradesão da vida desafio.E se cai, nunca se perdemos seus sonhos esparramadosadubam a vida, multiplicamsão motivos de viagem. (EVARISTO, 2008, p.41)

Meu rosário

Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo padres-nossos, ave-marias.Do meu rosário eu ouço os longínquos batuques do meu povoe encontro na memória mal adormecida as rezas dos meses de maio de minha infância.As coroações da Senhora, em que as meninas negras,apesar do desejo de coroar a Rainha, tinham de se contentar em fiar ao pé do altarlançando flores. (EVARISTO, 2008, p.16).

Os poemas foram interpretados sem nenhuma intervenção por parte da

professora , seguindo orientações da sequência expandida.

Primeira leitura Vozes mulheres:

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“O poema fala sobre a geração de uma família que ecoou desde a bisavó

até a filha da moça. E todos estão sofrendo até ouvir o eco da vida-liberdade.”(Aluno

E)

“O poema fala sobre a mulher e principalmente a mulher negra, a qual com

o tempo foi ganhando sua liberdade.” (Aluno F)

“O poema fala sobre história do passado e dos antepassados. A chegada

dos negros através dos navios, a filha vivia com a mãe e os escravos e vendo os

trabalhos que sua mãe fazia, ela também fala sobre a história da sua geração. E a

filha dela faz parte da nova era que foi abolida a escravidão.” (Aluno G)

Primeira leitura Pedra pau espinho e grade

“Este texto refere-se a vida difícil que os escravos levavam, mostra a pedra

como forma de expressar o preconceito que ainda existe, mas eles têm esperança

de que o preconceito acabe.”(Aluno E)

“Quer dizer que aquela pessoa tem esperança, passa por várias aprovações

mas nunca desiste de seus sonhos. Sempre aparecem desafios, pedras no caminho,

mas a coragem é tanta que acaba passando por cima de tudo.” (Aluno F)

“O poema fala sobre os desafios que todos nós passamos, nós as pessoas

que lutam, trabalham. A coragem nos faz seguir em frente, não desistir dos sonhos e

da liberdade. E se num primeiro instante o sonho não se realizar, não se deve

desanimar, ele dará origem a outros.” (Aluno G)

Primeira leitura : Meu rosário

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“O poema fala sobre a história da cultura negra e dos escravos. As

lembranças da sua raça: lutas, sonho de liberdade, as marcas do passado.” (Aluno

E)

“Fala sobre o sofrimento dos africanos (negros), o povo deles era com

crenças do tipo Mamãe Oxum, magias negras(sic).Mas o que eles têm é a

esperança, rezam para que saiam daquele lugar. “ (Aluno F)

“Fala da infância dela, de como era divertido estar perto das pessoas do tipo

dela, das festas e brincadeiras e tudo mais. “ (Aluno G)

Percebeu-se pelas falas, que os alunos sentem muita dificuldade para

interpretar poemas, visto que como já foi dito, muitas coisas são sugeridas pelo eu-

-lírico e não estamos preparados para essas inferências.

Também sentem-se inseguros para expressar o que pensam por meio da

palavra escrita como pode ser comprovado pelas respostas dadas, as quais são

curtas, objetivas demais e não adequadas à norma padrão.

Depois de lidas as interpretações, foi o momento da contextualização,

seguindo as orientações de Cosson (2007). A contextualização ou contextualizações

propostas por ele compreendem o aprofundamento da leitura por meio dos

contextos que a obra traz consigo. Assim, o números de contextos possíveis de

serem explorados na leitura são inúmeros. Como mencionado anteriormente,

Cosson apresenta sete contextualizações, no entanto, aplicou-se apenas a teoria,

histórica, poética, temática e crítica.

Nessa etapa, o aluno aproximou-se um pouco mais da linguagem do poema

( versos, estrofes, sentido literal e não literal), discutiu-se sobre as ideias que

sustentam a obra, qual época ela encena e como nós a recebemos .

Em seguida também foram lidos alguns trechos do livro A África explicada a

meus filhos de Alberto da Costa e Silva (2008) com o intuito de nos aproximá-los um

pouco mais desse universo, o continente africano, pois só se consegue escrever ou

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falar com propriedade sobre um determinado assunto que se conhece.

Então, em grupos, os alunos retomaram os poemas estudados. A seguir

passou-se para uma segunda leitura. Seguem algumas reflexões acerca dos

poemas.

Segunda leitura : Vozes mulheres

“O eu-lírico, numa sequência de gerações, fala do sofrimento, das injustiças,

da violência sofrida pelos negros, desde criança até a vida adulta, perdendo assim

a vida inteira, trabalhando e sofrendo simplesmente por não serem brancos.

No passado, em algum lugar de um navio negreiro, vinham infinidades de

pessoas apertadas, carregando nas lembranças um passado bom e tendo plena

consciência do que viveriam presos a um senhor.

A mulher negra trabalhava obedecendo ordens dos brancos, donos de tudo,

sem expressar suas opiniões.

No navio negreiro estava sua bisavó, nos poderes brancos sua avó e

quando sua mãe finalmente encontra a liberdade, não é totalmente livre, sofrendo as

consequências e ainda tendo que servir aos brancos. Ainda existia o preconceito.

Chega a vez da filha que vai atrás da liberdade, depois de tudo tendo a força

dos seus antepassados para compensar todo o sofrimento.

As escravas caladas por gerações encontraram a liberdade depois de muito

tempo. Mas, hoje em dia ainda existem preconceitos, ainda lutam contra isso, e

nada é mais importante que o gosto e o cheiro da liberdade.” (Aluno E)

“O poema é a história de uma geração de mulheres de uma mesma família,

onde desde a bisavó, que ainda criança, no porão de um navio, perde sua infância.

Vozes mulheres é a história de mulheres que tiveram vozes apenas para

obedecer, assim como a bisavó, que apenas obedecia “aos brancos donos de tudo”.

Mas a partir da terceira geração, começa a ter uma voz baixinha de revolta, mas ela

nada pode fazer, porque ainda depende dos brancos.

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A quarta geração ainda sofre com as outras “ecoa versos perplexos”. Mas há

esperança de todas essas vozes serem ouvidas “a voz de minha filha” que falará por

todas as vozes ainda não ouvidas. E é ela, apenas a quinta geração dessas

mulheres que sofreram que vai falar alto o suficiente para que todos ouçam o eco da

vida liberdade”. (Aluno F)

Segunda leitura: Pedra Pau Espinho e Grade

“Conceição Evaristo faz uso de letras maiúsculas em todo o título para

ressaltar os obstáculos encontrados por uma pessoa que foi escravizada.

Além das dificuldades que surgiram, a esperança persistia, como quem

escala altas montanhas, enfrentando cada problema que surgia cara a cara, do

primeiro ao último sem desanimar. Achou nas decepções forças e motivos para

seguir em frente.” (Aluno E)

“No poema, o título Pedra Pau Espinho e Grade representam os obstáculos

que os afrodescendentes enfrentaram no período da escravidão e ainda enfrentam

para vencer o preconceito e conseguir seu devido reconhecimento.

Ele ressalta a força e a determinação que o negro tem em toda a sua

história, pois qualquer que seja o obstáculo, independente da época eles têm o que

mais importa: esperança e orgulho, para manter a cabeça erguida e continuar

lutando por uma vida melhor, seja qual for a repressão ou a ferida a ser curada.

São grandes idealistas e sonhadores, pois acreditam na mudança e nos

direitos do ser humano, fazendo assim essa acontecer, e se espalhar por toda parte.

Em busca de um mundo melhor.” (Aluno F)

Segunda interpretação: Meu rosário

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“Quando o eu-lírico fala em “contas negras e mágicas” dá a entender que se

refere às lembranças de momentos amargos, mas também aos momentos bons,

como a mistura de culturas afro-brasileiras “Canto Mamãe Oxum e falo padres-

nossos e ave-marias”. Ela mergulha tão profundamente nas recordações de seus

antecedentes que parece ouvir os batuques do seu povo, que se misturam com as

poucas recordações de sua infância, omo as rezas de maio. As contas do seu

rosário mostram o seu lugar na hora da coroação de Nossa Senhora, onde ficava

apenas olhando de longe por causa de sua cor.

Diz que seu rosário possui contas vivas porque foram momentos que

vivenciou , são lembranças da realidade. Contesta que a vida seja uma oração, diz

que há vidas amargas.

Apesar dos obstáculos surgidos, enfrenta um a um com esperança de

realizar seus sonhos, mesmo com a dor das desilusões, mostra a persistência e

resistência feminina, como trabalhadora ou como escrava, com a tinta no papel

transforma suas lembranças em poesia. Com seu rosário se expressa e também se

cala, no momento em que seu estômago estava vazio.

Junta seu passado e seu presente em um papel e tudo vira poesia. Muda

seu nome, quando se encontra percebe que continua sendo Maria.”(Aluno E)

“O 'meu rosário' é a vida dela, que é feita de contas negras e mágicas.

Jamais esquece do seu povo e também de sua infância '...encontro na memória mal

adormecida as rezas dos meses de maio de minha infância...' mesmo ela tendo

outras crenças, desde a infância teve que se adaptar aos novos costumes, até

mesmo no mês de maio rezar para Nossa Senhora e ter vontade de coroá-la .

Cada conta do rosário é cada trabalho por ela e seu povo realizado 'são

contas vivas' e é ali também, nas contas do rosário que são depositados cada sonho

e esperanças , é onde ela deposita também cada sentimento de dor ou de alegria.

As contas do rosário é a história de cada momento de sua vida e de seu povo, de

todas as meninas que na infância tiveram vontade de no mês de maio poder coroar

Nossa Senhora.” (Aluno F)

Constatou-se, a partir da segunda interpretação, que a intervenção do

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professor foi fundamental para abrir caminhos, possibilidades de recepção e

ampliação de horizontes.

O próximo passo foi levá-los ao laboratório de informática para visitarem um

site de escritores afros : www.quilombjhoje.com.br .

Foram lidos alguns poemas, algumas biografias e conversou-se sobre o

grupo Quilombhoje do qual a escritora também faz parte, então partiu-se para a

produção de um fanzine, o termo deriva de fanatic magazine, ou seja, uma revista

de fã. Como o assunto em voga era a literatura afro, o fanzine foi produzido com

materiais coletados durante as pesquisas no laboratório de informática e do livro

Poemas da recordação e outros movimentos.

Os alunos tiveram três aulas para pesquisa e três aulas para confecção da

revista.

Figura 1- Fanzine(Aluno X)

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Figura 2 - Fanzine(Aluno X)

Segundo Souza (1994,p.13) “ mito é uma ideia falsa, alimentada e tida como

verdeira.” Muitos acreditam que os escritores são os inspirados, aqueles que têm o

dom da palavra . Porém, já se disse também, que as obras artísticas de qualquer

natureza, sejam pinturas, músicas ou poemas, têm muito mais de transpiração do

que inspiração, já que o escritor escreve/reescreve seus textos tantas vezes ache

necessário até que o julgue bom e aceitável.

Cassiano Ricardo (1972,p.83/84), poeta significativo do Modernismo já

definira poeta como

...um homemque trabalha o poemacom o suor do seu rosto.Um homem que tem fomecomo qualquer outro homem.

“Dizer que o 'iluminado', banhado pela auréola divina do 'dom' levanta-se de

madrugada e, movido por estranhas forças, passa a produzir uma obra-prima é

crendice, é lenda sem o menor fundamento” ( SOUZA,1994p.13). Então, o que

pode-se acreditar é que o romancista, o cronista ou o poeta possui uma maior

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intimidade com a palavra escrita. Isso, contudo, é adquirido com muito esforço,

tempo e treino.

A partir dessas concepções é que se desenvolveu a atividade a seguir ,

intitulada Você é o poeta, atividade essa que faz parte da Unidade Didática

produzida e aplicada durante o programa PDE. A seguir o comando da atividade .

Você conheceu um pouco mais sobre o gênero poema e descobriu também

que o poeta não é alguém divinizado, é alguém como você, que apenas possui uma

intimidade maior com a palavra escrita e que faz dela uma possibilidade utilizando-a

para expressar o que pensa e sente.

Neste momento, é a sua vez de expressar sentimentos e emoções. Há

alguma coisa que o incomoda? Tente expressar por meio de um poema, assim

como Conceição Evaristo o fez. ( Foi colocada uma música suave e apenas tocada

para sensibilização). A seguir um dos poemas produzidos:

Tudo eu fiz por nada

Espero que um dia vocês não existamO julgado, o subjugado, o julgamentoou o julgadorninguém é melhor que ninguémmas quem julga recolhe tudo quehá de ruim em si.

Ah, hipocrisia, que destrói famílias,que aprisiona amores e mata sentimentos!

Vem amor, aquele que salva, aquele que mudaque por um fortuito da vida transformaódio em amore muda a mais amarga das pessoas.

Creio que um dia a recompensa chegará.Fechando meus olhossinto a brisa bater em meu rosto,como se estivesse querendo me consolarDizendo: esse dia não tardará a chegar!

(Aluno da segunda série do Ensino Médio)

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Juntamente com a professora de História, iniciaram-se os preparativos para

mostrar à comunidade escolar o resultado do trabalho. A turma foi divida em grupos

para montar um exposição com objetos representativos da cultura negra, bem como

os trabalhos desenvolvidos durante o segundo semestre de 2010. De acordo com o

interesse de cada grupo as tarefas foram divididas. Escolheu-se a semana de 16 a

19 de novembro para atender também às comemorações da Semana da

Consciência Negra. Em cada dia da semana foram feitas atividades diversificadas

como palestras com membros da comunidade, documentários e apresentações de

um grupo de capoeira. Para encerrar, no dia 19/11/2010, aconteceu o Sarau Afro–

Mix envolvendo atividades de danças, recitação de poemas e uma exposição com a

“materialização” dos poemas de Conceição Evaristo. Seguem algumas fotos das

atividades:

Figura 3 - Painel confeccionado pelos alunos Fonte: Acervo particular, 2010

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Figura 4 - Poema : Do fogo que arde em mim (Conceição Evaristo)Fonte – Acervo particular, 2010

Figura 5 - Poema: Favela (Conceição Evaristo) Fonte: Acervo particular, 2010

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Figura 6 - Poema: Os sonhos (Conceição Evaristo)Fonte: Acervo particular, 2010

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa procurou contribuir para a abertura de novos caminhos

nas aulas de Literatura. Buscaram-se alternativas no que diz respeito a esse novo

olhar que se espera do educador do século XXI, olhar esse que precisa enxergar a

diferença e remodelagens de valores, ou seja, precisa-se valorizar o esforço de

quem procura recuperar a história da cultura africana, interromper o processo de

apagamento de valores que esse povo sofreu, afinal eles estão presentes em nosso

dia a dia. Também sabe-se que muito se perde com essa invisibilização em termos

de história e cultura.

Percebeu-se também que apesar de se dizer que “hoje em dia as coisas são

diferentes, não existe preconceito “, as coisas não são bem assim. Um fato que me

chamou muito a atenção, foi no momento em que levei alguns objetos que fazem

partem da cultura afro, assim como algumas africanas e ouvi de um dos alunos,

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inclusive de origem africana “onde é que eu iria fazer macumba”, reforçando o

quanto ainda são necessárias iniciativas para que haja uma nova visão quanto ao

papel do negro em nossa cultura, trata-se de resgatar a História da África.

No decorrer das atividades, observou-se que ao olhar para a obra de

Conceição Evaristo e tentar reconhecer nas vozes dos seus poemas todas as

angústias das vozes que ali se expressavam, os alunos começaram a receber os

poemas e a cultura de outra forma .

Nas primeiras atividades, alguns alunos resistiram um pouco a falar sobre os

poemas lidos. Muitos acharam difícil de entender pela falta de intimidade com o

gênero. Constatou-se então, que o trabalho com o texto poemático pode ser muito

rico, pois ele nos oferece muitas formas de instigar os alunos a pensar e repensar

suas crenças e seus valores o que reforça a posição assumida por Conceição

Evaristo de porta-voz de um povo por tanto tempo destituído de voz.

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