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#19 ANO 2017 QUANDO O IMPREVISTO ACONTECE Questionamentos sobre a alocação de risco, judicialização e inadimplência no setor, o financiamento da expansão, a volatilidade dos preços no Mercado de Curto Prazo e os desafios da geração variável. Pág. 6 NOVA ARQUITETURA DE MERCADO Uma visão de futuro para o setor elétrico, com base nas conclusões de três anos de estudos de um Projeto de P&D sobre Arquitetura de Mercado, com os prós e contras dos possíveis modelos a serem adotados. Págs. 10 MERCADOS CENTRALIZADOS DE ENERGIA E A GERAçãO DISTRIBUíDA Como conciliar os benefícios e riscos entre mercados centralizados e descentralizados, conciliando os interesses dos agentes do setor e da sociedade. Pág. 9 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA AMBIENTAL SOCIAL DA PRANCHETA PARA A REALIDADE Este foi o tema central do Brazil Energy Frontiers 2017. Depois de sucessivas crises nos últimos cinco anos, é chegado o momento de refletir sobre as mudanças que corrigem os rumos do setor e que vão prepará-lo para um futuro tão inovador quanto desafiador. O Instituto Acende Brasil apresentou seu diagnóstico do cenário atual e suas propostas de aprimoramento do mercado para estimular o debate com autoridades e empresas do setor.

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#19Ano 2017

Quando o imprevisto acontece Questionamentos sobre a alocação de risco, judicialização e inadimplência no setor, o financiamento da expansão, a volatilidade dos preços no Mercado de Curto Prazo e os desafios da geração variável. Pág. 6

nova arQuitetura de mercadoUma visão de futuro para o setor elétrico, com base nas conclusões de três anos de estudos de um Projeto de P&D sobre Arquitetura de Mercado, com os prós e contras dos possíveis modelos a serem adotados. Págs. 10

mercados centralizados de energia e a geração distribuídaComo conciliar os benefícios e riscos entre mercados centralizados e descentralizados, conciliando os interesses dos agentes do setor e da sociedade. Pág. 9

SUSTENTABILIDADE • ECONÔMICA • AMBIENTAL • SOCIAL

Da prancheta para a realidade Este foi o tema central do Brazil Energy Frontiers 2017.Depois de sucessivas crises nos últimos cinco anos, é chegado o momento de refletir sobre as mudanças que corrigem os rumos do setor e que vão prepará-lo para um futuro tão inovador quanto desafiador. O Instituto Acende Brasil apresentou seu diagnóstico do cenário atual e suas propostas de aprimoramento do mercado para estimular o debate com autoridades e empresas do setor.

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Este Energia 19 traz a cobertura de momentos selecionados do Brazil Energy Frontiers 2017, realizado em São Paulo, no dia 20 de setembro de 2017.

ApresentAções www.brazilenergyfrontiers.com/programacaoVídeos www.acendebrasil.com.br/videos

presidente: Claudio J. D. Sales Diretor executivo: Eduardo Müller Monteiro Diretor, Sustentabilidade: Alexandre Uhlig Diretor, assuntos econômicos e regulatórios: Richard Lee Hochstetler pesquisa e Desenvolvimento: Patricia Guardabassi cursos e eventos: Melissa Oliveira engenheiro: Joaci Lima Oliveira engenheiro: João Cho economista: Fabrizio Lóes assuntos administrativos: Eliana Marcon Secretária: Ingrid Santos

São paulo: Rua Joaquim Floriano, 466 Edifício Corporate, conj. 501 CEP 04534-004, Itaim Bibi – São Paulo, SP, Brasil Telefone: +55 (11) 3704-7733

Energia, uma publicação do Instituto Acende Brasil, aborda a sustentabilidade nas suas três dimensões: econômica, ambiental e social.

Versão impressa e online: www.acendebrasil.com.br/boletim

Jornalista: André Sales / MTB: 20.449 projeto Gráfico: Cacumbu Design Diagramação: Amapola Rios Fotos: Edi Pereira

O Brazil Energy Frontiers 2017 aconteceu em meio à gestação de transformações profundas no setor elétrico brasileiro. Cinco anos depois do nosso 11 de Setembro, a MP 579, e ainda sob efeitos da conjugação de duas crises simultâneas – a econômica e a hidrológica –, o mercado busca se reinventar, não apenas para corrigir erros do passado, mas principalmente para se adequar ao cenário desafiador de hoje e se preparar para um futuro que promete ser muito diferente.

A gama de temas deste evento e o grande interesse dos profissionais do setor confirmam a urgência e relevância dos planos e ações em curso. Geração distribuída, consumidor-produtor, medidores inteligentes, carros elétricos, formação de preços colocada em xeque etc. E para uma nova realidade será necessária uma nova infraestrutura. Mas esta será formada por mega redes (centralização) ou por micro redes (descentralização)?

Com o objetivo de buscar respostas a estas e outras questões que definirão os rumos do setor, convidamos as autoridades responsáveis pelo planejamento e operação do sistema elétrico brasileiro, além de executivos de grandes grupos empresariais e acadêmicos do Brasil e do exterior.

Compartilhamos nossas visões sobre a remuneração de empreendimentos, investimentos em expansão da rede, modelos de regulação tarifária, os impactos do risco hidrológico, segurança jurídica e outras pautas que estão em nossa agenda prioritária.

Apresentamos diagnósticos, propostas e ouvimos várias ideias que buscam dar soluções sustentáveis e racionais para o setor que queremos construir.

Apenas como exemplo dos debates mais aprofundados que estão nas próximas páginas, discutimos sobre as alternativas de financiamento de projetos e sobre qual deve ser o papel do BNDES para o setor a partir de agora. Refletimos sobre as variações do PLD, sobre as opções de modelos de mercado e sobre como evitar casos de abuso de poder econômico. Uma câmara de arbitragem exclusiva para o setor faz sentido? Os leilões devem ser direcionados por região e por fonte ou baseados em atributos?

As transformações do setor serão tão significativas que não podemos mais esperar. Mas esta revolução precisa ser implantada gradualmente, com muito debate e transparência (em fóruns como o nosso Brazil Energy Frontiers, já na sua quarta edição) para que o setor e a sociedade construam um futuro bom para todos.

Claudio J. D. Sales Presidente

O Instituto Acende Brasil é um centro de estudos que desenvolve ações e projetos para aumentar o grau de Transparência e Sustentabilidade do Setor Elétrico Brasileiro. Para alcançar este objetivo, adotamos a abordagem de Observatório.

Atuar como Observatório do Setor Elétrico Brasileiro significa pensar e analisar o setor com lentes de longo prazo. Com base neste modelo, o Instituto foi consolidando progressivamente a análise dos principais vetores e pressões econômicas, políticas e institucionais que moldam as seguintes dimensões setoriais:

MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE

GOVERNANÇA CORPORATIVA

LEILÕES

OFERTA DE ENERGIA

IMPOSTOS E ENCARGOS

AGÊNCIASREGULADORAS

RENTABILIDADE

TARIFA E REGULAÇÃO

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Na abertura do Brasil Energy Frontiers 2017, o secretá-rio-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, disse que o país e o setor elétrico estão vivendo um momento histórico. “Temos uma geração nova de pessoas assumindo um protagonismo nesse processo de transformação”, afirmou.

Para ele, as mudanças em curso não se limitam à gover-nança do setor. “Na medida em que deixamos transpa-rentes os custos e que alinhamos os incentivos de forma correta, o mercado assumirá um novo papel”, completa.

Pedrosa aponta que os desafios do setor vão além das ino-vações tecnológicas, da geração distribuída ou das mudan-ças na hidrologia. “Nosso desafio é muito maior, é mudar o funcionamento da economia”, acredita.

O secretário resume a necessidade deste momento: “Precisamos de menos bastidores e mais prancheta”.

E conclui com um chamamento aos profissionais do setor: “Temos que ser a geração que vai desafiar o Congresso e propor a mudança necessária. A janela de oportunidade é agora”.

Segundo ele, as transformações pelas quais o setor passará nos próximos anos (geração distribuída, consumidor prota-gonista, medidores inteligentes, carros elétricos etc.) reque-rerão uma nova infraestrutura de rede que seja capaz de lidar com a variabilidade tanto da oferta quanto da demanda.

“Este desafio será superado por meio de uma mega rede básica ou por um conjunto de super micro redes?”, indaga.

Sales lembra que as concessionárias poderão atuar no modelo “só fio”, como provedoras de infraestrutura de transporte, ou como “integradoras”, coordenando a oferta e demanda por energia. Mas ressalta que, em qualquer modelo de negócios, a regulação da qualidade precisa levar em conta a diversidade de preferências dos consumidores.

Na transmissão, a evolução do Sistema Interligado Nacional, a inserção de geração de fontes de variáveis e a maior exigência de confiabilidade requerem sistemas de controle, proteção e equipamentos mais sofisticados. Mas

Na abertura do Brasil energy Frontiers 2017, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, paulo pedrosa, disse que o país e o setor elétrico estão vivendo um momento histórico.

No primeiro painel do evento, Claudio sales apresentou um diagnósti-co sobre as discrepâncias entre os investi-mentos planejados e os executados.

Menos bastidores E Mais praNchEta

Um longo caminho entre o plaNEjado E a rEalidadE

como proporcionar mais autonomia e segurança para os agentes tomarem decisões de investimento?

Da mesma forma, a distribuição necessita de um plano de modernização para assegurar a implantação das redes inteligentes. No entanto, a revisão tarifária ainda é proble-mática no reconhecimento a investimentos em qualidade e modernização. Além disso, a remuneração pelo Custo Médio Ponderado do Capital (WACC) não reflete as condi-ções de captação de dinheiro no Brasil.

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debate 1

do Wacc à gEração distribuída: os desafios da distribuição e da transmissãoRichard Hochstetler – Com o endividamento crescente e EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization ou Lucro Antes de Impostos, Depreciação e Amortização) caindo, está em risco a sustentabilidade das distribuidoras?

Ricardo Botelho (Energisa) – A atividade de distribuição é hoje remunerada a 8,09% no WACC. Esse nível condiz com os riscos da atividade? Se o WACC melhorar, podemos incentivar investimentos, necessários para atender a expansão. Hoje temos que gerar excedente de EBITDA para financiar essa expansão e ainda há necessidade de modernização. A oportu-nidade para sinalizar um WACC mais vigoroso é agora.

André Dorf (CPFL Energia) – Quem vê a alavancagem das companhias pode pressupor que houve um salto tecnoló-gico no setor elétrico nos últimos cinco ou seis anos, mas sabemos que a alavancagem veio desde a MP 579. A per-gunta é “como as companhias estão se preparando para o futuro?”. Passamos a ter um cenário com escolhas para os consumidores e barateamento de tecnologias. Há todo um arcabouço que precisamos trabalhar para que se viabilize tudo isso no futuro, e o WACC é um dos componentes que viabiliza os investimentos.

Richard Hochstetler – Quais as perspectivas da transmissão após os impactos da MP 579?

Reynaldo Passanezi (ISA CTEEP) – Temos um WACC de lei-lão de transmissão superior ao da distribuição, mas o WACC de modernização da rede de transmissão (6,64%, definida a posteriori pelo poder concedente), sendo que o regulador ainda pode dizer que o investimento não foi prudente. O desafio de modernizar a rede depende de incentivos de ren-tabilidade e de regras claras.

André Dorf (CPFL Energia) – A metodologia de WACC busca a companhia mais eficiente em cada um dos quesitos. Mas dificilmente uma companhia é excelente em tudo. Hoje, essa comparação do WACC entre distribuição e transmissão é diária. Falta visão do todo ao definir parâmetros de remu-neração para uma atividade ou outra.

Richard Hochstetler – Qual é a visão da Aneel sobre este tema?

Ivo Nazareno (Aneel) – Fizemos uma revisão grande do modelo de remuneração dos leilões de transmissão. E assi-namos contratos de renovação de concessão com base em governança corporativa. A Aneel está aberta a fazer esta dis-cussão de remuneração.

Richard Hochstetler – O futuro vai ser mais baseado em mega redes ou micro redes?

Ivo Nazareno (Aneel) – A legislação brasileira busca refletir a otimização energética, com a utilização das fontes hídrica, térmica (incluindo biomassa), eólica e solar. Acredito que ainda esperaremos um pouco essa chegada da carga nova, junto com a capacidade do consumidor de gerar sua própria energia e armazená-la.

Reynaldo Passanezi (ISA CTEEP) – Se conseguirmos avan-çar com a resposta de demanda e geração distribuída, talvez tenhamos menos necessidade de grandes investi-mentos em transmissão no futuro. Mas para isso precisa-mos gerar os incentivos adequados. Precisamos ter tarifa horária e digitalização.

André Dorf (CPFL Energia) – Nem todo mundo será “prosu-mer”. A experiência mostra que de 30% a 40% dos clientes querem continuar no mercado regulado. As realidades são

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o primeiro debate do evento contou com a participação de ricardo botelho (Energisa), andré dorf (cpFl Energia), ivo sechi Nazareno (aneel) e reynaldo passanezi (isa ctEEp). com mediação de richard lee hochstetler (instituto acende brasil), eles externaram suas visões sobre como enfrentar os desafios para o futuro da distribuição e da transmissão, tratando de questões como o Wacc, geração distribuída, regulação tarifária e investimentos em qualidade.

Ricardo Botelho, André Dorf, Ivo Nazareno e Reynaldo Passanezi

diferentes e provavelmente vão abarcar uma combinação entre geração remota com grandes linhas de transmissão e microgrids eficientes em algumas áreas.

Ricardo Botelho (Energisa) – Acho que nosso modelo con-tinuará sendo baseado no aproveitamento das vantagens competitivas de cada região (hidráulicas, eólicas). Vejo as micro redes como uma questão complementar.

Claudio Sales – As distribuidoras podem estar sendo impactadas por outros fatores, como limites de perdas, inadimplência, qualidade, glosas de investimentos e bai-xas de ativos?

Ricardo Botelho (Energisa) – Todos esses fatores fazem com que a taxa interna de retorno efetiva acabe sendo menor. Pela regulação de hoje, só no final do ciclo você terá uma taxa melhor. Mas é preciso investir antes e, com o arranjo atual, a taxa efetiva de retorno é muito menor do que a taxa definida no ciclo de revisão tarifária.

Richard Hochstetler – Tarifa de receita fixa (Revenue Cap) é o modelo futuro para a distribuição?

Ivo Nazareno (Aneel) – Com o consumidor dando informa-ção sobre qualidade, precisaremos ter uma regulação sensí-vel. O consumidor talvez não consiga decidir sozinho, mas de forma consolidada poderemos ter uma regulação mais complexa e mais atraente do ponto de vista da qualidade.

Richard Hochstetler – Quanto à regulação tarifária, deve-mos ter modelos diferentes por áreas de concessão?

Ricardo Botelho (Energisa) – Recentemente, a Cemar teve uma grande expansão da base regulatória, mas os investi-mentos aumentaram a tarifa e a empresa foi crucificada por isso. Em outra área de concessão, um grupo de consumidores

disse que “não era preciso” investir em qualidade para não aumentar a tarifa. O modelo de incentivos precisa de ade-quações para levar em conta as particularidades de cada concessão.

Richard Hochstetler – O engajamento construtivo pode ser um caminho para aumentar a qualidade?

André Dorf (CPFL Energia) – Essa discussão com o consumi-dor se faz cada vez mais importante porque a melhoria dos níveis de qualidade requer alto investimento em tecnologia. Quando se fala em separar fio e energia, só haverá benefício ao consumidor se os novos serviços virarem realidade. Para isso, é preciso digitalizar o parque. São quase R$ 40 bilhões para as 62 distribuidoras. Ou começamos agora, reparando a regulação, ou seremos atropelados pela tecnologia.

Ricardo Botelho (Energisa) – Nós precisamos de sinais para a modernização. Há questões que precisam ser trabalhadas, como a certificação metrológica, que hoje é lenta. O plano tem que ser por etapas, com horizonte de 10 anos ou mais. E devemos pensar sobre como será feito o financiamento. Por que geradores e comercializadores não podem pagar um pouco da expansão?

Reynaldo Passanezi (ISA CTEEP) – Precisamos definir como remunerar equipamentos que terminam a sua vida útil regulatória. Essa situação hoje cria um incentivo perverso: a concessionária não tem interesse em substituir equipamen-tos porque não tem nenhuma remuneração. A fim de evitar sobrecusto para o consumidor, deveria haver um incentivo para as concessionárias preservarem os equipamentos, o que implica menores investimentos em equipamentos novos.

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Dissecando as propostas para Mitigar os riscos dE gEração E coMErcializaçãoos atuais instrumentos legais proporcionam um nível de segurança jurídica e previsibilidade adequada ao setor elétrico? Qual é a melhor estratégia para se lidar com riscos aos contratos, de forma a promover investimentos prudentes? dado o alto grau de judicialização e complexidade do setor, seria desejável criar uma vara judicial especializada?

Essas foram questões levantadas por Eduardo Müller Monteiro, do Instituto Acende Brasil, no painel sobre os desafios da Geração e Comercialização de energia.

Ele lembrou que projeções do governo indicam que o Fator de Ajuste do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), mais conhecido no setor pelo acrônimo em inglês GSF (Generation Scaling Factor), deve variar de 84,2% em 2018 a 98,1% em 2021, acumulando um custo de R$ 29,2 bilhões para os geradores. E indaga se essa seria uma situação meramente conjuntural ou fruto de mudança estrutural que veio para ficar.

A judicialização e o comprometimento da liquidação no Mercado de Curto Prazo tem como consequência 160 liminares e um passivo acumulado superior a R$ 3 bilhões (na data do evento). A proposta de novo modelo do setor (Consulta Pública nº 33 do MME, a “CP33”) é prolongar a concessão de hidrelétricas para compensar o deslocamento da geração ocasionada pelo “despa-cho fora da ordem de mérito”. Mas os geradores conti-nuam expostos aos demais fatores não gerenciáveis que impactam sua produção e, segundo a CP 33, teriam que renunciar a novos questionamentos na Justiça.

Cabe também discutir se a transferência do risco hidro-lógico para o consumidor é a solução mais apropriada. Eduardo destacou que os deslocamentos de produção hidrelétrica realizados pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) acarretam impactos econômicos e financeiros aos geradores que não são considerados e que ensejam uma possível reestruturação do MRE.

Outro ponto proposto pela reforma setorial encami-nhada via CP 33 é a contratação separada entre ‘lastro’ e ‘energia’, o que requer um aprimoramento do sistema de formação de preços. Diante disso, os financiamentos a novos empreendimentos podem ficar comprometidos?

Müller Monteiro lembrou ainda que os contratos bila-terais são firmados sob o pressuposto de que o sistema será operado com base nos modelos computacionais oficiais. Portanto, quando ocorre um desvio da operação preconizada, como nos casos de revisão retroativa do PLD por erros nos dados de entrada, as expectativas são frustradas.

Nesta área, surgem outras duas questões: a expansão do Mercado Livre é compatível com a operação e preci-ficação centralizada? Faz sentido o PLD variar tanto de uma semana a outra em função das vazões afluentes na semana?

Por fim, Eduardo apontou que a produção eólica ajuda a compensar a queda de produção hidrelétrica, mas amplia a necessidade de modulação. E que, entre os caminhos possíveis para resolver esses problemas, estão a adoção de leilões direcionados para usinas com carac-terísticas e regiões específicas, além da estruturação do Mercado de Curto Prazo com maior diferenciação de pre-ços entre diferentes horários e locais.

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as propostas para aumentar a segurança jurídica e fomentar o crescimento sustentável do setor foram tema do segundo debate do evento. os convidados andrew storfer (américa Energia), Eduardo sattamini (Engie), rui altieri (ccEE) e Miguel setas (Edp brasil) responderam às questões de claudio sales e Eduardo Müller Monteiro (instituto acende brasil) e perguntas da plateia.

Claudio Sales – Os instrumentos legais atuais produzem segurança jurídica e previsibilidade adequada?

Miguel Setas (EDP Brasil) – Um estudo da Universidade de Oxford mostra que 75% dos grandes projetos têm atrasos e há sobrecusto em 96% deles. Nossa experiência em cons-trução de usinas na Amazônia mostra que é possível evitar imprevistos. Mas também podem ser adotadas algumas medidas, como um balcão único para licenciamento e fil-tros mais exigentes nos projetos.

Claudio Sales – O que vocês acham de uma câmara de arbi-tragem em busca de uma instância mais especializada e mais ágil para lidar com questões judiciais?

Eduardo Sattamini (Engie) – Sentimos falta de padroni-zação no tratamento dos assuntos pelos diversos órgãos públicos. Não podemos demorar meses com mão-de-obra

imobilizada no canteiro por interferência do Ministério Público. Poderíamos ter um instrumento arbitral para tra-tar estes assuntos com mais rapidez, por meio de uma vara especial do setor elétrico, buscando um julgamento com pesos e medidas adequados.

Claudio Sales – A transferência do risco hidrológico para o consumidor é o mais adequado?

Rui Altieri (CCEE) – Nosso entendimento é que o risco hidrológico sempre foi do gerador. Para nós não é razoável transferir o risco hidrológico ao consumidor. Sobre arbitra-gem, acho que devemos investir na questão administra-tiva e fortalecer o regulador antes de partir para uma vara especializada.

Claudio Sales – Como a transferência do risco hidrológico afeta as comercializadoras?

debate 2

Agentes apontam soluções para o risco hidrológico, MErcado livrE E pld

Claudio Sales, Andrew Storfer, Eduardo Sattamini, Rui Altieri e Miguel Setas

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Andrew Storfer (América Energia) – Se fossem feitos ajus-tes de Garantia Gísica das usinas a situação de hoje seria diferente. Esse risco vai para o consumidor, de uma forma ou de outra. Sobre o despacho fora da ordem do mérito, ele existe em qualquer lugar do mundo. Mas estão erradas a frequência e a magnitude com que esse despacho ocorreu. Temos que investir mais nas causas e tentar resolver o pro-blema de base.

Claudio Sales – Que impactos a nova TLP (Taxa de Longo Prazo, do BNDES, em substituição à TJLP) vai causar nos financiamentos do setor?

Eduardo Sattamini (Engie) – O mercado sentirá bastante a diminuição da presença do BNDES. Temos que pensar em algum tipo de transição, com o BNDES eventualmente atuando como uma seguradora de crédito para emissão de títulos de infraestrutura. A mudança de taxa é benéfica por-que trará uma nova realidade de preço.

Miguel Setas (EDP Brasil) – Temos alternativas para subs-tituir o BNDES por soluções de mercado, via financiamento bancário ou debêntures de infraestrutura. Hoje, o mercado consegue ter alternativas até melhores que o BNDES.

Claudio Sales – O mercado livre é capaz de dar sustentação à expansão?

Andrew Storfer (América Energia) – Durante três anos fize-mos reuniões, pela Abraceel, com o BNDES, para viabilizar investimentos via ACL. Fizemos uma proposta de garantias rolantes e o modelo foi aprovado. Mas ainda assim é claro que ter um PPA (“Power Purchase Agreement”, ou Contrato de Compra e Venda de Energia) de 30 anos, com financiamento garantido, é muito melhor do que batalhar no mercado livre.

Rui Altieri (CCEE) – A preocupação que temos hoje é a separação entre lastro e energia. Não é razoável que só o mercado regulado arque com toda a expansão. O mercado livre tem que ser tratado de maneira diferente, e não pode ficar “a reboque” do mercado regulado.

Claudio Sales – Que sentido faz o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) variar tanto de uma semana para outra?

Rui Altieri (CCEE) – Já estamos melhorando muito a ques-tão da publicação do PLD. Temos que dar transparência e previsibilidade. A volatilidade natural continuará existindo, mas o que precisamos entender é essa variação do PLD sem nenhuma razão física. Isso quer dizer que temos um espaço muito grande para melhorar.

Claudio Sales – Qual o impacto da republicação do PLD sob a ótica da comercializadora?

Andrew Storfer (América Energia) – Na minha opinião, em nenhuma circunstância poder-se-ia republicar o PLD. Não podemos andar numa estrada sem saber se vamos ser multados.

Claudio Sales – A expansão do mercado livre é compatí-vel com o modelo que temos hoje, de operação e precifi-cação centralizadas?

Rui Altieri (CCEE) – Acredito que sim. A mudança de modelo para lances de oferta é uma discussão que deve ser feita, mas não só para isso.

Miguel Setas (EDP Brasil) – No caso do PLD, achamos que deve haver concorrência entre quatro ou cinco modelos alternativos. E só depois transitar para um novo modelo, com muito cuidado, o que pode levar anos. Sobre a ques-tão do lastro e energia, defendemos uma alocação de risco isonômica e um conjunto de condições precedentes, antes das transições. Tudo combinado com a criação de um garantidor, como ocorre na Europa, com um conjunto de garantias mais robustas, e simplificação de processos.

Andrew Storfer (América Energia) – Tanto o preço por “bid” ou por modelo computacional funcionam, e ambos deveriam convergir para a mesma realidade. O que temos hoje é um problema de acoplamento entre os dois mode-los, o que tem gerado essa volatilidade. O que não tem sen-tido é o PLD cair R$ 350 em um mês. Quanto à separação entre lastro e energia, acho benéfica, desde que seja feita com coerência sistêmica.

Claudio Sales – O que os senhores acham da adoção de leilões direcionados para usinas com características e regiões específicas?

Eduardo Sattamini (Engie) – Acho que leilões devem pri-vilegiar os atributos. Hoje as fontes concorrem de forma equilibrada.

Miguel Setas (EDP Brasil) – Acreditamos na complemen-taridade das fontes. Concordamos com leilões direcionados por região e por fonte. Isso pode ajudar a corrigir um desvio que temos hoje e que não privilegia a lógica elétrica.

Rui Altieri (CCEE) – Temos como meta estabelecer preços horários em janeiro de 2019. Isso dará transparência sobre onde precisamos de usinas com certos atributos.

Claudio Sales – Como tratar de forma mais robusta a remu-neração para serviços ancilares?

Rui Altieri (CCEE) – Com os preços horários, isso terá que ser feito. Hoje temos alguns serviços ancilares que são remune-rados, mas há espaço para outros. É uma meta que precisa-mos perseguir com muito afinco.

Eduardo Müller Monteiro – Qual a melhor maneira de fil-trar a participação de proponentes em leilões sem inibir a competição?

Miguel Setas (EDP Brasil) – Defendemos que os níveis de elegibilidade sejam mais exigentes. Hoje o critério não garante agentes capacitados para trabalhar neste mercado.

Eduardo Müller Monteiro – Como bloquear um agente não capacitado? Por tamanho de projetos executados (track record)?

Miguel Setas (EDP Brasil) – O agente tem que dar mos-tras de que foi capaz de fazer algo relevante no setor. Mas isso poderá criar vantagem para quem está há mais tempo no mercado.

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Em sua apresentação no brazil Energy Frontiers 2017, o professor Alfredo Garcia, da universidade da Flórida, apontou que os mercados centralizados de energia podem estar próximos de alcançar seus limites.

Garcia analisou dois modelos de arquitetura de mercado: (a) comoditização (commoditization); e (b) desagrupa-mento (unbundling). A comoditização vem sendo ado-tada em alguns países, mas há restrições, quando a maior parte da energia é gerada por fontes renováveis (como na Dinamarca e na Espanha).

O desafio, neste caso, é como lidar com o risco de despa-cho, uma vez que não é econômico contar apenas com reservas despacháveis.

Já no modelo de desagrupamento, um aumento marginal do consumo de energia de uma fonte renovável leva a um aumento marginal no risco sistêmico.

Diante disso, Garcia recomenda repensar a arquitetura dos mercados, buscando um equilíbrio entre mercados centralizados e descentralizados olhando para limites aceitáveis de riscos.

adequação de recursosO professor lembra que existem dois formatos de ade-quação de recursos. Um deles é “puxar” os investidores, com base em previsão de demanda. O outro é “empurrar” os investimentos, baseando-se em previsão de preços e em preços de mercado. Garcia aponta que um dos atuais problemas de mercado é o chamado “dinheiro faltante” (Missing Money).

Em busca da solução:uM MErcado cENtralizado ou Múltiplos MErcados?

Ele também lembra que a maioria dos mercados tem um limite de preço à vista para a energia e que isto é necessá-rio para limitar o abuso de poder, dada a natureza relati-vamente inelástica da demanda.

No entanto, os geradores podem não recuperar seus cus-tos e os contratos concentrados no varejo dão poucos incentivos para contratos de longo prazo, expondo o sis-tema a riscos.

Outra questão a se considerar é o poder de mercado. Segundo o professor, a combinação entre operadores controlando o nível de capacidade com custos de entrada relativamente altos pode resultar em baixas margens de reserva. Já em um sistema centralizado de compras, o regulador determina a demanda pela capacidade de pro-dução e o custo é repassado aos consumidores.

As opções para melhorar a confiabilidade, neste caso, passam por ter fornecedores garantindo capacidade dis-ponível quando o preço à vista excede um limite defi-nido previamente.

Os benefícios deste modelo são: reduzir o risco do gerador, estimulando investimentos; possibilitar que a demanda (consumidores) seja protegida contra preços à vista eleva-dos; e controlar o poder de mercado em tempos de escassez.

Mas este desenho também tem problemas: os preços spot (no mercado de curto prazo) dos mercados de eletricidade e de combustíveis não são sincronizados; e o preço de exercício muito baixo representa um risco para gerado-res que, quando muito alto, também implica risco para os contratos varejistas.

Outra preocupação é que, em sistemas predominante-mente hidrelétricos, o despacho baseado no mercado não é necessariamente eficiente. Além disso, o custo de opor-tunidade da água para o mercado nem sempre está em conformidade com o custo para a sociedade – especial-mente em tempos de escassez.

Futuro da distribuiçãoPor fim, o professor acredita que a distribuição deve passar de um monopólio de fios para uma plataforma promotora de mecanismos de mercado. Segundo ele, a regulamenta-ção atual não é adequada para a nova realidade, que deve ter cada vez mais presença da geração distribuída e de um novo tipo de consumidor – o prosumer, que ao mesmo tempo produz e consome energia.

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com base nas conclusões de três anos de estudos desenvolvidos no projeto de pesquisa e desenvolvimento (p&d) “arquitetura de Mercado para a comercialização de energia elétrica no brasil: análise, simulação e propostas”, do programa de p&d da aneel, richard Lee Hochstetler, do instituto acende brasil, apresentou uma visão de futuro para o mercado de energia elétrica.

Ele aponta três problemas comuns no setor: “sequestro” (com-portamento oportunista após ter sido feito o investimento); “dinheiro faltante” ou Missing Money (quando não é possível atingir o equilíbrio de mercado por meio do sistema de pre-ços); e “carona grátis” ou Free Riding (quando outros pagam a conta pelo desalinhamento entre custos e benefícios).

Consumidores Livres, por exemplo, tipicamente não firmam compromissos com prazo e antecedência necessários para ensejar a expansão da oferta. Por outro lado, embora a arbi-tragem possibilitada pelo Mercado Livre cause certa vola-tilidade no curto prazo, no longo prazo favorece a busca de soluções estruturais para distorções latentes do sistema.

Com relação à estratégia de modelagem utilizada atual-mente, a questão é se estamos condicionando os modelos à realidade ou condicionando a concepção da realidade aos modelos.

Os estudos demonstram que a armazenagem nas usinas a jusante proporciona maior ganho energético, o que nos leva a indagar se a estratégia de modelagem empregada é a mais apropriada. Os estudos também indicam que dis-torções ocasionadas pelos dados de entrada utilizados no modelo, principalmente associados à projeção da carga e da expansão da capacidade de geração, são bastante rele-vantes no longo prazo.

O sistema está em constante mutação, o que implica que os modelos computacionais utilizados para orientar o pla-nejamento e a operação também precisam evoluir.

dois caminhosCom o objetivo de romper o ciclo vicioso de problemas no setor, as reflexões do projeto de P&D propuseram dois modelos. O primeiro foi batizado de “Modelo Indutor”, pois busca alinhar os interesses dos agentes e tornar o mercado suficientemente robusto para suportar períodos de estresse. Neste caso, o agente de Estado seria respon-sável pela definição da política de expansão da geração por meio de contratação de dois tipos de “Opções de

Confiabilidade”: a Opção de Compra, que proporciona pro-teção (hedge) para os consumidores em períodos de alta de preços e uma renda mínima estável para as usinas ter-melétricas; e a Opção Binária, que proporciona hedge para os consumidores em períodos de alta de preços e, inver-samente, hedge para os geradores em períodos de baixa de preços.

Já o Modelo Integrador busca atender às necessidades dos diversos tipos de agentes, estabelecendo diferentes tipos de contratos e plataformas de negociação. Neste modelo, um Agente de Estado faria, anualmente, a avaliação do equilíbrio estrutural para atendimento da carga três anos à frente. Se houver falta de recursos, o agente acionará a figura chamada de “Formador de Mercado”, que promo-verá um Leilão A-3 para contratar o montante indicado.

Uma Câmara de Compensação seria a contraparte central para todos os contratos, de forma a facilitar transações no mercado secundário. Já no mercado de curto prazo ado-tar-se-ia o Sistema Coaseano de Compensação Dupla.

Hochstetler também avaliou que alguns fatores que podem trazer preocupação comerciais no setor elétrico, tais como: (a) a elevada concentração na geração; (b) participações cruzadas entre acionistas; (c) interdepen-dências entre hidrelétricas no mesmo curso d’água; e (d) alterações estruturais em função do cenário hidrológico..

como chegar láA implantação de qualquer um dos dois modelos (Indutor ou Integrador) requererá:

- o estabelecimento de mecanismos de controle para assegurar o equilíbrio estrutural e viabilizar a liberaliza-ção dos consumidores regulados;

- unificar os mercados (Regulado e Livre, Energia Nova e Energia Existente); e

- substituir a regulação tarifária pela concorrência na comercialização.

Uma visão de futuro para o mercado de ENErgia Elétrica

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Já para o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), a proposta é a substituição do atual modelo por um “MRE Financeiro”, balizado pela Energia Natural Afluente de cada usina. Assim, as condições previamente pactuadas seriam preservadas e as transferências entre os agentes para mitigar o risco hidrológico dependeriam exclusiva-mente das condições hidrológicas. As transferências entre geradores promovidas pelo MRE Financeiro seriam rea-lizadas mensalmente, com base nas afluências naturais efetivamente observadas no mês, considerando os preços médios ponderados no período.

No que se refere ao monitoramento de mercado, as suges-tões incluem: definir indicadores e critérios; institucio-nalizar um corpo técnico; e estabelecer convênios com as entidades regulatórias para a condução de eventuais processos relacionados a questões concorrenciais. Outras propostas a serem consideradas são: (a) a promoção de uma “campanha de medição” para corrigir e atualizar os parâmetros operativos de cada usina e dos reservatórios de regularização; e (b) o estabelecimento de um sistema

de informações centralizado, coordenado pelo ONS e pela CCEE, que permita monitoramento em tempo real da ope-ração das usinas, dos níveis dos reservatórios e das vazões.

Nesse cenário, o ONS permaneceria como responsável pelo despacho com base em “ordem de mérito econômico”, mas esta ordem seria definida pelos lances submetidos pelos agentes no Mercado de Curto Prazo (em vez de ditadas pelos modelos computacionais Newave/Decomp).

O ONS ordenaria alterações no pré-despacho, conforme necessário, para lidar com restrições elétricas e contingên-cias, recorrendo aos recursos disponibilizados no Mercado de Curto Prazo ou por meio de serviços ancilares. E conti-nuaria desempenhando um papel central na formação de expectativas do mercado por meio de seus relatórios men-sais de avaliação das condições operativas atuais e futuras.

Por fim, a Aneel exerceria um papel crescente como media-dora na busca de soluções regulatórias para problemas concorrenciais e permaneceria regulando a tarifa de trans-porte de energia, as perdas não técnicas e a qualidade.

Mudanças à vista nos modelos computacionais de operação do setor e mecanismos para evitar o abuso de poder de grandes geradores estiveram entre os temas do debate de encerramento do Brasil Energy Frontiers 2017. um diálogo que reuniu representantes do mercado – alexandre zucarato (Engie) –, do governo – luiz Eduardo barata (oNs) e luiz augusto barroso (EpE) – e do meio acadêmico – professor secundino soares (unicamp).

Em discussão,os planos em curso para apriMorar o sEtor

debate 3

Claudio Sales – Gostaria de ouvir as suas opiniões sobre o diagnóstico do setor no momento.

Luiz Barroso (EPE) – Precisamos avançar para um setor mais moderno, mais sustentável, dentro de uma lógica econômica definida, para que os agentes possam formar expectativas racionais sobre a evolução dos preços. Com isso, podemos resolver questões como os contratos de lon-guíssimo prazo, proteções excessivas e gestões de riscos centralizadas.

Luiz Barata (ONS) – O modelo do setor vem passando por alterações de forma tópica. Essas mudanças resolvem problemas, mas acabam criando outros. No entanto, as mudanças devem ser feitas com cautela para não incidir-mos nos mesmos erros.

Secundino Soares (Unicamp) – Há certo receio de que o que está dando certo em outros países desenvolvidos não dê certo aqui. Mas a experiência me leva a acreditar que temos medo de fantasmas que não existem.

Alexandre Zucarato (Engie) – O advento da contratação de longo prazo, em 2004, teve um papel importantíssimo na indução de investimentos. Mas os riscos alocados não necessariamente estão no colo dos agentes adequados. A realocação de riscos requer colocar preços que melhor reflitam as necessidades e os custos reais do sistema. Ficar escondendo custo sob o tapete e alocando riscos de uma forma quase aleatória não são os caminhos para sair do buraco.

      Brazil Energy Frontiers 2017 11

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Claudio Sales – Quais os planos de aprimoramento dos modelos computacionais oficiais?

Luiz Barata (ONS) – Nossa expectativa é a de, a partir de 2019, trabalhar com um modelo de operação com granu-laridade de meia hora e, para efeito de preço, trabalhar com modelo horário. A partir de janeiro de 2020, quere-mos trabalhar com um modelo de representação de usinas individualizadas e com incertezas na carga. A mudança é profunda porque passaremos a ter estabelecimento de pre-ços para o dia seguinte.

Luiz Barroso (EPE) – Temos um plano para uma represen-tação mais detalhada da operação, considerando uma solu-ção de compromisso (trade off) entre quanto cada fonte custa para o sistema e quanto a mesma agrega. Demos o primeiro passo quando apontamos para o cálculo dos atributos, mas o desafio é “como” calculá-los. Estamos ten-tando organizar modelos de planejamento da expansão olhando sob a perspectiva do operador do sistema (ONS).

Luiz Barata (ONS) – No Brasil, temos três agentes (CCEE, ONS e EPE) fazendo o que na maior parte dos países é feito por apenas uma instituição. Portanto, é fundamental que haja parceria entre os três porque não adianta planejar um sistema barato e, na hora de operá-lo, termos que enfrentar os mesmos problemas de hoje.

Secundino Soares (Unicamp) – A linha de desenvolvimento de modelos adotada no Brasil privilegiou a abertura de diversos cenários hidrológicos sintéticos, em detrimento da não-linearidade do modelo. O modelo que está em vigor não minimiza o valor esperado do custo nem o risco. Então, colocar a culpa dos problemas do setor em cima da vazão é o álibi perfeito, porque ninguém sabe qual será a vazão da próxima semana e muito menos a do ano que vem. Na ver-dade, a culpa é da linearização assumida pelo modelo atual.

Luiz Barata (ONS) – Estamos vivenciando hoje crises climá-ticas em todas as regiões do país. E se temos menos chuva e vazão, temos problemas sérios na operação do sistema.

Claudio Sales – Como os senhores veem o risco de abuso de poder de mercado que pode ocorrer quando geradores hidrelétricos controlam grande fatia de mercado?

Luiz Barroso (EPE) – Nossa proposta é um desacoplamento entre um modelo comercial para ofertas e um modelo físico que preserva a autonomia do operador nas cascatas. Em muitos países há uma unidade de monitoramento de mer-cado e, cada vez que um agente “se comporta mal”, a oferta

é substituída por uma oferta por custo. Precisamos ter uma entidade como essa aqui, cuja governança teria que ser muito bem pensada com o objetivo de corrigir o poder de mercado de grandes agentes. E também forçar esses gran-des agentes a fazer ofertas segundo algumas condições.

Alexandre Zucarato (Engie) – Se por um lado é bom priva-tizar a Eletrobras, fico preocupado com o que pode acon-tecer se um agente privado (que passaria a controlar os ativos da Eletrobras) com o tamanho da Eletrobras. Mas se o campo de jogo estiver nivelado acredito na competição.

Luiz Barata (ONS) – Não somos contra migrar para o regime de oferta de preço. Mas acho muito arriscado fazer isso de uma hora para outra em função da concentração de mercado ou por termos cascatas com vários proprietários onde nem sempre o relacionamento entre eles é amigável.

Luiz Barroso (EPE) – No tema das cascatas, nossa proposta é que o ONS faça a gestão das bacias. Portanto, acho que esse conflito não existirá.

Secundino Soares (Unicamp) - Os períodos de cheia das três bacias principais do país ocorrem nas mesmas épocas, o que implica estarmos colocando todos os ovos na mesma cesta. Não há diversidade hidrológica entre as principais bacias brasileiras. O MRE é um condomínio nocivo para o setor elétrico. Com relação ao abuso, qual é o poder de mercado que um sistema totalmente a fio d’agua tem? Nenhum. E sobre o Nordeste, o problema é que há uma série de vazões fracas com uma operação desastrosa.

Luiz Barata (ONS) – Discordamos totalmente do professor Secundino sobre a operação do Nordeste. Não podemos contestar a natureza.

Claudio Sales – Quais são suas considerações finais?

Luiz Barroso (EPE) – Temos um desafio grande. A CP 33 faz sentido se implementada como pacote. É uma incorpora-ção muito grande do sinal de preços. Uma nova realidade com novos riscos e novas adaptações.

Luiz Barata (ONS) – A operação do sistema é complexa e tem que ser olhada considerando os aspecto do planeja-mento, da operação, da comercialização e da alocação de risco.

Alexandre Zucarato (Engie) – Não há dúvida de que a dire-ção das mudanças é correta. Compartilhamos da preocupa-ção de fazer com calma e sem “fatiamentos” da proposta, que precisa ser feita de forma integral.

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Claudio Sales, Alexandre Zucarato, Luiz Barata, Luiz Barroso e Secundino Soares