34
Darwin e os Grandes Enigmas da Vida Stephen Jay Gould Traducao M A RI A E LI ZA BE TH M A RT IN EZ I SBD-FFLCH-USP 1111111111111111111111111111111111111111 242487 Martins Fontes sao Paulo 1 99 9 ~-.--- I 1-.

Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 1/34

 

Darwin e os Grandes

Enigmas da VidaStephen Jay Gould

Traducao

MARI A E LI ZA BE TH MART IN EZ

I

SBD-FFLCH-USP

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1242487

M artin s F on tessa o P aulo 1 999

~-.--- I

1-.

Page 2: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 2/34

 

fT

1

Darwiniana

:1 :

I,

l

•,

~

i; .

}I

m U

Page 3: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 3/34

 

_ _

1 A demora de Darw in

l

!I

I IJ

I 'I

i

'/

II

Poucos acontecimentos no mundo dao margem a tantas especula-

coes quanto as longas e inexplicadas pausas na atividade de gente

famosa. Rossini coroou uma brilhante carreira com a opera Guilher-

me Tell e passou os trinta e cinco anos seguintes sem compor quasenada. Dorothy Sayers abandonou 0 lorde Peter Wimsey no apogeu

de sua popularidade para dedicar-se a Deus. Charles Darwin desen-

volveu uma teoria radical sobre a evolucao em 1838e publicou-a vinte

• e urn anos depois, somente porque A. R. Wallaceestavaprestesa passar-

Ihe na frente.

Cinco anos em contacto com a natureza, a bordo do Beagle,

destruiram a crenca de Darwin na fixidez das especies. Em julho

de 1837,pouco depois da viagem, iniciou seus primeiros apontamen-

tos sobre "transmutacao", Ja entao convencido de que a evolucao

ocorrera, Darwin procurou uma teoria que explicasse seu mecanismo.Depois de muitas especulacoes prelirninares e de algumas hipoteses

rnalsucedidas, teve urn insight enquanto lia, por distracao, urn tra-

balho aparentemente nao relacionado com 0 assunto. Em sua auto-

biografia, Darwin escreveu:

Em outubro de 1838...estava lendo, para me distrair, 0Essay

on Population de Malthus e, estando ja bern preparado paracompreender a luta pela existenciatravada em toda parte atra-

yes de uma observacao continua dos habitos de animais e

plantas, ocorreu-me de subito que, sob tais circunstancias, asvariacoes favoraveistenderiam a ser preservadas, enquanto

as desfavoraveis seriam destruidas. 0 resultado disso seria a

formacao de novas especies.

Ha muito Darwin ja tinha percebido a importancia da selecao ar-

tificial praticada por criadores. Mas so depois que a visao deluta e su-

perpopulacao de Malthus catalisou seus pensamentos e que pode

identificar urn agente para a selecao natural. Setodas as criaturas pro-

Page 4: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 4/34

 

DAR,WIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

duziram mais descendencia do que aquela capaz de sob reviver, entao

a selecao natural teria dirigido a evolucao sob 0 simples pressuposto

de que os sobreviventes, em media, estao melhor adaptados as condi-

cces de vida dominantes.

Darwin conhecia a importancia do que tinha descoberto. Nao se

pode atribuir sua demora em publicar seu trabalho a qualquer falta de

compreensao da magnitude do mesmo. Em 1842 e de novo em 1844,

escreveu esbocos de sua teor ia e implicacoes. Tambem deixou instru-

coes rigidas com sua mulher para que , do conjunto de manuscritos, so

estes dois fossem publicados, caso viesse a morrer antes de escrever a

obra principal.

Por que, entao, teria esperado mais de 20 ano s para publicar sua

teoria? E verdade que 0 ritmo de nossas vidas hoje em dia acelerou-se

tanto - deixando entre suas vitimas a arte da conversacao e 0 jogo

de beisebol - que corremos 0 risco de confundir urn periodo normal

do passado com uma enorme fatia da eternidade, Entretanto, a dura-

cao da vida de urn hom em e urn padrao de medida constante; 20 anos

continua sendo metade de uma carreira normal - urn bela tempo de

vida, mesmo pelos padroes vitorianos mais severos.As biografias cient if icas convencionais sao fontes de inforrnacao

extraordinar iamente enganosas quanto a vida dos grandes pensadores.

Elas tend em a pinta -los como simples maquinas racionais, em busca

de seus insights com devocao inamovivel, guiadas por mecanismos in-

temos infensos a quaisquer inf luencias , exceto as restricoes dos dados

objetivos. Portanto, Darwin esperou 20 anos - pelo menos e esse 0

argumento corriqueiro - simplesmente porque nao havia comple tado

seu trabalho. Estava sa tisfeito com sua teor ia, mas a teoria era barata .

Estava dec idido a nao a publicar enquanto nao conseguisse reunir urn

dossie esmagador de dados, e isso levou tempo.

Entretanto, as atividades de Darwin durante esses vinte anos de-

monstram a impropriedade desse ponto de vista . Dedicou oito anos in-teiros para escrever quatro grandes tom os sobre a taxionomia e his t6ria

natural das cracas. Diante des te simples fato, os tradicional istas so po-

dem oferecer desculpas pouco convincentes - qualquer coisa como:

Darwin achou que precisava compreender completamente as especies

antes de proclamar 0modo como mudavam; so poderia faze-lo desco-

brindo por si so a classificacao de urn grupo dificil de organismos -

mas nao durante oito anos, e nao enquanto estava de posse da mais

12

DARWINIA NA

revolucionaria teoria da his tor ia da biologia. Darwin da sua propr ia ava-

liacao dos quatro volumes em sua autobiografia :

Alern de descobrir varias novas form as notaveis, estabelec i

a homologia entre as diversas partes ... e provei a existenc ia,

em certos generos, de minuscules machos complementares e

parasitas dos hermafroditas .... Mesmo assim, duvido que 0

trabalho tenha merecido 0 tempo que consumi nele.

Questao tao cornplexa quanto 0motivo da demora de Darwin nao

tern uma unica solucao simplista, mas tenho certeza de uma coisa: 0

efeito negativo do medo deve ter desempenhado urn papel tao irnpor-

tante quanto a necessidade posit iva de reunir mais dados e documenta-

<;:aoadicional. Mas 0 que Darwin temia?

Quando Darwin teve seu insight malthusiano, tinha 29 anos . Nao

tinha uma posicao profissional, mas havia granjeado a adrniracao de

colegas por seu trabalho perspicaz a bordo do Beagle. Nao iria com-

prometer uma carreira promissora divulgando uma heresia que nao pu-

desse provar.Mas qual era essa heresia? A crenca na evolucao e a resposta

obvia, Entretanto, nao e esta, ainda, a parte principal da solucao; isso

porque, ao contrario do que se pensa, a evolucao foi uma heresia muito

comum durante a primeira metade do seculo 19 . Era ampla e aber-

tamente discutida, e certo, com uma grande maioria de opositores,

mas admitida ou pelo rnenos levada em consideracao por boa parte

dos grandes naturalistas. I

Dois extraordinarios l ivros de anotacoes de Darwin podem conter

a resposta para texto e comentarios mais extensos (veja H. E. Gruber

e P. H. Barrett, Darwin on Man). Os chamados MeN notebooks

foram escri tos em 1838 e 1839, enquanto Darwin reunia as notas que

formariam a base para seus ensaios de 1842 e 1844. Neles se acham ospensamentos de Darwin sobre fi losofia, estet ica, psicologia e antropo-

logia. Ao rele- los, em 1856, Darwin class ificou-os como "cheios de me-

tafisicas sobre a moral". Muitas de suas declaracoes mostram que

esposava mas temia expor principios de algo que sabia ser muito m~J.§..

~~pria ey~_~~~. materiallsIl1<?Jii.()S<?i'!<::O__:--.(l.p()§tlJ-

lado de qu~ter.i.a e rudo nae~sl~n:gii<fr_g~t.9.Q9Jl_Q.§' (e!1Q!!lenos.

men~espirit;ais-'s~'osubprodutos dela. Nenhuma nocao poderia .~---~- ..~-.- ----- ~. _ . .. _--_.- .. _

13

Page 5: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 5/34

 

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA DARWINIANA

ser mais inquie tante para as arra igadas conviccoes do pensamento oci-

dental do que a declaracao de que a mente - por mais complexa e po-

derosa que se ja - e urn simples produto do cerebro, Pense, por exemplo,

na visao de John Milton de uma mente superior e separada do corpo,

o qual habita por algum tempo (II Penseroso, 1633).

Or let my lamp, at midnight hour,

Be seen in some high lonely tower,

Where Imay oft outwatch the Bear,

With thrice-great Hermes, Ior unsphere

The spirit of Plato, to unfold

What worlds or what vast regions hold

The immortal mind that hath forsook

Her mansion in this freshly nookr

As notas provam que Darwin se interessava por filosofia e que es -

tava ciente de suas implicacoes, Sabia que a principal caracteristica a

distil!&uir sua teoria de todas as outi-asdoutrinasevojucionis~~~_

~~ermateriarrsmo-rrr6s61ico:'Outros evoluciofi istas falavam em forca

Vital , dirigismo his torico, luta organica, e na irredut ibil idade essencial

da mente - uma arrnadura de conceitos que a cristandade tradicional

podia aceitar como meio-termo, ja que permitia a urn Deus cristae tra-

balhar pela evolucao, e nao pe la criacao, Darwin falava apenas em va-

riacao ao acaso e selecao natural.

Nas notas, Darwin apl icou resolutamente seu mater ialismo it teo-

ria da evolucao de todos os fenomenos da vida, inclusive ao que ele

proprio chamou de "a propria cidadela" - a mente humana. E se a

mente na o tern existencia real para alem do cerebro, seria possivel Deus

ser algo mais que uma ilusao inventada por uma ilusao? Num de seusl ivros sobre transmutacao, ele escreveu:

Amor pelo efeito deificador da organizacao, 0 mater ialistas! ., .

Por que 0 pensamento, sendo uma secrecao do cerebro, e

mais maravilhoso que a gravidade, uma propriedade da ma-

ter ia? Por nossa arrogancia, por nossa auto-admiracao.

Essa crenca era tao heretica que Darwin chegou a contorna-la em

The Origin oj Species (A Origem das Especies, 1859), onde aventurou-

se apenas ao criptico comentario de que "a origem do homem e sua

historia sera esclarecida", So trouxe suas crencas a luz quando na o

pode esconde-las mais, em Descent oj Man (A Descendencia do Ho-

mem, 1871) e em The Expression oj the Emotions in Man and Ani-mals (A Expressao das Bmocoes em Homens e Animais, 1872). Alfred

Russell Wallace, 0 co-descobridor da selecao natural, nunca fo i capaz

de aplica-la a mente humana, por e le considerada como a unica contri-

buicao divina a histor ia da vida. Darwin, entretanto, t ranspos 2000 anos

de. fiIosofia e religiao no mais ex traordinario epigrama do chamado

M notebook:

Platao diz em Phaedo que nossas "ideias imaginarias" sur-

gem da preexistencia da alma, na o sao derivaveis da experien-

cia - leia macacos em lugar de preexistencia.

Comentando os apontamentos de Darwin, MeN, Gruber diz que,

"na epoca, 0materialismo era Il}rus.oJell.S.iYjLquef!_~oll!S:~o:.':_Q_~\lt<?r

documenta-a-per'Se-gtiiCao£s--cren~as materialistas durante 0 seculo 18e Imclo Qlrt9--e-conchrj:------------- --.

I.A "Ursa" (Bear) refere-seIIconstelacao da Ursa Maior. "Hermes tres vezespode-rose" (thrice-great Hermes) e Hermes Trimegistus (nome grego para Thoth, deus egipcioda sabedoria). Os "livros herrneticos", supostamente escritos por Thoth, sao uma colecao

de trabalhos merafis icos e de rnagia que influenciaram grandemente a Inglaterra noseculo 17. Foram comparados, por alguns, ao Velho Testamento, como uma fonte desabedona pre-crista. Declinaram de importancia quando foram apresentados como pro-duto de Alexandria, mas sobreviveram em varias doutrinas rosa-cruz e na expressao

"herrneticamente fechado",

• Ou deixe que minha luz, em horas noturnas,Seja vis ta em alguma alta torre sol itaria,Onde eu possa vigiar sempre a Ursa,Com Hermes tres vezes poderoso, OU decifraro espirito de Platao, para desvendarQue mundo ou vastas regioes possuemA mente imortal que abandonouSua mansao neste carnal recesso. (NT.)

--_.--- -- _~ticamente em todos os campos do conhecimento usararn-se

metodos repressivos: conferencias foram proscritas, publica-

coes prejudicadas, negaram-se catedras e a imprensa invest iu

ferozmente e r idicular izou. Os intelectuais e cient istas apren-

deram a Iicao e reagiram as pressoes, Os .autDres de ideias

impopulares as vezes se retrataram, publicaram no anoni-

1415

Page 6: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 6/34

 

DARWINIA NA

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA

mato, apresentaram suas teorias diluidas, ou demoraram anos

para publicar.

Darwin havia passado por uma experiencia direta enquanto estu-

dante na UniversidadedeEdimburgo, em 1827.Seu amigoW.A. Brownedefendeu uma tese com uma perspectiva materialista da vida e da men-

te, perante a Plinian Society. Depois de imimeros debates, todas as re-ferencias a tese de Browne, incluindo os registros(de reunioes anteriores)sabre sua intencao de apresenta-la, foram eliminadas das atas. Darwin

aprendeu a licao, escrevendo no M notebook:

Para evitar dizer 0 quanto acredito no Materialismo, diga-

mos apenas que as emocoes, instintos, graus de talento, quesao hereditarios, 0 sao simplesmente porque 0 cerebro da

crianca se parece com 0 dos pais.

~

Os mais ardentes materialistas do seculo 19, Marx e Engels, naoltardaram em reconhecer 0 que Darwin tinha concluido e em explorarseu conteudo radical . Em 1869, Marx escreveu a Engels sobre The

=: de Darwin:

Embora desenvolvido no nistico estilo ingles, este e 0 livro

que contem a base, em hist6ria natural, para nossa tese.

Mais tarde, Marx ofereceu-se para dedicar a volume 2 de Das

Kapitai (0Capital) a Darwin, que rejeitou a oferta, dizendo que nao

gostaria de sugerir seu apoio a um livro que nao tinha lido. (Vi0 exem-

plar de Darwin do volume 1,em sua biblioteca, emDown House. Tem

uma dedicat6ria de Marx, que se assina um "admirador sincero" deDarwin. As paginas nao tinham sido cortadas. Darwin nao era devota-

do a lingua alerna.)Darwin era, na verdade, urn revolucionario brando. Nao s6 adiou

por muito tempo a publicacao de seu trabalho, como evitou constante-mente qualquer declaracao publica sobre as implicacoes filos6ficas de

sua teoria. Em 1880escreveua Karl Marx:

Parece-me (certo ou errado) que os argumentos diretos con-

tra 0 Cristianismo e 0 Teismo nao tern praticamente efeito

algum sobre 0 publico, e que a liberdade de pensamentosera melhor promovida com 0 esclarecimento gradativo da

cornpreensao humana que se segue ao progresso da ciencia.

Por isso, sempre evitei escrever sobre religiao, limitando-me

a falar de ciencia.

Mesmo assim, 0 conteudo de seu trabalho foi tao perturbador

para 0 pensamento ocidental tradicional, que ainda nao 0 abarcamos

completamente. A campanha de Arthur Koestler contra Darwin, por

exemplo, ap6ia-se numa relutancia em aceitar 0 materialismo de Dar-

win e num desejo ardente de investir novamente a materia de algumapropriedade especial (veja The Ghost in the Machine [0Fantasma da

Maquina] ou The Caseof the Midwife Toad [0Caso da Parteira Toad]).Confesso que isso eu nao consigo compreender. Prodigio e sabedoria

devem ser ambos apreciadas. Devemos gostar menos da beleza da na-

tureza porque nao e planejada? 0potencial da mente deveparar de nos

inspirar espanto e medo so porque muitos bilhoes de neuronios resi-

dem em nosso cranio?

17

16

-

Page 7: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 7/34

I

I'

2 A reviravolta maritima de Darwin,

ou cinco anos a mesa do capitiio

Groucho Marx sempre deliciava a plateia com perguntas descara-damente obvias, como "Quem esta enterrado no tumulo de Grant?".Acontece que 0 aparentemente 6bvio pode enganar. Se nao me falha

a mem6ria, a resposta a "Quem inventou a Doutrina Monroe?" e John

QuincyAdams. A maioria dos biologos, diante da pergunta "Qual erao naturalista a bordo do navio de sua majestade Beagle?", responderia

"Charles Darwin". E estariam todos errados. Mas nao vamos fazer urn

escandalo logo no corneco do capitulo. Darwin estava no Beagle e

dedicou-se 11hist6ria natural. Mas foi levado ao navio por outros moti-

vos, e 0 cirurgiao de bordo, Robert McKormick, ocupou, originalmen-

te, a posicao oficiai de naturaiista. E ai que esta 0 erro: nao se trata

de uma mera notinha de rodape na hist6ria academica, mas de uma

descoberta significativa.0antropologo 1. W.Gruber publicou a provano artigo "Quem era 0 Naturaiista do Beagle?", escrito em 1969para

o British Journal for the History of Science. Em 1975, 0 historiador

de ciencia H. L. Burstyn tentou responder ao corolario 6bvio: Se Dar-

win nao era 0 naturalista do Beagle, por que se achava a bordo?

Niio ha nenhum documento identificando especificamenteMcKor-

mick como 0 naturaiista oficiai, mas as provas circunstanciais sao es-magadoras. Na epoca, a marinha britanica tinha uma longa trachCiio

de medicos-naturalistas, e McKormick havia se instruido precisamente

para esse papel. Era urn naturaiista competente, seniio brilhante, e de-

sempenhou com distincao suas tarefas em outras viagens, inclusive na

expedicao de Ross 11Antartida (1839-1843)paralocalizar a posicao do

P610Sui magnetico, Alem do mais, Gruber descobriu uma carta do na-turaiista de Edimburgo, Robert Jameson, enderecada a "Meu caro se-nhor", cheia de conselhos ao naturaiista do Beagle acerca de como

coletar e preservar as amostras. Na opiniao tradicionai, ninguern mais,

excetoDarwin, poderia ter sido 0 destinatario da carta. Felizmente,seunome esta no f6lio originai. A carta foi enderecada a McKormick.

Para interromper 0 suspense,Darwin navegouno Beagle como com-

panheiro do capitao Fitzroy. Mas por que urn capitao da rnarinha

britanica quereria levar consigo, para uma viagem de cinco anos, al -

19

 

Page 8: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 8/34

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA

guern que havia conhecido somente no mes anter ior? Duas caracterist i-

cas das viagens navais de 1830 devem ter contribuido para a dec isao

do capitao, Em primeiro lugar, as viagens duravam muitos anos, com

longos periodos em alto-mar e pouquissimo contacto, a traves de car-

tas, com amigos e familiares. Em segundo lugar (por mais estranho que

possa parecer ao nosso seculo psicologicamente mais i luminado), a tra-

dicao naval bri tanica ditava que urn capitao nao podia ter praticamen-te contacto algum com pessoas abaixo da l inha de comando. Ele jantava

soz inho e reunia-se com seus oficiais apenas para discutir assuntos do

navio e conversar da maneira mais formal e "correta",

Ora, Fitzroy tinha apenas 26 anos quando partiu nessa expedicao.

Sabia 0 quanto era penosa do ponto de vista psicologico a prolongada

falta de contacto humano. 0 ultimo capitao do Beagle havia dado urn

t iro na cabeca durante 0 inverno antartico, em 1828, no seu terceiro ana

longe de casa. Alern do mais, como 0 proprio Darwin afirmou numa

carta it irma, Fitzroy tinha medo de sua "predisposicao hereditaria"

a desordens mentais. Seu iIustre t io, 0 visconde Castlereagh (que repri-

mira a rebeliao irlandesa de 1798 e fora ministro do Exterior durante

a derrota de Napoleao), tinha cortado a garganta em 1822. Na verdade,Fitzroy sofreu urn disturbio e transferiu temporariamente 0 comando

do navio - enquanto Darwin se achava acamado em Valparaiso.

Ja que Fitzroy nao podia ter contacto social algum com seus of i-

ciais, so poderia obte-lo levando a bordo, por conta propria, urn passa-

geiro "excedente", 0 almirantado, entretanto, nao via com bons olhos

os passageiros par ticulares, mesmo as mulheres dos capitaes; a compa-

nhia de urn cavalheiro, sem nenhum motivo estabelec ido, nao era bern

vista. Fitzroy havia engajado outros passageiros extras - urn desenhis-

ta e urn instrumentador - mas nenhum dos dois servia como compa-

nhia, porque nao eram da classe social apropriada. Fitzroy era urn

aristocrata, cujos ances trais estavam diretamente l igados ao rei Char les

II. Somente urn cavalheiro poderia sentar-se it sua mesa, e0

cavalheiroDarwin certamente 0 era.

Mas como poderia Fitzroy convencer urn cavalheiro a acornpanha-lo

numa viagem que duraria c inco anos? So mesmo oferecendo a oportu-

nidade para alguma atividade just if icadamente imposs ivel de ser reali -

zada em qualquer outro lugar . Nada melhor que histor ia natural , embora

o Beagle ja t ivesse urn natural ista. Foi , con forme argumenta Burs tyn,

"uma ficcao polida para explicar a presenca de seu convidado e uma

20

\

r

DARWINIANA

atividade suficientemente interessante para atrair urn cavalheiro a fazer

uma longa viagem". 0 patrono de Oat-win compreendeu imediatamen-

teoEscreveu a Darwin: "0 capitao F. qUer alguern (pelo que eu entendi)

mais como uma companhia do que como urn simples colecionador de

amostras", Darwin e Fitzroy encontraram-se, deram-se bern, e 0 pacto

foi selado. Darwin embarcou como cornpanheiro de Fitzroy, principal-

mente para partilhar na mesa do capitao todas as refeicoes a bordo,durante cinco longos anos. Fitzroy tambem era ambicioso, e queria deixar

marcado, naquela excursao, urn novo padrao de excelencia em viagens

exploratorias , ("0 objet ivo da expedi~ao", escreveu Darwin, "era com-

pletar a exploracao da Patagonia e da Terra do Fogo ... explorar as cos-

tas do Chile, do Peru e de algumas ilhas no Pacifico - e levar a cabo

uma serie de medicoes cronornetricas em volta do globo") Ao aumen-

tar a tripulacao oficial com tecnicos e engenheiros pagos de seu pro-

prio bolso, Fitz roy usou fortuna e prestig jos pessoais para atingir seus

objet ivos . Urn naturalista "excedente" integrava-se bern ao esquema de

Fitzroy de reforcar 0 carater cient if ic., da viagem.

A sorte do pobre McKormick esta.va selada. Inicialmente, ele e Dar-

win cooperaram, mas seus caminhos diversificaram-se inevitavelmente.Darwin t inha todas as vantagens. Tinha urn criado. Nos por tos, t inha di-

nheiro para movimentar-se em terra e pagar os nat ivos para recolherem

mater ial, enquanto McKormick se a<::havapreso a deveres oficiais. Os

esforcos de Darwin comecaram a SUperar as amostragens ofic iais de

McKormick, e este, desgostoso, decidiu volta r para a Gra-Bretanha ,

Em abril de 1832, rio Rio de Jane iro, foi "declarado invalido" e man-

dado de volta para a Inglaterra, a bordo do Tyne. IDarwin compreen-

deu 0 eufemismo e escreveu a irma que McKormick "tinha sido decla-

rado inval ido, ou seja, desagradavel a.o capitao . .. Nao se perde rnuito" .

Darwin nao estava inte ressado no tipo de ciencia de McKormick.

Em maio de 1832 escreveu a J. S. Henslow: "Ele era urn filosofo urn

tanto antiquado; em Santiago, por conta propria, fez comentariosgerais durante as duas primeiras sell lanas e coletou fatos part iculares

nas duas ultimas", Na verdade, Darwin nao estava nem urn pouco

interessado em McKormick. "Meu amigo medico e urn asno, mas

nos damos amigavelmente ; no mOmento anda muito atribulado, ten-

tando decidir se manda pintar sua cabine de cinza ou de branco - nao

fala em outra coisa" .

Quanto mais nao seja, esse episodio ilustra a importancia das classes

)

21

 

Page 9: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 9/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

sociais como elemento da historia da ciencia. Quao diferente nao seria

a Biologia atualmente seDarwin fosse filho de comerciantes e nao de

urn riquissimo medico. A fortuna pessoal de Darwin deu-lhe liberdade

de pesquisar sem obstaculos, Uma vez que suas varias doencas so lhe

permitiam de duas a tres horas diarias de trabalho frutifero, qualquernecessidade de ganhar a vida trabalhando teria terminado para sempre

com qualquer possibilidade de pesquisa. Agora sabemos que a posicao

social de Darwin tambern desempenhou papel crucial no ponto culmi-

nante de sua carreira. Quanto a Fitzroy, estava muito mais interessado

nas habilidades sociais de seu companheiro a hora das refeicoes do que

em sua competencia em historia natural.

Haveria algo de mais profundo escondido nas conversas nao regis-

tradas entre Darwin e Fitzroy, durante as refeicoes? Os cientistas tern

uma seria tendencia a atribuir insights criativos as imposicoes da evi-

dencia empirica. Assim mesmo, as tartarugas e os tentilh5es receberam

aprovacao plena como os principais agentes na transforrnacao da visao

de Darwin, ja que embarcara no Beagle como urn ingenue estudantedo assunto, e comecara a escreversuas notas sobre a transmutacao das

especies menos de urn ana apos seu regresso. Sugiro que 0 proprio

Fitzroy tenha sido urn catalisador ainda mais importante.

Na melhor das hipoteses, Darwin e Fitzroy mantiveram urn rela-

cionamento tenso. Somente as severas restricoes da cordialidade cava-

lheiresca ea supressao pre-vitoriana das emocoes conseguiram manter

os dois em termos aceitaveis. Fitzroy era urn militar severoe urn Tory(tori, conservador) ardoroso. Darwin era urn Whig (progressista) igual-mente comprometido. Darwin evitava escrupulosamene qualquer dis-

cussao com Fitzroy a respeito do grande projeto de reformas pendenteno Parlamento britanico, Mas a escravidao conduziu os dois a urn con-

flito aberto. Uma noite, Fitzroycontava a Darwin ter testemunhado uma

provada benevolenciada escravidao.Urn dos maiores senhores de escra-vos do Brasil havia reunido seus negros e indagado se desejavam ser

!ivres.Unanimemente, eles haviam respondido "Nao", Quando Darwin

tevea temeridade de questionar 0 valor que poderia ter uma resposta

dada diante do dono, Fitzroy explodiu e comunicou a Darwin que

qualquer urn que duvidasse de sua palavra nao estava em condicoes

de comer em sua mesa. Darwin levantou-se e foi juntar-se aos outroscompanheiros. Fitzroy, porem, voltou atras e enviou urn pedido formal

de desculpas alguns dias depois.

22

DARWIN/ANA

Sabemos que Darwin indignava-sediante das opinioes voluntario-

sas de Fitzroy.Mas era seu convidado e, de certa maneira, seu subordi-

nado, ja que urn capitao em alto-mar era, nos tempos de Fitzroy urn

tirano absoluto e inquestionavel. Darwin nao podia expressar seu ~esa-

cordo. Durante cinco longos anos, urn dos homens mais brilhants, dahistoria contemporizou. Mais tarde, em sua autobiografia, Darwin lem-

brou que "a dificuldade de manter-me em bons termos com um capi-tao todo-poderoso aumenta ainda mais pelo fato de ser quase urnmotim

responder-lhe como se responde a qualquer outro homem, e pela admi-racao em que e tido por todos a bordo, ou era, em meu tempo".

A politica conservadora dos toris nao era, porem, a iinica Pliixao

ideologica de Fitzroy. A outra era a religiao, Tinha alguns momt!ntos

de duvida quanto a veracidade literal da Biblia, mas em geral tendia

a achar que Moiseshavia sido urn historiador e geologo acurado, e che-

gava mesmo a gastar urn tempo consideravel tentando calcular <isdi-

mens5es da Area de Noe, A ideia fixa de Fitzroy, pelo menos no final

da vida, foi 0 "argumento do designio", a crenca em que a benevolen-

cia deDeus (emesmo sua propria existencia)podia ser inferida a Partirda perfeicao da estrutura organica. Darwin, por seu lado, aceita.vaa

ideiade urn designio excelente,mas propunha, como explicacao, uma

teoria que nao poderia ser mais contraria a s conviccoesde Fitzroy.Dar-win desenvolveu uma teoria evolucionista baseada na variacao aC\den-

tal e na selecao natural imposta por urn ambiente externo: uma versao

rigidamente materialista (e basicamente ateista) da evolucao (veja 0

ensaio 1).Muitas outras teorias evolucionistasdo seculo 18estavambern I

mais proximas do tipo de cristianismo de Fitzroy.Os lideres religiosospor exemplo,tinham muito menos trabalho com as propostas corrente~

de tendencias perfeccionistas natas do que com a opiniao mecanicistaradical de Darwin.

Teria sido a atitude dogmatica de Fitzroy em relacao ao argumen-to do designio parcialmente responsavel pela visao filosofica de Dar-win? Nao setern qualquer prova em contrario de que Darwin, qUando

embarcou no Beagle, nao fosse urn born cristae. As duvidas e rejei<;5es

vieram mais tarde. Na metade da viagem, escreveua urn amigo: "Fre-quentemente conjecturo 0 que sera de mim; meus desejos certaIl1ente

me fariam Urnparoco de aldeia", Chegou mesmo a ser co-autor, junto

com Fitzroy, de urn apelo em favor do trabalho missionario no Taitiintitulado "The Moral State of Tahiti" (0 Estado Moral do Taiti). A~

23

 

Page 10: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 10/34

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA

sementes da dtiv ida, porem, devem ter comecado a germinar nas horas

silenciosas de con templacao, a inda a bordo do Beagle. Pense na posi-

cao de Darwin, naquele navio - jantando todos os dias, durante cinco

anos, com urn capitao autorita rio, a quem nao podia responder, cujas

pos icoes pol it icas e ati tudes eram frontalmente contrar ias a todas as suas

crencas, e de quem Darwin basicamente nao gostava. Quem pode saber

que "alquirnia s ilenciosa ' nao teria ocorr ido no cerebro de Darwin nesses

cinco anos de insistente falatorio, Fitzroy pode muito bern ter side mais

importante que os tentilhoes, pelo menos como fonte de inspiracao

para 0 tom materialista e an tite ista da teoria evolucionista e da filoso-

f ia de Darwin.

Fitzroy pelo menos culpou-se disso, quando , mais tarde, sua men-

te ficou perturbada. Cornecou a considerar-se 0 agente involuntario da

heresia de Darwin (na verdade, estou sugerindo que isso talvez seja mais

verdadeiro, em sentido l iteral , do que Fitzroy imaginou). Desenvolveu

em si urn ardente desejo de expiar a culpa e recobrar a supremacia da

Bfblia, Durante 0 famoso encontro da Brit ish Association de 1860 (oca-

siao da celebre briga entre Huxley e 0bispo Wilberforce), Fitzroy, dese-

quilibrado, andava para baixo e para cima com urna Biblia, gritando

"0 livro, 0 livro". Cinco anos depois, suicidou-se a bala,

2 4

L

3 0 dilema de Darw in :a odisseia da euoluciio

A exegese da evolucao como conceito ocupou vidas inteiras de mi-lhares de cientistas. Em cornparacao, 0 que desenvolvo neste ensa io e

algo quas~ que :idiculamente limitado - apenas uma exegese cia pa-

lavra e~ Sl. Registro como a rnudanca organica veio a chamar-s, evo-

Iucdo. E uma his toria complexa e fascinante em termos de urn ex~rcicio

de deteccao eti r~1016gicade puro ant iquario. Mas nao e apenas isso, ja

que 0 usa antenor dessa pa lavra con tribuiu para 0mais comum e cor-

rente mal-entendido existente entre os leigos sobre 0 que os cielltistas

querem dizer com evolucao,

Para cornecar, urn paradoxo: Darwin, Lamarck e Haeckel - os

. maiores evolucionistas do seculo 19, da Inglaterra, Franca e Alell \anha

respect ivamente - nao u~a~am a palavra "evolucao" nas edicoes origi~

nais de seus trabalhos mars importantes , Darwin falou em "descenden-cia com modif icacao", Lamarck de " transformismo", Haeckel pteferiu

a "Teoria das 'Iransmutacoes" OU "Descendez-Theorie": Por qUe eles

nao usaram "evolucao", e como foi que a mudanca organica adquiriu

seu nome atual?

Darwin evitava usar 0 termo "evolucao" para descrever sua teoria

por duas razoes, Para cornecar, no seu tempo, 0 termo ja tini)a urn

signif icado tecnico em biologia. Na verdade, cobria Jma teoria ero.brio-

logica que nao podia adequar-se a opiniao de Darwin sobre 0 desen-

volvimento organico,

Em 1744, 0 biologo alemao Albrecht von Haller havia cUlIhado

o termo "evolucao" para descrever a teoria de que os embrioes cres-

ciam de homunculos pre-formados, contidos no ovo ou no eSllerma(e de que, por mais fantastico que possa parecer hoje em dia, todas

as geracoes futuras haviam side criadas nos ovaries de Eva O u nos

tes ticulos de Adao, encerradas, como bonequinhas russas, uma <ientro

da outra - urn horminculo em cada ovo de Eva, urn homuncul-, me-

norzinho .em cad a ovo do horminculo anterior, e assim por diante).

Essa ~eona da evoluc~o (ou pre-formacao) foi combatida pelo, epi-

genesistas, que acredltavamque a complexidade da forma adulta

I \

25

 

Page 11: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 11/34

------_ ..-

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

surgira de urn ovo sem forma (para uma melhor explicacao do debate,

veja 0 ensaio 25). Haller escolheu 0 termo cuidadosamente, porque .a

palavra latina evolvere significa "desenrolar"; na verdade, os rm-nusculos homunculos simplesmente desdobravam-se de seus apertados

aposentos e punham-se a crescer de tamanho durante seu desenvolvi-mento embrionico.

Assim sendo, a evolucao embriologica de Haller parecia excluir a

descendencia com modificalYaode Darwin. Se a historia toda da raca

humana se achava pre-ernbalada nos ovaries de Eva, como poderia a

forca natural da selecao (ou qualquer outra forca, alias) alterar 0 curso

preordenado de nossa passagem pela Terra?Nossomisterio parece apenas agravar-se.Como pode 0 termo usado

por Haller transformar-se em algo de sentido praticamente oposto? Isso

so foi possivelpor estar a teoria de Haller as portas da morte por volta

de 1859; com seu desaparecimento, 0 termo que Haller usara ficou dis-

ponivel para outros proposnos.

o termo "evolucao", no sentido de uma descricao da "descenden-.cia com modificalYao"de Darwin, nao foi tornado emprestado de umasignificalYaoecnica previa; foi, isso sim, desapropriado do vernaculo.

No tempo de Darwin, tinha-se tornado urn termo comum em ingles,

com significado muito diverse do sentido tecnico que Ihe emprestara

Haller. 0 Oxford English Dictionary localiza-o no poema de H. More,de 1647: "Evolution of outward forms spread in the world's vast spright

[sprit]" (A evolucao de formas exteriores espalhou-se no vasto espiritodo mundo). Mas este era urn "desenrolar" de sentido muito diferente

daquele de Haller. Nele estava implicito"o aparecimento, em sucessao

ordenada, de uma longa serie de eventos", e, mais importante, corpori-

ficava urn conceito de desenvolvimento progressivo - urn desdobra-

mento ordenado do mais simples para 0 mais complexo. No mesmodicionario ainda consta "Processo de desenvolvimento de urn estadorudimentar para outro mais completo ou maduro". Portanto, no ver-

naculo, "evolucao" era uma palavra firmemente ligada ao conceito

de progresso.Darwin chegou a usar "evolver",no sentido vernacular - na ver-

dade e a ultima palavra de seulivro.

Existe uma grandeza nessa visao de mundo, com seus varies

poderes, tendo sido originalmente insuflados em poucas for-

26

DARWINIANA

~as, ou em apenas uma; enquanto este planeta continuou

girando seg~nd~ ~s leis da gravidade, desde 0 mais simples

corneco, infindaveis formas, as mais belas e mais maravilho-sas, evolveram ou estao evolvendo.

Darwin escol~eu-a para esta passagem porque quis contrastar 0

fluxo ?Odesenvolvimento organico com a fixidez de leis fisicas como

a ~rav~d~de.Mas e~auma palavra por ele usada raramente, ja que Dar-

Wlr:reJe~~l!.~II~lta':l:nte equaci<?Il~_()_q~egora chama~o-lucao c.omqualquer n()s;"ilo-ae-progresso -.-.-.-._.- ...... ----.--

~;nTa~'ios~-ePl~~a;;a~Dar\~Tii'faz ·uma recornendacao a si pro-

pno, para nao dizer jamais "superior" ou "inferior" ao descrever a

estrutura dos organismos - porque, se uma ameba esta tao bem-

a~~p-t_a~.~--~~1!_~~i~mb~entequanto nos aQ l ) .psSQ, q~~~:p~de di~~rque ~m..9_§_.!10.L~~cnaturas s.l.!peI:!pr.es?ssim, Darwin evitava chamarde evolu~ao.a descricao de sua descendencia com rnodificacao, tanto

p~r seu slgI_llf~cadoecnico ir contra as crencasque defendia, como por

nao se s~ntlra vontade com a nocao de progresso, inerente a seu senti-do vernaculo.

" A p~la~ra evolucao.e~trou na lingua inglesa como sinonirno dedescendencia com modificacao" atraves da propaganda de Herbert

Spencer, aquele mcan~ave~v.itoriano,doutor em quase tudo. Evolucao,

para S~en~er,e:a a.lei maxima de todo desenvolvimento. E, para urnperfecclOrust~vitonano, q~eoutro principio poderia reger os processos

~e ?esenv?lvn_nentodo uruverso senao 0progresso? Assim, Spencer de-finiu a lei universal em seu First Principles (Primeiros Principios) de

1~62: "Evolucao e uma integracao da materia e concomitante dissipa-

cao d~mO~lI~ent~durante a qual a materia passa de uma homogenei-dade m~eflmda, mcoerente, a uma hete:oge_~eida~ coerente".

DOiSo~tros aspectos do trab.alho dF Spencer cJDtribuiram para aatual. acepcao ?a ?~Iavra. Primeiro, ao"eserever-o popular Principles

of BIology (Principios de Biologia), 1864-67, Spencer usou constan-

te_me~te"evolucao'' para descrever a mudanca organica, Segundo,

~~2..,!:Il!..Q..Rrog[ess.oomo !l...I!!_~_.c_ap_a_c:i~aclentnnseca da materia, mas

~m como ~_~c:sulta,!ode uma "c()(:>J~f:~~£ao"ntre for~as(arribi~~tais)ext~rnas e mt~_Il_'!.s:sse ponto de vista se enquadra muito bern na

maior parte dos conceitos do seculo 19 sobre a evolucao organicauma vez que os cientistas vitorianos equacionavam facilmente rnu-

27

 

Page 12: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 12/34

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA

danca organica com progresso organico, Portanto, 0 termo estava 11

disposicao quando muitos cientistas precisaram de uma palavra mais

sucinta para a descendencia com modificacao de Darwin. E, uma vez

que a maioria dos evolucionistas encarava a'mudanca organica como

urn processo voltado para 0 aumento de complexidade (isto e, para

nos), a apropriacao do termo usado de maneira geral por Spencer nao

causou danos 11definicao.Ironicamente, porem, 0pai da teoria evolucionistapermaneceu pra-

ticamente sozinho, insistindo em que a rnudanca organica conduz

~'!§ __a_uP.13._~aior~~.92~Q:~_~_ ~ ~ g a n r S m ~ ~ , ~ s e u - ' m e i om-:'~~ urn idearab~.!.r~!9.~~pr:5'Jlre~s§;Qerinidoor sua com-plexiqade estrutural ou crescente heterogeneidade ~ nunca dIgaSu:

_p.eriorou i~feriru.set[~~ss-emos-segujdo o's-conseihoSde' Dar;m;

teriamos evitado a enorme confusao e os mal-entendidos atualmente

reinantes entre cientistas e leigos. Isso porque a visao de Darwin triun-fou entre os cientistas, que abandonaram, ha muito, 0 conceito delacos necessaries entre evolucao e progresso, como sendo urn dos

piores preconceitos antropocentricos imaginaveis, Mesmo assim, a

maioria dos leigos equaciona evolucao com progresso, e define aevolucao humana nao como uma mudanca apenas, mas em termosde maior inteligencia, maior altura, ou qualquer outra medida dehipotetica melhoria.

No que pode perfeitamente vir a ser 0mais divulgado documentoantievolucionistados tempos modernos,0panfleto da seitaTestemunhas

de Jeova, Did Man Get Here by Evolution or by Creation? (Como 0

Homem Chegou ate aqui: pela Evolucao ou pela Criacao"), proclama:

"Aevolucao,em termos muito simples, quer dizer que a vida progrediu

de organismos unicelularesate seu estado mais alto, 0 ser humano, atra-ves de uma serie de mudancas biologicas ocorridas durante milhoes de

anos... Mera mudanca dentro de urn tipo basico de ser vivo nao deveser considerada evolucao",

Esta equacao falaciosa entre evolucao organica e progresso conti-

nua tendo consequencias nefastas. Historicament.\e,__gerouos abusos

~ Social (a re~eito, do 9!!_iLQ_j)!~prioDarwin nutriasuspeitas). Essa desacreditada teoria cIassificava grupos e culturas

humanos de acordo com seu suposto nivel de conquistas evolutivas,

colocando (0 que nao e de surpreender) os europeus brancos no topoe os habitantes das colonias conquistadas na base da piramide, Hoje

28

DARWIN/ANA

em dia, permanece como componente primordial. d,enossa arrog~nciaglobal de nossa crenca no dominic, nao na convlvencia, com rnais de

urn milhao de outras especies que habitam nosso planeta. Ja esta es-

crito, porern, e nao hi mais nada que se.po~sa faze-, Ainda assim,e uma pena que os cientistas tenham contribuido par~ urn mal-enten-

dido fundamental, ao escolher uma palavra com sent\do de progresso

para descrevera menos eufonica, masmais acurada, "descendencia commodlficacao" de Darwin.

29

 

Page 13: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 13/34

4 a e n te rr o pr em atur o de Darwin

Numa das muitas versoes cinernatograficas de A Christmas Carol

(Urn Cantico de Natal), Ebenezer Scrooge encontra, no topo da esca-da, urn distinto cavalheiroque estasubindo para visitar urn amigo doen-

te, seuparceiroJacobMarley."0 senhor e 0medico?",perguntaScrooge.

"Nao", responde 0 homem, "sou 0 agente funerario; ha muita cornpe-ticao no nosso negocio" 0 implacavel mundo dos intelectuais deve

obter urn segundo lugar apertado, e poucas noticias atraem mais aten-

9ao do que a proclamacao de que certas ideias populares estao mor-

rendo. A teoria de Darwin sobre a selecao natural sempre foi uma

forte candidata ao enterro. Tom Bethell organizou 0mais recente velo-

rio num artigo chamado "Darwin's Mistake" (0 Erro de Darwin),

publicado em 1976 (Harper's): ''A teoria de Darwin, acredito eu, estaa beira de urn colapso... A selecao natural foi abandonada, mesmo por

seuspartidarios mais fervorosos,algunsanos atras", Isso e novidadepara

mim, ainda que, mesmo usando 0 distintivo darwinista, nao esteja

entre os mais ardentes defensores da selecao natural. Faz-me lembrara famosa resposta deMark 'Iwain a urn obituario prematuro: "As noti-

cias de minha morte sao muito exageradas". .

Os argumentos de Bethell tern uma nota curiosa para a maioha

dos cientistas praticantes. Estamos sempreprontos aver uma teoria cair

sob 0 impacto de novos dados, mas ninguem espera 0 colapso de uma

vasta e influente teoria por causa de urn erro logico em sua formula-cao. Praticamente todo cientista empirico ternurn que de filisteu.A ten-

dencia dos cientistas e ignorar a filosofia academica como sendo umabusca vazia. E claro que toda pessoa inteligente pode pensar correta-

mente por intuicao, Ainda assim, Bethell, ao selar 0 caixao da selecaonatural, nao da urn dado sequer, apenas urn erro no raciocinio deDar-

win: "Darwin cometeu urn erro suficientemente serio para abalar sua

teoria. E esse erro so recentemente foi reconhecido como tal... A certa

altura de sua argumentacao, Darwin se enganou".

Embora vatentar refutar Bethell, tambern deploro a falta de von-

tade dos cientistas de explorar com seriedade a estrutura logica de seus

31

 

Page 14: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 14/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

argumentos. Muito daquilo que passa como sendo teoria evolucionista

e realmente tao vaz io quanto Bethell pre tende. Muitas teorias impor-

tan tes se man tern de pe por uma serie de rneta foras e ana logi as dubias,

Bethell ident if icou, com correcao, as teorias sem valor que circundam

as ideias evolucionistas. Diferimos, porem, num ponto fundamental. Para

Bethell, a teo r ia de Darwin esta podre ate a raiz; para mim existe nela

uma perola de valor inestimavel,

A selecao natural e 0 conceito central da teo r ia darwinista -

, os mais aptos sobrevivem e disseminam seus traces favorecidos pelas

populacoes, A selecao natural se define pela frase de Spencer "so-

brevivencia dos mais aptos". Mas qual e 0 s ignificado exato desse

famoso jargao? Quem sao os mais aptos? Qual a definicao de aptidao?

Freqiientemente ouvimos dizer que a aptidao nao envolve senao urn

"sucesso reprodutivo diferencial" - a producao de urn numero su-

perior de filhos que sobreviva ao das outras especies competidoras

da mesma populacao. Ora! grita Bethell, como fizeram muitos outros

antes dele. Essa formulacao define aptidao apenas em termos de so-

brevivencia . A frase cruc ial da se lecao natural significa tao-so mente

"a sobrevivencia daqueles que sobrevivem" - uma tautologia vazia.

(Uma tautologia e uma frase como, por exemplo, "meu pai e urn ho-

rnem" - cujo predicado [hom em] nao contern nenhuma outra infor-

macae que ja nao esteja implici ta no sujeito [meu pai]. ) As tautologias

sao 6timas como definicoes, mas nao como afirmacoes cientificas

cornprovaveis - nao ha nada a ser comprovado numa afirmacao

verdadeira por definicao,

Mas como pode te r Darwin cometido urn erro tao monumental?

Mesmo seus criticos mais acerbos jamais 0 acusaram de estupidez.

Obviamente, Darwin deve ter tentado definir aptidao de maneira dife -

rente - achar urn criterio para a ideia de aptidao independentemente

da mera sobrevivencia . Na verdade, Darwin propos urn criterio inde-

pendente, mas Bethell argumenta, de modo corre to, que ele se baseou

numa analogia para estabelece- lo, uma estrategia per igosa e escorrega-

dia. Seria de se pensar que 0 primeiro capitulo de urn liv ro tao revolu-

cionario quanto The Origin of Species abordasse questoes c6smicas e

consideracoes gerais. Isso nao acontece. Darwin discorre sobre pombos.

Dedica a maior parte de suas quarenta paginas a "selecao artificial"

de certos tracos prefe ridos pelos criadores. Aqui opera urn criterio in-

dependente. 0 criador de pombos sabe 0 que quer, Os mais aptos nao

32

DARWINIANA

sao def inidos pela sobrevivencia, Na verdade, deixa-se que sobrevivam

porque possuem caracterist icas desejadas .

. 0 principio da selecao na tura l depende da validade de uma analo-

gia fe ita com a selecao artificial. Como 0 criador de pombos, precisa-

mos identificar os mais aptos de antemao, nao apenas por sua

sobrevivencia subseqiiente. Entretanto, a natureza nao e . urn criador deanimais; nao ha urn objetivo preordenado que regule a historia da vi-

da. Na natureza, quaisquer caracterist icas possuidas pelos sobreviven-

tes devem ser consideradas como "mais evolvidas"; na selecao artificial,

os traces "superiores" sao definidos antes mesmo que a procriacao co-

mece. Os te6ricos evolucionistas pos teriores, argumenta Bethel l, reco-

nheceram 0 fracasso da analogia de Darwin e redefiniram aptidao

s implesmente como sobrevivencia. S6 que eles nao perceberam que, ao

faze- lo, haviam solapado a estrutura logica do postulado central de Dar-

win. A natureza nao fornece nenhum criterio independente para "ap ti-dao", p o r t a n io ; : _ a ~ e r~ a o ~ ii ~ i i [i ! l. : r ia . : i ! t 9 T 2 ~ 1 ~ i _ - _. .- ---- 'BeilieiTpassa~ eiiiii.o; para dois importantes corolarios de seu argu-

mento principal. Primeiro, se aptidao significa sobrevivencia, como pode

a selecao natural ser uma forca "criativa", como queria Darwin? A se-

lecao natural so nos diz que "llIII dado tipo de animal tornou-se mais

numeroso", nao explica como "urn t ipo de animal transforrnou-se, gra-

dativamente, em outro", Em segundo lugar, como podiam, Darwin e

outros eminentes vitorianos, ter tanta certeza de que a natureza , irra-

ciona l, pod ia ser comparada a uma se lecao consciente de criadores?

Bethel l argumenta que 0 clima cultural de urn capital ismo industrial

t riunfante acabou por def inir qualquer mudanca como inerentemente

progressiva. A mera sobrevivencia so poderia mudar para melhor:

"Esta parecendo que a descoberta de Darwin nao e nada mais que a

propensao vitoriana de acredi tar no progresso",

Acredito que Darwin estava certo e que Bethe ll e seus colegas es-

tao enganados: 0 criterio do mais apto, independente da sobrevivencia,

pode ser aplicado a natureza e tern sido usado consistentemente pelos

par tidarios da teoria evolucionis ta. Mas , antes, e preciso admit ir que

as criticas de Bethell procedem no que diz respeito a grande parte da

l iteratura tecnica sobre teoria evolucionis ta, principalmente aos trata-

mentos matematicos abstra tos que consideram a evolucao apenas uma

alteracao numerica e nao uma mudanca qualitativa . Esses estudos ava-

liam 0 mais apto apenas em termos de sobrevivenc ia dife rencial. Que

33

II

I

 

Page 15: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 15/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

mais sepode fazer commodelos abstratos que determinam os sucessos

relativos dos genes hipoteticos A e B, em populacoes que existem ape-nas num disco de memoria de computador? A natureza, porem, nao

e limitada pelos calculos dos geneticistas teoricos, Nela, a "superiori-

dade" de A sera expressa em termos de sobrevivencia diferencial, mas

nao definida por ela - ou, pelo menos, e melhor que nao 0 seja,caso Bethell et al. triunfem e Darwin se renda.

Minha defesa de Darwin nao e nem surpreendente, nem nova,nem

profunda. Afirmo simplesmente que Darwin teve motivos para fazer

uma analogia entre a selecao natural e a criacao de animais. Na selecaoartificial, a vontade do criador representa uma "rnudanca de meio am-

biente" para a populacao, Nesse novomeio ambiente, certos tracos saosuperiores a priori (elessobreviveme difundem-se pela escolha do cria-

dor, mas isso e resultado de sua aptidao, nao uma definicao dela). Na

natureza, a evolucao darwiniana tarnbern e uma resposta a meios am-

bientes cambiantes. Agora a questao-chave: certos traces morfologicos,

fisiologicos e comportamentais sao superiores a priori, sao designs pa-

ra a vida no novo ambiente. Thistraces conferem aptidao por urn crite-rio de born design de engenharia, e nao pelo fato empirico da

sobrevivencia e procriacao. 0 esfriamento da temperatura precedeu 0

fato de 0 mamute desenvolver sua pelagem felpuda,Por que essa questao agita tanto os evolucionistas? Darwin estava

certo: urn design superior num meio ambiente mudado e urn criterioindependente de aptidao. E dai? Sera que algum dia alguem chegou

a propor que os mal projetados triunfariam? Na verdade, muita genteo fez. No tempo de Darwin, muitas teorias evolucionistas rivais afir-

mavam que os mais aptos (mais bern projetados) pereceriam. Urn con-

ceito muito popular - a teoria dos ciclosde vida racial- era defendido

por urn ocupante anterior do cargo que ocupo agora, 0 grande paleon-

tologista norte-americano Alpheus Hyatt. Hyatt dizia que as linhagensevolutivas,como os individuos, tern ciclosde maturidade, velhicee morte

(extincao), 0 declinio e a extincao estao programados na historia das

especies.Quando a maturidade cede lugar a velhice,os individuos maisbern projetados morrem, e os senis e debilitados tomam conta. Outra

nocao antidarwiniana - a teoria da ortogenese - sustentava

que certas caracteristicas, uma vezimplantadas, nao podiam ser evita-

das, mesmo que levassem fatalmente a extincao provocada por urn de-sign deficiente. Muitos evolucionistas do seculo 19 (talvez a maioria)

34

DARWINIA NA

diziam que os alces irlandeses extingiiiram-seporque nao puderam evi-

tar 0 aumento de seus chifres (veja 0 ensaio 9); assim, morreram en-ganchados nas arvores ou atolados na lama. Da mesma forma, 0

desaparecimento do tigre de dentes de sabre foi atribuido a urn cresci-

mento tao desmedido de seus dentes caninos que os pobres felinos naopodiam mais abrir suas xnandibulas 0 suficiente para usa-los.Portanto, nao e verdade, como diz Bethell, que quaisquer caracte-

risticas possuidas pelossobteviventesprecisam, necessariamente,ser qua-

lificadas como mais aptas. "Sobrevivencia dos mais aptos" nao e umatautologia. Tambem nao e a (mica leitura imaginavel ou razoavel dos

registros evolucionistas.E testave! Teveadversaries que sucumbiram ao

peso das provas em contnirio e da mudanca de ati tudes em relacao it

natureza da vida. Ternrival, que sesairam bern, pelo menos ao limitarseu grau de abrangencia.

Se eu estiver certo, COlhopode Bethell dizer: "Darwin, acredito eu,

esta sendo posto de lado, mas, talvez em respeito ao venerando cava-

lheiro, confortavelmente in.stalado na abadia de Westminster, ao lade

de Sir Isaac Newton, 0 processo se desenvolvecom a maxima discricao

e delicadeza e 0minimo de pubJicidade". Receio ter de dizer que Be-thell nao foi justo na sua afirmacao quanto a opiniao predominante.Ele cita os enfadonhos C. H. Waddington e H. J. Muller como se

fossemporta-vozesdo consenso. Nao menciona uma vez sequer osmais

importantes .selecionistas da geracao atual - E. O. Wilson ou D.

Janzen, por exemplo.E cita os arquitetos do neodarwinismo -r Dobz-hansky, Simpson, Mayr e J. Huxley - apenas para ridicularizar-lhes

as metaforas sobre a "criatividade" da selecao natural . (Com isso

nao estou dizendo que 0 darwinismo deva ser cultuado por ainda serpopular; mas tambem acredito que urn consenso sem atividade critica

e sinal certo de problemas iminentes. Estou apenas contando que,

para 0 bern ou 0 mal, 0 darwinismo esta vivo e passa bern, apesardo obituario de Bethell.)

Mas por que a seIe~aonatural foi comparada a urn compositor,

por Dobzhansky, a urn POeta,par Simpson, a urn escultor, por Mayr,

e, de todas as criaturas, a Shakespeare,por Julian Huxley? Nao tenta-

rei defender a escolha de rnetaforas, mas manterei minha intencao, ou

seja, ilustrar a essencia do darwinismo - a criatividade da selecao na-

tural. A selecao natural e enfocada por todas as teorias antidarwinis-

tas. Desempenha urn papel negativo, de verdugo dos nao-aptos

35

 

Page 16: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 16/34

, I. I

'II

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA

(enquanto os mais aptos surgem por mecanismos nao-darwinianos, tais

como a heranca de caracteres adquiridos ou a inducao direta de variacoes

favoraveis do meio ambiente). A essencia do darwinismo reside na afir -

macae de que a selecao natural cria os mais aptos. A variacao e ubiqua

e casual. Fornece apenas a materia-prima. A selecao natural dirige 0

curso da mudanca evolutiva. Preserva as variantes favoraveis e formagradua lmente os mais aptos. Na verdade, ja que os artistas modelam

suas criacoes com a materia-prima das notas, palavras e pedras, as me-

taforas nao me parecem tao inadequadas assim. Como Bethel l nao aceita

urn cri terio de apt idao independente da simples sobrevivencia, seria di-

f icil que concedesse urn papel criat ivo a se lecao natural.

Segundo Bethell, 0 conceito de Darwin sobre a selecao natural

como uma forca criativa nao e senao uma ilusao, encorajada pe lo eli-

rna soc iopolitico de sua epoca, No auge do otimismo vitoriano da Gra-

Bretanha imper ial, a rnudanca parecia ser inerentemente progress is ta;

por que nao equacionar a sobrevivencia na natureza com uma aptidao

crescente, no sentido nao-tautologico de urn design aperfeicoado?

Sou urn firme partidario do argumento que diz que a "verdade"

pregada por urn cientista frequenternente acaba nao sendo nada alern

de urn preconceito inspirado pelas crencas sociopoliticas dominantes em

sua epoca. Ja escrevi varios ensaios sobre 0 assunto porque acho que

ajudam a desmisti ficar a pratica da ciencia, mostrando que e semelhante

a todas as atividades humanas criat ivas. Entretanto, a verdade do argu-

mento nao significa sua aplicacao a casos especificos. Para mim, 'Be-

thell esta mal informado quando 0 apl ica a Darwin.

Charles Darwin fez duas coisas bern dist intas : convenceu 0 mun-

do cientifico de que a evolucao ocorrera, e propos a teor ia da selecao

natura l como mecanismo. Estou disposto a admitir que 0 equaciona-

mento que se fazia entao entre evolucao e progresso tornou a primeira

proposicao de Darwin mais aceitavel para seus contemporaneos. Entre-

tanto, ele falhou em sua segunda proposta. A teo ria da selecao naturalnao triunfou ate por volta de 1940. Sua falta de popularidade na epoca

vitoriana, acho eu, deve-se principalmente a negacao da existencia de

urn progresso geral inerente ao funcionamento da evoluc,:ao.~

natural ~~~!~<?!j.~,_<i~_ada1?.t,!~.~Q.]Q£aULm<':i9~~!p_~_ientesam.Jriantes._

~i!lsiJ:>ios aperfeicoantes, nao garante melhoria geral; em

suma, nao fornece mOtivos'"para-u:maaprova~~o-"gerafrliilli-clima ~oli~---...:_~ .------=----~-----,------_,---- ----'tico aue favorecia a ideia do progresso como inato a natureza:--___________.-n.-.~.--"~---. -------··--." ---~-

36

DARWINIANA

o criter io independente de apt idao de Darwin e , na verdade, urn

"design aperfeicoado", mas nao aperfeicoado no sentido c6smico, de

ser favorecido pelo entao imper io britanico, Para Darwin, aperf~££~-

do signifi~va!!p~nas "melhor Pr:oj.~!~~<?,P.ll:~~_~~": ' : 1 ~ j _ o . " ~ n . : ? , ~ ~ I 1 _ t . < : . ! . ~ ~ -o i a t o e local". 0meJoaiiitJleiite-Iocal muda constantemente: fica mais

~;Quente, mais umido, mais seco, com vegetacao mais dens a

ou mais rala. Evol uc ao a tr av es da se lecao natural nada mais e que 0

rastreamento desses meios ambientes cambiantes, pela preservacao di-

ferencial de organismos melhor projetados para neles viverem: 0 pelo

do mamute nao e progressivo em sentido c6smico. A sele~ao natural

pode produzir certas tendencias q,!.~__r!9s~e,~am pensar elllprogres_sonumsen"t"i"do-iiiciE'g"erai"=-o-aurn.ento de tamarinodo"cerebro caracteri-

zaaeyQl~~Ji:_ai~giili29a;iiQi~_gruQQji.~"miiiiHir.Ci_S-Tvejacieiisaio 2"3).

~r~brQ.s.g_rAg~~~_POr~_!TI!.~em,.~,!.all_tHid.i!d.~m,.ll_1ei<?,~,l:1Il_bientes,l_ocais;nao caracterizam tendenCiaslntrinsecas a estados mais elevados. Alias,

i5ar~"illadorava-mostrar- q~~~'~d~Pt~~[oio"c-ar'freqjfeniemenie produ-

zia uma degenerescencia no design - simplificacoes anatomicas em pa-

rasitas, por exemplo.

Se a selecao natural nao e uma doutrina de progresso, sua popula-

.. ridade nao reflete, como quer Bethe ll, a politica da epoca. Se a teoria

da selecao natural contem urn criter io independente de.apt idao, entao

nao e tautologica. Sustento, quem sabe ingenuamente, que sua popula-

r idade, ainda vigente, deve ter algo a ver com 0 sucesso com que conse-

guiu transmitir as informacoes, imperfeitas admito, que temos hoje sobre

evolucao, Suspeito que ainda ouviremos falar em Charles Darwin porImuito tempo.

37

 

Page 17: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 17/34

----------~---.-.~.. .~-.

2

Evolu~ao humana

 

Page 18: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 18/34

5 Uma quesrdo de grau

Em A le xa nd er 's F ea st (0 Festim de Alexandre), John Dryden co-

loca seu heroi, embriagado depois da ceia, recontando suas gl6rias

marciais:

The King grew vain;Fought all his battles o'er again;

And thrice he routed all his foes,

and thrice he slewthe slain!"

Cento e cinquenta anos depois, Thomas Henry Huxley invocou a

mesma imagem, recusando-se a continuar perseguindo a vit6ria decisi-

vamente obtida sobre Richard Owen, no grande debate sobre 0 hipo-

campo: "A vida e curta demais para que nos ocupemos em matar os

mortos mais de uma vez".Owen tentara estabelecer nossa singularidade, argumentando que

uma pequena circunvolucao do cerebro humano, 0 hipocampo menor,

nao existianos chirnpanzese gorilas (e nem emnenhuma outra criatura),

apenas no H omo s ap ie ns . Huxley,que haviadissecadoprirnatas enquan-

to preparava seu trabalho embrionario, Evidence a s to M an's P la ce in

Nature (Provasquanto ao Lugar do Homem na Natureza), mostrou con-

cJusivamenteque todos os simios possuem hipocampo, e que qualquer

descontinuidade no cerebro dos primatas se encontra entre os prossi-mios (lemures e tarsioideos) e todos os outros primatas (inclusive os

humanos), e nao entre 0 homem e os grandes macacos. Apesar das pro-'

vas, durante todo 0mes de abril de 1861,a Inglaterra inteira observou

seus dois maiores anatomistas digladiando-se em torno de urn pedaci-

nho de cerebro, A revista satirica Punch riu do assunto e publicou ver-

sos a respeito; Charles Kingsley escreveu extensamente sobre 0

• Cres ceu a vaidade do rei;

Lutou todas as bata lhas de novo;Tres vezes expulsou os inimigos,

Tres vezes matou os mortos. (N.T.)

41

"j,,..

 

Page 19: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 19/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

"hipop6tamo maior" em seu c lassico infantil de 1863, The Water Ba-

bies (Os Bebes Aquaticos), Se algurn dia urn bebe aquatico fosse en-

contrado, comentou e le, "eles 0 poriam em alcool, ou no Illustrated

News, ou talvez 0 cortassem ao meio, pobrez inho, enviando metade ao

professor Owen e metade ao professor Huxley, para ver 0 que cad a urn

teria a dizer sobre ele".

o mundo ocidental ainda nao fez as pazes com Darwin e com as

implicacoes de sua teoria evolucionista. 0 debate em torno do hipo-

campo apenas iIustra 0 grande empeeilho existente para uma conci lia-

~ao - nos sa rna vontade em aceitar a continuidade entre nos mesmos

e a natureza, nossa ardente busca de criterios que afirmem nos s a sin-

gular idade. Imimeras vezes , os grandes natural istas esbocaram teorias

gerais sobre a natureza, fazendo excecao unicamente para os human os.

Charles Lyell (veja 0 ensaio 18) eoncebeu um mundo estatico: nenhu-

rna mudanca no tempo dentro da complexidade da vida, com todos os

desenhos organicos presentes desde 0 princfpio, Entretanto, 0 proprio

hom em havia sido criado apenas urn instante geologico atras - urn

mero pulo quantico na esfera moral imposta sobre a constancia de umdesign meramente anat6mico. Alfred Russel Wallace, urn fervoroso se-

lecionista, que chegou a ultrapassar 0 darwinismo de Darwin em sua

rigida insistenc ia na se lecao na tural como a unica forca dire triz da mu-

danca evolucionista, abriu sua un ica excecao para 0 cerebro humano

(voltando-se, no final da vida, para 0 espiritualismo).

o proprio Darwin, embora aceitasse a continuidade, relutou em

expor .sua heres ia. Na primeira edicao do The Origin oj Species (1859),

escreveu apenas "a luz sera lancada sobre a origem do homem e sua

historia", Edicoes posteriores acrescentaram 0 intensificador "muita"

a frase. Somente em 1871 e que criaria eoragem para publicar Des-

cent oj Man (A Descendencia do Homem) (veja 0 ensaio 1).

Os chimpanzes e gor ilas de ha muito const ituem 0campo de bata-lha em nossa busca pela singular idade; se conseguissemos estabelecer

uma distincao sem arnbiguidade - de especie, mais que de grau - en-

tre nos e nossos parentes mais proximos, talvez pudessernos obter a jus-

t ificativa tao longamente proeurada para nossa arrogancia cosmica, Faz

tempo que essa batalha deixou de ser urn simples debate sobre evolu-

cao: hoje em dia, as pessoas instruidas aee itam a continuidade evoluti-

va entre homens e macacos. Porern, ainda estamos tao ligados a nossa

heranca fi los6fica e rel igiosa que continuamos buscando cri terios para

42

El/OLU<;7AO HUMANA

uma rigida divisao entre nossas habil idades e as dos chirnpanzes. Pois,

como rezava 0 salmo: "0 que tern 0 homem, que 0 torna tao e6nscio

de si? ... Vos 0 fizestes urn pouco abaixo dos anjos e 0 coroastes de

honra e gloria" , ' Ientaram-se muitos cri terios, mas , Urn a urn, falharam

todos. A unica alternativa honesta e admitir a existellcia de uma conti-

nuidade de especie entre nos e os chimpanzes, 0 que perdemos com

isso? Apenas urn conceito antiquado de alma em troca de outro mais

humilde, exa ltando talvez nossa unidade com a natureza. Proponho-

me a examinar tres crite rios de distincao e argumentar que , sob todos

os aspectos, estamos mais proximos do chimpanze do que ate mesmo

Huxley ousou imaginar.

1. A singularidade rnorfologica na tradicao de Owen. Huxley sem-

pre estimulou aqueles que tentavam descobrir uma descontinuidade ana-

tomica entre os seres humanos e os macacos. Ainda assim, a pesquisa

prosseguiu em alguns quadrantes. As d iferencas entre um chirnpanze

adulto e urn ser humano nao sao pequenas, mas naQ se devem a qual-

quer diferenca em especie, Parte por parte, ordem nor ordem, somos

iguais; diferem apenas os tamanhos relat ivos e os indices de crescirnen-

to. Com a minuciosa atencao aos detalhes que caracteriza a pesquisa

anat6mica alema, 0 professor D. Starck e seus colegas concluirarn ha

pouco que as diferencas entre os cranios dos humanos e os dos chirn-

panzes sao apenas quantitativas.

2. Singula ridade conceitual. Poucos foram os cientistas que leva-

ram adiante 0 argumento anat6mico depois da derrocada de Owen, Em

seu lugar , os defensores da s ingularidade humana interpuseram urn pre-

cipicio intransponivel entre as habil idades mentais humanas e as s imias.

Para ilustrar a distancia, procuraram urn criterio de distincao nao-

ambiguo. A geracao anterior citava 0uso de ferramelltas, mas aeonteee

que os macacos espertos empregam toda sorte de arte fa tos para a lcan-

car bananas inacess iveis ou l ibertar companheiros presos,Mais recentemente, os argumentos centraram-se na l inguagem e na

capacidade de conceitual izacao, os ult imos bas tioes das diferencas po-

tenciais em especie, Exper iencias anteriores para ensinar chimpanzes

a falar foram notadamente malsucedidas - uns poucos grunhidos

e urn vocabulario negligenciavel. Alguns conclufram que 0 fracasso

seria necessariamente urn reflexo da deficienc ia na organizacao cere-

bral, mas a explicacao parece mais simples e bern men os profunda

(embora de modo algum desimportante, pelo que irnplica em term os

43

I

 

Page 20: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 20/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA EVOLU9AO HUMANA

de capacidade linguistica dos chimpanzes em condicoes naturais): as

cordas vocais dos chimpanzes sao const ituidas de tal forma que 0grande

reper torio de sons art iculados nao pode ser produzido. Se conseguisse-

mos descobrir urn outro meio de nos comunicarmos com eles, tal-

vez ficassemos sabendo que os chimpanzes sao muito' mais espertos

do que imaginamos.

A essas alturas, todo mundo que Ie jornais e assiste televisao ja

ficou sabendo dos extraordinarios sucessos iniciais de urn outro meio

- a cornunicacao com chimpanzes atraves da Iinguagem dos surdo s-

mudos. Quando Lana, a chimpanze-rnodelo do Laboratorio Yerkes,

comecou a solic itar nomes de objetos que nunca v ira, nao foi possivel

continuar negando aos chimpanzes a capacidade de conceitualizar e

abs trair. Nao se trata de mero condicionamento l l i !y_LQ~. Em feve-

reiro de 1975, R. A. e B. T. Gardner relataram os primeiros resultados

obtidos com dois filhotes de chimpanzes criados com linguagem de si-

nais desde 0 dia do nascimento. (Washoe, seu sujeito anterior, so foi

exposta a linguagem de sinais com urn ana de idade. Depois de seis me-

ses de tre inamento, seu vocabulario consistia em apenas do is sinais.)

Os dois f ilhotes comecaram a fazer sinais reconheciveis no terceiro mesde vida. Urn deles, Moja , possuia urn vocabulario de qua tro palavras

na decirna terceira semana: "me da", "vai", "mais" e "beber", 0 pro-

gresso de les nao foi mais lento que 0 de urn bebe humane (geralmente

esperamos pelas palavras, e nao percebemos que nossos bebes nos dao

sinais de ou tras maneiras, muito antes que comecem a fa lar). Natural-

mente, nao acredito que nossa diferenca mental em relacao aos chim-

panzes constitua apenas urn problema de educacao. Nao ha duvida de

que 0 progresso desses filhotes de chimpanze diminuira em relacao as

crescentes realizacoes de bebes humanos. 0 proximo presidente dos

Estados Unidos nao pertencera a outra especie, Seja como fo-r, 0 traba-

lho dos Gardner foi uma surpreendente demonstracao de como ternos

subes timado nossos parentes biologicos mais proximos,3. Diferencas geneticas globa is. Mesmo que se admita que nenhu-

rna habil idade ou caracterist ica especif ica separa completamente os se-

res humanos dos chimpanzes, talvez possamos afirmar , pelo menos. que

as diferencas geneticas globais entre nos sao razoavelmente grandes. Afi-

nal, as duas especies nao se parecem em nada e agem muito diferente-

mente, em condicoes naturais. (Apesar da capacidade quase l ingi iist ica

demonstrada pelos chimpanzes em laboratorio, nao temos nenhuma pro-

va da existencia de uma comunicacao conceptual rica em seu habitat

selvagem.) Mas Mary-Claire King e A. C. Wilson publicaram recente-

mente urn relata das diferencas genet icas entre as duas especies (Scien-

ce , 11 de abril, 1975), e os resultados talvez venham a afetar urn

preconcei to anter ior que, suspei to eu, a maior ia de nos ainda abrigava.

Em suma, usando todas as tecnicas bioquimicas existentes agora, e exa-

minando tantas proteinas quanto poss ivel , chegaram a conclusao de que

as diferencas genet icas globais sao extraordinariamente pequenas.

Quando duas especies diferem pouco do ponto de vista morfolo-

gico mas funcionam como populacoes separadas e reprodutivamente

isoladas na natureza, os biologos evolucionis tas falam em "especies ir-

mas". Especies irrnas geralmente demonstram muito menos diferencas

geneticas do que pares de especies colocadas no mesmo genero, mas

claramente diferentes em termos de morfologia (especies congeneres) .

Os chimpanzes e os humanos, porern, nao sao obviamente especies ir-

mas; nao somos nem rnesmo especies congeneres pela pratica taxiono-

mica convencional (os chirnpanzes pertencem ao genero Pan; nos somos

Homo sapiens). Entretanto, King e Wilson mostraram que a distancia

genetica global entre seres humanos e chimpanzes e muito menor quea media existente em especies irrnas, e menor ainda que a

existente em pares tes tados de especies congeneres,

Urn born paradoxo, pois, embora tenha defendido veementemente

que nossas diferencas sao apenas uma questao de grau, ainda conti-

nuamos sendo animais muito diferentes. Se a diferenca gene tica glo-

bal e tao pequena, 0 que ter ia causado tamanhajdivergencia na forma

e no comportamento? Diante da nocao atomista de que cada caracte-

ristica organica e controlada por urn unico gene, nao podemos conci-

liar nossas dessemelhancas anatornicas com os achados de King e

Wilson, ja que muitas dife rencas em forma e funcao te riam de refle tir

muitas diferencas em genes .

A resposta deve esta r no fato de que certos tipos de genes tern efe i-tos muito mais abrangentes - devem influenciar 0 organismo como

• urn todo, e nao apenas caracterist icas individuais . Vmas poucas rnu-

dancas nesses genes-chave talvez produzam uma grande divergencia entre

duas especies, sem muita diferenciacao genet ica global. King e Wilson

tentam, portanto, resolver 0 paradoxo atribuindo nossas diferencas em

relacao aos chirnpanzes primeiramente a mutacoes do sistema regulador.

As celulas do flgado e do cerebro tern os mesmos cromossomos

44 45

I,I

~ l _ 

Page 21: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 21/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

e os mesmos genes. A profunda dife renca existente nao se deve it cons-

tituicao genetica, e sim aos carninhos de desenvolvimento diversos.

Durante 0 desenvolvimento, os diferentes genes precisam ser ativados

. ou desativados em epocas diversas para se poder obter tao disparata-

dos resultados de urn mesmo sistema genetico, Na verdade, 0 rnisterio-

so processo da embriologia deve ser regulado por urn notavel timingem termos de acao dos genes. Para diferenciar a mao, por exemplo,

de urn projeto homogeneo de membro, as ce lulas precisam proliferar

em certas areas (que serao os dedos) e morrer em outras (os espacos

entre eles).

Grande parte do sistema genetico deve dedicar-se ao estabelecimento

do timing desses eventos - it hora de ativa-los e desativa-los - muito

mais que it determinacao de caracteristicas especificas. Referimo-nos aos

genes que controlam 0 timing dos eventos do desenvolvimento como

urn sistema regulador . Esta claro, portanto, que uma rnudanca nurn unico

gene regulador pode acarreta r efeitos profundos no organismo todo.

Atrase ou acelere urn evento-chave na embriologia e 0 curso inteiro do

desenvolvimento futuro pode mudar . King e Wilson, por tanto, supuse-ram que as diferencas gene ticas fundamenta is entre os seres humanos

e os chimpanzes se encontram nesse importantissimo sistema regulador.

Esta e uma hipotese razoavel (necessar ia mesmo). Mas, sabemos

alguma coisa sobre a natureza dessa diferenca reguladora? Nao somos

capazes de identi ficar os genes especif icos envolvidos; a par ti r dai , King

e Wilson nao dao opiniao, "0 mais importante para 0 estudo futuro

da evolucao humana", escrevem eles, "seria a demonstracao das dife-

rencas entre macacos e seres humanos no timing da expressao dos ge-

nes durante 0 desenvolvimento" Acredito, porern, que conhecemos as

bases dessa rnudanca de timing. Conforme desenvolvo no ensa io 7, 0

Homo sapiens e , basicamente, uma especie neotenica; desenvolvemo-

nos a partir de ancestrais semelhan tes ao macaco, por urn retardamen-to geral da taxa de desenvolvimento. Deveriamos procurar mudancas re-

guladoras que desaceleram as tendencias ontogenicas que par ti lhamos

com todos os primatas e que nos perrnitem reter as tendencias e as pro-

porcoes do crescimento juvenil.

A pequenissima distancia que separa os seres humanos dos chim-

panzes pode nos tentar it realizacao do exper imento cient ifico poten-

cialmente mais interessante mas eticamente mais inaceitavel que posso

imaginar - prom over a hibridizacao das duas especies e depois sim-

46

EVOLU9AO HUMANA

plesmente perguntar it descendencia 0 que signif ica ser, pelo menos em

parte, urn chimpanze, Esse cruzamento pode bern ser possfvel - tao

pequenas sao as distancias gene ticas que nos separam. Mas, antes que

se comece a temer 0 surgimento de uma raca cornparavel it do filmePlaneta dosMacacos, apresso-rne a acrescentar que os hibridos seriam

. e quase certo, estere is - como a mula, e pe la mesma razao. As difeten~

cas geneticas entre seres humanos e chimpanzes sao pequenas, mas in-

cluem pelo menos dez grandes inversoes e translocacoes, Uma inversao

e, literaImente, 0virar-se em sentido oposto de urn segmento cromosso_

mico. Cada ce lula hfbrida teria urn conjunto de cromossomos de chim-

panze e outro, equivalente, de cromossomos humanos. As celulas do

ovo e do esperma sao fabricadas por urn processo chamado meio~e, ou

divisao por reducao, Na meiose, cada cromossomo precisa juntar-se (f i-

car lade a lado) it sua contraparte antes da divisao da celula, para que

os genes correspondentes possam combinar-se urn a urn: ou seja, cada

cromossomo de chimpanze precisa emparelhar-se com 0 cromossomo

humane equivalente. Mas, se parte de urn cromossomo humane esta

invertido em relacao it sua contraparte no chimpanze, nao pode oeor-

rer 0 emparelhamento gene por gene sem urn processo elaborado de

contorsoes que normaImente excIui a divisao bem-sucedida da cehlla.

A tentacao e grande, mas espero que tal emparelhamento contirlUe

no index das experienc ias proibidas. De quaIquer forma, diminuira it

medida que formos descobrindo meios de conversar com nossos paren-

tes mais pr6ximos. Estou comecando a desconfiar que aprendererllOs

tudo aquilo que quisermos saber diretamente dos pr6pr ios chimpanzes.

47

 

Page 22: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 22/34

6 Arbustas e escadas

na eooluciio humana

Meuprimeiroprofessorde paleontologia era quase tao velhoquanto

os animais de que falava. Costumava dar aula lendo em folhas depapel almaco notas amarelecidas, provavelmente feitas em seus dias de

estudante. Entrava ana e saia ano, mas as palavras nao mudavam; ape-

nas 0 papel ficava ainda mais amarelo. Lembro-me que sentava na pri-meira fileira, banhado pela poeira amarela, ouvindo 0 estalar do papela cada pagina virada.

E uma bencao que ele nunca tenha tide de lecionar evolucao hu-

mana. Nos ultimos anos, os pesquisadores tern descoberto com uma

frequencia inexoraveltantos f6sseis pre-humanos novos e significativos

que 0 destino de quaisquer anotacoes didaticas so pode ser descrito como lema de uma economia fundamentalmente irracional - obsolencia

planejada. Todo ano, quando chega a hora de ensinar 0 assunto, sim-

plesmente abro meu fichario e despejo seu conteudo no arrnario maisproximo. E la vamos nos outra vez.

A manchete do New York Times do dia 31 de outubro de 1975

dizia: "Fosseis na Tanzania atestam homem 3,75milhoes de anos atras",A dra. Mary Leakey,heroina esquecida do famoso cla, tinha descoberto

os maxilares e dentes de pelo menos onze individuos, em sedimentoslocalizados entre duas camadas de cinza vulcanica fossilizada, datada

de 3,35 a 3,75 milhoes de anos atras, respectivamente, (Mary Leakey,

normalmente qualificada apenas como a viuva de Louis, e uma famosacientista, com credenciais muito mais significativas que seu brilhante

falecido marido. Ela tambem descobriu diversos outros fosseis farno-

sos, descoberta normalmente atribuida a Louis, inclusive 0 "homem

quebra-nozes" de Olduvai, 0Austra/opithecus boisei, a primeira gran-de descoberta do casal.) Mary Leakey classificou esses fragmentos co-mo restos de criaturas do nosso genero Homo, presumivelmente da

especie da Africa do leste Homo habilis, classificada por LouisLeakey.2

2 . Escrev i este ensaio em janei ro de 1976 .Confi rmando a advertencia fe ita no

ul timo paragrafo, a a tribu icao de Mary Leakey dos maxilares de Laeto li l ao genero

49

 

Page 23: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 23/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

E dai? Em 1970, 0 paleontologo de Harvard, Brian Pat terson, da-

tou urn maxila r da Africa do leste de 5,5 rnilhoes de anos arras. E ver-

dade que atr ibuiu 0 fragmento ao genero Australopithecus, nao ao

Homo. Mas, de maneira geral , 0Australopithecus tern side considera-

do como 0 ancestral direto do Homo. Embora a convencao taxionomi-

ca exi ja a atribuicao de nomes diferentes aos estagios de uma linhagemem desenvolvimento, esse costume nao deve obscurecer a realidade

biol6gica. Se 0 H habilis e descendente direto do A. africanus (e se

as duas especies diferem pouco em caracteres anatomicos), entao 0mais

antigo "ser humano" pode muito bern ser 0mais antigo Australopithe-

cus, e nao 0 mais ant igo receptor da arbit raria designacao Homo. 0

que existe, entao, de tao excitante em alguns maxilares e dentes urn mi-

lhao de anos mais jovens que 0 mais velho Australopithecus?

Para mirn, a descoberta de Mary Leakey e a segunda mais impor-

tante da decada, Para explicar esse meu excitamento, precisarei delinear

alguns antecedentes em paleontologia humana e discutir uma questao

fundamental, mas pouco ventilada na teoria evolucionista - 0 confli-

to entre "escadas" e "arbustos", como rnetaforas para a mudanca evo-lucionista. Meu argumento e 0 de que 0 Australopithecus, como 0

conhecemos, pode nao ser 0 ancestral do Homo; e que , de qualquer

maneira, escadas nao representam a trilha da evolucao, (Com 0 termo

"escadas" estou me referindo a imagem popular da evolucao como uma

sequencia continua de ancestrais e descendentes. ) Os maxilares desco-

bertos por Mary Leakey sao os restos "hurnanos" mais antigos de que

temos conhecimento.

A metafora da escada vem controlando a maior parte do pensa-

mento sobre evolucao humana. Temos procurado uma unica e progres-

siva sequencia que ligue 0 sirnio ancestral ao homem moderno, atraves

de uma transforrnacao continua e gradual. O. "elo que falta' poderia

muito bern ser chamado de "0degrau que fal ta". Como escreveu recen-temente 0 biologo britanico J. Z. Young (1971), em seu livro Introduc-

tion to the Study of Man (Introducao ao Estudo do Homem): ' 'Algumas

Homo foi desafiada por diversos colegas. Eles nao oferecern hipoteses alternativas, sim-

plesmente argumentam que maxilares, apenas, constituem uma evidencia muito peque-

na para urn diagn6stico correto. Dequalquer maneira, a afirmacao principal deste artigo

permanece valida - pelo que conhecemos dos f6sseis afr icanos, 0 genero Homo podeser tao velho quanto os australopitecinos. Alern disso, ainda nao temos nenhuma prova

segura de qualquer rnudanca progressiva dent ro da especie hominidea.

50

EVOLU<;AO HUMANA

populacoes intercruzadas, mas variadas , mudaram gradat ivamente ate

alcancar a condicao que reconhecemos como a do Homo sapiens".

lronicamente, a metafora da escada primeiro negou urn papel ao

Australopithecus africano na evolucao humana. 0 A. africanus an-

dava completamente ereto, mas tinha urn cerebro com menos de urn

terce do tamanho do nos so (veja 0 ensaio 22). Quando foi descoberto,

na de~ada de 20, muitos evolucionistas acredi tavam que todos os traces

devenam mudar em consonancia com as linhagens desenvolvidas _

a doutrina da "transformacan harmoniosa do t ipo". Mas, a medida que

a moderna teoria evolucionista desenvolveu-se durante os anos 30,

desaparec.eu essa objecao ao Australopithecus. A selecao natural pode

trabalhar mdependentemente com caracteres adaptativos nas sequencias

evolucionis tas, mudando-os em espacos de tempo e indices diferentes.

Frequenternente, urn conjunto de caracteres passa por uma transforrna-

c;aocompleta antes que comece a mudanca de outros caracteres. Os pa-

leontologos referem-se a essa independencia em potencial como sendo

caracterist ica de uma "evolucao em mosaico",

Garantido pela evolucao em mosaico, 0A. africanus atingiu a altacondicao de ancestral direto. A ortodoxia tornou-se uma escada de tres

degraus: A. africanus - H erectus (0 homem de Java e de Pequim)- H sapiens.

Surgiu urn pequeno problema na decada de 30, quando uma outra

especie australopitecina foi descoberta - a chamada versao robusta,

o A. robustus (e, mais tarde, 0mais extremado "hiper-robusto" A. boi-

sei, descoberto por Mary Leakey no final da decada de 50). Os antro-

pologos foram forcados a admitir que houve duas especies

australopitecinas vivendo contemporaneamente, e que a escada continha

pelo menos uma rarnif icacao, Ainda ass im 0 status do A. africanus nao

foi desafiado; simplesmente adquiriu urn segundo e, no final das con-

tas, malsucedido descendente, a linhagem robusta, parca de cerebro,farta em maxilares.

Em 1964, Louis Leakey e seus colegas comecararn uma reavaliacao

radical da evolucao humana, classificando uma nova especie da Afr ica

do leste, 0Homo habilis. Acreditavam que 0H habilis fosse urn con-

ternporaneo das duas l inhagens aus tralopitecinas ; alem disso, como 0

proprio nome indica, consideravam-no claramente mais humano que

ambos os seus contemporaneos. Mas noticias para a escada: t res l inha-

gens coexistentes de pre-humanos! E urn descendente em potencial (0

51

 

Page 24: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 24/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA EVOLU9AO HUMANA

H. habilis), vivendo ao mesmo tempo que seus supostos ancestrais. Lea-

key proclamou a heresia obvia: as duas linhagens australopitecinas eram

ramif icacoes laterais, sem papel direto na evolucao do Homo sapiens.

Entretanto, 0 H. habilis, da maneira como Leakey 0 definiu, era

polemico por dois motivos. A escada convencional ainda podia ser de-

fendida:

1. Os fosseis eram fragmentarios e provinham de diferentes locais

e epocas, Muitos antropologos argumentaram que a definicao de Lea-

key misturara duas coisas diversas, nenhuma delas constituindo uma no-

va especie: algum material antigo, devidamente atribuido ao A.

ajricanus, e fosseis mais novos, pertencentes ao H. erectus.

2. A data era incerta. Mesmo que 0H. habilis representasse uma

especie valida, poderia ser mais jovem que a maioria ou todos os aus-

tralopitecinos conhecidos. A ortodoxia poderia transformar-se numa es-

cada de quatro degraus: A. ajricanus - H. habil is - H. erectus -

H. sapiens.

Mas, ass im que urn novo consenso cornecava a formar-se em tor-

no da escada expandida, 0 filho de Louis e Mary, Richard Leakey,noticiou a descoberta da decada, em 1973. Tinha desenterrado urn

cranio virtualmente completo, com capacidade craniana de quase 800

centimetros cubic os, quase 0 dobro de qualquer das amostras do A.

ajricanus. Alern disso, e aqui esta 0 ponto crucial, datou 0 cranio de

2 a 3 milh6es de anos atras, com probabilidades de provir da data mais

antiga - ou seja, ser mais velho que qualquer fossil australopitecino,

e na o estar muito longe do mais velho dos fosseis conhecidos ate 0

momento, de 5,5 rnilh6es de anos. 0 H. habilis nao era mais uma qui-

mera da imaginacao de Louis. (Por cautela, a amostra de Richard

Leakey e frequentemente designada apenas por seu mimero, ER-1470.

Mas, quer usemos ou nao a designacao Homo habilis, 0 fossil e certa-

mente membro do nosso genero, e, com quase toda certeza, contempo-raneo do Australopithecus.)

Mary Leakey ampliou 0 alcance do H. habilis para 1 milhao de

ano s atras (talvez esteja mais proximo de 2 milh6es de anos, isto se 0

1470 estiver mais proximo dos 2 do que dos 3 milh6es de anos de exis-

tencia, como acreditam agora muitos especialistas). 0H. habilis nao

e descendente direto do A. ajricanus (e 0 status taxionornico de todas

as amostras fragrnentar ias mais anti gas que 0H. habilis de Mary Lea-

key esta agora em duvida) . Baseando-nos nos fosseis que conhecemos,

o Homo e tao ant igo quanto 0Australopithecus. (Pode-se argumentar

ainda que 0Homo desenvolveu-se de urn Australopithecus mais anti-

go, ainda nao descoberto. Mas nao ha prova alguma que sustente esse

argumento, e eu poderia especular igualmente que 0 Australopithecus

desenvolveu-se de urn Homo desconhecido.)

o antropologo de Chicago Charles Oxnard ainda desferiu urn

outro golpe contra 0Australopithecus, mas de fonte diferente. Estudou

os ombros, pelvis e pe de australopitecinos, de primatas modernos (gran-

des e pequenos macacos), e do Homo, com tecnicas rigorosas de anali-

se multivariada (consideracoes estatisticas simultaneas de grande numero

de medidas). Concluiu, embora muitos antropologos discordem, que

os australopitecinos erarn "singularrnente diferentes" tanto dos

macacos quanto dos humanos, e defende a ideia da "remocao dos dife-

rentes membros do Australopithecus, esse genero curiosamente unico,

de cerebro relativamente pequeno, para uma ou mais linhas paralelas

laterais, distintas de uma linha direta com 0 homem".

o que aconteceu com a nossa escada se somos obrigados a reco-

nhecer tres linhagens coexistentes de hominideos (0 A. ajricanus, osrobustos australopitecinos, e 0H. habilis), nenhum deles descendendo

claramente do outro? Ademais, nenhum dos tres demonstrou qualquer

tendencia evolucionista durante sua estada na terra: nenhum teveseu ce-

rebro aumentado, ou tornou-se mais ereto a medida que se aproximava

dos dias atuais.

A essa altura, confesso, tremo em pensar no que estao dizendo to-

dos os criacionistas que me inundam de cartas. "Ehtao, Gould admite

que nao e possivel tracar uma escada evolutiva entre os antigos horni-

nideos africanos; especies aparecem e desaparecem mais tarde, sem

se diferenciarem de seus bisavos, Isso me soa a criacao especial!'

(Pergunto-me, entao, por que Deus teria querido fazer tantos tipos di-

ferentes de hominideos, e por que algumas de suas criacoes posteriores,principalmente 0H. erectus, se parecem tao mais com os humanos do

que seus modelos anteriores.) Sugiro que a culpa nao seja da evolucao,

mas sim de uma falsa imagem que temos de seu funcionamento - ou

seja, a escada, 0 que me leva ao tema do arbusto.

Defendo a ideia de que 0 "subito" aparecimento de especies no

registro de fosseis e nosso fracasso em perceber a subseqi iente mudan-

ca evolutiva dentro deles sao 0 proprio prognostico da teoria evolucio-

52 53

 

Page 25: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 25/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

nista, como a entendemos hoje. A evolucao normalmente se processa

por meio de uma "especiacao" - uma rarnificacao de uma linhagem

a partir do tronco parental - e nao por uma mudanca constante e va-garosa dessesgrandes troncos. Epis6dios repetidos de especiacao pro-

duzem urn arbusto. As "sequencias" evolutivas nao sao degraus de

uma escada, mas sim a reconstrucao em retrospecto de uma trilha labi-rintica, ramo por ramo, da base do arbusto it linhagem, sobrevivendo

agora no topo.Como se da a especiacao? Isso e urn eterno porno de disc6rdia,

mas a maioria dos biologos endossaria a "teoria alopatrica" (0 de-

bate centra-se na admissibilidade de outros meios; quase todos con-cordam que a especiacao alopatrica e a mais comum). Alopdtrica

significa "em outro lugar", Na teoria alopatrica, popularizada por

Ernst Mayr, as novas especies surgem em populacoes muito pequenas,que ficam isoladas do grupo que Ihe deu origem, na periferia da esfera

ancestral. A especiacao nessas ilhas isoladas emuito rdpida, em termos

de padroes evolutivos - centenas de milhares de anos (urn microsse-

gundo geoI6gico).Nessas pequenas e isoladas populacoes podem ocorrer importan-

tes mudancas evolucionistas. A variacao genetica favoravel pode

espalhar-se depressa entre eles. Alem do mais, a selecao natural tendea ser intensa em areas geograficamente marginais, onde as especiesmal

se consolidam. Em grandes populacoes centrais, por outro lado, as va-

riacoes favoraveis espalham-se muito devagar, e grande parte das mu-dancas sofre resistenciapor parte da populacao bern adaptada. Ocorrem,

claro,pequenas mudancas para fazer face a s exigenciasda vagarosa alte-racao de clima, mas as grandes reorganizacoes geneticas quase sempre

ocorrem em pequenas populacoes perifericamente isoladas, que formam

entao novas especies.

Sea evolucao quase sempre ocorre atraves de uma rapida especia-9ao em grupos perifericos isolados - e nao mediante uma mudancavagarosa em grandes populacoes centrais - como deveria ser 0 regis-

tro fossil? E improvavel que possamos detectar 0 acontecimento da

pr6pria especiacao, Ela acontece muito depressa, em grupos muito

pequenos, isolados, e muito distantes do circulo ancestral. S6 iremosencontrar a nova especie quando ela reinvade 0 circulo ancestral e

torna-se por si propria uma grande populacao central. Na hist6ria re-

gistrada em f6sseis nao devemos esperar grandes mudancas; s6 os en-

54

EVOLUr;AO HUMANA

contramos em grandes populacoes centrais. E at, s6 participarao doprocesso d~mudanca organica quando houver, de novo, a especiacao

de grupos lsol~dos, que se transformarao em novas ramificacoes do

arb.usto e:o~utlVO.Estes, por sua vez, aparecerao "subitamente" noreglstro,fO,ssIl,e se extinguirao com igual rapidez e poucas mudancas

perceptiveis de forma,Os ho~inideos f6sseis da Africa correspondem plenamente a es-

sas expectativas. Conhecemos cerca de tres ramos coexistentes do ar-

busto h.umano, Ficarei surpreso se ate 0 final deste seculo nao se

des~obnrem outros tantos. Os ramos nao mudam durante sua hist6ria

registrada e, _sebern compreendemos a evolucao, nao deveriam - ja

que a evo~u9aose concentra em rapidos acontecimentos de especiacaoa producao de novas ramificacoes. '

. , . 0 Hom~ sapiens nao e 0 produto de uma escada que desde 0

m~clOso_bediretamente em direcao ao nosso estado atual. Consti-

tuimos tao-somente a rarnificacao sobreviventede urn arbusto outroraexuberante.

55

 

Page 26: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 26/34

7 A crian~a e 0 verdade i ropa i do homem

A busca da fonte da juventude, empreendida por Ponce de Leon,

ainda continua, no retiro de vilas, no ensolarado estado que ele desco-

briu. Alquimistas chinesesoutrora buscararn a imortalidade, pela aliancada incorruptibilidade da carne a perrnanencia do ouro. Quantos de n6s,ainda hoje, como Fausto,",naoselarfamos urn pacto com 0 diabo, em

troca da vida eterna?

A literatura, entretanto, tambem registra os problemas em poten-

cialda imortalidade. Wordsworth, em sua famosa ode, dizia que a cin-

tilante visao da infancia como "esplendor na reiva,como gloria na flor"

nao pode nunca ser recapturada ~ embora acrescentasse:"Nao lamente,

antes busque forcas no que ficou para tras", Aldous Huxley dedicou

urn romance - After Many a Summer Dies the Swan (Depois demui.

tos Veroes,Morreu urn Cisne) - para ilustrar as bencaos arnbiguas

da imortalidade. Imbuido da arrogancia consumada de que somenteurnrnilionario norte-americano pode dispor, Jo Stoyte parte em busca

da imortalidade. O·cientista por ele contratado, dr. Obispo, descobreque 0 quinto conde de Gonister conseguiu, com a ingestao diaria de

tripa de carpa, prolongar sua vida bern alem dos 200 anos. Partem a

toda pressa para a Inglaterra, invadem a bern protegida residencia do

conde e descobrem - para horror de Stoytee divertimento de Obispo

- que 0 conde e sua amante tinham-se transformado em macacos,

A terrivel verdade de nossas origens se revela: Desenvclvemo-nos pela

conservacao das caracterfsticas juvenis de nossos ancestrais, urn pro-

cesso tecnicamente conhecido como neotenia (literalmente, "mantera juventude").

"Urn feto de macaco teve tempo de crescer", 0 dr. Obispo

consegue finalmente dizer. "E forrnidavel!" De novo foi to-

rnado por urn acesso de riso. .. Stoyte agarrou-o pelos om-

bros e sacudiu-o violentamente... "0 que houve com eles?"

"0 tempo, simplesmente", disse 0 dr. Obispo, meio vago...

o antropoide fetal conseguiu chegar a maturidade... sem

sair de ondeestava, 0 Quinto Conde urinou no chao.

57

 

Page 27: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 27/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

Aldous Huxley inspirou-se na "teoria da fetalizacao" , proposta por

vol ta de 1920 pelo anatomista h o la nd es L ou is Bolk (provavelmente trans-

mit ida pelo irmao, Julian, que, na epoca, real izava importante trabalho

de pesquisa em torno da metamorfose tardia dos anffbios). Bolk ba-

seou sua teoria na impressionante lista de caracteristicas comuns que

temos com os estagios juvenis - mas nao adultos - de outros prima-tas ou mamlferos em geral. Essa lista inclui, entre mais de vinte carac-

teristicas importantes, as seguintes:

1. Nosso cranio arredondado, bulbiforme - que abriga nosso ce -

rebro maior . Os embrioes dos s imios tern cranio semelhante, "mas seus

cerebros crescem tao mais devagar que 0 resto do corpo (veja 0 ensaio

22 e 0 23 ) que a caixa craniana fica mais baixa e relativamente menor

nos s imios adultos. Nosso cerebro provavelmente atingiu urn tamanho

maior pelo rapido Indice de crescimento fe tal.2. Nosso rosto "juvenil" - perfil reto, dentes e maxilares peque-

nos , fronte pouco protuberante. Os maxilares igualmente pequenos do s

macacos jovens crescem relat ivamente mais depressa que 0 resto do

criinio, formando urn focinho pronunciado no adulto.

3. Posicao do forame m agno - 0 oriflcio na base de nosso cranio,

de onde emerge a medula espinal. Como acontece com a maior parte

dos mamtreros . nosso forame magno fica sob 0 cranio, apontando

para baixo. No ss o c ra ni o descansa sobre a espinha, e olhamos para frente

quando estamos de pe , Em outros mamiferos, essa localizacao embrio-

naria se altera quando 0 forame se posiciona atras do cranio, apontan-

do para tras. Essa loca lizacao convem aos quadrupedes, ja que a cabeca

descansa a frente da espinha, e os olhos vern a frente. As t res caracteris-

ticas mais freqiientemente citadas como marcas da humanidade sao 0

cerebro grande, maxi lares pequenos e postura em pe , No desenvolvi-

mento das tres, a retencao das caracterist icas juvenis pode ter desempe-

nhado urn papel importante.4. Fechamento tardio das su turas cranianas e outras marcas de cal-

cificacao retardada do esqueleto. Os bebes tern uma grande area mole

no cranio, e as suturas entre os ossos do nosso cranio s6 vern a fechar-

se bern depois de atingida a idade adulta. Assim, 0 cerebro humane

pode continuar com sua pronunciada expansao pos-natal. (Na maio ria

dos outros marnlferos, 0 cerebro esta quase complete no nascimento,

e 0 cranio, totalmente oss ificado.) Urn eminente anatomista de prima-

58

EVOLU<;:AOHUMANA

tas comentou: "E~bora 0 homem cresca in utero muito mais ue

qualquer outro pnmata, no momento do nasciment qesque le tica progrediu menos do que a de qua lque ,0 .sua mbturacaoex' t ." _ . r SlmlOso re 0 qual

IS am mrormacoes d isponiveis", Somente os humaas t .d d d nos nascem comtil ~ rerru a es os ossos longos e dos dedos ainda completamente carIagmosas. -

5")Posicao ventral do canal vaginal das mulheres Copulamo .

~~~fortavel~enote face a face porque fomos constr~idos para

: a z ~ ~ I ~a maneira canal vaginal tambem

:o~~~~:.os, m~s desloca-se para tras no:~~~~~!~:a :;e~~c~~~ ~~:~:~~

d6'. N.osso forte, paralelo e nao-giratorio dedao do pe 0 d d-

a rnaiona dos primatas come a . e aoseus vizinhos, mas vira para ~ lac;;o os no:sos, em conjuncao com

~~~~:Sr~~o:~~~f~:n~~. ~~~ ~on:erva~a~e d~P:;aa~~r~~~r~:ti~:rj::e~~

beneficiada. IS or e para andar, nossa postura ereta foi

delat~~:t :led:s!~~~u~:aai: :ressio~ante (es ta e uma pequena parte

observacoes ao esquecimento : ~eona ~u; condenava suas importantes

tifaustiana Bolk propos qu eu ha

ous Huxley sua metafora an-• 0 e 0 ser umano se teria de I id

uma alteracao no equilibrio hormonal senvo VI. 0 porcomo urn todo Esc , que atrasou 0 desenvolvimento

. ,.reveu:

~~::i ;esse dexp:imir cprincipio basico de minhas ideiasrase e forrnulacao urn tanto forte, di .

mem em d ma que 0 ho-, seu esenvolvimento fisico e urn feto de 0

que amadureceu sexualmente.' pnmata

Ou, para citar Aldous Huxley de novo:

Existe uma especie de equilibrio gland~lar Entao

uma mutacao que destroi. Voce obtern urn'" ~co~reque vai retardar seu indice de c. no~o equilibrio,cresce C d rescimento, Voce cresce: mas

recer c:~ oe~:;oardque estara morto antes de parar de ;e pa-o seu tataravo,

Bolk nao recuou da implica ao 6b 0 0

devernos nossas caracteristicas d·cr ti via contida em sua teoria. SeIS Inivas a uma freada hormonal no

59

 

Page 28: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 28/34

DARWIN E as GRANDES ENIGMAS DA VIDA

desenvolvimento, entao esses freios podem soltar-se facilmente: "E pre-

c iso notar", escreve Bolk, "que uma serie de caracteristicas que pode-

riamos chamar de pitecoides habitam dentro de nos em estado latente ,

esperando apenas pelo desaparecimento das forcas retardatarias para

voltarem a ativa".Que posicao precaria para 0 rei da criacaol Urn macaco, cujo de-

senvolvimento foi suspenso e que man tern a chama da divindade ape-

nas por uma freada em seu desenvolvimento glandula r.

A elucubracao de Bolk nao ganhou muitos adeptos, mas cornecou

a tornar-se mais absurda a medida que a teor ia darwinian a se estabele-

cia, na decada de 30. Como poderia uma simples mudanca hormonal

produzir uma reacao morfologica tao complicada? Nem todos os nc:.s-

sos traces sao retardados (pernas longas, por exemplo), e os que 0 sao

demonstram urn grau variado de atraso. Os orgjios se desenvolvem se-

paradamente , em resposta a diferentes exigencias de adaptacao - urn

conceito que chamamos de evolucao em mosaico. As exce1entes obser-

vacoes de Bolk ficaram, infelizmente , enterradas sob .a e~urrada, JUs-

t ificada de cri ticas a sua fantastica teo ria. A neotenia flCOUrelegada,

nos livros atuais de antropologia, a urn ou dois paragrafos. Entre-tanto sou de opiniao de que e uma teoria fundamentalmente cor-

reta. 'Mas como poderiamos recuperar as observac;6es de Bolk sem

usar sua tese? . .Se quisermos basear nos so arguwento na lista de caractenstlcas ~eo-

tenicas, estaremos perdidos. Para 0 conceito de evolucao em m~salco,

os orgaos desenvolvern-se de maneiras diferentes, atendendo a ~lversas

press6es .seletivas. Os adeptos da neotenia apresenta~ sua lista, os

adversaries trazem a sua e rapidamente chega-se ao Impasse. Qu~~

pode dizer que caracteristicas sao mais .fundamentai.s? para.e~emplt.h-

car, cito 0 que urn partidario da neotema escreveu ha pouco. "': ~aJO-

ria dos animais apresenta retardamento de algumas caractenstlcas e

aceleramento de outras .. . Considerando tudo, acredi to que, no homem,se 0 compararmos com os outros primatas, 0 retardamento super.a ?aceleramento" Entretanto, urn seu adversar io rebate: "As ,c~ractenstl -

cas neotenicas ... sao conseqiiencias secundarias de caractenstlc~s-ch.ave

nao-neotenicas" A validade da neotenia exige mais que uma lista im-

pressionante de caracteristicas retardadas; precisa justificar-se como 0

resul tado esperado de processos agindo na. e.v~luc;aohum ana.

A nocao de neotenia atingiu sua fama inicial como uma forma de

60

EVOLU9AO HUMANA

1

1 -T

opo~ic;ao a teoria da recapitulacao, uma ide ia dominante na biologia

do final do seculo 19 . Segundo a t!!t>ria da recapitulacao, os animais

repetem 0 estado adulto de seus ance~trais durante seu crescimento em-

brionico e pos-natal - a ontogenia rtecapitula a filogenia como rezava

a f :as~ mis tica de muitos manuais de biologia, na escola. ' (Os recapi tu-

lacionistas argumentavam que nossa, guelras embrionicas representa-

yam 0 peixe a~ulto do qual d_esc~ndia_mos.)Se a recapitulacao em geral

fosse verdadeira - 0 que I]ao e - ~ntao as caracteristicas teriam de

ser aceleradas durante a historia evolutiva porque as caracteristicas adul-tas dos ancestrais so podem transformar-se nos estagios juvenis dos des-

cendentes se seu desenvolvimento for acelerado. Entretanto as

car~cteristicas neo.tenicas sao retardadas, uma vez que os aspecto~ ju-

verns dos ancestrais atrasarn-se para aparecer nos estagios adultos dos

descendentes. Existe, portanto, uma correspondencia geral entre desen-

volvimento acelera.do e recapi tulacac, de urn lado, e desenvolvimento

reta rdado e neote.ma de outro. Se P~clermos demonstrar urn atraso ge-

ral no ~e~envolvlmento da evolucao humana, en tao a neotenia das

caracterist icas-chave torna-se uma eXDectativa e nao apenas uma tabu-

lacao empirica. '

Nao acredito que 0 retardarnento, como urn acontecimento basico

na e~oluc;ao humana, possa. s.er negacjo. Em primeiro lugar , as prima-tas sao geralmente retardatanos em relacao a maioria dos outros ma-

miferos. Vivem mais tempo e amadurecem mais devagar que outros

marniferos de tarnanho comparavel. A tendencia permanece durante toda

~ evoluc;.ao dos prirnatas ",Os grande; macacos chegam mais devagar

a maturidade e vivern mais tempo. () curso e ritmo dos seres hurna-

nos e ain~a mais vagaroso. Nosso Periodo de gttstac;ao e apenas urn

pouco rnais longo que 0 dos grandes macacos, mas nossos bebss nas-

cern m~s. pesados - presumivelmenj- porque retem indices rapidos

de crescimento fetal . Ja comentei 0 atraso na calc ificacao de nossos

o~sos. Nos~os dentes s~rgem mais tarde, amadurecemos devagar e

vivemos rnai s tempo. Muitos de nossos orgaos continuam a crescer muito

tempo depois q~e orgaos semelhantes ja pararam, em outros primatas.Ao nascer, . 0 cerebra ~e urn macace, reso tern 65 por cento de seu

t~manho final, 0 do chirnpanze 40,5 Dor cento, mas 0 cerebro humane

so te~ 23 p.or cento de seu tamanho total. °cerebra dos chimpanzes

e gonlas atinge 70 por cento de seu tamanho final logo no primeiro

ano; 0 cerebro humane nao chega a i~so antes do final do terceiro ano

: .

61

 

Page 29: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 29/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

d e v id a. W . M . K ro gm an , d es ta ca do e sp ec ia lis ta e m d es en vo lv im en to

( i nf an ti l, e sc re ve u: " De to do s o s a ni ma is , 0 p er io do d e in fi in ci a e j uv en -

"J tu de d o h om em e 0 m ais d em or ad o, ou se ja , e le e u rn a nim al n eo te ni -

( co, ou seja, de crescim ento dem orado. Q uase 30 por cento de toda a

\ sua vida sao dedicados ao crescim ento"."E ss e r et ar dame nto e m n os so d es en vo lv im en to n ao g ar an te q ue p os -

sa mo s re te r a s p ro po rc oe s j uv enis e nq ua nto a du uo s. M as , c om o a n eo -

tenia e 0 d es en vo lv im en to r et ar da do d e m an ei ra g er al e sta o li ga do s, 0

atraso fornece u rn m e ca ni sm o p ar a q ue s e r e te nh a c om f ac ili da de q ua is -

q ue r c ar ac te rf stic as j uve nis q ue c on ve nh am a o e stilo d e v id a d os d es-

c en de nte s. N a v er da de , a s c ar ac te rf stic as j uv en is s ao u rr i a r ma ze rn p ar a

a da pta co es e m p ote nc ia l d os d es ce nd en te s, e PO dem s er f ac ilm e nte u ti-

liz ad as se 0 d ese nvo lv im en to f or g ra nd em en te r eta rd ~d o (c om o, p or

exemplo, 0 dedao do pe e 0 ro sto pe qu en o d os fe to s d os p rim ata s) . N o

n os so c as o, a " di sp on ib il id ad e" d as c ar ac te ri st ic as j uv er ll S c on tr ol a c la -

r arn en te a trilh a d e m uita s d e n oss as a dap ta co es d istintiv as.

E m term os de adaptacao, porem , qual e a s ig ni fic ad o d o d es en -v olv im en to re ta rd ad o? A re sp osta a e ssa q ue sta o p ro va ve lm en te se e n-

c on tr a n o n os so d es en vo lv im e nt o s oc ia l. S omo s em in en tem en te a nim ai s

qu e aprendem . N ao som os particu larm ente fortes, veloz es ou bern

d es en ha do s; n li o n os r ep ro du z im o s rapidamente, N es sa v an ta ge m e st a

e ~ .n osso c ~re bro , c om su a n ota ve l e ap ac id ad e d e"a pre nd er a tra ve s d a

e xp erie nc ia . ~ ap erfe i~ oa r n oss a a pre nd iz ag em , a lo nga mo s no ss a in -

f anc ia ,a tra sa ndo a m atu rid ad e s ex ua l e 0 d es ej o a do le sc en te d e l ib er -

c l . i d c " e in de pe nd en cia . N ossa s c ria nc as fic am m ais te mpo c om o s p ais ,

aumentando 0p e ri o do d e ap re ndi z ag em e r e fo rCando o s l aco sf am il ia r es ,

Es se an l !! !! l~n to e an ti go , mas cO .! !1 i n\ lav a li do , J o lm lLocke ( 1689)

lo uvo u no ss a p ro lon ga da in fa nc ia p or m an te r'o s p ais u nid os: "A ssim ,

s o n os c ab e a dm ira r a sa be do ria d o gr an de C ria do r, q ue ... fe z ne ce ssa -rio qu e a sociedade entre hom em e m ulher fosse m ais du radou ra qu e

a d os m ac ho s e f er ne as e ntr e a s o utr as c ri atu ra s, p ar a q ue , e nc or aj ad os

n a in du stria e u nid os p elo in te re ss e, pu se sse m d e l ad e p rov iso es e b en s

p ara s eu pr odu to c om um ". A le xa nd re P op e' (1735) en tr e tan to , d is s e- o

melhor ainda: ' '

The beast and bird their com mon charge attend

; T he m others nu rse it, and the sires defend

T he y ou ng dism issed, to w ander earth and air,

62

EvOW<;AO HUMANA

T here stops the instinct, and there ends the care.

A lon ge r c are m an 's h elp le ss k ind d em an ds,

T ha t lo ng er c are c on tra cts m or e la stin g b an ds!"

• A besta e 0 passaro ao encargo comum assistemAs rnaes cuidam, os genitores defendem

Partidos os jovens, a vagar terra ear ,

La cessa 0 instinto, la termina 0 cuidado.

Cuidado mais longo requer a indefesa especie humana,

Cuidado mais longo, com laces mais duradouros. (N.T.)

63

1

 

Page 30: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 30/34

T

\

j ,

- - - -

3

Organismos ocasionais eexemplares evolutivosI'I

 

Page 31: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 31/34

· \

8 Bebes humanos como embrioes

Mel Allen, aquele irrepreensfvel mestre-de-cerimonias do Yankee,

quando eu era jovem.' acabou me enervando pelo desmesurado endos-

so que dava aos patrocinadores, durante os jogos de beisebol. Nunca

me importei quando ele se referia as corridas desenfreadas do jogo

como uma "rajada Ballantine", mas minha paciencia esgotou-se no dia

em que DiMaggio perdeu uma bola por uma polegada e Allen excla-

mou: "Fora, pela cinza de urn charuto White Owl". Espero nao acabar

inspirando irritacao semelhante ao confessar que leio e gosto da re-

vista Natural History e que as vezesateme inspiro num deseus artigos

para urn ensaio.No exemplarde novernbro de 1975,meu amigo Bob Martin escre-

veu urn artigo sobre a estrategia de reproducao dos primatas. Baseou-

se no trabalho de urn de meus cientistas favorites, 0 idiossincratico z06-

logo suico Adolf Portmann. Em seus volumosos estudos, Portmann

identificou dois padr6es basicos na estrategia reprodutiva dos mamffe-

ros. Alguns marnfferos,comumente chamados por n6s de "primitives",

tern gestacao brevee dao a luz grandes ninhadas de filhotes mal desen-volvidos (pequenos, sem pelos, indefesos, com olhos e ouvidos fechl_l-

dos). Sua vida e curta, 0 cerebro, pequeno (relativamente ao corpo),

e 0 comportamento social nao e bern desenvolvido. Portmann refere-se

a esse padrao reprodutivo como "altricial". Por outro lado, muitos

mamiferos "avancados" tern uma gestacao longa, duracao de vidamaior, cerebra grande, comportamento socialcomplexo e dao a luz

poucos filhotes, bern desenvolvidos e capazes, pelo menos em parte,

de cuidarem de siproprios. Essas caracteristicas marcam os mamiferos

65

13. Afasto-me da promessa inicial de extirpar todas as referencias a fonte original

destes ensaios - minha coluna mensal na Natural History Magazine. Onde mais, po-

rem, ter ia eu a oportunidade deprestar urn tributo ao homem que vernlogo depois de

meu pai, pelo tan to deatencao queme deu quando euera jovem; ele e os Yankeesmederam rnuito prazer ( tenho ate mesmo uma bola que Dilvlaggio arremessou fora, urndia),

 

Page 32: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 32/34

DARWIN E OS GRAN DES ENIGMAS DA VIDA

precoces. Na visao de Portmann da evolucao como urn processo que

conduz, inexoravelmente, a urn desenvolvimento espiritual superior, 0

padrao "altricial" e primitivo e preparat6rio para 0 tipo precoce mais

elevado, que se desenvolvejunto com 0 cerebro aumentado. A maioria

dos evolucionistas de lingua inglesa rejeitariam essa interpretacao.e as-

sociariam os padroes basicos as exigencias imediatas de diferentes

modos de vida. (Freqiientemente aproveito esses ensaios para ventilarmeus pr6prios preconceitos contra 0 equacionamento da evolucao

com "progresso".) 0padrao "altricial", diz Martin, parece correlacio-

nar-se com urn meio ambiente marginal, flutuante e instavel, onde

os animais saern-se melhor produzindo 0maximo possivel de descen-

dencia - para que alguns sobrevivam as dificuldades e incertezas dos

recursos. 0 padrao precoce se adapta melhor aos meios ambientes es-

taveis, tropicais. Ai, com recursos mais previsiveis,os animais podem

investir sua energia limitada numa descendencia menos numerosa e

mais desenvolvida.Qualquer que seja a explicacao,ninguern podera n~garque os pri-

matas sejam 0 arquetipo dos mamiferos precoces.Relanvamente ao ~-

manho do corpo, seus cerebros sao os maiores, e 0 tempo de gestacaoe duracao de vida, os mais longos entre os mamiferos. 0 tamanho da

ninhada, na maioria dos casos, foi reduzido a urn minimo absoluto:

urn filhote. Os bebes sao bern desenvolvidos e capazes ao nascerem.

Entretanto embora Martin nao 0mencione, deparamo-nos aqui com

uma atordoante e embaracosa excecao - vale dizer, n6s. Partilhamos

quase todas as caracteristicas precoces de nossos primos - v~da:ong_a,

cerebro grande e prole pequena. Mas, ao nascer, nossos bebes sao t~o

indefesos e subdesenvolvidos quanto aqueles pertencentes ao padrao

"altricial". Por que motivo 0mais precoce dos animais, no que se refer:

a certas caracteristicas (notadamente 0 cerebro), desenvolveu urn bebe

muito menos desenvolvido e muito mais indefeso que 0 de seus ances-

trais primatas? . ,Proponho uma resposta a essa questao que certament; vat soar a

maioria dos leitores como evidentemente absurda: Os bebes human~snascem como embrioes e como ernbrioes permanecem durante os pn-

meiros nove meses de vida, Se as mulheres dessern a luz quando "de-

viam" - depois de uma gestacao de cerca de ano e meio - - - : . J nossosbebes teriam as mesmas caracterlsticas precoces de out~os primates.

Esta e a posicao de Portmann, desenvolvida numa sene de artigos

66

EVOW9AO HUMANA

alernaes, publicados na decada de 40, e desconhecidos nos Estados

Unidos. Ashley Montagu chegou a mesma conclusao, independentemen-

te, numa tese publicada no Jo urn al o j th e A me ric an M ed ic al A ss oc ia -

tion, de outubro de 1961.0 psicologo de Oxford R. E. Passingham

defendeu a mesma ideia num ensaio publicado no final de 1975, na

revistatecnica B ra in , B eh a vi or a n d E v ol u ti on (Cerebro, Comportarnento

e Evolucao), Junto-me a opiniao desse grupo seleto que considera 0

argumento basicamente correto.

A impressao inicial de que urn argumento desses so pode ser urnabsurdo consumado deve-sea duracao da gestacao humana. Talvezos

gorilas e chimpanzes nao fiquem muito arras, mas a gestacao humana

ainda e a mais longa entre os primatas. Como se pode dizer entao que

os neonato~ humanos sao embrioes porque nascem (de alguma forma)

cedo dernais? A resposta esta no fato de que os dias planetarios talvez

nao fornecam uma medida de tempo adequada para todos os calculos

biol6gicos.Algumas quest6es so podem sertratadas devidamente quan-

do 0 tempo e medido de modo relativo, em termos do metabolismo ou

indice de de:envol~imento do proprio animal. Sabemos, por exemplo,

que a duracao de vida dos mamiferos varia de algumas semanas a mais

de u:n seculo, ~as se.riaesta uma distincao "real" em termos da per-

cepcao do proprio arumal acerca do tempo e indice de desenvolvimen-to? Sera que urn rato realmente vive"rnenos" que urn elefante? As leis

da esc?la deter~in.a~ que animais pequenos, de sangue quente, vivemnum ntmo mars rapido que seus parentes maiores (veja 0 ensaio 21 e

? 2~). 0 c?racao. bate mais acelerado e 0 metabolismo se processa a

mdl~esmuito mais elevados. Na verdade, por varies criterios de temporelativo, chega-se a conclusao de que todos os rnamfferos vivem mais

o~ menos a mesma quantidade de tempo. Todos, por exemplo, res-

pI;am cerca do mesmo .ti.Umerode vezes durante suas vidas (os rna-

ml~eros pequenos, de vida curta, respiram mais rapidamente que osrnaiores, de metabolismo lento). .

_ Em di~s astronomicos, a gestacao huifiaria e tonga, mas ~fn rela-

cao aos !ndlces de desenvolvimento humano, e truncada e ttbreviada.No ensaro anterior, argumentei que uma das caractetistlflltlifnais irn-

portantes da evolucao humana (senao a mais importante] to i a marca-

da desaceleracao de nosso desenvolvimento. Nosso cerebro crescemais

dev~g.are dur~nte m~is tempo que 0 de outros primatas, nossos ossoscalcificam rnuito mats tarde, e 0 perfodo de infancia e grandemente

!

· i . ·I

I

j

l7

 

Page 33: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 33/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

prolongado. Na verdade, nunca atingimos os niveisde desenvolvimen-

to alcancados pela maioria dos primatas. Os adultos humanos retem,

em varios aspectos importantes, os traces juvenis de seus ancestrais

primatas - urn fenomeno evolutivo chamado de neotenia.Comparados com outros primatas, crescemosenos desenvolvemos

com a lentidao de uma Iesma; entretanto, nosso periodo de gestacaoe apenas alguns dias mais longo que 0 dos gorilas e chimpanzes. Rela-

tivamente ao nosso proprio indice de desenvolvimento, nossa gestacao

foi marcadamente encurtada. Se a curacao da gestacao tivesse se de-

sacelerado tanto quanto 0 resto do nosso crescimento e desenvolvimen-to, os bebes humanos deveriam nascer em tome de sete a oito meses

(calculos de Passingham) ou urn ana (calculos de Portmann e Ashley

Montagu) depois dos nove meses que passa no utero.Os leitores podem pensar que estou apenas usando urn artificio

literario, uma rnetafora, quando digo que 0 bebe humane ainda e

urn embriao. Dois dos meus acabaram de ultrapassar essa fase, e passei

por toda a alegria e rnisterio do desenvolvimento fisico e mental deles

_ coisas que jamais poderiam acontecer na escuridao e confinamentodo utero. Ainda assim, fico com Portmann quando exarnino os dados

sobre 0 crescimento fisico do bebe, pois durante seu primeiro ana de

vida, eIescompartilham os padroes de crescimento dos fetos de prima-

tas e marniferos, e nao os de filhotes de primatas. (A identificac;aode

certos padroes de crescimento como fetais ou pos-natais nao e arbitra-ria. 0 desenvolvimento pos-natal nao e urn mero prolongamento das

tendencias fetais; 0 nascimento e uma epoca de marcada descontinui-

dade em muitos aspectos.) Os neonatos humanos, por exemplo,ainda

nao tern a extremidade dos ossos de seus membros, nem os ossos dos

dedos, calcificados; centros de ossificacao normalmente estao ausentes

por cornpleto dos ossos dos dedos dos recem-nascidcs humanos. Esse

nivel de ossificacao corresponde a decima oitava semana do feto de

uma certa especie de macaco. Quando elesnascem, na vigesima quarta

semana, os ossos de seus membros ja apresentam urn nivel de calcifica-

cao que 0 ser humane so vai atingir anos depois de ter nascido. 0

cerebro de muitos mamiferos ja esta formado ao nascerem. Outrosprolongam urn pouco 0desenvolvimento do cerebro, na fase p6s-natal.

Ao nascer, 0 cerebro de urn bebe humane tern apenasum quarto deseu tamanho final. Passingham escreve:"0 cerebro humano nao atinge

as proporcoes encontradas no do recem-nascido chimpanze senao seis

68

EVOLUC;:AO HUMANA

meses depois do parto. Esse tern 0 corresno .em que 0 homem deveria nascer se seu esp?nde muito bern ao tempo

proporcional a seu desenvolvimento e ~eno~o de ge~tacao fosse taonos grandes macacos", uracao de VIda quanto 0 e

Urn dos maiores anatomistas deste ' Iseus estudos comparativos sobre s~cu 0, A. H. Schultz, resumiu

: ' E evidente que a ontogenia hum~n~e~~lme~t~ de primata~ dizendo:a duracao da vida no utero . ao e umca no que diz respeito

za~a em adiar extraordinari~:~t~~ ;t:~.se t~mou alta~ente especiali-recimento da senilidade". izacao do crescimento e 0 apa-

Mas por que os bebes humanos nasteria a evolucaoprolongado tant dcernantes do tempo? Por que

tido nosso tempo de gestacao, d~:~~~o esenvolvimentogera_!,mas con-

mente embrionico? Por que a esta a~os: po~~nto, urn bebeessencial-

junto com 0 restodo desenvolvTmen;o?~ao ,f~lIgua,i~ente prolongada,essenascimento precocedeveseru . a ~sao espiritualde Portmann,tais. Ele diz que os humanos rna fu~ca? denossas exigenciasmen-d . ' como ammrus que aprend 'eixar a escuridao sem desafio d 't em, precisam

brides flexfveis,ao rico meio ambiu ero para ganhar acesso, como em-sons e toques. rente extra-uterine de visoes, cheiros,

Acredito, porem (como Ashle M 'uma razao mais irnportante, ue; t ontagu e Passmgham) que existe

mosendo brutalmente mecanica e ;: ~~~ descarta com desprezo co-bora nao possa saber ao certo) a en ista, Pelo que pude ver (em-

prazerosa, desde que adeqUada~e~t parte humane e uma experienciacos que parecempretender urn t e/esgatada da arrogancia dernedi-

nao podem experimentar Ain~~~sr? e ab~olutosobre urn processo que

humane e dificil,compa;ado com ~I~, na? s: pode negar que 0 parte

do de maneira urn tanto grosseira a mruona,dos ~amiferos. Falan-primatas femeas podem ' a passagem e estreita. Sabemos que

cabeca seja grande demaism~rrer, tentando dar it luz urn filhote cuja

i1ustrasua tese com 0 fetoP rt~passar pelo canal pelvico,A. H, Schultz

d na imorto de urn babufe sua mae morta; a cabe a do b ,_, 100 e 0 canal pelvicoSchultz conclui que 0 tams h em nao, e bern maior que 0 canal.

especie: "Embora a selecaoa~e~ ~~al,esta quase no limite para essa

grandes de pelve feminina ~ be uvida, te?da a favorecer diametrosgacao da gestacao ou pelo'mam em deve agir contra qualquer prorro-te grandes". enos contra recem-nascidos e xcessivamen-

69

1

JI

 

Page 34: Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida

5/16/2018 Darwin e Os Grandes Enigmas Da Vida - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/darwin-e-os-grandes-enigmas-da-vida 34/34

DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA

Nao existem, tenho certeza disso, muitas mulheres no mundo

capazes de dar a luz urn bebe de urn ano.

o culpado, nessa hist6ria toda, e nossa mais importante especiali-

zacao evolutiva, nosso grande cerebro, Para a maio r ia dos mamlferos,

o crescimento do cerebro e urn fenomeno exclusivo da fase fetal . Uma

vez que 0 cerebro nunca cresce muito, 0 parto nao oferece problemas.

Nos macacos de cerebro maior, 0 crescimento e ligeiramente posterga-

do para permitir urn aumento p6s-natal do cerebro, mas 0 tempo rela-

tivo da gestacao nao precisa ser alterado. 0 cerebro humano, contudo,

e tao grande que foi preciso adotar uma outra estrategia de parto -

a gestacao precisou ser encurtada em relacao ao desenvolvimento ge-

ral, e 0 nascimento ocorrer quando 0 cerebro tivesse atingido urn quar-

f O de seu tamanho final.Nosso cerebro provave1mente atingiu 0 fim de seu crescimento em

tamanho. 0 trace principal de nossa evolucao limitou finalrnente seu

potencial de crescimento futuro. Exceto por urn novo e radical desenho

da pelve feminina , teremos de nos contentar com 0 cerebro que possui-

mos se quisermos nascer. Mas nao importa. Podemos passar alegre-

mente os proximos mrlenios aprendendo 0 que fazer com esse imenso

potencial que mal comecarnos a entender e a explorar.

70

. b