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Da Produção à Concepção: Meio Século de História Automóvel em Portugal Catarina Selada José Rui Felizardo “Nada Perdura, senão a Mudança” Heráclito, Filósofo Grego INTRODUÇÃO O presente ensaio pretende apresentar uma visão para a evolução histórica da indústria automóvel em Portugal nos últimos cinquenta anos, com ênfase no sector de componentes. A análise desta indústria é particularmente relevante no panorama actual da economia portuguesa, onde a mesma apresenta uma importância significativa quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos. De facto, a indústria automóvel detém actualmente um peso de 7% no PIB, de 25% no total das exportações nacionais, de 4% no emprego e de 18% no investimento directo estrangeiro da indústria transformadora. Além do mais, é uma indústria que atravessa horizontalmente diversos sectores de actividade – desde o têxtil à metalomecânica - lidando com uma multiplicidade de tecnologias, competências e processos organizacionais com vista à produção de componentes, módulos e sistemas numa lógica de produto complexo, global e integrado. Face a estas características de multisectorialidade e natureza pluritecnológica, a indústria automóvel induz efeitos multiplicadores na globalidade do tecido empresarial, assim como o desenvolvimento de cadeias de elevado valor acrescentado. A importância destes efeitos é acrescida uma vez que se trata de um sector de média-alta intensidade tecnológica (de acordo com classificação da OCDE – Hatzichronoglou, 1997), indutor de novas dinâmicas de produtividade e competitividade. Neste sentido, o sector induz a gestão de bases de conhecimento – competências, tecnologias, metodologias – diversificadas e distribuídas no seio de uma rede global e complexa de valor integrada por OEMs (Original Equipment Manufacturers), fornecedores, clientes e infra-estruturas de suporte. O artigo começa, assim, por apresentar uma proposta de periodização da história automóvel em Portugal em três fases distintas, onde são analisadas as dinâmicas relacionais entre esta teia de actores complexa e multifacetada – onde interagem o Estado, os construtores, os fornecedores, as infra-estruturas de apoio – e que tiveram um impacto específico no sector de componentes a nível nacional. Após incursão sobre cada uma das fases de evolução da indústria automóvel e balanço do meio século de regresso ao passado, são traçados cenários para o futuro com vista à potencial afirmação de um novo ciclo de desenvolvimento do sector em Portugal. Por fim, fica a mensagem da potencial actuação da indústria automóvel como motor para um novo modelo de desenvolvimento industrial do país assente numa autêntica dinâmica de inovação.

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Da Produção à Concepção: Meio Século de História Automóvel em Portugal

Catarina Selada José Rui Felizardo

“Nada Perdura, senão a Mudança” Heráclito, Filósofo Grego

INTRODUÇÃO O presente ensaio pretende apresentar uma visão para a evolução histórica da indústria automóvel em Portugal nos últimos cinquenta anos, com ênfase no sector de componentes. A análise desta indústria é particularmente relevante no panorama actual da economia portuguesa, onde a mesma apresenta uma importância significativa quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos. De facto, a indústria automóvel detém actualmente um peso de 7% no PIB, de 25% no total das exportações nacionais, de 4% no emprego e de 18% no investimento directo estrangeiro da indústria transformadora. Além do mais, é uma indústria que atravessa horizontalmente diversos sectores de actividade – desde o têxtil à metalomecânica - lidando com uma multiplicidade de tecnologias, competências e processos organizacionais com vista à produção de componentes, módulos e sistemas numa lógica de produto complexo, global e integrado. Face a estas características de multisectorialidade e natureza pluritecnológica, a indústria automóvel induz efeitos multiplicadores na globalidade do tecido empresarial, assim como o desenvolvimento de cadeias de elevado valor acrescentado. A importância destes efeitos é acrescida uma vez que se trata de um sector de média-alta intensidade tecnológica (de acordo com classificação da OCDE – Hatzichronoglou, 1997), indutor de novas dinâmicas de produtividade e competitividade. Neste sentido, o sector induz a gestão de bases de conhecimento – competências, tecnologias, metodologias – diversificadas e distribuídas no seio de uma rede global e complexa de valor integrada por OEMs (Original Equipment Manufacturers), fornecedores, clientes e infra-estruturas de suporte. O artigo começa, assim, por apresentar uma proposta de periodização da história automóvel em Portugal em três fases distintas, onde são analisadas as dinâmicas relacionais entre esta teia de actores complexa e multifacetada – onde interagem o Estado, os construtores, os fornecedores, as infra-estruturas de apoio – e que tiveram um impacto específico no sector de componentes a nível nacional. Após incursão sobre cada uma das fases de evolução da indústria automóvel e balanço do meio século de regresso ao passado, são traçados cenários para o futuro com vista à potencial afirmação de um novo ciclo de desenvolvimento do sector em Portugal. Por fim, fica a mensagem da potencial actuação da indústria automóvel como motor para um novo modelo de desenvolvimento industrial do país assente numa autêntica dinâmica de inovação.

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A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA AUTOMÓVEL EM PORTUGAL - APRENDER COM A HISTÓRIA ... Uma Tentativa de Periodização da História A evolução da indústria automóvel em Portugal pode ser observada à luz do cruzamento de duas variáveis chave – o papel do Estado (política industrial e sectorial nacional) e as estratégias dos construtores (investimento directo estrangeiro) -, tendo como pano de fundo o contexto internacional e nacional, nomeadamente o processo de integração de Portugal na União Europeia (Vale, 1999; Simões, 2001). Neste sentido, considerando o período anterior à década de 60 como uma fase incipiente do desenvolvimento da indústria automóvel em Portugal onde imperava a livre importação de veículos, tendo-se assistido a diversos insucessos associados à fabricação automóvel artesanal (como por exemplo, a FAP – Fábrica de Automóveis Portugueses), podemos propor uma periodização da história marcada por três etapas distintas - Figura 1, a saber: a) a fase das “Unidades de Montagem CKD” (1961-1974/76), caracterizada por uma orientação da política sectorial de substituição de importações, tendo resultado na proliferação de unidades de montagem ineficientes a nível nacional e na inexistência de uma verdadeira indústria de componentes; b) a fase do “Projecto Renault” (1977-1986/88), marcada por uma política sectorial de promoção de exportações que conduziu ao encerramento de inúmeras unidades de montagem a nível nacional e ao desenvolvimento da indústria portuguesa de componentes face ao efeito alavanca do projecto RENAULT; c) a fase do “Projecto AutoEuropa” (1989-2002/04), caracterizada por uma política sectorial de reabertura do mercado e marcada pelo lançamento do projecto AUTOEUROPA, que contribuiu decisivamente para a dinamização do sector de componentes nacional incutindo uma “cultura automóvel” nas empresas.

Figura 1 - Fases de Evolução da Indústria Automóvel em Portugal

Unidades Montagem CKD

Políticas Públicas• Substituição de Importações

Estratégias dos Construtores• Grande número de unidades demontagem ineficientes

Comportamento Fornecedores• Inexistência de uma verdadeira indústria de componentes• Empresas de peças de baixo valor não especializadas no sector• Uso de tecnologias rudimentares• Orientação para mercado interno• Reduzida expressão do investimento directo estrangeiro

Renault

Políticas Públicas• Promoção de Exportações

Estratégias dos Construtores• Predomínio do projecto Renault

Comportamento Fornecedores• Consolidação da indústria de componentes• Empresas especializadas no sector com competências ao nível da qualidade/custo/prazo de entrega• Domínio de tecnologias de processo• Exportação e contacto com a indústria automóvel global• Atracção de investimento directo estrangeiro complementar

AutoEuropa

Políticas Públicas• Reabertura do Mercado

Estratégias dos Construtores• Predomínio do Projecto AutoEuropa

Comportamento Fornecedores• Dinamização da indústria de componentes• Cadeias de fornecimento com empresas nacionais e estrangeiras com capacidades embrionárias de engenharia• Gestão de tecnologia - integração e controlo• Processos de internacionalização induzidos pelos clientes• Período de ouro do investimento directo estrangeiro

Início Anos 80

Início Anos 90

2002/ 2004

Início Anos 60

1961-74/76

1977-86/88

1989-2002/04

Unidades Montagem CKD

Políticas Públicas• Substituição de Importações

Estratégias dos Construtores• Grande número de unidades demontagem ineficientes

Comportamento Fornecedores• Inexistência de uma verdadeira indústria de componentes• Empresas de peças de baixo valor não especializadas no sector• Uso de tecnologias rudimentares• Orientação para mercado interno• Reduzida expressão do investimento directo estrangeiro

Renault

Políticas Públicas• Promoção de Exportações

Estratégias dos Construtores• Predomínio do projecto Renault

Comportamento Fornecedores• Consolidação da indústria de componentes• Empresas especializadas no sector com competências ao nível da qualidade/custo/prazo de entrega• Domínio de tecnologias de processo• Exportação e contacto com a indústria automóvel global• Atracção de investimento directo estrangeiro complementar

AutoEuropa

Políticas Públicas• Reabertura do Mercado

Estratégias dos Construtores• Predomínio do Projecto AutoEuropa

Comportamento Fornecedores• Dinamização da indústria de componentes• Cadeias de fornecimento com empresas nacionais e estrangeiras com capacidades embrionárias de engenharia• Gestão de tecnologia - integração e controlo• Processos de internacionalização induzidos pelos clientes• Período de ouro do investimento directo estrangeiro

Início Anos 80

Início Anos 90

2002/ 2004

Início Anos 60

1961-74/76

1977-86/88

1989-2002/04

Considerando a indústria automóvel como um sistema complexo e global de valor

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onde actuam inúmeros actores numa lógica de rede multifacetada – uma autêntica “rede global de conhecimento” –, cada uma destas etapas históricas irá ser analisada enfatizando as dinâmicas relacionais entre os parceiros que a compõem: Estado (políticas públicas), infra-estruturas e serviços de apoio (papel das infra-estruturas de suporte), OEMs (estratégias dos construtores), fornecedores de componentes (comportamento dos fornecedores), e principais clientes (dimensão do mercado). Esta última vertente será apreendida pela análise do contexto internacional, europeu e nacional efectuada a título de enquadramento de cada fase de periodização da indústria, uma vez que a evolução das economias e os ciclos económicos têm um forte impacto nas vendas de veículos e no comportamento do mercado automóvel. Fase 1961 – 1974/76: Unidades de Montagem CKD Contexto – Da Época de Ouro do Crescimento ao Período de Recessão O período subsequente à 2ª Guerra Mundial e até 1973 é a época de ouro do crescimento económico português, em consonância com os anos de ouro do capitalismo mundial (Mateus, 2001). No entanto, tal evolução processou-se num quadro de restrições e de impasses políticos e económicos – o insucesso da constituição do “mercado único português” e o arrastar da guerra colonial; o aumento dos salários, alimentado pela aceleração da emigração e pela mobilização militar; a lentidão com que se processavam as reformas “urgentes”; os desequilíbrios estruturais decorrentes da quase estagnação do sector agrícola e de uma especialização das exportações assente em ramos tradicionais da indústria; o choque petrolífero de 1973 com o consequente aumento dos preços internacionais das matérias-primas energéticas (Mattoso, 1999). Apesar disso, para além das mudanças que se foram operando no poder político (e que culminaram com a alteração da chefia do governo em 1968), alguns acontecimentos, embora de natureza diferente, permitiram aliviar tensões internas e abrir caminho a um novo processo de abertura da economia portuguesa que viria a ser longo e contraditório mas inexorável – a adesão à EFTA em 1960, o rápido crescimento da emigração, o acordo comercial celebrado com a CEE em 1972 e a liberalização do investimento directo estrangeiro. Em termos de política industrial é a era do planeamento indicativo materializada nos planos de fomento – desde o domínio de uma política clara de substituição de importações e da prioridade do mercado interno prevalecente no II Plano de Fomento (1959-64) até ao carácter prioritário conferido ao sector industrial e à iniciativa privada a par com a necessidade de liberalização do comércio externo e de as empresas enfrentarem a concorrência externa visível no Plano Intercalar (1965-67) e no III Plano de Fomento (1968-1973). O “modelo marcelista” do fomento industrial claramente voltado para o exterior, sob a égide de Rogério Martins, foi passado para letra de lei (Lei do Fomento Industrial – nº 3/72) mas não teve nem tempo nem oportunidade política para se concretizar (Mattoso, 1999). No início da década de 70 prepara-se o IV Plano de Fomento (1974-1979) que apenas teve um ano de execução dado que, em Abril de 1974, se alia a revolução política e social interna à recessão internacional provocada pela primeira crise do petróleo, dirigindo-se o grosso da política económica para a orientação da conjuntura e, em particular, para a obtenção do equilíbrio das contas externas.

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Políticas Públicas – A Substituição de Importações A orientação da política sectorial na indústria automóvel foi marcada, nesta fase, pela substituição das importações. De acordo com o Decreto-Lei nº 44 104/61, regulamentado pelo Decreto-Lei 45 453/63, e o Decreto-Lei 44 778/62 (a denominada “Lei da Montagem”), e sob o impulso do grande defensor das teses de industrialização do pós-guerra – o Ministro da Economia Ferreira Dias, a intervenção do Estado foi caracterizada pela imposição da montagem em Portugal de veículos destinados ao mercado doméstico e pela restrição da importação de veículos CBU (completely built up – veículos completamente construídos) mantendo-se a importação de veículos CKD (completely knock down – kits de veículos por montar) liberalizada. Neste sentido, a partir de 1963, cada fabricante internacional só podia importar 75 veículos de passageiros já construídos por ano, sendo que acima deste limite apenas era permitida a importação de automóveis em CKD por forma a que a taxa de incorporação de trabalho nacional não fosse inferior a 15% do custo da viatura completa. Os veículos comerciais apenas podiam ser importados em CKD com uma taxa de incorporação nacional igual à dos veículos de passageiros, sendo que somente no que concerne aos automóveis especiais era concedida autorização para importação de viaturas montadas. Neste contexto, não se encontrava previsto qualquer programa específico de incorporação obrigatória de peças e componentes de produção nacional, tendo sido criado um mecanismo de incentivo indirecto ao desenvolvimento das indústrias subsidiárias baseado em isenções de direitos aduaneiros de acordo com o nível de incorporação nacional (Guerra, 1990). Tais descontos assumiam a forma de subsídios directos às empresas de montagem, não influenciando o preço de mercado dos veículos. Este quadro legal, que se traduziu na primeira legislação sectorial na indústria automóvel em Portugal, manteve-se praticamente inalterado até 1972, tendo apenas sido introduzidas duas alterações pontuais (Guerra, 1990): a autorização de importações suplementares (75 unidades por marca) de veículos CBU provenientes de países membros da EFTA em 1968; e o aumento da taxa de incorporação nacional obrigatória para 25% do valor do veículo a partir de 1969. Com a publicação do Decreto-Lei nº 152/72 regulamentado pelo Decreto-Lei nº 602/72, promovido por Rogério Martins, surge um novo enquadramento legal para o sector devido à ineficácia produtiva das linhas de montagem e aos compromissos internacionais que entretanto o governo tencionava cumprir (Vale, 1999). No entanto, a segunda legislação sectorial assume-se como uma “solução de renovação na continuidade” (Guerra, 1990). De facto, pode-se afirmar que a “Lei da Montagem” marcou a política sectorial dos anos sessenta e setenta (Simões, 2001). As alterações verificadas em relação ao quadro legislativo anterior são diversas mas induzem a permanência de um modelo de industrialização de incorporação na montagem. A importação de veículos de passageiros montados no país passa a não poder exceder 2% dos veículos da mesma marca montados no ano transacto, sendo que para as marcas não montadas em território nacional são autorizadas importações de 15 unidades (permanecendo a importação de veículos comerciais proibida, com excepção dos veículos especiais não disponíveis no país). Foram fixadas percentagens mínimas obrigatórias de incorporação de componentes

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nacionais nos veículos desmontados importados, os quais beneficiavam de reduções aduaneiras proporcionais a essas percentagens, que poderiam ir até ao regime livre para os industriais que, em relação a todas as marcas importadas, durante dois anos consecutivos, incorporassem mais de 60% de componentes nacionais (Schmidt e Almeida, 1987). As taxas de incorporação nacional passaram a ser calculadas exclusivamente com base no valor das peças e componentes adquiridos à indústria nacional, excluindo tintas e outros materiais secundários (Guerra, 1990). Para os veículos de passageiros e comerciais, as taxas mínimas exigidas até 1979 eram de 25% e 20%, respectivamente. A importação de veículos CKD passou apenas a ser possível para os industriais de montagem, tendo-se assim eliminado a figura dos importadores não montadores (Vale, 1999). Por forma a compatibilizar a política para o sector automóvel com o acordo comercial assinado entre as autoridades portuguesas e as instâncias comunitárias em 1972, o governo negociou o protocolo nº 6 com a CE que definia um regime especial para a indústria de montagem e para as importações de automóveis em Portugal. Assim, deveriam cessar em 1979 as restrições quantitativas às importações de veículos originários do mercado comum, sendo que no que respeita à indústria de componentes cessaria, em princípio, a obrigatoriedade da sua incorporação nos veículos montados internamente (Schmidt e Almeida, 1987). De notar que, em finais de 1971, Rogério Martins havia conduzido uma tentativa, infelizmente falhada, da produção de uma nova viatura em Portugal – o Alfasud (o “Alfa Romeo do Sul”). A ideia era a instalação, em Sines, de uma fábrica integrada – motores, caixas de velocidade e carroçarias – de veículos de passageiros com capacidade para 60.000 unidades/ano. O governo abraçou a ideia proposta pela Alfa Romeo com entusiasmo, tendo sido constituída uma equipa multidisciplinar com o objectivo de proceder ao levantamento das capacidades nacionais de fornecimento de componentes fundamentais ao nível do estilo de organização e gestão, tecnologia, equipamentos e qualidade. De acordo com Palma Féria (1999), a rejeição do projecto por parte das autoridades portuguesas derivou do facto da “generalidade das empresas com experiência de componentes dirigidos ao Segundo Mercado, ou com aptidão para orientar o seu produto para esse segmento, mesmo que apresentassem massa crítica, desconheciam quase totalmente as exigências formais de qualidade, impedindo à saciedade qualquer hipótese de certificação pela marca italiana”. A decisão final negativa foi tomada em 1974 (Schmidt e Almeida, 1987), tendo o clima de incerteza social e política de então inviabilizado a sua concretização. A política industrial para o sector automóvel durante este período foi fortemente condicionada pelos interesses comerciais instituídos, materializados nos GIAVAAS – “Grémios dos Importadores, Agentes e Vendedores de Automóveis e Acessórios” que apoiaram sempre a liberdade de importações. Em 1967 é institucionalizado o GNIMFVA – “Grémio Nacional de Industriais de Montagem e Fabricação de Veículos Automóveis” que, em aliança com o GIAVAAS, estava fortemente associado a grandes grupos financeiros onde se encaixavam vários importadores. Assim, conforme afirma Guerra (1990), “durante mais de quinze anos, os interesses comerciais ditaram a sua vontade, impondo uma lei quadro que não excluísse ninguém à partida (...) até meados da década de 70, adiaram a implementação de medidas que já em fins dos anos 60 pareciam inevitáveis”. A recessão externa associada à primeira crise do petróleo e a revolução política e social interna derivada da Revolução do 25 de Abril de 1974 não legitimaram nem

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a nova política sectorial nem o novo enquadramento legal para o sector automóvel. Durante o período, legislou-se de forma avulsa, apesar de se terem lançado as bases das mudanças substanciais que vieram a traduzir-se na terceira lei quadro do sector, já na segunda fase de evolução histórica do sector automóvel em Portugal. Estratégias dos Construtores – Proliferação de Unidades de Montagem Como resultado desta política, e perante a impossibilidade de importarem livremente para o mercado português, assistiu-se à proliferação de unidades de montagem a nível nacional através de operações de investimento directo estrangeiro ou de contratos de licença. A maioria dos construtores concedeu licenças de montagem aos importadores ou a outras empresas, embora tenham iniciado produção em território nacional seis subsidiárias de multinacionais do sector automóvel – Ford, GM, Fiat, Renault, Citroen e BMC -, sendo que apenas a Citroen e a BMC não eram controladas maioritariamente por capitais estrangeiros. Assim, enquanto em 1962 existiam apenas 2 montadores a nível nacional; em finais de 1964, 17 empresas encontravam-se em actividade e produziam 21.928 unidades; em 1970 operavam em Portugal 18 unidades responsáveis pela montagem de 73.180 unidades; culminando em 1974 com a presença de 21 montadoras às quais correspondia a produção de 101.406 veículos - Gráfico 1. A recessão externa e a crise política e social interna induziram uma quebra na produção de veículos que atingiu 89.122 unidades em 1976, montadas por 20 fábricas em actividade. No período, será de destacar o encerramento da C. Imp. de Automóveis (<1975) e da FAP (1976) que montavam veículos comerciais de marca europeia sob licença, face às dificuldades económicas atravessadas pelas referidas empresas (Vale, 1999).

Gráfico 1– Produção de Veículos/Unidades de Montagem: 1961 – 1976

0

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1976Anos

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ero

de V

eícu

los

Produção

2 2 6 17 17 18 19 19 19 18 19 20 19 21 21 20Unidades de Montagem

Fonte: AIMA (2002)

A fabricação de veículos automóveis em Portugal destinou-se sobretudo ao mercado doméstico, pelo menos até finais da década de setenta no segmento de

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ligeiros de passageiros e até mais tarde, quase até finais da década de oitenta, nos comerciais (Vale, 1999). As unidades de montagem, dominadas por estratégias eminentemente comerciais, montavam uma grande diversidade de marcas e modelos e eram caracterizadas pela produção de pequenas séries, intermitentes e ineficientes do ponto de vista económico face à dificuldade na obtenção de economias de escala. Comportamento dos Fornecedores – Inexistência de uma Verdadeira Indústria de Componentes A falta de aprofundamento do conceito de melhoria da cadeia de valor local por parte dos construtores – com as excepções da GM/Opel e, em certa medida, também da Ford e da Citroen -(Féria, 1999), resultou na inexistência de uma verdadeira indústria de componentes. Este contexto foi agravado pela ausência de mecanismos directos de apoio à promoção da indústria de componentes, nomeadamente com a não coercividade do enquadramento legal em matéria de incorporação nacional crescente de peças e componentes – por exemplo, a computação dos custos directos no apuramento dos valores da incorporação nacional conduzia a que situações de ineficiência, como o não aproveitamento da capacidade de produção, a fraca produtividade do trabalho e dos equipamentos e os desperdícios de material, inibissem a procura de peças e componentes na indústria nacional (Guerra, 1990). Além do mais, a própria legislação não permitia que as empresas de montagem produzissem componentes, impondo-lhes independência em relação às indústrias subsidiárias fornecedoras (Schimdt e Almeida, 1987). De acordo com Guterres (1996), nos finais dos anos 70, para as linhas de montagem existentes, operavam em Portugal 170 fabricantes de componentes e acessórios, que empregavam cerca de 15.000 trabalhadores. Grande parte destas empresas não orientavam a sua actividade exclusivamente para o sector automóvel, mas complementavam a produção de peças e componentes com o desenvolvimento de negócios paralelos. Existiam, assim, diversas empresas artesanais ineficientes, com baixos níveis de qualidade e reduzidas competências e capacidades tecnológicas, comerciais e organizacionais, orientadas exclusivamente para o mercado interno. Podemos destacar o fabrico de peças de tecnologia tradicional – peças metálicas, baterias, vidros, pneus, estofos e outras peças não metálicas – gerando um valor acrescentado muito baixo. De facto, a multiplicidade de unidades de montagem dirigidas a um mercado estreito e protegido e a diversidade de marcas e modelos montados conduziam a produções em pequenas séries e intermitentes que inibiam o investimento e a especialização das indústrias complementares. Neste sentido, as tecnologias prevalecentes nas empresas de componentes assumiam características rudimentares com ênfase em processos simples de maquinagem não especializados. Será, no entanto, de destacar um conjunto de empresas fundadas neste período e que se vieram a especializar no sector automóvel, assumindo actualmente um papel de destaque no panorama da indústria nacional, sendo de referir a título de exemplo: SUNVIAUTO – Indústria de Componentes de Automóveis, S.A.; Indústrias Metálicas VENEPORTE, S.A.; GAMETAL – Metalúrgica da Gandarinha, Lda; Manuel da Conceição Graça, Lda (criada em 1950 e direccionada para o sector automóvel na primeira metade da década de 60) - Quadro 1.

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Quadro 1 - Empresa Típica Fundada no Período 1961-1974/76

Empresa Tecnologias Produtos

Manuel da Conceição Graça, Lda.

Estampagem, soldadura, tratamento de superfície,

desenvolvimento e produção de ferramentas

Peças estampadas, peças estampadas e embutidas, abraçadeiras, apoios de

motor, ferramentas, ganchos de reboque, painéis interiores, pavimentos,

protecções laterais, suportes de motor, tampas para auto-rádios, tampas para

caixas de velocidades, tejadilhos Fonte: INTELI (2000) O investimento estrangeiro na indústria de componentes também não teve grande expressão até 1979, sendo de relevar a ausência de empresas de capital estrangeiro na produção de peças para automóveis – são apenas de referir, como exemplos, os casos da Mabor, Firestone, Indelma, Impormol, Rol, Preh e Fico Cables. Fase 1977 – 1986/88: Projecto Renault Contexto – Da Revolução de 1974 à Adesão à Europa As perturbações sociais e políticas associadas à Revolução do 25 de Abril de 1974 (que resultou, mais tarde, na instauração da democracia e das liberdades fundamentais), bem como os fortes desequilíbrios macroeconómicos derivados dos dois choques do petróleo, conduziram a um recuo no processo de convergência de Portugal com a Europa – entre 1975 e 1984 o fosso face à União Europeia alarga-se em cerca de cinco pontos percentuais (Mateus, 2001). Em menos de uma década, dois ciclos económicos repetem-se, quase a papel químico: a inflação provoca o défice da balança de transacções correntes; o défice exige a desvalorização; a desvalorização impõe a quebra do consumo (Mattoso, 2001). Às crises de 1975-79 e 1982-84 responde-se com dois programas de estabilização com o apoio do FMI que materializam uma política económica dirigida para a conjuntura e orientada para o restabelecimento dos equilíbrios externos. Após a revolução, ocorreram profundas alterações institucionais na economia portuguesa, sendo uma das mais relevantes a alteração dos direitos de propriedade com a política de nacionalizações e a expansão do sector público. No plano das relações económicas internacionais, Portugal pede adesão à CE em Março de 1977, sendo que apenas em 1 de Janeiro de 1986 se viria a tornar membro efectivo da Comunidade. A integração do nosso país na CE apenas precedeu em um ano a entrada em vigor do Acto Único Europeu (1987), que lançou o programa do Mercado Único (1992), cujo objectivo fundamental era a eliminação das barreiras não tarifárias à livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas na Comunidade. Assim, “ao aderir a uma CE em mutação e ao ter assinado o Acto Único, o Estado português consumou uma opção política e económica de fundo” (Mattoso, 2001).

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Políticas Públicas – Promoção das Exportações A orientação da política sectorial na indústria automóvel foi marcada, nesta fase, pela promoção das exportações. Os primeiros indícios deste enquadramento são traçados a título transitório e excepcional em diversa legislação avulsa, como o Decreto-Lei nº 533/74 que limitou o acesso à indústria de montagem, passando a instalação de qualquer unidade montadora a estar sujeita a concurso excepto nos casos em que o Estado detivesse a maioria do capital (Schmidt e Almeida, 1987) e, principalmente, a Portaria nº 73/77 que estipulou a contingentação de veículos CKD com peso inferior a 2000 kg. Os contingentes globalmente fixados em moeda nacional e repartidos pelas marcas em função das vendas anteriores, podiam ser acrescidos em montante igual ao VAN das exportações de componentes (Guerra, 1990). A Portaria nº 446/77 alargou a gama de exportáveis a CKD e CBU e a Portaria nº 670/77 refere que os contingentes adicionais de CKD podiam ser obtidos com exportações de produtos fabricados na unidade de montagem ou em unidade fabril que resulte da sua reconversão; de produtos de outras indústrias nacionais destinadas aos construtores/exportadores das marcas de veículos contingentados para utilização nas respectivas fábricas; de acessórios para veículos automóveis produzidos por indústrias nacionais destinados a ser utilizados no fabrico ou comercializados pelos construtores/exportadores das respectivas marcas de veículos contingentados. O alcance das portarias anteriores foi reforçado com a publicação da Portaria nº 662/77 que condicionava a utilização de 20% dos contingentes de CKD estabelecidos a igual montante de exportações em VAN e que autorizava contingentes adicionais por conversão em CKD dos CBU importáveis ao abrigo do protocolo nº 6 ou como contrapartida de investimentos significativos no sector automóvel e da Portaria nº 712/78 que aumentou para 30% a utilização condicionada de contingentes de CKD (Guerra, 1990). Um maior intervencionismo do Estado na economia e no sector conduziu à criação do Gabinete de Estudos para o Sector Automóvel (1974) e de uma Comissão para o Sector Automóvel (1976). É no final de 1977, no seio deste movimento de reestruturação da indústria automóvel nacional, que as autoridades portuguesas dirigiram convite expresso a vários construtores europeus e internacionais para se instalarem em Portugal, tendo integrado a short list de concorrentes a RENAULT e a CITROEN. A aprovação do projecto RENAULT conduziu, em Fevereiro de 1980, ao estabelecimento de escritura pública de acordo quanto ao investimento estrangeiro da Régie Nationale des Usines Renault. A preterição do projecto CITROEN deve entender-se como eminentemente política e terá ficado a dever-se, segundo Palma Féria (1999), a um maior dinamismo e entusiasmo do Grupo de Trabalho português que orientou a RNUR, apesar da assunção de que a RENAULT oferecia uma massa crítica bastante superior em dimensão ao grupo PSA. Para Schmidt e Almeida (1987), a proposta da CITROEN foi excluída sobretudo por a incorporação de componentes nacionais ser muito reduzida. Imediatamente antes do projecto RENAULT arrancar, o governo publicou uma nova lei quadro do sector automóvel – Decreto-Lei nº 351/79 – que veio transpor para letra de lei o que anteriormente foi fixado nas portarias a título transitório e excepcional. Na sua essência, mantinham-se as restrições à importação de veículos CBU e estabeleceu-se a contingentação de veículos CKD com percentagem mínima de incorporação nacional. Assim, os veículos desmontados foram também sujeitos a contingentes a ratear entre as marcas

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proporcionalmente ao valor das importações a que cada uma tinha direito no ano anterior. No entanto, eram concedidos contingentes adicionais como contrapartida da exportação de veículos montados ou de componentes produzidos em Portugal e de investimentos na indústria automóvel com incidência no sector de componentes, criação de postos de trabalho e desenvolvimento tecnológico. Os veículos montados em Portugal e destinados ao mercado interno ficavam sujeitos a uma percentagem mínima de incorporação nacional que era de 20% para os de peso bruto superior a 2000 kg e para os restantes decrescia anualmente, desde o nível de 22% em 1980 até 5% em 1985; no entanto, essa percentagem podia também ser substituída por exportações que incorporassem VAN de igual montante (Schmidt e Almeida, 1987). Além do mais, eram ainda estabelecidos incentivos para a reconversão industrial das linhas de montagem face à consciência da falta de condições de sobrevivência das unidades de produção em actividade – aos industriais de montagem de veículos com peso bruto inferior a 2000 kg que procedessem à reconversão das suas linhas de montagem, poderia ser concedida autorização para converter os contingentes de importação de veículos desmontados em contingentes de veículos montados (Schmidt e Almeida, 1987). Mais tarde, o Decreto-Lei nº 487/82 colocou na mira das reconversões também as unidades de montagem de veículos comerciais. Após conversações com as autoridades comunitárias no quadro mais vasto das negociações para a integração formal de Portugal na CEE, o fim da protecção foi protelada e é negociado um novo protocolo até 31/12/1984 que vem basicamente ratificar os princípios e mecanismos subjacentes à nova lei quadro. Ainda em 1979, o Board Europeu da Ford Motor Co. analisou a hipótese de desenvolvimento de um novo projecto na Península Ibérica, tendo o site selection team visitado Portugal que propôs a região de Sines como localização preferencial. A decisão final negativa relativa a este projecto, que previa a instalação de uma unidade fabril com capacidade para produzir 220 mil viaturas/ano, só viria a ocorrer em 1982 face às perspectivas menos favoráveis de expansão do mercado automóvel europeu, sendo que o construtor optou por implantar a unidade projectada no México (Schmidt e Almeida, 1987). De acordo com Palma Féria (1999), para esta opção contribuíram outros factores como a fraca atractividade da região de Sines como localização do investimento, o êxito de mercado do Fiesta e o abandono do projecto “Extra” pela Ford. A institucionalização corporativa dos fabricantes de componentes foi mais difícil e teve menos força institucional que a dos industriais de montagem e dos grandes comerciais do sector automóvel. Assim, após organização na 78ª secção da AIP desde 1966, e sob o impulso do projecto RENAULT, cria-se a AFIA – Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, já em 1979. A lei quadro cessou a sua vigência em 1984, data em que foi promulgado o Decreto-Lei nº 405/84 que visava regular a indústria automóvel até à adesão definitiva de Portugal à CEE, protelando-se mais uma vez o fim do proteccionismo até Dezembro de 1987. Este enquadramento legal vem acarretar as seguintes alterações fundamentais: fim da figura jurídica do “industrial de montagem”, que obrigava o importador a deter pelo menos 10% do capital da linha de montagem onde fabricava os veículos para o mercado doméstico; os contingentes de importação de veículos construídos podiam ser satisfeitos nas formas CBU e CKD; contingentes adicionais funcionariam como uma contrapartida das exportações efectuadas pelas empresas do sector e não dos investimentos realizados na indústria de componentes (Vale, 1999). Foram também, e neste

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sentido, assinados com a Comunidade Europeia mais dois protocolos, nº 18 e nº 23, respeitantes respectivamente ao regime de liberalização progressiva até 1987 das importações de automóveis originárias de outros estados membros e ao regime de importações de automóveis provenientes de países terceiros. Apesar dos contingentes base terem aumentado progressivamente a partir de 1986, apenas em 1988 ocorre a liberalização completa do mercado automóvel. Estratégias dos Construtores – A Alavanca do Projecto RENAULT Um dos objectivos da política de promoção das exportações foi a reconversão das linhas de montagem ineficientes, tendo-se assistido a uma diminuição do número (ou redimensionamento) das unidades de produção instaladas em território nacional e a um decréscimo da quantidade de marcas e modelos fabricados em Portugal. De acordo com Guerra (1990), a probabilidade de encerramento das linhas de montagem foi maior para as unidades licenciadas do que para as filiais de multinacionais e para as empresas que produziam automóveis de passageiros do que para as que produziam veículos comerciais. Assim, enquanto em 1979 e 1982 operavam em Portugal 19 linhas de montagem, este número decresceu para 16 em 1984, para 13 em 1986, tendo-se atingido no ano de 1988 12 unidades de produção a nível nacional. De 1979 a 1988 encerraram ou reconverteram as suas linhas de produção 10 empresas de montagem. A C. P. de Motores e Camiões (1979), Garrido e Filho (1983), Imperex (1983), IMA (1984), Comotor (1984) e Monvia (1984) deixaram de montar veículos até meados da década de 80 face à exiguidade do mercado nacional num contexto de reabertura anunciada para as marcas produzidas no espaço económico europeu; enquanto que a Somave (1986), Entreposto (1986), Proval (1987) e UTIC (1988) abandonaram a actividade até 1988. Enquanto os casos da Somave e da Proval se relacionam com opções estratégicas dos construtores estrangeiros Fiat e DAF, respectivamente, a UTIC e o Entreposto (que não produziu em 1980 e 1981) representam a falência da estratégia de fabricação nacional de veículos para nichos de mercado (Vale, 1999). A reorientação da política conduziu também ao reforço da implantação de algumas empresas, nomeadamente da GM (fundada em 1963), que optou pela estratégia de exportação de componentes, sobretudo para as suas empresas de maior dimensão em Espanha, como forma de aumentar a sua quota de mercado nacional através da importação de veículos CBU e elevando o valor acrescentado via um melhor relacionamento com os fornecedores portugueses. Foi porém o projecto RENAULT que marcou a diferença permitindo criar, pela primeira vez em Portugal, um complexo automóvel com uma lógica minimamente coerente e determinante para a modernização da indústria portuguesa (Simões, 2001). O projecto integrou a instalação de uma unidade industrial de montagem de automóveis em Setúbal com a capacidade de produção na ordem dos 80.000 veículos/ano e com um nível de incorporação nacional entre 50% e 60%; a criação de uma fábrica de orgãos mecânicos em Cacia com uma capacidade de produção de 80.000 caixas de velocidade/ano e 220.000 motores/ano, prevendo-se um nível de incorporação nacional de 60% e 80%, respectivamente, e uma forte orientação exportadora; e a reestruturação da unidade industrial da Guarda. O governo português oferecia à Renault um mercado protegido com uma quota reservada à empresa na ordem dos 35%, ao mesmo tempo que garantia financiamentos consideráveis ao projecto cujo investimento total perfazia os 23

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milhões de contos. O acordo definia um financiamento externo na ordem dos 85% do valor importado dos novos bens de equipamento até ao limite máximo de 9 milhões de contos, sendo que o financiamento interno, garantido pelo Estado, e até ao limite máximo de 4,5 milhões de contos, cobria até 15% do valor dos novos equipamentos importados, 100% do investimento local e das necessidades de fundo de maneio (Vale, 1999). A Renault Portuguesa iniciou a produção do modelo R5 em Setúbal em 1980, sendo que em 1981 tem início a produção de componentes automóveis em Cacia. Procederam-se também a algumas alterações na fábrica da Guarda, que veio a ser posteriormente vendida pela Renault. A construção de uma unidade de fundição nunca esteve verdadeiramente nos planos da empresa, já que estava prevista a obtenção de uma posição na Eurofer, facto que nunca se chegou a concretizar. Assim, o construtor francês optou por construir uma fundição nas instalações de Cacia – a Funfrap – Fundição Portuguesa, participada por capital da Régie Renault, IPE e investidores ligados à banca e seguros – que iniciou a sua actividade em 1985 com a fabricação de peças fundidas para motores. Em 1980, a fábrica da Renault em Setúbal produz 3.006 veículos, valor que aumenta para 27.895 em 1981, 28.123 em 1985 e 44.475 unidades em 1988. Ao nível de componentes, em 1981 poderemos destacar a produção de 6.699 caixas de velocidade, valor que aumenta para 53.525 em 1982 e a que se vêm juntar 47.787 motores; o ano de 1988 é atingido com a produção de 82.695 caixas de velocidade e 226.885 motores (Guterres, 1996). Perante este panorama de montagem em Portugal, após uma redução inicial do número de veículos produzidos - que atingiu em 1979 75.675 unidades face à crise económica atravessada pela economia portuguesa - e com o início do funcionamento da linha de montagem da Renault, o número de automóveis fabricados a nível nacional voltou a crescer (atingindo em 1982 118.958 unidades), todavia moderadamente sobretudo porque algumas das unidades fabris encerraram ou reconverteram a sua produção. No entanto, de 1982 a 1986 a produção voltou a diminuir para 96.006 unidades, quer devido ao encerramento de algumas linhas de montagem quer às condições económicas difíceis atravessadas pelas empresas portuguesas. Assim, as adversidades económicas, nacionais e internacionais, limitaram o desenvolvimento da indústria automóvel na primeira metade da década de 80, mesmo com o avanço do projecto RENAULT (Vale, 1999). De 1986 a 1988, assistimos novamente a uma recuperação da produção de veículos que atinge no último ano 136.524 unidades, com uma tendência para o aumento da componente de exportação sobre o mercado interno.

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Gráfico 2 - Produção de Veículos/Unidades de Montagem: 1977 – 1988

010.00020.00030.00040.00050.00060.00070.00080.00090.000

100.000110.000120.000130.000140.000

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988Anos

Núm

ero

de V

eícu

los

Produção

Exportação

Merc. Interno

19 20 19 19 18 19 19 16 14 13 12 12Unidades de Montagem

Fonte: AIMA (2002)

Comportamento dos Fornecedores – Consolidação da Indústria de Componentes Outro dos objectivos fundamentais da política de promoção das exportações foi a dinamização e o investimento na indústria de peças e componentes. Segundo Schimdt e Almeida (1987), seria precisamente a possibilidade de exportações compensatórias de componentes que dinamizaria a indústria nacional, registando-se um aumento do emprego e do número de estabelecimentos. Esta opinião é corroborada por Guterres (1996), que afirma que esta lei quadro se revelou fundamental para a criação de um tecido de fornecedores da indústria automóvel. Além do mais, segundo advogam outros autores, só com o projecto Renault se iniciou, verdadeiramente, o desenvolvimento da indústria de componentes em Portugal, devido aos níveis mais elevados de incorporação nacional na fabricação de veículos e ao estabelecimento de algumas empresas associadas ao construtor francês (Vale, 1999). Mesmo os mais críticos destacam os efeitos positivos do projecto no desenvolvimento da indústria portuguesa de componentes – através da certificação de fornecedores, homologação de produtos e introdução de modernos processos de gestão de produção; da qualificação de recursos humanos; da dinamização de processos de aprendizagem tecnológicos, organizacionais e comerciais; da endogeneização das regras de funcionamento da indústria automóvel; da indução de movimentos de exportação e de contacto com a indústria automóvel global e do fomento da fixação de investimento directo estrangeiro complementar em Portugal. Conforme afirma Palma Féria (1999), “o sucesso reconhecido do passo seguinte neste domínio – o projecto Ford-Volkswagen – não pareceria possível se não tivesse sido antecedido por esse objectivo sucesso”. Como resultado, esta indústria de componentes evoluiu de forma positiva ao longo do período com um aumento do volume de facturação de 84 milhões de Euro em 1980 para 673 milhões de Euro em 1988, representando um acréscimo

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das exportações de 12 milhões de Euro para 399 milhões de Euro ao longo do mesmo período que, a partir de meados de 1986, ultrapassaram o mercado interno como destino dos componentes produzidos em Portugal - Gráfico 3. De relevar apenas o impacto negativo da crise económica de 1982 que conduziu a uma recessão na indústria automóvel e a uma perda de mercado de alguns fabricantes de componentes e, consequentemente, de facturação.

Gráfico 3 - Facturação do Sector de Componentes: 1980 – 1988

050

100150200250300350400450500550600650700

Milh

ões

de E

uros

FacturaçãoExportaçãoMerc. Interno

Facturação 84 124 138 158 183 223 424 499 673

Exportação 12 15 19 43 68 105 224 275 399

Merc. Interno 72 109 119 115 115 118 200 224 274

1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988

Fonte: AFIA (2002)

A indústria automóvel passa, assim, a ser integrada por um conjunto consolidado de empresas fornecedoras de componentes, face ao abandono do sector de empresas que fabricavam componentes como complemento da sua actividade principal, à modernização de empresas que apostavam já no sector e à instalação de novas unidades industriais. As preocupações com a qualidade, custos e prazos de entrega, características da “cultura automóvel”, começam a inundar o sector de componentes a nível nacional. Os produtos fabricados por estas empresas diversificam-se e ganham maior complexidade relativa – metais e ligas metálicas, estofos, pneus e câmaras de ar, radiadores, baterias, molas de suspensão, condutores eléctricos, caixas de velocidade, motores eléctricos e de propulsão. Para a sua produção, são utilizadas não apenas tecnologias rudimentares, mas assistimos ao desenvolvimento cumulativo do conhecimento associado a uma maior diversidade de tecnologias de processo – estampagem, injecção de plásticos, revestimentos, soldadura, etc. – que sofrem um processo de especialização e adaptação às exigências do sector automóvel. Estas empresas deixam de produzir apenas para o mercado interno e têm o primeiro contacto com a indústria automóvel global através de processos de exportação, que como vimos se vêm gradualmente a intensificar ao longo do período passando de meras iniciativas experimentais para acções regulares. As grandes empresas de referência da indústria automóvel nacional a operar actualmente em Portugal datam deste período da história do sector, nomeadamente na área dos moldes e injecção de plásticos, sendo de destacar a título de exemplo a SIMOLDES Plásticos, Lda, fundada em 1980 (Quadro 2).

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Quadro 2 - Empresa Típica Fundada no Período 1977-1986/88

Empresa Tecnologias Produtos

Simoldes Plásticos, Lda

Injecção de plásticos, corte laser, soldadura de materiais

plásticos, impressão em plástico, pintura, injecção

plástico-tecido

Componentes e módulos em plástico, componentes para assentos, painéis de porta,

revestimentos interiores, peças exteriores, painéis de instrumentos

Fonte: INTELI (2000) A partir de 1979 assiste-se a um aumento significativo da presença de empresas de capital estrangeiro no sector de componentes de automóvel em Portugal – trataram-se de investimentos induzidos pelos construtores, nomeadamente a Renault, que arrastaram consigo as empresas fornecedoras ou subcontratadas dos países de origem ou de outros países onde estão implantadas - Quadro 3. De acordo com Guerra (1990), as características comuns destes investimentos podem ser apontadas da seguinte forma: parte significativa das produções destinam-se ao mercado externo; o VAN das mesmas é relativamente elevado; de uma maneira geral, os investimentos beneficiaram de incentivos reconhecidos nos contratos como determinantes muito importantes para a sua realização – incentivos fiscais, financeiros, subsídios para criação/manutenção de emprego, importação de contingentes CKD/CBU previstos nas leis quadro do sector e adicionais no caso de exportações; acesso ao crédito interno de curto, médio e longo prazo para financiamento.

Quadro 3 - Investimentos Estrangeiros no Sector de Componentes Associados ao Projecto Renault

Principal Grupo

Investidor

DBA Portuguesa, Lda (1) Bendix França Travões1981 Tecidos, tapetes e

insonorizadores1982 Electricfil Portuguesa, Lda Electricfil França Cablagens

Jaeger Portuguesa, Lda n.d. França Painéis de instrumentos

1980 Apoios motor, calçospara travões

1981 Cablesa (3) GM EUA Cablagens1989 Ford Electronics (4) Ford EUA Sistemas audio, alarmes1989 Delco Remi (5) GM EUA Sistemas de ignição

1979 Suportes de motor, peças estampadas

1982 Kromberg & Schubert, Lda K&S Alemanha Cablagens1983 Solex Portuguesa, Lda Solex França Sist. alimentação motor

Assentos e partes de1986 assentos

Yazaki Saltano Yazaki Japão Cablagens1988 United Techn. Automotive Portugal (6) United Technologies EUA Cablagens

Continental Mabor Continental Alemanha Pneus1990 Cofap Europa, Lda (7) Cofap Brasil Segmentos para pistão

Ano Empresa Origem Actividade

(A) Associados ao Projecto Renault

(B) Divisões de Construtores

(C) Independentes

Trecar - Tecidos e Revestimentos, Lda Trety Espanha

Inlan - Ind. Componentes Mecânicos (2) GM EUA

Gametal - Metal. Gandarinha, Lda Bertrand Faure França

Bertrand Faure Portugal Bertrand Faure França

Notas: (1) Mudou a designação para Robert Bosh Travões, Lda

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(2) Mudou a designação para Delphi-Interior & Lighting Systems (3) Mudou a designação para Delphi Packard Portugal, após fusão com a Reicab, Lda (4) Mudou a designação para Visteon Portugal (5) Mudou a designação para Delphi - Sistemas de Energia e Controlo de Motor, S.A. (6) Adquirida entretanto pela Lear Corporation (7) Mudou a designação para Mahle, após a aquisição da Confap pelo Grupo Magnetti Marelli Fonte: Simões, V. C. (2001), Papel do Investimento Directo Estrangeiro na Modernização da Indústria de Componentes para Automóvel em Portugal: Rede de Relações e Processos de Aprendizagem, CEDE No final dos anos 80, Portugal tinha um tecido de fornecedores competitivo, apesar de apresentar como principal vantagem o baixo custo de mão-de-obra, competente ao nível dos processos produtivos, mas algo estagnado face às já evidentes dificuldades da fábrica da Renault em Setúbal. Fase 1989 – 2002/04: Projecto AutoEuropa Contexto – A Convergência Nominal e Real com a União Europeia Após a entrada de Portugal na Comunidade Europeia e a assinatura do Acto Único Europeu com o lançamento do Mercado Único, intensifica-se o processo de abertura da economia portuguesa e a trajectória de convergência com os países mais avançados da Europa. Apenas para citar alguns números, o grau de abertura da economia subiu de 29% em 1985 para 44% em 1991, sendo que o gap de convergência – diferença entre o PIB per capita de Portugal e da média da UE - se reduziu em cerca de 20 pontos percentuais entre 1984 e 1995, ritmo sem precedentes na história económica portuguesa (Mateus, 2001). No âmbito das políticas de coesão da União Europeia, Portugal é receptor de montantes elevados de transferências comunitárias, a título de fundos estruturais, no seio dos Quadros Comunitários de Apoio elaborados pelo nosso país e aprovados pela CE – I QCA (1989-1993), II QCA (1994-1999) e III QCA (2000-2006), actualmente em curso. É no seio destes quadros comunitários que se integram os instrumentos de política industrial por excelência, deste período: o PEDIP I – “Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa”, o PEDIP II – “Programa Estratégico de Dinamização e Modernização da Indústria Portuguesa” e o actual POE – “Programa Operacional de Economia” (em reestruturação e em alteração de designação para PRIME). Em simultâneo com a maior abertura da economia ao exterior, ocorre também uma maior sincronia entre o ciclo económico de Portugal e o da União Europeia. Neste sentido, a economia portuguesa sofre em 1993 um choque externo com alguma gravidade induzido pela recessão europeia, com a queda da procura externa dirigida a Portugal de cerca de 10% (Mateus, 2001). Com a aprovação de Portugal como um dos países que respeitavam os critérios de Maastricht em Maio de 1998, a economia portuguesa dá mais um passo no processo de integração europeia em direcção à União Económica e Monetária. Em Janeiro de 1999 o Euro entra em existência, o que culminou com a introdução de notas e moedas em circulação no início de 2002. Políticas Públicas – Reabertura do Mercado A orientação da política sectorial na indústria automóvel foi marcada, nesta fase, pela reabertura do mercado. De facto, após um período de cerca de 25 anos de

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vigência de barreiras alfandegárias, a liberalização completa do mercado ocorre em 1988 com a revogação do Decreto-Lei nº 405/84 e com o termo da vigência dos protocolos nº 18 e 23, em simultâneo com a emergência do novo quadro jurídico ditado pela Portaria 971-A/87. A importação de veículos provenientes da CEE, EFTA e países preferenciais (Jugoslávia, Chipre, Malta e países signatários da Convenção de Lomé) foi liberalizada e levantaram-se fortes restrições à importação de veículos CBU de outros países como o Japão, Coreia do Sul, EUA e Brasil, apesar de se estabelecer liberdade absoluta para a importação de veículos CKD originários desses países. A intervenção do Estado através da política industrial, actuando de forma complementar e não como substituta dos mecanismos de mercado, incidiu na atracção de investimento directo estrangeiro e no incremento do desenvolvimento tecnológico e da inovação, utilizando como instrumentos a atribuição de subsídios directos e a concessão de benesses fiscais. Neste âmbito, desempenharam um papel de relevo os programas PEDIP e PEDIP II (e actualmente o POE) que concederam incentivos às empresas nas vertentes de tecnologia, inovação, qualidade, formação, gestão, marketing, entre outras. De referir que, a título de exemplo, no âmbito do PEDIP I, as empresas de componentes investiram um pouco mais de 68 milhões de contos entre 1989 e 1992, sendo de assinalar uma forte representatividade do sub-programa 3.1 – SINPEDIP (Sistema de Incentivos do PEDIP) e, em particular, na vertente de inovação e modernização (Vale, 1999). Em finais de 1989 Portugal tomou conhecimento da intenção da Ford Motor Co. estabelecer uma nova unidade decorrente da joint-venture com a VW AG na Península Ibérica, tendo o próprio promotor manifestado desde logo interesse pela localização de Palmela. Depois de um longo período de negociações, foi possível assinar os competentes contratos de investimento e de incentivos em Julho de 1991, originando o lançamento do denominado projecto AutoEuropa. Tendo em vista o total aproveitamento pela comunidade industrial do projecto, é constituído pelo IAPMEI por Despacho 72/91 de Sua Exa. o Ministro da Indústria e Energia de 17 de Julho, o GAPIN – “Gabinete de Apoio à Participação Nacional no Projecto Ford-Volkswagen”. O GAPIN desenvolveu um amplo trabalho de sensibilização dos potenciais fornecedores já instalados em Portugal para as novas oportunidades que se apresentavam com a instalação da AutoEuropa, de selecção de empresas de componentes junto dos responsáveis da Ford e VW, de indução do estabelecimento de joint-ventures entre empresas nacionais e estrangeiras, de promoção do desenvolvimento de novas competências e capacidades nas empresas com o reforço da sua estrutura produtiva e melhoria da qualidade. Existiram posteriormente outras abordagens ao nosso país por construtores europeus que vieram a revelar-se um fracasso e que são bem descritas por Palma Féria (1999), sendo de destacar em 1993: a potencial implantação da unidade produtora do SMART pela joint-venture “MCC Micro Compact Car” (Daimler Benz e Swatch); a hipótese de acolhimento da unidade de montagem do Jaguar para o modelo desportivo X-100; entre outras. Em 2000 e 2001 são ainda noticiadas pelos media, outros insucessos como a potencial deslocalização da produção do VW Lupo para a Sodia e a instalação de uma fábrica da BMW no Norte de Portugal. Em 1999, é anunciada o fim da joint-venture entre a Ford e a VW, com a aquisição da participação da Ford pela VW, apesar de se garantir que a fábrica continuará a produzir monovolumes Ford até finais de 2004. Em Maio de 2002

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termina o contrato assinado entre o construtor alemão e o Estado português. No entanto, segundo afirmações do director geral da fábrica de Palmela “não há qualquer vínculo contratual ... mas continuamos a contar com o empenho das autoridades portuguesas ... tal como Portugal pode contar com os nossos melhores esforços no sentido que aqui se conserve e desenvolva”. Em 23 Janeiro de 2003, G. Heuss garante que as negociações no seio do grupo VW estão concluídas e que já existe substituto para o monovolume Ford Galaxy, que deixará de ser produzido em 2005. Como forma de promover a articulação entre as políticas públicas e as estratégias empresariais no âmbito da indústria automóvel nacional, foram criadas neste período novas tipologias de infra-estruturas de suporte à dinamização do sector, sendo de destacar o CEIIA – Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel, em Dezembro de 1999. Neste fórum participam cerca de vinte e duas das mais representativas empresas de componentes de automóvel portuguesas, juntamente com organismos públicos, associações empresariais e entidades tecnológicas e de inovação como a INTELI – Inteligência em Inovação, Centro de Inovação. Estratégias dos Construtores – O Motor do Projecto AutoEuropa Com a reabertura do mercado, o processo de racionalização e reconversão das linhas de montagem intensifica-se face à reduzida dimensão do mercado e à liberalização do comércio nos países comunitários. Assim, enquanto em 1989 existiam em Portugal 10 linhas de produção, esse número diminuiu para 8 em 1994 e para 7 em 1997, sendo que nos anos 2001 e 2002 apenas operam em território nacional 5 unidades de montagem – AutoEuropa, Citroen Lusitania, Opel Portugal, Mitsubishi Truks Europe, Salvador Caetano. De facto, as empresas que fabricavam veículos de passageiros sob licença encerraram as linhas de montagem, sendo que a maioria das subsidiárias das multinacionais do sector optaram por proceder à montagem de veículos comerciais, menos exigentes do ponto de vista técnico e com menores requisitos de economias de escala (Vale, 1999). Em concreto, neste período assistimos ao fecho ou reconversão de sete linhas de montagem – Reicab (1991), Soma (1992), Movauto (1993), Baptista Russo (1995), Movar (1995), Renault/Sodia (1998), Ford Lusitana (1999). Neste âmbito assume especial destaque, pelo impacto na indústria automóvel portuguesa, o encerramento da linha de montagem da Renault em Setúbal. Com o desenvolvimento das relações económicas com outros países exportadores de automóveis e sobretudo com a adesão de Portugal à CEE, a reserva de mercado não pode manter-se pelo que o interesse da RNUR nesta operação começa a esmorecer, ao mesmo tempo que do ponto de vista estratégico se intensifica o interesse da empresa nos mercados da Europa de Leste, nomeadamente numa fábrica localizada na Eslovénia. Assim, devido ao crescimento lento da procura nos mercados de exportação e ao incremento da produção do modelo Clio em outras unidades fabris do grupo, a partir de 1992 a Renault começa a abrandar a cadência de produção na fábrica de Setúbal o que conduziu à redução significativa do respectivo número de trabalhadores. Num cenário de dificuldades económicas e sociais, a empresa anuncia oficialmente em meados de 1995 o encerramento da unidade, tendo chegado a um acordo com o governo português em 1996. Do acordo resultou a criação da Sodia (empresa de capitais públicos)

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com o objectivo de continuar a fabricação do Clio, com a garantia de escoamento da produção para a Renault a preços competitivos até ao final do ciclo de vida do modelo, tendo a unidade encerrado em Julho de 1998. Para Palma Féria (1999), se o projecto Renault tivesse contemplado uma “press-shop”, o que não aconteceu dado que a unidade de montagem de Setúbal era abastecida de carroçarias através de estampagens Renault situadas no país vizinho, a facilidade com que a RNUR entendeu encerrar a fábrica não teria sido tão expedita uma vez que “a press-shop funciona normalmente como uma âncora que amarra a fábrica ao seu local de implantação”. Foi então o projecto AutoEuropa que actuou como motor da indústria automóvel neste período, sendo mesmo apontado por alguns autores como estruturante para o sector automóvel, para a economia da Península de Setúbal e mesmo para a economia nacional (Vale, 1999). A capacidade da linha de montagem estava estimada em 180.000 veículos/ano para a produção de três marcas diferentes - Ford Galaxy, VW Sharan e Seat Alhambra -, ocupando um espaço de 1.100.000 m2. A proposta de layout da fábrica reflectia as experiências mais inovadoras na produção automóvel, designadamente a influência dos princípios organizativos japoneses incutidos através do parceiro Ford, estando estruturada nas áreas de estampagem, fabricação de carroçarias, pintura e montagem final. Esta última encontra-se organizada segundo os princípios de just-in-time (JIT), pelo que se tornou necessário criar um parque industrial adjacente para os fornecedores principais, com uma área adicional de mais 900.000 m2. Para um investimento previsto de aproximadamente 450 milhões de contos que possibilitaria a criação de 5.200 postos de trabalho directos e entre 7.000 e 10.000 indirectos e induzidos, a AutoEuropa negociou os seguintes apoios: incentivos financeiros no valor de 89.1 milhões de contos, provenientes da comparticipação nacional (30%) e comunitária (70% FEDER), 30 milhões de contos com origem principalmente no FSE para a formação profissional, 10% do montante de incentivos financeiros concedidos a título de crédito fiscal para um período de 5 anos; sendo que os apoios indirectos se destinaram à construção de infra-estruturas. Um dos aspectos vitais para o apoio das autoridades portuguesas ao projecto assentou no nível de incorporação local, designada por VAN, que deveria atingir 45% devido às pressões governamentais para um incremento da aquisição de maiores quantidades de componentes à indústria nacional. A nova unidade industrial é inaugurada oficialmente em 1995, sendo o primeiro veículo produzido em Maio, ano em que a AutoEuropa fabricou 41.201 monovolumes. Em 1996, esse valor aumenta para 119.042 veículos, atingindo um pico em 1998 com a produção de 138.890 unidades. Com a alteração de modelos, as unidades produzidas diminuem em 2000 para 126.215, sendo que esse valor volta a subir em 2001 para 136.758 unidades representando 57% da produção nacional de veículos. Em 2002, a produção da AutoEuropa diminui para 130.007 unidades. O impacto do projecto na economia portuguesa pode ser observado pela análise de alguns indicadores estatísticos, como o respectivo peso de cerca de 2% no PIB ou de aproximadamente 8% no total das exportações nacionais – Quadro 4.

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Quadro 4 - Impacto da AutoEuropa na Economia Portuguesa

Indicadores 2001 2002

Vendas (Milhões de Euro) 2.273 1.955 Investimentos (Milhões de Euro) 58,7 34,7 % Exportações Portuguesas 7,8% 7,8% % PIB 1,84% 1,9% Nº de Empregados Directos 3.504 3.300 Nº de Empregados Indirectos - Parque Industrial e Serviços 2.830 3.200

Valor Acrescentado Bruto (VAB) 49,5% 49,8% Fonte: VW AutoEuropa (2002); “Diário de Notícias”, 24 de Janeiro de 2003

Perante este panorama, face ao abrandamento da linha de montagem da Renault em Setúbal e à crise económica de 1993, ocorreu uma diminuição do número de veículos fabricados a partir de 1992 (que atinge 125.209 unidades em 1994) até ao início da actividade da AutoEuropa em 1995. A partir desse ano, assistimos a um aumento significativo da montagem de veículos em Portugal que atinge o número de 267.163 unidades em 1997 e 252.290 em 1999. Até ao ano de 2001, ocorre um ligeiro decréscimo com tendência para a estagnação, ascendendo o número de veículos montados nesse ano a 239.719. De destacar que, a partir de 1994, as exportações substituem radicalmente o mercado interno como destino dos veículos produzidos a nível nacional. Em 2002, são montadas 250.832 unidades a nível nacional. A queda da produção da AutoEuropa foi compensada pelo acentuado crescimento da Opel Portugal, que passou de uma produção de 40.854 unidades em 2001 para 57.589 unidades em 2002, representando um acréscimo de 41%. A fábrica efectuou investimentos significativos na respectiva reconversão e modernização tecnológica para a introdução dos novos modelos, Opel Combo, em produção desde o último trimestre de 2001.

Gráfico 4 - Produção de Veículos/Unidades de Montagem: 1989 – 2002

0

25.000

50.000

75.000

100.000

125.000

150.000

175.000

200.000

225.000

250.000

275.000

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002Anos

Núm

ero

de V

eícu

los

ProduçãoExportaçãoMerc. Interno

Unidades de Montagem 10 11 12 10 10 8 8 8 7 7 6 6 5 5

Fonte: AIMA (2002)

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Comportamento dos Fornecedores – Dinamização da Indústria de Componentes Com a reabertura do mercado e a formação do Mercado Único assim como com a entrada em actividade da AutoEuropa em 1995, a indústria de componentes de automóvel sofreu um desenvolvimento significativo quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos. Conforme afirma Simões (2001), a AutoEuropa teve um papel extremamente importante na consolidação do desenvolvimento da indústria de componentes para automóvel em Portugal e no catapultar de alguns fornecedores portugueses para uma afirmação internacional como competidores relevantes na indústria. Esta opinião é corroborada por Palma Féria (1999), que afirma que o projecto Ford-VW contribuiu decisivamente para a alteração do padrão de especialização da estrutura industrial portuguesa, não apenas através da deslocalização para Portugal de cerca de duas dezenas de unidades produtoras de componentes de automóveis, mas igualmente porque permitiu à indústria nacional instalada um horizonte mais vasto de crescimento do mercado interno – não apenas pelos fornecimentos directos à nova unidade construtora de veículos automóveis mas sobretudo porque lhes conferiu uma renovada confiança na abordagem dos mercados externos. Apesar do número de fornecedores da AutoEuropa em Portugal ser de apenas 55 num total de 388 (sendo a percentagem de empresas de capital nacional francamente reduzida), as principais vantagens da presença do projecto Ford-VW no país e, em particular, do envolvimento das empresas portuguesas na rede AutoEuropa podem ser sistematizadas, sem carácter exaustivo, da seguinte forma: − Os níveis de exigência impostos pela AutoEuropa induziram uma reacção bastante positiva dos industriais portugueses que, alicerçados nos conhecimentos acumulados com a experiência da RENAULT, empreenderam um esforço razoável de investimento em áreas associadas à qualidade e gestão interna. De notar que, o número de fornecedores detentores do galardão Q1 da Ford passou de 4 em 1991 para 35 em 1995 (Guterres, 1996). − No âmbito da sua rede de fornecimento, a AutoEuropa induziu um ambiente de trabalho lean production ao nível da produção, organização e gestão de recursos humanos e potenciou a transferência de know-how tecnológico, comercial e organizacional para as empresas portuguesas de componentes. − A interacção no seio rede da AutoEuropa proporcionou às empresas portuguesas a interiorização das regras de funcionamento e da cultura própria da indústria automóvel (“entender o sector” e “compreender o mercado automóvel” – Simões, 2001). Além do mais, os contactos com os dois construtores integrados na joint-venture potenciaram a aprendizagem, numa primeira fase, da “maneira de funcionar da Ford” e, numa segunda fase, da “maneira de funcionar da VW”. − A experiência ganha com a AutoEuropa, nomeadamente com a interacção com dois construtores – Ford e VW, pode ser transposta para a entrada noutras redes automóveis por parte das empresas portuguesas. A ligação com fornecedores de 1ª linha e construtores a nível europeu é apontada como uma das principais oportunidades derivadas do projecto AutoEuropa. − O estabelecimento de acordos e a criação de joint-ventures entre empresas estrangeiras e nacionais foi uma das características da era Ford-VW, tendo permitido a estas últimas não só o fornecimento de componentes à AutoEuropa como o acesso a know-how e apoio técnico e a abertura de novos mercados de exportação por via dos contactos proporcionados pelo sócio estrangeiro.

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− A dinâmica do investimento AutoEuropa atraiu novos investidores estrangeiros a instalarem unidades industriais em Portugal, para além das empresas estabelecidas no parque de Palmela nas imediações da fábrica de montagem, com impacto positivo sobre a indústria automóvel e a economia portuguesa. Como resultado, esta indústria de componentes evoluiu de forma bastante positiva ao longo do período com um aumento do volume de facturação de 883 milhões de Euro em 1989 para 4.112 milhões de Euro em 2001, representando um acréscimo das exportações de 584 milhões de Euro para 2.642 milhões de Euro ao longo do mesmo período. Neste sentido, o sector de componentes passa a assumir um lugar cimeiro no seio dos sectores mais exportadores a nível nacional a par do sector têxtil e do vestuário. Em 2002, a facturação do sector ascende a 4.153 milhões de Euro, sendo 36% orientada para o mercado interno e 64% para exportações.

Gráfico 5 - Facturação do Sector de Componentes: 1989 – 2002

0250500750

10001250150017502000225025002750300032503500375040004250

Milh

ões

de E

uros

FacturaçãoExportaçãoMerc. Interno

Facturação 883 1.127 1.417 1.746 2.045 2.220 2.414 3.137 3.541 3.671 3.821 3.935 4.112 4.153

Exportação 584 798 1.077 1.372 1.621 1.786 1.915 2.065 2.294 2.319 2.399 2.469 2.642 2.658

Merc. Interno 299 329 339 374 424 434 499 1.072 1.247 1.352 1.422 1.466 1.470 1.495

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: AFIA (2002)

A indústria de componentes tornou-se, assim, uma indústria consolidada integrada por uma rede de empresas de capital nacional e estrangeiro – de acordo com dados da AFIA de 2001, 49% das empresas detém capital 100% nacional, 27% possuem capital 100% estrangeiro e 24% capital misto – que prefigura, ainda que timidamente, uma lógica de cadeia de fornecimento e de cluster automóvel. Neste período, foram fundadas grandes empresas de referência no seio da indústria automóvel nacional, sendo de destacar a título de exemplo a INAPAL Plásticos, S.A.; a CABELAUTO – Cabos para Automóveis, S.A.; e a IBER-OLEFF – Componentes Técnicos de Plástico, S.A., fundada em 1995 (Quadro 5).

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Quadro 5 - Empresa Típica Fundada no Período 1989-2002/04

Empresa Tecnologias Produtos

Iber-Oleff –

Componentes Técnicos de

Plástico, S.A.

Injecção plástica,

montagem, pintura/tampografia/ laser,

soldadura ultrasons e térmica

Componentes para carroçaria, componentes funcionais de plástico,

cinzeiros, cup holders, difusores de ar, tampas de porta luvas, grelhas de

altifalantes, de ventilação e de desenbaciamento, sistemas de comando

de ventilação de ar condicionado, peças de tampas para auto-rádios

Fonte: INTELI (2000) Para além da actuação de empresas isoladas, assistimos mesmo, ao longo do período, à emergência de fenómenos de cooperação inter-empresarial, ainda que as mais das vezes alavancados pelo lado da política pública – neste âmbito são de referir os casos da ACECIA – Componentes Integrados para a Indústria Automóvel, ACE, integrado por empresas de componentes e infra-estruturas tecnológicas nacionais, e da rede COMPORTEST, constituída por três empresas industriais de estampagem. Os principais produtos fabricados pelo sector no período traduzem-se em componentes para motores, transmissões e travões e componentes eléctricos, sendo de destacar o crescimento do segmento de interiores que se apresenta como o grupo com a facturação mais elevada no ano de 2001 ascendendo a 1.136 milhões de Euro. Os restantes grupos de actividade vêm diminuindo o seu peso no conjunto da indústria de componentes.

Gráfico 6 - Evolução da Estrutura da Indústria de Componentes por Tipo de Produtos (% de Facturação)

0%10%

20%30%40%50%

60%70%80%

90%100%

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 2000*

G

F

E

D

C

B

A

Legenda: A – Motor, Transmissão e Travões B – Carroçaria, Suspensão e Chassis C – Interiores D – Componentes Eléctricos E – Pneus F – Autocarros, Basculantes, Carroçarias G – Outros (Moldes, Ferramentas, Aços, Óleos, etc.) * Em 2000, a rubrica “Autocarros, Basculantes, Carroçarias” foi introduzida na rubrica “Carroçaria, Suspensão e Chassis” Fonte: AFIA (2002)

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Verifica-se, assim, a predominância de empresas de metalomecânica, nomeadamente de estampagem, seguidas das empresas de fabrico de componentes plásticos e de componentes eléctricos e electrónicos (neste caso, dominadas por grandes unidades industriais com maior participação de capital estrangeiro). Neste sentido, as tecnologias mais utilizadas pelas empresas nacionais são a estampagem, a injecção de plásticos e a fundição, assim como as tecnologias de suporte como o corte e a soldadura. Para além de um maior domínio destas tecnologias de processo prevalecentes na fase anterior, esta etapa foi marcada pela aposta em factores associados ao controlo, organização e integração,– numa palavra, pela gestão da tecnologia – em grande parte induzidos pelo ambiente de trabalho lean production imposto pela AutoEuropa e outros clientes estrangeiros. Apesar de algum domínio e controlo das tecnologias, estes derivam essencialmente da experiência dos trabalhadores e não tanto da qualificação e formação dos recursos humanos afectos ao sector automóvel. De facto, de acordo com resultados do estudo Global AutoParts (Veloso et. al., 2000), 63% dos trabalhadores das empresas de componentes detinham uma qualificação inferior ao 9º ano de escolaridade, de acordo com dados de 1999, valor que se vem a agravar para 69% no ano 2000 face a dados do estudo BASAUTO (INTELI, 2000). Com o grau de licenciatura, são apenas de salientar 8% dos recursos humanos do sector automóvel nacional.

Gráfico 7 – Qualificação dos Recursos Humanos no Sector Automóvel (1999)

63%

28%

0%1%8%

Menos do 9º Ano9º - 12º AnoLicenciaturaMestradoDoutoramento

Fonte: Veloso, F. et al (2000), Global Strategies for the Development of the Automotive Industry, Lisboa, IAPMEI Nesta fase, as empresas de componentes dão mais um passo no seu processo de envolvimento externo e para além do aumento significativo das respectivas exportações, as unidades de maiores dimensões iniciam processos de internacionalização via investimento directo essencialmente induzidos pelos clientes. De facto, a resposta aos novos desafios da indústria exige uma presença dos fornecedores junto das OEMs, fornecendo componentes nas várias regiões onde marcam presença ou colocando recursos junto dos seus centros de decisão, agilizando o processo de fornecimento actualmente marcado pela capacidade de resposta rápida, cumprindo requisitos em termos de custo e qualidade e com a introdução de melhorias incrementais constantes de produto e processo. De acordo com o inquérito BASAUTO, referente a dados de 1999, 20% das empresas analisadas enunciaram deter unidades produtivas e comerciais além-fronteiras, enquanto cerca de 10% referiram possuir centros de desenvolvimento

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fora do país (INTELI, 2000). De notar, no entanto, a ausência de estratégias proactivas de internacionalização por parte das empresas de componentes, independentes das exigências e solicitações dos clientes, e enquanto parte integrante da sua estratégia global do negócio. O ano de 1987 marca a retoma do investimento directo estrangeiro em Portugal, nomeadamente no sector de componentes de automóvel (Féria, 1999). Conforme já referido, muitos desses investimentos surgem associados ao projecto AutoEuropa; no entanto, o nosso país foi também alvo de investimentos independentes no sector automóvel, dos quais são exemplo a Visteon (1995) ou a Lear Corporation (1998). Actualmente, o fenómeno é o inverso, tendo-se assistido a algumas deslocalizações de empresas estrangeiras que abandonam Portugal rumo aos países de Leste.

Quadro 6 - Investimentos Estrangeiros no Sector de Componentes Associados ao Projecto AutoEuropa

Principal Grupo

InvestidorHuf Portuguesa Holsberg & Furst Alemanha Fechaduras e puxadores

Partes e capas paraassentos

Dalphi Metal Dalphi n.d. VolantesKupper & Schmidt Kupper Alemanha Peças metálicas

Barcelonesa de Espanha +Metals + Solac França

1993 Bundy Bundy/TI n.d. Tubos de plásticoJohnson Controls + EUA +

Bertrand Faure FrançaKendrion RSL Portugal Kendrion n.d. Puxadores

EUA + Alemanha

Continental + Alemanha + Montagem de pneus emLemmerz Alemanha jantes

1994 Textron EUA (Kautex) (1) Alemanha

Reino Uni.+Alemanha

Rockwell EUA(Golde) (2) (Alemanha)

Simpka Plas n.d. n.d. Peças plásticasBomoro Robert Bosh Alemanha Fechaduras

1996 Benteler (*) n.d. Alemanha SuspensõesEdscha Scharwachter Port. (*) Edscha Alemanha Pedaleiras/peças metál.Gillet (*) H. Gillet Alemanha Sistemas de escape

Ano Empresa Origem Actividade

1991Johnson Controls - Assentos Johnson Controls EUA

1992

Slem Armazenagem de metais

Vanpro - Assentos, Lda Montagem de assentos

Donnely Hole (*) Donnely + Hole Espelhos retrovisores

Continental Lemmerz (*)

Rockwell Golde Tectos de abrir

Kautex Textron Portugal (*) Depósitos de combustível

PPG Bollin & Kemperr (*) n.d. Tintas e revestimentos

Notas: * Empresas instaladas no Parque Industrial da AutoEuropa (1) A Kautes Werke (alemã) foi adquirida em 1986 pela Textron, 50º fabricante mundial de componentes (2) A Golde GmbH (alemã) foi adquirida em 1987 pela Rockwell Inc., 32º fabricante mundial de componentes Fonte: Simões, V. C. (2001), Papel do Investimento Directo Estrangeiro na Modernização da Indústria de Componentes para Automóvel em Portugal: Rede de Relações e Processos de Aprendizagem, CEDE Chegámos ao ano de 2002 com um sector de componentes consolidado, com competências desenvolvidas ao nível dos processos e fortemente exportador, mas com diversos pontos fracos que limitam a sua capacidade de afirmação numa indústria automóvel cada vez mais global – engenharia e concepção,

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desenvolvimento tecnológico, recursos humanos. CENÁRIOS PARA A INDÚSTRIA AUTOMÓVEL EM PORTUGAL – PERSPECTIVAR O FUTURO ... Após Meio Século de História Automóvel Após meio século de história automóvel, será que o sector automóvel português se encontra preparado para responder aos desafios globais da indústria? A Indústria Global – Tendências Chave A indústria automóvel é actualmente uma indústria altamente competitiva, com características oligopolistas e globalizada, mas sujeita a especificidades de carácter regional, onde imperam fortes movimentos de fusões e aquisições, o que tem induzido mudanças estratégicas de fundo quer ao nível dos construtores de veículos quer na respectiva estrutura de fornecedores. Como resposta aos desafios impostos pela globalização, os construtores têm vindo a implementar uma série de medidas estratégias, das quais podemos salientar três vertentes essenciais (Veloso, F. et al., 2000): • Estandardização, através do desenvolvimento de plataformas comuns e da implementação de processos similares. Por detrás do uso de plataformas está, não só a procura de economias de escala, mas também o alargamento do tempo de vida dos componentes, garantindo o acréscimo da competitividade dos produtos pela obtenção de menores custos unitários associados ao desenvolvimento e produção. Um importante reflexo desta tendência prende-se com a construção de fábricas capazes de produzirem modelos múltiplos e variados e, simultaneamente, de responderem às mudanças súbitas na procura e preferências dos consumidores. • Simplificação, cuja faceta mais visível é a da modularização do automóvel. A ideia básica é a da criação de componentes comuns entre plataformas em áreas como o sistema motriz, a transmissão, a suspensão, o sistema de ventilação e o ar condicionado, os assentos, etc., garantindo a diferenciação de elementos que atribuem imagem ao veículo. Os “integradores de sistemas” encontram-se já a montar importantes segmentos do automóvel e a proceder à sua entrega junto das linhas de montagem. • Agregação vertical das cadeias de fornecimento, que se traduz na concentração de esforços dos construtores nas fases de design e montagem de viaturas, privilegiando fábricas de menor dimensão e com capacidades inferiores a 200.000 viaturas/ano. Detendo em última instância os direitos sobre as marcas e determinando o design dos veículos, os construtores evoluirão o seu posicionamento para uma configuração que a PWC (PriceWaterhouseCoopers) designa de Vehicle Brand Owners ou Vehicle Brand Entreprises, assumindo as fases de marketing, distribuição, vendas e aftersales, em busca do valor acrescentado da actividade cedido aos seus fornecedores. As grandes tendências subjacentes às estratégias das OEMs vieram influir directamente no papel e comportamento técnico, tecnológico e económico dos fornecedores de componentes que têm vindo a adquirir uma importância crescente no seio da indústria. Para tal, tem contribuído decisivamente a

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crescente transferência de responsabilidades por parte dos fabricantes para os fornecedores, nomeadamente ao nível do design e engenharia - enquanto enfatizam a pressão nos custos, na qualidade e na flexibilidade produtiva -, com a consequente emergência de autênticos fornecedores globais, que tendem a acompanhar os construtores nos seus movimentos de deslocalização e globalização. Como afirma a EIU (1998), “ao requisito de ser maior associa-se o de assumir maiores responsabilidades (...) os fornecedores têm que fornecer módulos e sistemas mais complexos de modo a facilitar a montagem do veículo final (...) de forma crescente, as tradicionais responsabilidades associadas à montagem e atribuídas aos fabricantes de veículos estão a ser delegadas para as empresas de componentes”. Estas alterações conduziram a uma mudança na estrutura da cadeia de fornecimentos que se afasta da tradicional organização em 1ª, 2ª e 3ª/4ª linhas. Actualmente, e segundo o IMVP - International Motor Veichle Program (Veloso, F. et al., 2000), os fornecedores são cada vez mais caracterizados pelas suas funções e capacidades do que pela sua localização no fluxo de fornecimentos às empresas de montagem, dando origem à seguinte tipologia: • "Fabricantes de Componentes", que se traduzem em especialistas num determinado processo como a estampagem ou a injecção de plásticos, sendo na maior parte dos casos fornecedores indirectos dos fabricantes de automóveis, visto que os seus clientes são outros fornecedores situados num nível mais elevado na hierarquia. • "Fabricantes Montadores", que se constituem como especialistas de processo com capacidades adicionais de maquinagem e montagem. São usualmente responsáveis pelo projecto e teste do componente que fabricam, mas não pelo projecto do pequeno módulo ou dos restantes componentes que o integram, sendo tipicamente fornecedores indirectos. • "Fabricante de Sistemas", que integram os fornecedores capazes de desenvolver as tarefas de projecto, desenvolvimento e produção de sistemas complexos. Podem fornecer quer directamente à OEM quer de forma indirecta através dos "integradores de sistemas". • "Integradores de Sistemas", que abarcam os fornecedores capazes de integrar componentes e sistemas em módulos que são fornecidos directamente nas linhas de montagem dos fabricantes. Esta nova configuração tem levado a uma movimentação e reorganização da indústria, sendo de estimar que, por exemplo, nos EUA apenas existam cerca de 30 a 50 integradores de sistemas em 2005, junto com 150 a 250 fornecedores de sistemas, 2000 a 3000 fabricantes montadores e igual número de fabricantes de componentes (EIU, 1999). A Price Waterhouse Coopers vai mais longe ao estimar que, para um futuro próximo, a racionalização da indústria passa apenas pela existência de 30 megafornecedores à escala mundial, seguidos de perto de 800 fornecedores de 2ª linha (PWC, 2000). No entanto, o crescimento e especialização dos grandes fornecedores abre espaços de oportunidade para os pequenos e médios fornecedores, onde poderemos destacar o fornecimento para a produção de veículos em médias e pequenas séries como os veículos de nicho. A Indústria Nacional – Factores Críticos A indústria de componentes de automóvel nacional resultante de cinquenta anos

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de história apresenta-se como um conjunto de cerca de 180 empresas de pequena e média dimensão, caracterizadas essencialmente como “fabricantes de componentes” ou “fabricantes montadores” e centradas genericamente nos processos e nas competências e capacidades de produção. Este panorama resulta directamente das forças motrizes indutoras dos diversos ciclos de desenvolvimento do sector automóvel em Portugal que, desde as políticas públicas ao investimento directo estrangeiro, sempre privilegiaram os aspectos associados à produção e processo, tendo descurado as áreas da concepção e do produto. Mesmo na fase de maior afirmação do sector de componentes de automóvel nacional, a AutoEuropa (à semelhança da Renault) não deixa de ser um “produtor especializado” ou uma “filial produtiva racionalizada ou integrada” de acordo com a terminologia de Corado Simões (1989). Neste sentido, e de acordo com o mesmo autor, a influência estruturante do construtor foi prejudicada pelo facto da unidade se cingir aos aspectos operacionais da produção e logística, sendo a sua intervenção nas áreas de política de produto, concepção e desenvolvimento e marketing diminuta (Simões, 2001). Como resultado, as empresas de componentes têm demonstrado genericamente fracas competências e capacidades ao nível da engenharia e desenvolvimento do produto - de acordo com dados do estudo BASAUTO (INTELI, 2000), apenas cerca de um terço das empresas analisadas são capazes de realizar actividades de desenvolvimento de produto de raiz (e essencialmente de produtos de baixa complexidade), sendo a capacidade das restantes reduzida à introdução de pequenas alterações ao nível do produto e no desenvolvimento do processo, nomeadamente no que diz respeito a ferramentas de produção. De acordo com Veloso et al. (2000), uma análise da complexidade dos produtos das empresas, em função das horas de engenharia dedicadas ao respectivo desenvolvimento, revela uma reduzida capacidade para o envolvimento em tarefas de maior complexidade, sendo a maioria das empresas apenas capaz de realizar o desenvolvimento de produtos simples ou de efectuar pequenas adaptações.

Gráfico 8 - Capacidades de Desenvolvimento das Empresas de Componentes

Des. "Black Box" Des. Ferramentas Testes Internos0%

10%

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Fonte: INTELI (2000)

Além do mais, uma análise do investimento nas actividades de desenvolvimento - tipicamente 1 a 2% da facturação, o que corresponde a uma média de 1.3% no universo das empresas participantes - revela valores muito aquém dos praticados por empresas de topo – cerca de 3 a 4% da facturação (INTELI, 2000). Uma das lacunas das empresas portuguesas ao nível da engenharia e

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desenvolvimento prende-se com a ausência de dimensão crítica para, por um lado, disponibilizarem recursos e competências adequadas ao desenvolvimento de produtos de maior complexidade e, por outro, obterem economias de escala na produção potenciadoras de uma rentabilização dos maiores esforços de engenharia. Para além deste factor crítico essencial para o desenvolvimento da indústria automóvel nacional – engenharia e desenvolvimento de produto -, poderemos ainda apontar outros aspectos identificados pelos diferentes intervenientes no sector – empresas nacionais de componentes, OEMs instaladas em Portugal, fornecedores internacionais de 1ª linha, infra-estruturas tecnológicas, instituições financeiras – quando auscultados no âmbito do estudo de oportunidade para a criação do “Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel” (ITEC/UGTI, 1998): cultura automóvel; informação estratégica; qualificação dos recursos humanos; logística; dimensão crítica; redução de custos; integração de componentes; e imagem colectiva de Portugal como país produtor de componentes de automóvel. Estes factores críticos levaram Palma Féria a propor quatro linhas de força essenciais para dinamizar as alterações qualitativas de que a generalidade das empresas portuguesas carece (Féria, 1998): • “Forte cooperação inter-empresas, a nível interno e/ou exterior, analisando as hipóteses de sinergias potencialmente geradas e ensaiando uma política de alianças pontuais; • Aumento do valor acrescentando a montante e a jusante da produção, penetrando em áreas de serviços industriais deixadas até ao presente para terceiros – concepção/engineering do produto/design-in (montante) e logística final (jusante); • Evolução na complexidade do produto, isto é, dever-se-á partir para formas mais complexas nos resultados da produção, ou seja, partindo dos componentes simples para a integração de sub-conjuntos, conjuntos e finalmente de módulos completos; • Convencimento – pela via da demonstração – dos construtores (as OEMs) de que a capacidade nacional tem de facto valências fundamentais (...) conseguido um patamar aceitável de competência, investir seriamente numa campanha integrada de marketing que apague a imagem do antecedente e projecte rapidamente a imagem de produtores-integradores de módulos complexos para a indústria automóvel.” Concluindo, face às tendências globais da indústria automóvel e às características do sector a nível nacional, facilmente se deduzem as dificuldades recentes das empresas portuguesas de componentes. Podemos então afirmar que indústria automóvel portuguesa se encontra actualmente numa encruzilhada, assente essencialmente no esgotamento do modelo de crescimento anterior – com ênfase na produção e nos processos – e na necessidade de encetar um salto qualitativo com a afirmação de um novo ciclo de desenvolvimento – com a aposta na concepção e no produto. Cenários para a Indústria Automóvel Com base num trabalho de cenarização da evolução da indústria automóvel nacional para o período 2001-2010 (INTELI, 2000), assente na variável “nível de montagem de veículos em Portugal”, podemos destacar dois cenários distintos,

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que representam os dois “caminhos da encruzilhada”: − Cenário de Regressão, caracterizado pela redução significativa do nível de montagem (cerca de 50 mil viaturas/ano contra as 240 mil viaturas produzidas em 2001) face à redução do volume de montagem dos actuais montadores, sendo de perspectivar que no horizonte 2005-2010 a montagem em Portugal atinja níveis insignificantes. Neste contexto, poderíamos assistir a uma redução significativa do número de empresas no sector, constituindo-se a ‘dimensão’ como um factor crucial no empreendimento de processos de internacionalização e na melhoria da capacidade de desenvolvimento de produto. O sector passaria a apresentar características dualistas, com a presença de um grupo reduzido de empresas extremamente competitivas integrado essencialmente por multinacionais (com indicadores de avaliação ao nível dos “best in class”) em contraste com um conjunto de fabricantes nacionais sem cultura automóvel e com desempenho diminuto ao nível das capacidades de desenvolvimento, produção, logística e qualidade.

Gráfico 9 - Cenário de Regressão – Evolução de Indicadores Chave

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1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010

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Facturação (Componentes) Mercado Interno (Componentes)

Exportação (Componentes) Montagem Veículos Fonte: INTELI (2002)

− Cenário de Crescimento, caracterizado pelo crescimento significativo do nível de montagem (350/400 mil viaturas/ano contra as 240 mil viaturas produzidas em 2001) com o reforço do volume de produção dos actuais montadores, a introdução da produção de uma plataforma global pela VW AutoEuropa e a atracção de um novo montador com características inovadoras para produções de nicho. Neste panorama, assistiríamos à expansão da indústria automóvel nacional com a criação de uma “fileira automóvel” desenvolvida marcada pelo aumento das competências das empresas ao nível da engenharia de produto, pelo crescimento das empresas baseado numa sólida presença nacional e no aproveitamento das competências dos mercados externos e com a ascensão na cadeia de valor de um conjunto de empresas que se constituiriam potencialmente como parceiros privilegiados dos montadores para novos projectos. A existência de uma plataforma global facilitaria o crescimento de algumas empresas nacionais numa perspectiva de fornecimento global, sustentando o crescimento de empresas de menor dimensão (assumindo-se neste âmbito a cooperação inter-empresarial

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como um factor crítico de sucesso). Em simultâneo, o lançamento de novos projectos inovadores induziria e facilitaria a apropriação e integração de novas tecnologias. Neste âmbito, assume preponderância a captação de investimento directo estrangeiro através de um papel importante do Estado na abertura do mercado às empresas e o aumento do investimento dos fornecedores de 1ª linha para os novos projectos e reforço dos actuais.

Gráfico 10 - Cenário de Crescimento – Evolução de Indicadores Chave

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ilhar

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Facturação (Componentes) Mercado Interno (Componentes)

Exportação (Componentes) Montagem Veículos

Início de Produção do Novo Montador

Alteração do Modelo em Produção na

AUTOEUROPA

Fonte: INTELI (2002)

Por um Novo Ciclo Automóvel em Portugal A concretização do “cenário de crescimento” e do novo ciclo de desenvolvimento da indústria baseado na concepção e no produto, passa pela emergência de projectos mobilizadores e estruturantes de investimento directo estrangeiro em Portugal com a participação activa das cadeias de fornecimento nacionais, numa aliança entre os efeitos de escala e de gama e entre a consolidação das capacidades de produção das empresas com as novas exigências ao nível de competências e capacidades de engenharia e desenvolvimento de produto numa lógica de cooperação inter-empresarial. Se a atracção de uma nova plataforma associada à AutoEuropa poderá funcionar como elemento de evolução na continuidade com a indução do desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades de engenharia de processo nas empresas de componentes em busca da “excelência na produção”, um novo projecto indutor da afirmação de competências e capacidades de engenharia e desenvolvimento de produto afigura-se como o elemento fulcral desta nova era da indústria automóvel em Portugal. Depois do domínio de “produtores especializados”, referimo-nos especificamente à atracção de um “especialista de produto” na terminologia de Corado Simões (1989), tendo como objectivo essencial posicionar Portugal como localização para o desenvolvimento de programas completos (concepção e produção) para veículos de nicho e pequenas séries e criando espaço para a intervenção da

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indústria nacional ao longo de toda a cadeia de valor, promovendo assim a consolidação das competências de engenharia, desenvolvimento de produto e I&D e o aumento da dimensão das empresas. Os primeiros indícios deste fenómeno tiveram início já no ano 2000 com a assinatura entre o Estado Português e o designer italiano Pininfarina SpA de um Memorandum of Understanding para a realização de um estudo de exploração de oportunidades de captação de investimento directo estrangeiro para a indústria automóvel no segmento dos city cars. Este protocolo está subjacente ao denominado projecto P3 (coordenado pela INTELI – Inteligência em Inovação) que, ao ter como objectivo a captação de investimento directo estrangeiro estruturante nas áreas de concepção, desenvolvimento e produção de veículos associados aos novos conceitos de mobilidade, apresenta três etapas essenciais: na primeira – estudo de oportunidade – pretende-se identificar a oportunidade para o lançamento de um veículo de nicho no mercado europeu a partir do estudo de um conjunto alargado de temas críticos para a evolução da indústria e do mercado automóvel, como sejam o ambiente e o problema do transporte urbano; a segunda – engenharia e desenvolvimento – corresponde ao desenvolvimento e subsequente materialização através de protótipos dos conceitos de veículo identificados; sendo que na terceira fase – industrialização – se pretende a industrialização do veículo desenvolvido através da implantação de uma unidade industrial de produção e a exploração de novos serviços de mobilidade. Como suporte ao desenvolvimento do projecto P3, e como forma de superar as já referidas limitações das empresas portuguesas ao nível da engenharia e desenvolvimento de produto, foi criado, em 23 de Dezembro de 2002, um Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEDP), sob a forma de sociedade anónima, cujos sócios fundadores foram o IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, o CEIIA e a INTELI. O Centro tem como objecto essencial conceber, promover e executar acções de engenharia e desenvolvimento de produto, tendo por base actividades de investigação, desenvolvimento, transferência e demonstração de tecnologia e valorização de recursos humanos no âmbito da indústria automóvel (e aeronáutica).

Figura 2 - Por um Novo Ciclo de Desenvolvimento da Indústria Automóvel em Portugal

1º CicloUnidades de

Montagem CKD

2º CicloRenault

3º CicloAutoEuropa

AutoEuropa e Projecto P3

Políticas Públicas• Mercado Livre/Empreendedorismo

Estratégias dos Construtores• Predomínio do Projecto P3 e nova Plataforma AutoEuropa

Comportamento Fornecedores• Salto qualitativo da indústria de componentes• Desenvolvimento de competências de engenharia e desenvolvimento do produto e I&D nas empresas• Domínio de tecnologias de produto• Estratégias de internacionalização• Cooperação inter-empresarial• Estabelecimento de parcerias tecnológicas, financeiras e de mercado

ConcepçãoProdução

Início Anos 80

Início Anos 90

2002/ 2004

Início Anos 60

1º CicloUnidades de

Montagem CKD

2º CicloRenault

3º CicloAutoEuropa

AutoEuropa e Projecto P3

Políticas Públicas• Mercado Livre/Empreendedorismo

Estratégias dos Construtores• Predomínio do Projecto P3 e nova Plataforma AutoEuropa

Comportamento Fornecedores• Salto qualitativo da indústria de componentes• Desenvolvimento de competências de engenharia e desenvolvimento do produto e I&D nas empresas• Domínio de tecnologias de produto• Estratégias de internacionalização• Cooperação inter-empresarial• Estabelecimento de parcerias tecnológicas, financeiras e de mercado

ConcepçãoProdução

Início Anos 80

Início Anos 90

2002/ 2004

Início Anos 60

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Para a descolagem deste novo ciclo, será necessária uma estratégia coerente e integrada de desenvolvimento do sector automóvel em Portugal em interacção entre as políticas públicas e as estratégias empresariais, assim como uma confluência de esforços entre o Estado, as empresas, as associações empresariais, as infra-estruturas tecnológicas e os centros de saber. Na concretização desta estratégia, a política pública tem um papel determinante a desempenhar enquanto indutora de condições estruturais, catalizadora de iniciativas e agregadora de esforços. CONCLUSÃO A título de consideração prévia, e da análise realizada no presente ensaio, ressalta a entrada tardia do sector automóvel em Portugal. Esta foi induzida, em grande parte, pela própria história do processo de industrialização no nosso país – uma industrialização tardia que só inicia os primeiros passos após a 2ª Guerra Mundial e que se vem a tornar mais sólida já nas décadas de 60/70, sendo na altura interrompida pela crise económica internacional e pela crise social e política interna (facto que, em si mesmo, em muito explica o atraso estrutural da nossa economia). O longo período do Estado Novo aliado aos interesses comerciais vigentes impediram, de facto, a afirmação de um verdadeiro “Portugal Industrial”. No entanto, ao longo da revista de 50 anos de história automóvel em Portugal, ressaltam duas características que são comuns às três fases de desenvolvimento da indústria: cumulatividade e mudança (Simões, 2001). De facto, desde a fase das “Unidades de Montagem CKD”, passando pela etapa “Renault”, até à fase “AutoEuropa”, o processo de desenvolvimento da indústria de componentes de automóvel ocorreu de forma gradual e cumulativa através de processos de aprendizagem tecnológicos, organizacionais e comerciais induzidos pelos clientes – investimento directo estrangeiro – e alavancados pelas políticas públicas. As dinâmicas relacionais entre os actores da indústria automóvel enquanto rede global de conhecimento – Estado, construtores, fornecedores de componentes, infra-estruturas de suporte, mercado – assumiram características diversas ao longo da história, sendo que o sector de componentes veio a assumir uma importância e autonomia crescentes, atingindo actualmente um papel de destaque na economia portuguesa. Apenas para referir valores de referência, o sector de componentes facturou 4.153 milhões de Euro e exportou 2.658 milhões de Euro em 2002 (correspondentes a 10% do total das exportações nacionais), sendo que a indústria de montagem produziu 250.832 veículos no mesmo período. A título de curiosidade, a indústria de componentes da nossa vizinha Espanha apresentou uma facturação de 24.311 milhões de Euro e um valor de exportação de 12.273 milhões de Euro em 2001, tendo produzido no mesmo ano 2.849.888 veículos. No entanto, a história do sector automóvel a nível nacional colocou a ênfase do lado dos processos e da produção, tendo descurado as áreas do produto e da concepção – quer ao nível das políticas públicas quer das estratégias dos construtores em Portugal (essencialmente “produtores especializados”), com a consequente ausência generalizada de competências e capacidades das empresas ao nível da engenharia e desenvolvimento de produto. Face às tendências globais da indústria, nomeadamente com a crescente transferência de responsabilidades para os fornecedores ao nível da engenharia e design, o sector automóvel português encontra-se, assim, num momento crítico

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da sua história face ao esgotamento do modelo de crescimento anterior. Pela primeira vez ao longo da evolução da indústria, assistimos à potencial afirmação de um novo ciclo de desenvolvimento assente num salto qualitativo e numa verdadeira dinâmica de inovação. Este novo ciclo emergente centra-se na concepção, na inovação de produto e no conhecimento e potenciará o desenvolvimento da indústria de componentes de automóvel nacional e a respectiva competitividade internacional no sentido da afirmação de um autêntico “cluster automóvel” em Portugal. Para tal, torna-se essencial uma interacção forte entre as políticas públicas e as estratégias empresariais e um esforço de articulação entre o Estado, as empresas, as infra-estruturas tecnológicas e os centros de saber no sentido da concretização de uma estratégia coerente e consistente de desenvolvimento do sector automóvel em Portugal. Desta forma, e face às respectivas características de multisectorialidade e natureza pluritecnológica, induzindo efeitos multiplicadores na globalidade do tecido empresarial, a indústria automóvel pode traduzir-se numa autêntica plataforma de desenvolvimento tecnológico e industrial do país e numa alavanca de um novo modelo de desenvolvimento industrial assente numa autêntica dinâmica de inovação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIMA/ACAP, O Comércio e a Indústria Automóvel em Portugal, Vários Números AutoEuropa Fica, in “Diário de Notícias”, 24 de Janeiro de 2003 Conceição, P. (2001), Indicadores de Produtividade, Documento de Trabalho EIU (1998), The Components Industry of Western Europe: a Strategic Review, in EIU Components Business International, 4º Trimestre 1998, EIU EIU (1999), The Components Industry of Western Europe: a Strategic Review, in EIU Components Business International, 1999, EIU Féria, Luís Palma (1998), Da Competitividade dos Produtos à Competitividade dos Sistemas: O Caso dos Componentes para a Indústria Automóvel, in "A Competitividade e as PMEs", Economia & Prospectiva, ME Féria, Luís Palma (1999), A História do Sector Automóvel em Portugal (1895-1995), GEPE, Documento de Trabalho, Lisboa Guerra, A. Castro (1990), Formas e Determinantes do Envolvimento Externo das Empresas: Internacionalização da Indústria Automóvel e Integração da Indústria Portuguesa na Indústria Automóvel Mundial, Dissertação de Doutoramento em Economia, ISEG-UTL, Lisboa Guterres, Carlos (1996), Desenvolvimento da Indústria de Componentes para Automóvel em Portugal – Estudo da Interdependência entre as Indústrias de Fabricação Automóvel e de Componentes em Portugal, Dissertação de Mestrado, ISEG-UTL, Lisboa Hatzichronoglou, T. (1997), Revision of the High-Technology Sector and Product Classification, STI Working Paper 1997/2, OCDE INTELI (2000), A Indústria Automóvel em Portugal – Análise e Prospectiva, BASAUTO, DGI ITEC/UGTI (1998), Estudo de Oportunidade para a Criação de um Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel, Lisboa Mateus, A. (2001), Economia Portuguesa – Desde 1910, Lisboa, Ed. Verbo Mattoso, J. (1999), História de Portugal - O Estado Novo, Lisboa, Editorial Estampa Mattoso, J. (2001), História de Portugal – Portugal em Transe, Lisboa, Editorial Estampa PWC (2000), Automotive Sector Insights: Analysis and Opinions on Merger and Acquisition Activity, PriceWaterhouseCoopers, http://www.pwcglobal.com Schmidt, Ana e Almeida, J. C. (1987), Fabricação Automóvel e Produção de Componentes, Lisboa, Banco de Fomento Nacional Simões, V. C. (1989), Investimento Directo Estrangeiro em Portugal e Mercado Único Europeu, in “Estudos de Economia”, Vol. XI, nº 3 Simões, V. C. (2001), Papel do Investimento Directo Estrangeiro na Modernização da Indústria de Componentes para Automóvel em Portugal: Redes de Relações e Processos de Aprendizagem,

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