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A Arte em Portugal no Século XX
Rui Chaves – um olhar sobre a obra
A Arte em Portugal no Século XX
"A moral da arte reside na sua própria beleza."
Flaubert, Gustave
A Arte em Portugal no Século XX
Nascido em 1966, em Lisboa, Rui Chafes, formou-se em Escultura, seguindo
depois para Dusseldorf. A escolha da cidade alemã revela desde logo o
interesse de Chafes pela cultura germânica e particularmente pelo período
Romântico. Chafes aponta mesmo como o artista preferido o escultor alemão
do gótico tardio, Tilman Riemenschneider, que considera uma referência: “…
pela exactidão com que Riemenschneider explora a linha e a precisão da
escultura.”
A
trajectória artística de Rui Chafes, inicia-se na década de oitenta, altura em que
as suas primeiras obras já apontam para certos temas que se manterão nos
anos posteriores; O domínio do material - do quase omnipresente ferro -, e as
constantes referências ao dramático, munindo a sua obra de uma componente
cenográfica que convive com um fundo conceptual. Embora clássico na
referência, Chafes é um escultor contemporâneo, na observação dos seus
trabalhos é perceptível o objecto enquanto excedente alegórico de uma
narrativa ligada ao nostálgico, ao existencial romântico.
Chafes pratica a escultura na forma de series, apropriando-se de uma lógica de
criação em que os vocábulos das denominações atribuídas – por vezes, frases
completas -, são parte integrante da obra, convocando o observador para uma
coerência poético-dramática conceptual. Palavras como «sonho», «morte»,
«manhã», «ferida», conduzem o espectador para um universo nostálgico de
referência ao Romantismo alemão.
A Arte em Portugal no Século XX
As suas esculturas incidem na dimensão humana, simultaneamente através de
uma associação directa da proporção do objecto em relação ao corpo, quer por
ausência ou substituição do mesmo.
Veja-se a série Cristal (1996), onde se concretiza de modo
explícito, a ausência do corpo, transversal em Chafes.
Esculturas de parede surgem, como máscaras de terríveis
rituais, modeladas nas tiras de ferro que as
constituem, sugerindo a formato da cabeça humana, sem que
contudo, essa modelação jamais deixe o domínio da
imaginação.
As esculturas
são formalmente
diversificadas quer no contexto, quer
no posicionamento, surgindo quer no
chão, tecto, ou penduradas nas paredes como
pinturas, ou ainda entre objectos de
decoração comum, ocupando cantos
de salas como móveis e até, em
árvores.
Neste questionamento do lugar da escultura, a
partir de várias instalações, o site-specific surge
frequentemente, no entanto e apesar da dimensão
das suas peças, a monumentalidade não surge
pela incorporação das peças na envolvente, mas
antes numa lógica em que ambiente faz parte da
peça como um todo. Este efeito subtil e discreto permite
que os seus site-specific adquiram neutralidade e
naturalidade fundindo-se como um todo.
É comum o recurso a formas
geométricas simples como sejam o
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cone, a esfera e o cilindro numa linha essencialmente minimalista de
conotações poéticas e antropológicas.
Apesar da utilização do mesmo material a arte de Chafes não se compara a
utilização do ferro efectuada por Richard Serra, que tende a reforçar o carácter
do material expondo a sua força monumental e poder. No caso de Chafes o
material é sublimado, parecendo por vezes recortado à tesoura, adquirindo um
carácter neutral, comparável à escrita, servindo apenas para expor ideias,
adquirindo uma certa invisibilidade material.
As obras tendem a observar-nos e mantêm consigo uma distância discreta,
exigindo do observador uma
convergência para entendimento da
“linguagem da obra”.
A obra exige por isso concentração e
introspecção por parte do espectador,
parecendo inicialmente fechada,
revela-se aberta com uma vida
própria. Deixando pressentir um espaço interior à margem do espectador.
É assíduo na sua obra, o recurso a um dualismo paradoxal, na exploração de
conceitos como interior e exterior, leveza e
peso, presença e ausência, matéria e ideia.
Veja-se o caso de “lições das trevas”
(2001), onde Chafes cria modelações
antropomórficas imperativas, que nos
sugerem quer corpos, quer edifícios altos de
uma cidade, numa verticalidade justaposta
onde explora um dualismo
interior/exterior: orifícios deixam pressentir a existência de um espaço interior,
A Arte em Portugal no Século XX
abrindo-se do lado oposto numa vida nova, secreta. O lado oculto surge de
forma “voyeurista” pelo espectador que tem a oportunidade de explorar o lado
interior e exterior simultaneamente.
A transferência e integração de peças em novos espaços, surge
frequentemente, na sua busca de novos conceitos. Chafes recorre
frequentemente à apropriação de esculturas anteriormente projectadas, para
através de novo alinhamento e montagem transformar as peças numa
instalação, metamorfoseando-as numa nova unidade.
No site-specific, “Lições de
Trevas”, Chaves reforça as
particularidades antropomórficas
das suas peças ao surgirem
numa Catedral. Quais vultos
monásticos, emergem no
contacto com um espaço que
invadem brotando consigo, a
dúvida se o espaço as apropriou
ou se as mesmas nele,
discretamente, se dissimularam. Chafes reforça assim o carácter alegórico do
objecto, numa narrativa artística aliada ao existencial nostálgico romântico.
Desafiado a intervir directamente num
bosque holandês, Chafes criou
“Unborn”, um site-specific onde o
efeito gravitativo do conjunto
composto, com os jogos de pesos
invertidos, confere um ambiente de
conotação melancólica, fortalecida
pela integração da escultura no
espaço natural. Os enormes
“Alfinetes negros” encostam-se a árvores devido a sua instabilidade “natural”, e
na sua colocação, compõem uma paisagem onde a ausência de reflexos, se
contrapõem com o suporte, que por oposição se ergue na procura de luz.
A Arte em Portugal no Século XX
O corpo enquanto presença ausente, imaginada ou
substituída é – como já referido - uma
constante na sua obra. Esta incidência na
dimensão humana, é manifesta na obra
“Não Quando os Outros Olham”, de 1996, que
apresentava um par de sapatos infrutíferos a um
possível uso e simultaneamente sugestivos de
uma ausência.
O corpo é intuído, quando com recurso à malha de ferro,
cria peças de vestuário, que acentuam o desequilíbrio
entre as referências do espectador e a ausência de
utilidade prática da escultura. É também o corpo que
determina em 2000 a dimensão da obra Secreta
soberania (quando te vejo o mundo cessa por
momentos de existir), e (até ao momento do nosso
doce encontro), onde o tamanho da gaiola interior é determinado pelo corpo do
artista, enquanto a exterior é determinada pelo corpo de sua mulher.
Esta incidência do corpo é partilhada ao longo
de certas obras, onde se intromete a
dimensão humana na escultura. A partir de
performances ou de outros domínios de
criação, como a dança, as esculturas
revelam uma simbiose entre dois espaços
aparentemente divergentes.
Neste contexto os projectos
concretizados em parceria com autores procedentes de outros domínios de
criação como a dança ou o cinema adquirem especial relevo. Destaco aqui a
obra “comer o coração” que Rui Chafes e Vera Mantero criada para a 26.ª
edição da Bienal de Artes de São Paulo.
Através da construção imaginada por Rui Chafes, o corpo de
Vera Mantero escapa-se do chão e animado pelos desenhos que
o redesenham a escultura e o corpo vivo coexistem
A Arte em Portugal no Século XX
contíguos numa concepção habitual no autor, a apropriação do corpo no meio
do ferro.
Obras há, em que a escultura surge como substituta do
corpo, revezando numa aparente
“normalidade”, o espaço do corpo, com
recurso a alusões cenográfica/dramáticas
que conduzem o observador a
percepcionar por contestação tal
transferência.
Chafes procura o absoluto, a pura essência, figurado na forma de uma
bola de ferro perfeita que funciona como um dupla
máscara: sol negro que simultaneamente levita e
atrai o nosso estupefacto olhar para uma
impossibilidade física.
A bola de ferro sustida como um sol negro sobre fitas, sem peso aparente, é
uma obra que emerge sob diferentes títulos: Amanhecer, Sol, Suave Medo
Escuro, Um Sopro, A Tua Sombra, Entre o Dia e o Sonho, Respiração, Perder
a Sombra, Durante o Sono - até A Alma, Prisão do Corpo. Dadas as
características das peças, cria-se a ilusão de suspensão,
dissimulando o material utilizado, assim e embora
Chafes assuma o material nas suas obras, ao expor as soldaduras,
o efeito gravitativo do conjunto, com os jogos de pesos invertidos,
confere-lhe uma conotação melancólica e cria um paradoxo.
A Arte em Portugal no Século XX
Construir obras de arte
contemporânea que
contrariem a habitual falta
de qualidade da escultura
monumental que se vai
estabelecendo por
cidades e rotundas é
sempre de louvar, no
caso de Chafes a sua
produção contínua tem transportado para o espaço exterior alguns elementos
de destaque. A integração de peças no espaço urbano ou natural é comum a
Chafes desde o início de carreira, das várias obras passíveis de análise
destacarei a obra “Despertar”, realizada em 2003, a pedido do Hospital de
Santa Maria, aquando da comemoração dos cinquenta anos da instituição
hospitalar.
A obra apresenta duas hastes cilíndricas e lisas elevando-se no espaço,
paralelas. No topo reconhecem-se as formas esféricas de duas flores, uma
fechada em botão, mas já a anunciar abrir-se, e uma outra aberta, com um
sequência regular de lâminas ou pétalas num movimento que parece querer
resistir ao fim do seu ciclo de vida. Construída sobre umas frágeis colunas,
num jogo de equilíbrios de pesos invertidos. “Despertar”, associa a ideia de
nascimento e de acordar, de regresso à vida, correspondente à escolha do
lugar de inserção, o caminho da Maternidade e das Urgências. Apesar da
Horas de chumboDespertar -2004
A Arte em Portugal no Século XX
dimensão a escultura afirma-se não pela monumentalidade mas pela
intensidade.
Conclusão
Há na obra de Rui Chafes, uma reflexão teórica, um cuidado contemplativo de
quem percebe e entende o lugar do silêncio; uma severidade e resistência a
um mundo que tende para a superficialidade, emergindo uma poetização que
nos faz parar para pensar.
A Arte em Portugal no Século XX
Chafes expõe conceitos poético-românticos com recurso a esculturas pesadas
sugestivas de leveza, por vezes flutuando fazendo-nos repetidamente elevar o
olhar, num exercício gótico - opondo-se nessa elevação à horizontalidade da
escultura minimalista, mas mantendo desta o seu rigor.
Bibliografia
Hoet , Jan, Maes, Frank, Drathen, Doris Van “Rui Chafes - Um Sopro”
galeria Graça Brandão, Porto, 2003