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MARIA LUÍSA BARCA GAZETTA DAS MULHERES DE PRETO AO COLORIDO DAS MULHERES. O QUE SERÁ O AMANHÃ? FRANCA 2006

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MARIA LUÍSA BARCA GAZETTA

DAS MULHERES DE PRETO AO COLORIDO DAS MULHERES. O QUE SERÁ O AMANHÃ?

FRANCA 2006

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MARIA LUÍSA BARCA GAZETTA

DAS MULHERES DE PRETO AO COLORIDO DAS MULHERES. O QUE SERÁ O AMANHÃ?

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Campus de Franca, para a obtenção do título de Doutor em Serviço Social Área de Concentração- Trabalho e Sociedade. Orientadora: Prof. Draa. Noemia Pereira Neves.

FRANCA 2006

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Gazetta, Maria Luisa Barca Das mulheres de preto ao colorido das mulheres. O que

será o amanhã? / Maria Luisa Barca Gazetta. – Franca: UNESP, 2006

Tese - Doutorado - Serviço Social - Faculdade de

História, Direito e Serviço Social - UNESP. 1. Envelhecimento. 2. Mulheres viúvas. 3. Mulher - Par-ticipação social. 4. Relações de gênero.

CDC – 362.6

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MARIA LUÍSA BARCA GAZETTA

DAS MULHERES DE PRETO AO COLORIDO DAS MULHERES, O QUE SERÁ O AMANHÃ?

COMISSÃO EXAMINADORA

TESE PARA OBTENÇÃO DO TITULO DE DOUTOR

Profª Drª Noemia Pereira Neves ..................................................... Presidente Orientador(a)

Profª Drª Íris Fenner Bertani .............................................................. Profª Drª Maria Zita Figueredo Gera .................................................. Profª Drª Maria Aparecida Motta ......................................................... Profª Drª Cláudia Regina R. de Lemos ................................................

Franca, 17 de março de 2006.

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Dedicatória

Agradecer... e eu me pergunto, como expressar à Profª Drª. Noemia Neves o que me vem à alma, quando revejo o caminho percorrido por nós e reconheço os frutos recolhidos ao longo dele: o respeito, a amizade, o apoio, a compreensão, o estímulo, o diálogo e a reflexão... que resultaram por um lado na organização e sistematização de minhas idéias, concretizadas nesse estudo e por outro em meu enriquecimento pessoal. Dificilmente existirão palavras, talvez o gesto de dedicar-lhe o meu trabalho possa palidamente lhe dizer dos meus sentimentos.

A. Mamis" meu referencial de pessoa, profissional e intetectual que por todos esses anos pacientemente tem colaborado com minha evolução..

Ao Marcos, companheiro de aprendizado e jornada, com carinho, por expressar por meio da compreensão das inquietações de minha mente seu afeto e respeito por mim.

Ao Bruno, filho amado, com quem aprendo todos os dias a ser mãe e uma pessoa melhor.

Aos meus familiares acompanhantes desse processo de crescimento, compartilho a vitória por chegar ao final de mais uma etapa. Ao meu pai, a saudade e o reconhecimento de que graças a sua visão de mundo, senti-me motivada a buscar as pessoas, o conhecimento, a mim mesma.

Em especial "nona Luiza" com seus 94 anos de vida e 65 de viuvez foi a primeira mulher viúva a me intrigar, minha admiração pela fibra em superar obstáculos e determinação em passar para o grupo colorido das mulheres.

As mulheres idosas viúvas que possibilitaram a realização desse trabalho pela confiança e generosidade de compartilharem suas experiências de vida.

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Agradecimentos

Como todo processo em construção, a elaboração deste estudo não seria possível sem o apoio, amizade, colaboração, paciência, encorajamento, respeito e amor de várias pessoas. Momentos conturbados e de dúvidas não faltaram e saibam, foram muitos. A cada uma delas, deixo aqui meus profundos agradecimentos.

Às pessoas que estiveram comigo, mesmo que por minutos, porque esses contatos me auxiliaram a construir o que sou.

Às amigas e irmãs de estrada, Elaine, Maria, Nazira e Claúdia com as quais partilhei as idas e vindas de São Paulo a Franca, as dúvidas, reflexões, sentimentos, emoções, o cansaço e a convivência de dois anos, que nos tornaram mais fortes e moldaram nosso saber.

A Cidinha, irmã da espiritualidade, que em vários momentos me fez ver as luzes da estrada.

Aos professores do curso de Pós-graduação pela receptividade, estímulo, por seus ricos ensinamentos e por acreditarem no meu trabalho.

À Ângela, Cláudia Cosac, Graça, Marta, Maria José, Mariângela, Sara e Guaraciaba amigas da maturidade mineira, cuja convivência tem sido uma experiência enriquecedora. Exemplos de sabedoria, generosidade, dignidade, competência e atuação profissional são mulheres dedicadas a construção de um mundo melhor, crentes das possibilidades que há em todo ser humanao. Minha admiração e afeto.

Aos integrantes do "Coral Velho Encanto” e, em particular, á Lurdes, à Antonieta e ao maestro Wandereley Garieri Júnior que, ao permitirem estar com o grupo, me possibilitaram manhãs de elevação espiritual, conhecimento e convívio com pessoas tão singulares.

Às companheiras e ao companheiro da "burocracia" do programa de pós-graduação: Gigi, Luciene, Maisa e Alan, a quem devo, além do atendimento exemplar, a amizade que conforta e estimula.

A assistente social Claúdia Stockeler e aos funcionários da Prefeitura Municipal de Passos pela acolhida e colaboração para o

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levantamento de dados.

Ao Sr. Nicássio, Sr. Augusto e Sra. Vitória que colaboraram para a realização dessa pesquisa participando com informações e apresentando as viúvas idosas do Club Bem Viver de Passos.

À Profª. Drª. Linamara Rizzo Batistela e a amiga Arlete Camargo de Melo Salimene pelo incentivo ao meu crescimento profissional e apoio em momentos decisivos de minha vida.

Aos colegas do Serviço Social do Hospital das Clínicas e em especial da Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com quem compartilhei anos de aprendizado e companheirismo.

Ao Paulo terapeuta das horas difíceis e alegres dos últimos tempos, suas palavras colaboraram para reencontrar o meu caminho..

E, aos médicos Parisi, Carone e Auro pela generosidade, compreensão e respeito ao utilizarem o dom que receberam, os meus sinceros e eternos agradecimentos.

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Resumo GAZETTA, Maria Luísa Barca. Das mulheres de preto ao colorido das mulheres. O que será o amanhã? 2006. 186 p. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca.

RESUMO

Os estudos sobre envelhecimento efetuados nas últimas décadas têm desvelado diferentes aspectos desse ciclo de vida, dentre eles, a prevalência da sobrevida das mulheres e a condição de estar só. A viuvez é apontada como uma das principais causas dessa condição, portanto a idosa viúva é, e será parcela significativa da população envelhecida das próximas décadas. Conhecer como a mulher no processo de envelhecimento após tomar-se viúva desenvolveu sua sociabilidade foi o objetivo dessa pesquisa, realizada com 8 viúvas acima de sessenta anos que freqüentavam programas de Terceira Idade da cidade mineira de Passos. A viuvez, ao longo da história, tem sido um fator adicional de restrições à mulher, favorecendo práticas sociais excludentes, ampliando as desigualdades de gênero existente nas diferentes sociedades. Por meio das entrevistas semi-estruturadas e posterior análise de conteúdo, percebeu-se que as mulheres sujeitos desse estudo foram influenciadas pelas mudanças de comportamento e mentalidades do século XX, no entanto ainda vivenciam preconceitos sociais referentes a condição de viúva. Essas idosas na reorganização do seu cotidiano, após o período de "luto" que determinaram para si, sentem-se "livres" para praticar suas escolhas, intensificar a participação social, por meio de atividades religiosas e sociais diversificadas, assumindo ou ampliando papéis, independentemente da qualidade da relação conjugal, familiar e social anteriormente existente. Há valorização das relações familiares interpessoais, afetivas e expectativa de equidade nas relações gênero.

Palavras-chaves: Envelhecimento, Gênero, Viuvez, Participação Social.

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Abstract GAZETTA, Maria Luísa Barca. Of the women of black to the colored of the women. What will be the tomorrow? 2006. 186 p. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca.

ABSTRACT

The studies on aging made in the last decades have been revealing different aspects of that life cycle, among them, the prevalence of the women’s survival and the condition of being alone. The widowhood is pointed as one of the main causes of that condition, therefore the aged widow is, and will be, the significant parcel of the aged population of next decades. To know as the woman in the aging process after turning widow developed her sociability was the objective of that research, accomplished with 8 widows above sixty years that frequented programs of Third Age of Passos’ mining city. The widowhood along the history has been an additional factor of restrictions to the woman, favoring excluding social practices, enlarging the inequalities of gender existent in the different societies. Through the semi-structured interviews and subsequent content analysis, it was noticed that the women subject of that study were influenced by the changes of behavior and mentalities of the century XX, however they still live social prejudices regarding widow's condition. Those elderly ones in the reorganization of her everyday, after the "mourning" period that determined for itself, feel "free" to practice their choices, to intensify the social participation, through religious and social activities diversified, assuming or enlarging papers, independently of the quality of the relationship matrimonial, family and social previously existent. There are valorization of the interpersonal family, affective relationships and expectation of justness in the gender relationships.

Key words: Aging, Gender, Widowhood, Social Participation.

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Resumen GAZETTA, Maria Luísa Barca. De Ias mujeres de negro al colorado de Ias mujeres. ¿Qué será el mañana? 2006. 186 p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca.

RESUMEN

Los estudios sobre envejecimiento hechos en Ias últimas décadas ha revelado es aspectos diferentes de ese ciclo de vida, entre ellos, el predominio de Ia supervivencia de Ias mujeres y Ia condición de estar sola. La viudez es apuntada como una de Ias causas principales de esa condición, por consiguiente Ia viuda vieja es, y será, la parcela significante de Ia población vieja de Ias próximas décadas. Conocer como Ia mujer en el proceso de envejecimiento después de volverse a Ia viuda desarrollaron su sociabilidad fue el objetivo de esa investigación, realizada con 8 viudas acima de sesenta anos que frecuentaron programas de Tercera Edad de Ia ciudad minería de Passos. La viudez al largo de Ia historia ha sido un factor adicional de restricciones a Ia mujer, favoreciendo Ias prácticas sociales de exclusión, ampliando Ias desigualdades de género existente en Ias diferentes sociedades. A de Ias entrevistas semi-estructuradas y el análisis de contenido subsecuente, se noto que Ias mujeres, sujetos de ese estudio, se influenciaron por los cambios de conducta y mentalidades del siglo XX, sin embargo ellas, todavía, viven los prejuicios sociales con respecto a Ia condición de viuda. Esas ancianas en Ia reorganización de su cotidiano, después del período del luto que determinaron para si mismo, siéntense libres para practicar sus opciones, intensificar Ia participación social, a través de Ias actividades religiosos y sociales diversificadas, mientras asumiendo o ampliando los papeles, independientemente de Ia calidad de Ia relación matrimonial, familiar y social previamente existente. Hay valorización de Ias relaciones familiares interpersonales, afectivas y expectativa de justicia en Ias relaciones del género. Palabras claves: Envejecimiento, Género, Viudez, Participación Social.

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Oração ao Tempo (Caetano Veloso)

És um senhor tão Bonito quanto a cara do meu filho

Tempo Tempo Tempo Tempo, vou te fazer um pedido Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos

Tempo Tempo Tempo Tempo entro num acordo contigo Por seres tão inventivo e pareceres contínuo

Tempo Tempo Tempo Tempo és um dos deuses mais lindos Que sejas ainda mais vivo no som do meu estribilho Tempo Tempo Tempo Tempo ouve bem o que te digo

Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso Tempo Tempo Tempo Tempo quando o tempo for propício

De modo que o meu espírito ganhe um brilho definido Tempo Tempo Tempo Tempo e eu espalhe benefícios

O que usaremos pra isso fica guardado em sigilo Tempo Tempo Tempo Tempo apenas contigo e migo

E quando eu tiver saído para fora do círculo Tempo Tempo Tempo Tempo não serei nem terás sido

Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos Tempo Tempo Tempo Tempo num outro nível de vínculo

Portanto peço-te aquilo e te ofereço elogios Tempo Tempo Tempo Tempo nas rimas do meu estilo

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Sumário

Introdução.......................................................................................................................

11

Capítulo I – Envelhecer em um mundo de mudanças.................................................... 23

Capítulo II – Viver o cotidiano, tecer a história. A mulher do século XX ........................ 56

Capítulo III – Mulher e Viúva. O que será o amanhã? ................................................... 71

Capítulo IV – A construção da Pesquisa........................................................................ 86

4.1 Opção Metodológica.................................................................................................. 87

4.2 O Cenário................................................................................................................... 92

4.3 As “autoras” da história.............................................................................................. 96

4.4 Procedimentos de coleta e análise de dados............................................................ 100

Capítulo V – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados..................... 104

5.1 Casamento e família.................................................................................................. 107

5.2 Tornar-se viúva. Meu tempo de luto, a espiritualidade.............................................. 117

5.3 Reorganizar a Vida: viuvez – passado-presente-futuro............................................. 124

Considerações Finais.................................................................................................... 128

Referências Bibliográficas............................................................................................ 132

Anexos............................................................................................................................ 143

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INTRODUÇÃO

Tete-Dune-

Dune--

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Introdução

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tema dessa pesquisa despertou minha curiosidade quando

observei o contraste entre as histórias e lembranças referentes ao modo de viver das

mulheres viúvas de minha infância e juventude, com a realidade verificada no

cotidiano profissional com grupos de Terceira Idade e de convivência.

Eram mulheres, que a partir da morte de seus companheiros, cobriam-se de

preto; mulheres para quem a exuberância das cores estaria proibida, pelo resto da

vida ou por um período mínimo de um ano, de acordo com as convicções próprias

ou regras estabelecidas por seu grupo social.

Mulheres de preto, que deveriam ser recatadas, discretas, isoladas e

sofredoras, em qualquer tempo e idade, com uma reputação pessoal e familiar a

zelar. Se mais idosas, a discrição, as rezas, os crochês, tricôs, o esperar pela visita

dos familiares e quem sabe um trabalho "caridoso" a realizar. Se mais jovens, Ah!

Uma vida para se vigiar, a fim de não se desvirtuar e há sempre um familiar para

acompanhar.

Mulheres para quem a dependência ou liberdade econômica, implicaram em

emoções não vividas, sentimentos reprimidos. Mulheres, muitas, cujo projeto de vida

foi trabalhar no que lhes permitiram ou sabiam, educar seus filhos e orgulhosas em

um momento de suas vidas dizerem: "sozinha, fui mãe e pai para meus filhos, com

luta e sofrimento consegui criá-los como pessoas do bem" .

O

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Introdução

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Mulheres, que embora, em casulos enclausuradas, teceram os fios de sua

metamorfose, gradativamente, renovadas, aos poucos... e hoje, surgem em

renovadas, como libertas e coloridas borboletas.

E... surpreendidos, meio pasmos perguntamos: "Mulheres de preto onde

estão vocês? Olhamos pelas janelas, supermercados, cinemas, ruas em todos os

lugares e o que enxergamos?

Ah! Mulheres Coloridas, inúmeras, em grupo ou sozinhas, em todos os

espaços e lugares, buscando a alegria, felicidade, usando sua liberdade construindo

uma realidade. Tecem um papel, que pode conter saudades, preconceitos e muitas

dificuldades, mas que recebe as cores de suas escolhas e possibilidades.

E nós que conhecemos as mulheres de preto do passado tão recente, não

percebemos essa metamorfose, tão silenciosa e veloz como outras tantas que

vivenciamos nesses anos que se foram. E só agora perguntamos: quem são vocês?

E primeiro da curiosidade, depois da convivência profissional e sim, da

admiração por aquelas que estão fazendo a história veio o processo de investigação,

cujo objetivo foi: Conhecer como a mulher no processo de envelhecimento após

tornar-se viúva desenvolveu sua sociabilidade, realizada com 8 viúvas acima de

sessenta anos que freqüentavam programas de Terceira Idade da cidade mineira de

Passos, que permitiu refletir e conhecer uma face da intrincada questão de gênero

na existência da humanidade.

As personagens dessa pesquisa possuem em comum a vivência num tempo

de transformações e rupturas como jamais visto no percurso humano.

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Introdução

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Fazem parte das estatísticas: integram o maior contingente idoso que se têm

notícias e sobreviveram a seus maridos.

O envelhecimento é mundial, resulta do declínio da fertilidade, avanço da

expectativa de vida, diminuição da mortalidade, melhoria das condições de

saneamento básico e saúde púb lica, avanços biotecnológicos e do conhecimento

médico. A viuvez, para as que chegam e ultrapassam os sessenta anos, configura-

se como uma das principais causas da mulher estar só, isso porque se recasam

menos.

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que, em 2050, a

população mundial será de 2 bilhões de pessoas. A Divisão Populacional da

Organização das Nações Unidas (ONU) em seu relatório informou que atualmente

mais da metade da população de mulheres idosas vive nos países em

desenvolvimento somando um total de 198 milhões e nos países desenvolvidos são

135 milhões.

No mundo a expectativa média de vida das mulheres supera a dos homens

em até uma década. Chamam a atenção que à medida que se avança para idades

mais avançadas a sobrevida feminina é maior de 5:1 entre os nonagenários e

centenários.

Essa realidade agrega ao envelhecimento o universo feminino e foi

denominada pelos demógrafos como feminização do envelhecimento, exigindo

respostas sociais que considerem as questões de gênero quando de ações

orientadas para esse segmento populacional.

O envelhecimento no Brasil ocorreu dentro das desigualdades sociais

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existentes no país, de acordo com dados do Censo 2000 publicados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): entre as famílias que ganham até três

salários mínimos a proporção de mulheres morando sós é de 25%; as mulheres

idosas tem menor instrução, 43% com mais de 70 anos eram analfabetas e dentre

as mais educadas a maioria não completou o antigo curso primário (4 anos de

escola).

Entre as mulheres com 65 anos ou mais somente 8% trabalham, destas 12%

tem vínculo empregatício e proteção previdenciária. A maioria dos domicílios

chefiados por mulheres idosas tem renda proveniente de atividades de ambulantes e

faxineiras, ou de aposentadoria própria, ou pensão deixada pelo marido ou

companheiro.

A família brasileira mudou de tamanho e função, com isso as idosas são

requisitadas pelos filhos a colaborar nos cuidados das gerações mais novas e

tampouco podem contar integralmente com a possibilidade de dispor das filhas ou

noras para cuidadoras caso necessite, normalmente são as idosas que estão

cuidando dos que necessitam.

A realidade, vista somente por meio dos números, é assustadora. O processo

de envelhecimento, sendo diferenciai para indivíduos e populações, toma-se mais

acentuado, no Brasil, em face das desigualdades existentes entre regiões, gênero e

etnias.

No entanto, quer cuidando dos netos ou após essa fase, as mulheres idosas

gradativamente começaram a procurar os programas municipais, estaduais ou

federais para a Terceira Idade, que a partir de meados da década de 80 do século

passado foram criados objetivando preparar o idoso para um envelhecimento

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Introdução

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saudável, com autonomia e independência durante o maior tempo possível de vida.

Do período de 1986 a 1991 como Diretora do Serviço Social do Instituto do

Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo, por meio do Serviço de Cardiologia Social acompanhei a implantação do

Programa de Atendimento Global ao Idoso no Hospital das Clínicas e a partir de

1991 na condição de Assistente Social Chefe da Divisão de Medicina de

Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de

São Paulo – DMR HCFMUSP, passei a trabalhar com os idosos integrantes do

Programa para a Terceira Idade de caráter preventivo oferecido pela Divisão de

Medicina a idosos da comunidade.

Os grupos, marcadamente femininos, registravam a busca destas mulheres

por ampliar o espaço e suas relações sociais, como se algumas colocassem

”rodinhas nos pés", apresentando questionamentos próprios de quem se percebe

envelhecer e estar num contexto constantemente em mudanças, que apresenta

diariamente o confronto entre valores e a dicotomia velho versus novo, passado

versus presente/futuro.

Verificamos que a despeito do que os textos registravam sobre as condições

de envelhecimento da população, mesmo pertencentes às classes mais

empobrecidas elas se diferenciavam, não se enquadravam, eram participantes e

ativas socialmente, com projetos e vontades.

Ao mesmo tempo, esta realidade e a dualidade do processo de

envelhecimento se faziam presentes em minha vida pessoal, por meio dos grupos

sociais de pertencimento e da convivência com familiares, passando a compartilhar

com eles as possibilidades, limites, conflitos e desdobramentos de um

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Introdução

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envelhecimento com e sem saúde.

Este conjunto de vivências foi dando contornos às questões que me levaram

a construir o projeto de pesquisa, cujos sujeitos seriam as idosas que freqüentavam

os Grupos de Atendimento Global da Terceira Idade da DMR HCFMUSP.

Em novembro de 2004, com a chegada da aposentadoria e o sentimento do

dever cumprido, elegi um outro grupo para pesquisa, pertencente às oficinas da

Secretaria Cultura do Estado de São Paulo, para a Terceira Idade Foi dessa forma

que o Coral Velho Encanto adentrou em minha vida. Totalmente feminino, a exceção

do maestro, contava com 90% de viúvas. A presença masculina não é vetada,

decorre da falta de adesão.

Assim, durante os meses de novembro e dezembro de 2004 observei os

ensaios e me aproximei do grupo buscando conhecê-las. Mas novamente a vida me

levou para outro lugar. Mudei para a cidade de Passos-MG e em função da

distância, efetuei nova mudança quanto ao grupo de pesquisa. Escolhi estudar as

idosas integrantes do Programa de Convivência da Terceira Idade da Cidade de

Passos.

Essa experiência foi extraordinária, porque pude observar que tanto em São

Paulo, quanto em Minas Gerais, as idosas viúvas apresentam comportamentos e

movimentos semelhantes para chegarem aos grupos de Terceira Idade.

Ao ouvi-las contando suas experiências, o que fizeram, de que forma

organizaram as atividades diárias, como ocorreram os relacionamentos e estão

reorganizando suas vidas, percebi a importância do papel destas mulheres e de

tantas outras, na estruturação da vida cotidiana.

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Introdução

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São elas no passado, e parte delas no presente, que organizaram, estruturam

e comandaram o cotidiano familiar de uma geração ou mais. De diferentes maneiras

reproduziram a ideologia vigente, tecendo o jeito feminino e masculino de ser, com

todos os conflitos e limitações de seus recursos internos para as situações.

Mas em todas há um sentimento de liberdade "saudosa" após a viuvez.

Saudosa porque ninguém passa em nossa vida sem deixar algo ou levar algo de

nós. De um casamento, principalmente longo como esses das entrevistadas, não há

como sair sem marcas, sem estigmas. Talvez aí resida a razão e a força dos

preconceitos, a fonte de comparações e inveja.

Saudosa, também, porque embora a viuvez possa dar autonomia e liberdade,

na maioria dos casos ela produz penalidades sociais e econômicas que variaram na

história.

Conhecer as atribuições do papel de viúva ao longo da história humana é

inteirar-se de uma face das relações de poder entre gêneros que o homem não

conseguiu equalizar. A viuvez está vinculada aos sistemas de casamento, rituais de

morte, leis e proteção social da sociedade.

Buscar situar a figura da mulher viúva na trajetória humana em diferentes

culturas e tradições religiosas é sair das rotas principais da história e entrar no

caminho da marginalidade trilhado por diferentes grupos humanos. As sociedades

têm destinado às viúvas, aos órfãos, mulheres solteiras e celibatárias, como seus

companheiros de viagem, porque compreendem que integram o mesmo grupo que

deve trafegar pela estrada denominada: "fragilidade social, risco social".

E é na largura do caminho que residem às dificuldades nas últimas décadas.

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São tantos os que integram essa via que as divisas começam a desaparecer, é a

interpretação que faço das redemarcações de espaço social que estão sendo

realizadas.

As negociações são longas, o projeto chama-se inclusão social, mas o meio

entre os caminhos está repleto de pontes, pedras, pedrinhas, pedrões, paredões e

tantos ões, que para remover alguns é necessário implodi-los e muita conversação.

E a estrada a cada dia recebe mais ocupante... e estes se questionam: o que será o

amanhã?

As viúvas até hoje, sofrem diversas restrições e controle do grupo social.

Conforme a época histórica elas são enquadradas em leis específicas para sua

condição civil. Há sociedades, por exemplo, que não permitiam o recasamento e

outras como na Índia, até o início do século XX, em que as viúvas (sati) das classes

superiores se ofereciam para serem imoladas, queimadas na pira fúnebre com o

marido.

Era considerada a maior prova de fidelidade, reconfirmação de união, e de

modelo virtude para outras mulheres. Os autores questionam se esta não seria uma

alternativa melhor do que a morte social destinada pela sociedade indiana àquelas

que permaneciam vivas (BREMMER, 1995).

Tornar-se viúva é o início de um lento processo de mudança que leva a

mulher a ser outra coisa que não mais a esposa. Militão e Militão (2000), ao

trabalhar as questões que envolvem o processo de mudança, referem que mudar é

"des-envolver (se)" dos pré-conceitos, ou seja, quebrar paradigmas concebidos ao

longo do tempo, permitindo-lhe desaprender, buscando recursos para solucionar

problemas ou dificuldades, com e através das experiências vivenciadas.

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Introdução

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A mudança tem na temporalidade uma aliada, porque as ações humanas para

se materializarem necessitam do tempo para que isso ocorra. Transformar um

momento ou um fato significa sair de uma situação de conforto, de segurança, de

domínio, para uma situação nova, desconhecida. Isto pode ocasionar insegurança

ou medo do que esta por vir, abalando as estruturas dos indivíduos, gerando

dúvidas, confrontando valores e atitudes (CAMPOS, 2004).

Oliveira (2004, p. 3) pergunta "o que é o tempo! O tempo é como um moinho

que mói; como uma mó, que tritura, e fura, fura... como uma dor que dói, dói e nunca

nos sentimos suficientemente preparados para lidar com perdas, com a corrosão.

A idosa viúva terá que enfrentar seu processo de mudança, isto é, a transição

do papel de esposa para o de viúva, considerando a temporalidade: um tempo para

si,

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Introdução

21

Em certas regiões da Península Ibérica e da Itália, as mulheres velhas e viúvas [...] se cobrem de negro da cabeça aos pés, lúgubre imitação das vestimentas dos padres e dos urubus, especialistas em cadáveres. Com suas roupas negras, elas estão proclamando. Deixei a vida! Abandonei o amor! Que nenhum homem se atreva a me desejar! (2004, p. 84).

Hoje a morte social em nosso meio não é mais exigida, morre quem quer. À

medida que as mentalidades foram se modificando, o capital financeiro expande

fronteiras, a biotecnologia e o conhecimento médico avançam a globalização vai se

concretizando e o homem, como diz Áries (1990, p. 613), "inverte o lugar da morte".

Ela deixa de ser um acontecimento social – a perda de um membro da

comunidade – sai do ambiente doméstico da casa, do público, para ocorrer em outro

local. Assim, da mesma forma que as mudanças nos rituais de morte vão ocorrendo

lentamente, a mulher peça fundamental na representação desse ritual também

passa a ser liberada de vestir a cor preta do luto, do prantear, do isolamento, da

fidelidade eterna.

No Brasil a produção científica com objetivos de compreender esse momento

é incipiente direcionada à área jurídica, psicológica e de história. As literaturas

científicas norte-americana, inglesa e canadense apresentam maior produção.

A construção deste estudo terá a seguinte trajetória: Envelhecer em um

mundo de mudanças – constitui o primeiro capítulo desta tese, onde buscamos tecer

um panorama amplo sobre envelhecimento no Mundo, no Brasil e o fenômeno da

feminização.

No segundo capítulo - Viver o cotidiano, tecer a história. A mulher do século

XX - o foco para o seu desenvolvimento foi situar historicamente as mudanças

ocorridas.

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Introdução

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Com o terceiro capítulo – Mulher e Viúva. O que será o amanhã? Buscou-se

resgatar a imagem e o papel de viúva que historicamente foi sendo construído,

sincronizado aos padrões morais e sociais de cada época e como essa condição

social trouxe acréscimos restritivos aqueles já existentes para a mulher favorecendo

práticas sociais excludentes.

A construção da Pesquisa é o quarto capítulo, que apontará o caminho

metodológico percorrido, para a realização deste trabalho, delimitando o sujeito de

análise. O quinto capítulo - Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os

resultados – apresenta a discussão e a análise das categorias encontradas a partir

dos depoimentos das entrevistadas, buscando depreender a vivência que estão

tendo enquanto idosa, mulher e viúva. E, finalizando apresentaremos as nossas

Considerações Finais.

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CAPÍTULO 1

ENVELHECER NUM

MUNDO EM

MUDANÇAS

Envelhecimento ONU

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

24

... porque a vida é mutirão de todos por todos remexida e temperada.

Guimarães Rosa

século XXI começou com a certeza de que seus atores não são

tão jovens quanto se projetava. Recebe de seu antecessor uma conquista

irreversível, e ambígua: o envelhecimento da população mundial e o aumento

vertiginoso de sua longevidade, em especial no Terceiro Mundo.

A sociedade que produziu esse fenômeno caracterizou-se, entre outros

aspectos, por um intenso e contínuo processo de mudanças tecnológicas,

organizacionais, de valores e comportamentos com conseqüências nos diversos

setores da vida pública e privada, notadamente na estrutura da família e na dinâmica

de sua constituição.

Globalização é a expressão utilizada para sintetizar esse processo de

transformações velozes, desenvolvimento telemático que na década de 80, com a

queda do comunismo soviético, permitiu ao capitalismo e suas conseqüentes

implicações ampliar-se pelo mundo, aumentando o fluxo de comércio, de

informações e de expansão das empresas multinacionais para mercados fechados.

Freire (1998, p. 1) afirma que "as transformações históricas e culturais na vida

social se operam por evoluções, revoluções e mutações", classifica àquelas

ocorridas nos últimos cinqüenta anos como mutações no comportamento político,

cultural e mental da humanidade.

As conseqüências das guerras de 1918 e 1945 impulsionaram a humanidade

O

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

25

a alterações de comportamento social, bem como por dispor pela primeira vez de

conhecimentos e artefatos bélicos capazes de destruir a espécie.

São criados organismos internacionais ou reafirmados os já existentes para

proteção da vida humana frente à tecnologia científica, assistência, preservação de

princípios e valores em busca de soluções aos problemas emergentes, privilegiando-

se a vida, a dignidade humana e o equilíbrio entre autoridade e liberdade – Direitos

Humanos.

Novos contratos sociais começam a ser esboçados entre sociedade e

governo e entre governos. Sob uma visão ampla o mundo é dividido em dois blocos,

tendo como senhores Americanos de um lado e Russos de outro. Uma Guerra, dita

Fria, se instala, e é no campo econômico que ocorrem o ardor e as conseqüências

das batalhas. A morte e destruição chegam por vias mais sutis.

Uma forma diferenciada de acumulação de capital passa a se estruturar.

Chesnais diz que a mundialização – expressão francesa para o processo de

globalização -, estabelece “um novo funcionamento sistêmico do capitalismo mundial

[...] de ‘regime mundializado sob a égide financeira’” (CHESNAIS, 1997, p. 4).

Concomitante, ao florescer dessa nova ordem, nascem e se mantêm vivas um

número cada vez maior de crianças, que se beneficiaram com o desenvolvimento

biotecnológico instaurado a partir do término da Segunda Guerra Mundial. Os

demógrafos “batizaram” esse grupo populacional de “baby boom”.

É público que o número de descobertas e inventos efetuados pelos cientistas

e pesquisadores entre 1945 até o final dos anos 60 é maior do que as realizadas

pelo homem de seu aparecimento até 1945.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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Freire atribui a:

[...] própria lógica do regime capitalista ocidental em seu conjunto que acabou levando ao paroxismo na década de 60. Sua idéia de que o sucesso estava fundado na produção levou a tornar os meios como fins: produzir e ainda produzir, o que implica o dever de consumir tão intensamente, não importa de que maneira estimulante (sistema de crédito, publicidade, etc). [...] (FREIRE, 1998, p. 1).

A partir de então a vida social, a maneira de pensar, o cotidiano das pessoas

tudo se transforma, conduzindo a alterações na estrutura mental. A revolução da

comunicação em massa conquista territórios. Carlos Heitor Cony a esse respeito diz:

“Nos anos 40, ninguém sabia, mas a família preparava-se para sofrer um golpe

mortal com o advento da TV. Ela trouxe um estranho para casa: o mundo. De início,

um hóspede cordial e divertido. Mais tarde, um dono cruel e chato" (1998, p. 2).

Esse novo membro deixa evidente o que se repetira com os seus

descendentes: terão destinados para si espaços de honra, monopolizarão atenções,

darão homogeneidade aos pensamentos, viabilizarão ao planeta tornar-se a "Aldeia

Global” como predisse Marshall MacLuhan, na década de 60.

O desenvolvimento dos meios de comunicação foi permitindo que cada vez

mais mensagens simplificadas, "traduzidas" pudessem ser levadas a todo o planeta,

para todos os lugares, fornecendo elementos para o contexto atual.

Por meio do "american way of life" os Estados Unidos buscavam influenciar o

mundo ocidental. Das contradições e mudanças decorrentes surge um

questionamento global dos valores culturais e espirituais do ocidente. As gerações

mais velhas, em maioria, reagem com o seu engajamento a sociedade tecnológica

proposta.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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No entanto, as gerações mais jovens rejeitaram o ideário proposto,

questionando-o; e essa juventude se rebela na década de 60, com movimentos de

caráter agressivos ou pacifistas. As idéias estão em ebulição procurando

compreender o homem e o mundo com base em parâmetros e referenciais que

pudessem resultar em uma sociedade fundada sobre a libertação das instituições

repressivas, valorização das raízes populares, do nacional.

O hinduismo, as drogas, a guerra do Vietnã, as lutas do terceiro mundo:

Cuba, Che Guevara, Martin Luther King, o feminismo, os movimentos pacifista,

ecológico, estudantil brasileiro, a queda do muro de Berlin, as legiões de

desempregados e subempregados, multidões que saíram as ruas reivindicando

melhores salários, menores jornadas de trabalho, creches para os filhos, justiça

social, igualdade de gênero, de raça, liberdade de expressão, política entre outras

tantas solicitações.

Um século escrito por multidões, segundo Araújo (2005), e que pelas

previsões continuará sendo, pelo menos pelo número de pessoas a caminho da

Terceira Idade.

A alta tecnologia impõe e permite um estar no mundo, que encurta espaços,

ultrapassa fronteiras, desterritorializa o espaço geográfico. As dimensões territoriais

ampliaram-se para o espaço por meio dos satélites e veículos interplanetários.

E, no entanto, o homem, de acordo com Freire não faz outra coisa que

“sobreviver, sua vida real esta resumida a apenas um espetáculo" (1998, p. 3). O

viver está resumido numa representação, não apenas na troca de mercadorias, mas

em todas as relações humanas. Cada vez mais a sociedade moderna nos afasta da

emancipação.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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Apesar das conquistas significativas obtidas pelo homem no século passado,

o sonho da eterna juventude ainda não se concretizou, mas o afã por consegui-la

revela-se intenso no fazer científico, depositário de suas demandas, intenções e

esperanças.

As ações dos sanitaristas e infectologistas nas primeiras décadas do século

XX, aliadas ao desenvolvimento de medicamentos e tecnologias na área da saúde,

possibilitaram aos cientistas nas três ultimas décadas dedicarem-se a tornar o último

treco de vida do homem mais longo, melhor e produtivo.

O crescimento da população idosa teve início no final do século XIX em

alguns países da Europa Ocidental estendendo-se pelo resto do Primeiro Mundo.

Nos anos setenta o fenômeno começa a ser observado no Terceiro Mundo, inclusive

no Brasil.

O processo ocorreu de forma lenta, gradativa, nos países desenvolvidos em

um período histórico que lhes possibilitou elaborar um planejamento e fazer frente

aos investimentos necessários. Criou-se a infra-estrutura adequada para atender os

idosos e para a sociedade se adaptar às transformações requeridas por esta

população. Como resultado as ações implementadas possibilitaram minimizar o

impacto socioeconômico para estas sociedades.

No processo brasileiro o aumento da expectativa de vida, aconteceu num

cenário de pobreza, disparidades econômicas e sociais presentes tanto na

distribuição geográfica da população, quanto nas estruturas de serviços oferecidos,

dificultando o atendimento às necessidades desse grupo.

São fatores gerados com o processo de industrialização e urbanização

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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ocorridas no Brasil, principalmente a partir da década de 30, que modificaram a

forma de produção e distribuição espacial da população.

O processo migratório brasileiro, ocorrido nos últimos quarenta anos do

século passado, propiciou uma concentração populacional urbana, que desenhou a

realidade atual, isto é, o jovem migrante envelheceu ou está envelhecendo,

compondo as parcelas da população idosa nas grandes cidades.

Veras e Alves (1999) observaram que os idosos estão mais concentrados nas

grandes cidades e nos bairros com maiores recursos, onde reside a população com

maior poder aquisitivo, porém isto não significa que estejam a ela integrados e sim,

que são no momento os menos pobres no conjunto da sociedade. Os autores

afirmam que esta situação tende a mudanças e apesar dos aspectos apontados a

população idosa cresce velozmente.

Vivendo mais e com a perspectiva de poder viver muito mais no futuro, o ser

idoso ganha visibilidade social. O envelhecimento deixa o ostracismo da esfera

privada e passa a ser foco de atenção e preocupação da sociedade em suas

diferentes instâncias.

Isso ocorre não só pelo significado do peso numérico dessa população no

mundo, por suas demandas particulares, representatividade econômica, mas

também, porque novos conhecimentos, conceitos e paradigmas foram formulados e

disseminados pelas disciplinas do envelhecimento - Geriatria e Geronto logia. São

produzidas revistas especializadas, livros, pesquisas, teses, filmes, documentários,

entre outras tantos.

O saber gerado passa a nortear a prática de profissionais de diversas áreas e

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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a elaboração de políticas governamentais. Procura-se dissociar do imaginário

coletivo a identificação do processo de envelhecer a decrepitude, perdas,

improdutividade, solidão, doenças e inatividade.

No Brasil, na década de 90, emerge o cidadão idoso. Até agosto de 1998

foram promulgadas, de acordo com levantamento realizado pelo Ministério da

Justiça, 129 leis municipais, estaduais e federais, assegurando direitos para a

população acima de sessenta anos, segundo Campos (1998).

Para Debert como conseqüência dessa tentativa de se igualar às

representações da velhice e sua transformação em um problema social, é criada:

uma nova categoria social, a da pessoa idosa, definida por ela como: "um conjunto

autônomo e coerente que impõe outro recorte a geografia social, autorizando a

colocação em prática de modos específicos de gestão" (DEBERT, 1996, p. 35).

Essa concepção paulatinamente vai sendo assumida por profissionais

brasileiros em particular dos grandes centros urbanos, pois não há como ignorar as

demandas dos idosos e suas especificidades que passam a alterar principalmente o

fazer dos profissionais da saúde e a paisagem urbana.

A realidade de uma cidade não projetada para a diversidade de sua

população emerge, expondo as barreiras visíveis e invisíveis a serem enfrentadas,

entre muitas, como exemplo, os degraus altos das escadas dos ônibus que

dificultam a entrada e saída dos idosos.

Assim forma, os profissionais e técnicos imbuídos dessa nova concepção a

passam a trabalhar com o intuito de instrumentalizar e mobilizar os idosos, os

grupos sociais e comunidades para que atribuam novos significados ao processo de

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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envelhecimento, adquirindo a visão propagada.

Trabalha-se para que exista um convívio produtivo e continuidade de

participação social. Incentiva-se o idoso a realizar atividades de acordo com os seus

objetivos pessoais e atendendo as necessidades da comunidade por meio de

trabalhos voluntários.

Simone de Beauvoir há mais de trinta anos, corroborava com esse

pensamento ao escrever que: a "velhice deveria ser apenas uma fase da existência,

diferente da juventude e da maturidade, mas dotada de um equilíbrio próprio, e que

deixasse aberta ao indivíduo uma ampla gama de possibilidades" (1999, p. 56).

A jornalista brasileira Cecília Prada, refere que observamos a prática do

pensamento de Beauvoir na vivência dos idosos na ilha de Bali, Malásia, contando:

[...] os mais velhos [...] escapam à senilidade e desempenham papéis importantes, zelando pela saúde dos mais jovens, contando-lhes histórias, ensinando-lhes arte e poesia, ou ainda na direção da aldeia e no exercício de funções religiosas. Para eles e para numerosos outros anciões que são encontrados principalmente nas zonas rurais, em todo o mundo, ninguém disse um dia que deveriam parar. [...] o que é mais importante, não foram afastados das suas atividades habituais, nem do núcleo familiar. "Estão mais inseridos numa programação normal do ser humano, ligada ao ritmo da natureza" (PRADA, 2002, p. 8).

Manter-se participativo, otimizar seu potencial, viabilizar novas experiências,

realizar projetos feitos no passado ou elaborados para essa fase, estabelecer novos

relacionamento intergeracionais, entre tantas outras possibilidades, tornam o

envelhecimento, mesmo com dependência, uma experiência sentida, percebida

como sendo sucedida tanto para o indivíduo quanto para a coletividade.

Mas, para que essas possibilidades se concretizem é necessário que o idoso

conte com um sistema de proteção social, possa usufruir de condições financeira e

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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social que lhe permita ocupar-se de suas proposições.

Há mitos e preconceitos que marcam as pessoas que envelhecem como se

elas fossem incapazes de evoluir. Os diferentes meios de comunicação abriram alas

à Terceira Idade, colocando-a no ar.

No entanto, há muito que se discutir sobre a dubiedade das imagens

divulgadas. Ora a da vovó no estilo Dona Benta – Sítio do Pica-Pau Amarelo de

Monteiro Lobato, a "Velha Surda" do programa a Praça e Nossa do canal Sistema

Brasileiro de Televisão - SBT, ora a moderna que também brinca na Internet, anda

de jet-ski, faz exercícios na praia, academia e outras tantas práticas que vão

surgindo.

Como diz o saber popular "bem ou mal, mas falem de mim", embora ocorram

distorções como as mencionadas acima, há produções que têm colaborado para que

esses atores permaneçam em cena. Afinal, não representam um potencial de

consumo e eleitoral hoje e amanhã?

O poder da representatividade numérica desse segmento já é sentido nos

países desenvolvidos de tal forma, que estão sendo chamados de "poder cinza", ou

“peste cinzenta", de acordo com Prada (2002, p. 8,11). Ao finalizar seu artigo essa

autora recomenda aos idosos brasileiros "[...] organizar-se de maneira independente,

apartidária, para agir no cenário político, pode e deve ser uma opção válida no seu

programa de atividades retomadas".

Alertas, informações, discussões e apoio estão sendo proporcionados e

oferecidos, de maneiras diversificadas, atendendo às expectativas do próprio ser

idoso, para que se construa uma sociedade inclusiva. O indivíduo que entra nessa

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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etapa de vida precisa desejar fazer e se realizar, tanto quanto nas demais.

A contemporaneidade produz um cotidiano permeado de valores opostos, de

movimentos contraditórios, do "morde e assopra", das existências desiguais, do

individualismo. A nova imagem da velhice nesse contexto é uma proposta de

transgressão, de rompimento com o cotidiano estabelecido, é o inusitado, o desafio.

É nesse sentido, que o filósofo e editor alemão Schirrmacher (2005, p. 1) em

seu livro, A Revolução dos Idosos: o que muda no mundo com o aumento da

população mais velha, convoca seus leitores a participarem de uma guerra

argumentando: "Temos de agir agora, um tempo muito curto nos separa da

estigmação".

Acredita que se não for iniciada uma mudança cultural que consiga

transformar a imagem do idoso, organizar uma sociedade inclusiva, onde a

solidariedade e a intergeracionalidade sedimentem ações governamentais, da

coletividade e dos indivíduos, não teremos chances de sobreviver. O filósofo

argumenta:

[...] temos de aprender a envelhecer nos próximos 30 anos de uma maneira nova ou, então, cada e todo indivíduo da sociedade será punido financeira, social e emocionalmente. Em jogo está a libertação daquele ser triste e oprimido que reprimimos que hoje ainda existe. É nosso futuro ego que está em jogo (SCHIRRMACHER, 2005, p. 4).

Essa realidade incômoda e perversa certamente contará com obstáculos das

condições sociais, econômicas, políticas e culturais desiguais entre as nações e

dentro delas. Exigirá também que as pessoas resignifiquem suas vidas e a de sua

geração.

Hoje já são evidentes os resultados de uma sociedade que não projetou

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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espaço para seus idosos: constata-se a institucionalização desnecessária de muitos

deles, por falta de espaço, cuidador familiar ou condições econômicas da família

para contratar um cuidador informal.

É recordar que as pessoas se constroem no dia a dia, com as escolhas e

caminhos que podem efetuar ou vislumbrar para si. Subjacente a uma ação existe

um valor moral como guia, tecendo a rede das relações sociais. O envelhecer é

conseqüência de um projeto de longo prazo e de várias mãos, com

responsabilidades coletivas e individuais.

Entretanto, não basta saber que envelhecer faz parte do percurso da vida. O

desconhecido, o novo sempre causou medo nos seres humanos. "Assim, é com a

velhice, uma nova fase na vida, que devemos primeiro conhecer, para depois

aprendemos a lidar com ela da melhor maneira possível", de acordo com a Ângela

K. Marigny (apud JEUNON, 2005).

Mas, há que se diferenciar o envelhecimento individual e o de populações

humanas, pois como define Thomas (1979, p. 3):

[...] envelhecimento individual põe em destaque etapas irreversíveis do ciclo de vida, cuja compreensão depende do conhecimento dos processos biológicos, sociológicos e psicológicos associados ao crescimento, amadurecimento e possível declínio do organismo humano, no contexto de ambientes físico, psicológico e social. Já o envelhecimento de populações humanas constitui um fenômeno mais complexo, [...] põe em destaque o incremento proporcional do número de pessoas mais velhas dentro de dada população.

A relevância e consciência desse duplo olhar sobre o envelhecimento é que

humano, é que permite compreende-lo como um processo distinto tanto do

organismo quanto entre indivíduos, acrescido da reflexão de que cada grupo etário

nasce, se desenvolve, amadurece em ambientes e contextos históricos, sociais,

econômicos e culturais diferentes.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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Foi a percepção dessa singularidade, que permitiu ao Buda, afirmar a séculos

atrás, “que cada um trás em si o velho que será". Para Néri (1995, p. 7), existe uma

“variedade individual e social em relação à época em que as pessoas parecem, se

declaram ou se comportam como velhas" dificultando fixar uma faixa limite de idade

para o envelhecimento.

“A vida das pessoas idosas não pode ser ditada pelo calendário", essa

mensagem do mais velho astronauta americano, John Glenn, aos 77 anos, quando

retornou de sua ultima missão espacial, ilustra pela prática os conceitos

referendados acima.

No entanto, apesar dos exemplos, a sociedade ocidental contemporânea

cultua, valoriza a juventude, o novo, o belo; faz com que as pessoas sintam-se

velhas cada vez mais cedo independentemente da realidade e da idade demarcada

para se tornar idosa.

As mulheres são as maiores presas da tirania das aparências, que nas duas

últimas décadas começa a ser estendida ao homem. Desde épocas imemoriáveis a

aparência é um fantasma que assombra as mulheres em todas as fases de sua vida,

pois é um dos atributos femininos mais valorizado socialmente com variações de

acordo com o contexto cultural e período histórico.

Deixar ou não que o corpo retrate a história vivida por nós, é uma reflexão

que suscita o redimensionar dos propósitos de vida e um enfrentamento dos

estereótipos e valores vigentes na sociedade.

De qualquer maneira geralmente ao nos defrontarmos com os primeiros

cabelos brancos, gordurinhas ou rugas, uma grande parcela já pensou seriamente

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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em procurar Mefistófeles1 e outras tantas já o encontraram. A ciência, os salões de

beleza e toda parafernália moderna indicam o caminho.

A noção de tempo compõe o envelhecer. Ela integra, é subjacente, a

existência humana, aos ciclos da vida, ao universo. Tempo e vida se confundem,

pois é referendado no tempo que o homem se orienta, organiza, regula e

dimensiona sua vida cotidiana.

Featherstone afirma que a ciência moderna, com sua sistematização e

classificação de dados, elaboração de estatísticas permitiu que "possuíssemos uma

formação cronológica do curso da vida, embutida de modo muito forte em nossa

percepção” (1998, p. 12).

É uma das primeiras noções apreendidas pelo ser humano para dar conta e

sentido às transformações que observa no mundo, vinculadas a passagem do

tempo. Como auxiliar nessa tarefa foram criados os calendários, relógios e outros

instrumentos demarcadores e representantes do tempo.

Datas marcam o cotidiano, os acontecimentos aos quais são atribuídos

significados subjetivos e sociais, sinalizando para as pessoas em qual momento da

vida se encontram. Comemora-se o início de um namoro, de um trabalho, a data de

casamento, o dia dos mortos, a passagem dos anos, o dia das mães, o próprio

nascimento, estrutura-se o fazer diário.

Construímos sociedades graduadas por idades, na qual as pessoas sabem o

que devem fazer em determinados momentos da vida. Cada fase é utilizada como 1 Mefistófeles – nome dado ao diabo no drama Fausto de cinco atos com música de Charles Gounod

(1818-1893), e libreto de Jules Barbier y Michel Carré. Estreiou no Théatre Lyrique de Paris em 19 de março de 1859, baseado na obra de Goethe. Sobre o tema ver também a obra de Oscar Wikje –O Retrato de Dorian Gray.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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referencial, como um parâmetro de julgamento da maturidade social do indivíduo.

Determinamos a idade de ir à escola ou sair dela, votar, começar a trabalhar, casar,

aposentar, etc. assumindo e desempenhando papéis, conforme as expectativas

sociais vigentes.

Sobre a relação tempo e envelhecimento Rubem Alves, em 2002 ao conceder

entrevista à Revista A terceira Idade disse:

[...] acho que a grande questão é dar-se conta do tempo em que se vive. Lição das Sagradas Escrituras: Ensina-me a contar os meus dias de forma a ter um coração sábio [...]. É preciso perceber que o tempo é curto. Quando percebemos que o tempo é curto ficamos libertos das mesquinharias que frequentemente tomam conta de nós (ALVES, 2004, p. 82).

Em sua entrevista o filósofo instiga o leitor a refletir sobre como gerenciando o

tempo de sua vida, em quais valores está embasando suas escolhas, de que

maneira emprega o tempo hoje para propiciar a sua qualidade de vida. Favorecer o

desenvolvimento do homem sábio, que vive com simplicidade e é capaz de ser

criativo.

Ao proceder dessa forma, na maturidade, as pessoas estarão conosco porque

somos interessantes, sábios e não porque somos velhos. Os resultados de nossa

interação com o mundo no presente, passado e das expectativas com relação ao

futuro, permanecerão impressas, no corpo, registrando o visível da história pessoal

de cada um de nós.

Cecília Meireles em seu poema Retrato nos diz: "Eu não dei por esta

mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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face? 2" (Anexo A)

A poetisa de forma singela aponta a nossa relação alienada com o

envelhecer, com as alterações que percebemos, porém negamos. Os fatos e

circunstâncias cotidianas como a morte de amigos, a saída dos filhos de casa, a

aposentadoria, nos sintonizam com a realidade. Alguns desses acontecimentos se

configuram como rupturas exigindo rearranjos no fazer cotidiano. A viuvez é uma

delas.

Vivemos em um tempo que aumentou a margem de escolha pessoal dos

indivíduos. O peso das tradições que costumavam reger e ditar a vida de cada um é

menor. A sociedade já não se apresenta como um dado, no qual os indivíduos se

devam encaixar, atendendo a perfis pré-estabelecidos.

Existe a possibilidade de construção de um percurso individual, no qual os

padrões e modelos tradicionais são substituídos por escolhas pessoais,

reinterpretações e inovações. No cerne desse processo de reinvenção das relações

sociais, impõe-se uma constatação: na vida real das sociedades já não existe um

tipo único de família.

O envelhecimento também é a manifestação de eventos biopsicosociais que

ocorrem ao longo de um período. Tempo, ciclos de vida, adolescência,

envelhecimento são construções sociais elaboradas pelo homem dentro de um dado

contexto histórico e estipuladas a partir dos conhecimentos científicos, ambientais e

sócio-culturais acumulados.

Dessa forma, em consonância com os paradigmas vigentes no mundo, no 2 MEIRELES, Cecília. Viagem: poesia, 1929/1937. Lisboa: Império/Ocidente, 1939. Disponível

em: <http://www.geocities.com/fedrasp/cecilia-meireles.html>. Acesso em: 21 jan. 2006.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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ano de 1982 os participantes da Organização das Nações Unidas (ONU), durante a

Assembléia Mundial dedicada a Terceira Idade, objetivando um consenso e formular

diretrizes, propuseram a utilização de um critério biológico, a idade, como ponto de

“coorte” para delimitar o início dessa fase.

Pautados na média de idade fixada pela maioria dos países no mundo para a

concessão da aposentadoria estabeleceram que nos países desenvolvidos fossem

considerados idosos(a) as pessoas com idade a partir dos sessenta e cinco anos e

com sessenta anos, para aquelas dos países em desenvolvimento, nos quais a

expectativa média de vida é menor.

O envelhecimento pode ser definido a partir de um:

1. critério biológico, a exemplo de Hoffmann (2005, p. 1) que o considera

como as “alterações graduais irreversíveis na estrutura e funcionamento de um

organismo que ocorrem como resultado da passagem do tempo";

2. critério social, como Nahoum (1982, p. 13), que o compreende como um

“processo social que vai se constituindo nas relações entre a imagem que a

sociedade faz do idoso e a imagem que ele projeta. A representação do velho na

sociedade determina a atitude para com ele mesmo".

A expressão Terceira Idade também tem sido adotada para designar essa

categoria etária. No entanto, qualquer que seja o critério que se utilize para definir o

processo de envelhecimento, uma verdade é soberana: ele é um caminho natural e

democrático. Podemos retardar sua marcha por meio dos avanços biotecnológicos e

recursos financeiros disponíveis, mas ainda não é possível interrompê-lo. É uma

fase no desenvolvimento humano.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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Numa licença poética diríamos que para os ciclos da vida não há definições

perfeitas, mas como ocorre com o amor e a beleza, a maioria das pessoas são

capazes de reconhecê-los quando sentem ou vêm.

Dentre as ações coletivas a promoção da saúde no envelhecimento é uma

prioridade. Para o Dr. Luiz Ramos, médico, chefe da disciplina de geriatria da

Faculdade Paulista de Medicina da UNIFESP, os idosos de hoje, nascidos no pós-

guerra, terão problemas de saúde que causarão incapacidades, em função de maus

hábitos adquiridos em sua vida, como o hábito de fumar.

Atualmente, de acordo com o médico, 80% dos que têm mais de 60 anos

apresentam alguma doença crônica, 10% estão debilitados e 50% dos idosos

brasileiros recebem ajuda, seja familiar ou clínica.

Apesar da urgência alardeada, no Brasil o processo de adesão e estruturação

da sociedade para esse "boom" do envelhecimento caminha sem pressa.

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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real dimensão do tempo em que ocorreram.

Os maiores de de cinquenta anos sobreviveram em sua infância sem Mac

Donald’s, vídeo game, xerox, computador, televisão, entre outros bens e serviços, mas

quem se lembra? Provavelmente eles em conversas que se iniciam, "bom! mas no

meu tempo...

O filósofo Mário Sérgio Cortella em 1988, ao proferir palestra para um grupo de

idosos no Serviço Social do Comercío de São Paulo - SESC/SP pontuou motivos que

sob sua ótica tornam o envelhecer nas últimas décadas complexo e difícil entre eles:

1. inexistência da idéia de geração e a coexistência de diferentes grupos,

”gerações" com seus respectivos estilos de vida: Punk, Funk, Patricinhas,

Mauricinhos, Barba e Bolsa, Dark, etc.;

2. mudança de valores e da compreensão da organização das pessoas;

3. relação com a tecnologia. A velocidade das relações implementadas por

meio dela, a cada dia acelera mais todo o fazer cotidiano humano,

gerando um conjunto de alterações nos diferentes setores da vida. Essa

realidade impõe um ritmo e a aquisição de habilidades diversas

dominadas pêlos que estão em processo de envelhecimento;

4. mudança nas relações interpessoais e sociais, que segundo Cortella

(1998, p. 11) desencadeiam duas situações: a "exaltação egonarcisista",

onde a pessoa se fecha no próprio mundo e nas próprias coisas ou a

precariedade das relações.

É a coexistência do novo com o antigo, marcando a contradição da sociedade

contemporânea. Contradição expressa por um dos membros da União de Mulheres

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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de São Paulo, que diz:

A velhice ocorre para cada um de nós de forma diferente, conforme a classe social, o sexo, a raça, a estrutura da sociedade e o tipo de cultura. Numa sociedade capitalista como a nossa, o ser humano é importante quando se integra ao sistema produtivo e contribui para a expansão do capital. Quando excluídos do mercado de trabalho, os indivíduos passam a ser improdutivos, o que significa marginalização. (SÃO PAULO, 1997, p. 48).

Neste contexto, o significado da velhice reflete a perspectiva do ser

improdutivo, sem sentimentos ou incapaz de amar e participar, gerando a tentativa

de ocultar, reprimir e negar essa etapa, evidenciando a lógica do envelhecer num

mundo globalizado, que traz em seu bojo a contradição entre o ter e o ser, o ideal e

o real.

Essa visão tende a afastar o idoso do convívio social, trazendo-lhe isolamento

e solidão, que pode ter inicio no período de aposentadoria, quando a pessoa sente a

falta dos colegas e do local de trabalho, ou quando há alteração ou perdas de papéis

sociais. Segundo Kaufmann (1985), pode também desencadear no idoso o

desinteresse por acompanhar novos acontecimentos, de buscar informações,

atualizar-se e participar.

Em contrapartida, há aqueles que assumem outras posturas frente à

sociedade e à vida: quebram preconceitos vinculados ao envelhecimento, mantém

sua vitalidade, participação social e autonomia. Estabelecem outros parâmetros,

colaborando na transformação da visão social sobre a pessoa e o processo de

envelhecer.

Nesse sentido, Trindade e Ramos (1999, p. 41) citam o escritor Mário

Quintana, falecido aos 87 anos, em 1994, que tão bem registrou essa condição ao

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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escrever: *O Tempo é um ponto de vista: velho é quem tem um dia a mais do que

eu”. Tudo muda inclusive a velhice.

Como ele, uma parcela da população idosa, hoje, empenha-se em

restabelecer a função social do idoso e preparar-se para saber administrar o medo

de envelhecer, o medo da morte. Da obra de Cícero, De Senectude, Patrícia Inês

Bastidas, comenta:

Los que en si mismos no tienen ningún recurso para vivir tranquila y felizmente, juzgan incómoda toda edad; pêro los que encuentran todos los bienes dentro de si mismos, nada de Io que acontece por necesidad de Ia naturaleza lês puede parecer maio. En este género de acontecimientos, ocupa et primer lugar Ia vejez (2006).

Néri (1993, p. 46) ressalta que "a busca de condições e variantes de um

envelhecimento bem-sucedido, com boa qualidade física, psicológica e social, é

mais que um desafio ou ideal pessoal e social", para a autora constitui-se em uma

questão de toda a sociedade.

Atividades em Centros de Convivência, Universidades Abertas, trabalhos

voluntários, informática, música, arte e outros desafios, estão sendo oferecidos, por

instituições públicas ou privadas, passando a integrar o cotidiano dessa população

que almeja conservar e manter sua participação e inserção social de alguma forma.

Para Dallarí (1991), a participação do idoso é a possibilidade da pessoa em

manter sua condição de ser humano consciente, e que o transcorrer do tempo não

anula essa condição ou a destitui dela.

Participar é a palavra-chave. Participar conscientemente de todos os atos,

movimentos reflexões e discussões de nossa vida diária. Registros de inúmeras

queixas por parte de idosos em relação à saúde, à violência, a maus-tratos, ao

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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relacionamento familiar, entre outras, alertam-nos para as mudanças essenciais que

podem ocorrer nesse período da vida.

As causas são diversas: a síndrome do ninho vazio - com a saída dos filhos

de casa, a aposentadoria sem preparo, a separação do cônjuge, a viuvez, o

aparecimento de alguma doença grave ou a invalidez.

As manifestações psicossociais, geradas pelas causas citadas e aliadas à

proximidade da finitude da vida, podem significar perda de auto-estima, sentimento

de angústia, solidão e até depressão. Ao dizer "antes prevenir do que remediar",

estamos falando de ações fundamentadas numa previsão de possíveis

conseqüências.

As questões negativas e positivas do envelhecimento estão intimamente

ligadas ao tipo de atenção que o indivíduo dispensa a si mesmo. Ao deparar com um

idoso alegre, bem-humorado e sorridente, podemos afirmar que ele constantemente

é assim.

O idoso, ao considerar as chances de continuar a "ser", percebe o processo

de envelhecimento como um fato dinâmico e progressivo, que envolve crescimento e

evolução, apesar das perdas e mudanças. Os diversos movimentos de grupos de

idosos, surgidos em nossa sociedade, ganharam nesta última década uma

dimensão política e reinvidicatória. Hoje, eles já sabem que são uma grande força

política, no panorama nacional. As pessoas idosas têm percebido a importância de

refletir sobre suas próprias vidas, de reanimar interesses e expectativas, e ainda de

redimensionar sua participação social.

Cortella (1999, p. 76) corrobora com este pensamento ao afirmar que

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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“humanos nascem não-prontos e vão se fazendo", somos a cada tempo uma nova

versão, ampliada e revisada de nós mesmos, por isto não somos totalmente

originais, mantendo muito do que somos.

A Política Nacional de Saúde do Idoso, promulgada pelo Ministério da Saúde,

em 1998, incorpora o conceito de que saúde é a capacidade funcional do indivíduo,

isto é, o idoso deve ter capacidade de manter-se independente e autônomo a maior

parte do tempo possível, de assumir, com independência e tenacidade, um rol de

afazeres no dia a dia, convivendo ou não com uma doença crônica.

Para Ramos (1999), fatores genéticos, alimentação saudável e tratamentos

preventivos representam a chance de se ter um envelhecimento salutar. As ações

devem estimular o combate à tendência ao imobilismo. Há sempre uma estratégia

adequada para cada indivíduo, em cada situação.

A inclusão em programas de prevenção, com estimulação funcional e

terapêutica é uma das formas para se obter mudanças comportamentais e combater

o imobilismo, possibilitando ao idoso descobrir seu potencial e planejar sua vida

nesta fase.

Viorst (1988) considera que há diferentes "modos" e atitudes que podem ser

assumidas pelas pessoas no envelhecer, avaliando que a vivência deste processo é

facilitada e com resultados individuais mais satisfatórios quando a pessoa se

responsabiliza por este ciclo de sua vida, por suas escolhas, mantendo-se

interessada por pessoas, projetos, trabalhando-se quanto as perdas "imutáveis".

A concepção do homem como um ser em evolução, em desenvolvimento, traz

a possibilidade de que possa mudar na velhice, pois a maturidade, a cada estágio da

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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vida de uma pessoa, pode gerar forças e aptidões para empreender mudanças,

apesar de sua história pessoal.

Refere-se ainda, a autora (1988, p. 309), que nesta fase "podemos adquirir

maior sabedoria sobre a vida, maior liberdade, perspectiva e força. Podemos ser

mais amorosos com os outros, ter maior honestidade para corusco" e, portanto,

buscarmos novos caminhos pessoais de estar e ser no mundo e para com as

pessoas. Reflete que se soubermos elaborar as perdas advindas com o

envelhecimento, elas podem nos libertar a criatividade para o desenvolvimento,

prazer e nos capacitar para abraçar a vida.

Pais (2003, p. 29) afirma que "as rotas do quotidiano são caminhos

denunciadores dos múltiplos meandros da vida social [...] que a vida quotidiana é um

tecido de maneiras de ser e estar e que 'as maneiras de fazer1 quotidianas são tão

significantes quanto os resultados das práticas quotidianas".

E, aqui, vale recordar que se desejamos mudar a imagem do idoso,

desaprender valores para deixar de agir de forma preconceituosa é necessário que

as condições de saúde, socioeconômica e cultural lhe permitam uma estabilidade

física e social, que o tempo disponível possa ser aplicado no "ócio criativo",

produtivo para ele e à coletividade.

Poeticamente, Rubem Alves divaga sobre a velhice comparando-a ao

crepúsculo.

O crepúsculo é o dia chegando ao fim. O tempo se acelera: como se transformam rápidas as cores das nuvens, no seu mergulho na norte! E, paradoxalmente, o tempo fica imóvel, paralisado num momento eterno. Por isso que o crepúsculo é um momento sagrado, de oração, quando o eterno se oferece a nós numa taça efêmera. Por isso cessa o trabalho. É o momento de oração: angelus. Somente os sentidos atentos em contemplação [...] (ALVES, 2004, p. 27).

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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Mas, o envelhecimento tem seus números ou devemos apresentar os

números do envelhecer. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) a Era

do Envelhecimento iniciada em 1975, deve se estender por mais cinco décadas.

Prevê que no ano de 2050, 22% dos habitantes do globo terão mais de 60 anos

totalizando de 8 a 11 bilhões de pessoas na terceira idade, contra os 610 milhões

atuais.

O relatório dessa organização Perspectivas da População Mundial (ONU,

2003) estima que metade do crescimento da população mundial até 2050 ocorrerá

em apenas cinco países asiáticos e um africano: índia, China, Paquistão, Nigéria,

Bangladesh e Indonésia.

Como conseqüência 88%, ou 8,2 bilhões de pessoas, viverão nos países em

desenvolvimento, contra os 80% (4,9 bilhões de pessoas) de hoje, com

probabilidade de ocorrer um aumento na pobreza existente.

De acordo com as Nações Unidas (2003) hoje a população idosa distribui-se

pelos cinco continentes da seguinte forma: 1. Ásia com 53%; 2. Europa 24%; 3.

América do Norte 8%; América Latina e Caribe 7% e África com 7%. No mundo, em

cada dez pessoas, uma tem mais de 60 anos. São 11 milhões a mais a cada ano.

O Japão superou a Suécia como nação com a maior expectativa de vida do

mundo, tornando-se, em 1998, símbolo da longevidade do novo milênio, por possuir

uma população de dez mil centenários. A expectativa de vida média no Japão é de

80 anos – 76,9 anos para os homens e 82,9 para as mulheres, conferindo-lhes 5

anos a mais de vida.

Daqui a trinta anos, o grupo de idosos chegará a 40% da população da

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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Alemanha, Japão e Itália.

Quadro 1 - Estrutura da população mundial por faixa etária em 2004.

Estrutura etária da população mundial - 2004

0 – 14 anos 28,2% 925.276.767 875.567.830

15-64 anos 64,5% 1.083.789.165 2.033.226.759

65 anos e mais 7,2% 203.286.504 257.705.851

Fonte: IBGE, 2006

Schirmacher (2005) alerta para a dimensão do que denominou ‘terremoto

demográfico”. Sinaliza que, em 2005, na maioria dos países ocidentais, tem início o

fenômeno denominado pêlos demógrafos de "papy-boom", ou seja, a passagem dos

“baby-boom” – integrantes da geração nascida entre 1950 e 1964 – para a condição

de aposentados.

As projeções contidas no relatório Perspectivas da População Mundial (ONU-

2003) no tocante a tendência do envelhecimento mundial para os primeiros 50 anos

do século XXI apontam que os maiores impactos ocorrerão nos países mais ricos,

provocando:

• escassez de mão-de-obra;

• elevação dos custos da saúde e das aposentadorias na Europa e Japão;

• reavaliação da idade e das condições de aposentadoria;

• reavaliação dos orçamentos de saúde e política imigratória;

• desaceleração econômica e uma elevação dos gastos sociais nos países

• amplas reformas para mudança do sistema de previdência social, serviços

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financeiros, leis trabalhistas, de imigração e política familiar. Indicada pela

Comissão de Envelhecimento Global em relatório publicado após os três

dias de reunião na capital japonesa - Tokyo.

Paul Hewitt, diretor do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais (CSIS),

conclui:

A maior crise social do século 21 será resultado do subproduto da falta de trabalho. Sociedades envelhecidas terão que se tornar muito eficientes para evitar recessões causadas pelo envelhecimento. [...] que ameaça a sustentação do tradicional sistema de previdência, no qual os funcionários atuais pagam pêlos benefícios de trabalhadores aposentados (HEWITT apud SCHIRRMACHER, 2005, p. 8).

Schirrmacher (2005), Veras e Caldas (2004) e Prada (2002) concordam com

a declaração de Hewitt. Reconhecem a possibilidade de sobrecarga do sistema

previdenciário, causando um delicado equilíbrio entre gerações, isto é, a falta de

mais jovens/trabalhadores da ativa que mantenham o sistema para sustentar os

mais velhos/aposentados.

Marcelo Leite (2000, p. 2), jornalista do Jornal Folha de São Paulo, no ano de

2000, ao escrever um artigo especial sobre Longevidade no Brasil e no mundo, já

apontava para a questão financeiro-social do envelhecimento. Registrou: "o

envelhecimento da população mundial é a dor de cabeça de quem está pensando

em saúde e previdência com horizontes mais largos do que o ajuste fiscal exigido

pelo FMI".

Nos últimos cinco anos, não só estudiosos do assunto como também

governantes e organismos internacionais como a Organização Pan-

Saúde – OPAS, têm refletido sobre como deverão ser organizadas as estruturas

previdenciárias de recolhimento e manutenção dos benefícios para que possam dar

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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conta da realidade que se delineia.

No Brasil, algumas ações vêm sendo realizadas pelo governo federal no

intuito de introduzir e ampliar modificações no sistema previdenciário vigente,

gerando polêmica e não aceitação, pois a questão não foi lançada à discussão para

uma decisão dos envolvidos.

Os dados censitários em 2000 apontaram que a população idosa brasileira

contava com 14,5 milhões de pessoas representando 9,1% do total. Ao

compararmos os dados atuais, com os dados de 1991 constatamos um crescimento

de 35,5%.

Se confirmadas as projeções estatísticas do IBGE, da OMS e da ONU em

2025 o país somará 32 milhões de idosos, conferindo-lhe o posto de sexto país mais

velho do planeta. Nesse ano as idosas brasileiras serão em número igual ao total da

população do estado do Rio de Janeiro hoje. Dos idosos com mais de 80 anos dois

terços serão mulheres.

Segundo o IBGE (2003) e Prada (2002), no início do século XX somente 25%

dos brasileiros ultrapassavam a barreira dos 60 anos. De 1910 a 1990 a expectativa

de vida para os homens cresceu 31 anos e para as mulheres 34,5. Em média,

significa viver até 68,5 anos, porém com uma diferença entre os sexos 75,2 anos

para as mulheres e 67,6 anos para os homens, estabelecendo-se uma diferença de

7,6 anos entre ambos.

Em cada grupo de 1.000 brasileiros há 501 mulheres e 499 homens. Esses

dados representam média estabelecida para o país.

No entanto, são constatadas disparidades e fases divergentes dessa

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transição ao analisarmos as diferentes regiões e estratos sociais no Brasil, conforme

apontam estudiosos como Veras e Caldas (2004) e demógrafos do IBGE (2003,

2001), destacando-se:

• a média de vida dos brasileiros mais ricos é cerca de 70 anos enquanto dos

mais pobres é aproximadamente 50 anos;

• a esperança ou expectativa de vida na Região Sul é de 69 anos; e na legião

Nordeste é de 64 anos;

• a taxa de fecundidade da Região Nordeste de 4,0% é quase o dobro da

taxa da região Sul 2,3%;

• os idosos da Região Sudeste são 8,0% da população, contra apenas 5,4%

na região Norte;

• na região Sudeste 57,3% do contingente de idosos era formado por

mulheres, constituindo-se no maior percentual do país, ficando o menor com

o Centro-Oeste (51,6%);

• a maior proporção de mulheres chefiando a casa ocorre na região Nordeste,

com 25,9%, seguida da Sudeste, com 25,6%;

• a distribuição de renda entre os idosos é: 69,4% vivem com até dois salários

mínimos; 19,4% com dois a cinco salários mínimos e 11,2% tem renda

acima de cinco mínimos;

• os municípios que têm mais idosos no país são Colinas e Santa Tereza, no

Rio Grande do Sul, com 15,60% e 15,21% respectivamente.

Essa "heterogeneidade" demográfica demonstra a importância da

versatilidade ao se elaborar programas e políticas para o Brasil. O envelhecimento

brasileiro trás consigo suas origens: ocorreu num cenário de pobreza, com

desigualdades econômicas e sociais presentes tanto na distribuição geográfica da

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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população, quanto nas estruturas de serviços oferecidos, dificultando atender às

demandas desse grupo.

Paschoal analisando as expectativas de vida ao nascer e aos 60, 70, 80 anos

comparativamente entre os sexos e países, conclui que, "em todos os países,

situações e momentos examinados, a expectativa de vida das mulheres é maior que

a dos homens, aplicados para os dois índices examinados" (1996, p. 35).

Afirma que há uma superioridade feminina no tocante ao número de anos por

viver, em todos os grupos etários e épocas consideradas de 1900 a 1991. Os dados,

da população na Rússia, são um bom exemplo onde a esperança de vida média é

de 64,8 anos, chegando os homens até os 58 anos e as mulheres 71,5 anos,

representando 13,5 anos de diferença.

A denominação "feminização do envelhecimento" foi utilizada pela demógrafa

Elza Berquó (1999) ao analisar dados sobre a população idosa em 1999,

destacando, também, a existência de maior concentração de idosas nas áreas

urbanas em todas as grandes regiões do país:

• 71% das mulheres que moram sozinhas têm mais de 50 anos;

• 13% das mulheres de 60 a 74 anos vivem sozinhas;

• 21% das mulheres de 75 anos ou mais também não dispõem de

companhia em casa;

• das 11,2 milhões de mulheres responsáveis por suas casas, 3,4 milhões

têm mais de 60 anos;

• nas regiões Sul e Sudeste as mulheres que moram sozinhas com mais de

50 anos respondem por 72,1% e 73,2%, das casas respectivamente;

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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• no Nordeste, merecem destaque os Estados de Alagoas, com 81,5%, e da

Paraíba, com 80,8%;

• o número de homens que moram sozinhos com idade superior a 50 anos é

de apenas 42,4%. Entre os mais velhos, de 60 a 75 anos é de 8,6%.

As diferenças entre os sexos refletem uma realidade que pode ser explicada

não só pela maior expectativa de vida das mulheres, mas também como produto de

forças culturais, sociais, de valores pessoais que foram internalizados.

A antropóloga Miriam Goldenberg sintetiza e justifica com seu depoimento,

baseado em pesquisas que vem realizando, os dados computados pelo Censo de

2000. Ela declara que:

[...] é justamente a partir dos 50 anos que os homens começam a casar novamente e, normalmente, com mulheres mais jovens. É cultural, eles são ensinados que a mulher mais jovem é mais atraente, se têm chance de escolher por que ficariam com uma mulher da idade deles, que é desvalorizada no mercado afetivo sexual? [...] A menor tolerância à solidão explica a diferença (GOLDENBERG apud LAGE, 2005).

Essas considerações da autora assemelham-se a de estudiosos como Tamai

(1997), Bakschi e Miller (1999). Os últimos, com pesquisas efetuadas junto à

população idosa norte americana, registraram dados aproximados aos de nossa

realidade.

Mas, como outros advertem, existirá uma diminuição entre os índices hoje

observados em razão das mulheres terem aumentado comportamentos prejudiciais

e não porque os homens modificaram o seu positivamente.

Para Goldenberg há mulheres com idade acima de 50 anos que optam por

morar sozinhas por que associam essa situação a liberdade. Estiveram casadas,

dedicaram-se aos cuidados com a família e agora "experimentam uma liberdade e

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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uma forma de viver que não estão mais tão associados a uma vida sexual ativa,

podem ter um tipo de sociabilidade feminina grande, com idas ao teatro, ao cinema,

viagens” (GOLDENBERG apud LAGE, 2005, p. 2).

As transformações sócio-culturais ocorridas ou em marcha no mundo

contemporâneo vêm alterando valores, normas, atitudes e comportamentos que

modificam o papel da mulher na sociedade, refletindo em sua participação no

mercado de trabalho e na família.

Fenômenos como a feminização do envelhecimento, da pobreza e a elevação

do número de famílias monoparentais, notadamente com chefia feminina, apontam

necessidades e exigências que devem ser enfrentadas pela sociedade,

principalmente pelos programas de proteção social.

O fato de o envelhecimento ter uma preponderância feminina impõe

condições à deliberação de políticas para esse segmento, que deverão considerar

as peculiaridades de gênero e as condições objetivas de vida das mulheres idosas.

Uma questão de gênero a ser equalizada é a postura frente à aposentadoria e

o envelhecimento. Rubem Alves (2004) tece considerações sobre a diferença de

atitude do homem nessa questão. Ele aponta como fator das mulheres

envelhecerem melhor que os homens o fato de estarem vinculadas a casa.

A casa é seu espaço. São as donas da casa. Ali é o seu domínio, [...] Mas os homens viveram a vida toda fora da casa. Aquele não é o seu espaço. São intrusos. Lembro-me, da minha infância, as mulheres em Minas expulsando seus maridos da casa nas manhãs de sábado com as palavras: "Lugar de homem é na rua". Aí, o que acontece? O homem morre, por não ter um espaço seu. Sem um espaço que seja seu resta-lhe jogar dominó, ver televisão e morrer. A aposentadoria pode ser letal (ALVES, 2004, p. 86).

Esses comportamentos são reflexos dos papéis socioculturais engendrados

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Capítulo 1 – Envelhecer em um mundo em mudanças

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pela sociedade para os gêneros, onde as diferenças existentes são apresentadas

como naturais e inquestionáveis, que a chegada da maturidade exige repensar o

que foi estipulado socialmente.

No caminhar do envelhecimento desse grupo populacional, em que as

mulheres, a cada dia, passam a representar maior número, às questões de gênero

se acrescenta mais um fator de descriminação e preconceito, ou seja, a velhice;

compondo a dupla discriminação à qual a mulher estará sujeita e deverá enfrentar.

A terceira Idade, particularmente para a mulher, pode se configurar como um

período de incertezas e talvez, por isso mesmo, faça cumprir o pensamento que diz:

“a lei da morte é a inércia, a lei da vida é a mudança".

De qualquer maneira, este pode ser o tempo da grande virada, onde homem

e mulher construam espaços sociais equitativos para si, num sentido libertário.

Mas, hoje, em todo o mundo a feminização do envelhecimento é real e se

impõe.

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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O passado é história, O futuro é mistério,

O agora é uma caixa de surpresas. Por isso, nós o chamamos de presente.

Provérbio do ciberespaço Paulo Coelho.

e Ataulfo Alves, com Amélia (1941), a Erasmo Carlos,

com Mulher sexo frágil ( 1981) (Anexo B), distanciam-se os anos que comprovam

ser a vida um processo constante de relacionamentos, movimento, contradições e

transformação.

Os versos cantados por diferentes gerações, principalmente aquelas que

passaram dos sessenta anos, registram e legitimam concepções sobre a condição

de ser mulher, as resistências e contradições que surgem frente ao novo e por fim o

gradativo e contraditório reconhecimento de seu espaço.

Nas linhas e entrelinhas da música Amélia, identificamos um modelo

masculino de sociedade, patriarcal e autoritária, que demarcou as relações,

notadamente as de gênero, desde a colonização do Brasil, solidificando estruturas

próprias, como o machismo brasileiro, disseminador da violência contra a mulher.

Em contrapartida, na música Mulher, consideramos que há uma disposição na

sociedade em reconhecer a capacidade, diversidade e complementaridade entre os

indivíduos, pois segundo o historiador Rodrigo Elias Caetano Gomes, seu mestre o

Prof. Ilmar Rohloff de Mattos, ensinava que: "a mudança no vocabulário indica

mudança na sociedade" (GOMES, 2005, p. 1).

D

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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Gomes ressalta que aparentemente ao chamar a atenção para o óbvio o Prof.

Ilmar, desejava ressaltar a importância de se pensar sobre a historicidade do objeto,

de inscrevê-lo em um espaço e tempo e também como é complicado enquadrar

realidades em "esquemas ou conceitos que a elas são externos" (2005, p. 1).

Assim, refletindo sobre a história construída pela mulher durante o século XX,

constatamos que, apesar das conquistas efetuadas em diferentes campos, de

identificarmos mudanças quanto a sua função social e sua contribuição à

manutenção da família lhe atribua o papel de co-responsável na chefia da casa, as

relações sociais, interpessoais de gênero, ainda são marcadas por resquícios da

sociedade patriarcal, autoritária, que tem na violência um meio de legitimação

presente em nossa sociedade.

E, novamente, a música fornece o exemplo, uma vez que as diferentes formas

de expressão artística falam das questões, sentimentos e situações presentes na

vida cotidiana das pessoas, dos grupos, citamos as do movimento Funk, que tem

levado inúmeras pessoas a repetir, engolir, sem refletir "um tapinha não dói [...] só

as cachorras [...] as preparadas [...]".

São letras que escamoteiam a violência contra a mulher, onde a agressão é

interpretada como intrínseca às relações entre os sexos. São musicas de sucesso,

com ampla aceitação social. Não suscitam indignação, protesto ou surpresa do

público. Ao contrario, com o ritmo, o balanço, trazem diversão, fazem o público

dançar.

No entanto, na inocente aparência a mensagem subliminar pode estimular,

legitimar e perpetuar entre as pessoas a pratica da violência e os valores que a

embassam.

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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O jornalista Luciano Trigo (2001) em seu texto Um tapinha não dói

argumenta:

[...] pode não doer, mas o que ele representa é doloroso, pelo menos para alguém do século passado [...] após anos de luta feminista contra a opressão do macho observamos diversas conquistas serem desprezadas, irem para a lata de lixo da historia [...] as feministas devem estar vendo, consternadas, suas filhas embarcarem no bonde do Tigrão (TRIGO, 2001).

Poderiam também exclamar: Ah! Contradições da condição feminina! Ah!

Dificuldade de nos enxergamos como sujeitos. Ah! Cultura... que utiliza desses

mecanismos desde sempre. E para recordar lançamos mão da também inocente

cantiga de roda O cravo e a Rosa, lembram-se? "O cravo brigou com a rosa.

Debaixo de uma sacada. O cravo saiu ferido. E a rosa despedaçada. O cravo ficou

doente. A rosa foi visitar. O cravo teve um desmaio. A rosa pôs-se a chorar". E nós

a repensar.

As representações que estigmatizam, inferiorizam, restringem a mulher ou a

segregam, pode ser verificada em outros exemplos como o da linguagem onde, de

acordo com as normas gramaticais, deve-se utilizar palavras masculinas nas

referências a coletivos de ambos os sexos.

Chauí (1989) explicita que a sociedade brasileira é autoritária, porque

conheceu a cidadania por meio da imagem do senhor - cidadão que perdura como

privilégio de classe. É uma sociedade onde as diferenças sociais e pessoais são

convertidas em desigualdades, que se transformam em relações hierarquizadas de

mando e obediência presentes na esfera pública e privada, atravessando a cultura e

as relações interpessoais.

O patriarcado configura-se como o mais antigo sistema de dominação-

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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exploração. Os cientistas sociais acreditam que o homem tenha estabelecido seu

domínio sobre a mulher há cerca de seis milênios, tendo a família ocidental moderna

desenvolvido seu modelo pautada nos hebreus antigos, cujo padrão de estrutura

familiar era a patriarcal.

Enquanto sistema sociopolítico interfere tanto na produção material quanto na

produção (ou reprodução) de seres humanos, que devem ser compreendidos como

uma unidade, uma vez que a divisão da população em classes sociais é, para

Staffioti (1987, p. 145),

[...] outra fonte de dominação, concebida como legítima quer por aqueles que detêm poder ou não. [...] o sistema de classes não se realiza exclusivamente no plano econômico, é uma realidade multifacética, onde tem lugar outros tipos de dominação: social, cultural, política, ideológica, além da econômica.

As mulheres também comprovam esse domínio quando desempenham

funções do patriarca disciplinando filhos, e outras crianças e adolescentes, segundo

as regras masculinas, colaborando para alimentar o sistema vigente. Porque se o

poder constituído era do homem, cabendo-lhe a supervisão geral e a administração

dos bens, à mulher estava destinada a formação dos filhos, a administração da casa,

ser guardiã da moral, dos bons costumes e do afeto da família.

Pinsky e Pedro (2003) esclarecem que recebemos de herança do Iluminismo

o receio do poder e influência das mulheres na política, na cultura e na vida social,

decorrente das ações de rainhas, cortesãs e nobres dentro e fora das cortes. A

consideração maléfica das influências femininas foi generalizada.

Conforme as autoras a atuação feminina em áreas como cultura e política

consideradas masculinas foi rejeitada em favor da mulher doméstica, que opta pela

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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família como centro de sua vida.

O desligamento das mulheres dos negócios da família acontece a medida que

o capitalismo se desenvolve na sociedade industrial gerando um aumento da riqueza

das nações e o crescimento das classes médias nas áreas urbanas. Com isso as

mulheres passam a utilizar o tempo disponível com atividades de lazer, religiosas,

cuidados da casa, da família e outros considerados de "bom tom".

É nesse momento, segundo Pinsky e Pedro( 2003), que o fato das mulheres

deixarem de trabalhar tanto fora do lar como dentro dele, contratando empregados

para os serviços domésticos, sinaliza status, porque passa a ser identificado com o

sucesso econômico do marido como provedor e administrador.

Os ideais denominados de tradicionais do perfil feminino e masculino têm

possibilidade de se expandir e popularizar no século XIX e XX. O homem deveria

segundo Pinsky e Pedro ser:

[...] alguém racional, agressivo, corajoso, capaz de tomar decisões lúcidas, empreendedor e dominador, apto à vida pública, enquanto a mulher deveria ser sentimental, passiva, casta, vulnerável, dependente e destinada ao lar. [...] intensifica-se também o peso do lar - tido como um refúgio precioso das obrigações do mundo "masculino" dos negócios e da pol ítica, local de aconchego e moralidade [...] a maternidade em desenvolvimento (mães devotadas, que amamentam, educam seus filhos, nos primeiros anos de vida e administram a formação das moças) exigia por sua vez mais tempo e energia (PINSKY; PEDRO, 2003, p. 271).

A difusão desses ideais possibilitarão criar estereótipos sobre a natural

capacidade masculina para o uso do poder e a incapacidade da mulher para o

mesmo, como também a visão de incompatibilidade entre trabalho e maternidade,

principalmente para as mulheres de "boa família".

As mulheres pertencentes às classes mais empobrecidas - trabalhadoras e

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camponesas - não tinham como seguir o ideal da domesticidade, levando-as a

realizar adaptações, como a conciliação do exercício de ocupações dentro do lar.

No campo, o trabalho de produzir os víveres fundamentais para a

sobrevivência da família é responsabilidade dos homens, em particular do pai. As

tarefas realizadas pelas mulheres e filhos são consideradas como ajuda. À mulher

compete, além das tarefas domésticas, as atividades que são desenvolvidas em seu

espaço como produção de doces, pães, artesanatos, entre tantos, não sendo

considerados como trabalho.

Ao rapaz é permitido sair mais, ir mais longe enquanto as moças devem sair

com a família e permanecer com ela, não só porque colabora nos serviços

domésticos, mas para ser vigiada para que não "caia na vida".

A atuação feminina, em searas masculinas, era interpretada como evidência

de desordem e corrupção. Evidenciam-se as diferenças socialmente construídas,

fazendo-se distinção entre a "mulher respeitável" e a "não respeitável".

Nesse contexto as discriminações e desigualdades, ganham guarida, mas a

realidade estimula as reivindicações femininas, o surgimento do feminismo e o

engajamento da mulher nos diferentes movimentos sociais que se formavam.

Dessa maneira, um sim ao marido poderia esconder muitos senões, porém a

prole continuou a ser educada para desempenhar os papéis socialmente esperados.

Whitaker pontua que a família,

[...] enquanto 'agência' educadora funciona como correia de transmissão do sistema social, na medida em que é, inicialmente, a responsável pela construção dos modelos de meninos e meninas. Exerce uma ação domesticadora sobre ambos os sexos, mas não indistintamente, posto que [...] o modelo feminino é muito mais artificial, envolvendo maior grau de repressão e subordinação. Sob a aparente indíferenciação entre as

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crianças, ocorre um processo de socialização diferenciada (WHfTAKER, 1989, p. 25).

Em todos os aspectos da vida cotidiana essa verdade é presente, pois as

relações de gênero perpassam todos os espaços sociais e em todos os momentos

da existência humana.

Agnes Heller nos ensina que se o cotidiano familiar internaliza o aprendizado,

modelos, hábitos, padrões de comportamento é também nesse espaço micro-social

que podem ocorrer transformações, é mudando as relações dentro da família que

poderão ser alteradas as da sociedade.

Para feministas e historiadores como Pinsky e Pedro o século XX pelos

avanços e conquistas femininas é considerado o “século das mulheres [...] mas não

podemos, ainda, considerar que o século XX tenha fornecido às mulheres a plena

cidadania (2003, p. 293).

Viver sob a custódia masculina representou à mulher o ónus de ter que

adentrar para o mercado de trabalho por meio de profissões extensivas aos papéis

domésticos, no setor primário da economia, diferenciando-se por escolaridade e

classe social.

As mulheres analfabetas ou com pouca escolarização foram trabalhar como

domésticas, costureiras, cozinheiras, auxiliares de enfermagem entre outras e

aquelas com melhores posições sociais e escolarização nas atividades de nível

médio, no ensino, nas áreas administrativas e comércio.

A possibilidade das famílias passarem a usufruir de um padrão econômico

melhor permitiu que um número maior de mulheres pudessem deixar de trabalhar

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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durante uma parte de suas vidas ou somente por meio período, o que foi

interpretado como normal após o casamento.

O casamento como via de inserção e posição social da mulher é real em

nossa história. Bruno tecendo considerações sobre os estudos de Erik Olin Wright

sobre a posição social da mulher casada na década de 80 assinala que “as mulheres

não se inseririam só a partir de seu trabalho na sociedade, mas também a partir da

inserção dos demais membros da família e vice-versa” (1992, p. 118).

No entanto, essa face da realidade não impossibilita o avanço da participação

das mulheres, que vão adentrando aos diferentes níveis de divisão do trabalho e de

suas relações de classe.

O desenvolvimento industrial chama a força masculina para a indústria e abre

as portas para as mulheres em atividades de escritório. Com a ampliação de

espaços, desde os anos 70, a mulher engrossa a parcela da população

economicamente ativa e com emprego assalariado, em todos os países ocidentais,

dentre eles o Brasil.

Se, por um lado, a mulher ao entrar para o mercado de trabalho ampliou o

poder feminino por outro também não deixou de responder pelo domínio do lar,

acarretando-lhe as duplas ou triplas jornadas de trabalhos, que lhes desgastam

física e emocionalmente.

Entre lágrimas e risos, as mulheres vão às ruas. Com suas ações, valores,

crenças e impressões alteram e influenciam o cotidiano e as relações, respondendo

também pelas mudanças nas mentalidades desse século. A explicitação da

categoria Gênero é construída pelas feministas e o universo feminino começa a ser

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esquadrinhado. Gênero, enquanto construção social,

[...] vincula-se à elaboração de ideias sobre espaços, posições, situações e comportamentos socialmente requeridos ou atribuídos. Em cada momento histórico espec ífico, um processo de socialização, efetivado por indivíduos e/ou instituições, responde pela intemalização, nos sujeitos sociais dos traços constituintes da sociedade em que se inserem. [...] Em sendo as relações de género transversais, perpassam todos os espaços sociais, todas as instâncias da existência humana; se podem ser observadas no universo doméstico e no profissional, também fazem-se presentes nas elaborações simbólicas, nas representações sociais (VANNUCHI, 2005).

Na prática, o gênero está presente desde que homens e mulheres surgiram

na face do mundo, uma pessoa pode viver situações concomitantes em mais de uma

matriz de gênero. Por exemplo, a mulher ao cuidar de seus filhos é uma mãe

afetuosa e zelosa; com o marido, é "frágil" e amorosa; no trabalho, assume a postura

de profissional competitiva, autoritária, típica "postura" do género masculino. Essa

contradição detectada é iniciada com o estabelecimento da ordem patriarcal.

Análises formuladas pela Profª. Drª. Heleieth Saffioti, em aulas ministradas no

período entre 15 e 16/04/2003, na DMR HCFMUSP, referem que o processo de

socialização pelo qual todos nós passamos atribui diferenças "naturais" entre os

sexos com nítida divisão sexual do trabalho. Neste processo, são desenvolvidas

capacidades e habilidades diferentes nos homens e mulheres.

A mulher que envelheceu nesses anos foi a que conquistou reivindicações

pontuais como o direito de votar e receber votos; direito a exercer profissões liberais;

direito a a salário igual; direito à instrução; direito ao divórcio, aumentou sua

participacão social a partir de 1970, tanto nos movimentos sociais (com grande

participação de mulheres das camadas médias da população), como nos

movimentos populares, especialmente os das periferias urbanas.

Segundo Alambert (1997), essa realidade pode ser veríficada, por meio dos

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diversos movimentos populares entre eles os de donas de casa, os de mães e os de

lutas pelas creches; e, por outro, nas lutas das feministas, entendendo-se feminismo

nos termos de que Saffioti emprega, ou seja, "em uma perspectiva político-científica

que tem por objetivo criar mecanismos políticos para a construção da igualdade

social entre homens e mulheres, além de colaborar para ampliar o acervo de

saberes" (1999, p. 160).

Essa mulher também descobriu as especificidades femininas: o corpo, a

sexualidade, os direitos reprodutivos, a complementaridade no trabalho, a ausência

do tempo extraordinário para si, a maternidade como função social; e, o que foi mais

importante, a ideia da construção cultural dos géneros masculinos e feminino de que

nunca seremos iguais se nossas "diferenças" não forem preservadas.

O mercado de trabalho definiu e define condições para a participação

feminina de acordo com suas potencialidades de inserção. Nesse sentido várias

características pessoais tais como condição marital, número de filhos, escolaridade,

idade, entre outras podem facilitar ou dificultar seu ingresso no sistema produtivo,

gerando alterações significativas no cotidiano feminino.

Lutar por seus direitos humanos e sociais, entrar para o espaço masculino -

feito por eles e para eles - implicou em buscar parâmetros para seguir e também

jogar com as mesmas regras, o que determinou, segundo Furlan (2004) e Ander-Egg

(1973), que a mulher se espelhasse no modelo de poder que conhecia: o masculino.

Essa atitude, segundo os autores e feministas como a indiana Shiva, fez com

radicalizassem os comportamentos adotados tornando-se mais autoritárias,

centralizadoras e hostis do que os homens, não desenvolvendo um modelo feminino

de identificação.

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Para Furlan (2004), esses acontecimentos geraram uma dificuldade de

comunicação homens e mulheres, prejudicando a possibilidade de construírem uma

éncia pacífica, de complementaridade e trocas. Ela pergunta:

Quem saiu perdendo com isso? Novamente a mulher, que é muito mais vulnerável à falta de comunicação e afeto. Na busca pela merecida liberdade, ela acabou escravizada. Mas, dessa vez, suas algemas são uma sensação permanente de solidão, um enorme vazio interior e uma constante insatisfação, extravasada na competição invejosa e maléfica com o mesmo sexo. [...] Isso ocorre porque agir, pensar e viver como homem fragiliza demais a mulher, inclusive fisicamente (FURLAN, 2004, p. 43).

Da década de 1960 para os nossos dias, ocorreram alterações na legislação

brasileira que possibilitaram à mulher adquirir gradativamente, espaço, autonomia e

direitos, porém só o Novo Código Civil, promulgado em 2002, é que efetivamente

contribui para a existência de equidade entre os sexos na sociedade brasileira.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil a Constituição

de 1988 favoreceu "avançar a situação jurídica das mulheres no Brasil. Essas

conquistas foram incorporadas e realçadas nas constituições dos estados, em 1989,

e nas leis orgânicas dos municípios, em 1990".

A nova legislação reconheceu a igualdade entre homens e mulheres. Mesmo

assim, as mulheres, que representam pouco mais da metade da população (50,1%,

em 1990), ainda encontram dificuldades para participar plenamente de todos os

aspectos da vida econômica e política. As reformas legislativas contribuíram para

diminuir a discriminação contra as mulheres, mas continua a haver dificuldades para

transformar essas inovações jur ídicas em práticas de rotina.

Nesse sentido, o jurista e Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite (1997, p. 28) ao

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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discorrer sobre a concepção de família, seus modelos e arranjos contemporâneos,

sob a ótica dessas modificações legais, considera que a evolução registrada, pelo

legislador, dá visibilidade não só a situações e fatos novos, mas "também a moral

implícita com a qual eles são considerados".

Essa legalização revela que, de diversas formas e instâncias, a mulher

brasileira tem trabalhado em seu cotidiano procurando decompor os estereótipos

vinculados à condição feminina, buscando viabilizar para si equidade social.

Na família, identificam-se alterações em sua concepção, relações,

comportamentos e papéis sociais. Como consequência, os dados estatísticos

constatam tanto no Brasil como em outros países do mundo, uma diminuição no

número de seus componentes, identifica-se a existência de um "embaralhamento"

de papéis e que os novos arranjos, dificultam realizar uma definição única para

caracterizá-la.

Ao abordar essa questão, Todo (2001, p. 3) afirma:

Se há algum tempo a família - com país (heterossexuais!) e filhos (somente deste casamento!) - expressava a realidade da maioria dos núcleos, ela passa a ser cada vez menos frequente no quadro atua) [...] Se, há pouco tempo, os comportamentos familiares eram guiados pêlos "hábitos da família de classe média", e todas as demais formas de viver eram consideradas "erradas", aos poucos, como em todos os movimentos sociais e comportamentais, o padrão foi se modificando e se pluralizando. Os meios de comunicação, o processo de globalização e os movimentos de imigração, típicos desta segunda metade de século, contribuíram para que o modelo familiar se diversificasse.

São legitimados outros modelos de famílias o que leva ao rompimento do

paradigma do modelo familiar tradicional, cujo conceito legal de família era

reconhecido a partir da relação decorrente do casamento.

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

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É necessário registrar que conviveram, com a família "nuclear", outras formas

de família frente as circunstâncias vivenciadas pelas pessoas. São grupos que

incluem componentes não pertencentes a ele como avós e avôs viúvos, órfãos e

mães solteiras, filhos casados o que leva a coexistência na mesma casa de três ou

quatro gerações.

A natureza entre as relações dentro da família se transformou ao longo do

tempo. A maior dificuldade dessa evolução está, sem dúvida alguma, ligada ao

questionamento da posição económica das mulheres dentro da família, inclusive da

distribuição dos papéis, especificamente, masculinos ou femininos.

Com essas e outras questões em sua história, são as mulheres que, ao

envelhecer, buscam novamente caminhos para vivenciar essa nova fase de sua vida

com as contingências históricas na qual estão inseridas. Os grupos de terceira Idade

e os de convivência comunitária vão oferecer os espaços por elas demandados.

Goldemberg (apud LAGE, 2005, p. 4) afirma que as características da

brasileira

[...] contribuem para tomar essa forma de viver mais feliz, com a participação em clubes, igrejas e rodas de amigos. Em países como o Japão, a antropóloga cita casos de pessoas que "alugam parentes" para não passarem pelo constrangimento de não ter ninguém ao lado. É uma sociedade despreparada para a solidão.

Hoje, as mulheres com mais de 60 anos, acompanharam e viveram de forma

ao mesmo tempo singular e diferenciada as transformações socioculturais e políticas

do século XX, que geraram uma convivência cotidiana com um legado de valores

tradicionais e modernos, bem como com suas resultantes. Pertencem a grupos

sociais heterogêneos, que teceram, ao longo do tempo, o jeito de ser mascuino e

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Capítulo 2 – Viver o Cotidiano, Tecer a história. A mulher do século XX.

70

feminino, implicando em construções e delimitações de espaços e relações.

Para refletirmos sobre a trajetória das mulheres utilizo a síntese efetuada por

Pinsky e Pedro no capítulo Igualdade e Especificidade, do livro História da Cidadania

que nos diz:

De simples "costela de Adão" à conquista da cidadania plena, é uma longa trajetória ainda não completada pelas mulheres. Mesmo no Ocidente, onde o avanço é maior e a subordinação social das mulheres tem se reduzido sensivelmente, elas ainda sofrem com a violência, salários menores, preconceitos de diferentes tipos. Que dirá em países africanos ou islâmicos em que são vistas como apêndice do homem, na melhor das hipóteses? Contudo [...], avançamos. Que as várias vitórias obtidas sirvam-nos de inspiração para as lutas futuras (PINSKY; PEDRO, 2003, p. 304).

E acrescentamos que são necessárias duas pessoas para dançar um tango!

Isto é, relacionamentos envolvem sempre mais do que uma pessoa, e o sucesso do

que almejamos depende do bom entendimento das afinidades e diferenças.

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CAPÍTULO 3

MULHER VIÚVA. O QUE SERÁ

O AMANHÃ ?

Título de Viuvez

Viúva Alemã Inicio séc. XX

Viúva Brasileira década de 90 séc. XX

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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Morreu meu marido No meio das flores;

Acabou-se a alegria, Acabaram os amores.

Coberta de luto, De luto fechado,

Semanas inteiras Eu tenho chorado.

Ai, ai, eu vou,

Eu vou morrer Em teus lindos braços

Eu vou falecer POBRE VIÚVA

Cantigas de Roda, Folclore Brasileiro.

obre Viúva, Viúva Alegre, Viúva Regateira, Viúva Negra, Viúva Bruxa,

Viúva Nova, Viúva Ardente, Viúva, porém Honesta, Viúva Branca3, Viúva Órfã 4 e

outros tantos adjetivos têm sido utilizados para qualificar ou desqualificar o estado

civil da mulher cujo companheiro morreu.

Entre realidade, mitos e fantasias a imagem e o papel de viúva vem sendo

historicamente construído, sincronizado aos padrões morais e sociais vigentes. Pode

significar acréscimo de restrições ao papel de mulher e favorecer práticas sociais

excludentes, ampliando as desigualdades de gênero existente nas diferentes

sociedades. Aos homens as limitações impostas, quando existentes, são menores

ou inexistentes.

Mas... podemos nos questionar O que é uma viúva? As pessoas mais

brincalhonas responderiam: - é a única mulher que sabe onde o marido está; Aurélio

3 Mulher que enviuvou sem ter conhecido sexualmente o marido. Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Nova Fronteira. 1994. p. 2070. 4 Tipográfico Linha quebrada. Cf. FERREIRA, 1994, p. 2070.

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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Buarque lexicógrafo brasileiro define como: "Mulher a quem morreu o marido e que

não voltou a casar-se" (FERREIRA, 1994, p. 2070); - Um índio da tribo tupi a

designaria de "kunhã-mene'õ", "mulher-viúva do marido morto", nessa língua o

possuído vem imediatamentTj 0j a do(possridr, um hinduo da catao bh�amae diaria ) Tj 0 -20 TD 0.078 Tc-0.336 Tw queu�e �ism- tou(viúvaardment.-) Tj9 5.25 0 TD 0 Tc -0.336 Tw ( ) Tj-1538.75 397.75 TD 0.0326 Tc .60551 Tw Na Assu�ariauma mMulhersc�e seriareconheci da comu(viúvaseu o marido esogiro ) Tj -35.25 -27.75 TD -0.171 Tc20.281 Tw tivnesuem morrido eela (nãoti ) Tj 63.75 0 TD 0.1499 Tc 180531 Tw (nesu, nnhum filho4, morj 0ou oteromueriare sevadro ) Tj 63.75 -27.75 TD -0.4869 Tc 146236 Tw para mMulhej a que(nãodispusnesuem deum homuempara proteguÓ) Tj 389.5 0 TD -0.246 Tc 0 Tw (-) Tj 4.5 0 TD -0.0875 Tc . 7981 Tw las u, nem eioso

- u�eum adjetivo.:c 1eprivadrodu,a quetvemfaltaodu,ao depojadr; II e -

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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O tema da viúva explorada que logo fez por se consolar e se casar de novo

em rápidas núpcias, é largamente difundido desde a Antiguidade, a exemplo no

Satiricon, de Petrónio, que relata a história de uma matrona em Éfeso; La Fontaine

voltará a tratar do mesmo assunto numa das suas fábulas (VI, 21); Voltaire,

inspirado num conto chinês, no Zadig (cap. II: «O nariz»), Gautier Le Long, e outros.

Outra imagem recorrente é a da viúva pressionada pela família a realizar novo

matrimonio como forma de manter-se sob proteção e controle social. Artur de

Azevedo, em seu conto A viúva de Estanislau6 ilustra essa situação. Abaixo citamos

a fala do pai de Adelaide a viúva:

Minha filha, numa terra de maldizentes como este Rio de Janeiro, a reputação de uma viúva moça e bonita corre tantos perigos, que a melhor resolução que tens a tomar, para fazer respeitar a memória honrada do teu Estanislau, é casares-te em segundas núpcias. Uma única dificuldade haveria para isso: o marido; mas neste particular, minha filha, foste de uma fortuna fenomenal. O Miranda caiu-te do céu! Olha, eu, se tivesse que escolher um genro, não escolheria outro -, e tu, se te casares com ele, darás muito prazer a tua mãe, e tornarás feliz a minha velhice (Azevedo, 2005).

Bremmer (1995), antropólogo norte-americano, coordenou a publicação de

um conjunto de estudos sobre tradições religiosas, aspectos jurídicos e normas

socais existentes para o papel de viúva no mundo, até a década de 70, concluindo

que é difícil definir um papel "típico de viúva".

Ele justifica argumentando que a diversidade cultural e religiosa existente

produz uma experiência feminina diferenciada, em função dos períodos históricos e

regiões, dos estados legais reconhecidos socialmente e pelas condições

econômicas existentes. 6 Ver o conto completo no Anexo D.

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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Em comum, esses estudos verificaram a condição econômica e social das

viúvas e constataram a existência de uma variedade de controle e restrições

aplicadas a elas. Para os homens, tais aspectos são menores ou inexistentes.

Frequentemente as viúvas vestem roupas consideradas pelo grupo social

como apropriadas em cor e estilo, um tipo de cabelo, véu sobre o rosto. São

determinados padrões de comportamentos como dedicarem-se a oração, a caridade,

aos netos, a família, apresentar-se com aspecto entristecido, viver isoladas,

casarem-se com o sogro ou outro parente do marido, entre outros.

Entre os católicos até meados do século XX era comum que a mulher após

enviuvar assumisse a vida religiosa. Harvey (2003), ao comentar sobre as

vestimentas e hábitos relacionados aos ritos de morte na Inglaterra do século XIX,

descreve-os com riqueza de detalhes fornecendo elementos para refletirmos sobre o

significado atribuído a esse momento, que demarca a ruptura com o cotidiano

anterior para a família e principalmente para a mulher. O autor conta:

Havia muitas mortes na vida das cidades vitorianas - tornadas ainda mais visíveis porque os corpos eram velados nas casas. [...] houve uma elaboração pêlos vitorianos de uma espécie de teatro formai da morte. Sem dúvida houve um aumento no uso do negro em funerais, com plumas negras no carro funerário, plumas nos cavalos, bastões e varas cobertas de negro, e bandejas de penas negras que eram carregadas pêlos agentes funerários. Havia também a decoração funerária nas casas, ornamentos negros para a mobília, gaiolas de pássaros negras,e até roupas de baixo femininas para a ocasião. Se a escuridão social era encontrada principalmente entre os pobres, o negro fúnebre e o prolongado período de luto - e, em seguida, de meio-futo - eram mais comuns quanto mais se subia na escala social (2003, p. 223).

O elevado índice de mortes é uma das conseqüências do desenvolvimento

industrial em marcha, que acelerou o processo de urbanização, provocado pelo

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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êxodo rural dos camponeses às cidades, despreparadas para recebê-los, havia falta

de saneamento básico, de habitações condizentes que levaram a criação de

inúmeros cortiços acarretando epidemias por doenças infecto -contagiosas e outros

males que se propagam e desconhecem os limites de classes sociais, atingindo as

pessoas de forma igualitária.

Por seu poderio econômico e pioneirismo no desenvolvimento capitalista a

Inglaterra passa a ser modelo para os demais países, desta forma, chegando ao

mundo a moralidade vitoriana, vigilante da moral, dos bons costumes, rígida, que

transforma em virtude a severidade que empregava. Os corretivos na educação, no

exército, na família, nas prisões como forma de disciplinamento e controle.

Harvey (2003, p. 236) ao discorrer sobre o uso da cor negra nesse contexto

afirma:

[...] o negro é a única cor a ser escolhida por uma moralidade que é sustentada pelo temor. [...] Mesmo que o Cristo não baseie seus ensinamentos morais no medo, o medo, seja do purgatório seja da danação, tem lugar importante no cristianismo mais recente.

O papel de viúva emerge nos preparativos da cerimônia fúnebre, com a morte

do papel de esposa, ambos são moralizados e normatizados de forma a subordinar

a mulher, porém o de viúva tende a tolher ainda mais a mulher. Agora ela não dispõe

de um homem que evite fazer bobagens.

As cores preta e branca se fazem presentes, uma em cada ocasião e seu

significado, no casamento o branco que denota a virtude e o preto no funeral que

contará do seu pesar e sofrimento. Na moral vitoriana não há espaço para o prazer

ou a leveza do espírito.

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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No Brasil as regras foram adaptadas a nossa realidade considerando a

defasagem de desenvolvimento existente, éramos um país agrícola.

A industrialização/urbanização brasileira acontece em outro momento

histórico, concomitante à chegada dos imigrantes, que trazem consigo seus rituais

da morte, permitindo um sincretismo que vai gerar, para a maioria da população,

padrões comuns que guardam em muito dos rituais descritos, em função de nossa

herança cultural.

Se as regras até o momento descritas parecem muitas, encontramos outras

mais que deixam transparecer as diferenças de exigências para homens e mulheres.

Harvey (2003) afirma que, até a primeira metade do século XIX, somente os

homens compareciam aos enterros, as mulheres permaneciam e observavam o luto

em casa. Mas esclarece que tanto em casa quanto depois, na época em que passa

a comparecer aos enterros, deveriam vestir-se elaboradamente de preto.

Uma viúva devia usar crepe negro durante doze meses; em seguida, seis meses usando uma seda dita de viúva e, depois, mais três meses num preto mais variado, com franjas. A seguir seguiam-se mais seis meses de meio-luto, quando cores como cinza, alfazema, lilás e violeta podiam ser usadas junto com o preto (HARVEY, 2003, p. 224).

Com tantas determinações e luxo o resultado observado é que os retratos de

mulheres viúvas, nessa época, chamam a atenção por reproduzir os extremos

sociais tão evidentes: aquelas muito pobres ou as generosamente ricas,

desconsiderando a realidade de encontrarmos viúvas em todos os estratos sociais.

Observa-se a criação de um elaborado cerimonial de morte, uma

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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materialidade associada a ele, distingui-se um comércio pelas quantidades de

tecidos, objetos e outras formas de manifestações criadas, como também uma

indicação do prestígio social tanto do morto quanto daqueles que comparecem ao

enterro. E, novamente, é o corpo da mulher que é utilizado como vitrine do status do

marido, que mantém a condição de ser por meio do outro, que não está mais

presente para lhe fazer o contraponto.

Ao revermos essa fase da história verificamos o quanto de pompa e

circunstância existe em vários cerimoniais de morte principalmente de pessoas

célebres e como muitas mulheres passaram quase toda a vida de preto. A rainha

Vitória é um bom exemplo de ambos vestiu luto por quarenta anos e, em seu próprio

funeral que seguiu as regras, todos os participantes da procissão usavam preto.

O ideário existente apresenta as viúvas de forma mais descritiva do que

prescritiva como, por exemplo, a figura das madrastas nos contos de fadas, a viúva-

bruxa ou a mudança da imagem da viúva de luto na sociedade alemã, com suas

roupas pretas. Van Os (apud BREMMER, 1995) aponta a dubiedade dessa

vestimenta que expressa a dignidade por um lado, mas poderia também ter uma

conotação erótica. Por quê? Porque o negro na mulher é a cor do mistério, das

fantasias, da sedução, da magia, da transgressão.

Bremmer (1995) afirma que as viúvas são, em geral, mais envolvidas em

atividades religiosas do que os viúvos ou mulheres casadas, como as que auxiliaram

São Vicente de Paula no cuidado aos órfãos mantendo sua obra por meio dos

Vicentinos ou cuidados com os locais e objetos religiosos.

Esse aspecto do papel de viúva tem sido esmiuçado pelos escritores,

colaborando para a construção de um estereótipo da mulher amarga, beata,

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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controladora da vida do grupo social, reprimida sexualmente . A personagem

Perpétua criada por Jorge Amado no romance Tieta do Agreste, 1977, é um exemplo

nacional, ou a "amante do padre", que reforçam traços negativos já existentes no

imaginário coletivo. Não deixamos de reconhecer que há mulheres desempenhando,

realmente, esse papel.

Verifica-se que há um grande número de viúvas entre os primeiros seguidores

de Jesus e a evidência dessa personagem em suas lições e milagres, em função do

desprestígio e destino à prostituição que lhes eram imputados, quando não

dispunham de proteção familiar ou condições financeiras para manterem-se. Nesse

sentido uma estória ilustrativa é a de Maria Madalena (Anexo C).

Segundo Bremmer (1995) e Van Os (apud BREMMER, 1995), no início das

comunidades cristãs, uma das questões discutidas era se as viúvas deveriam casar-

se novamente, não havendo registro de consensos. Mas, se algumas religiões como

a católica as acolhia, em outras eram excluídas até das cerimônias religiosas, como

as viúvas brâmanes na índia.

Há informações sobre as limitadas opções ocupacionais de muitas viúvas no

século XVIII na Inglaterra e na França, levando a situações de dependência,

isolamento e pobreza.

Leite (1997), no final da década de 90 do século XX, encontrou dados

semelhantes aos apresentados no livro de Bremmer no tocante às possibilidades de

ocupação para as viúvas. Sinaliza que o maior problema delas decorre da sua

inaptidão para o trabalho, o que as mantém fora do mercado de trabalho ou com

difícil acesso. A vulnerabilidade que atribui a esse contingente populacional vincula-

se ao baixo rendimento garantido pelas pensões estatais ou pecúlios de natureza

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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particular.

Essa questão nos remete a concepção vigente nas sociedades quanto a

educação formal das mulheres e seu preparo para a participação no mercado de

trabalho. Mesmo quando de sua inclusão as ocupações a ela destinadas e a

remuneração oferecida não lhes assegura uma condição de sustentar-se e a sua

prole se ainda a tiver.

Para aquelas que usufruíam de situação financeira estável e posição social

diferenciada, embora tivessem possibilidade de participação e inserção social não

desfrutavam de poder na sociedade, isto é, necessitavam sempre de ter a tutela

masculina para a realização de assuntos da esfera pública.

Ao longo dos séculos, parece que a humanidade, em função do papel

submisso imposto às mulheres, compreendeu a sua condição de viuvez como de

vulnerabilidade, de risco social, dela e da prole, para quem deveriam ser

direcionados os serviços organizados de proteção social.

Jó, personagem bíblico, proclamava que dava livremente alimentos para o

pobre, a viúva e o órfão. Similarmente, nas leis do reino anglo-saxônico, Aethelred, o

clérigo, foi instruído "para não molestar as viúvas e os órfãos, mas para alegrá-los

avidamente".

Algumas viúvas alemãs dos séculos 17 e 18 recebiam certos benefícios como

o direito à pensão de viuvez, herança e tutela das crianças, porque eram

enquadradas pelas autoridades da época na categoria chamada personae

miserabiles (pessoas miseráveis), um status que compartilhavam com os órfãos,

com os doentes crônicos e outras "pessoas infelizes".

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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objetivam serem amparadas por seus filhos na velhice.

Observamos que nas leis, nos textos, estórias, contos e na literatura, a viúva

está incluída na mesma categoria dos órfãos, por um lado; e com virgens, freiras,

solteiras e ascéticas, por outro.

As virgens-freiras, as solteiras e as viúvas são consideradas da mesma forma

em diversas sociedades porque fazem parte do grupo adulto fecundo da

comunidade. No entanto, ao homem não são imputados barreiras podendo a

qualquer tempo reproduzir, enquanto para a mulher existem duas condições que se

configuram como impedimentos sociais para gerar filhos, uma social enquanto

virgem e a outra biológica pós-menopausa.

Essa discussão encerra o universo das pessoas sexualmente ativas e a

regulação dessa condição, estando em jogo como manter a castidade da mulher que

apresenta condições de reprodução.

Por muitos séculos, isto significou controlar o comportamento feminino com

regras rígidas para garantir a origem dos filhos aos homens, às famílias. Até o

advento da pílula e dos exames de DNA a paternidade era uma decisão pessoal ou

de honra familiar, inúmeras vezes "lavada com sangue".

Com relação ao controle social da sexualidade feminina e, no caso das

viúvas, a historiadora Profª. Drª. Eni de Mesquita Sâmara nos conta que:

[...] os filhos ilegítimos, quando declarados e reconhecidos, apareciam sempre nos casos de separação, celibato e viuvez, embora fosse esperado das viúvas um comportamento exemplar [...]. Note-se que honradez e probidade comprovada eram atributos essenciais às mulheres e principalmente as viúvas deveriam zelar por esses valores morais. Apesar

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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das pressões sociais e familiares existentes algumas declararam em testamento, que por "fragilidade humana" tiveram cópula ilícita [...] assim uma mulher casada declarava que tinha três filhos legítimos e sete ilegítimos, dois nascidos durante o casamento e cinco já na viuvez (1986, p. 64).

De uma forma ou de outra, o que se observa é a existência de transgressões,

de rupturas que legitimavam a tutela, embora os comprometimentos sociais desta

falta de controle e proteção do homem variem para cada categoria, isto é, solteiras,

viúvas e celibatárias.

Bremmer (1995) refere que, em relação a viúvas e órfãos, dois conceitos são

evidenciados: a condição socioeconômica e a sua sexualidade.

Entende-se que, frente às outras categorias de comparação, a mulher viúva

potencial de desejo sexual ligado ao conhecimento e vivência durante o casamento,

o que o autor diz ser uma fonte de ansiedade cultural, uma ameaça ao poder.

A ansiedade cultural que uma viúva pode causar está ligada ao fato de que

sobrevivendo a seu marido ela desafia a autoridade masculina existente.

Sobrevivendo a ele, ela de uma maneira qualquer o desafia. Viúvas podem dispor de

liberdade e poder em diferentes momentos históricos, o que elas não tiveram como

esposas. Corazon Aquino é o exemplo de viúva que substituiu seu marido em

posição de poder político. As mulheres frequentemente surpreendem sua família e

amigos revelando-se, elas mesmas, como pessoas bastante fortes provando ser

capazes de cuidar de si próprias e de seus filhos.

Em outras palavras, o poder que essas viúvas possuem de facto (real) não é

um direito pleno delas, mas pertence de jure (judicial) ao homem. No entanto, à

medida que as sociedades tendem a equilibrar o poder entre os gêneros o

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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simbolismo vinculado à viuvez vai perdendo seu significado.

Com o desaparecimento gradativo das vestes de luto em diferentes países do

mundo, a cor preta vai sendo associada ao poder e a padrões masculinos de

autoridade.

Nos últimos duzentos anos, as modificações nas relações sociais,

principalmente de gênero, foram sendo estabelecidas e a cor negra assume uma

proximidade cada vez maior com o poder. As pessoas tornaram-se mais práticas,

individualistas, velozes, sem tempo e valores que sustentem rituais longos e

pomposos que não encontram espaços na rotina diária das pessoas. As virtudes são

outras.

A viuvez é uma situação que se impõe, é o inusitado acontecendo no

cotidiano, é a ruptura, a mudança. Para as mulheres que estão na terceira idade é

um momento de enfrentar o duplo tabu do século XX: a realidade de estar

envelhecendo e a existência da morte.

Envelhecer e morrer são fatos que assustam as pessoas cada dia mais.

Maranhão, em 1985, já escrevia que:

[...] numa sociedade como a nossa, completamente dirigida para a produtividade e o progresso, não se pensa na morte e fala-se dela o menos possível. Os novos costumes exigem que a morte seja o objeto ausente das conversas educadas. [...] Atualmente as pessoas são destituídas do direito outrora fundamental. Não se morria sem antes se ter tido tempo para saber que se ia morrer (1985, p. 11).

Ele nos fala da mudança do lugar da morte gerada pêlos avanços

biotecnológicos que produziram a longevidade, o amenizar das dores, a busca da

juventude, fazendo com que passássemos a negar a nossa finitude. A morte não

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Capítulo 3 – Mulher Viúva. O que será o amanhã?

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pode ser admitida, porque é incompatível com os valores da economia vigente. E, se

assim é, seus rituais também deixam de ter espaços.

Somando os porquês, olhamos para as mulheres que se coloriram e outra

pergunta nos salta o que será do amanhã?

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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À primeira vista, a vida quotidiana saltita diante dos nossos olhos como uma bola de bilhar: redondinha, perfeita, polida e, o mais importante, compacta, elástica, capaz de vibrar inteira e rodar no verde do pano da nossa mesa de trabalho a uma qualquer bem dada tacada epistemológica. Contudo, todas estas primeiras impressões se desvanecem quando nos lançamos no estudo da vida quotidiana.

Pais, 2003,p.14

4.1 Opção Metodológica

Pesquisar é um verbo que nós humanos conjugamos desde a mais tenra

idade, como decorrência de nossas inquietações e curiosidade em conhecer o

mundo. Inicialmente sem consciência do ato, do método vamos incorporando o

resultado de nossas "investigações", aprendendo e acumulando parcela importante

do conhecimento necessário para sobreviver e fazer parte de nosso meio.

Agnes Heller (1987) afirma que é por meio desses processos interativos, com

o mundo e pessoas, que vamos nos apropriando de um conhecimento existente e

produzido no cotidiano ele nos instrumentaliza para viver em nosso meio social.

Hannah Arendt (1985) complementa dizendo que também integra nossa condição de

ser.

Investigamos para tudo, tanto para comprar um automóvel quanto para

conhecer as condições de vida de uma população. O que torna uma pesquisa

científica é ter sido realizada de modo sistemático, com um método e técnica

específicos, garantindo sua principal propriedade a reprodutibilidade, e sua

finalidade a de concorrer para o progresso da sociedade, desenvolvimento

intelectual do homem e a produção de ciência.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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Bagno explica que pesquisa

[...] é uma palavra que nos veio do espanhol. Este por sua vez herdou-a do latim. Havia em latim o verbo perquiro, que significava "procurar buscar com cuidado; procurar por toda parte; informar-se; inquirir; perguntar; indagar bem, aprofundar na busca". O particípio passado desse verbo latino era perquisitum. Por alguma lei da fonética histórica, o primeiro R se transformou em S na passagem do latim para o espanhol, dando o verbo pesquisar que conhecemos hoje (2000, p. 1 T).

Dessa forma, em sua origem, a palavra pesquisa contém e conduz o homem,

o pesquisador às primeiras etapas do processo de construção de um conhecimento,

significando procurar a verdade, as respostas para suas inquietações intelectuais.

Pode significar também o surgimento de novas questões, demandando outras

investigações, lembrando-nos que a espiral do conhecimento é ascendente e infinita.

Seabra (2001, p. 11) tem uma forma peculiar de definir pesquisa, para ele "é

espionar, observar paciente e atentamente durante dias e horas a fio, como se

aguarda de tocaia o momento do ataque. A investigação exige olhos atentos e mãos

prontas para fazer anotações".

Pais (2003, p. 32) afirma que "a revelação do social - seguindo as rotas do

quotidiano - não obedece a uma lógica de demonstração, mas antes a uma lógica de

descoberta na qual a realidade social se insinua, conjectura, indicia".

Para o filósofo, o cotidiano é "uma rota de conhecimento", constituindo-se em

uma das maneiras de contextualização do social. O pesquisador é o "maquinista" no

encaminhamento do conhecimento, toda pergunta é uma busca e o método deve

passar pela realidade, permitindo ver o que acontece ou não na mesma, a fim de

que ocorra um "acercamento" da realidade.

Ao nos reportarmos à vida cotidiana, a compreendemos como sendo aquela

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

89

que acontece todos os dias, com suas rotinas, ritmos, cujo conteúdo contém um

saber e que Heller define como:

[...] a vida do homem inteiro, ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela. colocam-se "em funcionamento" todos os sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias (HELLER, 1885, p. 17).

Essa pensadora centraliza o estudo da vida cotidiana no indivíduo e na rotina,

como forma de apreensão da realidade social, pois é na reprodução do fazer diário

das atividades produtoras e das relações sociais, que são percebidas as mudanças

sociais que podem ocorrer por modificações progressivas ou inesperadas, a tomada

de consciência, onde as lutas de classes ocorrem.

A vida cotidiana contém uma unidade imediata de pensamento e ação –

pensamento volta-se para a ação, o que torna a vida cotidiana pragmática, porque

não alcança o plano da teoria, o pensamento apresenta-se fragmentado. É

espontânea e ocorre no plano das aparências e não na essência das relações

sociais. Na cotidianidade, o correto e o verdadeiro não são problematizados.

O pensamento cotidiano e a ação são acompanhados por uma certa fé e

confiança particular do indivíduo que, ao embasarem juízos provisórios, no entender

de Heller (1985) são pré-juizos ou preconceitos pertencentes a categoria da

ultrageneralização.

Para Heller (1985), a ultrageneralização são juízos provisórios que na prática

cotidiana são confirmados, ou pelo menos, não contestados enquanto o indivíduo o

toma por base. É nesse sentido que a pensadora situa a questão da fé – que tem

base no indivíduo – particular e da confiança – que é um afeto do indivíduo inteiro,

portanto mais próximo da experiência, da moral e da teoria.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

90

Os juízos de valor e o pensamento expressam os interesses de uma camada

ou classe social à medida que somos socializados, via de regra, pelas gerações que

nos precederam ou instituições escolhidas por ela. O mundo nos últimos sessenta

anos tem proporcionado às pessoas diferentes fontes de conhecimento, que por sua

vez nem sempre são compartilhados com as gerações anteriores, podendo gerar o

distanciamento entre gerações, a perda ou a descaracterização do saber do grupo

social ou a prevalência de um saber dominante.

A cristalização do preconceito pode ocorrer por meio da analogia responsável

por propiciar ao homem a aquisição do conhecimento cotidiano necessário para sua

orientação. Fundamentado em algum saber anteriormente assimilado o homem

realiza por analogia uma classificação do novo e posteriormente na prática ele irá

avaliar o que esta frente a ele. Se essa ação não ocorre, a analogia pode

transformar-se em preconceito.

Utilizamos o precedente para orientar nosso comportamento, atitudes e a

imitação para a assimilação dos costumes, é assim que tanto o trabalho quanto a

interação social podem acontecer. Por imitação aprendemos a fazer.

No entanto, não podemos limitar o cotidiano a apenas um espaço de

realizações de atividades repetitivas, monótonas e banais, é também, segundo Pais

(2003, p. 78) "um lugar de inovação. [...] A própria recusa do quotidiano (a festa, as

viagens, as férias [...]) é sua reorganização e transformação", com lugar para o

excepcional, o imprevisto, o casual, o ingovernável.

Dessa forma, ao pesquisador cabe alcançar tanto o comum quanto o

extraordinário desse cotidiano. Ao ser tomado como fio condutor para o

conhecimento da realidade, desvela por meio da vivência do homem no seu dia a

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

91

dia, o relacionamento que mantém com a totalidade social e com a sua construção.

Pais (2003, p. 115) sinaliza que a vida cotidiana “pede um complemento

circunstancial. Vida quotidiana de quem? Em que situação? Em que contexto?

Realizar esse estudo teve como intuito sair do conhecimento empírico do

fazer diário profissional para assimilar e compreender esse cotidiano numa

perspectiva científica.

Então, com olhos atentos, computador a mão, idéias na mente iniciamos a

trajetória desse caminho por meio da pesquisa bibliográfica. Do primeiro ao último

momento desse estudo não se deixou de lado a busca por material bibliográfico,

operacionalizada por meio de um levantamento de bases de dados Medine,

consultas a livros e artigos de revistas de autores nacionais e estrangeiros O

material obtido foi utilizado para desenvolver e embasar teoricamente a orgaiização

do texto.

Esse processo foi significativo, pois permitiu constatar a existência da escassa

literatura científica brasileira sobre o tema; e maior a produção popular (piadas, sites,

sites eróticos, curiosidades, músicas), no anexo D encontra-se de tudo um pouco.

As publicações científicas divulgadas pertencem as áreas de história, direito,

antropologia e psicologia, com temas específicos da mesma como: direito de

herança, luto, condição de vida no Brasil colônia, século XVIII, entre outros.

Encontramos produção científica sobre a viuvez em sites de universidades e

algumas revistas americanas, inglesas e canadenses nas áreas de economia,

história, antropologia e psicologia. Há vários estudos relacionados à seguridade

social, depressão, saúde, programas de prevenção a doenças e manutenção das

condições de autonomia e independência.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

92

O processo metodológico adotado incidiu sobre a pesquisa qualitativa, por

acreditarmos que sua natureza facultaria o acercamento e apreensão da realidade,

necessários à compreensão de nosso objeto de estudo.

A pesquisa qualitativa busca uma interpretação de resultados dentro de um

contexto histórico, não sendo considerada vazia, mas sim coerente, lógica,

localizada e consistente, aprofundando tanto quanto possível a análise dos fatos

(TRIVIÑOS, 1987).

Martins e Borgus (2004, p. 48) complementam a idéia do autor ao

argumentarem que "os métodos qualitativos produzem explicações contextuais para

um pequeno número de casos, com ênfase no significado - mais que na freqüência -

do fenômeno".

4.2 O Cenário

Antes de iniciarmos a apresentação do local da pesquisa é necessário

registrar um esclarecimento. Inicialmente o local e sujeitos dessa pesquisa eram

respectivamente a Divisão de Medicina de Reabilitação – DMR HCFMUSP, onde

trabalhava como Assistente Social, e as idosas viúvas participantes dos Grupos de

Atendimento Global ao Idoso da DMR HCFMUSP. No entanto, em função de minha

aposentadoria e transferência para a cidade de Passos, em Minas Gerais, optei por

realizar o estudo nesta cidade.

A cidade de Passos/MG, lócus dessa pesquisa, localiza-se no Sudoeste de

Minas Gerais, está a 739 m do nível do mar e a 345 km da capital Beto Horizonte

pela rodovia MG 050. Com uma área de 1338 km2 abriga uma população de

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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105. 098 habitantes, destes 96.690 residem na área urbana e 8.408 na zona rural.

É o município com maior população do sudoeste mineiro, e o quarto do sul de

Minas. Com uma população, miscigenada por muitos descendentes portugueses,

espanhóis, italianos, libaneses e brasileiros, a cidade de Passos evidencia-se na

região pelo seu desenvolvimento econômico e social.

Destaca-se nas atividades de agricultura, suinocultura, cafeicultura, pecuária

leiteira, agroindústria canavieira, e mais recentemente, as indústrias confeccionista e

moveleira.

Nos seus 147 anos de emancipação política a cidade configura-se como um

dos pólos de desenvolvimento do interior mineiro, possuindo uma infra-estrutura de

serviços que a qualificaram para ser nomeada como Microregião do Médio Rio

Grande para a prestação de serviços públicos não só para seus habitantes como

aos moradores de 25 municípios vizinhos.

O município é rico em recursos hídricos, situado na bacia do médio Rio

Grande composta pelos rios São João, Ribeirão Conquistinha e o Ribeirão Bocaina.

Tem solos férteis, originários de rochas pré-cambrianas, cuja análise química

detectou riqueza em minerais primários, com altos teores de potássio razão de sua

abundância.

Como toda cidade brasileira, apresenta problemas sejam eles de ordem

política, econômica ou social. Segundo dados do Censo 2000, a alteração na

pirâmide etária acontece qualquer que seja a situação de domicílio da população

mineira: seja nas áreas urbanas ou nas rurais o fenômeno do envelhecimento da

população se repete.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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Abaixo apresentamos uma síntese dos dados da cidade dísponibilizada em

meio eletrônico pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Económico e Social, que

foi acessado em dezembro de 2005.

Quadro 1 - Passos-MG: Municípios em Dados. DADOS BÁSICOS Área Territorial: 1.339,20 km2

Ano de Instalação: Micro-região: Região: Estado: Minas Gerais (853 municípios)

POPULAÇÃO Urbana

Taxa média de crescimento da população: 1,57% Taxa de mortalidade infantil: 34,5 p/mil Esperança de vida ao nascer: 72,1 anos EDUCACÃO - Analfabetos com mais de 15 anos MUnicípio Estado Brasil 9,04% 11,96% 13,63%

SITUA ÇÃO DOS DOMICÍLIOS URBANOS

Com água: 99,3% Com esgoto sanitário: 98,7% Com coleta de lixo: 98,9%

Município

Estado

Brasil

IDH 1991

2000

2 0 0 0

2000

Total 0,719

0,797

0,766

0,757 Renda

0,687

0,731

0,711

0,720 Longevidade

0,684

0,785

0,736

0,710 Educação

0,786

0,875

0,850

0,830 Rank no Brasil

-

624°

11°

- Rank no Estado

-

47°

-

-

Município Estado Brasil 365,34 milhões 68,43 bilhões 694,97 bilhões

16,3% 43,8% 39,9%

Finanças Públicas Receita Orçamentaria: R$ 37,2 milhões

Receitas Correntes: R$ 36,8 milhões Receita Tritutárias:R$ 6,1 milhões Transferências: R$ 27,2 milhões Outras Receitas: R$ 3,5 milhões Receitas de Capital: R$ 366,3 mil

PIB per Capita: R$3.979,42 R$4.104,19 R$4.958,85 Exportação:

Instituições financeiras: 6 agências

Continua

1848 Passos

Sudeste

ECONOMIA

Valor doPIB: Agroopecuária: Indústria: Servços:

237.176,00 R$

92%

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

95

Continuação

1.833 460 76 14 3 0,74% 0,70% 0,52% 0,50%

Principais Setores de Atividade (Agropecuária e Indústria)

Por Emprego

N* de Empregos

18000 Confec ç ão de ar t igos do vestu ár io 1136

e acess órios 17400 Ar te fatos t êxteis incluindo 807 t e c e l a g e m 01503 Produ ç ã o mista: lavoura e p e c uária 798

Fonte: Banco Federativo Banco Nacional do Desenvolvimento Económico e Social. Quadro 2 – Distribuição dos Munícipes Residentes na cidade por Faixa Etária 0 a 3 anos 6.448 habitantes 4 anos 1.837 habitantes 5 e 6 anos 3.473 habitantes 7 a 9 anos 5.234 habitantes 10 a 14 anos 9.027 habitantes 15 a 17 anos 5.753 habitantes 18 a 19 anos 3.567 habitantes 20 a 24 anos 8.721 habitantes 25 a 29 anos 7.860 habitantes 30 a 39 anos 15.378 habitantes 40 a 49 anos 12.543 habitantes 50 a 59 anos 8.204 habitantes 60 a 64 anos 2.852 habitantes 65 a 69 anos 2.375 habitantes 70 a 74 anos 1.709 habitantes 75 a 79 anos 1.112 habitantes 80 anos e mais 1.118 habitantes Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico, 2000. NOTA: Informações de acordo com a Divisão Territorial vigente em 01.01.2001.

Os dados acima e os que se encontram no Anexo E falam por si. A cidade de

Passos tem se desenvolvido a números vistos e as modificações impostas pelo

Firmas Formais Emprego Formal

5-19 500+ T raba lhadores : 0 -4

N úmero : % 0 , 6 3 % Estado:

T r a b a l h a d o r e s : 0 -4 5 -19 20 - 99 2560 4.019 3.041 3.003 2.564 0,70% 0,70% 0.54% 0.52% O32% N úmero:

% Estado

Cod. Por Firma

Descri ç ão do Setor Desc r iç ão do Setor

N °. de Firmas

404 113

31

C ód.

01503 Produ ç ão mista: lavoura e pecu ár ia 18000 Confec ç ão de art igos do vestuário e

a c e s s órios 36100 Art igos do mobi l i ár io

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

96

desenvolvimento apresentam sinais. Um deles é o aumento de idosos da cidade que

atestam a longevidade de seus habitantes.

4.3 As "autoras" da história

Passamos a descrever os passos que possibilitaram construir esse trabalho.

A primeira etapa dessa fase da pesquisa se constituiu em realizar um levantamento

do número de idosas viúvas que freqüentavam os Programas municipais para a

Terceira Idade nomeados de Grupos Conviver, Club Bem Viver e Coral da Terceira

Idade para delimitarmos o universo da pesquisa.

A Secretaria Municipal de Assistência Social por meio do Departamento de

Assistência Social mantêm os Centros de Convivência Conviver para Idosos que

consistem no fortalecimento de atividades associativas, produtivas e promocionais,

contribuindo para autonomia, envelhecimento ativo e saudável, prevenção do

isolamento social, socialização e aumento de renda própria. É o espaço destinado à

freqüência dos idosos e de seus familiares, onde são desenvolvidas, planejadas e

sistematizadas ações de atenção ao idoso, de forma a elevar a qualidade de vida,

promover a participação, a convivência social, a cidadania e a integração

intergeracional.

O público alvo são os idosos de ambos os sexos independentes e seus

familiares. A capacidade de atendimento é de 350 idosos. Os bairros foram

agregados por proximidade e as atividades são desenvolvidas por uma assistente

social e uma professora de educação física em locais fixados pela prefeitura

municipal constituindo-se em 5 sedes. Os dias e horários foram distribuídos pela

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

97

semana, sendo estipulado um período de 4 horas/dia. Cabe ressaltar que por

solicitação médica há munícipes com idade a partir de 45 anos que estão

freqüentando os Grupos Conviver.

O Bem Viver é um local para dançar, criado pela prefeitura, sendo que parte

das despesas é de sua responsabilidade e a outra é coberta pela administração do

Bem Viver, a fim de oferecer lazer aos idosos. Funciona a semelhança de um clube

aos sábados e domingos. Nas terças-feiras a tarde o Coral da Terceira Idade

formado por idosas, que também participam dos demais grupos, utiliza as

dependências do clube para seus ensaios. A freqüência é livre, não existindo

obrigatoriedade na associação.

Assim, mantivemos contato com os responsáveis pelos programas para ter

acesso às informações necessárias, explicando a intenção da pesquisa. Contamos

com a colaboração destes para nos aproximarmos das idosas, sendo apresentada

por eles as participantes.

Os dados demográficos básicos (Nome, Idade, Procedência, forma de contato

número de telefone ou endereço), o tempo de viuvez e outras atividades ou grupos

da comunidade nos quais participava foram obtidos por meio de um formulário,

preenchido pela pesquisadora a partir das fichas de inscrição dos idosos existentes

nos respectivos locais.

O dado não disponível, tempo de viuvez, foi perguntado às idosas após

prestarmos esclarecimentos do objetivo da pesquisa, contando com receptividade

delas. Essa etapa foi realizada no mês de julho de 2005. .

O Clube Bem Viver contava com um total de 271 associados, 178 (65.7%)

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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mulheres e 93 (34.3%) homens. Das mulheres 87 (50.6%) eram viúvas. Desse total

obtivemos os dados, que pretendíamos, de 58 mulheres. A idade média atual é de

62 anos, tendo em média 14 anos de viuvez. A distribuição pelos bairros é eqüitativa

destacando-se o Centro com 17%. A justificativa que podemos pensar para o maior

número de freqüentadoras serem do Centro é por residirem nas proximidades do

Clube.

Os Grupos Conviver na ocasião possuíam 249 participantes, 154 (62%)

mulheres e 95 (38%) homens. Do total de mulheres, 60 viúvas eram freqüentes, 20

delas já haviam sido cadastradas no Club BemViver e foram excluídas. A média de

idade está em torno de 69 anos e possuem 10 anos em média de viuvez. Em média

cada grupo conta com 9 idosas viúvas.

A partir destes dados pudemos determinar critérios para eleger os sujeitos a

serem entrevistados, com vistas a alcançar o objetivo de estudo proposto frente as

particularidades encontradas. Foram eles:

1. Critério biológico: idade igual ou superior a sessenta anos - que segundo a

ONU demarca o início do envelhecimento nos países em desenvolvimento

como o nosso.

2. Critério biológico e social: ter ficado viúva durante o processo de

envelhecimento, com idade igual ou acima de 50 anos. A determinação

desse critério ocorreu em função da delimitação do objeto de estudo, isto

é, estudar a viuvez e a sociabilidade desenvolvida após sua ocorrência

com mulheres pertencentes ao contingente de idosos.

3. Critério Social: idosas viúvas que participassem em diferentes grupos de

atividades, oferecidos pela prefeitura e cadastradas para a pesquisa.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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Aplicados os critérios obtivemos um total de 31 idosas que foram distribuídas

por bairro de moradia, idade de viuvez e idade atual obedecendo-se uma escala

crescente. Martins e Borgus esclarecem dizendo que:

[...] na abordagem qualitativa de pesquisa, as amostras são propositais (purposeful sampling), já que se busca apreender e entender certos casos selecionados sem necessidade de generalizações para todos os casos possíveis. [...] será composta diferentemente, de acordo com os objetivos e o propósito do estudo (2004, p. 49).

Minayo (1994) alerta que alguns cuidados devem ser tomados na escolha dos

sujeitos, sendo eles: 1 - dar voz aos sujeitos que são significativos no grupo - detêm

as informações, conhecimentos e experiências - que estamos buscando; 2 - ter um

número suficiente de sujeitos para a reincidência das informações ou como fala o

esgotamento do dado; 3 - que o grupo de sujeitos escolhidos permita por meio das

falas apreendermos as semelhanças e diferenças existentes

Assim, para a escolha dos sujeitos seguimos as orientações mencionadas e

por meio de sorteio os sujeitos foram escolhidos: uma idosa de cada grupo do

ConViver - 5 idosas; uma do grupo de Coral da Terceira Idade e duas do BemViver,

considerando o total de idosas viúvas que freqüentam o Clube. Assim, o total de

sujeitos entrevistados foram 87, apresentadas no Quadro 3, a seguir.

7 Foram escolhidos nomes fictícios para resguardar a identidade das entrevistadas.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

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Quadro 3 - Alguns dados demográficos das viúvas entrevistadas.

Nome Idade

atual

Idade

viuvez

Tempo

de viuvez

Escolaridade

Tulipa 61 55 6 Ensino Superior

Violeta 77 70 7 Ensino Fundamental (2ª)

Amarilys 71 64 7 Ensino Fundamental Inc. (4ª)

Margarida 74 57 17 Normal

Líria 81 70 11 Ensino Fundamental Inc. (4ª)

Rosa 75 58 17 Ensino Fundamental Inc. (7ª)

Angélica 60 56 4 Ensino Fundamental Inc. (4ª)

Hortência 66 58 8 Ensino Fundamental Inc. (6ª)

Fonte: Dados coletados pela autora.

Cabe ressaltar que, em função das idosas serem pessoas ativas na

comunidade e de fácil identificação, não apresentaremos um perfil socioeconômico

descritivo das mesmas objetivando resguardá-las. É importante mencionar que

possuem condições socioeconômicas diversificadas, a menor renda familiar é de 1

SM para 4 pessoas, até 10 SM só para a idosa; 50% moram com filhos e seus

familiares e 50% residem só. Todas possuem em casa própria e professam a religião

católica, 75% trabalharam durante o período de casamento em atividades vinculadas

a área de prestação de serviços.

4.4 Procedimentos de coleta e análise de dados

A pesquisa qualitativa busca uma compreensão particular daquilo que estuda

e não para explicações, assim a escolha da técnica de coleta de dados tem a

finalidade de descortinar as variadas versões de mundo dos sujeitos, partindo do

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

101

conhecimento da construção coletiva, ou seja, da construção da realidade.

Para tanto escolhemos um instrumental técnico, que permitiu esta

aproximação dos sujeitos e apreensão da realidade contextual de análise do nosso

objeto de investigação. Nossa opção recaiu sobre a entrevista semi-estruturada,

uma vez que permite o acesso de forma abrangente às informações de interesse do

pesquisador.

A entrevista propicia uma prática dialogada e discursiva com produção de

sentidos e construção de versões de realidade, sendo considerada uma técnica de

interação social.

Pais (2003), ao discorrer sobre o instrumental para apreensão do cotidiano,

refere que as fontes orais são aquelas que permitem maior aproximação de

aspectos do cotidiano vinculados aos eventos da vida diária como a realidade dos

grupos sociais.

A pesquisadora conduziu as entrevistas por meio de um roteiro cuja finalidade

foi orientar a coleta de dados pertinentes à construção dos objetivos do nosso

trabalho, que contém os dados pessoais das idosas viúvas e informações sobre a

viuvez, período de enlutamento, mudanças ocasionadas no cotidiano, papel da

família, dificuldades, preconceitos, expectativa para o futuro e reorganização da vida

pessoal após a viuvez (Anexo F).

Para as entrevistas mantivemos contato telefônico, resguardando os preceitos

éticos para pesquisa. Os horários e datas foram agendados conforme

disponibilidade das entrevistadas, onde retornamos a explicar o intuito da pesquisa e

a liberdade de participação, do livre espaço de tempo disponível para suas falas.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

102

Obtivemos receptividade, com aceite das oito mulheres, sendo agendando dia e

horário para as entrevistas com as mesmas.

Durante o mês de novembro/2005 ocorreram as entrevistas, 06 realizadas nas

casas das idosas e duas em sala do Grupo ConViver. Antes de iniciar as entrevistas,

as idosas foram novamente esclarecidas sobre os objetivos propostos para este

estudo e informadas de que seus depoimentos não causariam qualquer prejuízo

físico ou moral, garantindo sigilo e anonimato de suas identidades, além do direito de

desistir de participar do processo.

Com o consentimento expresso das idosas e através da assinatura de um

termo de Consentimento Pós-lnformação (Anexo G), iniciamos a coleta dos dados

procedendo â gravação das entrevistas.

As entrevistas ocorridas nos domicílios das idosas propiciaram vivências

interessantes; três idosas aguardavam a pesquisadora com porta retratos da época

do casamento, álbuns de fotografias de diferentes fases do grupo familiar, fizeram

questão que conhecêssemos a casa, os trabalhos que atualmente realizam,

compartilhando lembranças passadas e presentes. Outras manifestaram seu

acolhimento de maneiras diferentes, mas a receptividade e amistosidade foram

observadas em todas.

Acreditamos que a curiosidade despertada pelo trabalho que estamos

realizando tanto por parte das idosas quanto de seus familiares, possibilitou eliminar

dúvidas quanto ao caráter do que estávamos realizando e do sigilo das informações

prestadas. Em respeito aos preceitos éticos e ao anonimato dos sujeitos, optamos

por identificá-las com nomes fictícios.

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Capítulo 4 – A Construção da Pesquisa

103

É necessário pontuar que o número de pesquisas acadêmicas desenvolvidas

com a população de Passos ainda é restrita, portanto é compreensível causar um

certo estranhamento às idosas.

As entrevistas foram gravadas em fitas cassete e duraram em média 50

minutos. Posteriormente, ouvidas e transcritas integralmente.

Procedemos à sistematização dos dados coletados agrupando-os por

recortes, verificando suas relações, para que pudessem ser construídas, a partir dos

temas emergentes, os critérios semânticos para a categorização e análise de

conteúdo com base em Bardin. Esta autora define a análise de conteúdo como:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam inferir conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN apud RICHAROSON, 1989, p. 176).

Nessa mesma perspectiva, Chizzotti (2001) ressalta que a análise de

conteúdo busca compreender criticamente o sentido das comunicações, no seu

conteúdo manifesto ou latente e nas significações explícitas ou ocultas.

Da análise dos depoimentos emergiram categorias temáticas elucidativas,

sendo elas:

1. Casamento e família;

2. Tornar-se viúva. Meu tempo de luto, a espiritualidade;

3. Reorganizar a vida: viuvez - passado-presente-futuro.

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

105

Você não pode escolher como vai morrer ou quando. Você só pode decidir como vai viver agora.

Joan Baez

o presente capítulo, iremos discorrer e discutir as falas mais

significativas dos sujeitos desta pesquisadas mulheres com idade acima de sessenta

anos que se tornaram viúvas no processo de envelhecimento, isto é, a partir dos

cinqüenta anos, delineando o contexto social das mudanças por elas vivenciadas em

seus cotidianos, tendo como foco o advento da viuvez.

Ouvi-las, mais do que resultados de uma pesquisa, proporcionou inúmeras

reflexões pessoais. Pensar sobre a vida, a finitude - envelhecimento, morte, perdas e

vulnerabilidade e trabalhar com essas questões, é um desafio sem par. Nos remete

a uma viagem interna a considerar e revê-las em nosso próprio universo.

Percebemos pela maneira como fomos acolhidas no dia das entrevistas que

as lembranças haviam saído do baú, muito antes de nossa chegada. Faz considerar

a intensa verdade das palavras de Mosquera que nos diz:

Seria interessante observar que na medida em que o adulto se pergunta pelo significado da sua vida, implicitamente, está perguntando qual o sentido profundo da história. Pois somente, o homem é capaz de fazer história e a história é verdadeira na medida em que existem homens para narrá-la (1978, p. 178).

E essas mulheres contaram suas histórias. As falas gravadas expressam

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

106

idéias, sentimentos, emoções e vivências carregadas do jeito mineiro de ser.

Os termos típicos regionais, as palavras unidas, que por vezes se tomam

incompreensíveis ao som do gravador, mas que não impedem a apreensão do

conteúdo, o todo que exprime o pertencer a um tempo, um grupo:

O uso do gravador durante a entrevista foi fonte de inibição para duas idosas,

que após o início da entrevista pediram para que não fosse mais gravada, deixando

livre a condição de registro, escrito pela pesquisadora o que foi realizado. Não

acreditamos ter ocorrido prejuízo para a coleta de dados, pois foram depoimentos

sucintos, e em um deles com momentos de muita emoção.

Os resultados obtidos traduzem o continuum de vivências experenciadas

pelos sujeitos desta pesquisa e nossa análise focou o que apreendemos como

singularidades observadas.

Na seqüência apresentamos os depoimentos selecionados7 e agrupados por

significados, que retrataram o contexto social e as vivências dessas mulheres, de

acordo com as categorias ou blocos temáticos que depreendemos estar contido em

suas falas, ou seja: Casamento e Família; Tomar-se Viúva Meu tempo de luto, a

espiritualidade, Reorganizar a Vida: viuvez - passado-presente-futuro.

Ressaltamos que nossa pretensão foi agrupar didaticamente as categorias,

porém em vários momentos elas estão inter-relacionadas pela proximidade dos

conteúdos apresentados.

7 Os depoimentos das entrevistas serão colocados em itálico e afastados, para diferenciá-los das citações diretas.

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

107

5.1 Casamento e família

A casa, o lar é o espaço privado circunscrito fisicamente configurando-se

como local onde ocorrem parte significativa das vivências individuais, que compõe

parte representativa da história de vida pessoal.

Representa o espaço do privado, de conforto, intimidade, discrição,

isolamento. Nele e com as pessoas que ali estão, são ou foram construídos sonhos,

projetos, vínculos afetivos. É também um local onde se fazem ou compartilham o

"céu" das alegrias e o "inferno" das tristezas, desilusões e aflições humanas.

O casamento consiste em uma das formas para se estabelecer um lar. Na

sociedade tem uma função específica, é normatizado e com ele outros papéis serão

adquiridos. Insere cada um dos cônjuges em outro grupo social, implicando no

confronto de valores, normas e atitudes. As 8 (100%) viúvas, sujeitos dessa

pesquisa, casaram-se dentro do contrato civil de casamento vigente à época -

comunhão de bens - e da religião católica.

A vida cotidiana acontece caracterizada pelo que se passa diariamente na

vida das pessoas, marcada pela rotina, conflitos, esperanças, com o conhecimento

que detemos para lidar com as situações. O cotidiano é, também, o lugar do

diferente do novo e das rupturas que acompanham os ciclos de vida do ser humano.

O casamento é um desses eventos. Demarca novos papéis, um novo ciclo,

responsabilidades, vínculos, compromissos e diferentes maneiras de inserção social.

Ato de relevância social, o casamento agrega uma série de interesses

pessoais, familiares, norteado por critérios e valores morais de cada grupo social; a

família decorrente não é mera reprodução, mas uma aliança de grupos e pessoas. É

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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um grupo social concreto permeado pelas relações de parentesco que espelha as

escolhas realizadas pelo homem no tocante a forma de nascer, procriar e morrer.

Margarida e Hortência em seus depoimentos revelam as diferentes

necessidades que o casamento e a família representam para cada pessoa/grupo:

afeto, sexualidade, segurança, companheirismo, a transmissão de valores, enquanto

Amarylis refere ao seu despreparo para o relacionamento conjugal ilustrando uma

condição comum, à época em que era considerada virtude o desconhecimento das

questões sexuais por parte das mulheres.

Complementa sua fala acrescentando informação sobre os conflitos com

familiares do marido resultantes de valores de vida divergentes entre eles. Três

idosas falaram sobre os problemas vivenciados durante a vida conjugal, que

geraram sofrimento, desilusão e conflitos.

Traduzem condutas masculinas "admissíveis" decorrentes da visão do

homem em relação a subalternidade feminina. É interesse notar que duas delas

mencionam "ter sido sempre sozinhas", resolvendo "as questões cotidianas

referentes aos filhos, a casa, bem como não contando com a companhia dos

maridos para atividades sociais".

Considero que a vida conjugal dessas mulheres, antes da morte de seus

maridos conferiu-lhes a condição de "viúvas de maridos vivos", o que lhes

proporcionou sentimentos e vivências que percebemos serem mais doloridas do que

as causadas pela viuvez.

Depreende-se também a importância atribuída a indissociabilidade do

casamento, concepção enraizada nos valores religiosos professados, no complexo

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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de virgindade-virilidade, segundo Prado (1985), onde ao homem tudo é permitido e à

mulher somente recato e pudor.

A esse respeito, Rubem Alves (2004) diz que a casa é domínio da mulher e o

mundo é do homem, considerando que esse pode ser um dos motivos da diferença

de longevidade entre os sexos. Para ele o homem quando se aposenta fica sem

lugar, sem espaço.

Ballone (2003) esclarece "Em relação ao casamento, todos acreditam que

não dão certo os casamentos dos outros. Dessa forma, quem se casa continua

achando que seu casamento, só o seu, será para sempre".

E, na década de 50 a vida conjugal e familiar era vendida em tons de rosa, o

amerícan way of life encontrava-se no auge e as mulheres casavam-se para sempre.

O que essas mulheres desejavam de fato do casamento é uma questão a ser

explorada. O psiquiatra Ballone, refletindo sobre expectativas matrimoniais e

resultados de satisfação pontua:

Sinal dos tempos ou não, a motivação e os requisitos para que o casamento dê certo mudou muito. Houve épocas onde as juras de amor eterno era a motivação quase exclusiva para nutrir as expectativas de sucesso matrimonial, hoje fala-se em afinidades de personalidade. O antigo quesito mulher obediente, caricaturizado na figura da mulher Amélia, passou para sexo satisfatório para ambos. Até os provimentos do lar sofreram profunda modificação e o outrora marido provedor, orgulhoso e cumpridor de sua missão, dá lugar à divisão das despesas (2003).

Expectativas e mudanças deveriam andar juntas, mas nem sempre

conseguimos trocar valores. Sobre essa questão recordo uma máxima oriental de

autor desconhecido que diz: "Nós só mudamos quando a dor de mudar for menor do

que a dor de ficar", e uma parcela de mulheres ao longo da história ficou pelas

implicações socioeconômicas, culturais e emocionais que envolvem a mudança. Mas

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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retornando as falas dos motivos de casamento ...

[...] Casamos com a intenção de fazer um pé de meia [...] (Margarida).

Casei com amor, afeto, carinho e tudo o mais que se pode imaginar. Eu sempre fui mãe dedicada, filha e esposa exemplar, eduquei meus filhos muito bem, na religião. Fui criada muito certinha, minha mãe me criou muito correia [...] (Hortência).

Casei-me muito boba, inocente, nova, com 17 anos..Minha mãe falou pra ele que eu não sabia cozinhar. Meu marido era mais maduro, disse que me ensinava. Tive dificuldades de relacionamento [...]. Eu sofri muito com a família dele, porque eles eram muito revoltados [...] (Amarylis).

Nas falas de Hortência e Amarylis está oculto o grande tabu do início do

século XX: a sexualidade humana, que gradativamente foi substituído pelo da morte

inexistente nessa época.

Maranhão (1985) discorre, em seu livro, sobre esse processo de substituição

e Ariès (1990) analisa o que denominou de morte invertida, a atitude do homem de

expulsar a morte de seu convívio, escondê-la nos hospitais, asilos e entre outros

locais que lhe permita ao homem ignorar a sua existência.

Observou-se que as viúvas não apresentaram dificuldades para falar das

questões referentes a morte e tampouco recorreram ao uso de eufemismos, porém

em referência a virgindade, ao desejo existente entre o casal, a educação recebida

com relação ao sexo e os problemas de entrosamento sexual eles foram utilizados,

acompanhados de um encabulamento. Ao marido cabia iniciar sexualmente a

mulher. Ela por sua vez deveria contar com a sorte.

Tulipa, Hortência, Angélica, Rosa e Líria mencionaram a satisfação afetivo-

sexual que obtiveram no relacionamento conjugal.

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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[...] a afetividade que tive com meu marido me preencheu Fazíamos todas as coisas juntos, eu colaborava nas atividades dele e ele com os meninos na casa [...] (Tulipa).

[...] aceitar outro homem na vida não dá certo. Nós tivemos uma vida muito boa, com carinho, amor, fazia alguma coisa, na mesma hora pedia desculpas, não nos deixávamos abalar pelo acontecido. Ele era muito forte, muito dedicado [...] não tenho coragem de me expor para outro homem (Hortência).

[...] meu marido não era bruto, era educado [..J não saia de casa [...], mas me deixava sair durante o dia em companhia da filha, não dava palpite em roupas, era muito bom (Angélica).

[...] meu marido só faltava adivinhar o que eu queria [...J viajávamos, freqüentávamos festas até o amanhecer na rua. O meu marido foi muito bom para mim [...] (Rosa).

[...] meu marido era carinhoso, nunca gritou comigo, nos sempre entendíamos um ao outro. A gente tinha muita atenção um com outro, fomos grudados até ele morrer. Foi uma vida maravilhosa no geral [...] (Liria).

É relevante apontar que há uma valorização dos homens por não recorrerem

à violência - verbal, psicológica ou física - no relacionamento estabelecido. É sabido

que a violência, em suas diferentes formas, era comum nos relacionamentos

conjugais das gerações passadas, como nas presentes. Prática decorrente dos

padrões autoritários que delimitavam/delimitam as posições diferentes de homens e

mulheres na organização familiar, como relembram Violeta e Líria.

[...] meu marido era bravo, tinha um génio ruim [...] era muito sistemático, brigava comigo e com os meninos não unha muita paciência, mandava tinha que fazer l..] (Violeta).

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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[...] o almoço dele tinha que estar pronto às 11 horas. Todos os dias, se não estivesse ele brigava [...] (Liria).

Os antropólogos nos ensinaram que o fato de ocorrer mudança em um dos

elementos da composição familiar não representa que todos os demais também

mudaram.

A importância de considerar essa perspectiva reside no fato de que a família,

hoje, tem sofrido trans formações como, por exemplo, nas relações entre pais e

filhos, mas não significa que não possam manter o caráter tradicional (SARTI, 1991).

Tal consideração contém um alerta, o de atentarmos às implicações de

generalizar mudanças observadas nas relações familiares. As mulheres que

prestaram depoimentos, nascidas no primeiro quarto do século XX (1914 a 1945),

vivenciaram transformações em todas as esferas de suas vidas, como também se

encontravam em fases de vida diversas quando essas mudanças chegaram.

Os relatos da convivência desses casais demonstram que os relacionamentos

foram permeados por comportamentos por vezes até contraditórios. Cada um foi

absorvendo as mudanças que aconteciam fora do lar de acordo com suas próprias

possibilidades de experenciar o público.

O depoimento de Angélica sobre o comportamento de seu marido enquanto

provedor exemplifica as considerações acima.

[...] tudo era ele que comprava. Eu ia de vez em quando com ele no armazém [...] Ele comprou um carro e me deixava dirigira vontade. Eu ia no

posto abastecia o carro e não via o quanto ficou, ele pagava.. Único controle que eu tinha era esse, ele comprava o que queria para a casa [...]. Era modeminho até demais, lia muito. Era pra frente com a filha, ele não achava que tinha que casar. Tanto que a filha não casou. Vive junto há oito anos [...] Eu é que no começo achei ruim [...] agora não importo mais [...]

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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Trabalhar, pensar nos filhos e cuidar da casa tornaram-se rotinas na vida das

mulheres que necessitaram realizar arranjos domésticos para dar conta do montante

de atividades, Amarylis é uma das entrevistadas que conta sobre como organizou a

vida doméstica principalmente quando os filhos eram pequenos.

Aos 18 anos tinha o meu primeiro filho. Tenho 4 homens, o mais velho ajudava a cuidar dos menores, um ia cuidando do outro. Meu marido não ajudava por causa do trabalho. Eu criei eles sozinha. Resolvia tudo em relação às crianças.

Destaco que, das entrevistadas, somente uma permaneceu em casa cuidando

das tarefas domésticas e tendo o marido como provedor e responsável por suprir

todas as necessidades da família, exercendo os papéis ditos como tradicionais para

o casal.

Meu mando era quem comprava tudo, saia do trabalho e trazia o que nós precisávamos. Eu cuidava dos meninos, da casa, costurava para a família [...] não tinha as coisa de agora [...] Depois é que foi chegando [...] (Liria).

A identidade social da mulher se elaborava a partir da esfera doméstica e não

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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acima. Das sete trabalhadoras quatro realizavam atividades de costura dentro do lar,

o que lhes facultava exercer seus demais papéis, organizando-se para o

cumprimento do mesmo nos horários livres.

As interações sociais proporcionadas por meio dessa atividade permitiam

receber informações, discutir as inovações e proceder a assimilação do que chegava

até elas.

Três desenvolveram trabalho fora do lar. Duas em profissões na área da

educação, fazendo uma carreira profissional, o que as insere nos primeiros grupos

de mulheres a ingressar e permanecer no mercado de trabalho após o casamento,

mesmo que tenham passado para outros cargos quando seus filhos já estavam

maiores.

No entanto, devemos recordar que as atividades vinculadas a educação eram

aceitas principalmente por se restringirem a quatro horas de trabalho diários. A outra

entrevistada trabalhou na área de prestação de serviços. Das mulheres que ficaram

em casa, duas exerciam atividade laborativa em empresas deixando-as antes do

casamento, ratificando os padrões tradicionais da época.

Na realidade, também nos contam sobre a realidade econômica da família

que foi sendo alterada ao longo dos tempos. O primordial é que por meio de seu

trabalho no interior das paredes do lar, resguardavam o status masculino de

provedor, a si próprias das tentações mundanas, mantendo o respeito, auxiliavam na

manutenção da família.

Mas deixam entrever o que acredito ser um fator determinante para a postura

de reformulação de vida após a viuvez e conseguirem "levantar sacudir a poeira,

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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dando a volta por cima" desde que começaram a trabalhar sentiram-se

independentes, livres, detinham como continuam a deter uma quantia em dinheiro

que lhes permitiu praticar suas escolhas, escolhas para si próprias.

Elas obtiveram no cotidiano o aprendizado necessário, possuíam o conteúdo

do conhecimento cotidiano.

[...] eu tinha o meu dinheiro. Os homens são meio rudes. Costurava só em casa porque gostava de cuidar das crianças [...] (Amarylis).

[...] trabalhava porque o que o marido ganhava não dava, cuidava dos filhos e fazia meus trabalhos [...](Violeta).

[...] antes de casar eu combinei com ele só uma coisa, que eu queria trabalhar. Nunca precisei pedir dinheiro para minhas coisas [...] eu trabalhava/trabalho até hoje [...](Angélica).

Para essas gerações, havia uma pauta sugerida de vida: ter filhos, cuidar do

marido, dos idosos e ser dona de casa. Esse grupo cumpriu a sugestão e, em sua

maioria, acrescentou outras. Não contaram com o estímulo social ou o

reconhecimento dos familiares e posteriormente de si próprias para adquirir

instrução formal.

O grau de instrução predominante é o ensino fundamental básico.

Angélica traduz essa realidade. Percebe as discrepâncias de atitudes entre a

postura de seus pais para consigo, as de sua filha para consigo própria e dela e da

filha frente ao neto.

Relaciona o valor da instrução para a obtenção de ganhos financeiros, na

educação da filha frente a suas limitações, retirou-se de cena delegou ao marido,

que possuía maior grau de instrução, a tarefa de orientá-la, excluindo-se de

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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participar nesse aspecto da vida da filha.

No momento, incentiva e auxilia a filha para que termine o nível superior e

estimula o neto a estudar. Embora manifeste desejo de voltar a educar-se,

desacredita de suas potencialidades, crença que trouxe para o casamento.

[...] Iludi com a cozinha, fiquei em casa mesmo [...] sinto não ter um estudo, para conseguir uma vida melhor [...] Os pais antigos não se preocupavam muito com a vida dos filhos [...] Hoje acho que minha cabeça não dá conta não. Único curso que fiz foi de cabeleireira [...] Meu marido era formado ele orientava os estudos da filha. Eu nem chegava perto. Tudo era ele que participava. Eu era desligada. No começo do casamento ele arrumou pra eu estudar. Eu não quis. Minha filha deixou os estudos, agora voltou, eu vou ajudá-la com a mensalidade. Vou fazer de tudo para meu neto estudar (Angélica).

Os laços de parentesco são valorizados até mesmo porque foi por meio deles

que algumas conseguiram se reestruturar, ultrapassando as dificuldades pessoais.

Há uma expectativa que o contrato entre gerações possa se cumprir: "Eu cuidei de

você quando pequeno, agora você cuida de mim que estou velha (o)".

[...] ele era um bom filho e pai. Tanto é que não passei apertada quando ele ficou doente porque a mãe dele nos ajudou. Eu não vou desentender com a minha filha. Eu não sei o dia de amanhã. Com ela, se eu tiver 80 anos, ela é a mesma comigo (Angélica).

/.../ quando meu marido ficou doente, meus filhos me ajudaram [...] tanto que agora moro com um deles [...] (Liria).

[...] meu grupo é muito bom. Temos uma convivência alegre, eles me ajudaram muito (Rosa).

[...] o grupo de vizinhas me ajudou quando meu marido morreu. Nós moramos muito tempo perto, agente se ajuda sempre (Violeta).

A vida cotidiana que puderam construir com seus parceiros revela o concreto

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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das contradições, mudanças que foram possibilitadas pelo século XX. Massi diz que

o trabalho.

[...] que a mulher/mãe faz de unir os filhos, de juntar a família maior, de contar a história familiar é um trabalho de memória viva. Através de inúmeros e pequenos gestos cotidianos, ela tenta manter, sua família coesa.[...] mesmo a mulher moderna, que sai para trabalhar, carrega dentro de si essa idéia de lar, tem gestos e atos que visam a garantir a existência do mesmo. (1992, p. 77)

Acredito que essas mulheres praticaram esse conceito de lar, pois por mais

que algumas tenham encontrado ou vivenciado problemas de relacionamento,

buscaram manter seu grupo familiar coeso.

5.2 Tornar-se Viúva. Meu tempo de Luto, a espiritualidade.

A morte de um membro da família, em geral, recai sobre os sobreviventes

como um peso. Gera inúmeros sentimentos: mágoa, desgosto, dor, alívio,

arrependimento, culpa, remorso, solidão, desamparo.

Nos primeiros tempos depois da morte dele parecia que eu estava sonhando, que aquilo não estava acontecendo comigo. Muitas visitas. As pessoas ficavam surpresas porque imaginavam que eu ia desmoronar (Tulipa).

Eu tive que assumir os negócios e foi muito difícil, os filhos vivendo cada um a sua vida, não podiam me ajudar (Margarida).

Pode tornar-se um peso na alma. A viuvez representa o rompimento de um

vínculo que perdurou nesse grupo em média por 30 anos. Um fio que teceu ou

participou das diferentes tessituras realizadas por essas mulheres.

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Representa o peso de um papel nascido da morte. Ao romper-se, outros

também se desfizeram e como uma teia de aranha, a destruição e a possibilidade de

manter laços com o externo, são ameaçados. Quando é grande a ligação entre duas

pessoas, como pode ocorrer entre marido-mulher, a morte de um deles pode

ocasionar um forte desequilíbrio para o que sobrevive.

Eu conto com os meus filhos e vizinhos. Desde a morte de meu marido não vejo a família dele (Amarylis).

Eu sinto muita falta de meu marido, muita mesmo [...] ele era carinhoso, nós conversávamos muito, saia junto com ele, agora é diferente (Liria).

Foi só o marido falecer os sogros se afastaram. Nunca mais os parentes de meu marido vieram aqui. Nunca brigamos. Só que desligou. Eles não vieram aqui eu não fui lá (Angélica).

O impacto causado pela viuvez nesse grupo parece estar associado à própria

condição, ou seja, por meio dos depoimentos identificamos um tempo de luto ou

após a convivência com situações até então desconhecidas ou deixadas na

juventude: preconceitos, inveja (da condição de ser viúva por existir uma analogia

entre ser viúva e ter liberdade), o sentimento de morte social, retornar a competir no

mercado afetivo e recasar-se, segundo vimos o eterno dilema proposto às viúvas.

Os depoimentos abaixo falam pó si:

As mulheres chegam e dizem que felicidade a sua em ser viúva. Elas dizem isso porque com certeza não são felizes no casamento. Eu penso assim. Não pergunto para elas, eu acho que elas não são felizes, porque se fossem não desejariam a morte deles (Angélica).

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[...] acho que há muitos preconceitos. Antes me chamavam para ir para ranchos, agora que fiquei viúva, não chamam mais. Os casais não querem gente sozinha perto deles (Tulipa).

É terrível ser viúva. Tem-se sempre a impressão de que as mulheres estão de olho em nós, com medo de tomar seus maridos. Me acautelo, não quero dar meu direito para ninguém. O preconceito existe. A viúva para uns esta sempre à cata de homens. É horrível (Margarida).

Essas atitudes são demandadas, quer porque esse é o comportamento

pessoal, ou porque é o esperado. Outra questão apontada é o receio da

concorrência dessas mulheres no mercado afetivo ou matrimonial, pois persiste a

idéia de que precisam ser satisfeitas sexualmente.

O luto é definido por Carbone (2001, p. 20) como um "processo, no qual uma

sucessão de sentimentos e respostas se mesclam e se substituem, diante da morte

do cônjuge, com o qual se estabeleceu um vínculo profundo e duradouro".

Quando ele morreu, eu senti um choque porque ele era companheiro [...] e faleceu de repente, de madrugada. Ouvi ele roncando, morreu quieto. Pedi socorro. Eu já estava preocupada, mas não imaginava que fosse partir tão cedo (Tulipa).

[...] mesmo ele estando mal tinha esperança de que não morresse. Tenho uma lembrança triste da morte, porque vi meu pai morrer. Essa lembrança nunca saiu da minha cabeça [...] foi muito difícil (Margarida).

O luto foi sempre considerado como uma manifestação importante nas

sociedades, com regras e normas como pudemos descrever. A oportunidade de

reverenciar o morto e demonstrar em público os sentimentos pessoais à

comunidade, com certeza ratificando o pensamento de Hannah Arendt (1983) de

que tudo o que não é público não é verdadeiro.

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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No entanto, a maneira das pessoas lidarem com a finitude e os sentimentos

que desperta, foram encontrando oportunidades de deixar de existir, em nome do

prático, da rapidez, da higiene.

A utilização do preto para anunciar um período de pesar por um ente próximo,

é uma experiência registrada pelas idosas na época de infância e juventude.

Algumas dessas experiências são referendadas como negativas e marcantes,

responsáveis pela atitude da idosa em não externar seus sentimentos por meio de

vestimentas pretas. Mas é a fala de Tulipa que sintetiza e expressa o processo que

vivenciaram e que saltita aos nossos olhos: a mudança de mentalidade.

Eu não usei preto. Eu talvez não usei porque meu marido sofreu quando sua mãe morreu, porque colocaram nele uma camisa preta e zombaram dele na escola. Quando meu pai morreu usei preto. Ai perguntei o que é isso ai (Margarida).

A mudança de mentalidade contribuiu muito para não usar o preto [...] (Tulipa).

A fala de Tulipa resume as demais. Aries diz que "hoje se consumou uma

inversão completa dos costumes, ou tal parece ter ocorrido, numa geração (1990, p.

613). Em sua análise ele assegura que desde a metade do século XIX mudanças

sutis são identificadas: a dissimulação - ocultar do doente que irá morrer, não

chamar o padre ou outro religioso que impressionasse o doente, levando-o a

suspeitar da possibilidade de morte, supressão da comunicação do doente de suas

últimas vontades e outros.

As entrevistadas referendam a condição de ausência, de estar sem chão, de

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

121

morte, são interpretadas pelas viúvas como demonstração de amor, carinho, de

valorização a sua pessoa e aos descendentes.

Na realidade esses maridos adotaram atitude tutelar durante toda a vida em

comum do casal. Duas hipóteses emergem dessa ação: é possível que eles,

antecipando as dificuldades das esposas para começarem a interagir com as

questões da vida prática, procuraram desempenhar o papel tutelar que

compreenderam ser de sua competência? Ou é a forma de controlar até onde é

possível o destino da família? São questões a refletir. Assim, Liria e Angélica contam

suas experiências:

[...] ele deixou tudo certo, antes de morrer. Passou o que podia para meu filho, vendeu nossa casa e comprou um apartamento, quando ele morreu fui morar com meu filho e ganho mais o aluguel por mês (Liria)

.

[...] ele sempre foi muito organizado. Ele deixou os papéis do INSS tudo em ordem, tudo estava até grampeado. Eu só tive o trabalho de levar lá (Angélica).

O que fazer após o cerimonial? Como tudo na modernidade, ele é "limpo",

rápido, curto e higienizado. O preto não é mais a sua cor oficial, mesmo porque o

preto tingiu as roupas que desfilam nas instâncias do poder de acordo com Harvey

(2003).

Cerimoniais a parte, o luto tem um sentido em nossa vida. E por caber no

âmbito afetivo, percebemos, por meio das falas das idosas, que para cada uma

haverá um tempo de reconciliação e revisão.

Fiquei deprimida, demorei para me recuperar, no coração eu fiquei de luto por mais de um ano [...] (Liria).

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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O que a gente vai fazer [...] o melhor é tocar a vida até quando Deus quiser [...] (Violeta).

A utilização de roupas pretas não ocorreu, religião e espiritualidade possuem

vínculos desde sempre na alma humana. Frente à finitude, sentimos necessidade de

atribuir significados, de encontrar explicações e alimentar esperanças de

reencontros, se for o desejado.

O termo espiritualidade, em sua acepção, categoriza os conteúdos que

emergiram dos depoimentos das idosas, como também a vivência e participação

ativa dessas mulheres nas ações pastorais e comunitárias da Igreja Católica em

Passos.

Duas idosas são membros ativos desde a juventude. Com o casamento

compartilharam atividades enquanto casal, formaram um círculo de amigos que após

a morte de seus maridos, constitui-se em fonte de apoio e estímulo para se

reorganizarem.

Acreditar na ajuda divina gera sensação de conforto e bem-estar. Esse tema

tem instigado pesquisas na área da saúde que buscam comprovar a relação entre

orações intercessoras e resultados mais satisfatórios em procedimentos invasivos,

em recuperações pós-traumas, entre outras.

Sousa afirma que o fato da religião poder funcionar

[...] como um fator positivo ao manejo (coping) de situações de estresse é algo bastante encontrado na literatura. A afirmação de que a religiosidade possa ser uma fonte rica para encontrar propósitos de vida, assim como para formular orientações cognitivas e avaliações de situações vitais, evidencia seu potencial como função mental de buscar sentidos para vive. [...] Há, atualmente, crescente evidência científica de que a atividade religiosa geralmente associa-se a variados critérios de saúde mental e de bem-estar subjetivo (SOUSA et ai., 2001/2002, p. 2).

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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Essas referências se materializam por meio das faias de algumas idosas.

Designar a fé estimula a mobilização das potencialidades internas dessas idosas no

enfrentamento da solidão, da ausência, do refazer de seu caminho. O envolvimento

com atividades religiosas nesse grupo acontecia antes da viuvez e 70% do grupo

contavam com a companhia do marido, e tais atividades se mantiveram.

A crença no auxilio da oração e do apoio espiritual por meio dela é

comungada pelas mulheres, tanto em praticar orações intercessoras quanto no

sentir-se confortada por saber que a elas também são dirigidas. Identifica-se um

conforto espiritual.

Se não fosse a oração dos católicos, evangélicos, foi o que me ajudou a dar conta do recado, força e resistência para enfrentar. Fé é uma âncora, segura na mão de Deus e vai. Não tenho medo de nada [...] (Hortência).

Deus é o meu rochedo. Ele nunca me abandona. Eu rezo e rezei para ele nunca me abandonar, para ficar sempre comigo, e a cada ano que passava eu dizia: - se agüentei um ano, agüento mais um, E Deus vai estar comigo. Ele vai dar ombros fortes para eu agüentar [...] (Tulipa).

5.3 Reorganizar a Vida: viuvez - passado-presente-futuro

Reorganizar a vida implica em esmiuçar o cotidiano, em desaprender hábitos

antigos e escolher novos. Parece ser o momento de não delegar ao outro ou a

situação de viuvez a responsabilidade de ser feliz. Amarylis retraía de forma

contundente esse período, do desapego, das trocas, do desfazer.

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A morte dele não mudou muita coisa. Vivi sempre muito sozinha. Era independente, mas a hora do almoço era a mais custosa para mim. Todos os dias as 10 hs eu ia para o fogão, aí eu lembrava que não precisava fazer o almoço para as 11 hs, como ele exigia. Ai eu ficava sem saber o que fazer. Os filhos ajudaram, passei a almoçar na casa deles, moramos todos perto. Faço minhas coisas, estou bem (Amarylis).

Sair buscar velhos e novos caminhos é o que fizeram essas mulheres. De

forma sofrida ou aliviada, sentindo-se só ou com liberdade. Parece que realizaram

uma opção a de reconhecer que elas são responsáveis pela própria felicidade.

Durante um tempo fiquei perdida, chorando, atacando as pessoas, brava. Ai minha cunhada me convidou para ir no Bem Viver e fui, quando cheguei lá e vi aquela velharada, eu não queria ficar lá, nunca tinha visto tanto velho junto daquele jeito. Em casa nos temos gente de todas as idades. Eu estava acostumada a viver assim. Levei três meses para me ambientar, mas fiquei e participo de tudo. Tentei namorar, mas não dá certo, aceitar outro homem na vida. Tenho amigos, passeio e sou feliz (Hortência).

Tanto Hortência quanto as demais trazem as questões do envelhecimento

situando-as no universo feminino. São preocupações com o envelhecimento

saudável, tanto físico, psíquico como emocional. Conscientes da necessidade de

realizarem a sua parte são ativas participantes dos grupos existentes na cidade para

atividades físicas.

Elas manifestam preocupação em conseguirem ter autonomia e

independência na maior parte da vida futura. Demonstram preocupação com a

possibilidade de acontecer mais tarde a dependência. Citam os familiares como

atenciosos, amorosos, porém com família, são trabalhadoras e inquietas com os

sentimentos ou conflitos que possam existir de ambos os lados frente a essa

dependência. Cogitam lançar mão de outros arranjos: morar com familiares da

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mesma idade, contratar uma cuidadora ou ficar asilada.

Para ficar amargurada eu fico aqui em casa, arrumo uma pessoa para ficar comigo. O que eu ganho mais a pensão dá para pagar uma pessoa , sem luxo, mas dá. E se não der mesmo, meus irmãos me chamaram para ficar com eles. Mas eu não quero, quero viver minha vida só. [...] Agora que sou livre (Angélica).

Eu tenho meus filhos, mas se eles não puderem cuidar de mim, acho que é melhor ir para o asilo (Violeta).

A condição de ser viúva ainda é um atributo que leva a discriminação,

preconceitos. De forma geral as mais ativas socialmente percebem atitudes

discriminatórias demandadas por ambos os sexos.

As mulheres sentem-se ameaçadas no campo afetivo e os homens crêem que

viúvas estão com a sexualidade "à flor da pele" e outros que desejam ser mantidos

pelas parceiras, procurando vincular-se às mulheres com melhores condições

econômicas.

Quer por ações sutis ou mais agressivas, também são alvos das mulheres

casadas que invejam a liberdade que desfrutam. O que percebemos é a persistência

da mentalidade antiga com as possibilidades atuais.

Arrumei um namorado. Moramos uns tempos juntos ele veio para minha casa. Era um companheiro excelente, mas não pagava as contas. Me causou tantos problemas, muito diferente de meu marido. Ele tinha outras namoradas enquanto estava comigo (Angélica).

É terrível ser viúva. Tem-se sempre a impressão de que as mulheres estão de olho em nós, com medo de tomarmos os maridos delas. Me acautelo.

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Capítulo 5 – Envelhecimento, mulher e viuvez: analisando os resultados

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Não quero dar meu direito a ninguém. O preconceito existe. A mulher viúva para uns está sempre a cata de homens. Ê horrível eu acho. Hoje eu não sinto mais, porque tenho meu namorado (Margarida).

Há discriminação sim, se chega lá no clube e tem uma mulher com um homem você cumprimenta logo a gente vê que ela dá um cutucão nele. [...] Outro dia subindo a rua encontrei umas amigas que são casadas. Elas disseram queria ser você que não tem marido. Eu respondi: Ter o nome de viúva é muito triste. É triste em toda parte. Se você olha para seus filhos, você diz meus filhos não tem pai. Se vai numa festa não pode conversar com um casal porque você esta jogando charme no homem, não pode rir porque é viúva regateira. Ser viúva não é brincadeira não (Hortência).

Antes me chamavam para sair, agora que fiquei viúva não chamam mais. Os casais não querem gente sozinha perto deles. Penso que eles não acham graça sem o meu marido estar junto, porque ele era muito alegre. Mas eu tenho postura, não fico me insinuando (Tulipa).

Sinalizam também uma cruel disputa entre as que estão viúvas que costumam frequentar atividades de salão, bailes, pois conforme dizem a partir do momento que uma idosa viúva arranja um namorado ela passa a desenvolver comportamento segregativo para com as demais, com receio de perdê-lo (Tulipa).

São mulheres que participam de diferentes formas da vida familiar. Colaboram

com os filhos nos cuidados dos netos eventualmente, por vezes financeiramente ou

deles recebendo auxílio quando necessário.

Tanto ir a Aparecida do Norte quanto a Europa são atividades de lazer que se

encontram na vida dessas mulheres, que realizam ações voluntárias em algumas

obras sociais da cidade. O que constatamos é que a maioria delas ampliou suas

formas de participação social.

Resguardadas as dores as entrevistadas com maior ou menor tempo, passou

a fazer sua escolha, saindo da condição onde se colocou após a morte do marido,

iniciando um movimento de renovação. Refletir sobre a única certeza humana pode

gerar nosso encontro com a vida, com os nossos desejos e vontade. Acredito que

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seja isso que torne as mulheres coloridas, porque ele vem da decisão de: Começar

de Novo e contar comigo.....

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Considerações finais

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bre-se a porta da gaiola! Assim sintetiza Rubem Alves (2004) o

que, a seus olhos, acontece quando a mulher idosa fica viúva. Acrescento que

algumas calçam rodinhas nos pés. Do privado para o público, a vivência de novos

papéis, inclusive o de viúva é o que deixa entrever a porta aberta. Resta conseguir

passá-la, alçar vôo tal como uma águia8.

Por que a águia? Porque penso que a analogia é adequada ao processo,

efetuado pelas protagonistas dessas histórias. Apesar da singularidade de cada

relacionamento, todas passaram pelo mesmo dilema de sobrevivência que ocorre

com a águia. Explico.

Essa ave, aos quarenta anos, tem que optar por realizar um processo

doloroso de renovação, está envelhecida e precisa substituir o bico, unhas e penas,

caso deseje manter-se viva. O processo de renovação em isolamento dura cinco

meses. Ao término, está pronta para retomar as campinas e voltar a viver por mais

trinta anos.

"É um vôo diário de vitória, acontece quando o indivíduo está aberto a

mudanças e renovações!! Somente livres do peso do passado, poderemos

aproveitar o valioso resultado de uma... RENOVAÇÃO" (autor desconhecido).

Renovar, mudar, elaborar perdas quaisquer que sejam. Significou

8 Texto recebido por meio eletrônico em agosto 2005 de autor anônimo.

A

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Considerações finais

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desaprender o papel de esposa e passar a construir o de viúva. Despojar-se do

passado, para redefinir o presente e futuro. É esse o processo que determinará o

seu luto, o quanto de tempo precisará para reorganizar-se, rever rotinas,

reaprendendo novos fazeres, elaborando um projeto de vida.

Terá que enfrentar o cotidiano impregnado do fazer antigo, da juntidade, do

cuidar, do partilhar, da espera pelo retorno, como caracteriza Agnes Heller (1985) da

“entonação” desse ser que partiu.

Nessa tarefa a rede social assinala a sua importância e a fragilidade de quem

não a possui. Contaram com o apoio de pessoas próximas do circulo de

relacionamento pessoal ou familiar, para retornar a vida social. Há valorização dos

laços familiares, aos grupos de perte namentefa a rede socia1 queonstfutuuva. ( ) Tj 0 -27.75 TD -03.003 Tc 50352 Twacors do com (seritcomisentoral mulhazerde viús24 desseonunado determinara, par( ) TT*TD -036534 Tc 050164 Twsido ue temos du lutoumr aeza1 queoessnormr deixl odsse sel aum vida peaosar) Tj2317.75 0 TD -002534 Tc 41.164 Tw grupoo

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Considerações finais

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sabem o que é trabalhar no anonimato das tarefas domésticas, integrar o mercado

de trabalho, ter dupla jornada, ser submissa, ser companheira.

E diria que são mulheres coloridas porque parecem estar vencendo a cruel

tríade da descriminação: ser mulher, envelhecida e viúva.

São mulheres do agora, preocupadas com uma participação social que traga,

além de seu próprio benefício, também um bem à comunidade. Sentem-se livres

para praticar suas escolhas, assumindo ou ampliando papéis, independentemente

da qualidade da relação conjugal, familiar e social anteriormente existente.

Desejam estabelecer relações que lhes tragam companheirismo, afetividade,

alegria, felicidade. Passear, dançar, viajar de avião, conhecer outras cidades,

bordar... viver, construir a história, tecendo o futuro.

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Anexos

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ANEXO A - Poema Retrato de Cecília Meireles

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:

- Em que espelho ficou perdida

a minha face?

Cecília Meireles

A Poetisa da Alma Cecília Meirelles http://www.geocities.com/fedrasp/cecilia-meireles.html

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Anexos

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ANEXO B - Músicas de Ataulfo Alves e Erasmo Carlos

Ai QueSaudadesdaAméta Ataulfo Alves - Mário Lago

Nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Nem vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo o que você vê, você quer Ai, meu deus, que saudade da amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer Quando me via contrariado Dizia: "meu filho, o que se há de fazer!" Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade

Composição: Erasmocarlos - Narinha

Mulher (Sexo frágil) (Narinha - Erasmo Carlos)

Dizem que a mulher é o sexo frágil Mas que mentira absurda Eu que faço parte da rotina de uma delas Sei que a força está com elas Veja como é forte a que eu conheço Sua sapiência não tem preço Satisfaz meu ego se fingindo submissa Mas no fundo me enfeitiça

Quando eu chego em casa à noitinha Quero uma mulher só minha Mas pra quem deus luz não tem mais jeito Porque um filho quer seu peito O outro já reclama sua mão E o outro quer o amor que ela tiver Quatro homens dependentes e carentes Da força da mulher

Mulher, mulher Do barro de que você foi gerada Me veio inspiração Pra decantar você nesta canção Mulher, mulher Na escola em que você foi ensinada Jamais tirei um 10 Sou forte, mas não chego aos seus pés.

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Anexos

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ANEXO C - História de Maria Madalena

Maria Madalena

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre

http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Madalena.

Maria Madalena, que significa, provavelmente, "Maria de Magdala." uma localidade na costa ocidental do Lago de Tiberíades. é referida nos evangelhos (canónicos e apócrifos) como sendo uma seguidora de Jesus Cristo. Nada se sabe sobre ela, para além do que aparece nestes evangelhos. É festejada no dia 22 de Julho.

A tradição, sem qualquer fundamento bíblico, cons idera-a, muitas vezes, como a prostituta que, vivendo à mercê dos homens, pede perdão pêlos seus pecados a Cristo. Este episódio é frequentemente identificado com o excerto do Evangelho de Lucas 7:36-50, ainda que af não seja referido o nome da mulher em causa.

Esposa de Jesus?

Alguns escritores contemporâneos, principalmente os autores do livro de 1982, que em Portugal se intitulou O Sangue de Cristo e o Santo Graal,(Holy Blood, Ho/y Grail) e Dan Brown no romance O Código Da Vinci (2003), defendem que:

• Maria Madalena era, de facto, mulher de Jesus Cristo, e que

• esse facto foi escondido por revisionistas cristãos paulinos que teriam alterado os evangelhos.

Estes escritores basearam-se nos evangelhos, canónicos e apócrifos, além de escrituras gnósticas para fundamentarem as suas conclusões. Ainda que o Evangelho de Filipe designe Maria Madalena como "companheira de Cristo", o que parece indicar que fosse especialmente próxima de Jesus, não há nenhum documento antigo que refira abertamente que ela fosse sua esposa.

Um argumento a favor desta especulação refere-se ao facto de que o celibato era muito raro entre os judeus homens, da época de Jesus, sendo considerado, mesmo, como uma transgressão ao primeiro mitzvah (mandamento divino)— "Sede fecundos e multiplicai-vos". Isso seria considerado impensável para um adulto, ainda mais quando viajava pela Judeia pregando como rabi.

Pode-se, contudo, usar o contra-argumento de que haveria uma grande diversidade de correntes religiosas dentro do judaísmo, além de que o papel de rabi ainda não estava bem definido. João Baptista e os essénios eram celibatários. Paulo de Tarso era-o também, quando ainda se julgava que o cristianismo deveria ser uma religião destinada apenas ao povo judeu. Na verdade, só depois da destruição do Segundo Templo no ano 70 d. C. que o judaísmo rabínico se tomou a corrente dominante entre as comunidades judaicas.

Maria de Magdala é, sem dúvida, uma das presenças femininas de maior destaque nos evangelhos. A sua presença na crucificação de Jesus, ainda que de modo algum conclusiva, é, contudo, consonante com o papel de esposa em sofrimento e viúva desconsolada, ainda que fosse de esperar que Jesus a encomendasse a alguém, como fez a sua mãe (contra-argumento que poderá ser posto em causa se fizermos outra interpretação das palavras de Cristo durante a última ceia). Dada a falta de provas escritas, dessa época, ainda que muita gente goste de considerar a hipótese ou a defenda acerrimamente, a maior parte dos académicos não a leva a sério.

Tornou-se célebre, com a divulgação do livro já referido de Dan Brown, o argumento de que n'A Última Ceia, de Leonardo da Vinci. a personagem que está à sua direita, com traços femininos, seja Maria Madalena e não João, como outros defendem. O facto de Jesus não envergar nenhum cálice (o

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Anexos

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Graal) poderá levar a interpretações que muitos consideram abusivas, como acreditar que Maria Madalena é, de facto, o "cálice sagrado" onde repousa o "sangue de Cristo" ou seja, que ela estaria, na altura, grávida de Jesus.

Do romance ficcional à teologia

Os teólogos católicos consideram inaceitável a pseudo-história narrada no romance de Dan Brown. Argumentam que qualquer historiador de arte sabe que a representação de Leonardo Da Vinci se funda no Evangelho de S.João, numa passagem (Jo. 21, 20) em que se fala do discípulo amado (que seria o próprio João) e não propriamente nas passagens referentes à instituição da eucaristia (Mc 14, 22-25; Lc 22,14-20; Jo 6,51-59; 1 Cor 11,23-27). Isso explica a inclinação do discípulo amado e a surpresa dos restantes apóstolos quando ele pergunta a Jesus: "Senhor, quem é que te vai entregar?". Esther A. Boeur, ministra luterana, avança ainda mais. Ela considera disparatadas as teses de Dan Brown mas ressalva com argumentos concretos e verossímeis o chamado discipulado de iguais. Maria Madalena não foi, nem poderia ser esposa de Jesus. Caso contrário, ele nunca teria legitimidade para dizer aos discípulos que abandonassem esposa e filhos para o seguirem. No entanto, ela foi uma das discípulas de Jesus, aquela que anunciou aos seus pares a ressurreição. Além disso, è preciso não esquecer que a maior parte dos restantes dados hist óricos apresentados no "Código Da Vinci" são totalmente errados. Um deles refere-se a uma das maiores fraudes históricas, o Priorado de Sião. Pierre Plantard. responsável por esta instituição, confessou perante a justiça francesa em 1992 ter criado todo um conjunto de argumentos com a finalidade de justificar que era descendente da dinastia dos reis merovíngios. cuja origem estaria num filho de Jesus Cristo e Maria Madalena.

MARIA MADALENA, A PROSTITUTA SAGRADA

Rosane Volpatto

http:7/wvw.rosanevolpatto.trd.br/mariamadalena.htm

A maioria dos homens acredita que a maior ofensa para uma mulher é ser chamada de "prostituta". A partir deste momento você entenderá com a história da Santa Maria Madalena e outras deusas

mitológicas, como esta palavra foi tão depurtada pelo cristianismo.Imagine-se agora, se puder, que estamos viajando no tempo, por terras estrangeiras, alcançando civilizações muito antigas. Com o olho de sua mente veja um templo cintilando de luz. Lá dentro há uma bela mulher coberta de véus, que virá em sua direção dançando. Seus braços são cobertos de braceletes dourados cravados de pedras preciosas e quando passa por você, sentirá um aroma delicioso de flores. Ela é só amor e

êxtase. Ela è a nossa prostituta sagrada que se entrega à Deusa e aos estranhos cansados de viver que vão até o templo venerar a deusa do amor.

Esta imagem fenomenal que contemplamos em nossa imaginação, já foi uma realidade em tempos muito antigos. Inscrições antigas desenterradas de templos, nos contam com mais detalhes destas cerimónias religiosas que eram celebradas em honra a deusa do amor e da fertilidade. Quem ainda

hoje não se encanta com a beleza da nudez de Afrodite?

Mas, quando a prostituição sagrada existiu, as culturas eram embasadas no sistema matriarcal. Nestes tempos, natureza e maternidade eram prioridade, pois tinha-se um mundo imenso para

povoar. Entretanto, a natureza sexual dos homens era tida como uma atitude religicsa. Na Babilónia, todas as virgens, antes de casar, eram iniciadas na feminilidade através da prostituição em templos sagrados. Matronas romanas, da mais alta aristocracia, iam ao templo Juno Sospita para entrar no

ato de prostituição sagrada quando era necessária uma revelação.

Independentemente de onde vinham, por uma origem real ou comum, por uma noite ou toda a vida, as prostitutas sagradas eram nesta época, muito numerosas. Todas elas gozavam de "síatus" social e

eram muito cultas, pois passavam por iniciações e muito estudo. A maioria deias, eram política e legalmente iguais aos homens. No Código de Hmaurábi, uma legislação especial salvaguarda os

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Anexos

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direitos e o bom nome da prostituta sagrada. Ela era protegida contra difamações, assim como seus filhos. Também por lei, a prostituta sagrada podia herdar propriedades de seu pai e receber renda da

terra trabalhada de seus irmãos. Se insatisfeita, ela podia dispor da propriedade da maneira que julgasse conveniente.

Avançando alguns passos de tempo à frente já encontramos a imagem da prostituta sagrada totalmente deturpada. Foi exatamente quando o sistema matriarcal evoluiu para o patriarcal e

patrilinear. Mas este trunfo do patriarcado não foi resultado de uma revolução violenta. Foi com o surgimento da política, do militarismo e do comércio que gerou-se a estratificação social. A mulher passou à condição de subordinada porque seus papéis deixaram de ser importantes para os novos valores. À medida que as conquistas foram acontecendo, um enorme número de povos foram se

mesclando e as divindades de uma foram incorporadas à outra. Imagine a quantidade de deusas e deuses que eram cultuados. Ficou então resolvido, que o melhor seria criarem somente um Deus

Supremo, para ser adorado. Do ponto de vista patriarcal, ele deveria logicamente ser masculino. Foi assim, que o homem criou novas doutrinas religiosas, de acordo com suas crenças na supremacia masculina. Deste modo, os antigos templos do amor, deram lugar à casa do Senhor, deslocando

radicalmente os papéis das mulheres nos ritos religiosos. Sob à nova tradição, a mulher tomou-se Eva, a encarnação da sedução, a ruína do homem. Sua

simples existência era advertência para os desejos físicos, aos quais era necessário resistir mediante o medo de punição eterna. As mesmas qualidades pelas quais as mulheres foram outrora

consideradas sagradas, agora são a razão para as degradarem.

Em nome do Senhor o homem começou a destruir todos os vestígios da deusa e de sua defesa da felicidade sexual. Até o casamento não tinha mais como finalidade o prazer sexual, mas a criação de novas almas para adorar a Deus. Todo o prazer foi tirado da natureza humana e considerado pecado.

Com estas mudanças, as mulheres deixaram de ser consideradas em pleno gozo de seus direitos. A lei romana colocava a mulher sob sua tutela e afirmava que ela era imbecil. Na Grécia, as leis de

Sólon não lhes davam direito algum. A lei hebraica condenava a mulher à morte caso não fosse casta na época de se casar e, se cometesse adultério, era apedrejada até a morte.

Essas novas leis são a antítese das atitudes em relação à mulher e à sua natureza sexual, as quais prevaleceram durante as eras em que a deusa era venerada.

Pois é neste contexto histórico que surge a nossa Maria Madalena.

QUEM ERA MARIA MADALENA?

Maria Madalena é a prostituta mais conhecida da história. Mas pergunta-se, quem era mesmo Maria Madalena?

Todas as incertezas a respeito de Maria Madalena deve-se à uma projeção totalmente alterada. Ela acabou presa entre as incongruências da interjeição moral cristã e a imagem arquetípica da natureza

feminina erótica.

Existem poucas citações diretas sobre ela nos quatro evangelhos, porém ela está nominalmente presente nas passagens mais marcantes na vida do Cristo, como a Paixão e a Ressurreição. Ela é a

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discípula que ama o mestre acima de tudo e é testemunha da Sua Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por isso ela pode ser considerada a primeira apóstula. Entretanto, em outras fontes que não as Escrituras cristãs, já encontramos uma imagem bem diferente de Madalena e sua função. Nos

Evangelhos Gnósticos ela é vista como líder ativa no discipulado de Cristo. Talvez fosse até, uma professora dos apóstolos. O gnóstico "Evangelho de Felipe" relata "a união do homem e da mulher

como símbolo da cura e paz, e estende-se ao realcionamento de Cristo e Madalena que, diz ele, era frequentemente beijada por ele". Ele descreve Maria Madalena como "a companhia mais íntima de

Jesus, e símbolo da Sabedoria Divina".

De acordo com o "Diálogo do Salvador", Maria Madalena foi uma dos três discípulos a receber ensinamentos especiais, e era elogiada acima de Mateus e Tomé. Dizia-se que "ela falava como

mulher que conhecia o Todo".

Mas, a atenção especial que recebia Maria Madalena, acabou gerando rivalidade entre ela e os outros discípulos. Em "Pists Sophia", há algo a respeito de Pedro irritando-se porque Maria Madalena dominava a conversa com Jesus. Ela parecia entender tudo o que Cristo falava, enquanto os outros,

não tinham tanto alcance.Pedro em função disso, temia perder sua posição de liderança na nova comunidade religiosa. Ele exige que Jesus a silencie e é imediatamente censurado. Mais tarde, Maria

admite a Jesus que não ousa falar a ele livremente porque, segundo suas palavras: "Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele porque ele odeia a raça feminina". Jesus responde que quem quer que o

espírito tenha inspirado é divinamente ordenado a falar, seja homem ou mulher.

No "Evangelho de Maria", há uma passagem que os discípulos abatidos com a crucificação, pedem para Maria Madalena que os animassem, contando-lhes coisas que Jesus dissera e ela em particular.

Ela fala então, de sua visão de Cristo e o que ele tinha revelado a ela. Todos duvidaram e a rechaçaram.

Nos "Evangelhos Gnósticos", Maria Madalena é considerada uma mulher capaz, ativa, amorosa, com habilidades de conhecer e falar "o Todo", o que talvez seja uma referência à mais alta Sabedoria,

certa compreensão que o coração recebe e contém. Maria Madalena possuía a habilidade de saber das coisas inexplicáveis, como sua visão de Cristo. Ela não questionava este seu lado, como os

outros. Ela confiava em sua fonte mais íntima. Ela conseguia ver os emissários divinos e transmitir suas mensagens aos humanos. Como prostituta sagrada, ela era mediadora entre o mundo divino e o

mundo dos humanos.

Maria Madalena também operava milagres. Conta-se que após ela ver o Cristo ressuscitado, corre para contar aos outros discípulos. No caminho, encontrou Pôncio Pilatos e falou-lhe sobre a

maravilhosa novidade.

-"Prove-o", disse Pilatos.

Naquele instante, passou ao seu lado uma mulher que carregava uma cesta de ovos, e Maria Madalena tomou um em suas mãos. Quando ergueu diante de Pilatos, o ovo adquiriu uma cor

vermelho-vivo. Como testemunho desse efeito lendário, na catedral em Jerusalém que porta seu nome há uma estátua de Maria Madalena segurando um ovo colorido.

Aliás, o ovo é um símbolo muito apropriado para este contexto histórico, porque ele simboliza uma nova vida. Ovos coloridos ainda hoje são usados com semelhante simbolismo em nossa Páscoa.

Cultuar seus símbolos é uma forma de evocarmos os auspícios de Maria, e meditar sobre eles é uma forma de penetrar em seus mistérios.

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Anexos

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Desde o início da Idade Média, Santa Maria Madalena tem fervorosa devoção, principalmente na Europa, de todos os destituídos, prostituídos, pecadores e despossuídos, que estão em busca de um

verdadeiro arrependimento. Várias instituições foram criadas levando o seu nome, para o acompanhamento e orientação, principalmente, de mulheres vítimas da prostituição.

Diz a lenda, que após a volta do Cristo para junto de Seu Pai, Maria Madalena partiu em busca do isolamento, passando o resto de sua vida em penitência e adoração ao Cristo, habitando em uma

gruta. Como não se alimentava, anjos vinham constantemente em seu socorro, até que veio a falecer e sua alma foi levada por um cortejo de anjos, para o céu, junto ao seu Salvador.

Algumas lendas situam esse período de penitência em um deserto na Palestina, outras contam que ela e outros discípulos, emigraram para Europa. Ela teria ido até Marselha, na França, e depois a

Burgundy, vivendo em uma gruta em Ste, Baume. Lá ela teria vivido até o fim de sua vida, quando foi assistida em seu leito de morte pelo bispo Maximinus, que lhe deu a extrema unção e a enterrou.

Maria Madalena como vemos, continua sendo uma figura proeminente na tradição cristã por uma razão psicológica. A dimensão arquetípica da natureza feminina erótica elege uma figura para ser a portadora de sua projeção. A questão é que os seres humanos, em sua busca espiritual, têm que encontrar uma imagem do feminino que tenha relação com aspectos eróticos da deusa. Mas a

repressão da sexualidade pelo pai cristão manipulou a imagem de maneira que Maria Madalena fosse vista como penitente, renunciando â sua sexualidade.

Diferentemente do homem antigo, cujo amor pelo erótico era considerado compatível com a espiritualidade, esses lideres cristãos negaram exatamente o necessário para a renovação da vida.

Maria Madalena é uma figura feminina com que todas nós mulheres podemos nos relacionar sem trairmos a nossa essência. Como uma prostituta sagrada, é capaz de encerrar todos os aspectos dinâmicos e transformadores do feminino: paixão, espiritualidade e prazer A imagem feminina de Maria Madalena, pode ser portadora de muitos outros significados, quando sua natureza plena for

restaurada dentro da nossa psique.

A imagem da deusa divina que personifica os aspectos risonho, radiante, sábio, independente e sensual da natureza feminina existe desde que se tem registros históricos. E pode continuar a existir em nosso tempo se permitirmos que a sua imagem seja restabelecida e que tome seu lugar de direito

na compreensão consciente.

Texto pesquisado e desenvolvido por

http://www.rosanevolpatto.trd.br/mariamadalena.htm

Bibliografia consultada A Prostituta Sagrada -

Nancy Qualls-Corbett

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Anexos

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ANEXO D - O que dizem das viúvas

Artur de Azevedo

A VIÚVA DO ESTANISLAU

Por ocasi ão da morte do marido, aquele pobre Estanislau, que, depois de uma luta horr ível, foi afinal vencido pela tuberculose, Adelaide parecia que ia també m morrer. Dizia-se que ela amava tanto o marido, que fizera o poss ível para contrair a mol éstia que o matou e acompanh á-lo de perto no túmulo. Emagreceu a olhos vistos, e toda a gente contava que, mais dia menos dia, Deus lhe fizesse a vontade; mas o tempo, que tudo suaviza e repara, foi mais forte que a dor, e ano e meio depois de enviuvar, Adelaide estava rubicunda e linda como não estivera jamais.

O Estanislau deixou-a paupérrima. O pobre rapaz não contava arrumar a trouxa tão cedo, ou, por outra, não teve com que preparar o futuro. Enquanto viveu, nada faltou em casa; depois que ele morreu, tudo faltou, e Adelaide, que felizmente não tinha filhos, aceitou a hospitalidade que lhe ofereceram seus pais.

- Vem outra vez para o nosso lado, disseram-lhe os velhos; façamos de conta que te não casaste.

Não tardou muito que aparecesse um namorado à viúva. Era um excelente moço, o Miranda, que frequentava a casa dos velhos por ser funcionário da mesma secretaria onde o pai de Adelaide era chefe.

Foi com muita satisfação que este notou a simpatia que o Miranda manifestava pela mo ça, e pulou de contente quando o rapaz, um dia, na reparti ção, se abriu com ele, dizendo-lhe que ser seu genro era o que mais ambicionava neste mundo.

O velho foi para casa alegre como um passarinho, e disse tudo à mulher.

- Sabes, Henriqueta? O Miranda confessou-me hoje que gosta da Adelaide e quer casar -se com ela. Estou satisfeitíssimo, porque nossa filha não poderia encontrar melhor marido! Que me dizes?

- Digo que seu Miranda é uma sorte grande, mas duvido que Adelaide aceite.

- Duvidas, por quê?

- Porque ela s ó pensa no Estanislau: é uma vi úva inconsol ável. Engordou, tomou cores, goza saúde, mas aposto que não admite que lhe falem noutro casamento.

- Deixe-a comigo; vou sondá-la.

O velho sondou-a, efetivamente, e reconheceu que D. Henriqueta calculava bem.

- Não me fale em casamento, papai! Eu considerar -me-ia uma mulher indigna se desse um substituto ao meu pobre Estanislau!

Mas o velho que não era peco, não se deixou vencer e insistiu, lançando mão de quanto argumento lhe sugeriu a sua longa experi ência do mundo.

- Minha filha, numa terra de maldizentes como este Rio de Janeiro, a reputação de uma vi úva moça e bonita cor re tantos perigos, que a melhor resolução que tens a tomar, para fazer respeitar a mem ória honrada do teu Estanislau, é casares -te em segundas núpcias. Uma única dificuldade haveria para isso: o marido; mas neste particular, minha filha, foste de uma fortu na fenomenal. O Miranda caiu- te do céu! Olha, eu, se tivesse que escolher um genro,

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não escolheria outro -, e tu, se te casares com ele, darás muito prazer a tua mãe, e tomarás feliz a minha velhice.

Essas palavras, que acabaram molhadas de lágrimas de enternecimento, calaram no ânimo de Adelaide, e na mesma noite, como a família se achasse reunida na sala de jantar, e o Miranda presente, ela dirigiu-se a este nos seguintes termos:

- Meu amigo, sei que o senhor gosta muito de mim e deseja ser meu marido; sei que o nosso casamento daria muita satisfação a meus pais; mas devo dizer-lhe que ainda amo o Estanislau como se ele estivesse vivo, e não posso amar dois homens ao mesmo tempo.

Os velhos morderam os beiços; o Miranda remexeu-se na cadeira, sem responder.

- Sei também que o senhor é um perfeito cavalheiro e que nada lhe falta para ser um marido ideal; aprecio o seu caráter, a sua bondade, a sua inteligência; mas, se nos casarmos, não poderei levar-lhe o sentimento que todo o homem tem o direito de exigir no coração da sua noiva. Se depois desta declaração leal e honesta, persiste em querer ser meu esposo, aqui tem a minha mão.

- Aceito-a! respondeu prontamente o Miranda, tomando a mão que lhe estendeu Adelaide. Aceito-a, porque - perdoe a minha vaidade - tenho alguma confiança no meu merecimento, e espero conquistar o seu amor!

Casaram-se, e hoje, que estão unidos há um ano, podem gabar-se - ela de ter tido verdadeiras surpresas fisiológicas, e ele de ser amado como o Estanislau nunca o foi.

- Es então feliz, minha filha?

- Muito feliz, mamãe; o Miranda é tão bom marido, que, lá no outro mundo, o Estanislau, se meteu a mão na consciência, com certeza me perdoou.

Nelson Rodrigues Viúva,

porém honesta,

'Viúva, porém honesta!" é uma comédia criada em 1957, do jornalista, cronista, romancista e dramaturgo Nelson Rodrigues, e que narra a história de um poderoso homem da imprensa, o

Dr. J.B. de Albuquerque Guimarães, diretor do jornal "A Marreta", um dos jornais mais influentes do pais e que não consegue convencer sua filha única, Ivonete, a deixar de velar seu marido morto, Dorothy Dalton, e por consequência voltar a ter uma vida normal de uma adolescente de 15 anos, posteriormente casando-se e lhe proporcionando netos que seriam

seus herdeiros no império jornalístico.

Ao perceber que a filha está irredutível na questão da viuvez, Dr. J.B. contrata um time de técnicos para solucionar o caso, que são: uma ex-cocote, um psicanalista e um

otorrinolaringologista (todos charlatões) para tentar resolver o problema. Em meio a esse desfile de personagens insólitos surge o Diabo da Fonseca, figura surreal que terá papel

fundamental no desfecho da trama.

O propalado marido de Ivonete de Albuquerque Guimarães é um fugitivo da FEBEM e homossexual chamado Dorothy Dalton que caiu nas graças da menina quando o J.B. a

mandou escolher um marido na redação do jornal, para justificar uma gravidez indesejada, e que foi detectada pelo médico da família o Dr. Lambreta, velho esclerosado e maluco (mais

tarde soube-se que a tal gravidez era falsa e inventada pela mente insana do médico).

Como Dorothy Dalton morreu atropelado por uma carrocinha de picolé Chicabom fazendo com que Ivonete caísse numa viuvez inviolável e como nenhum dos "técnicos" achou uma

solução para o caso, o jeito foi ressuscitar o morto fazendo com que a filha do Dr. J.B. deixasse de ser viúva. Esse trabalho ficou por conta do Diabo da Fonseca que através de

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FILME

Tudo que o céu permite

Um clássico do mestre do melodrama Douglas Sirk, Tudo que o céu Permite (1955). No filme, uma mulher viúva (Jane Wyman) se apaixona por um homem mais jovem (Rock Hudson) e começa a viver uma realidade de preconceitos, fofocas e intrigas. Essa película de Sirk transcende todos os preconceitos contra o género melodrama e oferece um cruel e lúcido retrato da família americana da década de 50.

Viúva por um Ano Livro

Chega ao Brasil mais um comovente drama familiar de John Irving

Neuza Sanches

John Irving ficou conhecido na década de 70, quando lançou o best-seller O Mundo Segundo Garp. Este ano, ganhou o Oscar pelo roteiro de Regras da Vida, em que um jovem criado em orfanato embarca numa viagem de autoconhecimento. A busca interior é marca registrada nos escritos de Irving. Em Viúva por um Ano (Record, 546 págs., R$ 38), o autor recorre ao mesmo apelo emocional. Irving trafega pelo género folhetim com originalidade e estilo. Viúva por um Ano se vale de uma narrativa comovente, capaz de levar às lágrimas. Desta vez a protagonista é Ruth, uma garotinha cuja vida será para sempre marcada por uma tragédia familiar: a morte de seus dois irmãos, antes mesmo de ela nascer. Quando Ruth tem só 4 anos, o casamento de seus pais se desestrutura, sua mãe desaparece de casa, atormentada pêlos fantasmas dos garotos mortos. A trama é cheia de reviravoltas e Irving mantém o suspense mesmo revelando o desfecho logo de início. Seu segredo é despertar a curiosidade do leitor sobre como se chegará àquela situação final. O autor americano é, na verdade, um especialista em romances que contam sagas de famílias desfeitas, com pais ausentes e filhos problemáticos. Não escreve uma linha sem esbarrar nessa faceta. Pudera. Ele próprio é um caso representativo: ainda no berço, seu pai abandonou o lar. O jovem foi criado pela mãe e por um padrasto que o educaram em regime de linha-dura. Viúva por um Ano está longe de ser um folhetim açucarado. Pelo contrário. É mais um drama familiar muito bem contado.

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CANTIGAS DE RODA

POBRE VIÚVA

— Num rochedo tão alto Que ninguém pode alcançar, Sentou-se a pobre viúva, Sentou-se e pôs-se a chorar, A chorar, a chorar.

— Ora diga, senhora viúva, Com quem quereis se casar: Se é com o filho do conde, Ou com senhor general, General, general.

— Eu não quero nenhum desses moços Porque não são para mim; Eu sou uma pobre viúva, Triste, coitada de mim. Ai de mim, ai de mim.

— Tingolê, tingolá. Toca a viola pra nós dançar, Tingolê, tingolá, Toca a viola pr a nós dançar.

De todas as cantigas referidas neste livreto, é esta — parece-nos — a mais difundida em terras brasileiras. Conhecemos versão pernambucana (Pereira da Costa, Folclore pernambucano); mineiras (Frei Pedro Sinzig, O Brasil cantando, n. 136, e Basílio de Magalhães, "A viuvinha" in Revista de Língua Portuguesa, II, p. 177); paulista (Afonso a de Freitas, Tradições e reminiscências paulistanas, p. 179): cariocas (íris Costa Novaes, Diva Diniz Costa e Gedur de F. Pinto, Vamos brincar de roda, p. 118, e Cecília Meireles, "Infância e folclore", A Manhã, 10/12/1942).

Pelo estudo que faz Cecília Meireles, vê-se que a cantiga de roda cantada aqui no Espirito Santo difere, em certos pontos, acentuadamente, das versões cariocas ali referidas. Nestas há o enxerto da "Viuvinha da parte de além" ou "Eu sou viuvinha / das bandas d'além" — o que não ocorre em nenhuma das variantes capixabas. Esse acréscimo (cantado até com música diferente da Ia parte, segundo Cecília Meireles) faz parte de outra cantiga de roda, o nosso "Ao passar da barca"(n. 3 deste caderno). Houve nessas versões cariocas e em outras, evidente contaminação entre as duas cantigas, resultante, por certo, da referência nelas feitas à mesma "viuvinha" que quer casar-se.

No Vamos brincar de roda não há, na cantiga "Senhora viúva", o enxerto da "Viuvinha das bandas d'além", mas, logo após o "Eu sou uma pobre viúva / Triste, coitada de mim", se encaixa o seguinte trecho, muito próximo da variante de Conceição da Barra, que vai transcrita no final destes comentários:

Morreu meu marido No meio das flores; Acabou-se a alegria, Acabaram os amores.

Coberta de luto. De luto fechado, Semanas inteiras Eu tenho chorado.

A melodia fixada em Vamos brincar de roda difere muito da versão musical espirito-santense, sendo interessante frisar que, iniciando ela com três compassos indecisos, termina a primeira parte com um motivo

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semelhante ao da conhecida ronda "O cravo brigou com a rosa", e a Segunda com outro que lembra o "Tenho uma linda laranja".

Na cantiga de roda capixaba, a parte final diverge do ar e tom melancólicos da inicial, quer na letra, quer na música. Aquele inesperado "Tingolê, tingolá", saltitante e alegre — que falta em todas as demais versões conhecidas — parece até que nem faz parte da ronda. No entanto, pela bonita variante de Conceição da Barra, transcrita no final deste estudo, — única assim completa, ouvida no Espírito Santo — vê-se que, após cantar as tristezas da viuvez, a "viuvinha", escolhendo o seu "par", com ele se casa. Daí a festa de bodas, em que todos dançam, e os "noivos" também, ao som do irrequieto "Tingolê, tingolá"...

Em variante de Santa Leopoldina, canta-se também, com referência a essa nova boda:

Tingolê, tingolá, Toca a viola pra nós dançar, Tingolê, tingolá, A viúva vai se casar!

Localizamos a "Senhora viúva" em quase todas as cidades e vilas do Estado: Vitória, São Mateus, Conceição da Barra, Alegre, Santa Lepoldina, Vila Velha, Cariacica, Iconha, Colatina, itaguaçu, Serra, Domingos Martins, itarana...

Variantes: "Oh que rochedo tão alto" — "Eis um rochedo tão alto" — "Eis que tem um rochedo" — "Olha um rochedo..." — "Um rochedo tão alto" — "Ai, que rochedo tão alto" — "Tenho um rochedo..." — "Existe um rochedo..." — "Sob um rochedo..." — "Era um rochedo" — "Era um coqueiro tão alto" — "Tinha um coqueiro..." — "Existe um coqueiro..."

"Chegou uma pobre viúva / Chegou e pôs-se a chorar" — "Sentou-se a pobre a chorar" — "Triste de mim a chorar" — "Triste coitada a chorar" — "E pôs-se, então, a chorar, a chorar, a chorar."

"Pergunte à senhora viúva / Com quem ela quer se casar" — "Senhora dona viúva..." — "Ó senhora Viúva..." — "Me diz a senhora Viúva" — "Me diza, ó senhora Viúva..." — "Diga, senhora Viúva" — "Agora me diga, senhora Viúva..."

"Tingo-lelê, tingo-lelá..." — "Titingolê, titingolá..." — "Tindo-lelê, tindo-lalá..." — "Tindo-lê, tindo-lá..." — "Tindelê, tindolá..." — "Tiro-lê, tiro-lá..." — "Tingolei, tingolá..." — "Tinholê, tinholá..."

— "Gingolê, gingolá..."

"Toca a viola pra nós dançar" — "Toca a viola pra mim dançar" — "Pega a viola pra nós dançar".

Modo de brincar: Forma-se a roda bem larga. No centro, a "Senhora viúva". Começa o coro a cantar até "General, general". Responde a "viúva"; "Eu não quero..." até "ai de mim". Então, todas as crianças, duas a duas, dançam animadamente ao som do festivo e bulhento "Tingolê, tingolá", cantando em andamento mais rápido que o inicial. Em certas variantes nossas, só a "viúva" dança, no meio da roda, com o "Par" que ela escolheu, enquanto o coro entoa o "Tingolê", acompanhado de palmas. Veja-se também a forma de brincar a roda na versão de Conceição da Barra: As da roda cantam:

Oh, que rochedo tão alto Que ninguém pode alcançar; Sentou-se a pobre viúva, Sentou-se e pôs-se a chorar.

Oh, senhora viúva, Com quem quereis se casar: Se é com o filho do conde, Ou com o senhor general?

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A do centro responde:

Não quero nenhum desses moços, Porque eles não são par a mim; Eu sou uma pobre viúva, Triste coitada de mim.

Morreu meu marido No meio das flores; Acabou-se a alegria, Acabou-se os amores.

Eu estava de luto, De luto fechado; Semanas inteiras Eu tenho chorado.

Ai, ai, eu vou, Eu vou morrer Em teus lindos braços Eu vou falecer.

A do centro abraça, então, uma das que formam a roda, e a escolhida ocupará o seu lugar como "viúva".

SIMPATIAS DE INTERSECÇÃO DE SANTO ANTÓNIO

ARRUMAR HOMEM RICO

Material:

01 imagem de Santo António 30cm

Modo de Fazer:

A imagem deve ser ofertada à uma mulher viúva (pode ser conhecida). Peca-lhe como agradecimento um pãozinho de Santo António ( distribuídos nas igrejas no dia 13 de junho ) que deverá ser guardado até o ano seguinte, mesmo que alcançada a graça.

FRASES POPULARES OU DE

PARACHOQUES DE CAMINHÃO

Enviuvei e casei com a cunhada só para economizar sogra.

Viúva é igual a l enha verde: chora, mas pega fogo!

Fim da banguela é viúva na capela.

Viúva de beira de estrada, nem vi úva, nem casada.

Viúva é barco sem leme.

Viúva e capão, quanto comem, assim dão.

Viúva é sobejo de defunto.

Viúva nova e rica casada fica.

Viúva rica, com um olho chora, com o outro repenica.

Viúva rica é noiva.

Viúvo fica é quem morre.

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CURIOSIDADES

RD 350 B 1976 - Motocicleta Yamaha

Na década de 70, era sinónimo de velocidade, aceleração, de pilotagem arrojada ! Tanto que sua arquirival direta era a "paquidérmica" CB 750 K

Para ela "não tinha " CB 500, Suzuki GT 380 ou qualquer outra de cilindrada parecida ! Ela era páreo

"prás" grandonas!!

Esse apelido, 'Viuva Negra" veio do fato de muita gente ter se matado, ou quase, abusando da

grande performance do motor, quando o conjunto de quadro, suspensão e freios (e na maioria das vezes,

o piloto) não estavam adequados a tamanha potência !

Viúva discreta

Zeca vai pescar no pantanal com seu amigo Dinho. Eles estão viajando na pick-up quando são surpreendidos à noite por uma tempestade que os impede de seguir adiante. Eles avistam uma fazenda, e entram para ver se conseguem um lugar para passar à noite. Quem abre a porta é uma mulher linda, que está visivelmente constrangida: - Eu fiquei viúva recentemente, e acho que vai ficar muito mal para minha reputação se vocês dormirem aqui. - Não se preocupe - diz o Zeca - podemos dormir no celeiro. Nove meses depois, Zeca recebe uma carta do advogado da viúva. Ele liga para o Dinho e diz: - Dinho, você lembra aquela viúva gostosa naquela fazenda onde nós passamos a noite há nove meses? - Lembro sim - responde Dinho. - Você não teria ido no meio da noite para o quarto dela e transado? - Bem... Tenho que confessar que sim. - E você não teria por acaso dado o meu nome a ela ao invés do seu? Dinho fica vermelho de vergonha e responde: - Bem... é verdade! Zeca responde: - Então, muito obrigado! Ela acabou de morrer e deixou tudo para mimü

QUANDO É QUE UM HOMEM PERDE 90% DE SUA INTELIGÊNCIA ? Quando fica vi úvo!

E QUANDO É QUE ELE PERDE OS 10% RESTANTES ? Quando morre o cachorro...

POR QUE AS ARANHAS VIÚVAS -NEGRAS MATAM O MACHO DEPOIS DA CÓPULA? Para acabar com o ronco antes que ele comece .

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Mulher, mídia e movimentos culturais

Jandira Feghali Deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro e coordenadora da bancada feminina no Congresso Nacional

O movimento funk tem raízes histórias e conteúdo social, mas transformou-se em atração comercial de gravadoras e televisões, que exploram e vulgarizam a imagem da mulher e colaboram com a erotização infantil.

A recente polémica em torno da música funk reacendeu as atenções da sociedade e do movimento feminista para a imagem da mulher, a repercussão sobre a sua vida cotidiana e, para ser mais concreta, a erotização precoce das crianças.

Várias opiniões e dúvidas se expressaram nas diversas formas de comunicação, até mesmo os cientistas sociais se dividem e por vezes trocam acusações de preconceito contra as camadas mais populares, nas quais o funk criou raízes.

O antropólogo Hermano Vianna foi o primeiro a estudar e publicar opinião sobre o assunto com o seu livro "O mundo funk carioca", já sensibilizado com as grandes festas do subúrbio carioca e com o conteúdo das suas manifestações. Em matéria do caderno "Ideias" do Jornal do Brasil, em março deste ano, a antropóloga Alba Zaluar diz: "O funk provoca uma separação brutal entre os sexos e acentua a hipertrofia da sexualidade como forma de afirmação masculina". Já Micael Herschmann, professor de comunicação, historiador e pesquisador do tema opina: "O funk já teve outros momentos de evidência, assim como o axé e o sertanejo, faz parte de uma dinâmica cultural que tem articulação com o mercado. Antes mostravam mais os raps das comunidades, hoje dão destaque ao humor com dimensão erótica", realçando aí o enfoque da mídia.

O funk já teve outros momentos de evidência, assim como o axé e o sertanejo, faz parte de uma dinâmica cultural que tem articulação com o mercado. Antes mostravam mais os raps das comunidades, hoje dão destaque ao humor com dimensão erótica", realçando aí o enfoque da mídia.

Com suas origens na década de 30, no sul dos Estados Unidos, a partir da música negra, o funk sofreu influências do rhvthm and blues, do gospel e do soul de crescente conteúdo reivindicatório. Já na década de 60, com ritmo marcante e forte, surge com jeito próprio e novas técnicas de mixagem, e seus representantes vão conformando expressões como o rapper (repentista) e o MC (mestre de cerimónias), que misturam canto e fala nos bailes realizados em locais públicos e denunciam os problemas dos negros nos guetos de Nova Iorque. Surgem as músicas rap, o estilo hip hop e a dança break. No Brasil, nos anos 70 e 80, iniciam-se os bailes de breve passagem pela zona sul e com instalação rápida e mobilizadora nos bairros do subúrbio e zona oeste, com participação de milhares de jovens e com produção musical expressiva da realidade de exclusão, como a música "eu só quero é ser feliz" de Claudinho/Doca, da Cidade de Deus. Como destaca o relatório da CPI do Funk, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, instalada para averiguar denúncias de violência, esses bailes passaram a representar quase que a única forma de lazer dessa juventude carente e ainda diz "As ações do poder público, em geral, resumiram-se à repressão e ao cerceamento de manifestação cultural deste segmento da juventude e da sociedade. Como, por exemplo, nos anos 70, quando diversos promotores de baile adeptos do movimento black-rio foram obrigados a prestar depoimentos aos órgãos oficiais de repressão, em virtude do carâterdas mensagens difundidas nos bailes. Temas como liberdade, orgulho da raça negra, igualdade de oportunidades para todas as raças ..." Violência A violência não pode ser analisada fora do contexto da vida desses jovens que, em favelas ou bairros carentes, convivem com a violência do tráfico, da polícia e de casa. Dados recentes do índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas e de pesquisas da Secretaria de Segurança do Rio mostram que hoje a maior causa de mortes entre pessoas de 1 5 a 24 anos é a arma de fogo. Mas, apesar disso, dizem os estudiosos e frequentadores, a violência não é a marca predominante das festas.

Modestamente, após a observação atenta de diversas opiniões e a participação em debates, quero concordar com a legitimidade do funk como movimento cultural e que tem na sua história a expressão maior da exclusão. Por isso, sim, vítima de preconceito e desprezo do poder público. No entanto, não podemos retirar de uma análise mais abrangente o papel devastador da lógica de mercado, dos

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interesses da mídia e da indústria fonográfica, para explicar as distorções mais recentes. Aí é onde devemos concentrar nossas preocupações. O sambista Nei Lopes, segundo matéria publicada no "JB" em março de 2001, considera que a comparação com a repressão sofrida pelo samba vale para o período em que o funk estava restrito ao gueto e expressava a insatisfação das populações excluídas, gerando o preconceito das classes dominantes. "Agora os funkeiros são brancos e chegam aos bailes em carro importado. E como virou modismo de opinião, as gravadoras vão explorar até o bagaço".

Mesmo que não façamos a mesma generalização, este sentimento é gerado pela flagrante expansão do funk para a classe média da zona sul carioca. Como se deu essa expansão quando a realidade social é outra? Que tipo de artifícios foi utilizado? Que concessões foram feitas?

Tapinha O funk cresce e se espalha utilizando uma face desfigurada e abjeta, mercantil, comercial, vulgarmente erotizada, de massificacão de valores relativos às mulheres que negam e renegam uma história difícil e corajosa de lutas e conquistas. A promiscuidade passa a ser sinónimo de modernidade, as mulheres como brindes ou na dança das cadeiras aparentemente irreverentes. Soa natural, como deve soar a

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Um Alerta Precisaríamos chegar ao ponto de abandonar os princípios que nortearam todas as nossas conquistas por uma noticia às avessas? Não creio. Aqui vem a importância da coerência. Nem sempre a expressão de nossas opiniões chega aos ouvidos da sociedade ou mesmo nossas ações conseguem atingir o mundo da informação. Realizamos na ação política o confronto com as diversas formas de violência contra a mulher e um imenso esforço para retirar as questões de género do obscurantismo e da marginalidade do debate. Com esses gestos provocamos, muitas vezes, reações preconceituosas dos que insistem em manter as questões femininas apenas no âmbito do espaço doméstico ou dos que tentam impedir o deslocamento das mulheres das páginas dos periódicos dirigidos restritamente aos desejos masculinos, e tentam perpetuar e lucrar com a imagem utilitária da mulher.

Essa realidade conflitante expõe o resultado ainda parcial das imensuráveis lutas contra a discriminação e pela igualdade política e social que as mulheres travaram ao longo do século 20. Foram campanhas com lemas "iguais, porém diferentes", que construíram uma nova imagem da mulher, a protagonista de sua própria história, de seu papel de cidadã, da sua capacidade intelectual e de trabalho, do exercício de sua afetividade e sexualidade.

Não podemos deixar que nosso protesto seja rotulado como censura. É um alerta para enfrentarmos esse debate e não abaixarmos a cabeça à defesa pouco atenta do significado da liberdade de expressão, que encontra na Constituição brasileira o conceito de liberdade, conjugado com a não discriminação de género, raça e etnia, respeito aos valores da dignidade humana e dos direitos humanos contra a violência. Não podemos aceitar que alguns, mesmo que poderosos, agridam o coletivo, sua história e sua perspectiva futura, que quer negar a barbárie.

Estratégia Os índices de violência contra a mulher no mundo são alarmantes. No Brasil, uma mulher é agredida, em casa, a cada quatro minutos. Esta realidade exige ações efetivas que desestimulem e punam os agressores e não o contrário. Cresce também o número de casos de gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmissíveis em mulheres. Isto exige informação, orientação e assistência.

A mulher e sua inserção na mídia devem ser resgatadas. Mas temos de ter uma estratégia. É um desafio para o movimento feminista estudar a comunicação no mundo contemporâneo, suas transformações, formular, contribuir para uma nova consciência democrática e de controle social sobre a mídia impressa e radiodifusão, identificar as questões de género e inseri-las de forma adequada na informação, enfrentar, em última análise, o monopólio do quarto poder.

O Conselho de Comunicação Social Um importante instrumento para abrir o debate é o Conselho de Comunicação Social, antiga reivindicação do Movimento pela Democratização dos Meios de Comunicação já aprovada em lei, pasmem, desde 1991, ou seja, há dez anos!

Como fórum, ainda consultivo, tem em sua composição representações de governo, empresas de comunicação e da sociedade civil e tem como uma das finalidades principais trabalhar diretrizes para a programação do rádio e televisão. Subsidiados pela Carta Magna e por leis infra-constitucionais como o Estatuto da Criança e do Adolescente, seus integrantes, entre os quais devemos lutar pela representação do movimento feminista, terão a importante missão de debater o conteúdo da programação e é essencial que estejam em destaque as questões de género, raça e educacionais.

A instalação desse Conselho faz parte, hoje, de uma luta iniciada com o presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e o movimento de mulheres já vai se integrando para exercer a sua competente pressão política. Essa conquista, apesar de seus limites, pode ser um importante instrumento da sociedade.

Queremos valorizar nossa cultura rica e plural, garantir que mulheres e homens sejam respeitados em seus papéis históricos, reacender nossa esperança de que devemos e podemos transformar.

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ANEXO F - Roteiro para entrevista semi-estruturada

I. Nome

2. Idade

3. Qual o bairro em que mora?

4. Qual foi a idade em que ficou viúva.

5. Fale como foi ter ficado viúva.

6. A senhora usou luto?

7. Fale um pouco de seu casamento.

8. Quais atividades a senhora realiza relacionadas ou não a terceira Idade .

9. No que a religião auxiliou a senhora quando da morte do seu marido.

10. Para a senhora as mulheres que ficam viúvas tem sofrido discriminação.

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ANEXO G - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento

Título da Pesquisa: Das mulheres de preto ao colorido das mulheres. O que será o amanhâ?

Pesquisador responsável: Maria Luísa Barca Gazetta

Local da pesquisa: Domicílio das entrevistadas ou salas do Programa ConViver

Objetivo: Conhecer como a mulher no processo de envelhecimento após tornar-se viúva desenvolveu sua sociabilidade

Método: Depoimento Oral

lnstrumento:Entrevista

Duração. Aproximadamente 60 minutos.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

NOME: ____________________________________________________________

ENDEREÇO: _______________________________________________RG.:

________________________________________________________

Tendo sido devidamente esclarecido sobre todos os aspectos que envolvem o trabalho de pesquisa acima descrito, venho pelo presente termo declarar, nos termos que dispõem a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que concordo em participar, voluntariamente, como sujeito de pesquisa Declaro ainda, estar ciente de que minha participação será gratuita e de que ossujeit3a9 0 rg 420.0579 o, ultareciTc 0.8artutlvezareci Tublicarec, ququisc 0.rirticipação

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