DA SALA DE ESTAR PARA A SALA DE AULAbasilio.fundaj.gov.br/mp_cienciassociais/images/stories/pdf/... · escolhas, por ser um exemplo da capacidade que o ser humano, sobretudo como

  • Upload
    vuphuc

  • View
    218

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

  • FUNDAO JOAQUIM NABUCO

    DIRETORIA DE FORMAO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

    JOSEMAR MEDEIROS DA SILVA

    DA SALA DE ESTAR PARA A SALA DE AULA: novelas como recurso didtico para os estudos de gnero no ensino mdio

    Recife 2016

  • JOSEMAR MEDEIROS DA SILVA

    DA SALA DE ESTAR PARA A SALA DE AULA: novelas como recurso didtico para os estudos de gnero no ensino mdio

    Trabalho de concluso de curso, apresentado Fundao Joaquim Nabuco, como parte das exigncias para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Zarias Co-orientador: Prof. Dr. Robson da Costa de Souza

    Recife 2016

  • FOLHA DE APROVAO

    S586d Silva, Josemar Medeiros da Da sala de estar para a sala de aula: novelas como recurso didtico para

    os estudos de gnero no Ensino Mdio/Josemar Medeiros da Silva. Recife: O Autor, 2016.

    Dissertao de Mestrado (Mestrado Profissional em Cincias Sociais para

    o Ensino Mdio) Fundao Joaquim Nabuco, Recife 1.Educao, Ensino Mdio, Gnero. I. Zarias, Alexandre. II. Souza,

    Robson da Costa de. III. Ttulo CDU 373.5

    CDU 396(81)

  • s mulheres que fizeram (fazem) parte da minha histria: minha vozinha Gercina (in memorian), minha me Laudice e minha tia Lindacy.

  • Maria, Maria um dom, uma certa magia

    Uma fora que nos alerta Uma mulher que merece

    Viver e amar Como outra qualquer

    Do planeta

    Milton Nascimento

  • AGRADECIMENTOS

    Sempre a minha me, Laudice Maria, por me apoiar e estar ao meu lado em minhas

    escolhas, por ser um exemplo da capacidade que o ser humano, sobretudo como mulher, lutar

    em meio a complexas e exaustivas dificuldades dirias. E por seu belo e singelo modo de me

    amar.

    Ao meu professor orientador Alexandre Zarias pela confiana depositada em mim, e

    por sua forma pedaggica em me tirar da zona de conforto, fazendo com que eu possa

    enxergar melhor o conceito da palavra possibilidade. Aproveito o ensejo e externo votos de

    gratido ao co-orientador Robson da Costa de Souza, que mesmo chegando nos ltimos meses

    da minha saga dissertativa, contribuiu ricamente na finalizao deste trabalho de concluso de

    curso.

    Diretoria de Formao e Desenvolvimento Profissional da Fundao Joaquim

    Nabuco e Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco

    (FACEPE), pela concesso de bolsa de estudo que possibilitou o desenvolvimento desta

    pesquisa.

    professora Fabiana Lima, que me acolheu como amigo e me ajudou na definio do

    campo de pesquisa deste trabalho. professora Patrcia Bandeira de Melo e ao professor

    Wilson Fusco, pelo estmulo e dedicao de leitura no incio da pesquisa bibliogrfica. E

    ainda, s professoras Isolda Belo da Fonte e Celma Fernanda Tavares de Almeida e Silva,

    pelas contribuies significativas no momento do exame de qualificao.

    Gostaria de agradecer aos colegas de ps-graduao pelo convvio agradvel ao longo

    das disciplinas. Agradeo especialmente a Anderson Felipe, que esteve junto comigo nas

    viagens para congressos.

    Ao amigo Mestre e Doutorando em Histria, Jnatas Xavier de Souza, que me

    incentivou inicialmente a tentar adentrar neste mundo to cheio de possibilidades que o

    mestrado.

    Agradeo tambm as professoras que me receberam com ateno e apreo nas escolas

    em que me propus aplicar e avaliar a sequncia didtica objeto desta dissertao: Judimar

    Teixeira, da EREM Padre Osmar Novaes; Carla Arajo, da EREM Professor Cndido Duarte

    e Laura, da EREM Porto Digital.

    A meus familiares, amigos e amigas que acreditaram em mim e incentivavam atravs

    de demonstrao de carinho, orgulho e ateno. Nos momentos de descontrao, perguntavam

  • como estava minha pesquisa, demonstrando interesse no assunto com indagaes e elogios.

    Expresso minha gratido especial a Roberta Kelly, colega de trabalho que se tornou amiga e

    confidente, que me ajudou na traduo do resumo deste trabalho.

    A minha tia Lindacy Medeiros, que me deu amor e cuidou de mim, junto com minha

    me. Obrigado tia Linda por congratular comigo as minhas conquistas, que se tornam nossa

    conquista.

    A minha av Gercina Ferreira Medeiros (in memoriam) que do seu jeito peculiar, nos

    seus ltimos momentos, demonstrou orgulho em ter seu neto explorando o mundo do saber.

    E por ltimo, mas no menos importante, a Deus, o Criador. Que toda honra e glria

    seja dedicada a Ele, porque dEle, e para Ele so todas as coisas.

  • RESUMO

    Este trabalho de concluso de curso apresenta uma anlise da execuo de uma sequncia didtica com contedo voltado aos estudos de gnero no ensino mdio. Trabalhou-se com trechos de novelas com o objetivo de proporcionar um espao no qual possam ser discutidas as experincias vivenciadas pelo corpo discente e docente em seu cotidiano com temticas que tm, por base, os conceitos a respeito das questes de gnero, especificamente, na perspectiva da autonomia feminina nos campos poltico, econmico e fsico. Optou-se em delimitar esta avaliao num projeto de interveno em escolas de Pernambuco que possuam em sua prtica pedaggica a vivncia e constituio de Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher. Metodologicamente, adotou-se a pesquisa qualitativa, tendo como ferramentas de obteno de dados a entrevista semi-estruturada. Esta experincia didtica justifica-se pela importncia de trabalhar temticas de gnero como instrumentos de reflexo em torno das relaes sociais, utilizando a sala de aula como espao de discusses e lutas por direitos como uma das formas de exerccio da cidadania. Os resultados apontam que as discusses acerca das relaes de gnero so vistas por alunas e alunos do ensino mdio como caminhos para pleitear uma sociedade mais justa e igualitria. No entanto, perceptvel a necessidade da formao, disponibilidade e interesse de professoras e professores e o apoio da escola para um trabalho voltado para a temtica. Palavras-chave: Ensino Mdio. Gnero. Novela. Sociologia.

  • ABSTRACT

    This dissertation presents an analysis of the execution of a didactic sequence with content focused on gender studies in high school. We worked with excerpts from novels with the aim of providing a space in which the experienced by the student body and teacher in their daily routine can be discussed with themes that are based on the concepts regarding gender issues, specifically in the female autonomy perspective, in the political, economic and physical fields. It was decided to delimit this evaluation of a project of intervention in schools of Pernambuco that have in their pedagogical practice the experience and constitution of Centers of Studies of Gender and Confrontation of Violence Against Women. Methodologically, we adopted the qualitative research, having as data collection tools semi-structured interviews and participant observation. It is justified by the importance of studying gender in height schools, since gender is one of the most common ways of naturalizing inequality. Thus, this study emerges as a tool for reflection on gender relations, using the classroom as a space for discussions and struggles for rights as one of the ways of exercising citizenship. The results show that the students discussions about gender relations in the classroom are ways to plead for a more just and egalitarian society. However, is perceptible the need for the training, availability and interest of the teachers and the support of the school for a work focused on the theme of gender. Keywords: Heigh School. Gender. Soap opera. Sociology.

  • SUMRIO

    1. INTRODUO 11

    2. O QUE A PESQUISA? 15

    3. ESTUDOS DE GNERO 21

    3.1 A ESCOLA COMO ESPAO PARA AS QUESTES DE GNERO 28 3.2 A QUESTO DE GNERO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS 31

    4 DA TELEDRAMATURGIA PARA A SOCIOLOGIA: NOVELAS COMO RECURSO DIDTICO 37

    4.1 SEQUNCIA DIDTICA UTILIZANDO A NOVELA COMO RECURSO METODOLGICO PARA OS ESTUDOS DE GNERO 42 4.2 AUTONOMIA FSICA 44 4.3 AUTONOMIA ECONMICA 48 4.4 AUTONOMIA POLTICA 52

    5 DA TEORIA PRTICA: A PESQUISA DE CAMPO 57

    5.1 METODOLOGIA ADOTADA PARA A PESQUISA DE CAMPO 57 5.2 CARACTERIZAO DAS ESCOLAS CAMPO DE PESQUISA 59 5.3 CONTEXTUALIZANDO A APLICAO DA SEQUNCIA DIDTICA 63 5.3.1 A PESQUISA DE CAMPO NA EREM PADRE OSMAR NOVAES 63 5.3.2 OS QUESTIONRIOS DA EREM PADRE OSMAR NOVAES 67 5.3.3 A PESQUISA DE CAMPO NA EREM PROFESSOR CNDIDO DUARTE 72 5.3.4 OS QUESTIONRIOS DA EREM PROFESSOR CNDIDO DUARTE 79 5.3.5 A PESQUISA DE CAMPO NA EREM PORTO DIGITAL 85 5.3.6 OS QUESTIONRIOS DA EREM PORTO DIGITAL 88 5.4 ANLISE DOS RESULTADOS 97

    ANEXOS 113

    APNDICE 127

  • 11

    1. INTRODUO

    Ao refletir sobre a escolha do tema gnero para a redao desta dissertao ficaram

    mais claras algumas questes desse campo de estudos no que diz respeito a minha trajetria

    afetiva, educacional e profissional como aluno e tambm como professor do ensino mdio.

    Os livros didticos que me educaram, na dcada de 1980, apresentavam um modelo de

    famlia nuclear, com pai, me e filhos, que no me representava, da mesma forma que a ideia

    do pai provedor no fazia parte da minha vivncia familiar. Minha experincia de vida era

    diferente do modelo familiar considerado natural nos materiais educacionais.

    Meu crescimento partiu de um lar composto por me, tia e irmos: um mais velho e

    outro mais novo. Minha me era a provedora e minha tia cuidava de mim e dos meus irmos.

    Assim, o meu amor, admirao, proteo e respeito era partilhado entre as duas pessoas

    adultas presentes em minha casa, ou seja, duas mulheres.

    Apesar de ter contato com o meu pai, geralmente nos finais de semana, no o via como

    meu protetor. Essa funo era ocupada por minha me. Tinha-o como mais um parente, assim

    como temos tios, primos e avs.

    O valor culturalmente imposto ao papel do pai estabelecido pela sociedade no se

    enquadrava a minha realidade. Mesmo no entendendo o que fazia com que eu pensasse

    assim, no me sentia menos protegido em ter minha me assumindo um papel que a sociedade

    impunha ser do homem, do pai.

    Outro ponto que recordo e que envolveu meu ambiente escolar eram as chamadas

    reunies de pais e mestres. Para uma criana de at oito anos de idade, no clara a ideia do

    que seja mestre. Mas, para mim, na poca, a ideia de reunio de pais seria uma reunio

    apenas com os pais, os homens, e no seria necessria a participao da minha me.

    E ainda tinha outra situao no meio familiar que ia de encontro aos ditames

    normativos da sociedade que atribua o poder figura paterna e que considero contribuinte

    para a formao da minha identidade social. Nos finais de semana ou em datas comemorativas

    convidativas para serem comemoradas com os familiares, tais como os feriados dos meses de

    dezembro, Dia das Mes, Dias dos Pais ou aniversrio de algum parente, minha me nos

    levava para casa de nossa av. Assim ela dizia: amanh vamos para casa de me.

    Mesmo minha av vivendo com meu av, eu tinha em mente que a casa era dela. E o

    temperamento natural de minha av, apesar de fisicamente ser pequena e magrinha, fazia com

  • 12

    que ela crescesse aos nossos olhos, pois ela possua uma autoridade que fazia com que todos e

    todas (filhos e filhas, netos e netas) temessem contrari-la. At mesmo o meu av, quando

    estvamos (eu, irmos, primos e primas) fazendo algo que poderia ter a reprovao dela,

    dizia: se av de vocs v isso, vai dar certinho! Assim, vendo um casal vivendo na mesma

    casa, eu ainda enxergava uma mulher com autoridade. Em contrapartida, via nas telenovelas,

    ouvia nas conversas do cotidiano e nos discursos da escola e professados na igreja que essa

    funo era atribuda ao homem da casa.

    Foi nesse contexto que percebi, hoje como professor do ensino mdio, a reproduo de

    tudo que vivi como aluno. A distino de papis sociais presentes, tanto nos professores e nas

    professoras, como nos estudantes e nas estudantes. A autoridade de convocar o pai para expor

    o aluno que est dando problema na escola. A conivncia de o aluno ser mais popular e a

    presso da aluna ser mais contida. E, ainda, a negao em perceber a pluralidade de gnero.

    Essas inquietudes, essa busca de incluir meu modelo de famlia, de ter sido e est

    sendo provido e protegido por mulheres, esse estranhamento de atribuir ao homem o poder de

    comando, faz-me acreditar que, inconsciente e ao mesmo tempo conscientemente, levou-me a

    desenvolver este trabalho com prticas educativas em torno da temtica de gnero.

    Senti-me no dever, na funo de professor, dar luz temtica de gnero por ainda

    perceber nos discursos, tanto de colegas de trabalho, quanto pelos alunos e alunas, uma viso

    da permanncia do modelo de famlia nuclear, na qual ainda so vistas como diferentes as

    pessoas que no se enquadram no modelo de famlia padro.

    O tratamento diferenciado dado ao aluno e aluna, a dificuldade dada aos clculos das

    disciplinas de exatas, visto como obstculos para as alunas e o tabu dos alunos no se

    identificarem com as disciplinas da rea de humanas so resqucios das questes de gnero

    que permanecem presentes nos corredores da escola e nas salas de aula.

    A sequncia didtica aplicada ao longo da pesquisa contribuiu na perspectiva de

    explorar os estudos de gnero a partir de algumas prticas escolares, utilizando como recurso

    a atividade pedaggica a partir das situaes de vida retratadas nas telenovelas, permitindo

    uma reflexo em torno das questes de gnero.

    A execuo desta proposta iniciou-se no ms de agosto de 2014, envolvendo,

    principalmente, encontros presenciais com o orientador; levantamento bibliogrfico e

    pesquisas de materiais audiovisuais, especificamente, as telenovelas.

    Com relao ao aspecto metodolgico, optou-se relacionar reflexes de cunho terico

    a partir de uma bibliografia especializada em estudo de gnero, Sociologia e mtodos de

    utilizao de recursos audiovisuais para a construo do objeto de pesquisa, visando

  • 13

    desenvolver uma sequncia didtica a ser trabalhada nas escolas que possuam Ncleos de

    Estudos de gnero e Enfrentamento da Violncia contra a Mulher em trs Escolas de

    Referncia em Ensino Mdio (EREMs) da regio metropolitana de Recife, capital de

    Pernambuco.

    Os ncleos de estudos de gnero e enfrentamento da violncia contra a mulher foram

    criados pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, em 2010, com objetivo de desenvolver e

    capacitar agentes multiplicadores em torno da temtica de gnero. Os ncleos so espaos de

    desenvolvimento de propostas e contedos pedaggicos em que os estudos de gnero so o

    enfoque, contribuindo para a reduo das desigualdades sociais que existem entre homens e

    mulheres nas mais diversas esferas.

    O segundo captulo descreve a estrutura deste trabalho de concluso de curso. Intitulado

    O que a pesquisa?, apresenta seu desenvolvimento, a escolha do tema e a organizao da

    sequncia didtica, justificando o motivo de utilizar as aulas do ensino mdio como espao

    privilegiado de produo do conhecimento. Ainda traz as fontes tericas que contriburam

    para a composio da pesquisa.

    O terceiro captulo Estudos de Gnero discorre sobre a base terica escolhida para a

    composio deste trabalho de concluso de curso, da qual se destacam Joan Scott (1995), que

    atribui ao conceito de gnero a condio de categoria analtica e, tambm, o estudo

    desenvolvido pela Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL) que

    aponta a autonomia fsica, econmica e social da mulher para a conquista de uma equidade de

    gnero. Assim, possvel fazer um recorte sobre gnero em duas perspectivas, uma terica e

    outra instrumental, respectivamente, permitindo instrumentalizar as questes levantadas por

    Scott a partir dos dados apresentados pelo estudo da CEPAL.

    Ainda, no mesmo captulo, h uma abordagem sobre a escola como espao para as

    questes de gnero, destacando-se a importncia de discutir essa temtica dentro do mbito

    escolar. Para tanto, o texto dialoga com as ideias de Guacira Louro (2010) cujos escritos

    buscam apresentar a necessidade e a importncia da insero dos estudos de gnero dentro do

    mbito escolar, tornando-se imprescindveis para essa pesquisa. Encerrando esse captulo, so

    verificados documentos oficiais a fim de observar como as polticas pblicas tratam as

    questes de gnero, especificamente, as polticas pblicas educacionais, e de como pode ser

    trabalhado, no ensino mdio, os contedos pertinentes s relaes de gnero, tomando como

    referencial terico os documentos oficiais.

    O quarto captulo faz uma recontextualizao da teledramaturgia para a sociologia:

    novelas como recurso didtico apresentando uma sequncia didtica em que se utiliza a

  • 14

    telenovela como recurso metodolgico para os estudos de gnero com enfoque na autonomia

    fsica, autonomia econmica e autonomia poltica, de modo a instituir o gnero como

    categoria til relacionando-os aos smbolos, aos conceitos normativos, noo do poltico e

    identidade subjetiva; distines essas desenvolvidas por Scott (1995). Para isso, apresenta

    uma breve descrio do surgimento da telenovela no Brasil, buscando no se esgotar em

    dados histricos, mas apenas situar o leitor e a leitora em relao justificativa da escolha da

    telenovela como instrumento didtico.

    E por ltimo, o quinto captulo apresenta os resultados da aplicao e da avaliao da

    sequncia didtica desenvolvida nas trs escolas de ensino mdio visitadas. Em primeiro

    lugar, contextualiza-se o espao escolar de cada uma delas para que, em seguida, sejam

    analisados os resultados desta experincia a partir da perspectiva de alunas e alunos

    participantes da atividade proposta.

  • 15

    2. O QUE A PESQUISA?

    Este trabalho de concluso de curso Da sala de estar para sala de aula: novelas como

    recurso didtico para os estudos de gnero nas aulas do ensino mdio compreende uma

    pesquisa composta pela proposio e anlise de uma sequncia didtica que adota uma

    perspectiva sociolgica contribuindo para os estudos de gnero.

    Para a definio da sequncia didtica buscou-se apoio em Zabala, que a define como

    um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realizao de certos

    objetivos educacionais, que tem um princpio e um fim conhecidos tanto pelos professores

    como pelos alunos (ZABALA, 1998, p.18).

    Para o desenvolvimento deste estudo, buscou-se explorar os contedos e recursos

    didtico-pedaggicos tendo como enfoque o estudo das relaes de gnero, Para tanto, tomou-

    se como base as aes da Secretaria da Mulher de Pernambuco (SecMulher), em parceria com

    a Secretaria da Educao (Seduc), a partir da experincia dos Ncleos de Estudos de Gnero e

    Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher presentes nas Escolas de Referncia em Ensino

    Mdio (EREMs)1.

    O Estado de Pernambuco destaca-se nacionalmente por promover a aliana entre a

    Seduc e a SecMulher, e a relevncia deste estudo encontra-se no propsito que envolve esta

    parceria. A SecMulher, ao criar os Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da

    Violncia Contra a Mulher nas EREMs, buscou tratar das questes de gnero de modo a

    atingir as relaes sociais futuras, atuando no enfrentamento a qualquer tipo de preconceito e

    a favor de uma sociedade estruturalmente mais justa "livre da opresso e explorao de

    gnero, raa, etnia, classe social e orientao sexual". (PERNAMBUCO, 2008, p. 07).

    Assim, a SecMulher compromete-se a atuar na sociedade na perspectiva de incluso

    social, de humanizao das relaes de poder e de empoderamento socioeconmico das

    mulheres, expandindo a sua interao com outras reas do governo. (PERNAMBUCO, 2008,

    p. 07). Interao esta identificada, por exemplo, com a Seduc na implementao dos Ncleos

    de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher.

    A SecMulher, para desenvolver o trabalho com os Ncleos, toma por base conceitual a

    definio das polticas de gnero em busca da autonomia e justia, dentre outros fatores,

    garantir os direitos humanos, sociais, polticos e econmicos das mulheres (PERNAMBUCO, 1 Os EREMs so escolas que funcionam em tempo integral ou semi-integral com horrios ampliados, 45h ou 35h, respectivamente, e organizados de modo a favorecer as experincias educativas, culturais, esportivas e artsticas dos estudantes a partir de um planejamento estratgico embasado na Tecnologia Empresarial Aplicada Educao. Disponvel em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&men=70. Acesso em 10 de junho de 2016.

    http://h

  • 16

    2008). Utilizando como referncia esse foco, optou-se em incluir na construo deste trabalho

    o levantamento desenvolvido pela CEPAL, pois este ajuda a operacionalizar certas categorias,

    as quais podem contribuir na compreenso do escopo das aes da secretaria em diferentes

    reas de ao.

    A seguir, apresento um quadro que sintetiza as polticas de gnero para as mulheres

    promovidos pela SecMulher:

    Quadro 1 Polticas Pblicas de Gnero da SecMulher

    Fonte: Desenvolvido pelo autor, 2016. Tomou-se como base o Anurio da Secretaria da Mulher de Pernambuco do ano de 2010.

    A criao dos Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia Contra a

    Mulher visou aes de formao e pesquisa em gnero e educao. O envolvimento da

    comunidade escolar estadual (professores e professoras, gestores e gestoras, a rea de apoio,

    junto com os estudantes e as estudantes) foi imprescindvel para a execuo de aes

    educativas voltadas para uma tomada de conscincia e valorizao da mulher

    (PERNAMBUCO, 2010).

    Conforme Rmulo Guedes Silva (2015b), a implementao destes Ncleos de Estudos

    de Gnero revela Pernambuco como um estado inovador nas aes e articulaes que

    favorecem a reflexo do jovem estudante sobre as desigualdades de gnero e a violncia

    contra mulher (SILVA, 2015b, p. 68).

    Destaca ainda que,

    Polticas Pblicas de Gnero para as Mulheres

    So aquelas aes que tm como sujeitos as mulheres e, assim, esto voltadas efetivamente para o empoderamento das mesmas, promovendo a igualdade social, poltica e econmica entre os sexos. A aplicao desses conceitos ordena que as polticas para as mulheres devem:

    Reparar as desvantagens que esse segmento da populao ainda vivencia, devido aos longos anos de violao de seus direitos polticos, econmicos e sociais.

    Proteger esse segmento da populao da violncia domstica e sexista

    Atender de forma adequada s especificidades fsicas e biolgicas da populao feminina, como a gravidez, parto, aborto etc.

  • 17

    a pertinncia e a funo estratgica dos Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia contra as Mulheres reside exatamente em relacionar um contexto geral de discriminao e violncia contra a mulher com as polticas pblicas de educao. (SILVA, 2015b, p. 37)

    nessa perspectiva e funo estratgica que est a relevncia deste trabalho, pelo fato

    de a escola no ser apenas um espao de reproduo das prticas sociais, mas tambm ser um

    espao de aprendizado e de construo social do indivduo. A partir dela, preciso pensar em

    uma transformao histrica, social, cultural e poltica da qual os jovens so protagonistas. As

    estratgias obtidas por meio da parceria entre a escola e a SecMulher proporcionam um

    trabalho mais bem estruturado e contnuo, ampliando o poder de repercusso dessas aes na

    comunidade escolar (SILVA, 2015b).

    Para tanto, so necessrias novas formas de anlise de como so atribudos certos papis

    a mulheres e homens a fim de que, mediante esta distino, no sejam reproduzidas as

    desigualdades existentes em nossa sociedade.

    Para adentrar nesse campo de pesquisa utilizou-se como material de apoio as

    telenovelas. Por meio da seleo de determinadas cenas, foram exploradas com estudantes do

    ensino mdio as formas mais comuns de desigualdade e preconceito de gnero. Essa opo

    decorre do fato de a telenovela ser um canal de mediao entre as experincias individuais e

    coletivas do presente e do passado, e tambm por fazer parte da cultura da maioria da

    juventude brasileira.

    A opo em trabalhar com novelas como recurso didtico deu-se em concordncia

    com as ideias de Fischer ao relatar que,

    quando assistimos TV, pode-se afirmar que esses olhares dos outros tambm nos olham, mobilizam-nos, justamente porque possvel enxergar ali muito do que somos (ou do que no somos), do que negamos ou a rejeitar ou simplesmente a apreciar (FISCHER, 2003, p.12).

    Assim, acredita-se que esse olhar para a novela, reportado para a criticidade e

    embasado por um conhecimento cientfico, uma ferramenta em favor de uma educao

    voltada autonomia do estudante e da estudante, pois a escola tem grande responsabilidade

    no processo de formao de futuros cidados e cidads, ao desnaturalizar e desconstruir as

    diferenas de gnero, questionando as desigualdades da decorrentes (CARRARA;

    HEILBORN, 2009, p. 59).

    A autora Rosa Maria Bueno Fischer (2007) considera urgente incluir os materiais

    miditicos, e suas relaes com o social e o cultural, nos debates sobre didtica e prticas de

    ensino (FISCHER, 2007, p. 292). Entendendo como fundamental para o processo de

  • 18

    aprendizagem relacionar os materiais miditicos com a proposta pedaggica, este trabalho

    opta em utilizar a telenovela para auxiliar nos debates na sala de aula em torno dos estudos de

    gnero.

    Fischer (2007) relata que, ao estudar os recursos miditicos, que ela chama de

    dispositivo pedaggico de mdia, se est lidando com objetos, com tecnologias e, ainda,

    com saberes histricos envolvidos em relaes de poder e carregados de subjetividades

    (FISCHER, 2007, p. 294). Para ela, a utilizao das imagens refletidas na TV, dentro da sala

    de aula, no contexto atual, indispensvel. Isso porque h todo um trabalho de simbolizao,

    no lugar daquele que imagina, planeja, produz e veicula (...), novelas, (...), assim como h um

    trabalho permanente de simbolizao, no lugar daquele que se apropria do que v

    (FISCHER, 2007, p. 296).

    Assim, com vistas a conjugar tecnologia, ensino e recurso miditico com e como

    recurso didtico, optou-se como marco terico dialogar com Joan Scott (1995), Guacira Lopes

    Louro (2010) e Maria Immacolata Vassallo de Lopes (2011).

    Alm disso, realizaram-se estudos no campo da metodologia da pesquisa, a fim de

    definir o melhor recurso para a pesquisa de campo. Para tanto, foram utilizados os estudos dos

    autores e das autoras seguintes: Uwe Flick (2013); Arilda Godoy (1995) e Martin W. Bauer e

    George Gaskell (2002).

    Com o intuito de apreender a utilizao de cenas de telenovelas como experincias

    didticas em sala de aula, este estudo opta por relacion-las com as reflexes em torno do

    ensino de Sociologia. Para tanto, utilizou-se como referncias: as Diretrizes Curriculares

    Nacionais para o Ensino Mdio (DCNs, 2013), os Parmetros Curriculares Nacionais

    (PCNEMs, 2000), as Orientaes Curriculares Nacionais (OCNs, 2006), especificamente as

    Cincias Humanas e suas tecnologias, limitando-se ao componente de Sociologia e, ainda, os

    Parmetros para a Educao Bsica do Estado de Pernambuco, especificamente, os

    Parmetros Curriculares de Filosofia e Sociologia (2013), dos quais se limitou a anlise ao

    campo especfico da Sociologia.

    A proposta deste estudo partir de uma perspectiva sociolgica de modo a alcanar os

    demais componentes curriculares das trs sries do ensino mdio a partir da utilizao de

    temas transversais, tornando-se vivel trabalhar com os Ncleos de Estudo de Gnero e

    Enfrentamento da Violncia contra a Mulher presentes nas escolas selecionadas, haja vista

    que as trs sries do ensino mdio esto contempladas nestes Ncleos.

  • 19

    A relevncia em trazer os estudos de gnero para a disciplina de Sociologia deve-se s

    expectativas de aprendizagem (EA) presentes nos Parmetros Curriculares de Filosofia e

    Sociologia (2013)2, pois identificado como EA, neste campo, o desenvolvimento de atitude

    crtico-reflexiva, possibilitando ao aluno e aluna analisar criticamente o processo de

    naturalizao e o estranhamento da realidade da sociedade, percebendo-se como agentes

    sociais e dinamizadores dos processos sociais, ou seja, como responsveis e incentivadores

    pelos desdobramentos ocorrentes na sociedade. Assim como compreender os processos de

    interao social, sobretudo, nas relaes de gnero e sua relao com outras categorias, como

    as de classe e raa, por exemplo, de modo que possibilite identificar seus impactos polticos,

    econmicos e sociais, respeitando as diferenas e promovendo estratgias de incluso (2013).

    Acredita-se que este estudo ir, em primeiro lugar, colaborar com a promoo de

    polticas pblicas que vem sendo realizada pela SecMulher em parceria com a Seduc, com a

    participao de outras instituies de ensino e pesquisa sediadas no estado. Em segundo lugar,

    espera-se cooperar, de acordo com o conjunto legal que rege a educao bsica no pas, com o

    ensino na preparao de jovens a partir do conhecimento investigativo e crtico prprio da

    Sociologia, de modo que possam reproduzi-los.

    Desse modo, almeja-se contribuir nas abordagens s questes de gnero na escola,

    tomando-se como referncia os contedos e recursos didtico-pedaggicos pertinentes s

    aulas de Sociologia do Ensino Mdio. O foco so as desigualdades de gnero, retratadas em

    cenas de telenovelas, sistematizadas como recurso-didtico de ensino concernente ao estudo

    das relaes de gnero. Assim, pleiteiou-se buscar respostas para as indagaes a seguir:

    Como aulas de Sociologia no ensino mdio podem contribuir para o estudo das

    relaes de gnero?

    possvel utilizar a telenovela como recurso metodolgico no estudo sobre as

    questes de gnero?

    Os estudantes e as estudantes conseguem fazer ligaes entre o contedo estudado

    com a telenovela?

    Considera-se importante estimular os jovens do ensino mdio a perceber as

    singularidades da sociedade na qual esto inseridos e compreender, por meio da telenovela, as

    singularidades que envolvem as relaes sociais, em especfico as que envolvem questes de

    gnero e suas desigualdades. A proposta de refletir o estudo de gnero a partir de trechos de 2 No anexo encontra-se o quadro com as expectativas de aprendizagem (EA) dos contedos da disciplina de Sociologia pertinentes ao primeiro bimestre.

  • 20

    telenovelas e a opo por trabalhar com novelas brasileiras deu-se pela riqueza de produo

    que o pas apresenta e, ainda, por sua ampla disseminao em todas as classes sociais.

    Metodologicamente, foi adotada a pesquisa qualitativa, especificamente, a utilizao de

    questionrio semiestruturado aplicado em dois momentos: um antes da apresentao da

    sequncia didtica e outro aps. E ainda, utilizou-se gravador para registrar os udios nos

    encontros.

  • 21

    3 ESTUDOS DE GNERO

    A principal referncia terica para definio de gnero, no desenvolvimento deste

    estudo, foi Joan Scott (1995), que apresenta o conceito como categoria til de anlise. Ainda,

    optou-se em utilizar, tambm, o Guia de Produo de Estatsticas de Gnero desenvolvido

    pela Comisso Econmica para Amrica Latina e o Caribe (CEPAL, 2007), que agrupa em

    certas categorias os diferentes tipos de desigualdades existentes entre homens e mulheres.

    Segundo Joan Scott (1995), o gnero, desde sua origem, um conceito poltico que diz

    respeito s relaes de poder e que tanto sexo e gnero so conceitos histricos, portanto,

    mutveis no tempo e no espao.

    Scott define gnero como um elemento constitutivo de relaes sociais baseado nas

    diferenas percebidas entre os sexos, e [...] uma forma primeira de significar as relaes de

    poder (SCOTT, 1995, p. 21). Para tanto, indispensvel confrontar a ideia da supremacia

    masculina sobre a feminina buscando respostas de como o gnero funciona no contexto atual.

    Assim, Scott considera o gnero como um saber sobre as diferenas sexuais.

    Desse modo, assumindo uma posio de anlise da construo e consolidao de

    poder e atribuindo ao gnero a funo de categoria analtica, Scott afirma que:

    O gnero se torna (...) uma maneira de indicar as construes sociais a criao inteiramente social das ideias sobre os papis prprios aos homens e s mulheres. uma maneira de se referir s origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e mulheres. O gnero , segundo essa definio, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1995, p.07).

    A autora ainda diz que:

    Gnero a organizao social da diferena sexual percebida. O que no significa que gnero reflita ou implemente diferenas fsicas fixas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gnero o saber que estabelece significados para as diferenas corporais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos sociais e no tempo, j que nada no corpo () determina univocamente como a diviso social ser estabelecida. (Scott,

    1994, p. 13)

    Assim, para compreender esses construtos sociais que atribuem significados para as

    diferenas de um corpo sexuado, Joan Scott relaciona o gnero a quatro elementos: aos

    smbolos, aos conceitos normativos, noo do poltico e identidade subjetiva.

  • 22

    Imagem 1 Quatro Elementos Relacionados ao Gnero

    Fonte: Desenvolvido pelo autor, a partir do estudo de SCOTT (1995), 2015.

    Os smbolos referem-se s atribuies culturais em que a mulher comparada a uma

    imagem e semelhana do modelo de outra mulher; Maria, a santa, por exemplo. A expresso

    normativa de gnero, em que interpretada toda a carga simblica que esta imagem carrega,

    limitando as possibilidades que as mulheres3 possuem, diz respeito pureza, castidade,

    virgindade, etc. Esta expresso normativa diz respeito s regras imputadas s mulheres para

    que apresentem ou representem certas caractersticas, ou seja, daquilo que certo ou errado

    seguir.

    No entanto, preciso levar em considerao a noo do poltico, outro elemento

    relacionado ao gnero, para que as mulheres percebam as atribuies dos papis sociais

    tradicionalmente imputados a elas, possibilitando interpretar o poder que as instituies tm

    sobre os sujeitos sociais (individuais e coletivos), para que, assim, conquistem os espaos que

    lhes foram negados ao longo da histria.

    Para completar os quatro elementos relacionados ao gnero, h a identidade subjetiva,

    campo das afetividades individuais no qual se expressam as imposies simblicas, polticas e

    normativas relacionadas com os papis de homens e mulheres construdos socialmente.

    Para a construo da sequncia didtica, gnero e suas expresses foram associados

    aos indicadores de desigualdade apresentados pela Comisso Econmica para a Amrica

    3 Como no existe uma essncia de mulher, optou-se pela utilizao sistemtica da expresso na forma como aparece nesta dissertao propositalmente entre aspas.

  • 23

    Latina e o Caribe (CEPAL)4, como o uso do tempo e o trabalho no remunerado, a violncia

    contra a mulher e sua participao poltica (CEPAL, 2010, p. 8), que contribuem para

    operacionalizar as dimenses de gnero apresentadas por Scott. Com isso, pretendeu-se

    compreender as dimenses sociais que expressam as desigualdades de gnero, objetivando a

    promoo da equidade de gnero e a autonomia da mulher. Para a CEPAL, a disparidade

    poltica e cultural ocorrente nas relaes de gnero dificulta a criao e execuo de leis que

    promovam a insero da mulher no campo econmico e poltico (CEPAL, 2011, p. 06). Parte-

    se do pressuposto que a superao desse obstculo d-se com a oferta de educao de modo

    igualitrio, com emprego remunerado e com participao poltica, dentre outros fatores.

    O estudo desenvolvido pela CEPAL tem como objetivo alcanar a igualdade de gnero

    e eliminar a discriminao contra mulheres e meninas em todo o mundo. Trata-se de um

    roteiro para o avano da igualdade e do empoderamento das mulheres nos pases. No entanto,

    a CEPAL admite que os dados levantados ainda so insuficientes para gerar informao em

    reas chave como a participao das mulheres em todos os nveis do processo de tomada de

    decises, a pobreza e o gnero, o trabalho feminino remunerado e no remunerado, o uso do

    tempo e a violncia de gnero (CEPAL, 2010, p. 07).

    O levantamento estatstico desenvolvido pela CEPAL contribui para uma anlise mais

    rigorosa da realidade social pertinente aos estudos de gnero. Nele so identificadas as

    mudanas significativas na instituio familiar no que tange ao papel da mulher que, aos

    poucos, est superando sua situao de subordinao. Entre essas mudanas revela-se a opo

    do segundo casamento com filhos de casamentos anteriores (MILOSAVLJEVIC, 2007, p.

    25). Nessa perspectiva, possvel vislumbrar mudanas futuras nas relaes de poder,

    partindo do pressuposto que as relaes so plurais e dinmicas. certo que ainda apresenta

    diferena nas posies do homem e da mulher, mas essa dinamicidade percebida favorece a

    igualdade de gnero.

    A CEPAL considera que a educao fundamental para uma perspectiva de igualdade

    de gnero. Considera que o acesso das crianas escola contribui para o desenvolvimento

    crtico-reflexivo dos meninos e meninas no que tange s questes sociais, tais como a

    pobreza, a discriminao racial, a situao da mulher no mercado de trabalho com rendimento

    financeiro inferior ao do homem, assim como as influncias culturais presentes na diviso

    4 A CEPAL foi criada em 25 de fevereiro de 1948, pelo Conselho Econmico e Social das Naes Unidas (ECOSOC), e tem sua sede em Santiago, Chile, sendo uma das cinco comisses econmicas regionais das Naes Unidas (CEPAL, 2010, p. 5).

  • 24

    sexual do trabalho e, ainda, a atribuio feminina do papel reprodutivo da mulher e do papel

    provedor do homem (MILOSAVLJEVIC, 2007, p. 26).

    O enfoque que o levantamento da CEPAL apresenta em relao pobreza pode ser

    considerado uma de suas principais contribuies para este estudo. O ncleo familiar e a

    relao de dependncia existente (sobretudo, da mulher), a diferena de rendimento mdio, o

    trabalho no remunerado, em que as mulheres so as maiores protagonistas, so indicadores

    que fortalecem a necessidade de fortalecimento da independncia econmica das mulheres

    (MILOSAVLJEVIC, 2007, p. 27).

    Para a sequncia didtica construda para uso em sala de aula, optou-se por tomar

    como enfoque a autonomia fsica, econmica e poltica como instrumentos para a busca de

    uma paridade social de gnero, seguindo o Guia de Produo de Estatsticas de Gnero

    desenvolvido pela CEPAL (2007), que apresenta como proposta fundamental para o exerccio

    da igualdade de gnero a oferta de emprego sem distino de gnero; as garantias estatais dos

    direitos humanos; a igualdade no meio pblico e privado e a redistribuio trabalho

    remunerado e no remunerado.

    Para a CEPAL, faz-se necessrio a criao de polticas e planos que compensem as

    desigualdades existentes. A comisso atribui a pobreza como proveniente das questes de

    gnero, haja vista que h desigualdades presentes na distribuio salarial entre homens e

    mulheres, por exemplo.

    Assim, aponta as trs autonomias fundamentais para o desenvolvimento das

    mulheres:

    Autonomia econmica, que envolve o controle sobre bens e recursos materiais e

    intelectuais, bem como a capacidade de decidir sobre o seu rendimento.

    Autonomia fsica e integridade, um pr-requisito para o exerccio dos seus direitos

    sexuais e reprodutivos.

    Autonomia poltica, que tem a ver com a igual representao em espaos de

    tomada de deciso, especialmente no governo e parlamentos.

    O quadro5 a seguir est embasado no levantamento desenvolvido pela CEPAL e

    apresentando uma sntese das pesquisas realizadas pela comisso apontando alguns

    indicadores e conceitos das autonomias.

    5 Para a composio deste quadro tomou-se como fonte referencial a homepage do Observatrio da igualdade de gnero que apresenta os indicadores levantados pela CEPAL. Site: http://www.cepal.org/oig/default.asp?idioma=PR. Acesso em 07/01/2016.

    http://h

  • 25

    Quadro 3 Conceito e Indicadores das Autonomias segundo a CEPAL

    AUTONOMIA FSICA

    AUTONOMIA POLTICA

    AUTONOMIA ECONMICA

    O QUE ?

    A autonomia fsica expressa-se em duas

    dimenses que mostram dois problemas sociais relevantes na regio: os

    direitos reprodutivos das mulheres e a

    violncia de gnero.

    A autonomia poltica trata da tomada de decises e refere-se presena das mulheres na tomada de

    decises em distintos nveis de poderes do Estado e s

    medidas para promover sua participao plena e em igualdade de condies.

    A autonomia econmica entendida como a capacidade das mulheres de gerar renda e recursos prprios, a partir do

    acesso ao trabalho remunerado em igualdade de condies com os homens. Considera o uso do

    tempo e a contribuio das mulheres economia.

    ALGUNS INDICADORES

    Morte de mulheres provocada por seu

    companheiro ou ex-companheiro

    Maternidade em adolescentes

    Demanda insatisfeita de planejamento familiar Mortalidade materna

    Porcentagem de mulheres nos gabinetes ministeriais nos Poderes executivo, legislativo, judicirio e

    poder local.

    Renda: porcentagens de homens e mulheres que no recebem renda e no estudam, sobre o

    total da populao feminina ou masculina acima de 15 anos Tempo total de trabalho:

    nmero total de horas destinadas ao trabalho remunerado e ao

    trabalho domstico no remunerado.

    FONTE: Desenvolvido pelo autor, baseado no levantamento estatstico da CEPAL (2007), 2016.

    Alm de Joan Scott e o Guia da Cepal terem servido como referncias para a

    construo da sequncia didtica a partir de trechos de telenovelas, foi realizado um estudo

    prvio em relao ao tema gnero. Sabe-se que os estudos sobre o tema no so recentes. Na

    dcada de 1940, Simone de Beauvoir destacou-se com O Segundo Sexo (1949), tornando-se

    uma referncia para estudiosos e estudiosas de gnero e de sexualidade.

    Ao escrever que no se nasce mulher, mas torna-se, Beauvoir quis referir-se ao fato de

    que o gnero, alm de ser uma construo social, necessita que esta construo seja aceita,

    sem cogitao de dvidas, tornando-se uma verdade absoluta (ou quase). Judith Butler, a esse

    respeito, identificou em seus estudos sobre O Segundo Sexo que:

    Beauvoir diz claramente que a gente se torna mulher, mas sempre sob uma compulso cultural a faz-lo. E tal compulso claramente no vem do sexo. No h nada em sua explicao que garanta que o ser que se torna mulher seja necessariamente fmea. (BUTLER, 2003, p. 27)

    Deste modo, Beauvoir traz tona uma problematizao que j existia, mas que no era

    questionada, justificando sua obra como um pilar que sustentou e deu incio aos estudos de

    gnero. Donna Haraway (2004) destaca que, apesar de haver diferenas nas significaes de

    gnero, todas as definies so originrias de Simone de Beauvoir.

  • 26

    Segundo Piscitelli (2002, p. 1), as discusses em torno de gnero disseminaram-se a

    partir da dcada 1980, apresentando uma nova tica temtica na tentativa de desmembrar a

    viso biolgica vinculada cultural para a definio do conceito. A esse respeito, Linda

    Nicholson identificou que:

    a maioria das feministas do final dos anos 60 e inicio dos 70 aceitaram a premissa da existncia de fenmenos biolgicos reais a diferenciar mulheres de homens, usadas de maneira similar em todas as sociedades para gerar uma distino entre masculino e feminino. A nova ideia foi simplesmente a de que muitas das diferenas associadas a mulheres e homens no eram desse tipo, nem efeitos dessa premissa. (NICHOLSON, 1999, p. 04)

    Em outras palavras e, ainda, tomando como referncia os estudos de Linda Nicholson,

    ao falar da relao dos aspectos biolgicos e culturais na definio de gnero, diz que o

    biolgico serve como base sobre a qual os significados culturais so constitudos. Assim, no

    momento mesmo em que a influncia do biolgico est sendo minada, esta tambm

    invocada. (NICHOLSON, 1999, p. 04).

    Gnero era visto antes por muitos como sinnimo de mulheres, alm disso, era

    considerado aparentemente neutro, desprovido de propsito ideolgico imediato (TORRO

    FILHO, 2005, p. 130). Buscando uma linha cronolgica sobre os estudos de gnero, Cristina

    Bruschini e Cli Regina Pinto (2001) declararam que

    a dcada de 80 foi a dos movimentos sociais e do florescimento de novas identidades. Se, por um lado, aumentava o nmero de sujeitos que se fechavam em si mesmos, elegendo cada um a sua luta como a verdadeira, por outro, a existncia concomitante desses agentes provocou uma reflexo sobre os limites do fechamento de cada um. O estudo de gnero nas diversas Cincias Sociais refletiu, com muita preciso, esse novo momento. A discusso estava colocada e o objeto mulher, como categoria de anlise, foi posto em xeque. (BRUSCHINI; CLI, 2001, p. 08)

    A este respeito, Scott relata que

    a maneira como esta nova histria iria simultaneamente incluir e apresentar a experincia das mulheres dependeria da maneira como o gnero poderia ser desenvolvido como uma categoria de anlise. Aqui as analogias com a classe e a raa eram explcitas; com efeito, as(os) pesquisadoras(es) de estudos sobre a mulher que tinham uma viso poltica mais global, recorriam regularmente a essas trs categorias para escrever uma nova histria (SCOTT, 1995, p. 04)

    neste novo objeto mulher que este trabalho de concluso de curso pretende

    adentrar, considerando os estudos de gnero como referncia a fim de perceber que as

    questes de gnero no esto ligadas apenas ao conhecimento ou informao, mas incide em

    um posicionamento poltico e em valores diante de uma multiplicidade de relaes sociais.

  • 27

    Durante a pesquisa bibliogrfica, para o aporte terico, foi possvel identificar alguns

    autores e autoras que se dedicaram a temtica de gnero, como os desenvolvidos por Heleieth

    Saffioti (1969), Eva Blay (1969), Nelson Rosamilha (1965), Aparecida Joly Gouveia e Robert

    Havighrust (1969) Jos Pastore (1971), Carmen Barroso e Llio L. de Oliveira (1971)6. No

    entanto, a escolha terica em Joan Scott deu-se pela metodologia escolhida para o

    desenvolvimento deste trabalho que utiliza gnero como categoria til de anlise.

    Apresentar a definio de gnero aos estudantes do ensino mdio faz parte da proposta

    desta dissertao, de modo que os possibilite apropriarem-se dos avanos que essa rea de

    estudos alcanou e est alcanando. No entanto, importante enfatizar que no inteno

    desta experincia esgotar as possibilidades da definio de gnero em sala de aula, haja vista

    que

    as posturas das autoras que discutem atualmente o conceito de gnero so extremamente variadas. Elas oscilam entre realizar uma crtica a vrias das ideias associadas distino sexo/gnero, procurando sadas sem abandonar, porm, princpios associados noo de gnero, ou, ao contrrio, procurar categorias alternativas uma vez que pensam o gnero como par inseparvel numa distino binria.(PISCITELLI, 2002, p. 12).

    Em sntese, diante desse cenrio terico, a alternativa apresentada por este estudo foi

    concatenar os estudos de gnero de Joan Scott com o Guia operacionalizado pela CEPAL

    utilizando uma sequncia didtica com cenas da telenovela Babilnia (2015) como

    instrumento didtico para a educao do ensino mdio, especificamente, nas EREMs que

    possuem Ncleos de Estudo de Gnero e Enfrentamento da Violncia contra a Mulher.

    A proposta que os alunos e as alunas identificassem nas personagens selecionadas os

    elementos relacionados ao gnero apresentados por Scott (1995) e as autonomias expostas

    pelo Guia da CEPAL (2007), apropriando-se de diferentes dimenses relacionadas aos modos

    pelos quais so construdas as relaes sociais entre mulheres e homens nos mbitos da

    autonomia poltica, econmica e fsica.

    6 Extrado do Caderno de Pesquisa n 80, uma edio comemorativa em aluso aos 20 anos da revista. O artigo faz uma sntese das publicaes realizadas at 1992, perodo em que foi publicado esse estudo, intitulado por Mulheres na Escola, de Fulvia Rosemberg e Tina Amado. Cad. Pesq. So Paulo, n.80, p.62-74, fev. 1992.

  • 28

    Imagem 2 Relao de Gnero em Scott operacionalizado com Guia da CEPAL

    Fonte: Desenvolvido pelo autor, concatenando os estudos de SCOTT (1995) e dados da CEPAL (2007), 2016.

    3.1 A escola como espao para as questes de gnero

    Este trabalho parte da premissa de que a escola deve constituir-se num espao de

    construo de viso de mundo, de modo a desenvolver um olhar interpretativo.

    Assim, acredita-se que escola um espao de promoo e valorizao das

    diversidades de gnero, pois a escola delimita espaos. Servindo-se de smbolos e cdigos,

    ela afirma o que cada um pode (ou no pode) fazer, ela separa e institui. Informa o lugar (...)

    dos meninos e meninas (LOURO, 2014, p. 62).

    Desse modo, tomou-se a escola como campo de pesquisa. Pretende-se apresentar a

    escola alm de uma instituio de formao de pessoas, padronizador de comportamentos e

    disciplinador. Objetiva-se extrapolar o carter da escola como ambiente para acmulo de

    conhecimento e restrito disciplina. Pretende-se atribuir e valorizar a escola como um espao

    propcio interpretao da realidade, alm de um espao de organizao de contedos e de

    formao de comportamentos.

    Para tanto, buscou-se apoio nos estudos desenvolvidos por Guacira Lopes Louro

    (2010, 2014), contribuindo para a delimitao do ambiente escolar como campo de pesquisa,

    pois a pedagogia feminista, da qual Louro (2010, 2014) faz parte, surge como um novo

    modelo pedaggico cujo objetivo a subverso do posicionamento desigual e subordinado

    das mulheres no espao escolar permitindo, assim, um trabalho de conscientizao, de

  • 29

    libertao, de modo a enquadrar uma pedagogia emancipatria, permitindo a transformao

    dos sujeitos envolvidos e, em consequncia, a transformao da sociedade (LOURO, 2014).

    Assim, a escola precisa estar sempre preparada para apresentar no uma verdade

    absoluta, mas sim uma reflexo que possibilite aos alunos e s alunas compreenderem as

    implicaes ticas e polticas de diferentes posies (BARRETO et al, 2009, p.14).

    Neutralizar a escola diante das adversidades sociais e que refletem no mbito escolar

    contribuir para a disseminao da desigualdade social presente at hoje.

    preciso desenvolver uma nova compreenso dos sujeitos e da sociedade, na qual as

    mulheres so percebidas como sujeitos sociais e polticos e ainda como sujeitos do

    conhecimento (LOURO, 2014, p. 153). Portanto, a escola torna-se uma ferramenta essencial

    para combater posturas discriminatrias, pois a prpria comunidade escolar multifacetada,

    cada indivduo carrega uma carga histrico-social que o diferencia dos demais.

    importante assumir que a escola no apenas transmite conhecimentos, nem mesmo

    apenas os produz, mas que ela tambm fabrica sujeitos, produz identidades (LOURO, 2014,

    p. 89) e dentro dessas identidades encontram-se as de gnero, campo de estudo deste trabalho.

    Ainda:

    as escolas podem ser um exemplo da reiterao da norma central, pois de acordo com Guacira Louro (2000), elas norteiam seus currculos e prticas a partir de um padro nico: haveria apenas um modo adequado, legtimo, normal de masculinidade e de feminilidade e uma nica forma sadia e normal de sexualidade, a heterossexualidade; afastar-se deste padro significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excntrico. (LOURO, 2010, p. 89)

    A partir do momento em que se assume este poder que a escola detm possvel

    desviar o carter excntrico atribudo aos estudos de gnero e sexualidade e desenvolver uma

    educao em que a reproduo de uma sociedade dicotmica e naturalizada por uma fora

    masculina possa ser substituda por uma sociedade em que as identidades de gnero sejam

    respeitadas, conscientes de que h diferenas, mas essas diferenas no so sinnimos de

    desigualdade, pois:

    O conceito de gnero enfatiza essa pluralidade e conflitualidade dos processos pelos quais a cultura constri e distingue corpos e sujeitos femininos e masculinos, torna-se necessrio admitir que isso se expressa pela articulao de gnero com outras marcas sociais, tais como classe,

    raa/etnia, sexualidade, gerao, religio, nacionalidade. (LOURO, 2010, p. 17)

  • 30

    E nessas marcas sociais que se pretende utilizar o estudo de gnero como categoria

    til de anlise, de modo a desconstruir este pensamento dicotmico fabricado pela sociedade e

    reproduzido pela escola que:

    Joan Scott observa que constante nas anlises e na compreenso das sociedades um pensamento dicotmico e polarizado sobre os gneros; usualmente se concebem homem e mulher como polos opostos que se relacionam dentro de uma lgica invarivel de dominao-submisso. Para ela seria impossvel implodir essa lgica. (LOURO, 2014, p. 35)

    na busca dessa imploso, que se optou em atuar dentro do mbito escolar no

    propsito de inserir os estudos de gnero, acreditando que o conhecimento constitudo dentro

    da escola resvala na sociedade como um todo. At porque:

    essa eterna oposio binria usualmente nos faz equiparar, pela mesma lgica, outros pares de conceitos, como produo-reproduo, pblico-privado, razo-sentimento etc. tais pares correspondem, possvel imediatamente perceber, ao masculino e ao feminino, e evidenciam a prioridade do primeiro elemento, do qual o outro se deriva, conforme supe o pensamento dicotmico. (LOURO, 2014, p. 36)

    Foi apoiando-se no conceito de gnero institudo que se buscou disseminar as posturas

    discriminatrias presentes no cotidiano influenciado por este pensamento dicotmico.

    luz dessas questes de gnero, produziu-se uma sequncia didtica desenvolvida

    com alunos e alunas do ensino mdio, a partir de trechos de telenovelas, com a perspectiva

    sociolgica de despertar a criticidade desses estudantes.

    A proposta foi partir do senso comum para um conhecimento cientfico, ou seja, do

    conhecido para o refletido; do concreto ao abstrato; do particular ao geral. Para possuir um

    conceito, a pessoa deve ser capaz de atribuir-lhe um signo e de dar-lhe um sentido, da a

    importncia das experincias chamadas concretas (ANASTASIOU, 2005, p.10). Deste

    modo, pretendeu-se provocar a reflexo para as questes de gnero presentes nas telenovelas

    e que passam despercebidas; e, que se tornam ou se confirmam como hbitos naturais, de

    modo que haja uma ruptura na construo de pensamento no que tange s questes de gnero,

    segundo a qual:

    no senso comum, as diferenas de gnero so interpretadas como se fossem naturais, determinadas pelos corpos. Ao contrrio, as cincias sociais postulam que essas diferenas so socialmente construdas. Isto significa dizer que no h um padro universal para comportamentos sexual ou de gnero que seja considerado normal, certo, superior ou, a priori, o melhor. (BARRETO et al, 2009, p.41)

    A famlia, como primeira instituio social da criana e a escola como instituio

    social que possui como fora motriz a educao so as maiores contribuintes na constituio

  • 31

    no modo de ser menino e de ser menina. Assim, o aprendizado das regras sociais, conforme

    estimulado, pode contribuir para a discriminao social ou cooperar para a equidade social.

    O que vai definir esse impasse o que a famlia e a escola vo escolher para instruir o

    filho e/ou filha, ou seja, quais os valores que vo ser apresentados para o menino e para

    menina, se houver diferenciao no tratamento entre os sexos masculino e feminino, optou-se

    por uma educao mais tradicional, marcada pela supremacia do poder masculino, por outro

    lado, pode-se delinear por uma linha mais humanizada, igualitria, mais cidad, no sentido de

    respeitar as individualidades dos filhos e das filhas, sem a imposio dos papis sociais e

    funes que devem ser atribudas a partir do sexo feminino ou masculino.

    O que se encontra no ambiente escolar a reproduo da sociedade, atribuies de

    smbolos femininos e masculinos. Assim, os adolescentes e as adolescentes so conduzidos a

    cumprir papis previamente determinados pela sociedade. As consequncias na distino de

    tratamentos entre homens e mulheres contribuem para definio de papis sociais a partir do

    sexo, tanto no mbito pblico, como no privado. importante destacar que:

    O processo de socializao na infncia e na adolescncia fundamental para a construo da identidade de gnero. E a escola tem grande responsabilidade no processo de formao de futuros cidados e cidads, ao desnaturalizar e desconstruir as diferenas de gnero, questionando as desigualdades da decorrentes. (BARRETO et al, 2009, p.59)

    no trabalho de conscientizao que a escola contribui para a formao de uma

    sociedade em que a equidade seja base organizacional a partir de um olhar interpretativo das

    questes de gnero.

    3.2 A questo de gnero nos documentos oficiais

    A consulta aos documentos oficiais para o desenvolvimento deste trabalho de

    concluso de curso foi essencial, pois serviu para compreender a situao na qual se encontra

    o estudo das relaes de gnero segundo a legislao educacional vigente. sabido que:

    a interseco das relaes de gnero e educao ganhou maior visibilidade nas pesquisas educacionais somente em meados dos anos de 1990, com grandes avanos na sistematizao de reivindicaes que visam superao, no mbito do Estado e das polticas pblicas, de uma srie de medidas contra a discriminao da mulher. (VIANNA; UNBEHAUN, 2004, p. 78)

    Assim, com o propsito de apreender como as polticas pblicas tratam o estudo de

    gnero, optou-se consultar a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB, 1996), os

    Parmetros para a Educao Bsica de Pernambuco (2013), as Diretrizes Curriculares

    Nacionais (DCN, 2013), as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (OCN, 2006), os

  • 32

    Parmetros Curriculares para o Ensino Mdio (PCNEM, 2000) e o Plano Nacional de

    Educao (PNE, 2014); limitando a anlise ao mbito do ensino mdio.

    A pretenso dessa consulta aos documentos oficiais foi compreender o estudo j

    desenvolvido por VIANNA; UNBEHAUN (2004)7 na perspectiva de verificar se houve

    avanos no estudo de gnero, especificamente, nas polticas pblicas adotadas nas escolas do

    estado de Pernambuco, haja vista que, supe-se que a criao dos Ncleos de Estudo de

    Gnero e Enfrentamento da Violncia contra a Mulher como um avano positivo nas polticas

    pblicas educacionais.

    Dessa forma, tal anlise buscou seguir a lgica aplicada por VIANNA; UNBEHAUN

    (2004) que compreendeu dois movimentos analticos:

    um deles, voltado para o exame dos referidos documentos na perspectiva dos direitos e da construo da cidadania, no necessariamente da referncia explcita expresso gnero; o outro, dirigido ideia abstrata de cidadania contida nos documentos, mas tomando a normatizao neles prevista como expresso no s da permanncia de costumes e formas de controle de um determinado momento histrico, mas tambm de propsitos que procuram dar novos significados prtica social. (VIANNA; UNBEHAUN, 2004, p.81)

    A relevncia dessa consulta aos documentos oficiais, dentre outros fatores, permitiu a

    seleo da disciplina de Sociologia como a rea das Cincias Humanas que poderia ser

    trabalhada a sequncia didtica com enfoque nos estudos de gnero. Isso porque o contedo

    programtico da disciplina permite um trabalho contnuo em torno das relaes sociais que,

    neste caso, incluem-se as de gnero. Alm disso, permitiu uma aproximao dos caminhos j

    percorridos pelos estudiosos e estudiosas que defendem a insero do estudo de gnero na

    escola.

    A Lei n 9.394, referente Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educao Nacional, de

    20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) conforme j constatado por VIANNA;

    UNBEHAUN (2004) no abarca nenhuma orientao que atenda ao estudo das relaes de

    gnero.

    Os Parmetros para a Educao Bsica do Estado de Pernambuco, ao apresentarem os

    ncleos conceituais e temticos especficos cultura, identidade e diversidade, indicam como

    7 Claudia Pereira Vianna e Sandra Unbehaun publicaram um artigo, em 2004, cuja proposta foi identificar o contexto nacional que colaborou para a introduo do gnero nas legislaes e reformas federais concernentes educao e verificar quais os avanos e desafios destas polticas pblicas educacionais com vistas ao campo que elas vm definindo, o da ampliao dos direitos, tendo a educao escolar como uma importante dimenso da construo da cidadania. Publicado pelo Cadernos de Pesquisa. v.34. n121, p.77-104, jan/abr 2004.

  • 33

    Expectativa de Aprendizagem 3 (EA3) os processos de interao social, abordando, dentre

    outros, as relaes de gnero.

    Os Parmetros Curriculares para o Ensino Mdio (BRASIL, 2000, p. 63) explicitam,

    no tpico fundamentos estticos, polticos e ticos do novo ensino mdio brasileiro, a

    necessidade do reconhecimento e da valorizao da diversidade brasileira como forma de

    perceber e expressar a realidade das relaes de gnero.

    No entanto, percebe-se uma mudana significativa na abordagem no estudo das

    relaes de gnero nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013), que introduzem a

    importncia de educar para os direitos humanos fomentando processos que contribuam para

    a construo da cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais, do respeito

    pluralidade e diversidade (...) gnero, (...) combatendo e eliminando toda forma de

    discriminao (BRASIL, p.165, 2013).

    Assim, buscou-se cumprir o que a Cpula do Milnio estabeleceu, em 2000, em que

    189 pases, incluindo o Brasil, firmaram compromisso a serem atingidos at 2015, tendo

    como um dos objetivos a qualidade de vida. Com isso, a ONU atribuiu os anos entre 2005 e

    2014 como a Dcada da Educao, apresentando, entre outras metas, a equidade social e de

    gnero (SILVA, 2015a).

    Ainda, no I Plano Nacional de Educao (2001 2010), no que tange as habilidades e

    qualidades esperadas dos docentes, identificou-se na VIII posio a incluso das questes de

    gnero (BRASIL, 2013). Complementando que a proposta educativa da unidade escolar, o

    papel socioeducativo, artstico, cultural, ambiental, as questes de gnero, (...) que compem

    as aes educativas, a organizao e a gesto curricular (BRASIL, p. 177, 2013) devem fazer

    parte do Projeto Poltico-Pedaggico (PPP), cooperando, assim, na busca da igualdade e

    enfrentamento de todas as formas de preconceito, discriminao e qualquer forma de

    violncia.

    Ainda, analisaram-se as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio8 (BRASIL,

    2006), identificando que gnero est inserido como sugesto temtica a ser trabalhada pela

    8 As OCNs abordam os pressupostos metodolgicos especficos a conceito, tema e teorias para o ensino de Sociologia: trabalhar com conceitos consiste em desenvolver o domnio de uma linguagem especfica, pois os conceitos so elementos do discurso cientfico que se referem realidade concreta (OCN, 2006, p.117). Mas

    enfatiza a necessidade de contextualizar para que o corpo discente perceba o sentido do que se est aprendendo, de modo que no corra o risco do conhecimento ficar inerte, desconexo realidade; j os temas so recursos possveis para articular conceitos e teorias realidade social, tomando como princpio casos concretos, ressaltando que o objetivo de trabalhar com tema fazer a ponte com o conceito. Se no houver um planejamento e domnio do contedo corre-se o risco de prender-se ao senso comum, em um emaranhado de informaes infundadas; e, ao tratar de teoria, o documento orienta a necessidade de contextualizar o momento, histrico e espacial, em que foi escrita e quem a escreveu, explorando sua trajetria social e histrica. De modo

  • 34

    disciplina de Sociologia, propiciando a identificao dos papis sociais atribudos ao homem e

    mulher pelos estudantes e pelas estudantes.

    O Projeto de Lei n 8.035/2010 que instrumentaliza o Plano Nacional de Educao

    2011 2020 apresenta pesquisas voltadas s desigualdades sociais, citando dentre elas a de

    gnero, destacando a necessidade de haver um esforo entre os entes federativos e os sistemas

    de ensino e partir para uma educao voltada para a igualdade social (BRASIL, 2014, p.34).

    No entanto, o Plano Nacional de Educao (PNE) aprovado e com vigncia entre os

    anos 2014 2024 (BRASIL, 2014) representa um regresso no que tange temtica das

    relaes de gnero, pois, durante seu processo de discusso, alterou-se a expresso a nfase

    na promoo da igualdade racial, regional, de gnero e de orientao sexual, que foi

    substituda por cidadania e na erradicao de todas as formas de discriminao. (BRASIL,

    2014, p. 22) O plano apresenta metas9 que buscam a valorizao da diversidade e a reduo

    da desigualdade, mas no especifica qual diversidade est mencionando e nem de qual

    desigualdade trata o documento.

    Em relao mulher, destaca a necessidade de estimular a participao das mulheres

    nos cursos de ps-graduao, sobretudo, os cursos das reas de exatas. Essa estratgia

    encontra-se na meta 14 que busca elevar gradualmente o nmero de matrculas na ps-

    graduao stricto sensu, de modo a atingir a titulao anual de sessenta mil mestres e vinte e

    cinco mil doutores. (BRASIL, 2014, p. 77).

    Desse modo, percebe-se que h uma tentativa de ocultar o debate acerca do estudo de

    gnero nos documentos oficiais, necessitando consultar as entrelinhas conforme identificado

    por VIANNA; UNBEHAUN (2004) em momento anterior:

    A compreenso das relaes de gnero pela escola corre o risco de permanecer velada, uma vez que as polticas pblicas no as mencionam e, quando o fazem, no exploram em todos os temas e itens curriculares os antagonismos de gnero presentes na organizao do ensino e no cotidiano escolar. (VIANNA; UNBEHAUN, 2004, p. 101)

    que se compreenda que as teorias no tm apenas uma explicao e que o enredo terico foi constitudo pelas influncias intelectuais e sociais de quem a escreveu. 9 Trata-se das metas 4 e 8. A meta 4 fala em universalizar, para a populao de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotao, o acesso educao bsica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou servios especializados, pblicos ou conveniados. J a meta 8 busca elevar a escolaridade mdia da populao de 18

    (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcanar, no mnimo, 12 (doze) anos de estudo no ltimo ano de vigncia deste plano, para as populaes do campo, da regio de menor escolaridade no Pas e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade mdia entre negros e no negros declarados Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE. (BRASIL, 2014)

  • 35

    A esse respeito, Guacira Louro, ao discorrer sobre os termos das polticas curriculares

    em relao educao sexual, relata que observamos, mais uma vez, uma longa histria de

    polmicas, de lutas, de avanos e recuos onde diversos grupos se mobilizaram e se mobilizam

    para fazer valer suas verdades. (LOURO, 2014, p. 132).

    Do mesmo modo, pode-se atribuir esse retrocesso da temtica de gnero no PNE

    (2014) como um recuo e mobilizao para fazer valer uma verdade. Verdade esta seletiva e

    contraditria, pois generaliza na valorizao da diversidade e da reduo da desigualdade,

    mas combate, por exemplo, o estudo da ideologia de gnero na escola.

    Imbudos pelo etnocentrismo10, quem defende a excluso do estudo de gnero nas

    escolas apoia-se em discursos religiosos e carregados de tradicionalismo em busca da

    preservao da heteronormatividade11 nas relaes sociais.

    A esse respeito, cite-se, dentre tantos outros, um discurso12 do senador Magno Malta

    (PR-ES) que, em relao ao veto do Projeto de Lei - PL 12213, declarou ser contra a este

    projeto, pois obrigava a aceitabilidade da diversidade de gnero. Atribui o respeito como base

    para a boa convivncia social e ao mesmo tempo declara a luta que houve contra o estudo da

    diversidade de gnero na escola, a qual necessitou do apoio da frente evanglica e catlica e

    da frente da famlia no combate a essa guerra (termo usado pelo poltico). Ainda discorre

    sobre a dificuldade que teve no combate minoria que apoia a diversidade de gnero, pois as

    questes de gnero foram includas em outros movimentos (de negros, de ndios, de idosos e

    de portadores de necessidades especiais) falando da contradio desta incluso, j que no se

    escolhe ser negro ou ndio, mas se opta em ser gay.

    A contradio no discurso desse poltico est evidente no momento em que se fala do

    respeito e ao mesmo tempo em luta, guerra e combate ao diferente, s pessoas que no se

    enquadram ao modelo padro da heteronormatividade, pondo como opo pessoa que

    10 Etnocentrismo uma viso do mundo na qual o nosso prprio grupo tomado como centro de tudo e todos os outros so pensados e sentidos atravs dos nossos valores, nossos modelos, nossas definies do que a existncia. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferena. (ROCHA, 1988, p. 05). 11 O termo heteronormatividade compreendido e problematizado como um padro de sexualidade que regula o modo como as sociedades ocidentais esto organizadas. Trata-se, portanto, de um significado que exerce o poder de ratificar, na cultura, a compreenso de que a norma e o normal so as relaes existentes entre pessoas de sexos diferentes. (PETRY; MEYER, 2011, p. 196). 12 O discurso na ntegra (331) encontra-se disponvel em https://www.youtube.com/watch?v=a-aJ5ty5k40. Acesso em 08/01/2016. 13 O Projeto de Lei da Cmara n. 122/06 visa criminalizar a discriminao motivada unicamente na orientao sexual ou na identidade de gnero da pessoa discriminada. Aprovado, alteraria a Lei de Racismo para incluir tais discriminaes no conceito legal de racismo que abrange, atualmente, a discriminao por cor de pele, etnia, origem nacional ou religio. Disponvel em http://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#axzz3wgxLbn3l. Acesso: 08/01/2016.

    http://hhttp://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#/h

  • 36

    assumiu sua identidade de gnero a margem da sociedade, assim como o projeto de lei foi

    destinado ao lixo, destino este que o poltico designou ao PL 122.

    Guacira Louro destaca que:

    no h por que temer debates ou tenses tericas; eles podem significar novas e produtivas alianas, podem resultar em outros modos de anlise e de interveno social, talvez capazes de alterar, de forma mais efetiva, as complexas relaes sociais de poder. (LOURO, 2014, p. 163).

    Contradizendo o que o poltico falou, Guacira Louro aponta a aliana como meio de

    intervir nas complexas relaes sociais de poder. Pode-se considerar que o Estado de

    Pernambuco fez essa aliana produtiva ao criar os Ncleos de Estudo de Gnero e

    Enfrentamento da Violncia contra a Mulher, resultando em um novo olhar, tendo como

    premissa questionar a desigualdades sociais de gnero e refletir sobre os seus significados

    como espao de lutas e discusses por direitos e cidadania.

  • 37

    4 DA TELEDRAMATURGIA PARA A SOCIOLOGIA: novelas como recurso didtico

    Para a instrumentalizao da teledramaturgia como recurso didtico, tomou-se como

    apoio Boaventura de Sousa Santos que discorre a respeito da necessidade de romper o senso

    comum, o conhecimento popular para um conhecimento epistemolgico, cientfico, de modo

    a desenvolver a criticidade e reflexividade do ou da estudante. Isto porque o senso comum

    um pensamento conservador, fixista e para transpor esse status Santos identifica trs fases

    fundamentais: a ruptura, a construo e a constatao (SANTOS, 1989).

    Quando se fala em ruptura, a princpio, pretende-se desconstruir o discurso de que a

    telenovela um recurso miditico, alienante. A pretenso aqui no discorrer sobre a funo

    da telenovela como produto massificado, o que se busca apresentar a telenovela como objeto

    utilizvel a favor do desenvolvimento da criticidade do estudante e da estudante. A partir de

    um olhar sociolgico, reflexivo, materiais desse tipo podem transformar o objeto

    problematizador em um material didtico-pedaggico a favor de uma educao mais

    igualitria, de modo que os participantes e as participantes tornem-se protagonistas e crticos

    conscientes das desigualdades sociais s quais estamos sujeitos.

    Para romper o que parece ser natural preciso construir uma hiptese a partir do

    conhecimento epistemolgico adquirido e constatar, atravs da observao e da prtica, com

    embasamento no conhecimento cientfico, se a nova viso condiz com o real, sendo passvel

    de uma transformao social.

    A ruptura que aqui se fala desmistificar a naturalizao do senso comum, um senso

    que burgus e que, por uma dupla implicao, se converte em senso mdio e em senso

    universal (SANTOS, 1989, p.39). nesse ponto que se encontra a relevncia de se trabalhar

    com a disciplina de Sociologia, haja vista que seu currculo, como cincia, abarca espao para

    a formao do cidado crtico (PERNAMBUCO, 2013, p.43). No entanto, para o

    desenvolvimento desse pensar sociolgico faz-se necessrio apropriar-se das bases terico-

    conceituais inerentes Sociologia, ressaltando que

    esse no , pois, um processo natural e um tipo de pensamento que se desenvolve com base em temas abertos e sem intencionalidades claramente definidas. Assim, desenvolver esse tipo de pensamento implica a mediao didtica de conceitos e teorias prprios da Sociologia, porque no cerne dessa cincia que se encontram os instrumentos terico-metodolgicos para isso. (PERNAMBUCO, 2013, p.43)

    nesse contexto que se identifica a relevncia de atribuir Sociologia como disciplina

    responsvel para a composio desse trabalho de concluso de curso, pois ela:

  • 38

    possibilita a problematizao dos fenmenos sociais, em aspectos que suscitam indagaes importantes para se compreenderem a existncia e a manuteno das coletividades humanas, o modo como acontece a interao entre o indivduo e essas coletividades (PERNAMBUCO, 2013, p.44)

    a partir dessa compreenso da existncia e da manuteno das coletividades que se

    trabalhou com os estudantes e as estudantes, de modo que se apropriassem dos conhecimentos

    de seus direitos e deveres como cidados e cidads e mais: que desenvolvessem suas atitudes

    crticas-reflexivas.

    A ideia foi tornar cenas de telenovelas numa representao das relaes sociais, de

    modo que possibilitasse uma anlise sociolgica dos estudantes e das estudantes mediante as

    narrativas expressas nos textos imagticos, tornando a vida das personagens uma escrita da

    vida social sob o olhar do corpo discente.

    A telenovela como recurso didtico nas aulas de Sociologia, com enfoque nos estudos

    de gnero, busca o reconhecimento das diferenas de gnero presentes nas relaes sociais,

    sobretudo, pretende-se que a mulher tenha seu reconhecimento de igualdade. Igualdade no

    sentido de oportunidades, direitos, de autonomia fsica, econmica e poltica.

    Tomar a telenovela como recurso didtico para desenvolver essa postura crtica no se

    deu por acaso, pois desde a criao da telenovela brasileira desencadearam-se discusses em

    torno da sua pertinncia.

    Para Ortiz (2001), as telenovelas, desde seu surgimento no pas, foram alvo de crticas.

    Houve esta recusa devido s fotonovelas fazerem sucesso no Brasil e a populao j se

    identificava com os personagens apresentados nas imagens. Assim, as telenovelas foram

    entendidas como um retrocesso da nacionalidade brasileira, haja vista que sua produo era

    internacional.

    Esse embate se deu porque os empresrios que idealizaram a televiso brasileira so

    criticados como alienados, por estarem fora da realidade brasileira, j que na poca

    predominavam textos estrangeiros, pois havia dificuldade de retratar a realidade nacional.

    Entretanto, no inicio de 1960, houve inovaes dramatrgicas a partir dos trabalhos de

    Oduvaldo Viana Filho, Osman Lins, Plnio Marcos, Vinicius de Morais e adaptaes de

    Antonio Callado e Jorge Amado (ORTIZ, 2001).

    Assim, para que as telenovelas no Brasil tomassem uma identidade prpria, precisou

    haver um processo de nacionalizao, como exemplo, cita-se a TV Excelsior, em 1963, que

    iniciou uma srie de programaes que valorizam o escritor e a realidade nacional (ORTIZ,

    2001, p. 177) para que, deste modo, fosse possvel conquistar o pblico brasileiro. Para isso,

  • 39

    foram necessrios a seleo dos textos e a traduo para a realidade brasileira, buscando um

    heri local para representar a nacionalidade brasileira.

    Durante o perodo de reformulao da telenovela brasileira, iniciado nos primeiros

    anos de 1960, Ortiz (2001) destaca uma entrevista de Daniel Filho na qual dizia que as

    telenovelas deixaram de falar de toureiro e passaram a falar de jogador de futebol. Pois,

    segundo Daniel Filho, a televiso deve ser um espelho que mostre a verdade em que voc

    vive. Ento a televiso a sua realidade (p.178). Assim, Ortiz (2001) atribuiu fala de

    Daniel Filho um trao paradigmtico. Ela marca uma reorientao das novelas de televiso

    consagrando um estilo realista que contrasta com padro do melodrama.14(ORTIZ, 2001,

    p.178). O autor ainda enfatiza que as telenovelas de estilo realista se adequavam melhor

    demanda do povo e, principalmente, ao mercado. Todo este aparato era para ser o mais

    fidedigno possvel realidade do pas.

    Mas em que medida esse estilo realista se afasta ou se aproxima de uma perspectiva

    crtica? Cada representao descarta ou retm vrias qualidades que nos permitem reconhecer

    o objeto na tela, ou seja, h vrias interpretaes, o realismo pode ser que no seja to real.

    nesse ponto que se encontra a relevncia deste trabalho cientfico. Desenvolver um novo

    olhar, um novo saber, pois:

    A nova configurao do saber , assim, a garantia do desejo e o desejo da garantia de que o desenvolvimento tecnolgico contribua para o aprofundamento da competncia cognitiva e comunicativa e, assim, se transforme num saber prtico e nos ajude a dar sentido e autenticidade nossa existncia. (SANTOS, 1989, p.46)

    a partir da aplicao e execuo de uma sequncia didtica com eixo temtico em

    torno dos estudos de gnero e utilizando como recurso metodolgico as telenovelas15 que se

    pretende dispor de uma educao compreendida como:

    um dos processos mais eficientes na constituio das identidades de gnero e sexual. Em qualquer sociedade, os inmeros artefatos educativos existentes tm como principal funo com/formar os sujeitos, moldando-os de acordo com as normas sociais. Grande parte desses artefatos educativos est inserida na rea cultural como, por exemplo, televiso, cinema, revistas, livros ou histrias em quadrinhos. (LOURO et al, 2010, p. 149)

    na utilizao desses artefatos, especificamente, as telenovelas, que se busca entender

    a reproduo social em que se inserem as relaes de gnero, pois assistir telenovela um

    14 A relevncia em trabalhar com melodrama d-se pelo fato deste proporcionar uma base para as operaes simblicas que articulam (narrativa, memrias, sonhos, desejos, prazeres) das pessoas que se deixam envolver-se. (LOPES, 2011) 15 Neste caso, tomam-se as telenovelas como o desenvolvimento tecnolgico mencionado por Santos.

  • 40

    momento valorizado de reunio familiar desde a infncia, e sua circulao em outros

    ambientes como a escola ou grupo de amigos complementa a recepo no espao privado.

    (LOPES, BORELLI, RESENDE, 2002).

    Guacira Louro alerta que:

    uma novela de televiso, uma propaganda, um desenho animado podem ser vistos como produtores e veiculadores de representaes que sugerem determinados comportamentos e identidades sociais, e que, de algum modo, acabam por regular nossas vidas. (LOURO et al, 2010, p. 160)

    O que se desenvolveu com alunas e alunos do ensino mdio foi um trabalho com essas

    representaes, utilizando-se a telenovela como campo de estudo para as questes de gnero,

    pois do mesmo modo que podemos entrar nos mundos ficcionais possvel, segundo

    Jenkins, extrair elementos desses universos imaginados e incorpor-los ao nosso dia a dia

    (LOPES et al, 2011, p. 39).

    Para tanto, para constituir a telenovela como recurso didtico faz-se necessrio

    decompor as imagens refletidas nas cenas, assim como Francis Vanoye e Anne Lt-Goliot

    (2002) definiram na desconstruo de filmes com a finalidade de se chegar a uma

    interpretao. Assim, necessrio:

    despedaar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que no se percebem isoladamente a olho nu, pois se tomado

    pela totalidade. Parte-se, portanto, do texto flmico para desconstru-lo e obter um conjunto de elementos distintos do prprio filme (VANOYE; GOLIOT-LT, 2002, p.15).

    A partir dessa desconstruo possvel obter um olhar das partes em relao ao todo.

    essa postura que faz a diferena no momento de assistir a uma cena no intuito de anlise e

    interpretao. preciso ter cautela para que no se desvie do objeto analisado que, neste caso,

    trata-se das telenovelas. As cenas apresentadas devem ser o ponto de partida e o ponto de

    chegada da anlise (VANOYE; GOLIOT-LT, 2002, p. 15).

    Assim, para que a telenovela brasileira16

    se transforme em um contedo para o

    estudo das relaes de gnero, no ensino mdio, preciso compreender o significado dos

    papis sociais atribudos s personagens para encontrar esse novo equilbrio. Para tanto, h

    dois modos apresentados por Renato Ortiz que podem ser levados em considerao: o

    realismo reflexo e o realismo reflexivo (ORTIZ, 2001).

    16 Maria Immacolata Vassalo de Lopes ao usar a expresso telenovela brasileira referiu-se ao padro de teledramaturgia alcanado e popularizado pela Rede Globo, principal produtora desse tipo de fico seriada no Brasil e uma das mais bem-sucedidas no mercado internacional de televiso, o que justifica aqui o foco em sua produo. (LOPES, 2011, p. 32).

  • 41

    O realismo reflexo no d margem para o distanciamento "de olhar fora da caixa", em

    geral, a massa se identifica e compra a ideia. J o realismo reflexivo permite interpretar um

    conhecimento reflexivo sobre a realidade projetada, ou seja, contrape-se com a imagem

    vendida ou que se tenta vender. este olhar reflexivo que se pretende desenvolver nos e nas

    estudantes do ensino mdio luz das questes de gnero a partir da sequncia didtica.

    A relevncia de trabalhar com a telenovela na sala de aula a facilidade com que esta

    conquista o pblico. Os telespectadores se identificam com as imagens reproduzidas na tela.

    No se est afirmando que os enredos das telenovelas representam a realidade, mas que a

    linguagem que esta transmite cristalizada pelo pblico que a acompanha. Exemplo disto so

    os bordes dos personagens que passam a fazer parte do convvio social.

    Desse modo, pretende-se que essa reproduo do fictcio para o real, da telenovela

    para o cotidiano, favorea para a erradicao da desigualdade de gnero presente nas relaes

    sociais. Essa perspectiva pode ser alcanada por meio do conhecimento emprico

    desenvolvido na sala de aula a partir das discusses em torno da histria de vida das

    personagens e do conhecimento cientfico adquirido.

    Isso porque a proximidade existente entre a telenovela com a ideia do real contribui

    para no processo de identificao das representaes sociais, facilitando o processo de

    aprendizagem com vistas constituio de cidados e cidads conscientes do seu papel social,

    pois quando a telenovela vista com olhar crtico na escola, esta funciona como construtora

    de um novo conhecimento.

    A tarefa do professor ou professora propiciar um ambiente que facilite a troca de

    experincias na construo desse novo conhecimento. Utilizar a telenovela como recurso

    didtico pode permitir que alunos e alunas visualizem essas experincias a partir de uma

    realidade artificializada, de modo a desenvolver seu pensamento reflexivo por meio da

    observao crtica das cenas construdas.

    Fischer (2011) destaca a necessidade de refinar o olhar ao vivenciar a experincia de

    um filme, para ela, necessrio extrapolar:

    interpretaes fceis, da exclusiva leitura das entrelinhas, de uma decifrao do que no teria sido dito (mas que possivelmente se queria dizer).

    Estamos buscando uma maior generosidade com as imagens, uma disponibilidade e uma entrega a tudo o que aquela pea audiovisual nos est oferecendo, sem buscar nela apenas uma lio de vida, ou a suposta

    descoberta de uma verdade escondida, de algo que o diretor quis dizer

    verdadeiramente, e assim por diante. (FISCHER, 2011, p. 4)

    Do mesmo modo, essa foi a inteno deste estudo. Pretendeu-se que os estudantes e as

    estudantes aguacem esse olhar ao assistir s cenas pr-selecionadas da telenovela.

  • 42

    nessa busca da realidade re