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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO ALEXANDRE BARBOSA FRAGA RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLO GIA

DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ALEXANDRE BARBOSA FRAGA

RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

ALEXANDRE BARBOSA FRAGA

DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

RIO DE JANEIRO Agosto de 2010

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DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO

Alexandre Barbosa Fraga

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia). Aprovada por: ______________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Marco Aurélio Santana (Orientador) Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ) ______________________________________________ Profa. Drª. Bila Sorj Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ) ______________________________________________ Profa. Drª. Hildete Pereira de Melo Universidade Federal Fluminense (Faculdade de Economia/UFF)

RIO DE JANEIRO Agosto de 2010

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Ficha Catalográfica Fraga, Alexandre Barbosa. De empregada a diarista: as novas configurações do trabalho doméstico remunerado / Alexandre Barbosa Fraga. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2010. xviii, 173 f.; 30 cm. Orientador: Marco Aurélio Santana Dissertação (mestrado) – UFRJ / IFCS / Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, 2010. Referências Bibliográficas f. 158-167. 1. Serviço doméstico. 2. Empregada doméstica. 3. Diarista. 4. Relações de trabalho. 5. Rio de Janeiro. I. Santana, Marco Aurélio (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. III. Título.

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Dedico este trabalho aos meus pais, Antonio (in

memoriam) e Ana, por todo o esforço incansável

para permitir que no meu campo de possibilidades

houvesse condições de eu fazer parte da primeira

geração da família a chegar à universidade.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, professor Marco Aurélio

Santana, pela excelente orientação e pelo constante estímulo que tornaram este trabalho

possível. Muito obrigado pela confiança depositada e por acreditar sempre no potencial

desta pesquisa. Suas contribuições não se encontram em uma ou outra parte deste

trabalho, mas nele como um todo.

À minha família pelo apoio incondicional. À minha mãe, Ana, por ser meu

maior exemplo de honestidade, de superação e de luta na vida. Obrigado por todos os

sacrifícios para que eu e os meus irmãos pudéssemos chegar à universidade. À minha

irmã, Adriana, por todo o apoio durante a vida e por torcer sempre pelo meu êxito

profissional. Ao meu irmão, André, por ser meu grande amigo. Obrigado por ter lido e

comentado as primeiras versões do meu texto, possibilitando o constante

aprimoramento dele.

Aos amigos, que trago pela vida e aos que fiz na universidade: Juan Sanjuan,

Michelle Borges, Thiago Matiolli, Michelle Safady, Cíntia Barbosa, Viviane Mello. Foi

fundamental poder contar com o apoio e a torcida de vocês.

Não tenho palavras para agradecer às trabalhadoras domésticas que gentilmente

reservaram algumas horas em meio à sua longa jornada diária de trabalho, na maior

parte dos casos dupla (remunerada e na própria casa), para que eu pudesse entrevistá-las

e conhecer melhor sua vida e seu trabalho.

À minha turma de mestrado, que vivenciou comigo os desafios de obter êxito em

nossas pesquisas de dissertação. As discussões dos temas, as sugestões trocadas, as

festas e os bares tornaram o caminho mais fácil e agradável. Foi bom saber que

tínhamos com quem compartilhar as dúvidas, alegrias e preocupações, pelas quais

passamos desde a escolha do tema até a redação final do texto. Sucesso a todos: Ana

Gabriela, André, Antonio, Arbel, Bruno, Camila, Carla, Flora Moana, Frank, Giselle,

Lucas, Luciana, Ludmila, Luisa, Mario, Maurício, Nina, Pricila, Raquel, Ricardo,

Sabrina e Thais.

Em especial, agradeço àqueles colegas da turma de mestrado que acabaram se

tornando amigos e parceiros dentro e fora da academia, contando com o meu respeito,

carinho e torcida: Frank Andrew Davis, Giselle Carino Lage, Ludmila Fernandes de

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Freitas, Luisa Barbosa Pereira, Raquel Giffoni Pinto, Sabrina de Oliveira Moura Dias e

Thais Lemos Duarte.

À professora Liana da Silva Cardoso, minha orientadora na graduação, por toda

a dedicação em fazer de mim um pesquisador atento, comprometido e correto. Muito

obrigado pelo exemplo, pela generosidade e pelas muitas lições que trago comigo, como

o rigor científico e a honestidade intelectual.

Aos colegas do Núcleo de Pesquisa de Poder e Estudos Contemporâneos

(NUPPEC), do qual fiz parte na graduação: Michelle Safady, Adriane Gouvêa, Dário

Almeida Júnior, Luiz Guilherme Santos, Cristiane Santos, Frank Davies e Pedro

Domingues. Foram muito produtivos os debates teóricos, as discussões, os trabalhos

elaborados em conjunto, as aplicações de questionário e as análises de dados. Lembrarei

com saudade desses momentos em que aprendemos juntos a fazer pesquisa. Tal

aprendizado está presente em cada parte deste trabalho. Agradeço também à Iraídes

Coelho, pelas ótimas conversas sobre literatura brasileira e produção textual.

Ao corpo docente do PPGSA, em especial aos professores Glaucia Villas Boas,

Bruno de Carvalho, Marco Antonio Gonçalves, Celi Scalon, Marco Aurélio Santana,

José Ricardo Ramalho, Paola Cappellin, Elina Pessanha, Luiz Antonio Machado, Neide

Esterci e Maria Ligia de Oliveira Barbosa, cujas disciplinas contribuíram para a minha

formação e influenciaram, direta ou indiretamente, a elaboração deste trabalho. Muito

obrigado pelas aulas interessantes e inspiradoras.

Às secretárias da Pós-Graduação, Cláudia e Denise, pela disponibilidade para

resolver os trâmites burocráticos que foram necessários durante estes dois anos. E a

todos os demais funcionários, que vemos com menos freqüência, mas cujo trabalho

torna-se diariamente evidente nas lâmpadas trocadas, nos equipamentos funcionando e

na limpeza das salas.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),

pela bolsa concedida, que possibilitou a minha dedicação integral às atividades

realizadas na Pós-Graduação e facilitou a pesquisa e elaboração da dissertação.

Aos membros da banca, professoras Bila Sorj e Hildete Pereira de Melo, por

todos os comentários que possibilitaram avançar em alguns pontos e questionar outros,

tornando mais precisos os argumentos aqui defendidos e mais estruturadas as análises

realizadas. Muito obrigado pela generosidade e pelo comprometimento que

apresentaram ao ler e discutir o projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.

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Ao professor Alberto Di Sabbato, da Faculdade de Economia da UFF, que me

recebeu para uma conversa muito esclarecedora sobre as possibilidades de utilização

dos dados das PNADs nesta pesquisa e que me cedeu, gentilmente, as bases de dados.

Por fim, a todos aqueles que contribuíram de alguma forma, direta ou

indiretamente, para que este trabalho fosse concretizado, apesar de não deixá-los

registrados nominalmente, estendo igualmente os agradecimentos a eles.

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RESUMO DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO

DOMÉSTICO REMUNERADO

Alexandre Barbosa Fraga

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

O presente estudo tem como objetivo analisar as novas configurações do

trabalho doméstico remunerado no Brasil e no Rio de Janeiro, considerando os processos de mudança que vêm ocorrendo nessa ocupação nas últimas duas décadas, tais como: envelhecimento das trabalhadoras domésticas, elevação da escolaridade, aumento da formalização e ampliação do número de diaristas. Essa última mudança, que pode indicar uma modificação na relação que as famílias brasileiras estabelecem com os serviços domésticos, tem importância central nesta pesquisa, que busca compreender como são as relações de trabalho da diarista, sem direitos trabalhistas e prestando serviço em mais de uma residência, em comparação com as da empregada doméstica, mais formal, trabalhando para uma única família. A diferenciação entre empregada doméstica e diarista foi realizada de três maneiras: 1) Em termos legais, considerando a legislação, a doutrina e a jurisprudência; 2) Quantitativamente, por meio das características sócio-econômicas; 3) Com base nas percepções e classificações das trabalhadoras domésticas. Para isso, a pesquisa utilizou três tipos de fontes: acórdãos da Justiça do Trabalho, leis, decretos e doutrinas; dados quantitativos das PNADs de 1992 a 2008; e entrevistas com trabalhadoras domésticas da cidade do Rio de Janeiro. Seguindo esse caminho, foi possível perceber se houve alguma alteração na forma como o serviço doméstico lida com duas lógicas distintas: a das relações pessoais, afetivas e familiares e a das relações profissionais, contratuais e legais. Palavras-chave: serviço doméstico, trabalhadoras domésticas, empregada doméstica, diarista, relações de trabalho.

Rio de Janeiro Agosto de 2010

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ABSTRACT FROM HOUSEMAID TO HOUSECLEANER: THE NEW CONFIGURATIONS OF

PAID DOMESTIC WORK

Alexandre Barbosa Fraga

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

The present study aims to analyse the new configurations of paid domestic work in Brazil and Rio de Janeiro, considering the processes of change that are occurring in this occupation in the last two decades, such as: aging of domestic workers, raising educational levels, increase of the formalization and expansion of the number of housecleaners. This last change, which can indicate a modification in the relation that the Brazilian families establish with the domestic services, is of central importance in this research, which seeks to understand how are the work relations of the housecleaner, without labor rights and working in more than one residence, in comparison with the work relations of the housemaid, more formal, working for one family. The differentiation between housemaid and housecleaner was realized in three ways: 1) In legal terms, considering the legislation, doctrine and jurisprudence; 2) Quantitatively, by means of socioeconomic characteristics; 3) Based on the perceptions and classifications of the domestic workers. For this, the research used three types of sources: the judgements of the Labor Courts, laws, decrees and doctrines; quantitative data of PNADs from 1992 to 2008; and interviews with domestic workers of the city of Rio de Janeiro. Following this path, it was possible to see if there was any alteration in how domestic service deals with two distinct logics: the logic of the personal, affective and familiar relations and the logic of the professional, contractual and legal relations. Keywords: domestic service, domestic workers, housemaid, housecleaner, work relations.

Rio de Janeiro Agosto de 2010

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SUMÁRIO

Lista de siglas................................................................................................................ xiii

Lista de quadros e tabelas............................................................................................... xv

Lista de gráficos........................................................................................................... xvii

Introdução..................................................................................................................... 01

Para começo de conversa................................................................................................ 01

Estabelecendo um chão comum: o acordo das definições.............................................. 03

Caminhos percorridos e a percorrer: situando a pesquisa.............................................. 08

Objeto, objetivos e justificativa...................................................................................... 11

Questões e hipóteses....................................................................................................... 12

Metodologia e obstáculos da pesquisa............................................................................ 13

Estrutura da dissertação.................................................................................................. 19

Capítulo I – Uma análise da legislação e da Justiça do Trabalho: a

diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista....................................... 21

1.1 – Empregado doméstico: a trajetória legal e a busca pela equiparação

com os demais trabalhadores.......................................................................................... 21

1.2 – A diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista................................ 27

1.2.1 – Doutrina: interpretações divergentes sobre a “natureza contínua”..................... 27

1.2.2 – Jurisprudência: as decisões dos casos julgados.................................................. 32

1.2.3 – A definição de diarista a caminho do status de lei............................................. 42

Capítulo II – A diarista conquista espaço: processos de mudança no trabalho

doméstico remunerado atual....................................................................................... 51

2.1 – Questões metodológicas........................................................................................ 51

2.2 – Um retrato do trabalho doméstico remunerado recente......................................... 57

2.2.1 – O serviço doméstico no Brasil............................................................................ 58

2.2.2 – O serviço doméstico no Rio de Janeiro.............................................................. 65

2.3 – As novas configurações do trabalho doméstico remunerado................................ 73

2.3.1 – Diminuição da importância do serviço doméstico remunerado

na população feminina ocupada..................................................................................... 74

2.3.2 – Elevação da escolaridade.................................................................................... 76

2.3.3 – Envelhecimento da categoria.............................................................................. 77

2.3.4 – Decréscimo da proporção que reside no local de trabalho................................. 79

2.3.5 – Aumento da formalização................................................................................... 81

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2.3.6 – Ampliação do número de diaristas..................................................................... 83

2.4 – Empregadas domésticas e diaristas: uma comparação quantitativa...................... 89

Capítulo III – Os marcadores da diferença: as percepções das trabalhadoras

domésticas cariocas sobre a distinção entre ser empregada ou diarista................. 99

3.1 – Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas............................................... 101

3.2 – Histórias de vida: entre panelas, bonecas e vassouras......................................... 111

3.2.1 – Da infância ao trabalho: uma “ajuda” nos afazeres domésticos....................... 112

3.2.2 – Do lar à casa de terceiros: mais do que uma “ajuda”....................................... 114

3.2.3 – Da primeira casa às demais: a “ajuda” virou profissão.................................... 118

3.3 – Os marcadores da diferença................................................................................. 120

3.4 – As relações de trabalho de empregadas e diaristas.............................................. 127

3.4.1 – Informalidade.................................................................................................... 128

3.4.2 – Independência................................................................................................... 130

3.4.3 – Delimitação e controle...................................................................................... 132

3.4.4 – Racionalidade, impessoalidade e afetividade................................................... 132

3.5 – Entre estratégias e condicionamentos sociais...................................................... 138

Conclusão.................................................................................................................... 144

Bibliografia .................................................................................................................. 158

Anexo 1 – Roteiro das entrevistas com empregadas domésticas e diaristas

Anexo 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) dos bairros da

Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro

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Lista de siglas

AIRR – Agravo de Instrumento em Recurso de Revista

AMATRA – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho

ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

CBO – Classificação Brasileira de Ocupação

CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao trabalho

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FENATRAD – Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

INSS – Instituto Nacional de Seguro Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LER – Lesões por Esforços Repetitivos

NUPPEC – Núcleo de Pesquisa de Poder e Estudos Contemporâneos

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONG – Organização Não Governamental

PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego

PLS – Projeto de Lei do Senado

PME – Pesquisa Mensal de Emprego

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia

RR – Recurso de Revista

SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados

SEDESP – Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo

SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SPM – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

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SPSS – Statistical Package for the Social Sciences

TDC – Plano Trabalho Doméstico Cidadão

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

TST – Tribunal Superior do Trabalho

UFF – Universidade Federal Fluminense

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher

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xv

Lista de quadros e tabelas

Quadro 1: Semelhanças e diferenças entre empregado doméstico e

diarista na perspectiva da doutrina e da jurisprudência.................................................. 40

Quadro 2: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço

em apenas um domicílio............................................................................................... 102

Quadro 3: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço

em mais de um domicílio.............................................................................................. 106

Tabela 1: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%),

Brasil, 2008..................................................................................................................... 58

Tabela 2: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos

ocupacionais (%), Brasil, 2001....................................................................................... 59

Tabela 3: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa

etária (%), Brasil, 2008................................................................................................... 60

Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de

escolaridade mais elevado alcançado (%), Brasil, 2008................................................. 61

Tabela 5: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo

de trabalho (%), Brasil, 2008.......................................................................................... 61

Tabela 6: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número

de domicílios em que o serviço é prestado (%), Brasil, 2008........................................ 62

Tabela 7: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local

de residência (%), Brasil, 2008....................................................................................... 63

Tabela 8: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de

domicílios em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Brasil, 2008....... 63

Tabela 9: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número

de horas semanais trabalhadas (%), Brasil, 2008........................................................... 64

Tabela 10: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de

rendimento (%), Brasil, 2008......................................................................................... 65

Tabela 11: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%),

Rio de Janeiro, 2008....................................................................................................... 66

Tabela 12: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos

ocupacionais (%), Rio de Janeiro, 2001......................................................................... 67

Tabela 13: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa

etária (%), Rio de Janeiro, 2008..................................................................................... 67

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xvi

Tabela 14: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de

escolaridade mais elevado alcançado (%), Rio de Janeiro, 2008................................... 68

Tabela 15: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo

de trabalho (%), Rio de Janeiro, 2008............................................................................ 69

Tabela 16: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número

de domicílios em que o serviço é prestado (%), Rio de Janeiro, 2008........................... 69

Tabela 17: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local

de residência (%), Rio de Janeiro, 2008......................................................................... 70

Tabela 18: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de

domicílios em que o serviço é prestado e do local de residência (%),

Rio de Janeiro, 2008....................................................................................................... 71

Tabela 19: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número

de horas semanais trabalhadas (%), Rio de Janeiro, 2008.............................................. 71

Tabela 20: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de

rendimento (%), Rio de Janeiro, 2008............................................................................ 72

Tabela 21: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas por cor

ou raça (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001..................................................................... 92

Tabela 22: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo

a faixa etária (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001............................................................ 92

Tabela 23: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo

anos de estudo (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001......................................................... 93

Tabela 24: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo

o vínculo de trabalho (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001............................................... 94

Tabela 25: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo

o seu local de residência (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.......................................... 95

Tabela 26: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo

o número de horas semanais trabalhadas (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001................ 96

Tabela 27: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo

as faixas de rendimento (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001........................................... 97

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xvii

Lista de gráficos

Gráfico 1: Número de trabalhadoras domésticas, Brasil e Rio de Janeiro,

2001-2008....................................................................................................................... 74

Gráfico 2: Proporção de trabalhadores domésticos no total de ocupados,

Brasil, 1992-2008........................................................................................................... 75

Gráfico 3: Proporção de trabalhadores domésticos no total de ocupados,

Rio de Janeiro, 1992-2008.............................................................................................. 75

Gráfico 4: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos

de estudo, Brasil, 1992-2008.......................................................................................... 76

Gráfico 5: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos

de estudo, Rio de Janeiro, 1992-2008............................................................................. 77

Gráfico 6: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

a faixa etária, Brasil, 1992-2008..................................................................................... 78

Gráfico 7: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

a faixa etária, Rio de Janeiro, 1992-2008....................................................................... 78

Gráfico 8: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o seu local de residência, Brasil, 1992-2008.................................................................. 80

Gráfico 9: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o seu local de residência, Rio de Janeiro, 1992-2008..................................................... 80

Gráfico 10: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008....................................................................... 82

Gráfico 11: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro, 1992-2008.......................................................... 83

Gráfico 12: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

a divisão em subgrupos ocupacionais, Brasil, 1992-2001.............................................. 84

Gráfico 13: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

a divisão em subgrupos ocupacionais, Rio de Janeiro, 1992-2001................................ 85

Gráfico 14: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o número de domicílios em que o serviço é prestado, Brasil, 1992-2008...................... 86

Gráfico 15: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o número de domicílios em que o serviço é prestado, Rio de Janeiro, 1992-2008........ 87

Gráfico 16: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o número de domicílios em que o serviço é prestado e o vínculo de trabalho,

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xviii

Brasil, 1992-2008........................................................................................................... 88

Gráfico 17: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo

o número de domicílios em que o serviço é prestado e o vínculo de trabalho,

Rio de Janeiro, 1992-2008.............................................................................................. 88

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1

INTRODUÇÃO

Para começo de conversa

Segundo Roberto DaMatta (1997), um livro é como uma casa e suas partes

correspondem às diferentes dependências, de forma que nele há fachada, jardim,

quartos, corredores, porão... A introdução de um trabalho é, acompanhando o raciocínio

desse autor, como uma sala de visitas, na qual se recepciona os convidados, inicia-se a

conversa e os convence a conhecer todos os seus cômodos, móveis e objetos.

Se esta dissertação pode ser comparada a uma casa, preferimos conceber a

presente introdução certamente como a sua cozinha: bastidor, lugar de preparação.

Assim a compreendemos, pois nestas páginas iniciais podemos abrir mão das

formalidades que serão imprescindíveis em partes posteriores e ficar mais à vontade

para conversar sobre a lógica que acompanha esta pesquisa, suas dificuldades e os

caminhos e descaminhos de sua construção.

A cozinha é parada obrigatória para nós que queremos entender melhor o

trabalho realizado por estas mulheres que desempenham profissionalmente tarefas

reprodutivas (ligadas à família, aos afazeres domésticos), e foi nela que realizamos

algumas das entrevistas que fazem parte desta pesquisa. Esse cômodo ainda aparece

como espaço feminino e isso nos faz lembrar a fala de uma empregada citada por Suely

Kofes (1994): “Se já é triste passar a vida no fundo da cozinha da gente, imagine como

é triste passar a vida no fundo da cozinha dos outros”.

O nosso contato com o tema do trabalho doméstico remunerado teve início ainda

na graduação em Ciências Sociais, nos anos de 2006 e 2007, quando elaboramos uma

pesquisa que buscava compreender a relação de trabalho da empregada doméstica e as

suas especificidades. No decorrer dessa pesquisa, o que sempre despertou a nossa

imaginação sociológica (MILLS, 1982) foi o caráter ambíguo que essa ocupação

apresenta ao conjugar relações trabalhistas e relações familiares.

A partir dos resultados dessa pesquisa, que pode ser considerada,

principalmente, a produção de um “estado da arte”, tornou-se possível dar início à

construção do objeto que será investigado nesta dissertação de mestrado. Para isso, é

preciso frisar que as trabalhadoras domésticas podem ser classificadas, segundo Motta

(1992), como veremos melhor no próximo ponto, em três tipos, a partir do local de

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residência e da duração da jornada: a mensalista residente, a mensalista externa e a

diarista.

Esta dissertação nasceu justamente do interesse em compreender como são as

relações de trabalho da diarista em comparação com as da empregada doméstica,

residente na casa dos patrões ou não. Buscou-se perceber em que essas relações de

trabalho doméstico remunerado se diferem e como, em cada um desses casos

específicos, duas lógicas distintas (trabalhista e familiar) são mobilizadas.

De que maneira essas duas dimensões podem ser articuladas? Roberto DaMatta

(1997), em A Casa e a Rua, sugeriu que duas linhas interpretativas distintas buscaram

ler o Brasil de uma perspectiva sociológica. Na primeira, o foco é colocado na “casa”,

na família, nos costumes, no cotidiano, de forma que pouco se aborda o Estado, o

governo, o universo político e das leis. Na segunda, a preocupação é com o ângulo da

“rua”, das instituições, da política, da economia, da dimensão legal e constitucional, do

sistema burocrático, de forma que pouco se borda as questões privadas.

Estudar o trabalho doméstico remunerado, como aqui se pretende, é, acima de

tudo, estarmos atentos para a articulação entre a casa e a rua. A compreensão dessa

relação passa pela questão de que a trabalhadora doméstica é sempre, em maior ou

menor grau, um elo entre essas duas esferas, pois contratá-la significa trazer para o

espaço doméstico a esfera trabalhista e, com isso, ter que administrar, nesse mesmo

ambiente, duas lógicas distintas: a das relações pessoais, afetivas e familiares e a das

relações profissionais, contratuais e legais.

Como as dimensões profissional e familiar quase nunca operam pela mesma

lógica, há ao menos três tipos de articulação possíveis entre elas ao passarem a conviver

nessa ocupação. Em uma primeira articulação, a casa e a rua interagem sob a constante

tensão proveniente do fato de ser uma relação profissional no seio da família. Ao

mesmo tempo em que a lei é reconhecida e respeitada, há espaço para o acordo e para as

relações que fujam ao estritamente profissional.

Em uma segunda articulação, a casa predomina em relação à rua, quando a

trabalhadora doméstica sente-se “parte da família”, desconhece as leis que regulam o

seu trabalho e se guia a partir dos acordos informais que estabelece com os patrões. E

ainda em uma terceira articulação, é a rua que prevalece sobre a casa, quando a relação

estabelecida é quase unicamente profissional ou quando a questão chega à Justiça,

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permitindo até mesmo que, em último caso, os bens do patrão sejam leiloados para

quitar uma dívida trabalhista1.

Dessa forma, tão relevante para este trabalho é abordar as relações pessoais, o

sentimento de ser “quase membro da família” e os acordos informais, quanto levar em

consideração a esfera legal, o sindicato, os direitos, a justiça e a racionalidade.

Observar, em interação, esses dois conjuntos de dimensões presentes nas relações de

trabalho doméstico remunerado é essencial para contribuir de forma efetiva para a sua

compreensão.

Estabelecendo um chão comum: o acordo das definições

Para tornar esta dissertação inteligível, é preciso estabelecermos desde início

um acordo quanto a algumas definições empregadas, para que possamos andar juntos,

pari passu, sem tropeços ou entendimentos distintos a respeito de uma mesma

categoria. Como grande parte do vocabulário sobre o serviço doméstico é de

conhecimento geral, torna-se ainda mais necessário esclarecermos alguns significados,

na medida em que ajudam a entender e a descrever de uma forma mais precisa o assunto

sobre o qual aqui nos debruçamos.

Sendo assim, uma série de categorias precisa ser mais bem compreendida para o

acompanhamento desta dissertação, são elas: trabalho e emprego; trabalho produtivo e

trabalho reprodutivo; trabalho doméstico e emprego doméstico; trabalho doméstico

remunerado, serviço doméstico remunerado e emprego doméstico; trabalho doméstico

remunerado e trabalho em domicílio; trabalhadora doméstica, empregada doméstica e

diarista; mensalista residente e mensalista externa; empregada polivalente e empregada

especializada.

A diferenciação entre tais definições é importante para esta pesquisa, pois para

ser possível analisar as mudanças nas relações de trabalho doméstico remunerado, um

passo inicial é reconhecer a heterogeneidade dessa atividade profissional e diferenciar

suas divisões internas. Esse “vocabulário” sobre o serviço doméstico remunerado

aparece sendo utilizado pela bibliografia sobre o assunto, na sua maior parte com os

1 Segundo a Lei nº. 8.009/90, o chamado bem de família (o imóvel residencial em que se mora e os objetos que fazem parte dele) não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza. No caso das dívidas trabalhistas que se tem com empregado doméstico, não se aplica a proteção da impenhorabilidade do bem de família, ou seja, ele pode ser penhorado por ordem judicial para o pagamento do débito existente.

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mesmos sentidos que serão empregados neste estudo, mas aqui, diferente de alhures,

buscamos deixar seus significados bem explicitados, ao invés de subentendidos, pois

são eles que permitirão estabelecermos um chão comum, necessário para o melhor

entendimento do tema.

Considerando que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

2008, do IBGE, apontam que mais de 93,0% dos trabalhadores domésticos são

mulheres, utilizaremos “trabalhadoras domésticas” e “empregadas domésticas”, no

feminino, assim como é feito em muitas pesquisas sobre o assunto, a não ser que

estejamos nos referindo a uma lei específica, nesse caso as categorias estarão no

masculino, como em suas definições legais. Os homens são apenas 7,0% dos

trabalhadores domésticos, além disso, grande parte deles é motorista particular,

jardineiro e caseiro.

Embora, muitas vezes, as palavras trabalho e emprego sejam utilizadas como se

tivessem o mesmo sentido, elas possuem significados diferentes. O trabalho é qualquer

atividade executada pelo esforço físico ou mental de alguém, buscando produzir um

bem ou serviço. O emprego, por sua vez, é um tipo específico de trabalho remunerado,

com vínculo estável e formal, prestado a uma organização ou pessoa a partir de um

contrato de trabalho.

Dessa forma, quando nos referimos a emprego, é no sentido de uma relação de

longo prazo juridicamente regulada e socialmente protegida, como o emprego com

carteira assinada ou o emprego público; quando nos referimos a trabalho, pode ser

qualquer atividade laboriosa, com ou sem vínculo empregatício.

Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “considera-se empregado

toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a

dependência deste e mediante salário” (art. 3º). Ou seja, a relação de emprego é

estabelecida a partir de alguns requisitos: 1) o empregado ser pessoa física; 2) o trabalho

ser prestado de forma não eventual; 3) o trabalho estar subordinado, pois o empregado

cumpre ordens do empregador; 4) a existência da contraprestação (salário).

O trabalho pode ser observado a partir de duas esferas, que apresentam uma

valorização social distinta: a produtiva e a reprodutiva. Enquanto o trabalho produtivo

são as atividades vinculadas ao mercado, à produção econômica; o trabalho

reprodutivo são os afazeres domésticos, os cuidados com as crianças, idosos e doentes.

Essas esferas são, de fato, interdependentes, no sentido de que apenas é capaz de

produzir quem está com as questões reprodutivas resolvidas de alguma forma, seja

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através da “conciliação” com o trabalho remunerado, seja através da delegação a outra

pessoa (HIRATA e KERGOAT, 2007).

Mas, ao mesmo tempo, assim como pensa a socióloga francesa Danièle Kergoat

(1986), há contradições entre essas duas esferas que o capitalismo induziu à separação2:

produtiva (muito valor social, trabalho remunerado, relações de classe, espaço público e

relações de capital/trabalho) e reprodutiva (pouco valor social, trabalho não

remunerado, relações entre os sexos, espaço privado e relações familiares).

As trabalhadoras domésticas, ao realizarem profissionalmente e de maneira

remunerada o trabalho reprodutivo, acabam por conjugar, de diferentes maneiras,

dimensões presentes nessas duas esferas, tencionando no decorrer de suas atividades

questões próprias do espaço público e próprias do espaço privado.

Embora alguns autores, em determinadas circunstâncias, utilizem trabalho

doméstico e emprego doméstico como sinônimos, é preciso diferenciá-los para evitar

que o trabalho realizado, por exemplo, pela dona de casa seja chamado da mesma

maneira que o trabalho desempenhado pela empregada doméstica.

Tanto o trabalho doméstico quanto o emprego doméstico correspondem às

atividades pertinentes à reprodução da vida, mas enquanto o primeiro marca os afazeres

domésticos que as pessoas realizam em suas próprias residências de maneira não

remunerada; o segundo, sinaliza que se trata das atividades realizadas pelas empregadas

domésticas de maneira remunerada na casa de terceiros.

Pensando em frisar essa diferenciação e, assim, deixar mais claro o objeto de

estudo em foco, muitos autores utilizaram emprego doméstico, como, por exemplo, em

um estudo pioneiro realizado por Saffioti (1978) com empregadas domésticas em

Araraquara (SP), denominado por ela Emprego Doméstico e Capitalismo.

Mas embora a categoria emprego doméstico possibilite frisar que se trata de

trabalho doméstico prestado a outra família e em caráter remunerado, talvez ela não seja

a melhor maneira de nomear essa atividade como um todo. Isso ocorre porque, como

vimos, para ser emprego é necessária a existência de vínculo empregatício, que garanta

certas proteções.

Dessa forma, emprego doméstico pode ser utilizado apenas para nomear a

relação de trabalho da empregada doméstica, pois nessa situação, configura-se, de fato,

2 O desenvolvimento do regime capitalista significou o afastamento entre o âmbito familiar e o âmbito produtivo, separando essas dimensões que até o início das corporações de ofício ainda estavam conjugadas. O sistema de fábrica se impôs sobre o trabalho feito nas oficinas caseiras.

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uma relação de contrato de trabalho strictu sensu. Como as relações de trabalho

estabelecidas entre as famílias e as trabalhadoras domésticas são muito heterogêneas no

Brasil, com a existência também de trabalho infantil, sem carteira assinada e da

prestação de serviços durante um ou dois dias da semana, é necessário encontrar outra

forma de nomear essa atividade no geral.

No livro Muchacha, cachifa, criada, empleada, empregadinha, sirvienta y... más

nada (1993), organizado por Elsa Chaney e Mary Garcia Castro, que é uma síntese

sobre a situação das trabalhadoras domésticas nas Américas, a nomeação utilizada por

todos os autores que fazem parte da obra foi serviço doméstico3. Esse termo possibilita

diferenciar o trabalho doméstico que é a venda de um serviço realizado no domicílio do

empregador daquele trabalho doméstico desempenhado sem remuneração para a própria

reprodução social cotidiana das pessoas.

A categoria trabalho doméstico remunerado é igualmente uma forma

adequada de englobar todas as situações que fazem parte dessa atividade profissional,

pois contempla as diferentes relações de trabalho das trabalhadoras domésticas e, ao

mesmo tempo, não se confunde com os afazeres domésticos não remunerados realizados

pelas próprias famílias.

Nesse sentido, quando o intuito é denominar essa ocupação de maneira mais

generalizada, sem deixar de incluir todos os tipos de relações de trabalho possíveis,

inclusive o estabelecido pela diarista, as melhores categorias nos parecem ser trabalho

doméstico remunerado, serviço doméstico ou serviço doméstico remunerado, como

deixa transparecer o próprio título desta dissertação.

Embora a origem etimológica seja a mesma (venha de domus, casa), o trabalho

doméstico remunerado não deve ser confundido com o trabalho em domicílio. Este é o

serviço realizado pelo trabalhador em sua própria habitação ou oficina de família, sob

encomenda de um empregador ou seu intermediário, que o remunera e o dirige, ou por

conta própria, em atividades lucrativas.

O trabalho em domicílio abarca os trabalhadores, principalmente mulheres, que

realizam tarefas para indústrias ou empresas em suas próprias residências, ou seja, faz

parte de um processo de exteriorização da produção. É o caso, por exemplo, de

costureiras que trabalham para a indústria de confecções e da subcontratação no setor de

3 Esse livro tem versão em duas línguas: em castelhano e em inglês (versão original). Na edição em castelhano, cujo título já foi citado, a expressão empregada foi “servicio doméstico”. Na versão em inglês, cujo título é Muchachas no more: household workers in Latin America and the Caribbean (1989), a expressão utilizada foi “domestic service”.

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calçados. Uma revisão da literatura sobre esse tipo de trabalho foi realizada por Abreu e

Sorj (1993), e outros estudos mais recentes também têm abordado esse tema

(LAVINAS et al, 1998; ARAÚJO e AMORIM, 2002; NUNES, 2006; LEITE, 2004 e

2009).

Realizadas as distinções da ocupação no geral, passemos para a classificação das

trabalhadoras especificamente. A trabalhadora doméstica é considerada pelo IBGE a

pessoa que trabalha prestando serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios,

em uma ou mais unidades domiciliares. Consequentemente, esse conceito abarca tanto a

empregada doméstica quanto a diarista.

A empregada doméstica é definida em lei, como será plenamente discutido no

capítulo um, como aquela que presta um serviço de natureza contínua e sem finalidade

lucrativa à pessoa ou à família no espaço residencial delas. Isso significa que a

empregada doméstica realiza um trabalho de “natureza contínua”, e é com base nisso

que se busca legalmente a distinção com relação à diarista.

Já a diarista não está determinada em lei4, mas é definida por grande parte da

jurisprudência5 como aquela que trabalha apenas algumas vezes por semana em uma

mesma casa, recebendo seu pagamento no dia em que presta o serviço. Nesta pesquisa,

especificamente, além de levar em consideração essa diferenciação jurídica, nós

estamos concebendo a empregada doméstica como aquela que realiza

profissionalmente tarefas reprodutivas remuneradas em apenas uma residência e a

diarista como aquela que realiza profissionalmente tarefas reprodutivas remuneradas

em mais de uma residência.

Dessa forma, como vimos, as trabalhadoras domésticas podem ser empregadas

ou diaristas. Isso, do ponto de vista legal, está relacionado à presença ou não de uma

“natureza contínua” do trabalho; e, da perspectiva da categorização proposta por esse

estudo, está ligado à quantidade de residências em que se trabalha.

Por sua vez, as empregadas domésticas podem ser classificadas, como ressaltou

Motta (1992), em mensalistas residentes ou mensalistas externas, em função do seu

local de moradia. A mensalista residente é aquela que mora na casa dos patrões e que,

por isso, geralmente, não tem uma jornada de trabalho muito definida, no sentido de

4 Pelo menos por enquanto, pois já foi aprovado no Senado um projeto de lei que dispõe sobre a definição de diarista, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT). Atualmente, o projeto está na Câmara. 5 A jurisprudência pode ser compreendida como um conjunto de decisões tomadas de maneira convergente por um ou mais tribunais a partir de casos concretos semelhantes, sobre um assunto que dá margem a mais de uma interpretação. Com base nesse acordo, outros juízes podem seguir o mesmo entendimento na aplicação de determinada norma jurídica, embora não sejam obrigados a fazê-lo.

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estar disponível durante uma quantidade maior de tempo. Já a mensalista externa é

aquela que mora em sua própria residência e que, portanto, conta com algum tipo de

delimitação de suas horas de trabalho.

Além de serem classificadas em mensalistas residentes ou mensalistas externas,

as empregadas domésticas podem ser consideradas polivalentes ou especializadas. A

empregada polivalente é aquela que fica responsável em uma casa pelos afazeres

domésticos como um todo. Diferente disso, a empregada especializada é contratada

para desempenhar uma tarefa específica, como ser cozinheira, babá, passadeira ou

acompanhante de idosos.

O que fica claro é a heterogeneidade das atividades que integram o serviço

doméstico, como: governanta, arrumadeira, lavadeira, jardineiro, motorista particular e

enfermeiro do lar. Nesse sentido, como todas essas atividades têm os seus aspectos

particulares e isso, possivelmente, reflete-se nas relações de trabalho estabelecidas em

cada uma delas, há certos cuidados necessários para ser possível fazer uma comparação.

Sendo assim, nesta pesquisa, iremos estudar especificamente as relações de trabalho da

empregada doméstica polivalente e as da diarista, que são as duas atividades, no serviço

doméstico remunerado, nas quais as mulheres mais estão inseridas.

Caminhos percorridos e a percorrer: situando a pesquisa

Antes de avançar para os objetivos e questões que nos levaram a essa

investigação, faz-se necessário nos situar, mesmo que brevemente, na literatura que se

ocupou do tema, pois assim ficará mais claro acompanhar de que forma as questões aqui

propostas se situam na discussão mais ampla que vem sendo travada pelos

pesquisadores que se ocuparam desse assunto.

Rezende (1995), em trabalho apresentado há quase quinze anos, fez menção ao

fato de a produção acadêmica sobre o serviço doméstico remunerado não ser vasta. Tal

afirmação ainda se mantém quando o termo da comparação são determinados temas

com grande produção bibliográfica nas Ciências Sociais. Mas essa assertiva parece não

fazer mais tanto sentido como há algum tempo, pois essa temática tem sido objeto se

não constante, pelo menos freqüente de pesquisa no Brasil.

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Para quem se aventura atualmente nesse assunto, estão disponíveis pelo menos

61 teses e dissertações,6 alguns livros e capítulos e dezenas de artigos. Produção essa

vinda de várias áreas de conhecimento, tais como: Antropologia, Direito, Sociologia,

História, Economia, Saúde, Comunicação, Psicologia e Serviço Social. Cada uma delas

com suas preocupações, métodos e recortes. Sendo assim, por mais que seja um tema

não tão pesquisado como outros, é visível a existência de um acúmulo de reflexão e

discussão.

Na bibliografia existente, muitos foram os objetos construídos e estudados pelos

pesquisadores. Sintetizando a produção disponível, pelo menos sete perspectivas

analíticas buscaram compreender o trabalho doméstico remunerado: estatística, teórica,

histórica, configuracional, organizacional, legal e relacional. Contudo, há outras menos

predominantes e em muitos trabalhos estão presentes mais de uma perspectiva, pois a

riqueza de recortes e abordagens não cabe totalmente nas delimitações classificatórias

aqui empregadas.

A primeira perspectiva, denominada estatística, preocupou-se em traçar o

panorama geral do serviço doméstico que fosse possível a partir dos dados quantitativos

disponíveis. Isso possibilitou a reflexão sobre as características apresentadas por essa

ocupação e sobre o perfil dos trabalhadores domésticos. Os seguintes autores estão

situados nesse grupo analítico: Melo, 1993, 1998 e 2000; Bruschini e Lombardi, 2000;

Sabóia, 2000; Melo, Pessanha e Parreiras, 2002 e 2005; Menezes, 2005; Dieese, 2006;

Namir, 2006; Myrrha e Wajnman, 2008; IPEA, SPM e UNIFEM, 2008; SEADE, 2007 e

2009; e IPEA, 2009.

A segunda perspectiva, chamada aqui de teórica, procurou compreender o

trabalho doméstico remunerado de uma maneira mais geral, explicá-lo mediante as suas

grandes configurações e pensar o seu lugar na sociedade capitalista. Fazem parte dessa

abordagem: Saffioti, 1978; Farias, 1983; e Milkman, Reese e Roth, 1998. Já a

perspectiva histórica buscou retratar o serviço doméstico em diferentes períodos da

história brasileira. Os seguintes pesquisadores podem ser citados: Graham, 1992;

Carvalho, 2003; El-Kareh, 2004; e Ferreira, 2006.

A quarta perspectiva, configuracional, produziu pesquisas que estudaram

características e processos que configuraram e ainda configuram o trabalho doméstico

6 Segundo consulta ao Banco de Teses da Capes (http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses), tendo como base 21 anos (de 1987 a 2008). Foram utilizadas as seguintes expressões de busca: “emprego doméstico”, “empregada doméstica”, “diarista”, “trabalho doméstico”, “trabalhadora doméstica” e “serviço doméstico”.

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remunerado no Brasil, tais como a raça, a migração e o trabalho infantil. Enquanto

alguns autores estudaram a migração como fornecedora de mão de obra para o serviço

doméstico (BARBOSA, 2000; e JACQUET, 2000 e 2003); e outros refletiram sobre o

peso da dimensão racial nessa ocupação (VIEIRA, 1987; AZERÊDO, 1989;

ANDRADE, 2004; e SILVA, 2006); houve os que examinaram a questão das milhares

de meninas brasileiras que trabalham em casas de terceiros, realizando serviços

domésticos (SABÓIA, 2000; RIZZINI e FONSECA, 2002; LAMARÃO, 2003; ANDI,

2003; SANTANA e DIMENSTEIN, 2005; CUSTÓDIO, 2006; e NICOLAU e

KOSMINSKY, 2007).

A perspectiva organizacional reuniu pesquisas que analisaram a prática sindical

das trabalhadoras domésticas, a busca dos sindicatos por uma profissionalização e

ampliação de direitos e as dificuldades de organização por conta, por exemplo, da

fragmentação e dispersão da categoria. Estão incluídos nesse grupo temático: Motta,

1992; Oliveira, 1995; Melo, Pessanha e Parreiras, 2005; Carvalho, 2008; Oliveira, 2008;

Silva, 2008; e Oliveira, 2009.

A sexta perspectiva, nomeada de legal, conjugou trabalhos que abordaram

análises e desdobramentos de leis e de fundamentos jurídicos (SILVA, 1998;

MARTINS, 2000; SANTOS, 2000; MENDES, 2001; FONSECA, 2005; VILA, 2005;

LIMA, 2007; CASAGRANDE, 2008; e FRAGA, 2009), além de refletir sobre a relação

das trabalhadoras domésticas com o direito e o seu acesso à Justiça (VIDAL, 2006 e

2007; PEREIRA, 2007; e CARVALHO, 2008).

A última perspectiva, relacional, preocupou-se em estudar as relações

estabelecidas entre patroa e trabalhadora doméstica, ressaltando o aspecto afetivo, mas

também conflituoso estabelecido entre elas. Podemos citar os seguintes trabalhos com

essa abordagem: Kofes, 1994 e 2001; Rezende, 1995; Preuss, 1997; Vidal, 2002;

Azerêdo, 2002; Coelho, 2006; Brites, 2003 e 2007; e Harris, 2007.

No entanto, se as trabalhadoras domésticas podem ser classificadas em três

tipos: a mensalista residente, a mensalista externa e a diarista, essas diferentes

perspectivas analíticas foram mobilizadas para compreender majoritariamente os dois

primeiros. O mapeamento da produção bibliográfica sobre o tema nos permitiu perceber

que desses três tipos, apenas os dois primeiros foram mais estudados pelas Ciências

Sociais e pelas demais áreas de conhecimento. De forma que as relações de trabalho

estabelecidas por eles foram analisadas e comparadas em maior intensidade, formando,

assim, um razoável acúmulo de análises empíricas e teóricas.

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No caso do terceiro tipo, são pouquíssimos os trabalhos científicos que o

abordaram como objeto de estudo. Mas a sua compreensão é tão relevante, do ponto de

vista sociológico, quanto a dos outros dois. Na realidade, em termos quantitativos, há

mais diaristas no Brasil do que mensalistas residentes, respectivamente, 25,9% e 6,4%

dos trabalhadores domésticos, segundo dados da PNAD 2008. Além disso, estudar as

relações de trabalho da diarista é vital para a própria compreensão das mudanças que

estão em curso no trabalho doméstico remunerado e na forma como a reprodução da

família tem sido mercantilizada.

Quando a figura da diarista aparece nos estudos sobre o trabalho doméstico

remunerado é sendo comparada estatisticamente com a empregada (BRUSCHINI e

LOMBARDI, 2000; MELO, 2000; DIEESE, 2006; MYRRHA e WAJNMAN, 2008;

SEADE, 2007 e 2009; e IPEA, 2009); a partir de uma discussão sobre a sua definição

legal (SILVA, 1998; MARTINS, 2000; SANTOS, 2000; MENDES, 2001; FONSECA,

2005; VILA, 2005; LIMA, 2007; PEREIRA, 2007); ou ainda como uma nota de pé de

página que reconhece esse tipo de relação de trabalho, mas que não se ocupa dela

(KOFES, 2001).

O único estudo sociológico que analisou mais detidamente a relação de trabalho

desse tipo específico de trabalhador doméstico foi a recente dissertação de mestrado de

Harris (2007), que ao ter o objetivo de comparar as relações entre empregadas

domésticas e seus empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, acabou também

confrontando a relação estabelecida pela diarista nesses dois países.

Situando a presente dissertação na literatura que se ocupou do serviço doméstico

remunerado brasileiro, almejamos contribuir, principalmente, com três das sete

principais perspectivas desse campo de estudo: estatística, legal e relacional. Dessa

forma, buscando colaborar com os conhecimentos já acumulados anteriormente sobre

essa atividade profissional.

Objeto, objetivos e justificativa

O objeto de estudo alvo da investigação que será aqui realizada são as mudanças

pelas quais o trabalho doméstico remunerado vem passando nas últimas décadas, no

sentido, por exemplo, de um aumento da demanda pelo serviço doméstico realizado

durante apenas algumas horas semanais. Com isso, estabelecem-se, no caso específico

da cidade do Rio de Janeiro, onde foi desenvolvida a parte empírica desta pesquisa,

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diferentes tipos de relações de trabalho, distinguindo a empregada doméstica da diarista.

É justamente nessa diferenciação que repousa o nosso interesse.

A partir desse recorte, esta dissertação tem como objetivos fundamentais analisar

as novas configurações do serviço doméstico, principalmente quanto ao crescimento do

número de diaristas, que somam um quarto das trabalhadoras domésticas brasileiras; e

discutir as similitudes e os contrastes entre as relações de trabalho da empregada e da

diarista, buscando compreender a partir de quais elementos as trabalhadoras domésticas

concebem a diferença entre se apresentar no mercado desta ou daquela forma.

As pesquisas sobre trabalho doméstico remunerado, quase na sua totalidade,

abordaram as relações de trabalho vivenciadas pela empregada doméstica. Este estudo

pretende contribuir para a compreensão de uma relação de trabalho pouco estudada pela

literatura: a da diarista. Isso possibilita uma comparação entre essas duas formas de

inserção possível no mercado de trabalho doméstico: como empregada, mais formal,

trabalhando para uma mesma família; ou como diarista, por conta própria, sem direitos

trabalhistas e prestando serviço em mais de uma residência.

Questões e hipóteses

Durante o percurso de construção do objeto e de formulação dos objetivos desta

pesquisa, algumas questões sociológicas foram formuladas, modificadas e até

descartadas à medida que o estudo avançava, possibilitando que se tornassem mais bem

delimitadas e adequadas ao tempo disponível para a sua conclusão.

Nesse sentido, no decorrer desta dissertação, como forma de alcançar os

objetivos propostos, um conjunto de questões será investigado com o intuito de iluminar

determinadas faces desse tema e permitir que outras, por mais que permaneçam na

penumbra, sejam, ao menos, localizadas: Como são as relações de trabalho da diarista

em comparação com as da empregada? Elas se diferenciam? Em quê? Como as lógicas

familiar e trabalhista articulam-se nesses dois casos? O que explica o processo de

diarização? A relação que a diarista estabelece é mais impessoal e menos afetiva? A

contratação desse tipo de trabalhadora expressa alguma mudança na forma como as

famílias brasileiras se relacionam com os serviços domésticos? A diarista consegue

estabelecer fronteiras mais claras com a família e manter uma perspectiva profissional

mais forte? Como as trabalhadoras domésticas percebem a distinção entre ser mensalista

e ser diarista? Quais são os principais marcadores da diferença estabelecidos por elas?

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A primeira hipótese desta pesquisa, relacionada ao aumento do número de

diaristas, a ser verificada, é a de que talvez ser diarista permita às mulheres de menor

poder aquisitivo uma flexibilidade necessária à articulação entre o trabalho produtivo e

o trabalho reprodutivo, a partir da maleabilidade que esse trabalho por conta própria tem

em relação ao da empregada mensalista. Isso faz ainda mais sentido levando em

consideração a dificuldade de acesso a creches e a pré-escolas, principalmente que

funcionem em tempo integral, pois o baixo desenvolvimento de serviços coletivos

penaliza a quantidade e qualidade da inserção feminina, principalmente das mães, no

mercado de trabalho (SORJ, FONTES e MACHADO, 2007).

Além disso, quem observa comparativamente as relações de trabalho da

empregada e da diarista, tende a avaliar, a princípio, que as relações estabelecidas pela

segunda parecem ser mais impessoais, delimitadas e racionais quando comparadas com

as da primeira. Como afirmou Harris, a relação estabelecida pela diarista “tende a

exemplificar as características de um emprego mais “moderno”, “racional” e

“capitalista” do que o caso da mensalista, e particularmente da mensalista residente na

casa dos empregadores” (2007: 119). Será que isso é assim mesmo? Essa é a segunda

hipótese a ser verificada no decorrer deste estudo.

Metodologia e obstáculos da pesquisa

A partir da formulação do presente conjunto de questões, certo caminho

metodológico mostrou-se mais adequado a ser seguido, uma vez que cada questão pode

ser mais facilmente respondida por meio de um método do que de outro. Para responder

à problemática levantada, variados procedimentos metodológicos revelaram-se

importantes e necessários nesta dissertação como um todo e em cada capítulo

especificamente.

No capítulo 1, o que está em voga é a análise da legislação, tanto a em vigor

quanto a em tramitação; no capítulo 2, são os dados estatísticos que ganham destaque,

permitindo uma análise quantitativa de alguns dados disponíveis sobre o assunto; e, no

capítulo 3, o método mobilizado é a realização de entrevistas com trabalhadoras

domésticas, que nos pareceu o mais eficaz para buscar responder a muitas das perguntas

formuladas.

No que diz respeito à discussão da bibliografia, procurou-se conhecer os

trabalhos que estudaram o serviço doméstico, não apenas a partir do ponto de vista da

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Sociologia e da Antropologia, mas da Psicologia, do Direito, do Serviço Social e de

outras áreas de conhecimento que abordaram esse tema e o construíram como objeto de

estudo. Ao fazer isso, procuramos nos situar no debate para participar dele de maneira

mais consistente.

O maior desafio ao mapear essas pesquisas foi buscar as similitudes e os

contrastes nas argumentações desenvolvidas e, principalmente, perceber que as relações

de trabalho da diarista apenas haviam sido estudadas por um autor, o que significava

maior dificuldade para estabelecer um diálogo, pela falta de interlocutores, mas, ao

mesmo tempo, um terreno fértil para interpretações sociológicas e para desenvolver uma

problemática que poderá ser fruto de novas pesquisas.

Em relação à análise das leis, acompanhou-se o percurso da legislação sobre o

emprego doméstico e a discussão sobre a situação de quem trabalha apenas alguns dias

da semana em uma mesma casa. A dificuldade nesse ponto foi dominar mais a

linguagem jurídica, nem sempre palatável a quem não pertence ao campo, como forma

de explicar a trajetória legal e a distinção entre empregada e diarista de maneira clara e,

ao mesmo tempo, precisa.

Quanto ao método quantitativo, os dados das Pesquisas Nacionais por Amostra

de Domicílios (PNAD-IBGE) foram muito úteis para tornar possível uma comparação

entre empregadas e diaristas, tanto em nível de Brasil quanto de Rio de Janeiro. Essa

pesquisa permitiu, por meio de uma seqüência temporal de determinados dados (número

de trabalhadores domésticos, carteira assinada, morar ou não na residência onde

trabalha...), um acompanhamento dos processos de mudança em curso no serviço

doméstico.

Os obstáculos superados foram aprendermos a trabalhar com os microdados da

PNAD e chegarmos à conclusão se uma distinção estatística entre empregada e diarista

poderia ou não ser realizada. Isso se tornou possível graças à experiência que

adquirimos na graduação trabalhando com o programa SPSS e à inestimável ajuda do

professor Alberto Di Sabbato, da Faculdade de Economia da UFF. Os bancos de dados

com os microdados das PNADs de 1992 a 2008 foram obtidos no Consórcio de

Informações Sociais (CIS) e no Observatório das Metrópoles.

Em relação ao método qualitativo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas

com trabalhadoras domésticas da cidade do Rio de Janeiro. Em determinados

momentos, essas entrevistas eram mais abertas, como a parte em que o que estava em

foco era a biografia dessas mulheres, aproximando-se da metodologia da história de

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vida; em outros, elas eram mais fechadas, quando a preocupação estava em perceber

questões específicas sobre o trabalho delas.

Na parte mais biográfica, as trabalhadoras domésticas eram chamadas a relatar

livremente a sua trajetória individual. Ao narrarem a dinâmica das relações sociais que

estabeleceram ao longo da vida, não podemos perder de vista que mobilizaram o olhar

do presente sobre o passado (POLLAK, 1989) e que a memória é seletiva, o que fez

com que alguns assuntos viessem à tona e outros fossem ignorados ou evitados

(POLLAK, 1992).

As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro que serviu para guiar a

conversa, mas novas perguntas poderiam ser formuladas a partir das respostas dadas

(ver anexo 1). Esse método pareceu o mais apropriado para captar as percepções das

entrevistadas em relação a determinados aspectos de sua vida e de seu trabalho,

importantes para alcançar alguns dos objetivos desta pesquisa.

Como se trata da tentativa de compreender relações de trabalho que podem ser

muito heterogêneas no serviço doméstico, alguns cuidados foram necessários. É preciso

lembrar que há desde a relação da empregada que trabalha para uma família de classe

média ou classe média alta até o caso de empregadas que têm “empregadas”, ou seja,

que pagam outras mulheres para cuidar de seus filhos e de sua casa, como apontam

alguns estudos (SILVA e CRUZ, 2007).

Possivelmente, as relações de trabalho estabelecidas nesses dois casos distintos

são muito diversas e uma comparação entre elas, por mais interessante que seja,

demandaria um esforço diferente daquele que atende ao objetivo específico desta

pesquisa. Sendo assim, para evitar comparar relações muito distintas, optamos por

homogeneizar a parte empregadora e, então, falar com mais propriedade sobre um tipo

de relação de trabalho: o estabelecido entre trabalhadoras domésticas e famílias de

classe média e classe média alta.

Para tornar isso possível, fizemos um controle a partir dos bairros cariocas,

escolhendo a região na qual eles são mais homogêneos quanto ao Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDH), que é uma medida comparativa obtida

levando em consideração três dimensões: educação (taxa de alfabetização de adultos e

taxa bruta de freqüência à escola), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda

(renda per capita). A região escolhida foi a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro,

habitada por pessoas de nível sócio-econômico-cultural mais semelhante. As entrevistas

foram realizadas com empregadas e diaristas que trabalham nessa região geográfica.

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O IDH pode variar de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1

(desenvolvimento humano total), sendo que os países, as regiões, as cidades e os bairros

são classificados do seguinte modo: de 0 a 0,499 (desenvolvimento humano baixo), de

0,500 a 0,799 (desenvolvimento humano médio), de 0,800 a 0,899 (desenvolvimento

humano elevado) e de 0,900 a 1 (desenvolvimento humano muito elevado).

Os bairros da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro escolhidos foram aqueles

com IDH mais próximo, ou seja, superior a 0,9. São eles: Gávea (0,970); Leblon

(0,967); Ipanema (0.962); Lagoa (0,959); Flamengo (0,959); Humaitá (0,959);

Laranjeiras (0,957); Jardim Botânico (0,957); Copacabana (0,956); Leme (0,955);

Botafogo, Urca (0,952); Glória (0,940); e Catete (0,901). Com IDH mais baixo, alguns

bairros ficaram de fora da amostra: Santa Teresa, Cosme Velho (0,878); Vidigal, São

Conrado (0,873); e Rocinha (0,732)7 (ver anexo 2).

Para selecionar as entrevistadas, foi utilizada a metodologia “bola de neve”

(snow-ball) ou técnica de indicação sucessiva de entrevistas, por meio da qual a

primeira entrevistada nos foi indicada e a partir dela foi construída uma rede que no

decorrer da pesquisa possibilitou que as próprias trabalhadoras domésticas entrevistadas

nos indicassem as próximas a fazerem parte da pesquisa. A preocupação era a de que

essa rede contemplasse em seu interior um recorte importante ligado ao tipo de inserção

no mercado de trabalho, ou seja, na composição da amostra de trabalhadoras domésticas

tornava-se necessário a presença tanto de empregadas quanto de diaristas.

Essa técnica de as primeiras entrevistadas indicarem outras, e assim

sucessivamente, foi empregada até que, de certa forma, fosse atingido o “ponto de

saturação”, ou seja, quando as novas entrevistadas começassem a repetir os conteúdos já

obtidos em entrevistas precedentes, sem acrescentarem novas informações relevantes. A

rede nem sempre se mostrou bem sucedida, pois às vezes acabava sendo desfeita por

alguma participante que não indicava outra pessoa ou por alguma trabalhadora

recomendada que não aceitava participar.

Por conta disso, algumas redes foram abertas simultaneamente, diminuindo o

tempo de espera de uma entrevista para outra e a possibilidade de ficarmos

abruptamente sem entrevistadas. Metodologicamente, optamos por não chegar às

7 Esses índices foram retirados do site “Armazém de dados” (http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br), que é um portal da Prefeitura do Rio de Janeiro para disseminação de informações sobre a cidade. Nesse endereço eletrônico está disponível um acervo de mapas, estatísticas, estudos e pesquisas. O cálculo do IDH Municipal depende das informações censitárias, por isso, os dados utilizados correspondem ao Censo Demográfico 2000.

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trabalhadoras domésticas nem por meio de suas patroas, nem de agências de emprego,

nem do sindicato, por conta do viés que esses caminhos poderiam trazer.

As redes foram abertas por meio de uma amostra de conveniência, no sentido de

que a entrevistada que dava início a cada rede foi indicada por alguém de nosso

conhecimento pessoal, em alguns casos até mesmo por suas patroas. Mas essa entrevista

apenas servia para abrir a rede, sendo em seguida eliminada do corpo analítico da

pesquisa. No caso das demais entrevistadas que compõem a rede, não nos parece que

haja esse tipo de fonte de viés, pois todas foram indicadas por outras trabalhadoras

domésticas e sequer seus patrões eram conhecidos.

Azerêdo (1989) discute uma série de cuidados metodológicos que precisam ser

observados por quem vai se debruçar sobre o tema do trabalho doméstico remunerado.

Essa reflexão foi realizada mediante sua pesquisa sobre a relação patroa-empregada, em

que chegou às trabalhadoras domésticas por meio de suas patroas e fez as entrevistas

nas casas destas. Durante o artigo, Azerêdo faz um balanço das formas de procedimento

adotadas, de suas conseqüências para as informações coletadas e de como seria possível

deixar as empregadas mais à vontade para falarem sobre as suas relações de trabalho,

tornando a leitura proveitosa para quem está desenvolvendo seus métodos de pesquisa.

A questão de a indicação ser de trabalhadora doméstica para trabalhadora

doméstica nos parece muito importante, pois a indicação através da patroa pode ser uma

fonte de viés da entrevista. Isso ocorre porque por mais que a patroa tenha perguntado

se a sua doméstica aceita ser entrevistada e ela tenha concordado, pode permanecer,

mesmo que em determinado grau, a questão da obrigatoriedade da entrevista: “estou

aqui porque a minha patroa mandou”.

Além disso, e ainda mais importante, sendo indicada pela patroa, por mais que o

pesquisador não a conheça pessoalmente, as respostas a determinados tipos de

perguntas, como as referentes ao relacionamento com a família empregadora, podem

ficar enviesadas, pois, em algum nível, as trabalhadoras domésticas perceberão a

entrevista como uma “armadilha”: “o que eu falar poderá ser usado contra mim”.

Nesse sentido, alguns obstáculos foram enfrentados para realizar as entrevistas.

Uma primeira dificuldade foi a necessidade de respeitar os critérios definidores de quem

poderia ou não ser entrevistada, pois apenas faria parte desse grupo quem satisfizesse

simultaneamente três condições: 1ª) ser empregada polivalente ou diarista; 2ª) trabalhar

na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, nos bairros citados anteriormente; 3ª) ter sido

indicada por outra trabalhadora doméstica. Por vezes, a rede chegava a empregadas

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especializadas ou a trabalhadoras que desempenhavam seu trabalho em outras regiões

da cidade, como não atendiam aos três requisitos necessários, ficavam fora da amostra.

Como dito antes, tais critérios buscaram evitar vieses e tornar possível o estudo

de relações de trabalho mais homogêneas, mas, ao mesmo tempo, tornaram mais

complexa a realização das entrevistas. Junto a isso, uma segunda dificuldade foi a

recusa de algumas trabalhadoras domésticas em fazer parte da pesquisa, por alegarem

falta de tempo, vergonha, não ter o que dizer e receio de que a gravação da entrevista

aparecesse na televisão.

As justificativas para a recusa são elas mesmas reveladoras de algumas

características do serviço doméstico, como quando uma trabalhadora doméstica que

presta serviço um dia na semana para uma mesma família, recebendo diária, não aceitou

fazer parte da pesquisa, pois disse, parecendo ofendida, que não era nem empregada

nem diarista, considerava-se uma amiga que estava prestando um favor. Esse é o tipo de

percepção que esta pesquisa procura identificar ao colocar o foco na trabalhadora

doméstica e no tipo de relação que ela constrói com a parte empregadora.

As entrevistas foram realizadas em três lugares: nas moradias das trabalhadoras

domésticas, no espaço público (calçadas, praças...) e nas casas da Zona Sul em que elas

trabalham (na cozinha ou no quarto de empregada). Nesse último caso, em número

pequeno e somente quando os patrões não estavam, aproveitando, por exemplo,

momentos em que foram trabalhar ou saíram de viagem. O ideal seria a entrevista ser

realizada unicamente com a trabalhadora doméstica presente, mas, por mais que isso

fosse buscado, em alguns casos, havia mais pessoas no local, como um filho ou uma

outra trabalhadora doméstica.

Essa presença inesperada, problemática em certo sentido, às vezes se mostrou

muito proveitosa. Esse foi o caso de uma entrevista realizada com uma empregada

doméstica que reside em um apartamento alugado no Centro, mas cujos filhos moram

na casa da patroa. A entrevista foi concedida nesse apartamento alugado, mas como ele

é extremamente pequeno, a filha, mesmo no cômodo contíguo, pôde acompanhar o

desenrolar da nossa conversa. A presença da filha e as suas constantes intervenções

deixaram claro, como veremos no último capítulo desta dissertação, um conflito que

cruzava relações trabalhistas e relações familiares e que fazia a empregada perceber os

seus filhos divididos entre ela e a sua patroa.

Para finalizar este ponto, vale a pena pensar se o fato de o pesquisador ser

homem ou mulher interfere no estudo desse tema. Levantamos essa questão, pois ela

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está presente em estudos precedentes sobre o assunto. Alguns pesquisadores ressaltaram

determinadas dificuldades vivenciadas por serem homens. Para Barbosa (2000), por

exemplo, a diferença de gênero entre pesquisador e entrevistadas repercutiu sobre o

entendimento do universo delas, pois elas pareciam se esquivar de comentar com um

homem sobre os serviços que realizam, por os perceberem como de domínio feminino.

Mas não podemos perder de vista que as pesquisadoras também já advertiram

sobre alguns entraves existentes por serem mulheres. Para Azerêdo (1989), era

inevitável que as empregadas a identificassem como patroa, por conta, por exemplo, da

sua situação sócio-econômica e pelo fato de estar fazendo uma pesquisa. Por esse

mesmo motivo, Coelho (2006) revelou que recebeu muitas recusas das trabalhadoras

domésticas para serem entrevistadas, pois havia o embaraço de conversar com uma

“patroa”.

Dessa forma, se o sexo do pesquisador também deve ser levado em consideração

como um dado importante para analisar os resultados obtidos pelas pesquisas sobre esse

tema, faz-se mister ressaltar que os obstáculos existem tanto para mulheres quanto para

homens. Essa condição, longe de significar uma impossibilidade de conduzir uma

pesquisa, revela determinados empecilhos existentes quando se vai a campo. Se certas

dificuldades aparecem mais para pesquisadores do que para pesquisadoras, e vice-versa,

são limites com os quais ambos necessitam conviver.

Estrutura da dissertação

Além desta introdução e da conclusão, o presente trabalho encontra-se

estruturado em três capítulos. No primeiro deles, intitulado “Uma análise da legislação e

da Justiça do Trabalho: a diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista”, os

objetivos centrais são analisar a trajetória da legislação direcionada aos empregados

domésticos e discutir, a partir da doutrina, da jurisprudência e do Projeto de Lei do

Senado, nº. 160, de 2009, o que diferencia, em termos legais, o empregado doméstico

do diarista.

No segundo capítulo, denominado “A diarista conquista espaço: processos de

mudança no trabalho doméstico remunerado atual”, por meio de dados quantitativos, é

elaborado um retrato do serviço doméstico, no Brasil e no Rio de Janeiro. Isso é

realizado com o intuito de alcançar três objetivos: analisar o perfil dos trabalhadores

domésticos; compreender e explicar os processos de mudança em curso no serviço

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doméstico; e realizar uma comparação entre empregadas e diaristas, de forma a perceber

se elas se diferenciam ou não quanto a uma série de características sócio-econômicas.

No terceiro e último capítulo, chamado “Os marcadores da diferença: as

percepções das trabalhadoras domésticas cariocas sobre a distinção entre ser empregada

ou diarista”, apresentamos os resultados das entrevistas realizadas com trabalhadoras

domésticas da cidade do Rio de Janeiro, ressaltando a forma como os dois grupos

estudados (empregadas e diaristas) percebem e marcam a diferença de um em relação ao

outro, com base em suas próprias percepções e classificações. Para isso, analisamos o

perfil e as histórias de vida das entrevistadas, os marcadores da diferença, as relações de

trabalho, as estratégias e os condicionamentos sociais.

Por fim, na conclusão, retomamos as discussões travadas e apontamos os

achados da pesquisa, sistematizando os resultados das questões investigadas,

caracterizando as semelhanças e as diferenças entre as relações de trabalho da

empregada e da diarista, e buscando chaves interpretativas.

Dito isso, estamos prontos para dar prosseguimento à reflexão que aqui se inicia

e acompanhar a lógica argumentativa que atravessa este trabalho. Se, como afirmam

muitos, a cozinha é o coração da casa, deixemos essa introdução para trás e passemos

para as partes mais estruturadas deste texto, nas quais se requer mais formalidade e

rigorosidade.

Mas como quem entra pela cozinha já é de casa, fiquem à vontade para se

familiarizar com os autores que já pesquisaram o assunto, analisar as idéias defendidas,

elogiar e criticar afirmações, e voltar sempre que quiserem e quando o interesse pelas

novas configurações do trabalho doméstico remunerado assim exigir.

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CAPÍTULO I – UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO E DA JUSTIÇA DO

TRABALHO: A DIFERENCIAÇÃO LEGAL ENTRE EMPREGADO

DOMÉSTICO E DIARISTA

Com o aumento da demanda das famílias brasileiras pela contratação de serviços

domésticos apenas por alguns dias da semana, principalmente nas últimas duas décadas,

os trabalhadores domésticos foram formando, cada vez mais, dois grupos distintos: o

dos empregados e o dos diaristas, sobretudo nos grandes centros urbanos do país, onde é

possível encontrar mais facilmente esses dois tipos de relações de trabalho doméstico

remunerado.

Embora as características em comum sejam muitas: serviço prestado à pessoa ou

à família, no âmbito residencial, sem finalidade lucrativa; a diferença entre eles toca em

um dos alicerces da definição de emprego doméstico: o trabalho ser prestado de forma

contínua. Por isso, a Justiça do Trabalho tem discutido essa questão há algum tempo e

tentado chegar a uma diferenciação entre o empregado e o diarista. Atualmente, o

Congresso Nacional também está envolvido, buscando estabelecer essa distinção na

forma de lei.

Neste capítulo, são duas as preocupações centrais: por um lado, analisar a

trajetória da legislação direcionada aos empregados domésticos; por outro, discutir o

que diferencia o empregado doméstico do diarista, em termos legais, e quais mudanças

trará a lei que propõe definir o diarista e dispor sobre a sua atividade. Tais objetivos

serão alcançados por meio de uma investigação que contemple parte da doutrina, da

jurisprudência e da legislação passada, vigente e em tramitação.

1.1 – Empregado doméstico: a trajetória legal e a busca pela equiparação com os

demais trabalhadores8

O trabalho doméstico remunerado, até a década de 1940, foi exercido no Brasil

sem que nenhum instrumento legal fosse criado em âmbito nacional tendo-o como

objeto de interesse. O primeiro passo dado para reverter esse quadro foi o Decreto-Lei

8 Analisamos essa trajetória, comparando-a com a dos trabalhadores rurais, em um artigo que ganhou menção honrosa no Concurso ANPOCS-FUNDAÇÃO FORD de Melhores Trabalhos Sobre a Constituição de 1988 e que foi publicado em livro. Ver FRAGA (2009).

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nº. 3.078, de 1941, do governo de Getúlio Vargas, que dispôs sobre a locação de

serviços domésticos e considerou empregados domésticos “todos aqueles que, de

qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências

particulares ou a benefício destas” (art. 1º).

Esse Decreto-Lei tornou obrigatório o uso de carteira profissional ao empregado

em serviço doméstico, na qual seriam realizadas as devidas anotações (art. 2º), e

instituiu o aviso prévio de oito dias para qualquer uma das partes que resolvesse

rescindir o contrato (§ 1º do art. 3º). Além disso, definiu os deveres do empregador e do

empregado, estabeleceu multas e prometeu promover os estudos necessários ao

estabelecimento de um regime de previdência social para os empregados domésticos.

Entretanto, a sua efetiva vigência dependia de regulamentação, como previu o seu artigo

15º, mas isso jamais ocorreu, permanecendo, então, a categoria sem um respaldo

jurídico de fato.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elaborada em 1943, também no

primeiro governo Vargas, reuniu em um só documento os preceitos que regulam as

relações individuais e coletivas de trabalho. Mas, como previsto em seu artigo sétimo,

as normas presentes na Consolidação não se aplicam a quatro grupos de trabalhadores:

aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais, aos funcionários públicos e aos

servidores de autarquias paraestatais.

A diferença entre esses quatro grupos não incorporados à CLT é a de que

enquanto os dois primeiros foram excluídos, respectivamente, por conta da não geração

de lucro e porque essa Consolidação foi editada apenas para os trabalhadores urbanos,

os outros dois não foram incorporados por estarem sujeitos a regime próprio de proteção

ao trabalho. Dessa forma, a não inclusão representou para empregados domésticos e

trabalhadores rurais desproteção e para funcionários públicos e servidores de autarquias

paraestatais foi fruto de proteção própria.

A Lei nº. 2.757, de 1956, distinguiu os empregados domésticos dos porteiros,

zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais, pois estes

últimos também vivenciavam uma ausência de direitos. Os trabalhadores de prédios

residenciais a serviço da administração do edifício e não de cada condômino em

particular foram, por meio dessa lei, excluídos do art. 1º do Decreto-Lei nº. 3.078/41 e

da alínea “a” do art. 7º da CLT, ou seja, diferenciados dos empregados domésticos, que

permaneceram na mesma situação, e incorporados à CLT.

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Excluídos das normas instituídas pela CLT, que os definiu como “os que

prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito

residencial destas” (art. 7º), os empregados domésticos passaram a ter leis específicas

apenas durante o regime militar, a partir da Lei nº. 5.859, de 1972, do governo Médici.

A definição de empregado doméstico ganhou contornos distintos da forma estabelecida

na CLT, pois o serviço prestado deixou de ser entendido como não econômico e passou

a ser percebido como tendo finalidade não lucrativa. Afinal de contas, o serviço

doméstico, por satisfazer uma necessidade, de fato tem finalidade econômica, embora

não tenha finalidade de lucro.

A Lei nº. 5.859/72 definiu que “empregado doméstico é aquele que presta

serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no

âmbito residencial destas” (art. 1º). É preciso frisar três aspectos distintivos dessa

profissão conforme apontados pela lei: 1º) a expressão natureza contínua, ou seja, o que

caracteriza o empregado doméstico é a continuidade do seu trabalho em uma mesma

residência, o que vai diferenciá-lo do diarista; 2º) a questão da finalidade não lucrativa,

de forma que, segundo exemplo trazido por Fonseca (2005: 37), o caseiro de um sítio

não pode ser considerado empregado doméstico quando nele se produz renda; 3º) o

trabalho tem que ser realizado no âmbito residencial, familiar, de forma que um

trabalhador que faz a limpeza de edifícios, mesmo residenciais, não se enquadra nessa

categoria profissional.

Além da continuidade, de não haver fins lucrativos e de o serviço ser prestado no

âmbito residencial à pessoa ou à família, como exigido pela Lei nº. 5.859, existem

outros elementos importantes para caracterizar o vínculo empregatício doméstico,

necessários a qualquer relação de emprego, conforme apontado pela CLT: a

onerosidade, pois há uma contraprestação ao trabalho realizado, na forma de salário; a

subordinação, pois o empregado deve acolher o poder de direção do empregador; e a

pessoalidade, pois o contrato de trabalho é realizado com pessoa determinada, que não

pode se fazer substituir.

A Lei nº. 5.859/72 tornou obrigatória a assinatura da carteira de trabalho, o

direito a férias anuais remuneradas de 20 dias úteis e o direito à previdência social na

qualidade de segurados obrigatórios9. Tal lei foi regulamentada pelo Decreto nº. 71.885,

de 1973, que logo em seu artigo 2º deixou claro que não seria desta vez que os

9 Desde o art. 161 da Lei nº. 3.807, de 1960, o empregado doméstico poderia filiar-se à Previdência Social como segurado facultativo.

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empregados domésticos se aproximariam dos demais trabalhadores: “Excetuando o

capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados domésticos as demais

disposições da Consolidação das Leis de Trabalho”.

O vale-transporte foi instituído pela Lei nº. 7.418, de 1985, para o deslocamento

residência-trabalho e vice-versa, e a sua concessão era facultativa. Mas a Lei nº. 7.619,

de 1987, transformou-o em obrigação do empregador. Esta lei foi regulamentada pelo

Decreto nº. 95.247, também de 1987, que, em seu artigo 1º, ressaltou ser esse um direito

direcionado aos trabalhadores em geral, inclusive aos empregados domésticos. Dessa

forma, o empregador doméstico deve pagar a condução do empregado doméstico e

depois poderá descontar, se quiser, até 6,0% do salário dele, o que exceder esse limite

ficará por sua conta.

A partir da mobilização da sociedade civil e, principalmente, das Associações de

trabalhadores domésticos, foi possível que a Constituição de 1988 avançasse em relação

aos direitos desse grupo profissional. Dos trinta e quatro incisos previstos do artigo 7º

da Constituição, referentes aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, nove deles

(IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV) fo ram assegurados aos

trabalhadores domésticos10, além da sua integração à previdência social, como definido

em seu parágrafo único.

A Constituição de 1988 previu os seguintes direitos aos empregados domésticos:

a) salário mínimo; b) irredutibilidade do salário, salvo negociação; c) décimo terceiro

salário; d) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; e) gozo de

férias remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; f)

licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; g)

licença-paternidade; h) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo

de 30 dias; i) aposentadoria; j) integração à previdência social.

Mais uma vez determinadas características distintivas dessa ocupação (não

geradora de lucro, realizada em âmbito doméstico, o empregador não ser uma empresa,

dificuldade de fiscalização do trabalho por conta da inviolabilidade do lar...) foram

utilizadas como argumento para a não igualdade entre domésticos e demais

10 A Constituição de 1988, diferente dos outros documentos legais, utilizou a expressão “trabalhadores domésticos” em vez de “empregados domésticos”. Para Martins (2000), essa expressão mais ampla não é muito precisa, pois o diarista autônomo é trabalhador doméstico, mas não tem direito, por exemplo, a aviso prévio e a férias pela inexistência de relação de emprego entre as partes. Trabalhador doméstico não é sinônimo de empregado doméstico, dessa forma, teria sido mais correto utilizar esta segunda expressão, pois o conjunto de direitos previsto na Constituição foi direcionado, na verdade, aos empregados domésticos especificamente.

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trabalhadores. Segundo Benedita da Silva11, ela preparou, como deputada constituinte

em 1988, um artigo para a Constituição que garantiria aos trabalhadores domésticos os

mesmos direitos dos demais trabalhadores, mas não houve respaldo. Dessa forma, na

versão final do documento, o parágrafo único do artigo 7º da Constituição, de sua

autoria, acabou limitando os direitos dos trabalhadores domésticos, mas assegurando

alguns deles. Se por um lado foi uma derrota, pois a categoria buscava o nivelamento

com as outras profissões; por outro, foi uma vitória, pois havia pressão para que nada

mudasse a favor dos domésticos.

Embora a Constituição de 1988 não tenha trazido a equiparação completa dos

trabalhadores domésticos com os demais, ela avançou muito em relação à lei de 1972,

pois ampliou os direitos. Essas modificações foram as possíveis a partir da correlação

de forças naquele momento. Além disso, a Constituição rompeu a barreira legal que até

então impedia o acesso dos empregados domésticos à sindicalização. Isso foi uma

mudança muito significativa, pois permitiu que novos direitos fossem buscados a partir

da prática sindical.

Nestes vinte anos pós-Constituição, algumas alterações foram realizadas na Lei

nº. 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico. Tais alterações

representaram uma ampliação de direitos. O Decreto nº. 3.361, de 2000, e a Medida

Provisória n°. 2.104-16, de 2001, convertida na Lei nº. 10.208, do mesmo ano, por

exemplo, facultaram o acesso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço (FGTS) e ao Programa do Seguro-Desemprego, mas fica a critério do

empregador fazer o recolhimento de contribuições para esse fim ou não, o que na

prática significou atingir uma porcentagem mínima de trabalhadores.

A Medida Provisória nº. 284, de 2006, do governo Lula, permitiu uma dedução

no imposto de renda da contribuição paga pelo empregador à previdência social do

empregado doméstico, buscando estimular a formalização. O problema é que tal

dedução vale apenas para quem utiliza o modelo completo de declaração do imposto de

renda, não beneficiando os empregadores que fazem uso do modelo simplificado.

Essa Medida Provisória de 2006 foi convertida na Lei nº. 11.324, do mesmo ano,

que, em seu artigo 4º, alterou alguns artigos da Lei nº. 5.859/72: passou a ser proibido o

empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de

alimentação, vestuário, higiene ou moradia; as férias remuneradas passaram a ser de 30

11 Em comunicação apresentada, em 10 de novembro de 2008, no Fórum “O Futuro do Emprego Doméstico no Brasil”, realizado na cidade do Rio de Janeiro.

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dias corridos, com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal; e ficou garantida

a estabilidade no emprego da gestante até o quinto mês após o parto. Além disso, seu

artigo 9º revogou a alínea “a” do artigo 5º da Lei nº. 605, de 1949, que excluía os

empregados domésticos do direito ao repouso remunerado nos feriados civis e

religiosos, ou seja, eles passaram claramente a ser beneficiados com esse direito.

Uma outra mudança legal se somou a essas anteriores, o Decreto nº. 6.481, de

2008, proibiu o trabalho doméstico para menores de dezoito anos. Esse Decreto teve o

intuito de regulamentar alguns artigos da Convenção 182 da Organização Internacional

do Trabalho (OIT), que trata da eliminação das piores formas de trabalho infantil, de

1999, ratificada pelo Brasil em 2000.

A reivindicação de direitos trabalhistas equivalentes aos das demais categorias

profissionais continua sendo uma bandeira importante, pois atualmente os empregados

domésticos ainda não têm direito, por exemplo, a Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço (FGTS), que é opcional para o empregador; a Seguro-Desemprego (pois é

restrito aos que estão inscritos no FGTS); a benefício por acidente de trabalho; à hora

extra; a adicional noturno; além de a legislação não prever a carga horária, sendo

acertada entre as partes na contratação.

A trajetória, em termos de leis, demonstrou que os empregados domésticos

deixaram o “limbo jurídico”, que se encontravam desde a não inclusão na CLT, apenas

nos anos 70, com a Lei nº. 5.859. A Constituição de 1988 ampliou os direitos

trabalhistas, mas não os igualou aos dos demais trabalhadores. Nestes vinte anos, os

empregados domésticos efetivamente vivenciaram uma ampliação de direitos e a busca

pela equiparação prossegue.

Nesse sentido, há vários projetos em tramitação no Congresso Nacional

buscando trazer mais direitos aos empregados domésticos. O mais antigo deles, de

autoria da então deputada Benedita da Silva, é o Projeto de Lei nº. 1.626, de 1989,

iniciado na Câmara dos Deputados, aprovado no Senado com um texto modificado e à

espera de aprovação de sua nova versão na Câmara. Apesar das alterações sofridas

durante a passagem pelo Senado e do esvaziamento de muitos direitos previstos no texto

original, o projeto ainda estende aos domésticos o Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço (FGTS), na condição obrigatória, e o Seguro-Desemprego. Dessa forma, a

movimentação passada e presente no campo dos direitos desse grupo profissional,

apesar dos obstáculos, parece indicar uma equiparação cada vez mais próxima.

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1.2 – A diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista

1.2.1 – Doutrina: interpretações divergentes sobre a “natureza contínua”

A elevação da demanda por serviços domésticos diários ao invés de mensais e a

sua crescente oferta, foram responsáveis pela entrada cada vez maior na Justiça do

Trabalho de trabalhadores domésticos que prestavam serviço apenas alguns dias em

uma mesma residência, buscando que fosse reconhecido o vínculo empregatício. Desse

reconhecimento dependia poderem desfrutar ou não dos direitos assegurados aos

empregados domésticos, discriminados anteriormente.

Vale relembrar que a Lei nº. 5.859/72 definiu que “empregado doméstico é

aquele que presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou

à família no âmbito residencial destas” (Art. 1º). O problema é que ainda não há

definição legal para o diarista, que atualmente está em tramitação, o que poderia evitar

ou ao menos diminuir as múltiplas interpretações a seu respeito. Dessa forma, o

entendimento sobre o diarista, ao invés de ser construído a partir de suas características

distintivas, é erigido a partir do que o empregado doméstico não é.

Em outras palavras, o diarista é concebido a partir de um processo de

eliminação, por intermédio das características presentes na definição de empregado

doméstico da Lei nº. 5.859 e na de empregado da CLT: 1ª) Serviço de natureza

contínua; 2ª) De finalidade não lucrativa; 3ª) Prestado à pessoa ou à família; 4ª)

Realizado no âmbito residencial; 5ª) Com onerosidade; 6ª) Com subordinação; 7ª) Com

pessoalidade. Se na relação de trabalho essas sete características estão presentes, o

trabalhador é considerado empregado doméstico; se está ausente, principalmente, a

primeira ou a sexta característica, então, por eliminação, é tido como diarista.

A questão principal que diferencia o empregado doméstico do diarista, em

termos legais, é a natureza contínua presente no trabalho do primeiro e a sua ausência

no do segundo. Mas essa diferenciação, que, a princípio, poderia parecer ser ponto

pacífico, está longe disso, pois a lei nº. 5.859/72 não define o que entende por “natureza

contínua”, nem explicita o critério preciso capaz de determiná-la. Na Argentina, por

exemplo, diferente do Brasil, como apontou Martins (2000), a lei estabelece critérios

claros, pois lá não se considera doméstico quem trabalha por tempo inferior a um mês e

quem labora menos de quatro horas diárias ou menos de quatro dias na semana, para o

mesmo empregador.

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Sendo assim, essa expressão ganha interpretações distintas por parte de

advogados e juízes, tendo como conseqüência que em determinados julgamentos o

trabalhador doméstico, supostamente diarista, consegue ser considerado empregado

doméstico, o que é pré-requisito para a obtenção dos direitos previstos para essa

categoria profissional; e em outros julgamentos ocorre exatamente o contrário, o que o

deixa em situação de prestação autônoma de serviço, recebendo apenas o valor

combinado pela sua execução.

Mas que concepções tão diferentes da expressão “natureza contínua”

possibilitam ora a definição daquele que trabalha alguns dias da semana como

empregado e ora como diarista? Para chegarmos a uma resposta a essa pergunta,

analisamos parte da doutrina12 que discutiu esse assunto e percebemos que três questões

são fundamentais para esse entendimento. Tais questões estão intimamente interligadas,

de forma que é difícil observá-las separadamente; são elas: 1ª) O que significa

“contínua”? 2ª) A continuidade faz referência a quê? 3ª) “Contínua”, presente na lei do

empregado doméstico, é igual a “não-eventual”, presente na definição de empregado da

CLT? Cada uma delas poderia ser dividida em dois grupos de resposta, um majoritário e

um minoritário, partidários de interpretações distintas.

A primeira questão crucial na doutrina é como definir “contínua”. Um primeiro

grupo de juízes entende a expressão natureza contínua, presente na lei que dispõe sobre

a profissão de empregado doméstico, como periódica, seguida, sucessiva, ou seja, faz

referência ao trabalho diário, sem interrupção. Seguindo uma concepção distinta da

anterior, um segundo grupo de juízes concebe natureza contínua como habitual. Nessa

interpretação, não é porque um serviço não foi prestado todos os dias da semana que ele

necessariamente deixou de ser realizado habitualmente. É assim considerado tanto

aquele serviço prestado diariamente quanto em dias alternados, espaçados. A doutrina

majoritária quanto a essa questão é a do primeiro grupo.

A segunda questão importante na doutrina quanto a esse tema é entender a quê a

continuidade faz referência. Para um primeiro grupo de juízes, a continuidade faz

referência à freqüência com que o trabalho é realizado, daí a importância de se saber se

o serviço prestado era diário, uma, duas ou três vezes na semana, quinzenal e assim por

diante. Mas, segundo um outro grupo de juízes, a continuidade não está ligada à

12 A doutrina jurídica são os estudos aprofundados sobre normas e princípios do Direito, elaborados, na forma escrita, por juristas especializados no assunto, servindo de auxílio para uma melhor interpretação, explicação e aplicação da lei. Há doutrinas divergentes sobre um mesmo assunto.

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freqüência com que o trabalho é realizado, o que é contínua é a necessidade desse

serviço para a pessoa ou a família. Se a necessidade do serviço é ocasional, descontínua

(não se prolonga no tempo), quem presta pode ser considerado diarista. Mas se a

necessidade é permanente, contínua, quem realiza é necessariamente empregado

doméstico.

Em outras palavras, para aquele primeiro grupo, a expressão “natureza contínua”

deve ser interpretada em função do prestador de serviço e não do tomador, daí a

relevância que ganha o número de dias semanais trabalhados; para este segundo grupo,

ao contrário, essa mesma expressão deve ser compreendida em função do tomador de

serviço e não do prestador, de forma que o importante é saber se a necessidade daquele

trabalho é episódica, ocasional ou não. A doutrina majoritária quanto a essa questão é a

do primeiro grupo.

E, finalmente, a terceira questão relevante na doutrina é se é possível conceber

“contínua” como igual a “não-eventual” ou se os sentidos são diferentes. A dúvida vem

do fato de que enquanto a CLT definiu empregado como aquele que presta serviços de

natureza não-eventual, a Lei nº. 5.859/72 definiu que empregado doméstico é aquele

que presta serviços de natureza contínua. Essas duas expressões têm o mesmo

significado?

Segundo um primeiro grupo de juízes, continuidade é diferente de não-

eventualidade, e essa diferenciação foi realizada propositadamente pelo legislador, de

forma a exigir do empregado doméstico a prestação do serviço de forma contínua, ao

passo que dos demais empregados, regidos pela CLT, foi cobrada apenas a não-

eventualidade. Enquanto a continuidade é característica que se liga ao tempo

(ininterrupta), a não eventualidade pode estar presente mesmo em atividades não

sucessivas (VILA, 2005).

Dessa forma, para a caracterização da relação de emprego doméstico, não basta a

existência de não-eventualidade (não ser um acontecimento incerto), é essencial que

ocorra de forma contínua, ininterrupta, sucessiva. A diarista que, por exemplo, trabalha

três vezes na semana, por conta da interrupção do trabalho, presta serviço de forma não-

eventual, mas não contínua.

Diferente disso, um outro grupo de juízes pensa de maneira contrária. Para eles,

contínua, da lei do empregado doméstico, e não-eventual, da CLT, têm o mesmo sentido

ou muito semelhante. Sendo assim, como o trabalhador doméstico que trabalha em uma

mesma residência alguns dias na semana realiza serviços não-eventuais, e como não-

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eventual é o mesmo que contínuo, então, ele deve ser considerado empregado

doméstico, e o vínculo empregatício precisa ser reconhecido. A doutrina majoritária

quanto a essa questão é a do primeiro grupo.

Recapitulando essa análise da doutrina, podemos sintetizar os elementos

presentes nessas três questões e, consequentemente, nos seus seis grupos de respostas

divergentes, em dois apenas: o da doutrina majoritária e o da doutrina minoritária. Para

ambos os grupos, a diferença entre o empregado e o diarista está na continuidade do

trabalho, mas o que varia é o seu entendimento. Para o primeiro grupo, cuja posição é

majoritária entre os juízes, contínuo significa sucessivo, sem interrupção; a

continuidade faz referência à freqüência com que o trabalho é realizado; e contínuo e

não-eventual são interpretados como diferentes. É uma perspectiva que conjuga todos os

elementos capazes de ratificar a existência de diferenças entre o diarista e o empregado

e negar o vínculo empregatício do primeiro.

Para o segundo grupo, que defende um entendimento minoritário entre os juízes,

contínuo significa habitual, a continuidade faz referência à necessidade dos serviços

para a família empregadora e contínuo e não-eventual são compreendidos como tendo

significados muito semelhantes ou iguais. É uma perspectiva que conjuga todos os

elementos capazes de corroborar a existência de semelhanças entre o diarista e o

empregado e afirmar o vínculo empregatício do primeiro.

A primeira interpretação, majoritária entre os juízes, é facilmente encontrada nos

livros e manuais doutrinários que discutem a legislação e tratam dos direitos e deveres

dos empregados domésticos:

O trabalho em dias alternados descaracteriza a continuidade exigida pela lei. Não existirá, portanto, vínculo empregatício por que estas pessoas, prestando serviços a diversas residências – alguns juristas consideram até dois dias em cada semana – não podem ser considerados empregados domésticos. É muito comum encontrarmos trabalhando desta forma, o jardineiro, a faxineira, a lavadeira, a passadeira, etc. (SILVA, 1998: 17; grifo do autor).

Quem presta serviços eventuais, esporádicos, à família, não é trabalhador doméstico, é biscateiro. A faxineira, por exemplo, que recebe por dia, trabalhando em várias residências distintas, não é considerada empregada doméstica para os efeitos da Lei nº. 5.859, de 1972. (...) Costuma-se admitir, todavia, como não eventual – logo, empregada doméstica por causa da natureza continuada do trabalho –, a diarista que trabalha mais de dois dias para a mesma pessoa ou família, porém fazemos questão de destacar que este limite não é opinião unânime (SANTOS, 2000: 72; grifos do autor).

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O prestador de serviço doméstico que trabalha apenas alguns dias por semana, prestando o seu trabalho para outras pessoas, sem continuidade, não satisfaz os pressupostos da lei do empregado doméstico, portanto, sem a proteção que estes trabalhadores possuem. (...) Os serviços prestados pelo empregado doméstico correspondem a necessidade de permanência no lar, a continuidade, o dia a dia, ao contrário do diarista, que trabalha alguns dias da semana, sem compromisso de continuidade, inclusive, para outras pessoas, o dia e hora que quiser, ou, em outros lugares, etc. (LIMA, 2007: 12/13).

Mas há quem seja favorável à segunda interpretação, como, por exemplo, o Juiz

do Trabalho José Geraldo da Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de

Janeiro, deixando clara, em seu livro, essa posição que percebe como contínua a

necessidade do patrão na prestação do serviço:

Será diarista, autônoma e sem vínculo de emprego aquela faxineira contratada para fazer a limpeza de uma casa para a qual a família vai se mudar ou para a arrumação de uma casa de praia ou campo que a família vai ocupar nas férias, ou, enfim, aquela contratada para limpar a casa da família depois de uma festa ou de um evento social qualquer. Concluída a faxina, termina a relação ocasional de trabalho e vai cada um pro seu lado. Mas, já não são diaristas, e sim empregadas domésticas, tanto a faxineira que, durante anos a fio, vai à casa da patroa uma ou duas vezes por semana, em dias certos ou não, em horários predeterminados ou não, como aquela passadeira que de quinze em quinze dias vai à casa da família passar as roupas do pessoal (FONSECA, 2005: 35).

Sérgio Pinto Martins (2000) também compartilha, em grande parte, dessa

segunda interpretação, de que a condição sine qua non para a definição do diarista não é

a quantidade de dias em que o serviço é realizado, embora para ele seja importante

também que a escolha do horário e do dia da diária sejam livres:

O fato de a diarista prestar serviços uma vez por semana não quer dizer que inexista relação de emprego. O advogado que presta serviços em sindicato, sob o sistema de plantões, uma vez por semana, atendendo exclusivamente aos interesses da agremiação, é considerado empregado, e não autônomo. O importante, no caso, é a faxineira ter a obrigação de comparecer sempre em determinado dia de semana, v.g., segunda-feira, a partir das 8 horas até as 16 horas, ficando evidenciada a subordinação pela existência de imposição patronal quanto ao dia e horário de trabalho (MARTINS, 2000: 55).

Martins (2000) ressalta esses outros critérios, para além da continuidade, que

também são importantes na decisão dos juízes e que, portanto, pesam na balança que

tende para o vínculo empregatício ou para a autonomia. Entre esses requisitos

configuradores de uma relação de emprego doméstico, como vimos anteriormente, há:

subordinação, pessoalidade e pagamento de salário. A ausência de um desses elementos

pode ser suficiente para descaracterizá-la.

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Dessa forma, essas concepções distintas e doutrinas divergentes sobre o assunto

explicam, em grande parte, como é possível que ao mesmo tempo existam na Justiça do

Trabalho tanto sentenças favoráveis como contrárias ao suposto diarista que busca o

reconhecimento do vínculo empregatício. As causas ora ganhas e ora perdidas na Justiça

precisam ser alvo de uma investigação que analise essa indefinição, que tanto alimenta

as imprecisões sobre a figura do diarista; e é o que faremos a seguir.

1.2.2 – Jurisprudência: as decisões dos casos julgados

Como a diferenciação entre empregado doméstico e diarista não é uma questão

resolvida na doutrina, outra fonte do Direito13 importante de ser analisada é a

jurisprudência, enquanto o conjunto das decisões dos tribunais. Mas se a lei não define

“natureza contínua” nem “diarista” e se a doutrina é divergente sobre o assunto, isso

muito provavelmente vai se refletir nas sentenças dos juízes. Nesse sentido, as decisões

são similares ou, assim como as doutrinas, são muito variadas? Quais têm sido os

critérios utilizados para caracterizar o vínculo empregatício no caso dos trabalhadores

domésticos? Há entendimentos distintos entre as instâncias da Justiça do Trabalho?

Para responder a essas questões, é necessário, logicamente, além de acompanhar

as leis e seus estudos e interpretações (doutrina), analisar como os casos concretos de

trabalhadores domésticos buscando o vínculo empregatício na Justiça do Trabalho são

julgados e se uma mesma sentença vem servindo de base e precedente para as demais.

Os magistrados tomam suas decisões com base na lei e nas circunstâncias do caso

particular que está em julgamento, mas levam também em consideração a jurisprudência

sobre o assunto14, de forma a mostrar que aquela solução já foi utilizada anteriormente.

A Justiça do Trabalho está estruturada em três graus de jurisdição: as Varas do

Trabalho (primeira instância), que julgam apenas dissídios individuais15, na forma de

reclamação trabalhista, e têm jurisdição local, abrangendo um ou mais municípios; os

Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) (segunda instância), que julgam, entre outras

13 A definição, a classificação e a relevância das fontes do Direito variam conforme as doutrinas, mas podemos indicar, entre outras: a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência. 14 Embora seja necessário ressaltar que a importância da jurisprudência como fonte do Direito é incomparavelmente maior nos países que seguem o sistema anglo-saxão, como Inglaterra e Estados Unidos, do que em países que seguem o sistema romano-germânico, também denominado continental europeu, como o Brasil. Nesta segunda tradição, há uma absoluta predominância do direito legislado (a lei) em relação à jurisprudência. 15 Dissídios individuais são divergências relativas ao contrato individual de trabalho e submetidas à Justiça do Trabalho.

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questões, os recursos16 contra decisões de Varas do Trabalho e têm jurisdição que

corresponde, geralmente, a cada estado; e o Tribunal Superior do Trabalho (instância

extraordinária), que julga, entre outras questões, os recursos contra decisões de TRTs e

tem como principal função uniformizar a jurisprudência trabalhista. A sua área de

jurisdição abarca todo o território nacional.

O entendimento dos juízes, evidenciado em sentenças, acórdãos e súmulas,

muitas vezes é publicado para servir de base à comunidade jurídica. A sentença é a

decisão do juiz quanto à questão posta em julgamento, dando fim ao procedimento em

primeira instância e, se não houver recurso, também ao processo. O acórdão, por sua

vez, é a decisão de um órgão colegiado pertencente a um tribunal, ou seja, diferente da

sentença, é uma decisão coletiva adotada por meio dos votos de um grupo de juízes ou

ministros, a partir da segunda instância. Já a súmula é um enunciado elaborado pelos

Tribunais Superiores de forma a condensar alguns acórdãos e registrar uma

interpretação majoritária sobre um determinado assunto, o que facilita o julgamento de

casos semelhantes nesse mesmo tribunal e serve de orientação para os demais juízes,

mas sem efeito obrigatório.

A questão da distinção entre empregado doméstico e diarista conta com

sentenças e acórdãos, mas não é objeto de súmula. Com o intuito de examinar a

jurisprudência sobre o assunto17 e de definir qual é o seu entendimento predominante,

analisamos 13 acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho (apenas de processos

iniciados no Rio de Janeiro) e 78 acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 1º

Região (Rio de Janeiro), dos anos de 2008 e 200918, ou seja, nos debruçamos sobre as

decisões mais recentes da Justiça do Trabalho.

Dos 13 acórdãos do TST que examinaram os processos dos trabalhadores

domésticos do Rio de Janeiro que trabalhavam alguns dias na semana, apenas dois

julgaram haver vínculo empregatício, dez, ao contrário, os consideraram prestadores

autônomos de serviço e um pediu nova decisão ao TRT19. Com isso, podemos perceber

16 Recurso é o meio pelo qual é possível obter um reexame de uma decisão judicial com a qual não se concorda, buscando a sua modificação. 17 As jurisprudências analisadas foram consultadas no site do TST (www.tst.gov.br) e do TRT da 1ª Região (www.trt1.jus.br). 18 Tanto no TRT/RJ quanto no TST, analisamos os acórdãos dos anos de 2008 e 2009, por meio de consulta em seus sites oficiais, mas no caso do TRT/RJ, para 2008, apenas estavam disponíveis os acórdãos julgados a partir do mês de maio. 19 Nesse caso específico, o TST mandou os autos voltarem ao TRT-RJ para que fosse proferida nova decisão, pois o Tribunal Regional reformou a decisão da Vara, afirmando não haver vínculo empregatício, mas não explicitou afinal quantos dias na semana a trabalhadora doméstica prestava serviço, questão sobre a qual as testemunhas divergiram. Com isso, no entendimento do TST, a decisão não foi

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que o entendimento majoritário do TST é o de que trabalhar alguns dias não é suficiente

para caracterizar a continuidade. É preciso ressaltar que em todos os casos o TST seguiu

a mesma decisão do TRT20, ou seja, concordou com ele na existência ou não dos

vínculos empregatícios, o que significa que não houve divergência jurisprudencial entre

essas duas instâncias.

O TST tende a seguir a decisão do TRT, pois, como veremos adiante, os critérios

utilizados para definição do vínculo de emprego são praticamente os mesmos. Além

disso, o reconhecimento ou não do vínculo apenas poderia ser alterado se as

interpretações sobre ele fossem muito divergentes entre essas duas instâncias da Justiça

do Trabalho, pois do contrário, um posicionamento distinto apenas seria possível por

meio do reexame das provas, algo que é inviável em recurso de revista21, segundo a

Súmula nº. 126 do TST22.

Todos os processos relatavam situações muito parecidas, de trabalhadores

domésticos que prestavam seu serviço em uma mesma residência duas ou três vezes na

semana, principalmente, fazendo faxina ou passando roupa. Não lhes foi reconhecido o

vínculo, pois o entendimento jurisprudencial foi o de que trabalhar alguns dias

semanalmente não é suficiente para configurá-lo.

Mas se os casos eram tão parecidos e se a freqüência de trabalho era a mesma,

dois ou três dias, por que em dois deles houve o estabelecimento do vínculo

empregatício? É aí que entram os outros critérios que também pesam na decisão. Os

juizes observaram se o horário e os dias eram fixos ou não, se o pagamento era mensal

ou diário e se o trabalhador prestava serviço em mais residências ou apenas em uma23.

Dessa forma, nesses dois casos em que a decisão do TST foi pelo vínculo, embora o

trabalho fosse realizado apenas dois ou três dias na semana, a balança pesou mais para

esse lado por conta da existência de subordinação, do pagamento ser em salário mensal

e dos trabalhadores realizarem todas as tarefas domésticas da casa.

corretamente fundamentada, pois essa informação era indispensável para se verificar a prova do fato constitutivo do vínculo de emprego doméstico. 20 Exceto nesse caso em que o TST pediu nova decisão ao TRT. Embora isso não signifique que ele teve postura contrária sobre o vínculo empregatício. 21 Recurso de revista é o meio pelo qual é possível obter um reexame de uma decisão judicial que contenha interpretação divergente entre tribunais ou que seja contrária a dispositivos de lei federal ou da Constituição. 22 SUM-126: Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame de fatos e provas. 23 O fato de prestar serviços a outras pessoas fortalece o convencimento sobre a autonomia da relação mantida.

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Por sua vez, dos 78 acórdãos do TRT/RJ que examinaram os processos dos

trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro que trabalhavam alguns dias na semana,

treze julgaram haver vínculo empregatício, sessenta e dois, ao contrário, os

consideraram prestadores autônomos de serviço, um pediu nova decisão à Vara24 e dois

não aceitaram o recurso25. Com isso, podemos perceber que o entendimento majoritário

do TRT-RJ também é o de que trabalhar alguns dias não é suficiente para caracterizar a

continuidade.

Mas diferente do TST que seguiu a mesma decisão do TRT-RJ em todos os

casos analisados anteriormente, o TRT-RJ divergiu em algum grau das Varas do

Trabalho que estão sob sua jurisdição, pois segundo o levantamento que fizemos,

concordou com elas em 64 casos, mas foi contra a decisão delas em outros 11, ou seja,

entre essas duas instâncias há de fato uma divergência jurisprudencial, embora pequena,

de 14,6%. Desses 11 casos em que a decisão foi modificada, em 8 as Varas decidiram

pela existência do vínculo empregatício e o TRT-RJ julgou em decisão oposta, não

considerando haver relação de emprego doméstico; nos outros 3 casos ocorreu o

contrário.

Provavelmente, entre os juízes das Varas do Trabalho há decisões mais

heterogêneas e maior divergência quanto aos fatores que seriam determinantes para a

configuração do vínculo como empregado doméstico. Pereira (2007), em pesquisa

realizada por meio de entrevistas com juízes que atuam na primeira instância da 17ª

Região (Espírito Santo), percebeu ser evidente a multiplicidade de posições sobre a

diferenciação entre empregado e diarista, com os mais variados fundamentos.

Nos casos em que o TRT da 1ª Região julgou haver o vínculo empregatício,

mesmo em situações em que o trabalho era realizado durante dois ou três dias, os

motivos foram, de maneira semelhante aos do TST: a parte empregadora não conseguir

provar a ausência de subordinação e o trabalho descontínuo; o serviço ser prestado

24 Nesse caso específico, o TRT-RJ determinou o retorno dos autos à Vara de origem, 56ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, e a reabertura da instrução, pois a juíza dessa Vara dispensou o depoimento da testemunha da trabalhadora doméstica, que poderia auxiliar na comprovação da continuidade do trabalho. O TRT entendeu que por conta disso a trabalhadora doméstica teve a defesa cerceada, pois para a juíza da Vara, uma vez admitido o recebimento do pagamento a cada dia trabalhado e em valor superior à média de salário das empregadas domésticas, o caso já estaria resolvido e ela seria considerada diarista, deixando de lado o aspecto da continuidade, que é efetivamente o predominante para resolver a questão. 25 Para um recurso ser aceito, ele precisa seguir alguns critérios, como: estar subscrito por advogado regularmente habilitado nos autos, ser interposto no prazo legal e indicar que as custas foram recolhidas corretamente. Em dois casos o recurso foi recusado. No primeiro, elaborado pela parte empregadora, porque o depósito das custas realizado foi menor do que deveria. No segundo caso, proposto pela trabalhadora doméstica, porque a fundamentação, com argumentação lógica capaz de evidenciar o equívoco da decisão contestada, não foi elaborada satisfatoriamente.

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durante vários anos em dias certos; o pagamento ser mensal e fixo, o que descaracteriza

a contraprestação condicionada aos dias efetivamente laborados; e o trabalhador

doméstico receber salário mínimo. Mas, diferente do TST, houve também motivos de

outra ordem, como o entendimento de uma parcela dos juízes de que o fato de ser dois

ou três dias na semana não descaracteriza o vínculo de emprego, pois o importante é

existir uma necessidade contínua da família em relação a esses serviços.

Para trazer julgamentos concretos que ratifiquem essas posições jurisprudenciais

analisadas, vamos acompanhar três casos de trabalhadoras domésticas do estado do Rio

de Janeiro que recorreram à Justiça do Trabalho e cujos processos chegaram ao TST, o

que nos permite observar o desenrolar do processo nas três instâncias da Justiça do

Trabalho:

1º caso: unanimidade quanto à falta de vínculo26

Marilene trabalhava na casa de Dirma, em Niterói, com a freqüência de três dias

na semana. Tal relação se manteve durante mais de nove anos. Após esse período,

Marilene ingressou na Justiça do Trabalho, mais especificamente na 2ª Vara do

Trabalho de Niterói, no final do ano de 2003, pleiteando os direitos assegurados aos

empregados. Nessa primeira instância, a sentença não reconheceu o vínculo

empregatício entre as partes.

Essa trabalhadora doméstica entrou, então, em 2006, com um recurso no

Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, cuja jurisdição é o estado do Rio de

Janeiro. Nessa segunda instância, o acórdão dos juizes, em 2007, ratificou a sentença

que não havia reconhecido, em primeira instância, o vínculo empregatício, concluindo

que o trabalho três vezes por semana não implica o reconhecimento da relação de

emprego doméstico, visto que o artigo 1º da Lei nº. 5.859/1972 exige que os serviços

tenham natureza contínua.

Como os resultados das primeiras duas instâncias não lhe foram favoráveis,

Marilene interpôs recurso de revista no TST, em 2008, pretendendo a reforma da

decisão. Para isso, citou um acórdão oriundo do TRT da 9ª Região (Paraná) que

considerou existir natureza contínua em um caso de uma trabalhadora doméstica que

prestava serviço três dias por semana, pois “contínua” foi entendida como habitual e não

26 Processo Nº. TST-RR-3400/2003-242-01-00.0.

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como ininterrupta. Isso permitiu demonstrar que há divergência jurisprudencial entre os

TRTs e que, por isso, fazia sentido entrar com o recurso para a questão ser resolvida

nessa instância extraordinária.

O entendimento do TST foi o de que para se considerar contínuo o serviço da

trabalhadora doméstica, há a necessidade de ele ser prestado todos os dias, sem

interrupção. Por conseguinte, os ministros da 4ª turma do TST, acordaram, em 10 de

setembro de 2008, por unanimidade, que se tratava de trabalho autônomo e não de

emprego, não sendo reconhecido pela terceira vez o vínculo empregatício.

2º caso: unanimidade quanto à existência de vínculo27

José contratou, em maio de 2006, uma trabalhadora doméstica, chamada Maria,

para trabalhar em sua residência, que, com a freqüência de três vezes semanais,

desempenhava todas as tarefas domésticas da casa: passava, lavava, cozinhava e

arrumava. O pagamento pelos serviços prestados era realizado mensalmente e não

ultrapassava o valor equivalente a um salário mínimo. Ao ser dispensada em abril de

2007, Maria acionou a Justiça com o intuito de que fosse caracterizado o vínculo

empregatício, iniciando um processo na 35ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

Como a sentença da Vara do Trabalho, em 2007, declarou existente o vínculo de

emprego e determinou o pagamento das verbas trabalhistas devidas, José entrou com

um recurso no TRT. Essa segunda instância, em decisão datada de 2008, manteve a

posição da primeira, justificando que a diarista autônoma não realiza todas as tarefas da

casa, não é paga de maneira mensal, não é remunerada com um salário mínimo e não

recebe décimo terceiro salário, elementos que estavam presentes nesse caso.

Por fim, José recorreu ao TST, mas não logrou êxito, pois os ministros da 4ª

turma, por unanimidade, em agosto de 2009, negaram provimento ao seu agravo de

instrumento e a decisão permaneceu a mesma. Ou seja, a parte empregadora deveria

proceder a anotação da carteira de trabalho, como empregada doméstica, pagar as férias

e quitar os recolhimentos previdenciários do período trabalhado.

27 Processo Nº. TST-AIRR-767/2007-035-01-40.6.

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3º caso: divergência jurisprudencial entre as instâncias da Justiça do Trabalho28

Maria foi admitida por Ana Lúcia, no ano de 2006, para trabalhar em sua

residência, realizando serviços domésticos. Nessa data de admissão, estava com 67 anos

e já era aposentada. No ano seguinte, buscando o reconhecimento do vínculo

empregatício, ela entrou com um processo na 55ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

No julgamento, Ana Lúcia reconheceu a existência da relação de trabalho, mas negou a

relação de emprego.

As versões apresentadas por elas foram muito divergentes. Enquanto Ana Lúcia

defendeu que Maria comparecia ocasionalmente à sua residência para passar roupa, o

que ocorria quando ela se dispusesse a fazê-lo; Maria afirmou trabalhar três vezes na

semana, executando serviços gerais de limpeza, lavagem e passagem de roupa, além de

arrumação e faxina da casa.

Nessa primeira instância, o juiz entendeu que tendo confirmado a existência da

relação de trabalho, mas alegado não se tratar de trabalho contínuo, Ana Lúcia atraiu

para si o ônus probatório. Como ela não conseguiu reunir elementos que pudessem

provar isso, o juiz admitiu como verdadeiras as alegações de Maria, de que realizava

todos os afazeres domésticos durante três dias semanais, reconhecendo, então, o

contrato de trabalho na qualidade de empregada doméstica.

Com o objetivo de reformar a sentença, Ana Lúcia interpôs recurso no TRT da

1ª Região. Essa segunda instância chegou a um outro entendimento do caso, valendo-se

do princípio de que há situações em que, diante de afirmações contrárias, não

amparadas por esteio probatório, cabe ao juiz buscar aquela que mais parece

corresponder à verdade. Como nenhuma das partes produziu prova, cabia analisar qual

das duas versões apresentadas em juízo era a mais fidedigna.

O acórdão do TRT, de 2008, considerou inverossímeis as alegações de Maria,

pois, segundo seus argumentos, em razão das limitações físicas impostas pela idade,

uma pessoa de 67 anos não se encontra habilitada a limpar, lavar, passar, arrumar e

faxinar durante três vezes na semana. A conclusão a que essa turma de juízes chegou foi

a de que em vista da idade avançada de Maria, que não lhe permitia atividades pesadas,

a versão de Ana Lúcia pareceu mais coerente, ou seja, a de que Maria, no curto período

de tempo que laborou na residência, exercia atividades de passadeira-diarista. Dessa

28 Processo Nº. TST-AIRR-1041/2007-055-01-40.5.

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forma, o TRT deu provimento ao recurso e reformou a sentença, negando o vínculo

apontado pela 55ª Vara.

Inconformada com a nova decisão, Maria recorreu ao TST, argumentando que o

Tribunal Regional se omitiu em apreciar o ônus da prova sobre a relação de emprego e

se valeu da intuição para fundamentar o acórdão, mas os ministros da 8ª turma, por

unanimidade, em outubro de 2008, negaram provimento ao seu agravo de instrumento e

a decisão do TRT pela ausência do vínculo permaneceu inalterada.

Por conta das posições divergentes presentes fortemente na doutrina,

esperávamos encontrar uma divergência jurisprudencial elevada. Mas isso não se

confirmou, pelo menos nos processos iniciados no estado do Rio de Janeiro. Como

esperado, a divergência foi muito maior entre o TRT e as varas do que entre o TST e o

TRT. Enquanto essas duas últimas instâncias sequer discordaram quanto à existência do

vínculo empregatício, as duas primeiras divergiram, mas em número pequeno de casos.

Em maio de 2009, a mídia de uma maneira geral (sites, jornais e telejornais)

noticiou um acórdão divulgado no site do TST no final de abril29. Tratava-se do caso de

uma trabalhadora doméstica do Paraná que trabalhou durante dezoito anos em uma

mesma casa, sendo que nos oito primeiros três vezes por semana e nos dez seguintes,

duas vezes. O TRT da 9ª Região decidiu reconhecer a existência do vínculo de emprego

e, portanto, considerar que essa trabalhadora tinha direito a registro em carteira, INSS,

férias e 13º salário. Mas a sétima turma de ministros do TST reverteu a decisão.

Tais meios de comunicação não deixaram claro o porquê de a decisão ter sido

modificada. Lendo o acórdão, percebemos que o entendimento do TRT-PR foi o de

“natureza contínua” como habitual, enquanto o TST a interpretou como seguida,

sucessiva, ininterrupta. Esse é um bom exemplo de que há divergência jurisprudencial

mesmo entre o TST e o TRT. Essa decisão do TST seguiu o entendimento majoritário e

não foi diferente da maior parte dos acórdãos de casos do TRT-RJ, analisados neste

capítulo. Embora as decisões do TST não se tornem obrigatórias para as instâncias

inferiores, há uma irradiação de seu entendimento para o TRT e as Varas, que passam,

muitas vezes, a citar suas jurisprudências como forma de ratificar uma posição tomada.

29 Processo Nº. TST-RR-17676/2005-007-09-00.0.

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Os dados analisados indicam que se ainda não é possível falar que a

jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas é pacífica quanto a esse assunto, pelo menos é

evidente que ela é convergente, em sua maior parte, no sentido de que o trabalhador

doméstico que trabalha alguns dias semanais deve ser considerado diarista e não

empregado. Nesse sentido, é importante lembrarmos que as decisões estudadas foram as

mais recentes, de 2008 e 2009, ou seja, época em que a jurisprudência já está bem

marcada nesta posição de diferenciar o diarista do empregado, algo que durante a

década de 1990 e mesmo no começo dos anos 2000 provocava muito mais dissensão.

Dessa forma, esta análise conclui que o entendimento majoritário firma-se no

sentido de não considerar contínuo o trabalho efetuado pelos diaristas. Assim como na

doutrina, há certas controvérsias, mas as decisões contra o vínculo empregatício são a

maioria esmagadora (MENDES, 2001), sendo pouco freqüentes os casos em que os

trabalhadores que prestam serviço em poucos dias da semana ganham na Justiça, pelo

menos na segunda instância e na instância extraordinária, que foram o objeto de

investigação.

A jurisprudência mais recente está inclinada no sentido de que a prestação de

serviços, pelo diarista, em um, dois ou três dias na semana, não revela uma

continuidade, afastando-se, assim, a configuração do vínculo empregatício, mais

adequado quando há o trabalho em todos os dias da semana. Mediante essa análise

realizada sob o ponto de vista legal, podemos apontar algumas similitudes e contrastes

entre esses dois tipos de relação de serviço doméstico remunerado, conforme levantados

pela doutrina e pela jurisprudência:

Quadro 1: Semelhanças e diferenças entre empregado doméstico e diarista na

perspectiva da doutrina e da jurisprudência

Empregado doméstico Diarista

Serviços sem finalidade lucrativa. Serviços sem finalidade lucrativa.

Prestado à pessoa ou à família. Prestado à pessoa ou à família.

No âmbito residencial delas. No âmbito residencial delas.

Semelhanças Trabalho remunerado, ou seja,

implica na contrapartida daquele

que recebe os serviços prestados.

Trabalho remunerado, ou seja,

implica na contrapartida daquele

que recebe os serviços prestados.

Pagamento de salário. Pagamento de diária no dia em

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que o serviço é realizado.

Serviço de natureza contínua.30 Serviço de natureza não contínua.

Há subordinação, ou seja, o

trabalhador é dirigido pelo

empregador doméstico, recebendo

e executando ordens.

Não há subordinação, ou seja, o

trabalhador é dirigido por si

próprio, autônomo.

Horário fixo. Ausência de horário fixo, pois

como trabalha por tarefa,

geralmente, pode ir embora

quando a termina.

Dias fixados. Dias não fixados. Podem ser

trocados pelo trabalhador, que

oferece seu serviço na data de que

dispõe.

O trabalhador presta serviço em

uma residência (embora a

exclusividade não seja um

requisito à caracterização da

relação de emprego).

O trabalhador presta serviço em

mais de uma residência (mas nem

sempre).

Pessoalidade na prestação dos

serviços.

Pode não haver pessoalidade na

prestação dos serviços, quando o

trabalhador se faz substituir por

seu filho ou conhecido.

Há a fiscalização sistemática por

parte dos empregadores.

Há a expectativa da obtenção do

resultado desejado.

Geralmente, realiza todas as

tarefas domésticas, embora exista a

especializada, que desempenha

uma única função.

Geralmente, realiza uma tarefa

específica, como fazer a faxina da

casa.

Diferenças

São contemplados com o conjunto

de direitos assegurado aos

empregados domésticos.

Seus direitos estão restritos ao

valor combinado pela diária.

30 Como vimos, há posições divergentes em torno da continuidade.

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1.2.3 – A definição de diarista a caminho do status de lei

Tanto as doutrinas quanto as jurisprudências, por mais que tenham contribuído

para a discussão sobre a questão da diferenciação entre empregado doméstico e diarista,

têm as suas próprias controvérsias e interpretações contrastantes, que tornam

complicada a delimitação de direitos e deveres quando da contratação de uma

trabalhadora doméstica para alguns dias da semana.

Como vimos, a doutrina diverge em relação à expressão “natureza contínua”, de

um lado a interpretando como referente ao contratante e à sua necessidade pela

continuidade desses serviços, o que torna aquele que trabalha apenas alguns dias um

empregado doméstico; de outro, a interpretando como referente ao contratado, o que

impõe uma análise da freqüência com que presta o serviço para tornar possível medir se

há ou não o vínculo empregatício. Já a jurisprudência acaba refletindo esse quadro.

Por mais que haja interpretações majoritárias, utilizadas mais amplamente pelos

juízes ao julgarem os casos que chegam aos tribunais, tornou-se cada vez mais evidente

que as dissidências doutrinárias e jurisprudenciais apenas poderiam ser evitadas caso

uma lei definisse mais claramente o que é um diarista e quais são os seus direitos. Isso

sanaria as dúvidas que há algum tempo vêm sendo levantadas tanto por contratantes

quanto por trabalhadores. Mas a questão é qual interpretação prevalecerá em lei, em

meio às posições divergentes sobre o assunto?

No dia 10 de novembro de 2008, a ONG Instituto FGTS Fácil31, cujo presidente

é Mario Alberto Avelino, com o apoio do Portal Doméstica Legal32, do qual ele é

diretor, realizou o Fórum “O Futuro do Emprego Doméstico no Brasil”. Esse evento

reuniu, na cidade do Rio de Janeiro, entre outros participantes, Giovanni Harvey, sub-

secretário da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,

representando o ministro Edson Santos; Serys Slhessarenko, senadora pelo estado de

Mato Grosso; Benedita da Silva, secretária da Secretaria Estadual de Assistência Social

e Direitos Humanos do Rio de Janeiro; Luiz Antônio Marinho, superintendente do

31 O Instituto FGTS Fácil (IFF) é uma ONG sem fins lucrativos criada em 2001 e com sede na cidade do Rio de Janeiro. Segundo o seu estatuto, tem o objetivo de “desenvolver um trabalho de esclarecimento e conscientização do trabalhador em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bem como disponibilizar meios para que ele possa efetivamente controlar e monitorar suas contas, orientando-o quanto aos seus direitos e obrigações, outrossim visando estreitar a relação entre a sociedade de uma maneira geral, e os órgãos responsáveis pela gestão do Fundo, em todo o território nacional” (art. 1º). 32 O Portal Doméstica Legal foi lançado em 2004 com o objetivo de divulgar informações sobre o emprego doméstico e de ser uma espécie de departamento pessoal online do empregador doméstico, pois no site é possível calcular e emitir recibos e contar com consultoria jurídica e suporte técnico.

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Ministério do Trabalho e Emprego, representando o ministro Carlos Lupi; Marcos

Pereira, membro da Secretaria Estadual de Trabalho e Renda do Estado do Rio de

Janeiro, representando o governador Sérgio Cabral; Siro Darlan, desembargador do

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; José Geraldo da Fonseca, juiz do Tribunal

Regional do Trabalho da 1ª Região; e Margareth Galvão Carbinato, presidente do

Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo (SEDESP). A

presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD),

Creuza Maria Oliveira, estava confirmada, mas não pôde comparecer.

O Fórum teve como objetivos principais discutir e elaborar propostas com o

intuito de: 1) Erradicar o trabalho infantil no emprego doméstico; 2) Erradicar o

trabalho escravo e semi-escravo; 3) Diminuir a informalidade; 4) Melhorar e qualificar a

mão-de-obra doméstica. As apresentações de todos os participantes abordaram

elementos presentes nesses objetivos, permitindo que determinadas questões pudessem

ser debatidas de diferentes formas e que suscitassem argumentos até mesmo contrários

(como foi o caso da discussão sobre a definição de diarista e sobre a equiparação dos

empregados domésticos aos demais trabalhadores).

Com o intuito de alcançar os objetivos formulados, treze propostas foram

apresentadas como síntese do Fórum, muitas delas não consensuais, que, com certeza,

levantam muitas discussões. As propostas, conforme foram redigidas pelo realizador e

coordenador do evento, Mario Avelino, foram33:

1 – Aprovação do Projeto de Lei Legalize sua doméstica e pague menos INSS, por ter mudanças, que de fato beneficiam todos os empregadores e empregados domésticos, e principalmente estimular o empregador a assinar a carteira de trabalho, diminuindo rapidamente a informalidade e erradicando o trabalho infantil e escravo no emprego doméstico; 2 – Ter uma Lei que defina claramente o que é uma DIARISTA, para acabar com esta dependência da Justiça do Trabalho, onde cada juiz tem uma interpretação, deixando o Contratante e a diarista confusos; 3 – Criar uma Lei para a criação do Cadastro do Empregado Doméstico, nas Secretarias Municipais ou Estaduais de Trabalho, facilitar a Inclusão Trabalhista e Social do empregado doméstico. De acordo com a Lei 5.859, Artigo 2º, Inciso II, “Para admissão o empregado deverá apresentar: Atestado de boa conduta”. Neste caso, este cadastro mostrará que o empregado doméstico não tem nenhum ato que o desabone, civil e criminalmente, o que será bom para o empregador e o empregado doméstico, evitando o empregador admitir um profissional com ficha suja (criminal); 4 – Alterar a Lei 5.859 no seu Artigo 2º, Inciso III, passando de “Atestado de saúde a critério do empregador” para “Atestado de saúde obrigatório na admissão e demissão do empregado”. Com isso, o empregador evita admitir uma pessoa sem condições de saúde para o desenvolvimento das funções

33 Um panorama do Fórum pode ser encontrado em: www.domesticalegal.com.br/forum.

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desejadas e evita que o trabalhador piore sua condição de saúde, desenvolvendo uma atividade para a qual não está apto fisicamente; 5 – Mudanças na Lei Trabalhista, para PUNIR e CRIMINALIZAR os empregadores que não cumprem e desrespeitam as Leis. A Lei hoje favorece e estimula o mau empregador, pois ele sabe que, se não cumprir, no máximo irá pagar o que deve à empregada doméstica, e ainda parcelado, isso se ela reclamar, o que ocorre no máximo em um em cada 114 casos. Outro exemplo de favorecimento: em uma ação trabalhista, os direitos trabalhistas retroagem no máximo aos últimos cinco anos, para um doméstico ou qualquer outro trabalhador, que trabalhou mais de cinco anos para um mesmo empregador, ele perderá os anos excedentes de férias, 13º, vale transporte, etc.; 6 – Criar uma Lei que determine que nos Municípios que tenham um determinado número de trabalhadoras domésticas (a ser estudado), seja criada a CASA DA MÃE DOMÉSTICA, tipo uma Creche, onde as empregadas domésticas poderão deixar seus filhos, enquanto vão trabalhar, sabendo que os mesmos estarão bem cuidados, para que a mesma tenha tranqüilidade no seu trabalho; 7 – Ter uma política que reconheça o empregador doméstico como gerador de emprego e renda, não querendo igualá-lo a uma empresa; 8 – Ter uma política que invista em orientação e educação do empregador e do empregado doméstico; 9 – Que a Guia de Recolhimento do INSS identifique o empregador doméstico, e que a responsabilidade do recolhimento do INSS e comprovação junto à Previdência Social seja do empregador, hoje esta responsabilidade é do empregado; 10 – Que seja simplificado o processo de recolhimento do FGTS para o empregador doméstico pela Caixa Econômica Federal; 11 – Ampliação dos direitos do empregado doméstico, como hora-extra, adicional noturno, e outros direitos previstos na Constituição Federal; 12 – Que o Decreto 6.841, que proíbe o trabalho doméstico para menores de 18 anos seja revogado, pois ele é: - Primeiro Inconstitucional, pois a Constituição Federal determina a idade mínima para poder trabalhar em 16 anos; - Segundo, hoje conforme dados da PNAD 2007 do IBGE, existem 278.000 trabalhadores na faixa etária de 15 a 17 anos, estima-se que, pelo menos 200.000 têm 16 a 17 anos, e as perguntas são: - Muitas são adolescentes mães solteiras, que dependem deste trabalho para sustentar uma família; - Outros são adolescentes, que através deste trabalho estão bancando seus estudos e ajudando suas famílias; A questão é: para onde irão estes adolescentes, todos filhos de pessoas sem condições econômicas? Talvez as mulheres irão para a prostituição e os homens para o crime ou para o tráfico, que tanto cresce e cada vez mais precisa repor a mão de obra, que na média é morto antes de chegar aos 18 anos; 13 – Ter uma política de investimento em qualificação da mão de obra doméstica, com os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.

A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), participante do evento, anotou as

sugestões e ficou de dar entrada no Senado Federal a projetos de lei que contemplassem

algumas das propostas formuladas no Fórum. Ela fez isso alguns meses depois, mais

especificamente em 27 de abril de 2009, dia da empregada doméstica34, quando propôs

três projetos: 1º) Projeto de Lei nº. 159, que pretende alterar a Lei nº. 5.859/72 para

34 O dia da empregada doméstica é comemorado nessa data, pois ela é dedicada à padroeira das domésticas: Santa Zita.

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estabelecer uma multa por infração à legislação, punindo os empregadores que

descumprem a lei; 2º) Projeto de Lei nº. 160, que busca definir o diarista; 3º) Projeto de

Lei nº. 161, que procura modificar a Lei que dispõe sobre a Organização da Seguridade

Social, reduzindo a contribuição do INSS que cabe ao empregador doméstico de 12,0%

para 6,0% com o intuito de elevar a formalização.

Esse segundo projeto de lei iniciado no Senado, que é o objeto de interesse deste

ponto, foi acompanhado da justificativa de que é necessário acabar com a indefinição

em relação ao que é um diarista, pois essa imprecisão prejudica tanto contratantes

quanto contratados e depende do critério da sentença de cada Juiz do Trabalho.

Segundo a redação inicial do projeto, a diarista passaria a ser definida em lei da seguinte

forma:

Art. 1º Diarista é todo trabalhador que presta serviços no máximo duas vezes por semana para o mesmo Contratante, recebendo o pagamento pelos serviços prestados no dia da diária, sem vínculo empregatício.

Parágrafo Único. A Diarista deverá apresentar ao Contratante, comprovante de contribuição ao INSS como Contribuinte Autônomo, ou como Contribuinte Funcional, que atualmente é de 11% (onze por cento) sobre um salário mínimo.

Na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o relator, senador Lobão Filho

(PMDB-MA), após analisar o projeto de lei, elaborou parecer, em 13 de agosto de 2009,

posicionando-se a favor de sua aprovação, mas na forma da emenda (substitutivo)35

apresentada por ele. Tal emenda propôs alterações e acréscimos relevantes na redação

do projeto: mudar de dois para três dias semanais o limite para que não haja a geração

de vínculo empregatício e determinar que o valor mínimo da diária não possa ser

inferior a um trinta avos do salário mínimo vigente. O que se manteve nessa versão foi a

obrigatoriedade de o trabalhador diarista inscrever-se no INSS e efetuar seu próprio

recolhimento da contribuição previdenciária.

A matéria foi incluída na pauta da 38ª Reunião da Comissão de Assuntos

Sociais, marcada para o dia 26 de agosto. Nessa data, o relator, senador Lobão Filho,

retirou a matéria da pauta para reexame. No dia 9 de setembro, devolveu-a com mais

acréscimos e alterações: 1) O número de dias para que não haja vínculo empregatício

continuou sendo três, mas, nessa segunda versão, essa medida ganhou a justificativa de

35 As emendas cumprem o papel de suprimir, juntar, substituir, aumentar ou modificar um projeto de lei, sendo classificadas, assim, respectivamente, em: supressivas, aglutinativas, substitutivas, aditivas ou modificativas. Nesse caso relatado, a emenda foi substitutiva, pois alterou substancialmente o projeto original, substituindo-o por um novo texto.

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que em decisão da Sexta Turma do TST, prestar serviços como diarista, por até três

vezes na semana, por si só, não caracteriza relação de emprego; 2) A duração da jornada

de trabalho do diarista passou a ser fixada em oito horas; 3) O valor mínimo da diária

foi alterado para um quinze avos do valor do salário mínimo vigente, com a justificativa

de que esse é mais condizente com a nossa realidade.

A senadora Serys Slhessarenko, em algumas entrevistas aos meios de

comunicação, mostrou-se contrária às alterações no seu projeto original em relação aos

dias de estipulação do vínculo e ao estabelecimento de valor mínimo da diária. Do

ponto de vista dela, três dias já configura vínculo de emprego doméstico, dessa forma,

definir em três dias é prejudicar os trabalhadores domésticos. Além disso, ela não

concorda com a estipulação do valor da diária, pois como o Brasil é um país muito

grande e com regiões diferenciadas em suas características, nivelar pelo valor pago pela

diária em uma região específica do país, pode prejudicar os trabalhadores que já têm

uma condição de negociação melhor em outras. Algumas das propostas defendidas pelo

relator foram criticadas também por outros parlamentares.

A categoria dos trabalhadores domésticos está dividida sobre a definição do

diarista em lei, alguns sindicatos são a favor e outros contra. Para Creuza Maria

Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, caso o

projeto seja aprovado, muitas domésticas com carteira de trabalho assinada, que

trabalham três dias na semana, poderão ser demitidas e recontratadas como diaristas.

Segundo ela, “esse projeto vem para dividir a categoria. Diarista ou não somos todas

domésticas e temos de ter assegurados os nossos direitos”36.

Por conta dessas divergências e com o intuito de fomentar a discussão, a

Comissão de Assuntos Sociais, reunida no dia 23 de setembro, aprovou o requerimento

de autoria da senadora Fátima Cleide (PT-RO) propondo uma audiência pública com a

finalidade de instruir esse projeto de lei. A audiência ocorreu no dia 4 de novembro e

contou com a presença dos seguintes convidados: Daniel de Matos Sampaio Chagas,

auditor Fiscal do Trabalho, representante do ministro do Trabalho e Emprego, Carlos

Luppi; Mario Avelino, presidente do Portal Doméstica Legal; Eunice Léa de Moraes,

assessora da Área do Trabalho, representante da ministra da Secretaria Especial de

Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire; Creuza Maria Oliveira, presidente da

Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas; e Gilberto Augusto Leitão Martins,

36 Matéria “Senado discute regulamentação do trabalho de diaristas”, de autoria de Eder Luis Santana, publicada no Jornal A Tarde on line, em 23 de setembro de 2009.

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presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas do Distrito Federal (AMATRA

X).

Na audiência pública37, como era provável, os convidados discordaram sobre a

regularização da profissão de diarista. Daniel de Matos Sampaio Chagas afirmou que o

Ministério do Trabalho e Emprego é contrário ao projeto. Para ele, a regularização da

atividade de diarista pode intensificar a informalidade da profissão de doméstica, bem

como tornar mais precária essa atividade profissional. Na avaliação de Creuza Maria de

Oliveira, o projeto é um retrocesso em relação às conquistas dos empregados

domésticos, pois, para ela, a atividade desempenhada dois ou três dias por semana em

uma residência configura vínculo empregatício. Para Gilberto Augusto Leitão, a

legislação excetua os cooperados e autônomos da garantia de direitos trabalhistas,

portanto o projeto de lei pretende legalizar a exceção.

Enquanto alguns foram contrários ao projeto, Eunice Léa de Moraes posicionou-

se a favor e considerou a definição do diarista muito importante, pois há muitas

mulheres consideradas diaristas, mas que, de fato, trabalham como empregadas

domésticas, às quais são negados direitos já conquistados. Já Mario Avelino foi a favor

da versão original e contra a versão do relator, pois, em sua opinião, definir em três dias

a regularização da atividade vai aumentar a informalidade, uma vez que as pessoas vão

preferir contratar diaristas.

Após esse debate sobre o tema, as notas taquigráficas referentes à audiência

pública foram encaminhadas ao gabinete do relator. No dia 25 de novembro, o senador

Lobão Filho entregou uma nova versão do parecer, já a terceira. Apesar das discussões

travadas, os aspectos divergentes do projeto permaneceram com o mesmo entendimento

de sua versão anterior. A única alteração foi o estabelecimento de uma contribuição

previdenciária diferenciada para o diarista, de oito por cento. Dessa forma, o projeto de

lei, na forma do substitutivo apresentado pelo relator, pronto para ser votado pela

Comissão de Assuntos Sociais, ficou redigido da seguinte maneira:

Dispõe sobre o trabalho, por diária, daquele que presta serviços a pessoa ou

família em seu âmbito residencial, e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

37 Segundo informações da Agência Senado (www.senado.gov.br/agencia), em notícia do dia 4 de novembro de 2009.

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Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o trabalho, por diária, daquele que presta serviço

eventual a pessoa ou família em seu âmbito residencial, sem fins lucrativos, ora

denominado diarista.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, diarista é aquele que presta serviços de

natureza não contínua, por conta própria, sem relação de trabalho com empresa

ou equiparado, a pessoa ou família, no âmbito residencial destas, sem fins

lucrativos.

§ 1º Não gera vínculo empregatício, por si só, a prestação de serviços pelo

diarista de que trata o caput deste artigo, por até três dias por semana, para a

mesma família ou pessoa, ainda que em residências distintas.

§ 2º O valor da diária não poderá ser inferior a um quinze avos do salário

mínimo vigente.

§ 3º A duração do trabalho normal será de, no máximo, oito horas diárias.

Art. 3º O diarista deve estar inscrito no Instituto Nacional do Seguro Social –

INSS, como contribuinte individual, e efetuar seu próprio recolhimento da

contribuição previdenciária, nos termos do § 5º do art. 21 da Lei nº. 8.212, de

24 de julho de 1991.

Art. 4º O art. 21 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com

a seguinte redação:

“Art. 21..................................................................................................................

...............................................................................................................................

§ 4º A contribuição complementar a que se referem os §§ 3º e 6º deste artigo

será exigida a qualquer tempo, sob pena de indeferimento do benefício.

§ 5º É de oito por cento sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal

do salário-de-contribuição a alíquota de contribuição do diarista que presta

serviços de natureza não contínua, por conta própria, sem relação de trabalho

com empresa ou equiparado, a pessoa ou família, no âmbito residencial destas,

sem fins lucrativos.

§ 6º O segurado que tenha contribuído na forma do § 5º deste artigo e pretenda

contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da

aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo

de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei nº. 8.213, de 24 de julho de

1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante o recolhimento de

mais doze por cento, acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3º do art.

61 da Lei nº. 9.430, de 27 de dezembro de 1996”. (NR)

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A matéria foi incluída na pauta da 62ª Reunião da Comissão, no dia 25 de

novembro, e o relatório do senador Lobão Filho chegou a ser lido, mas a discussão e a

votação foram adiadas. Nas reuniões posteriores, pareceu necessário um prazo maior

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para dirimir as dúvidas e a apreciação da matéria foi novamente postergada. Com isso, a

decisão pela aprovação ou não do projeto e a opção pelo texto original ou pelo

substitutivo do relator, devido ao recesso parlamentar, ficaram para o ano seguinte.

Com o retorno das atividades parlamentares, a matéria foi incluída na discussão

da 1ª Reunião da Comissão, realizada no dia 03 de fevereiro de 2010. Nessa data, a

matéria foi novamente retirada da pauta, para reexame do relatório pelo relator. Mas em

virtude do término do exercício do mandato do senador Lobão Filho, no dia 31 de

março, devido ao retorno do titular, senador Edison Lobão (PMDB-MA), foi necessário

aguardar a indicação de um novo relator, o que foi realizado no dia 09 de abril, com a

designação do senador Flávio Arns (PSDB-PR) pela presidente da Comissão, senadora

Rosalba Ciarlini (DEM-RN).

Resolvida essa questão, o novo relator, Flávio Arns, no dia 13 de abril, entregou

o relatório em que analisou a matéria. Eu seu parecer, defendeu o texto original

proposto pela senadora Serys Slhessarenko e não a versão modificada proposta pelo

relator anterior, senador Lobão Filho. Ou seja, votou pela aprovação do projeto na

forma como ele foi apresentado pela autora. No dia seguinte, a Comissão de Assuntos

Sociais reunida aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS), nº. 160, de 2009, na forma

relatada pelo senador Flávio Arns.

Nesse sentido, com a rejeição do substitutivo proposto por Lobão Filho,

passaram a não fazer mais parte do projeto de lei o limite de três dias semanais para a

não geração de vínculo empregatício, a delimitação de valor mínimo para a diária e a

fixação da jornada de trabalho do diarista em oito horas. O Projeto de Lei aprovado

estabelece apenas o limite de dois dias por semana como definidor do diarista, a partir

de três já há a configuração do vínculo de emprego; e torna obrigatória a apresentação

por parte desse trabalhador de seu comprovante de contribuição ao INSS ao contratante.

Como o projeto de lei estava sob análise da Comissão em caráter terminativo,

não precisou ser votado no plenário do Senado e seguiu direto para a Câmara dos

Deputados, onde será apreciado. Caso aprovado, seguirá para ser analisado pelo

Presidente da República, que poderá vetá-lo ou sancioná-lo. Se forem sugeridas

alterações no texto, o material retorna ao Senado.

Acompanhada essa tramitação, fica claro que se havia uma disputa entre aquelas

duas interpretações para a “natureza contínua”, a primeira delas, e majoritária entre os

juízes, foi mais bem sucedida, pois a Lei seguirá o entendimento de que contínuo

significa sucessivo, sem interrupção e faz referência à freqüência com que o trabalho é

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realizado. Mesmo a discussão pela aprovação da Lei com o limite de trabalho semanal

de dois dias (projeto original) ou três dias (substitutivo) para a geração de vínculo não

fugiu à lógica dessa corrente interpretativa.

Mas, afinal, que alterações essa lei deverá representar? Se por um lado a lei não

trará tantas mudanças, pois o que fará é institucionalizar a jurisprudência que é

majoritária atualmente sobre o assunto e que já guiava a grande maioria das decisões

judiciais; por outro, com o fim da ambigüidade sobre a questão, as fronteiras entre essas

duas categorias de trabalhadores domésticos tornam-se mais nítidas, o que fará com que

os diaristas, cada vez mais, ocupem, de fato, esse novo papel, percebam-se como

trabalhadores autônomos, por conta própria, sem vínculo empregatício e assumindo os

próprios riscos.

Antes, por mais que o entendimento majoritário dos juízes fosse o de que

trabalhar alguns dias na semana não configurava vínculo, estava aberta a possibilidade

de ingressar na Justiça e buscar comprovar a relação de emprego necessária para ser

possível desfrutar dos direitos assegurados aos empregados domésticos. Em alguns

casos, de fato, a Justiça reconhecia o vínculo. Após a aprovação da lei, isso não será

mais possível, pois o entendimento dos juízes terá que, obrigatoriamente, ratificar

aquilo que está estabelecido em lei. As divergências jurisprudenciais, que atualmente já

são pequenas, como vimos analisando os acórdãos, tendem a desaparecer

completamente, encerrando essa discussão jurídica já antiga nos tribunais trabalhistas a

respeito do vínculo empregatício.

Mediante o que foi exposto neste capítulo, podemos presumir que a perspectiva

futura dentro do campo do direito dos trabalhadores domésticos é dupla e contrária, a

partir da delimitação precisa entre empregados e diaristas. Por um lado, há perspectiva

de ampliação de direitos, processo que já vem se desenrolando desde a Constituição de

1988 e que conta com muitos projetos em tramitação nesse sentido, de cada vez mais

aproximar os empregados domésticos do conjunto de direitos dos demais trabalhadores,

até a equiparação completa38; por outro lado, há a perspectiva de limitação de direitos,

pois os diaristas, ao serem considerados legalmente trabalhadores por conta própria,

tornam-se uma categoria à parte, com menos direitos do que os empregados domésticos,

mas também com possibilidades diferenciadas abertas pela autonomia.

38 Embora na opinião de alguns juristas, haja mais a existência de alguns acréscimos legislativos do que uma tendência de equiparação total dos direitos trabalhistas, pois há sempre o temor de gerar desemprego por conta da especificidade do empregador doméstico, que não pode ser igualado a uma empresa (PEREIRA, 2007).

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CAPÍTULO II – A DIARISTA CONQUISTA ESPAÇO: PROCESSO S DE

MUDANÇA NO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO ATUAL

Uma análise longitudinal dos dados quantitativos disponíveis sobre o trabalho

doméstico remunerado é capaz de contribuir demasiadamente para o objetivo, colocado

em relevo nesta dissertação, de não apenas produzir um retrato de como está

configurado o serviço doméstico no Rio de Janeiro, mas também, e principalmente, de

compreender algumas transformações pelas quais vem passando essa ocupação, que

ainda detém a posição de principal meio de inserção feminina no mercado de trabalho

brasileiro. Segundo a PNAD 2008, 15,8% das mulheres ocupadas são trabalhadoras

domésticas.

Neste capítulo pretendemos elaborar um retrato do trabalho doméstico

remunerado atual, no Brasil e no Rio de Janeiro. Para isso, três objetivos estão aqui

presentes: analisar o perfil dos trabalhadores domésticos; compreender e explicar os

processos de mudança no serviço doméstico; e realizar uma comparação entre

empregadas domésticas e diaristas, de forma a perceber se elas se diferenciam ou não

quanto a uma série de características sócio-econômicas. Para que esses objetivos

possam ser alcançados, nos valemos dos resultados de pesquisas quantitativas já

realizadas com foco semelhante e realizamos as nossas próprias tabulações de dados.

2.1 – Questões metodológicas

Como vimos na introdução, uma parte das pesquisas sobre o serviço doméstico

no Brasil teve como enfoque a análise das características dessa ocupação e do perfil dos

trabalhadores domésticos, valendo-se de dados quantitativos: Melo, 1993, 1998 e 2000;

Bruschini e Lombardi, 2000; Melo, Pessanha e Parreiras, 2002 e 2005; Menezes, 2005;

Dieese, 2006; Namir, 2006; Myrrha e Wajnman, 2008; IPEA, SPM e UNIFEM, 2008;

SEADE, 2007 e 2009; e IPEA, 200939.

Esses pesquisadores e centros de pesquisa realizaram as suas análises por meio

do banco de dados de quatro grandes levantamentos estatísticos: o Censo Demográfico,

a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e

a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Esses levantamentos

39 No caso específico de uma análise quantitativa sobre o trabalho doméstico infantil, ver Sabóia (2000).

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permitem estudar o tema do serviço doméstico a partir de uma série de características,

como sexo, faixa etária, cor, renda e jornada de trabalho. Tais dados têm sido

importantes não apenas para delimitar aspectos essenciais dessa profissão, mas também

para dotar as pesquisas qualitativas de material propício a novas reflexões.

O Censo Demográfico é realizado a cada dez anos pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), cujos recenseadores visitam todos os domicílios do país

para aplicar o questionário da pesquisa. Os dados produzidos permitem um grande

retrato da população brasileira e das suas características sócio-econômicas. Mas como

estamos afastados dez anos do último Censo, realizado em 2000, esse não parece ser o

melhor banco de dados para servir de base para o panorama do serviço doméstico que

objetivamos realizar neste capítulo.

Por sua vez, a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) é um levantamento

por amostra probabilística de domicílios, realizado mensalmente pelo Departamento

Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)40, tendo como

objetivo produzir informações sobre o mercado de trabalho urbano. A pesquisa abarca,

atualmente, o Distrito Federal e as regiões metropolitanas de São Paulo (SP), Porto

Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA) e Belo Horizonte (MG), além de já ter sido

realizada também em Belém (PA) e Curitiba (PR). Mas como o Rio de Janeiro ainda

não faz parte das regiões estudadas, esse levantamento estatístico também não é o que

melhor atende aos nossos interesses.

Já a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), produz, por meio de uma amostra probabilística de

domicílios, indicadores mensais sobre a força de trabalho, permitindo acompanhar os

efeitos da conjuntura econômica sobre o mercado laboral. A pesquisa abrange as regiões

metropolitanas de Recife (PE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro

(RJ), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).

A princípio, então, esse levantamento seria adequado à nossa pesquisa, pois o

Rio de Janeiro está presente nele. Mas além desse requisito, há um outro mais

importante ainda: a base de dados tem que permitir a diferenciação estatística entre

empregado doméstico e diarista, afinal de contas esse é um dos objetivos cruciais deste

capítulo. Se almejássemos apenas traçar um perfil dos trabalhadores domésticos do

40 Na região metropolitana de São Paulo, o convênio é com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE); nas outras regiões que fazem parte da pesquisa, a parceria é com órgãos públicos locais.

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Brasil metropolitano, assim como fez Namir (2006), ou da região metropolitana do Rio

de Janeiro especificamente, essa pesquisa seria apropriada.

No entanto, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) não cumpre com os dois

requisitos, pois não é possível desagregar os trabalhadores domésticos em diaristas e

mensalistas, embora algo parecido possa ser realizado. Uma das perguntas do

questionário da PME, direcionada a quem se disse trabalhador doméstico, é: “Nesse

trabalho,... prestava serviço doméstico remunerado em mais de um domicílio? 1 – Sim;

2 – Não”. Essa questão permite dividir a amostra de trabalhadores domésticos entre

aqueles que prestam serviço em apenas uma residência e aqueles que prestam em mais

de um domicílio. Mas isso não seria igual a dividi-la entre empregados domésticos

mensalistas e diaristas? Igual não é, entretanto, pode ser uma solução possível, pois

parece razoável correlacionar o empregado doméstico com aquele que trabalha em

apenas uma residência e o diarista com aquele que trabalha em mais de uma.

Contudo, essa relação baseia-se em um critério apenas aproximado, pois o

problema é que é possível haver diaristas que atuam em apenas uma residência, que

nessa correlação acabariam sendo consideradas empregadas mensalistas; e é possível

haver também empregadas domésticas que atuam em mais de uma residência, que

acabariam sendo consideradas diaristas. Como exemplo do primeiro caso, podemos

imaginar uma diarista que está em busca de mais casas para trabalhar ou uma mulher

que se dedica apenas aos filhos pequenos, mas que faz faxina somente em um domicílio

com o intuito de contribuir para o orçamento familiar.

Quanto ao exemplo do segundo caso, é possível pensarmos em uma empregada

doméstica mensalista que trabalha de segunda a sexta e que aproveita o sábado para

fazer a limpeza de duas outras residências, de quinze em quinze dias em cada uma

delas. Estamos diante muito mais de uma empregada que faz diárias nos dias de folga

para aumentar a renda do que de uma diarista, como pareceria indicar o fato de ela

trabalhar em três casas ao mesmo tempo.

Porém, feitas essas ressalvas, parece-nos apropriado, mediante as limitações dos

instrumentos de pesquisa, relacionar empregada a uma residência e diarista a mais de

uma41. Mais adequado do que isso somente se algum levantamento estatístico se

preocupasse em fazer, de fato, essa diferenciação quando da coleta dos dados. E é

41 Esse critério para separar as mensalistas das diaristas, por meio da quantidade de domicílios em que prestam o serviço doméstico, já foi utilizado por Myrrha e Wajnman (2008) e pelo IPEA (2009), analisando os dados da PNAD.

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exatamente isso o que procuramos, pois queremos realizar a comparação quantitativa

entre empregados e diaristas mais bem delimitada possível em meio às restrições

existentes, às vezes inescapáveis, mas, felizmente, em muitas situações passíveis de

serem dirimidas.

Para contornar tais obstáculos, optamos por fazer uso da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD), último dos quatro grandes levantamentos estatísticos

utilizados como fonte de análise pelos pesquisadores do trabalho doméstico

remunerado, pois, como veremos, ela permite dois tipos de diferenciação. A PNAD é

realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por

meio de uma amostra de domicílios com abrangência nacional42, investigando,

permanentemente, aspectos demográficos, habitacionais, educacionais, de rendimento e

de trabalho; e, com periodicidade variável, outros temas também, como, por exemplo,

migração, fecundidade e saúde.

Quanto aos dados referentes aos trabalhadores domésticos, especificamente,

nossa concepção é a de que a PNAD pode ser dividida em três grandes momentos: 1º)

Até 1992; 2º) De 1992 a 2001; 3º) De 2002 até hoje. Desses três períodos, como

explicaremos a seguir, o primeiro é o menos propício a pesquisas sobre essa temática, o

segundo é o mais, e o terceiro ocupa a posição intermediária.

No primeiro momento, anterior a 1992, os trabalhadores domésticos não eram

uma categoria própria na PNAD, faziam parte do grupo “empregados”. Além disso, a

desagregação interna da categoria ficava impossibilitada, pois as diversas atividades

domésticas não recebiam códigos de ocupação diferentes, eram reunidas pelo mesmo

número 805 (empregados domésticos). Isso tornava inviável uma comparação entre os

subgrupos formados em seu interior; e, justamente, algo evidente é a heterogeneidade

existente entre os trabalhadores domésticos, importante de ser analisada

estatisticamente.

O segundo momento é marcado por algumas reformulações que a PNAD sofreu

em 1992. Entre elas, os trabalhadores domésticos foram desagregados dos

“empregados” e se tornaram categoria própria. O refinamento da classificação permitiu

novas possibilidades de analisar o serviço doméstico, pois, por exemplo, passou a ser

perguntado aos que desempenhavam essa atividade se prestavam serviço doméstico

42 A abrangência nacional foi obtida gradativamente, tendo sido realizada no ano de 2004 a última etapa desse processo, quando a PNAD foi implantada na área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, alcançando a cobertura completa do país.

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remunerado em mais de um domicílio ou se apenas em um, o que, como vimos, pode

ser considerado aproximadamente, respectivamente, ser diarista ou ser empregado

mensalista. Esse tipo de análise tornou-se possível.

Além disso, cabe ressaltar uma questão muito importante quanto às PNADs de

1992 a 2001: havia a possibilidade de fazer a diferenciação interna do serviço doméstico

remunerado, pois aos seus subgrupos eram direcionados códigos de ocupação

diferentes, que serão explicitados, assim como constam na PNAD, para que não restem

dúvidas. Eram utilizados oito códigos para diferenciar os trabalhadores domésticos: 801

(arrumador/arrumadeira, camareiro), 802 (acompanhante, aia, ama, ama de leite, ama-

seca, ba, babá, baby sitter, cuida de crianças, dama de companhia, nutriz, pajem), 803

(congeleira, copeira, cozinheira), 804 (diarista, faxineira), 805 (lavador/lavadeira de

roupas, passador/passadeira de roupas), 806 (governanta, mordomo), 807 (ajudante de

caseiro, caseiro, criado, curumim, empregada doméstica polivalente (não especializada),

secretária, servente) e 808 (atendente de enfermagem, carregador de água, cuida de

doente, cuida de idoso, enfermeira, guarda-costas, jardineiro, motorista, piloto de

lancha, vigia)43.

Tais códigos distintos permitiam uma análise dos segmentos diferenciados de

trabalhadores domésticos. Isso foi realizado, por exemplo, por Melo (1998), que, no

interior do seu trabalho, utilizando dados da PNAD 1995, estudou esses oito grupos

segundo a sua distribuição por sexo: arrumadeira/camareiro; babá/ama/acompanhante;

cozinheira/copeira; diarista/faxineira; lavadeira/passadeira; governanta/mordomo;

doméstica polivalente; e atendente/jardineiro/motorista. Posteriormente, Melo (2000)

voltou a estudar esses subgrupos, dessa vez dividindo-os em quatro e comparando dados

de 1993 e 1998. Outra divisão analítica que parece possível a partir desses códigos é

separá-los em três grupos: empregados domésticos polivalentes (807), empregados

domésticos especializados (801, 802, 803, 805, 806 e 808) e diaristas (804).

E, finalmente, o terceiro momento teve início com a PNAD de 2002, que passou

a definir as atividades ocupacionais segundo a Classificação Brasileira de Ocupação

(CBO-Domiciliar) e a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE-

Domiciliar). Com isso, deixou de ser possível fazer a diferenciação interna do serviço

doméstico remunerado, pois à maioria dos seus subgrupos passou a ser direcionado o

43 Essas atividades eram todas realizadas no serviço doméstico. Caso fossem, por exemplo, a faxineira de um prédio, a enfermeira de um hospital, a cozinheira de um restaurante e o motorista de ônibus, eles teriam recebido outros códigos.

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mesmo código de ocupação: 5121. Esse código abarcou indistintamente diversas

atividades do serviço doméstico: arrumador/arrumadeira, auxiliar de serviços diversos,

camareiro, carregador de água, criado, curumim, caseiro, jardineiro, diarista, faxineira,

secretária, empregado/empregada doméstico/a, lavador/lavadeira, passador/passadeira

de roupas, limpador de janelas, servente e faxineiro.

Os outros subgrupos ganharam códigos diferentes: 5132 (mordomo, governanta

e cozinheiro/a), 5134 (copeiro), 5162 (acompanhante de idosos, aia, baba, baby sitter,

ama de leite e ama-seca), 5173 (guarda-costas), 5174 (vigia), 7823 (motorista) e 7827

(piloto de lancha). Mas o fato de terem recebido códigos distintos não torna o estudo

desses segmentos mais fácil; pelo contrário, pois eles ganharam o mesmo número que

outras atividades, de forma que, por exemplo, o código 7823 cobre desde o motorista

doméstico até o taxista e o motorista de ambulância. E, como bem sabemos, se um

único código passa a abarcar atividades ocupacionais diversas, a análise delas fica

inevitavelmente esvaziada.

Dessa forma, após essas explicações metodológicas, ficaram claras as

possibilidades analíticas, bem como as limitações dos instrumentos de pesquisa. Dos

quatro grandes levantamentos estatísticos utilizados pelos pesquisadores do serviço

doméstico remunerado, o que melhor atende aos nossos objetivos específicos é a

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), pois permite comparar

empregados domésticos e diaristas de uma maneira mais complexa, além de admitir

uma análise do Brasil e do Rio de Janeiro. Os dados dos demais levantamentos

aparecerão por meio das conclusões de outros pesquisadores, que serão trazidas para

diversificar mais a análise.

Quanto à questão da diferenciação estatística entre empregado doméstico e

diarista, as PNADs oferecem, então, duas possibilidades: 1ª) Fazer a diferenciação entre

empregados e diaristas enquanto subgrupos ocupacionais, possível de 1992 a 2001; 2ª)

Fazer a diferenciação entre empregados e diaristas mediante o critério aproximado de

que empregado doméstico é aquele que trabalha em apenas um domicílio e diarista o

que trabalha em mais de um. Essa segunda possibilidade pode ser realizada desde a

PNAD de 1992 até a atual, pois nesse período sempre esteve presente a questão do

número de domicílios em que o serviço é prestado e isso não foi alterado pelas

mudanças realizadas na PNAD em 2002.

Entre as duas possibilidades existentes, utilizaremos ambas. A primeira tem a

dificuldade de apenas ser exeqüível até o ano de 2001, mas é a que mais se aproxima de

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como efetivamente os trabalhadores domésticos estão divididos quanto às atividades

que realizam. A segunda, por sua vez, tem o problema de ser aproximada, mas é a que

permite uma análise mais próxima aos dias de hoje. Tanto uma quanto a outra foram

pouco exploradas pela literatura dedicada ao serviço doméstico, de forma que a primeira

foi adotada em pelo menos dois estudos: Melo (1998 e 2000); e a segunda também:

Myrrha e Wajnman (2008) e IPEA (2009).

Em todos os pontos deste capítulo, assim como fizeram IPEA, SPM e UNIFEM

(2008), foram considerados trabalhadores domésticos todos aqueles, de 10 anos ou mais

de idade, que se encontravam ocupados na semana de referência da PNAD (os que

trabalharam nessa referida semana ou os que estavam afastados temporariamente, por

exemplo, por motivo de férias ou licença) e cuja posição na ocupação principal era de

trabalhador doméstico. No primeiro ponto consideraremos os trabalhadores domésticos

como um todo, comparando homens e mulheres; enquanto nos posteriores a análise

englobará apenas as mulheres.

Como os resultados da PNAD 2008 foram produzidos considerando os dados da

revisão 2008 da projeção da população do Brasil como variável independente para

expansão da amostra, utilizamos os microdados reponderados das PNADs de 2001 a

2007, tornando possível uma melhor comparação entre os anos da década de 2000. Os

microdados das PNADs de 1992 a 2008 serão, então, a fonte quantitativa que permitirá

produzir neste capítulo uma caracterização mais geral do trabalho doméstico

remunerado e dos movimentos de mudança que se delineiam nessa ocupação.

2.2 – Um retrato do trabalho doméstico remunerado recente

Para realizar uma análise de como o serviço doméstico está configurado

atualmente, utilizamos os microdados da PNAD 2008, que são os mais recentemente

divulgados. Esse banco de dados permite verificarmos uma série de características

demográficas e sócio-econômicas dos trabalhadores domésticos, o que faremos

separadamente em relação ao Brasil e ao estado do Rio de Janeiro. Em vista desse

esclarecimento, não será necessário nos próximos dois pontos justificar a origem dos

dados, a não ser nos casos em que forem de outro ano e fonte que não a PNAD de 2008.

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2.2.1 – O serviço doméstico no Brasil

Quando investigamos quantitativamente o trabalho doméstico remunerado no

Brasil, alguns aspectos chamam logo a atenção. O primeiro deles é a sua grande

capacidade de absorção de mão-de-obra, principalmente feminina, pois ao todo são

6.626.001 trabalhadores domésticos, o que equivale a 7,2% da população ocupada,

15,8% das mulheres ocupadas e 0,8% dos homens ocupados.

O segundo aspecto a ser levantado é de que se trata de uma ocupação

majoritariamente feminina, em que 93,6% (6.201.479) são mulheres e 6,4% (424.522)

são homens. Além disso, cabe ressaltar como terceiro aspecto a questão da cor ou raça

desses trabalhadores, predominantemente negra (61,0%)44, e semelhante entre homens e

mulheres. Embora os homens sejam ligeiramente mais pardos; e as mulheres,

ligeiramente mais pretas, como podemos ver na tabela 1.

Tabela 1: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%), Brasil, 2008.

Cor ou raça Homens Mulheres Total

Branca 37,8 38,3 38,2

Preta 9,9 11,3 11,2

Parda 51,4 49,6 49,8

Amarela 0,3 0,3 0,3

Indígena 0,5 0,4 0,4

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria. Obs.: Foram omitidos da tabela os sem declaração, pois não chegavam a 0,1%, mas eles constam nos totais brutos.

Somado aos anteriores, um outro aspecto é a heterogeneidade dessa ocupação,

evidenciada nos diferentes subgrupos existentes em seu interior. Como já discutimos

anteriormente, esse tipo de análise apenas é possível nas PNADs de 1992 a 2001. Dessa

forma, como neste ponto buscamos oferecer um retrato atual do serviço doméstico,

utilizaremos os microdados reponderados da PNAD 2001, a mais recente a oferecer esse

tipo de informação, relevante quando se trata de acompanhar a diversidade de atividades

realizadas em âmbito doméstico. 44 Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.

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Quanto à divisão interna, fica evidente o peso que os domésticos polivalentes, ou

seja, que realizam todas as tarefas domésticas, têm, tanto para homens quanto para

mulheres, pois esse é o subgrupo no qual ambos mais estão inseridos, respectivamente

55,5% e 74,7% (tabela 2). A diferença de gênero aparece mais evidente quanto ao

próximo maior subgrupo, uma vez que a segunda participação mais elevada das

mulheres é como diarista/faxineira (11,2%), enquanto a dos homens é como

jardineiro/motorista (38,0%).

Tabela 2: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos ocupacionais (%),

Brasil, 2001.

Subgrupo Homens Mulheres Total

Arrumadeira/camareiro 0,0 0,7 0,6

Babá/ama/acompanhante 0,6 6,8 6,4

Cozinheira/copeira 0,8 1,4 1,3

Diarista/faxineira 4,7 11,2 10,8

Lavadeira/passadeira 0,3 3,4 3,2

Governanta/mordomo 0,1 0,1 0,1

Doméstica polivalente 55,5 74,7 73,4

Atendente/jardineiro/motorista 38,0 1,7 4,0

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 376.842 5.572.146 5.948.988

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

A distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária permite

perceber que a maior concentração, tanto de homens quanto de mulheres, é na faixa de

30 a 44 anos e de 45 a 59 anos (tabela 3), ou seja, é visível um relativo envelhecimento

da mão de obra nessa ocupação se compararmos, por exemplo, com dez anos atrás; o

que será realizado mais adiante. A maior diferença entre os sexos está na faixa de 60

anos ou mais, na qual 11,4% dos homens estão inseridos e apenas 4,0% das mulheres.

Desde 2008, segundo o Decreto nº. 6.481, que regulamentou alguns artigos da

Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi proibido o

trabalho doméstico para menores de dezoito anos, listado como uma das piores formas

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de trabalho infantil45. Segundo a PNAD 2008, 4,9% dos trabalhadores domésticos

brasileiros têm entre 10 e 17 anos, o que equivale a mais de 323.000 jovens

desempenhando essa atividade.

Tabela 3: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária (%), Brasil,

2008.

Faixas de idade (anos) Homens Mulheres Total

10 a 15 2,4 2,2 2,3

16 a 17 2,0 2,7 2,6

18 a 24 9,5 12,0 11,8

25 a 29 10,9 11,1 11,1

30 a 44 33,7 41,8 41,3

45 a 59 30,1 26,2 26,4

60 ou mais 11,4 4,0 4,5

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A desagregação dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade,

apresentada na tabela 4, mostra que a maioria não completou as séries iniciais, ou seja,

tem menos de oito anos de estudo, sendo que 76,6% ou não têm instrução ou chegaram

apenas até o ensino fundamental (completo ou incompleto). Além disso, mais de meio

milhão deles (8,4%) não sabem ler nem escrever. Portanto, o serviço doméstico acaba

sendo a solução encontrada para aqueles que, em vista do baixo nível de escolaridade,

têm opções limitadas de inserção no mercado de trabalho (MELO, 1998). Quanto aos

dados por sexo, nota-se que as mulheres são mais escolarizadas do que os homens.

45 O serviço doméstico faz parte da lista das piores formas de trabalho infantil, aprovada pelo Decreto nº. 6.481/2008, em vista de uma série de riscos ocupacionais discriminados: “esforços físicos intensos; isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor; exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular e queda de nível”. Dessa forma, essa ocupação apresenta as seguintes prováveis repercussões à saúde: “afecções músculo-esqueléticas (bursites, tendinites, dorsalgias, sinovites, tenossinovites); contusões; fraturas; ferimentos; queimaduras; ansiedade; alterações na vida familiar; transtornos do ciclo vigília-sono; distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT)/lesões por esforços repetitivos (LER); deformidades da coluna vertebral (lombalgias, lombociatalgias, escolioses, cifoses, lordoses); síndrome do esgotamento profissional e neurose profissional; traumatismos; tonturas e fobias”.

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Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade mais

elevado alcançado (%), Brasil, 2008.

Nível de escolaridade Homens Mulheres Total

Sem instrução 16,9 9,5 10,0

Fundamental incompleto ou equivalente 58,2 52,5 52,9

Fundamental completo ou equivalente 8,8 14,0 13,7

Médio incompleto ou equivalente 5,0 7,8 7,6

Médio completo ou equivalente 10,0 14,4 14,1

Superior incompleto ou equivalente 0,4 0,3 0,3

Superior completo 0,6 0,7 0,7

Não determinado 0,2 0,7 0,7

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Em relação à carteira de trabalho assinada, apenas um pouco mais de um quarto

dos trabalhadores domésticos (26,8%) têm esse direito, previsto desde 1972,

efetivamente garantido. A formalização da relação, como demonstrado na tabela 5,

atende bem mais aos homens (41,4%) do que às mulheres (25,8%), que vivenciam mais

a informalidade. Essa disparidade está relacionada à diferenciação das funções ocupadas

entre os sexos no âmbito doméstico e ao fato de as mulheres serem mais diaristas do

que os homens, relação geralmente não formalizada. Mas apenas isso não explica essa

grande distinção entre eles, que pode ser certamente creditada à desigualdade de gênero.

Tabela 5: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo de trabalho (%),

Brasil, 2008.

Homens Mulheres Total

Com carteira de trabalho assinada 41,4 25,8 26,8

Sem carteira de trabalho assinada 58,6 74,2 73,2

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

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Dos trabalhadores domésticos, 30,1% contribuem para a previdência social; são

44,1% dos homens e 29,2% das mulheres. Para efeitos de comparação, na categoria

empregados, 78,3% são contribuintes. Tratando-se dos trabalhadores domésticos, há

mais contribuintes à previdência do que com a carteira assinada. Isso significa que uma

parcela deles faz a contribuição individual, como é o caso de diaristas que trabalham em

muitas casas simultaneamente.

Uma outra questão é se o serviço doméstico é prestado em uma ou em mais

residências. Embora a grande maioria trabalhe apenas para uma família (74,1%), como

apresentado na tabela 6, o número dos que trabalham para mais de uma já ultrapassou

um quarto dos trabalhadores domésticos (25,9%), chegando a 26,5% das mulheres.

Aproximadamente, é possível chamar esses trabalhadores de diaristas e os demais de

mensalistas. Como apenas 20,5% das trabalhadoras domésticas que prestam serviço em

mais de uma residência contribuem para a previdência social, fica evidente que as

diaristas ainda não incorporaram a posição de autônomas quanto à sua proteção social.

Tabela 6: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de domicílios

em que o serviço é prestado (%), Brasil, 2008.

Número de domicílios Homens Mulheres Total

Apenas um 84,0 73,5 74,1

Mais de um 16,0 26,5 25,9

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Além de serem classificados pelo número de famílias para a qual trabalham, os

trabalhadores domésticos podem ser divididos entre aqueles que residem no local de

trabalho e aqueles que residem fora da casa dos patrões (tabela 746).

Surpreendentemente, uma proporção maior de homens (14,9%) do que de mulheres

(6,4%) reside no domicílio em que trabalha, o que equivale em números absolutos a,

46 Isso pôde ser realizado graças à variável 9054 do arquivo de pessoas: “tipo de estabelecimento ou onde era exercido o trabalho principal da semana de referência”. A PNAD incluiu na opção “no domicílio em que morava” o trabalhador doméstico que residia na unidade domiciliar em que trabalhava; e incluiu na opção “em domicílio do empregador, patrão, sócio ou freguês” o trabalhador doméstico que não residia na unidade domiciliar em que trabalhava.

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respectivamente, 63.109 e 396.140. Ou seja, no Brasil ainda existem 459.249

trabalhadores domésticos morando na casa dos patrões.

Os dados disponíveis não nos permitem chegar a uma conclusão mais

substantiva que aponte as razões explicativas para uma proporção maior de homens do

que de mulheres residir no local de trabalho. Talvez um motivo seja a maior

participação dos trabalhadores homens como caseiros e vigias, mas em vista da

mudança nos códigos de ocupação a partir de 2002, há uma impossibilidade de verificar

essa hipótese.

Tabela 7: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local de residência

(%), Brasil, 2008.

Local de residência Homens Mulheres Total

Reside na casa em que trabalha 14,9 6,4 6,9

Reside fora da casa em que trabalha 85,1 93,6 93,1

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Em vista desses dados sobre residir no local de trabalho, é possível dividir os

trabalhadores domésticos entre mensalistas residentes (moram na casa dos patrões),

mensalistas externos (não moram na casa dos patrões) e diaristas47. Eles estão

distribuídos, como aponta a tabela 8, na seguinte proporção no Brasil: mensalistas

residentes (6,4%), mensalistas externos (67,7%) e diaristas (25,9%).

Tabela 8: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de domicílios

em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Brasil, 2008.

Homens Mulheres Total

Mensalista residente 14,8 5,9 6,4

Mensalista externo 69,2 67,6 67,7

47 Para essa divisão utilizamos a segunda possibilidade de diferenciação entre empregados domésticos e diaristas: conceber, aproximadamente, o mensalista como aquele que trabalha em apenas um domicílio e o diarista como aquele que trabalha em mais de um. Dessa forma, de fato, estamos comparando: mensalistas residentes, que são os que trabalham em apenas um domicílio e moram na casa dos patrões; mensalistas externos, que são os que trabalham em apenas um domicílio e não moram na casa dos patrões; e os diaristas, que são os que trabalham em mais de um domicílio.

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Diarista 16,0 26,5 25,9

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A jornada de trabalho no serviço doméstico remunerado, sem desagregação por

sexo, aponta que pouco mais de 70,0% dos trabalhadores domésticos estão inseridos em

faixas de até 44 horas, sendo que a predominante é a de mais de 20 a 40 horas (tabela

9). Em contraposição, 29,8% deles trabalham além das 44 horas semanais previstas na

Constituição de 1988, direito esse que, na verdade, não foi garantido a esse grupo

profissional. Esse número chega a 45,7% dos homens, que no conjunto têm uma jornada

de trabalho semanal maior do que a das mulheres.

Tabela 9: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de horas

semanais trabalhadas (%), Brasil, 2008.

Jornada de trabalho semanal Homens Mulheres Total

Até 20 horas 9,5 21,0 20,3

Mais de 20 a 40 horas 32,4 42,9 42,2

Mais de 40 a 44 horas 12,4 7,4 7,7

Mais de 44 horas 45,7 28,7 29,8

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Quanto à associação a sindicato, apenas 2,0% dos trabalhadores domésticos são

sindicalizados: 4,6% dos homens e 1,8% das mulheres. Essa pequena participação

contribui para explicar as dificuldades de mobilização em busca do acesso a alguns

direitos, que, como vimos no capítulo dois, ainda estão em aberto para esses

trabalhadores. Um deles é justamente a definição da carga horária em lei, que poderia

diminuir o número dos trabalhadores domésticos que trabalham mais de 44 horas por

semana (29,8%).

Para finalizar este retrato do serviço doméstico no Brasil atual, cabe verificar o

rendimento obtido nessa ocupação, que, de fato, é uma das mais mal remuneradas. Ao

desagregar o rendimento mensal do trabalho principal em faixas de salário mínimo,

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como apresentado na tabela 10, os resultados indicam que mais de 70,0% dos

trabalhadores domésticos recebem até, no máximo, um salário mínimo nacional, sendo

que 30,6% recebem apenas até meio salário.

A renda média mensal dos trabalhadores domésticos é, segundo a PNAD 2008,

de R$ 360,17, ou seja, sequer alcança o salário mínimo, que em setembro de 2008 era

de R$ 415,00. Se compararmos a renda média mensal segundo o vínculo de trabalho e o

sexo, há uma diferença considerável, pois a renda das mulheres e dos que não têm

carteira de trabalho assinada é menor. Enquanto o rendimento médio das mulheres sem

carteira é de R$ 295,31, o dos homens sem carteira é de R$ 395,65. Da mesma forma,

enquanto o rendimento médio das mulheres com carteira é de R$ 510,53, o dos homens

com carteira é de R$ 640,47.

Tabela 10: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de rendimento

(%), Brasil, 2008.

Faixas de rendimento

(em salários mínimos)

Homens Mulheres Total

Sem remuneração 1,2 0,6 0,6

Até 1/2 13,9 31,7 30,6

Mais de 1/2 a 1 40,5 41,3 41,2

Mais de 1 a 2 35,7 24,1 24,9

Mais de 2 a 4 7,8 2,2 2,6

Mais de 4 1,0 0,1 0,1

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 421.127 6.159.253 6.580.380

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria. Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda, por isso os números absolutos são menores. (2) Salário mínimo de setembro de 2008: R$ 415,00.

2.2.2 – O serviço doméstico no Rio de Janeiro

No estado do Rio de Janeiro, assim como em todo o país, o serviço doméstico é

predominantemente feminino, pois são 627.888 trabalhadores domésticos, dos quais

91,4% (574.199) mulheres e 8,6% (53.689) homens. Ou seja, a proporção masculina é

maior do que a nacional, que, como vimos, é de 6,4%. Além disso, os trabalhadores

domésticos equivalem a 8,8% da população ocupada, 18,7% das mulheres ocupadas e

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1,3% dos homens ocupados. Isso significa que essa profissão tem um peso maior no

mercado de trabalho do Rio de Janeiro do que no Brasil como um todo.

Quanto à questão da cor ou raça, os trabalhadores domésticos desse estado são

em sua maioria negros (63,2%)48 e há um número de pretos bem maior do que o

apresentado na análise anterior sobre o Brasil (20,3%). No retrato brasileiro sobre esses

trabalhadores, a cor ou raça é muito semelhante entre homens e mulheres, o que não

ocorre nesse caso específico. No Rio de Janeiro, a diferença é grande, pois as mulheres

são mais negras (64,1%) do que os homens (53,0%) e menos brancas (35,2%) do que

eles (47,0%).

Tabela 11: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%), Rio de

Janeiro, 2008.

Cor ou raça Homens Mulheres Total

Branca 47,0 35,2 36,2

Preta 15,3 20,8 20,3

Parda 37,7 43,3 42,9

Amarela 0,0 0,3 0,3

Indígena 0,0 0,1 0,1

Sem declaração 0,0 0,2 0,2

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A migração é uma característica presente no serviço doméstico do Rio de

Janeiro, uma vez que 30,1% de seus trabalhadores não nasceram nesse estado, vieram

principalmente de Minas Gerais (20,2%), Paraíba (16,9%), Bahia (11,6%) e

Pernambuco (8,4%). Esse número é alto comparado com a população ocupada no geral,

em que 19,0% é migrante. Nascidos nesse estado ou não, 73,0% dos trabalhadores

domésticos do Rio de Janeiro começaram a trabalhar antes da maioridade: 7,7% até 9

anos, 34,7% de 10 a 14 anos, e 30,6% de 15 a 17 anos.

Um outro aspecto presente é a heterogeneidade dessa ocupação, cujos subgrupos

podem ser observados na PNAD 2001, que, como vimos, foi a última a oferecer essa

possibilidade. Assim como no Brasil, a maioria dos trabalhadores domésticos do Rio de 48 Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.

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67

Janeiro é formada por quem realiza todas as tarefas domésticas (domésticos

polivalentes), que são 55,1% dos homens e 63,6% das mulheres (tabela 12). Mas o dado

que chama a atenção é a alta proporção de mulheres que são diaristas (17,2%).

Efetivamente, a contratação por diárias ocupa uma posição importante no mercado de

trabalho desse estado, ainda mais que, muito provavelmente, esse número seria bem

maior se essa diferenciação interna fosse possível para 2008.

Tabela 12: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos ocupacionais

(%), Rio de Janeiro, 2001.

Subgrupo Homens Mulheres Total

Arrumadeira/camareiro 0,0 2,8 2,5

Babá/ama/acompanhante 0,0 7,3 6,6

Cozinheira/copeira 1,0 2,3 2,2

Diarista/faxineira 4,4 17,2 16,0

Lavadeira/passadeira 0,0 3,5 3,2

Governanta/mordomo 0,0 0,3 0,3

Doméstica polivalente 55,1 63,6 62,8

Atendente/jardineiro/motorista 39,4 3,1 6,5

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 57.274 558.461 615.735

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

A desagregação dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro por faixa etária,

apresentada na tabela 13, demonstra que eles são mais velhos comparados com a

proporção brasileira para essa categoria. A concentração passa dos 76,0% somando as

faixas de 30 a 44 e 45 a 59 anos, que são muito próximas em termo de valores. Os mais

jovens, até 29 anos, são apenas 15,1%, enquanto na análise do Brasil eles chegam a

27,8%.

Tabela 13: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária (%), Rio de

Janeiro, 2008.

Faixas de idade (anos) Homens Mulheres Total

10 a 15 0,9 0,8 0,8

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68

16 a 17 0,9 0,6 0,6

18 a 24 5,1 4,6 4,6

25 a 29 14,4 8,6 9,1

30 a 44 32,0 41,3 40,5

45 a 59 28,2 36,4 35,7

60 ou mais 18,6 7,8 8,7

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Comparado com as proporções observadas no ponto anterior sobre o Brasil, a

distribuição dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro segundo o nível de

escolaridade, disponível na tabela 14, indica que eles são um pouco menos

escolarizados. A maioria tem menos de oito anos de estudo, sendo que 81,2% ou são

sem instrução ou chegaram no máximo ao ensino fundamental (completo ou

incompleto). A percentagem dos que não sabem ler e escrever é de 6,7%.

Tabela 14: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade mais

elevado alcançado (%), Rio de Janeiro, 2008.

Nível de escolaridade Homens Mulheres Total

Sem instrução 14,7 10,3 10,7

Fundamental incompleto ou equivalente 62,0 53,8 54,5

Fundamental completo ou equivalente 5,4 17,0 16,0

Médio incompleto ou equivalente 0,9 4,8 4,5

Médio completo ou equivalente 15,9 12,6 12,9

Superior incompleto ou equivalente 1,2 0,1 0,2

Superior completo 0,0 0,8 0,7

Não determinado 0,0 0,6 0,5

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

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69

A formalização da relação de trabalho doméstico remunerado no Rio de Janeiro

é maior do que no Brasil como um todo, pois atinge mais de um terço dos trabalhadores

(34,3%), enquanto a proporção para o país chega a pouco mais de um quarto (26,8%). A

variação das percentagens entre os sexos é muito elevada, de forma que enquanto a

maioria dos homens, 59,0%, tem carteira de trabalho assinada, as mulheres são apenas

32,0%, como podemos ver na tabela 15. O que explica essa diferença, em parte, é que a

figura da diarista, prestadora autônoma de serviço, geralmente sem vínculo formal, é

grande no Rio de Janeiro, que enquanto subgrupo ocupacional chegava a 17,2% das

mulheres em 2001.

Em relação à previdência social, 41,9% dos trabalhadores domésticos do Rio de

Janeiro são contribuintes. Assim como a questão da formalização, há uma grande

diferença entre os índices masculino e feminino, pois enquanto 39,6% das mulheres

contribuem para instituto de previdência, os homens são 66,5%, já incluídos os que o

fazem em caráter autônomo.

Tabela 15: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo de trabalho

(%), Rio de Janeiro, 2008.

Homens Mulheres Total

Com carteira de trabalho assinada 59,0 32,0 34,3

Sem carteira de trabalho assinada 41,0 68,0 65,7

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A distribuição dos trabalhadores domésticos do estado do Rio de Janeiro,

segundo o número de domicílios em que o serviço é prestado, revela proporções bem

semelhantes ao panorama nacional (tabela 16). A grande maioria trabalha somente em

uma residência (74,9%) e os que trabalham em mais de uma são um pouco mais de um

quarto da categoria (25,1%). Essa última percentagem provavelmente é maior na cidade

do Rio de Janeiro. Além disso, apenas 26,8% das trabalhadoras domésticas que prestam

serviço em mais de uma residência contribuem para a previdência social.

Tabela 16: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de domicílios

em que o serviço é prestado (%), Rio de Janeiro, 2008.

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70

Número de domicílios Homens Mulheres Total

Apenas um 81,5 74,3 74,9

Mais de um 18,5 25,7 25,1

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Ao desagregarmos os trabalhadores domésticos entre aqueles que residem na

casa em que trabalham e aqueles que residem em outros lugares que não a casa dos

patrões, notamos que a proporção dos que estão naquela primeira condição é menor no

Rio de Janeiro (5,6%) do que no Brasil (6,9%), como aponta a tabela 17. Nos dois

casos, chama a atenção o fato de uma maior percentagem masculina do que feminina

residir no domicílio em que trabalha; no Rio de Janeiro são 12,0% dos homens e 5,0%

das mulheres, ou seja, 35.067 pessoas. Como dito anteriormente, talvez a explicação

passe pela questão de os homens serem mais caseiros e vigias, subgrupos que tendem a

permanecer no local de trabalho.

Tabela 17: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local de residência

(%), Rio de Janeiro, 2008.

Local de residência Homens Mulheres Total

Reside na casa em que trabalha 12,0 5,0 5,6

Reside fora da casa em que trabalha 88,0 95,0 94,4

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Como explicitado no ponto anterior, é possível dividirmos também os

trabalhadores domésticos entre mensalistas residentes (trabalham em apenas um

domicílio e moram na casa dos patrões), mensalistas externos (trabalham em apenas um

domicílio e não moram na casa dos patrões) e diaristas (trabalham em mais de um

domicílio). No Rio de Janeiro, como apresentado na tabela 18, esses grupos estão

distribuídos na seguinte proporção: mensalistas residentes (5,2%), mensalistas externos

(69,7%) e diaristas (25,1%).

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71

Tabela 18: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de domicílios

em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Rio de Janeiro, 2008.

Homens Mulheres Total

Mensalista residente 12,0 4,6 5,2

Mensalista externo 69,5 69,7 69,7

Diarista 18,5 25,7 25,1

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A jornada de trabalho no serviço doméstico remunerado do Rio de Janeiro é bem

próxima à nacional: aproximadamente 70,0% dos trabalhadores domésticos estão

inseridos em faixas de até 44 horas semanais (tabela 19). Além disso, a jornada de

trabalho masculina é maior do que a feminina, sendo que 53,9% dos homens trabalham

mais de 44 horas por semana. Já em relação à sindicalização, se no Brasil 2,0% dos

trabalhadores domésticos são sindicalizados, no estado do Rio de Janeiro essa

proporção é ainda menor: são apenas 0,9% do total, 2,4% dos homens e 0,7% das

mulheres.

Tabela 19: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de horas

semanais trabalhadas (%), Rio de Janeiro, 2008.

Jornada de trabalho semanal Homens Mulheres Total

Até 20 horas 7,8 20,1 19,0

Mais de 20 a 40 horas 33,2 46,1 45,0

Mais de 40 a 44 horas 5,1 5,7 5,6

Mais de 44 horas 53,9 28,1 30,3

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 53.689 574.199 627.888

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Os ganhos obtidos com o serviço doméstico, observados por meio da

desagregação do rendimento mensal do trabalho principal em faixas de salário mínimo,

são mais elevados no Rio de Janeiro do que na proporção para o país, o que, de fato, é

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72

uma característica da região Sudeste como um todo. Enquanto mais de 70,0% dos

trabalhadores domésticos do Brasil recebem até, no máximo, um salário mínimo

nacional, além de 30,6% receberem apenas até meio salário; no Rio de Janeiro são

aproximadamente 54,0% e apenas 14,8% são remunerados com até meio salário (tabela

20).

A renda média mensal dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro é,

segundo a PNAD 2008, de R$ 469,61, ou seja, ultrapassa o salário mínimo nacional,

que em 2008 era de R$ 415,00. Mas o estado do Rio de Janeiro tem salário mínimo

próprio para os empregados domésticos, que em 2008 era de R$ 470,34, ou seja, o

rendimento médio dos trabalhadores domésticos desse estado quase alcançou o salário

mínimo específico49.

A comparação segundo o sexo e o tipo de vínculo de trabalho revela que é

menor a renda das mulheres e dos que não têm carteira de trabalho assinada. Enquanto o

rendimento médio das mulheres sem carteira é de R$ 405,83, o dos homens sem carteira

é de R$ 469,54. Nesse mesmo sentido, enquanto o rendimento médio das mulheres com

carteira é de R$ 558,81, o dos homens com carteira é de R$ 734,71.

Tabela 20: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de rendimento

(%), Rio de Janeiro, 2008.

Faixas de rendimento

(em salários mínimos)

Homens Mulheres Total

Sem remuneração 0,0 0,2 0,2

Até 1/2 9,9 15,2 14,8

Mais de 1/2 a 1 30,2 39,7 38,9

Mais de 1 a 2 46,5 39,1 39,8

Mais de 2 a 4 11,5 5,4 6,0

Mais de 4 1,9 0,2 0,4

Total 100,0% 100,0% 100,0%

Números absolutos 51.781 564.655 616.436

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria. Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda, por isso os números absolutos são menores. (2) Salário mínimo de setembro de 2008: R$ 415,00.

49 O menor piso salarial dos empregados domésticos no Brasil é o salário mínimo nacional. Mas em alguns estados há a fixação de salário mínimo específico para os empregados domésticos, ou seja, maior do que o nacional. Esses estados são Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e, recentemente, Santa Catarina.

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73

Dessa forma, seja no Brasil ou no estado do Rio de Janeiro, com algumas

diferenças entre eles, foi possível perceber que os trabalhadores domésticos têm o

seguinte perfil predominante: são mulheres, negras, domésticas polivalentes, com idade

de 30 a 44 anos, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto), sem carteira

de trabalho assinada, que não contribuem para a previdência, trabalham em apenas um

domicílio e não residem nele, têm jornada de trabalho semanal de mais de 20 a 40 horas,

não são sindicalizadas e recebem até um salário mínimo.

Cumprido o primeiro objetivo deste capítulo, que foi o de analisar o perfil dos

trabalhadores domésticos, comparando homens e mulheres, passemos para o próximo:

explicar os processos de mudança no serviço doméstico. Nesse sentido, cabe

acompanhar em que medida essas características distintivas da ocupação dão indícios de

serem permanentes e com pouca alteração ou se uma análise longitudinal aponta

transições em algumas delas.

2.3 – As novas configurações do trabalho doméstico remunerado

Um exame da última década do século XX e da primeira do século XXI, quanto

ao serviço doméstico, é capaz de indicar uma série de processos de mudança em curso,

que vem alterando determinadas características apresentadas historicamente por essa

ocupação e, em certos aspectos, reconfigurando o perfil dos trabalhadores domésticos.

Estudaremos, então, os processos de mudança que vêm se delineando ao longo do

tempo no Brasil como um todo e no Rio de Janeiro, embora saibamos que esses

movimentos não são percebidos homogeneamente em todas as regiões do país.

Como as mulheres representam mais de 93,0% dos trabalhadores domésticos

brasileiros, o serviço doméstico tem um peso relevante na força de trabalho feminina

(15,8%) e os afazeres domésticos ainda são tidos como atividade direcionada às

mulheres, neste ponto a análise estará focada nas trabalhadoras domésticas

especificamente. Para isso, buscamos acompanhar o serviço doméstico,

aproximadamente, durante duas décadas, por meio das PNADS de 1992 a 2008;

identificando, pelo menos, seis processos de mudança em curso.

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74

2.3.1 – Diminuição da importância do serviço doméstico remunerado na população

feminina ocupada

Analisando os anos 2000, é possível perceber que nessa década ainda houve um

crescimento do número de trabalhadoras domésticas, tanto no Brasil quanto no estado

do Rio de Janeiro (gráfico 1). No país, nesse intervalo de tempo analisado, o aumento

foi de aproximadamente 630 mil trabalhadoras; enquanto no Rio de Janeiro chegou a

quase 16 mil. Entretanto, no caso brasileiro houve quedas consecutivas de 2006 a 2008.

Isso pode indicar que a próxima década será de diminuição da mão de obra dedicada a

essa ocupação, que estaria migrando para outros trabalhos. Mas apenas com a

divulgação de dados posteriores a 2008, será possível diferenciar uma diminuição

passageira de um processo que se estenda a longo prazo.

Gráfico 1 - Número de trabalhadoras domésticas, Bra sil e Rio de Janeiro, 2001-2008

5.572.146 5.678.375 5.748.1266.026.568

6.186.792 6.277.160 6.251.810 6.201.479

558.461 585.988 580.273 604.017 574.470 601.271 573.558 574.199

0

1.000.000

2.000.000

3.000.000

4.000.000

5.000.000

6.000.000

7.000.000

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

Núm

ero

Brasil

Rio de Janeiro

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2001 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) Os microdados dos

anos 2000 foram reponderados para

acompanhar os de 2008.

Porém, mais adequado do que analisar a variação do número de trabalhadoras

domésticas é verificar a relevância que essa ocupação tem para a população ocupada.

Esse acompanhamento foi realizado para o Brasil no gráfico 2, que permite concluir que

a importância do serviço doméstico remunerado no total de ocupados sempre foi mais

ou menos a mesma durante o período, representando de 7,1% a 7,9% da força de

trabalho brasileira, sem desagregação por sexo. Mas durante os anos 2000 houve uma

queda, passando de 7,8% a 7,2%.

Quando enfocamos a dimensão de gênero, fica claro que durante os anos 2000

houve uma diminuição da proporção de trabalhadoras domésticas no total de mulheres

ocupadas, ou seja, as mulheres que estão no mercado de trabalho são cada vez menos

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75

trabalhadoras domésticas. De 2001 em diante houve uma queda consecutiva nessa

proporção, chegando a 15,8% em 2008.

Gráfico 2 - Proporção de trabalhadores domésticos n o total de ocupados, Brasil, 1992-2008

0,7 0,8 0,9 0,9 0,9 0,9 0,9 0,8 0,9 0,9 0,9 0,9 0,9 0,8 0,8

17,017,4

17,9 18,2 18,517,8 17,9 17,9 17,4 17,3 17,1 16,9 16,7 16,4 15,8

7,1 7,37,8 7,8 7,9 7,6 7,8 7,8 7,7 7,7 7,6 7,6 7,6 7,4 7,2

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

20,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Homens

Mulheres

Total

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000

foram reponderados para acompanhar os de 2008.

No estado do Rio de Janeiro, como indicado no gráfico 3, a importância do

serviço doméstico remunerado no total de ocupados é maior do que no Brasil,

representando, no período, de 8,8% a 10,3% da população ocupada. No intervalo

temporal analisado, houve, assim como no Brasil, uma diminuição principalmente da

proporção de trabalhadoras domésticas no total de mulheres ocupadas, que de meados

dos anos 2000 em diante veio caindo e chegou a 18,7% em 2008.

Gráf ico 3 - Prop orção de t rab alhad ores do mést icos n o t o t al de o cup ad os, R io d e Janeiro , 19 9 2 - 2 0 0 8

1,6 1,8 1,7 1,8 1,8 1,6 1,8 1,6 1,7 1,7 1,5 1,5 1,8 1,4 1,3

21,7 21,6 21,822,7 23,0 22,4 22,8

22,0 22,2 22,021,1 20,4 20,5

19,318,7

9,2 9,5 9,8 10,2 10,1 9,9 10,2 10,1 10,3 10,1 10,0 9,6 9,9 9,1 8,8

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

20,0

22,0

24,0

26,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

A no

Homens

M ulheres

Total

Fonte: IBGE. Microdados da

PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria.

Obs: (1) A PNAD não f oi

realizada em 1994 e 2000. (2)

Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural

de Rondônia, Acre,

Amazonas, Roraima, Pará e

Amapá. (3) Os microdados

dos anos 2000 f oram

reponderados para

acompanhar os de 2008.

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76

2.3.2 – Elevação da escolaridade

Um segundo processo de mudança visível nestas quase duas décadas analisadas

foi o aumento da escolaridade das trabalhadoras domésticas. Embora atualmente ela

ainda seja baixa, de forma que mais de 75,0% da categoria têm de zero a oito anos de

estudo, houve um aumento muito significativo no nível de instrução de 1992 a 2008.

Tanto no Brasil como no Rio de Janeiro, as duas faixas de escolaridade mais baixas

diminuíram, e as três mais elevadas aumentaram. Mas é preciso frisar que não se trata

de uma particularidade somente dessa ocupação, pois é reflexo da maior escolarização

vivenciada pela sociedade brasileira como um todo.

No Brasil, como aponta o gráfico 4, as trabalhadoras domésticas sem instrução

ou com menos de um ano de estudo caíram no período 8,6 pontos, passando de 18,1%

para 9,5%; e as de 1 a 4 anos de estudo, caíram 20,4 pontos, passando de 49,9% para

29,5%. Já nas faixas que cresceram, a de 5 a 8 anos passou de 27,9% para 36,7% (8,8

pontos de diferença); a de 9 a 11 anos passou de 3,2% para 22,2% (19 pontos de

diferença); e a de 12 anos ou mais passou de 0,2% para 1,4% (1,2 pontos de diferença).

Gráfico 4 - Distribuição percentual das trabalhador as domésticas por anos de estudo, Brasil, 1992-2008

18,1 17,2 15,915,2 14,4 13,3

12,2 12,4

10,6 10,6 9,9 9,7 9,2 9,4 9,5

49,947,9 46,9

43,943,2 41,9

39,837,3

36,534,3 33,3 32,4 32,2

30,2 29,5

37,1 36,5

37,6

27,930,2

31,734,1 35,2 36,0

38,0 36,9 36,8 36,4 37,9 36,7

12,3

13,8

3,2 3,9 4,85,8 6,5 7,9

9,7

15,418,6

19,5 21,1 21,1 22,2

0,2 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2 0,3 0,4 0,3 0,4 0,4 0,5 0,4 0,6

1,40,8 0,7 0,5 0,8 0,5 0,7 0,9 1,1 1,2 1,3 0,9 1,1 0,8 0,9

0,70,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Sem instrução oumenos de 1 ano

De 1 a 4 anos

De 5 a 8 anos

De 9 a 11 anos

12 anos ou mais

Não determinado

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008. Elaboração própria.

Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de

2008.

Já no Rio de Janeiro, como indicado no gráfico 5, no período analisado, as

proporções que diminuíram foram a das trabalhadoras domésticas sem instrução ou com

menos de um ano de estudo, que passou de 17,6% para 10,3%; e a de 1 a 4 anos de

estudo, que passou de 47,2% para 30,0%. Enquanto isso, as faixas que cresceram foram

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77

a de 5 a 8 anos, que passou de 31,1% para 39,7% (8,6 pontos de diferença); a de 9 a 11

anos, que passou de 3,4% para 17,9% (14,5 pontos de diferença); e a de 12 anos ou

mais, que passou de 0,2% para 1,6% (1,4 pontos de diferença).

Gráfico 5 - Distribuição percentual das trabalhador as domésticas por anos de estudo, Rio de Janeiro, 1 992-2008

17,6 17,9

14,5 15,0 15,012,7 12,5 12,9

8,7 8,2

8,9 8,7 7,610,0 10,3

47,2 46,2 45,9

41,5 41,743,6

40,3

38,2

40,3

39,6

33,9 35,7 34,531,7

30,0

38,1

38,2

39,3

39,8

31,129,8

32,236,7 35,7

37,7

40,038,8 38,8 39,8 39,7

3,45,5 6,6 6,2 6,6 5,7

8,09,9

10,7 11,1

15,8 16,318,0

16,9 17,9

0,2 0,3

1,6

0,80,4

0,4

0,40,40,30,1

0,8

0,20,40,2 0,2

0,51,0

0,6

0,80,7

0,2

0,90,50,70,2

0,2

0,50,40,4 0,80,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Sem instrução oumenos de 1 ano

De 1 a 4 anos

De 5 a 8 anos

De 9 a 11 anos

12 anos ou mais

Não determinado

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008. Elaboração própria.

Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD

passou a contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para

acompanhar os de 2008.

2.3.3 – Envelhecimento da categoria

Um terceiro processo de mudança pelo qual o serviço doméstico remunerado

vem passando nas últimas duas décadas é o envelhecimento das trabalhadoras

domésticas, visível tanto no Brasil quanto no estado do Rio de Janeiro, quando

analisadas as proporções de anos de idade ao longo do tempo. Enquanto houve uma

diminuição significativa das quatro primeiras faixas de idade, de 10 a 29 anos, houve

um aumento das três últimas, de 30 a mais de 60 anos. Tal processo está relacionado ao

envelhecimento da população brasileira como um todo.

Como pode ser visto no gráfico 6, de 1992 a 2008, a faixa de 10 a 15 anos

passou de 10,8% para 2,2%, a de 16 a 17 anos passou de 9,3% para 2,7%, a de 18 a 24

anos passou de 24,7% para 12,0%, a de 25 a 29 anos passou de 12,6% para 11,1%, a de

30 a 44 anos passou de 28,4% para 41,8%, a de 45 a 59 anos passou de 11,4% para

26,2% e a de 60 anos ou mais passou de 2,8% para 4,0%. Ou seja, enquanto a faixa de

idade com a maior proporção de trabalhadoras continuou sendo a mesma de 1992 a

2008: a de 30 a 44 anos, embora tenha aumentado muito nesse período; a segunda maior

deixou de ser a de 18 a 24 anos para ser a de 45 a 59 anos.

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78

Gráfico 6 - Distribuição percentual das trabalhador as domésticas segundo a faixa etária, Brasil, 1992- 2008

3,7 3,7 3,0

2,4 2,6 2,22,42,5

4,44,76,26,6

8,410,310,8

4,6 4,5 3,9 3,73,1

2,7

3,73,6

6,85,5

6,67,6

7,89,29,3

17,612,0

13,414,715,9

18,419,2

22,421,722,424,7 24,0

23,123,2

16,8

11,912,113,013,412,8

12,6

11,1

12,1

13,3

12,5 12,512,9 12,6 13,0 13,0

41,841,741,140,040,139,739,638,0

36,335,735,0

33,331,7

29,528,4

11,4

21,6

17,918,112,4

13,1

13,7 14,615,8 15,9

20,0 20,822,6

23,726,2

3,4 3,43,6 4,0

2,8

3,02,93,42,92,62,53,12,52,52,80,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%10 a 15 anos

16 a 17 anos

18 a 24 anos

25 a 29 anos

30 a 44 anos

45 a 59 anos

60 anos ou mais

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,

Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para

acompanhar os de 2008. (4) Foram excluídos os ignorados.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro (gráfico 7), a faixa de 10 a 15 anos passou de

4,5% para 0,8%, a de 16 a 17 anos passou de 4,7% para 0,6%, a de 18 a 24 anos passou

de 19,2% para 4,6%, a de 25 a 29 anos passou de 12,6% para 8,6%, a de 30 a 44 anos

passou de 37,4% para 41,3%, a de 45 a 59 anos passou de 16,2% para 36,4% e a de 60

anos ou mais passou de 5,5% para 7,8%. Em 2008, 85,5% das trabalhadoras domésticas

do Rio de Janeiro estavam inseridas em faixas de 30 a mais de 60 anos.

Gráfico 7 - Distribuição percentual das trabalhador as domésticas segundo a faixa etária, Rio de Janeir o, 1992-2008

0,84,5 3,8 3,11,7 1,4 1,8 1,6 0,9

1,3

0,9 0,5 0,3 0,3 0,4

4,24,74,6

3,4 2,5 2,6 2,0 1,0

1,3

1,0 1,3 1,3 0,8 0,9

0,6

4,6

9,110,610,7

19,2

8,6

6,3

6,8

16,7 19,813,9

15,613,8

16,2

8,211,511,6

9,5 9,6 10,38,6 8,6

12,6 11,59,5 10,4

11,4

11,6 11,19,6

37,4 38,139,5

43,0

39,5

43,5

40,0

42,5 43,1

39,741,7 42,5 41,7

44,1

41,3

21,4 20,919,7

24,922,7 22,9

26,228,3

35,433,4

30,5

34,2 33,736,4

16,2

5,45,5

4,03,8

5,9 5,84,2

5,87,1

4,4 4,3 7,2

6,5

5,5

7,8

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

10 a 15 anos

16 a 17 anos

18 a 24 anos

25 a 29 anos

30 a 44 anos

45 a 59 anos

60 anos ou mais

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,

Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para

acompanhar os de 2008. (4) Foram excluídos os ignorados.

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79

Tanto no caso brasileiro quanto no do Rio de Janeiro, o que é perceptível é que a

mão de obra responsável pelo serviço doméstico remunerado foi envelhecendo (gráficos

6 e 7) e diminuindo a sua importância na população feminina ocupada (gráficos 2 e 3),

mas não houve uma renovação por parte das gerações mais jovens. Isso pode ser

explicado até mesmo pelo aumento crescente da escolaridade (gráficos 4 e 5), que

atinge principalmente as mais jovens, para as quais novas possibilidades se abrem e em

um nível alcançável.

Diferente das trabalhadoras domésticas das faixas de maior idade, de 30 a mais

de 60 anos, as mulheres jovens provenientes de famílias de baixa renda, com

escolaridade mais elevada, percebem-se com maiores possibilidades de inserção no

mercado de trabalho, buscando permanecer fora do circuito de compra e venda de

serviços domésticos, identificado pelas trabalhadoras domésticas de maneira geral,

como veremos no próximo capítulo, como uma ocupação que deve ser, sempre que

possível, evitada, por conta do cansaço físico, do número de direitos trabalhistas que

abarca serem reduzidos e da menor valorização social.

2.3.4 – Decréscimo da proporção que reside no local de trabalho

A prática de conciliar trabalho e residência no serviço doméstico remunerado

brasileiro, comum há algum tempo, principalmente como possibilidade de as

trabalhadoras domésticas migrantes se estabelecerem, ao menos inicialmente, em outras

cidades, veio gradativamente perdendo importância ao longo do tempo, como é visível

nos próximos gráficos. O fato é que residir no mesmo local em que presta seus serviços

torna a trabalhadora mais subordinada ao trabalho, pois disso depende também a sua

moradia; e a jornada de trabalho, que já não é definida em lei, torna-se ainda menos

delimitada, geralmente excedendo em muito as 44 horas semanais.

É importante frisar que dormir na casa dos patrões não é necessariamente o

mesmo que residir nela. Como nos lembra Namir (2006), por razões metodológicas, se a

trabalhadora doméstica, por exemplo, dorme no domicílio onde trabalha durante a

semana, mas retorna à sua residência nos finais de semana, ela é considerada como

integrante do grupo que mora fora do domicílio em que trabalha. Ou seja, o que essa

variável abarca são os casos das trabalhadoras domésticas cuja única morada é o local

de trabalho.

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80

No gráfico 8, que analisa a realidade brasileira, podemos notar que a proporção

de trabalhadoras domésticas residentes na casa dos patrões diminuiu muito de 1992 a

2008, passando de 19,2% para 6,4%. O valor mais baixo, de 4,1%, foi alcançado em

2007. No Rio de Janeiro (gráfico 9), a percentagem de trabalhadoras domésticas que

residem no local de trabalho em todo o período foi menor do que no Brasil. Nesse

estado, essa proporção passou de 11,5% para 5,0%. A diminuição foi mais acentuada

até 2004, daí em diante percebe-se um aumento consecutivo.

Gráfico 8 - Distribuição percentual das trabalhador as domésticas segundo o seu local de residência, Br asil, 1992-2008

19,2 18,616,0 15,5 13,5 12,7 12,6

9,66,1 4,8 4,8 4,7 4,5 4,1

6,4

80,8 81,4 84,0 84,5 86,5 87,3 87,4 90,493,9 95,2 95,2 95,3 95,5 95,9 93,6

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Reside na casa em quetrabalha

Reside fora da casa emque trabalha

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a

PNAD passou a contemplar a população rural de Rondônia,

Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de 2008.

Gráfico 9 - Distribuição percentual das trabalhador as domésticas segundo o seu local de residência, Ri o de Janeiro, 1992-2008

11,5 11,9 9,5 10,0 8,9 7,5 5,5 7,0 4,3 3,4 2,5 2,8 3,3 3,8 5,0

88,5 88,1 90,5 90,0 91,1 92,5 94,5 93,0 95,7 96,6 97,5 97,2 96,7 96,2 95,0

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Reside na casa em quetrabalha

Reside fora da casa emque trabalha

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008. Elaboração

própria. Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a contemplar a população rural de Rondônia,

Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de 2008.

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81

2.3.5 – Aumento da formalização

Como vimos na análise precedente sobre o perfil dos trabalhadores domésticos,

apenas um pouco mais de um quarto deles está inserido em uma relação de trabalho

formalizada, com carteira de trabalho assinada. Se fizermos a desagregação por regiões

brasileiras, veremos que há uma desigualdade grande entre elas, de forma que de um

lado ficam Norte e Nordeste com uma proporção muito baixa; e do outro, Sul e Sudeste

com as maiores proporções. Já o Centro-Oeste ocupa a posição intermediária.

Sabemos, então, que o quadro é de informalidade, mas a questão é se essa

característica se mantém e se afirma como permanente ou não, é o que veremos ao

proceder uma análise longitudinal. O gráfico 10 deixa claro que de 1992 a 2008 houve

um movimento de formalização no serviço doméstico feminino brasileiro, pois as

trabalhadoras com carteira de trabalho assinada passaram de 16,1% para 25,8%.

É possível perceber também que após um rápido crescimento nos anos 90,

visível em uma curva ascendente, os anos 2000 apresentaram certo crescimento ao

longo do período, mas muito menos intenso e às vezes houve uma ligeira queda. Nem

mesmo a Medida Provisória nº. 284, de 2006, convertida na Lei nº. 11.324 do mesmo

ano, analisada no capítulo 2, que permitiu uma dedução no imposto de renda da

contribuição paga pelo empregador à previdência social do empregado doméstico,

conseguiu estimular a formalização. Como ressaltou Ipea (2009), o impacto dessa

dedução no imposto de renda sobre a formalização não foi sentido nos seus três

primeiros anos de vigência. Essa medida terá validade até 2012, ou seja, até a declaração

referente ao ano-calendário de 2011, quando serão analisados seus impactos sobre a

formalidade.

Essa lei faz parte do Plano Trabalho Doméstico Cidadão (TDC), lançado em

novembro de 2005, que é uma iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego, em

parceria com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)

e com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), além de contar com o

apoio da OIT, do Ministério da Educação e da Federação Nacional das Trabalhadoras

Domésticas (FENATRAD). O Trabalho Doméstico Cidadão foi baseado em uma

experiência iniciada na Bahia, em 1999, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador

(FAT), conduzida pelo Sindicato de Trabalhadoras domésticas.

Esse Plano promove um conjunto de ações governamentais buscando a

formalização, a elevação da escolaridade, a qualificação profissional, o estímulo à

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82

organização sindical das trabalhadoras domésticas, e a ampliação de seus conhecimentos

sobre os direitos que lhes são assegurados. Isso é alcançado por meio de cursos de formação

e capacitação que já foram ministrados nas cidades de Recife, Salvador, São Paulo,

Campinas, Rio de Janeiro, Aracajú e São Luís. Tais cursos são realizados em aulas

noturnas e nos finais de semana durante 12 meses e estão organizados em dois

subprojetos: qualificação e capacitação sindical.

Segundo IPEA (2006), o primeiro subprojeto tem como público-alvo as

mulheres com ensino fundamental incompleto e busca formar profissionais preparadas

para o trabalho doméstico, a partir da qualificação social e profissional e da elevação da

escolaridade. Além dos conteúdos escolares, a proposta inclui as dimensões de gênero e

raça (história do trabalho doméstico e seu valor social, história e cultura afro-brasileira,

discriminação no mundo do trabalho, direitos humanos) e uma formação direcionada ao

cotidiano do trabalho doméstico, de técnicas de trabalho (novas tecnologias, cozinha,

limpeza) ao conhecimento da legislação trabalhista e previdenciária. Já o segundo

subprojeto tem como público-alvo principal os dirigentes sindicais e busca estimular a

organização das trabalhadoras domésticas. Dessa forma, o curso aborda a história e as

transformações do trabalho doméstico; os direitos e a cidadania; e a estrutura, a

organização e a gestão sindical.

Gráfico 10 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo o vínculo de trabalho, Brasi l, 1992-2008

24,923,724,021,621,117,916,016,1

24,726,1 24,7 25,1 26,1 26,3 25,8

74,273,773,974,975,373,975,375,176,376,078,478,9

82,184,083,9

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Com carteira detrabalho assinada

Sem carteira detrabalho assinada

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,

Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de 2008. (4) Foram excluídos

os ignorados.

No estado do Rio de Janeiro, houve também um processo de formalização, pois

as trabalhadoras domésticas com carteira de trabalho assinada passaram de 23,2% para

32,0% no intervalo temporal analisado (gráfico 11). Assim como no Brasil, percebemos

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83

um crescimento maior nos anos 90, já os anos 2000 apresentaram certo crescimento,

mas menos intenso e com freqüentes seqüências de queda e em seguida de aumento.

Gráfico 11 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo o vínculo de trabalho, Rio d e Janeiro, 1992-2008

23,2 24,1 23,029,2 26,3 28,0 30,6 29,9 27,3

31,1 27,933,4 34,0

28,332,0

76,8 75,9 77,070,8 73,7 72,0 69,4 70,1 72,7

68,9 72,166,6 66,0

71,7 68,0

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Com carteira de trabalhoassinada

Sem carteira de trabalhoassinada

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,

Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para

acompanhar os de 2008. (4) Foram excluídos os ignorados

2.3.6 – Ampliação do número de diaristas

O sexto processo de mudança visível nestas últimas duas décadas é o

crescimento do número de diaristas, ou seja, das trabalhadoras que prestam serviço,

geralmente de faxina, mas não necessariamente, em várias casas, e recebem a diária

pelo serviço prestado. Em contraposição, há uma diminuição das empregadas

domésticas mensalistas que recebem salário para se dedicar unicamente, ou

majoritariamente, a uma residência, embora elas continuem sendo a grande maioria.

Como vimos nas questões metodológicas que abriram este capítulo, são duas as

formas de realizar a diferenciação estatística entre empregada e diarista na PNAD: por

meio dos subgrupos ocupacionais, possível de 1992 a 2001; e, de maneira aproximada,

mediante a quantidade de domicílios em que o serviço é prestado, admissível de 1992

até a PNAD atual. Como essas duas formas têm seus pontos positivos e negativos, já

levantados, o crescimento do número de diaristas será analisado por ambas.

Para acompanhar as PNADs de 1992 a 2001 por meio da primeira forma,

dividimos os oito códigos ocupacionais relacionados ao serviço doméstico,

anteriormente explicitados, em três grupos: empregados domésticos polivalentes (807),

empregados domésticos especializados (801, 802, 803, 805, 806 e 808) e diaristas (804).

Cada um desses códigos corresponde a um tipo de atividade realizada nessa ocupação e

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foram as próprias trabalhadoras domésticas que se incluíram em uma ou em outra

quando responderam à PNAD.

Sendo assim, o interessante dessa primeira forma de diferenciação é que não é

aproximada, foram as próprias trabalhadoras domésticas que se disseram, por exemplo,

diaristas. Nesse mesmo sentido, cabe uma observação importante: o número de diaristas

que veremos nos dois gráficos a seguir deve ser compreendido mais como o grupo das

diaristas faxineiras, que fazem apenas a limpeza da residência; imagem essa que é a

mais disseminada sobre o que é uma diarista.

Mas esse grupo é mais amplo, pois há também as congeleiras, que vão ao

domicílio quinzenalmente fazer a comida para esse período; as lavadeiras e passadeiras

de roupas em vários domicílios; sem contar as diaristas que vão apenas alguns dias a

uma residência, mas que lá realizam todas as tarefas. O banco de dados da PNAD

classificou esses três casos, apenas para pontuar alguns, respectivamente, como

cozinheiras/copeiras (803), como lavadeiras/passadeiras (805) e como domésticas

polivalentes (807). Então, os números apresentados são um retrato da diarista faxineira.

No Brasil, conforme aponta o gráfico 12, a proporção de diaristas faxineiras era

na década de noventa aproximadamente de 9,0% a 11,0% das trabalhadoras domésticas

e sempre esteve abaixo da de empregadas domésticas especializadas. Infelizmente, nos

anos 2000, quando muito provavelmente essa proporção elevou-se, como o ano de 2001

parece indicar, a mudança nos códigos ocupacionais utilizados pela PNAD

impossibilitou que esta análise longitudinal prosseguisse.

Gráfico 12 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo a divisão em subgrupos ocupa cionais, Brasil, 1992-2001

77,7 78,1 77,0 78,5 76,8 76,9 77,7 74,7

11,7 12,0 12,0 12,5 13,6 12,7 11,9 14,1

10,6 10,0 10,9 9,0 9,7 10,6 10,4 11,2

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Ano

%

Empregadas domésticaspolivalentes

Empregadas domésticasespecializadas

Diaristas

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2001. Elaboração própria.

Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Os microdados do ano 2001 foram reponderados para

acompanhar os de 2008.

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85

A mesma distribuição dos subgrupos ocupacionais revela que no estado do Rio

de Janeiro a proporção de diaristas faxineiras sempre foi maior do que no Brasil,

aproximadamente de 12,0% a 17,0% das trabalhadoras domésticas, e em alguns anos foi

mais elevada do que a de empregadas domésticas especializadas (gráfico 13). Além

disso, a queda no percentual de empregadas domésticas polivalentes foi muito mais

evidente, nesse espaço temporal, no Rio de Janeiro do que no Brasil.

Gráfico 13 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo a divisão em subgrupos ocupa cionais, Rio de Janeiro, 1992-2001

71,2 70,6 72,8 71,5

66,070,5 68,6

63,6

12,2 11,9 11,6

16,8 19,715,2

14,5

19,316,6 17,5 15,5

11,6 14,3 14,5

16,9

17,2

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Ano

%

Empregadas domésticaspolivalentes

Empregadas domésticasespecializadas

Diaristas

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2001. Elaboração própria.

Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Os microdados do ano 2001 foram reponderados para acompanhar os de 2008.

Valendo-se da segunda forma de realizar a diferenciação estatística entre

empregada e diarista na PNAD, abarcando o intervalo de 1992 a 2008, mediante a

quantidade de domicílios em que o serviço é prestado, notamos que efetivamente houve

um crescimento do número de diaristas, aqui consideradas de uma maneira mais ampla,

tanto no Brasil quanto no estado do Rio de Janeiro, que embora sejam a minoria em

todo o espaço temporal analisado, conquistaram mais espaço no mercado de trabalho

doméstico.

No caso do Brasil, como podemos acompanhar no gráfico 14, as trabalhadoras

domésticas que trabalham em mais de um domicílio passaram de 16,5% para 26,5% no

intervalo acompanhado, ou seja, deixaram de ser menos de um sexto da categoria e em

2008 já eram mais de um quarto. De 1992 a 1998, havia ora um aumento, ora uma

diminuição, mas a partir de 1999 o crescimento foi constante até 2008.

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86

Gráfico 14 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo o número de domicílios em qu e o serviço é prestado, Brasil, 1992-2008

83,5 81,7 82,3 82,9 82,7 81,6 83,1 81,6 80,4 79,8 78,6 77,975,7 74,5 73,5

16,5 18,3 17,7 17,0 17,2 18,4 16,9 18,4 19,6 20,2 21,4 22,0 24,2 25,5 26,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Apenas um

Mais de um

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD

passou a contemplar a população rural de

Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3)

Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de

2008. (4) Foram excluídos os ignorados.

No caso do Rio de Janeiro, como apresentado no gráfico 15, a proporção de

trabalhadoras domésticas que trabalham em mais de um domicílio, entendidas aqui

como diaristas, em quase todo o intervalo foi maior do que no Brasil. Houve um

crescimento, pois em 1992 eram 18,2%; e em 2008, 25,7%, mas ele não foi constante ao

longo do tempo. Isso chama a atenção, como no estado do Rio de Janeiro, segundo as

percentagens, há uma maleabilidade no número de casas em que se trabalha, pois de um

ano para o outro há ora uma variação positiva, ora uma variação negativa.

Esses dados parecem indicar que as duas possibilidades de inserção no mercado

de trabalho doméstico, como mensalista ou como diarista, ainda estão muito abertas

nesse estado, de forma que houve, de fato, uma diminuição no número de empregadas

domésticas mensalistas, mas não em ritmo permanente. Há famílias que optam pela

mensalista e outras pela diarista, mas parece haver uma proporção delas que vem

testando as duas possibilidades, até chegar à conclusão da que melhor atende às suas

necessidades; ou à medida que a sua condição financeira varia, contrata o serviço

mensal ou o diário. Uma outra explicação possível para a variação é que um número de

famílias conta com os serviços tanto de uma mensalista quanto de uma diarista, em

determinados momentos ficando com as duas; em outros, apenas com uma.

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Gráfico 15 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo o número de domicílios em qu e o serviço é prestado, Rio de Janeiro, 1992-2008

81,8 77,883,5

77,481,1

78,5 79,676,3 76,4

75,471,1 74,5 72,6 73,4 74,3

18,222,2

16,5

22,618,9

21,520,4

23,7 23,6 24,628,9 25,5 27,4 26,6 25,7

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Apenas um

Mais de um

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a

PNAD passou a contemplar a população rural de Rondônia, Acre,

Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os

microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de

2008. (4) Foram excluídos

os ignorados.

Para esclarecer as razões do crescimento do número de diaristas, evidenciado

principalmente nos gráficos 14 e 15, devemos buscar explicações que contemplem tanto

a demanda por serviços diários quanto a oferta deles. Em relação à demanda, algumas

hipóteses podem ser levantadas, como: o empobrecimento da classe média, que é a

maior empregadora; a diminuição do tamanho das famílias, que estão menores, com

menos filhos;50 o crescimento do número de domicílios unipessoais, ou seja, de pessoas

morando sozinhas; e o aumento da participação feminina no mercado de trabalho,

inclusive de mulheres com menor poder aquisitivo e com mais dificuldade de contratar

uma mensalista. Esses fatores contribuem para que as famílias brasileiras estejam

optando cada vez mais por serviços diários em vez de mensais.

Em relação à oferta, veremos no próximo capítulo, dedicado às entrevistas, quais

são as motivações, do ponto de vista das trabalhadoras domésticas, para que uma maior

quantidade delas tenha correspondido à demanda e venha se dedicando a algumas

residências simultaneamente sob o regime de diárias. Além disso, no ponto seguinte

acompanharemos as principais características sócio-econômicas das diaristas em

comparação às empregadas, buscando identificar alguns condicionamentos que façam

com que elas estejam inseridas no mercado de uma ou de outra forma.

Observadas essa mudança e a anterior, percebemos que dois movimentos se dão,

ao mesmo tempo, no serviço doméstico: aumento da formalização e crescimento do

50 Por outro lado, o envelhecimento da população aumenta a demanda por um tipo específico de trabalhadora doméstica: a cuidadora ou acompanhante de idosos.

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número de diaristas. Mas contando que as relações estabelecidas com a diarista são

quase que completamente informais, como esses dois processos podem ser compatíveis?

É o que buscamos compreender com o auxílio dos gráficos 16 e 17. Neles, chamamos

de mensalista as trabalhadoras domésticas que trabalham em apenas uma residência e de

diaristas as que trabalham em mais de uma.

Gráfico 16 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo o número de domicílios em qu e o serviço é prestado e o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008

15,0 14,8 16,5

19,2 19,3 21,3 21,2 22,5 22,0 23,2 21,6

21,8 22,5 22,5 22,0

68,5 66,9 65,8 63,8 63,460,3 61,9

59,1 58,4 56,6 57,0 56,1 53,3 52,0 51,5

16,5 18,3 17,7

17,0 17,2 18,4 16,9 18,4 19,6 20,2 21,4

22,0 24,2 25,5 26,5

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Mensalista com carteira

Mensalista sem carteira

Diarista

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a

PNAD passou a contemplar a população rural de Rondônia,

Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados

para acompanhar os de 2008. (4) Foram excluídos os ignorados

Gráfico 17 - Distribuição percentual das trabalhado ras domésticas segundo o número de domicílios em qu e o serviço é prestado e o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro, 1992-2008

22,1 22,9 21,426,4 24,3 25,0 27,5 27,6

24,127,3

22,8

28,3 29,0

24,7

28,5

59,754,9

62,1

50,956,8

53,5 52,148,7

52,348,1 48,3

46,143,6

48,745,8

18,222,2

16,522,6

18,921,5 20,4

23,7 23,6 24,6

28,9

25,5 27,4

26,6

25,7

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

%

Mensalista com carteira

Mensalista sem carteira

Diarista

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a 2008.

Elaboração própria. Obs: (1) A PNAD não foi

realizada em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a

contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,

Roraima, Pará e Amapá. (3) Os microdados dos anos 2000 foram reponderados para acompanhar os de 2008. (4) Foram excluídos

os ignorados

Os gráficos anteriores nos ajudam a entender como é possível que a

formalização e a diarização sejam processos simultâneos. O que ocorre é um aumento

da percentagem de empregadas mensalistas com carteira assinada e de diaristas a partir

da diminuição das mensalistas sem carteira assinada. É à custa destas que aquelas

podem ao mesmo tempo elevar a sua participação. No Brasil, no intervalo de tempo de

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1992 a 2008, a mensalista sem carteira assinada teve uma queda de 17 pontos

percentuais, a diarista um aumento de 10 e a mensalista com carteira assinada de 7. Já

no Rio de Janeiro, para o mesmo intervalo, a mensalista sem carteira assinada diminuiu

13,9 pontos percentuais, a diarista teve um aumento de 7,5 e a mensalista com carteira

assinada de 6,4.

Entre esses seis processos de mudança em curso, esta dissertação tem buscado

problematizar e aprofundar o crescimento do número de diaristas. Essa mudança ocupa

lugar central no esforço reflexivo realizado neste trabalho. Sendo assim, passemos para

o terceiro objetivo deste capítulo: comparar quantitativamente empregadas domésticas e

diaristas, para perceber o que mais as diferencia além da quantidade de residências em

que prestam seus serviços.

2.4 – Empregadas domésticas e diaristas: uma comparação quantitativa

Para completar este retrato do serviço doméstico remunerado, falta apontar as

principais diferenças, se é que existem, entre os dois subgrupos ocupacionais nos quais

as trabalhadoras domésticas mais estão inseridas: as domésticas mensalistas polivalentes

e as diaristas. Há diferenças quanto às características sócio-econômicas dessas

trabalhadoras?

Alguns autores e centros de pesquisa já se preocuparam anteriormente em

comparar estatisticamente as empregadas com as diaristas, mesmo que apenas segundo

alguns aspectos. Isso foi realizado tanto por meio da divisão em subgrupos ocupacionais

(BRUSCHINI e LOMBARDI, 2000; e MELO, 2000) quanto pelo número de domicílios

em que o serviço é prestado (DIEESE, 2006; MYRRHA e WAJNMAN, 2008; SEADE,

2007 e 2009; e IPEA, 2009).

Essas pesquisas perceberam que de fato há diferenças entre esses dois grupos,

para além de trabalhar em apenas uma residência ou em mais de uma. Mas que

diferenças foram encontradas? Comecemos por quem utilizou a possibilidade dos

subgrupos ocupacionais para fazer a diferenciação. Os dados do IBGE, para 1991,

analisados por Bruschini e Lombardi (2000) permitiram concluir que as

faxineiras/diaristas trabalham menos horas semanais do que as domésticas polivalentes.

Valendo-se do mesmo método, os gráficos e tabelas apresentados por Melo

(2000), comparando os dados das PNADs de 1993 e 1998, segundo os subgrupos

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ocupacionais, demonstraram que quanto à cor/raça, as diaristas51 são mais brancas do

que as domésticas polivalentes; quanto à idade, são mais velhas; quanto à escolaridade,

são menos escolarizadas; quanto à carteira de trabalho assinada, são menos

formalizadas; quanto à previdência, contribuem menos; quanto à renda, ganham mais,

tanto na renda média mensal quanto na renda média por hora trabalhada; e quanto à

jornada de trabalho, trabalham menos.

Dos estudos que utilizaram a segunda possibilidade de diferenciação, ou seja, o

número de domicílios em que o trabalho é realizado, talvez o mais completo seja o do

Dieese (2006). O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

trabalhou com dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), que, como vimos,

abarca algumas regiões metropolitanas do Brasil52.

Os resultados, referentes aos anos de 2003 e 2004, apontaram várias diferenças a

partir das formas de contratação: as diaristas trabalham bem menos horas semanais do

que as empregadas mensalistas; têm o rendimento médio mensal menor, mas o maior

rendimento médio por hora; são mais velhas; e menos escolarizadas. Seade (2007 e

2009), também utilizando a PED, mas focando apenas a região metropolitana de São

Paulo e trabalhando com os anos de 2005-2006 e 2007-2008, chegou às mesmas

conclusões.

Já Myrrha e Wajnman (2008), analisando os dados das PNADs de 1992, 1998 e

2004; e IPEA (2009), tendo como base a PNAD 2008; ratificaram quase as mesmas

diferenças entre diaristas e empregadas domésticas: aquelas estabelecem menos vínculo

formal; são mais velhas; são ligeiramente menos escolarizadas; e têm maior rendimento

médio não apenas por hora, mas mensal.

Dessa forma, o único dado em que há divergência entre os pesquisadores é

quanto à renda média mensal. Para Melo (2000), Myrrha e Wajnman (2008), e IPEA

(2009), as diaristas têm uma renda média mensal maior do que a das empregadas

domésticas; já para Dieese (2006), e Seade (2007 e 2009), essa renda é menor. Tal

diferença está relacionada ao fato de que os primeiros analisaram dados do Brasil como

um todo, enquanto os últimos estudaram regiões metropolitanas específicas. A

comparação entre esses autores demonstrou que, de fato, diaristas e empregadas

51 O grupo analisado por Melo é, na verdade, constituído por diaristas, faxineiras, lavadeiras e passadeiras. 52 Nesse trabalho especificamente as regiões metropolitanas estudadas foram Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo.

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91

mensalistas se diferenciam segundo algumas características sócio-econômicas, que, na

maior parte dos casos, mostraram-se ponto pacífico entre eles.

Como acompanhamos, enquanto um grupo de pesquisadores realizou a

comparação diferenciando diaristas e empregadas domésticas polivalentes por meio dos

subgrupos ocupacionais, um outro grupo o fez diferenciando diaristas e empregadas

mensalistas por meio da aproximação possível pela quantidade de domicílios em que o

serviço é prestado. Neste ponto do capítulo, compararemos estatisticamente empregadas

e diaristas nos valendo, ao mesmo tempo, das duas formas de diferenciação, objetivando

realizar a comparação mais precisa possível.

Para isso, utilizaremos a PNAD 2001, pois foi a última em que ainda era

possível fazer a diferenciação segundo subgrupos ocupacionais, que é a que mais se

aproxima de como efetivamente os trabalhadores domésticos estão divididos quanto às

atividades que realizam. Nesse sentido, a comparação será entre os códigos 804

(diarista, faxineira) e 807 (empregada doméstica polivalente - não especializada). Após

realizar essa desagregação, ainda procederemos outra: deixaremos apenas as diaristas

que disseram trabalhar em mais de uma residência e as empregadas polivalentes que

disseram trabalhar em apenas uma residência.

Com esses cuidados metodológicos, empregando as duas possibilidades de

diferenciação simultaneamente, buscamos realizar uma comparação bem delimitada,

analisando as diferenciações sócio-econômicas entre empregadas domésticas

polivalentes que trabalham em um domicílio e diaristas que trabalham em mais de um.

Ou seja, o foco estará na doméstica polivalente que realiza as tarefas domésticas de uma

maneira geral e na diarista faxineira, que faz apenas a limpeza da residência.

Iniciando a comparação, o primeiro aspecto a ser analisado é a questão da cor ou

raça (tabela 21). No Brasil, a doméstica polivalente é predominantemente negra

(58,1%)53, já a diarista é majoritariamente branca (55,3%). No estado do Rio de Janeiro,

há uma proporção um pouco maior de diaristas brancas (41,9%) do que de domésticas

polivalentes brancas (37,9%), mas ambas são em sua maioria negras, respectivamente,

58,1% e 61,9%.

53 Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.

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92

Tabela 21: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas por cor ou raça (%),

Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Cor ou raça Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Branca 41,5 55,3 37,9 41,9

Preta 10,1 12,9 27,9 25,0

Parda 48,0 31,1 34,0 33,1

Amarela 0,1 0,3 0,0 0,0

Indígena 0,1 0,3 0,0 0,0

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria. Obs.: Foram omitidos da tabela os sem declaração, mas eles constam no total.

Quanto à faixa etária, a maior concentração tanto de domésticas polivalentes

quanto de diaristas é na faixa de 30 a 44 anos, mas analisando a variável idade no geral,

percebe-se que as diaristas são realmente mais velhas quando comparadas com as

domésticas polivalentes (tabela 22). No Brasil, enquanto 44,7% das domésticas

polivalentes têm de 10 a 29 anos, as diaristas são apenas 20,9%; já na faixa de 30 a mais

de 60 anos, as domésticas polivalentes são 55,4% e as diaristas são 79,1%. No Rio de

Janeiro, essa diferença também pode ser observada, enquanto 27,4% das domésticas

polivalentes têm de 10 a 29 anos, as diaristas são 16,6%; em contraponto, na faixa de 30

a mais de 60 anos, as domésticas polivalentes são 72,6% e as diaristas são 83,4%.

Tabela 22: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo a faixa etária

(%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Faixas de idade

(anos)

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

10 a 15 3,4 0,5 0,5 0,0

16 a 17 4,8 0,8 1,0 1,0

18 a 24 22,0 6,7 11,9 5,2

25 a 29 14,5 12,9 14,0 10,4

30 a 44 37,0 52,5 40,6 48,7

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93

45 a 59 15,6 23,3 25,9 27,4

60 ou mais 2,8 3,3 6,1 7,3

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria. Obs.: Foram excluídos os ignorados.

Uma terceira dimensão colocada em comparação é a escolaridade. Segundo os

dados da tabela 23, não há diferença relevante entre o grau de instrução de domésticas

polivalentes e diaristas, cuja grande maioria está concentrada nas faixas de 1 a 4 anos e

na de 5 a 8. Talvez o máximo que se possa dizer é que as diaristas/faxineiras são

ligeiramente menos escolarizadas, pois enquanto, no Brasil, 91,1% delas têm de zero a 8

anos de estudo e 8,0% de 9 em diante; entre as domésticas polivalentes são 86,3% de

zero a 8 anos de estudo e 12,4% acima de 9. No estado do Rio de Janeiro, a diferença é

ainda menor: enquanto 92,7% das diaristas/faxineiras têm de zero a 8 anos de estudo e

7,3% de 9 em diante; entre as domésticas polivalentes são 90,5% de zero a 8 anos de

estudo e 8,8% acima de 9.

Tabela 23: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo anos de

estudo (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Sem instrução ou

menos de 1 ano

12,2 11,9 13,0 14,1

De 1 a 4 anos 37,2 41,9 41,3 41,1

De 5 a 8 anos 36,9 37,3 36,2 37,5

De 9 a 11 anos 12,0 7,6 8,8 5,2

12 anos ou mais 0,4 0,4 0,0 2,1

Não determinado 1,3 0,9 0,7 0,0

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

Em relação à formalização, como era de se esperar, em vista do tipo de relação

que as diaristas estabelecem, geralmente recebendo diária pela tarefa executada, elas são

quase que totalmente informais (tabela 24). No Brasil, enquanto 30,5% das domésticas

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94

polivalentes têm carteira de trabalho assinada, as diaristas são apenas 4,8%. Já no estado

do Rio de Janeiro, enquanto 42,2% das domésticas polivalentes têm carteira assinada, as

diaristas são 2,6%. Como fica claro, a percentagem de diaristas formalizadas é bem

pequena, mas existe, pois não há nenhum impedimento para que mesmo elas

trabalhando em várias residências, um dos empregadores mantenha a carteira assinada.

Podemos aproveitar a questão da formalização para comparar as possibilidades

de se lhe dar com os dados sobre o serviço doméstico nas PNADs. Caso a diarista fosse

analisada para 2001 utilizando apenas o critério dos subgrupos ocupacionais,

encontraríamos para o Brasil o dado de que 8,6% delas têm carteira de trabalho

assinada. Se empregássemos apenas o critério do número de domicílios em que o

serviço é prestado, chegaríamos à conclusão que 13,5% delas possuem carteira assinada.

Nesse sentido, os resultados da tabela 24 são adequados para mostrar que a

forma de comparar empregadas e diaristas, realizada neste ponto, ou seja, conjugando

simultaneamente as duas possibilidades de diferenciação, parece ser a mais bem

delimitada e precisa. Para o Brasil, o resultado encontrado foi o de que 4,8% das

diaristas têm carteira de trabalho assinada, informação bastante coerente com o tipo de

relação estabelecida por esse grupo de prestadoras de serviço. Mas, infelizmente, o ano

de 2001 é o último a permitir a complementação entre os dois critérios. A partir dele,

apenas o segundo passou a ser possível, forçando-nos a trabalhar com aproximações.

Sendo tão pequeno o número de diaristas com carteira assinada, cabe verificar a

questão da proteção social, que, em algum nível, pode ser medida pela proporção de

contribuição à previdência. Contribuir por conta própria pode indicar até que ponto a

autonomia tem sido vivenciada por essas trabalhadoras. No Brasil, segundo a PNAD

2001, 32,0% das domésticas polivalentes e 11,7% das diaristas são contribuintes. No

Rio de Janeiro, são 46,1% das domésticas polivalentes e 13,3% das diaristas. Isso

significa que uma parcela das que não estão asseguradas via carteira, ainda não muito

grande, faz a contribuição individual.

Tabela 24: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o vínculo de

trabalho (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

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95

Com carteira de

trabalho assinada

30,5 4,8 42,2 2,6

Sem carteira de

trabalho assinada

69,5 95,2 57,8 97,4

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

Quanto ao local de residência, não é nenhuma novidade que a proporção de

trabalhadoras que residem na casa em que trabalham é pequena e diminuiu nas últimas

duas décadas, como foi visto nos gráficos 8 e 9. Embora, como apresentado na tabela

25, a conciliação entre trabalho e residência ainda seja realidade para 11,1% das

domésticas polivalentes do Brasil e para 9,1% das domésticas polivalentes do Rio de

Janeiro; isso definitivamente não é vivenciado pelas diaristas.

Tabela 25: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o seu local

de residência (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Reside na casa em

que trabalha

11,1 0,3 9,1 0,0

Reside fora da casa

em que trabalha

88,9 99,7 90,9 100,0

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

Um outro aspecto a ser comparado é a quantidade de horas trabalhadas no

serviço doméstico remunerado. As percentagens apresentadas na tabela 26 evidenciam

como as diaristas têm jornadas de trabalho bem menores do que as domésticas

polivalentes. Enquanto no Brasil 44,4% das domésticas polivalentes trabalham até 40

horas semanais e 55,5% mais de 40 horas em diante, as diaristas são 83,3% que

trabalham até 40 horas semanais e 16,7% acima de 40. O mesmo ocorre no Rio de

Janeiro: enquanto 50,5% das domésticas polivalentes trabalham até 40 horas semanais e

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96

49,4% mais de 40 horas em diante, as diaristas são 81,0% que trabalham até 40 horas

semanais e 19,0% acima de 40.

Tabela 26: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o número de

horas semanais trabalhadas (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Jornada de trabalho

semanal

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Até 20 horas 9,6 34,1 9,5 29,9

Mais de 20 a 40 horas 34,8 49,2 41,0 51,1

Mais de 40 a 44 horas 9,0 1,9 5,1 1,8

Mais de 44 horas 46,5 14,8 44,3 17,2

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

O último aspecto a ser levantado é o rendimento obtido com o trabalho, que é

capaz de indicar se a prestação de serviços domésticos em mais de um domicílio tem

não apenas permitido a possibilidade de elevação dos ganhos, mas realmente a

concretizado. Nesse sentido, a desagregação do rendimento mensal do trabalho principal

em faixas de salário mínimo, apresentada na tabela 27, demonstra que efetivamente as

diaristas, no geral, ganham mais do que as domésticas polivalentes.

No Brasil, para o ano de 2001, enquanto 33,1% das domésticas polivalentes

recebiam mais de um salário mínimo, as diaristas eram 59,1%. Do mesmo modo, no Rio

de Janeiro, enquanto 56,7% das domésticas polivalentes auferiam mais de um salário

mínimo, as diaristas eram 71,7%. Comparando a renda média mensal, os resultados

ratificam a vantagem das diaristas em relação à remuneração advinda do trabalho. No

Brasil, a renda média mensal da doméstica polivalente era de R$ 179,47, ou seja, sequer

alcançava o valor do salário mínimo, que em 2001 era de R$ 180,00. Já a da diarista

chegava a R$ 253,77. No Rio de Janeiro, a diferença também era grande: enquanto a

renda média mensal da doméstica polivalente era de R$ 234,33, a da diarista alcançou

R$ 323,46.

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97

Tabela 27: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo as faixas de

rendimento (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.

Brasil Rio de Janeiro

Faixas de rendimento

(em salários mínimos)

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Doméstica

polivalente

Diarista/

faxineira

Sem remuneração 0,7 0,2 0,3 0,0

Até 1/2 19,9 12,0 4,0 7,4

Mais de 1/2 a 1 46,4 28,7 39,0 21,0

Mais de 1 a 2 28,1 40,0 47,5 42,4

Mais de 2 a 4 4,8 16,9 8,8 21,9

Mais de 4 0,2 2,2 0,4 7,4

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria. Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda. (2) Salário mínimo de 2001: R$ 180,00.

Dessa forma, ao confrontarmos estatisticamente empregadas polivalentes e

diaristas por meio do uso simultâneo das duas formas de diferenciação, ou seja,

subgrupos ocupacionais e número de domicílios, buscamos realizar a comparação mais

precisa possível e, assim, podermos avaliar os resultados encontrados pelos demais

pesquisadores, que costumaram empregar uma ou outra delas separadamente.

Isso possibilitou concluir, assim como fizeram os outros estudiosos do tema,

que, de fato, há diferenças significativas entre os dois perfis de trabalhadora doméstica

mais requisitados no mercado de trabalho, para além do número de residências em que o

serviço é prestado ou da forma como o pagamento é feito. Analisando as características

sócio-econômicas, fica claro que em comparação com as domésticas polivalentes, tanto

para o Brasil quanto para o estado do Rio de Janeiro, as diaristas são mais brancas; mais

velhas; ligeiramente menos escolarizadas; menos formalizadas; contribuem menos para

a previdência; moram menos na casa dos patrões; trabalham bem menos horas

semanais, mas têm uma maior renda média, seja mensal ou por hora.

Como visto, de fato o trabalho doméstico por conta própria permite, no geral,

que a trabalhadora doméstica receba mais e trabalhe menos horas. Mas há uma maior

vulnerabilidade também, pois por mais que à diarista esteja aberta a possibilidade de

ganhar muito melhor do que uma empregada, isso está diretamente ligado à sua

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98

capacidade de preencher seus dias da semana com a maior quantidade possível de

diárias, de forma a otimizar seu tempo disponível.

Porém, se a diarista ganha mais e trabalha menos, as trabalhadoras domésticas

estariam preferindo se apresentar ao mercado dessa maneira? Isso altera as relações de

trabalho ou modifica o elo afetivo estabelecido com a família empregadora, aspecto

muito ressaltado pela literatura sociológica que analisou essa ocupação? É esse o tipo de

discussão presente no próximo capítulo, cujo foco é a percepção das próprias

trabalhadoras domésticas sobre esta divisão cada vez mais visível no serviço doméstico:

entre a empregada mensalista e a prestadora autônoma de serviço.

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99

CAPÍTULO III – OS MARCADORES DA DIFERENÇA: AS PERCE PÇÕES

DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS CARIOCAS SOBRE A DISTI NÇÃO

ENTRE SER EMPREGADA OU DIARISTA

A diferenciação entre empregado doméstico e diarista, explicitada nos capítulos

precedentes, não é uma questão resolvida facilmente ou de pronto consenso, seja na

doutrina, na jurisprudência, na aprovação do projeto de lei do Senado e mesmo quando

se trata de produzir uma comparação estatística valendo-se dos bancos de dados

disponíveis. Neste capítulo, dando continuidade a esse raciocínio, buscamos

compreender quais são os marcadores da diferença para as próprias trabalhadoras

domésticas, a partir de um conjunto de entrevistas realizadas com algumas delas na

cidade do Rio de Janeiro.

Se no capítulo 2 a análise quantitativa indicou que a diarista, no geral, ganha

mais e trabalha menos horas do que a empregada doméstica, aqui queremos ampliar o

entendimento sobre as relações de trabalho desses dois tipos de trabalhadoras dedicadas

aos serviços pessoais. Isso foi realizado, é preciso frisar, tendo como base as percepções

e classificações adotadas por elas mesmas, tanto para definir e construir o grupo à qual

pertencem, como para marcar e caracterizar o outro, a fim de justificar o porquê de

estarem inseridas como empregadas ou como diaristas, e não o contrário.

Para chegar a essas percepções, seguimos uma metodologia já especificada na

introdução da dissertação. Relembrando alguns de seus aspectos e fornecendo

esclarecimentos adicionais, as entrevistas foram todas realizadas com trabalhadoras

domésticas que desempenham seu trabalho em bairros da Zona Sul da cidade do Rio de

Janeiro, por conta de ser uma região habitada por pessoas de nível sócio-econômico-

cultural mais semelhante. Isso garantiu uma homogeneidade maior da parte

empregadora e, por conseguinte, da relação de trabalho estabelecida, necessária a uma

comparação mais precisa. As entrevistas seguiram a metodologia “bola de neve”, ou

seja, foram realizadas mediante uma indicação sucessiva por parte das próprias

trabalhadoras domésticas anteriormente entrevistadas, que sugeriam as próximas.

Embora a Zona Sul seja formada por vários bairros com IDH superior a 0,9, um

dos critérios estabelecido para a sua escolha, as entrevistas ocorreram efetivamente com

trabalhadoras de apenas alguns deles, pois foi a rede de domésticas entrevistadas que

acabou delineando essa cobertura da região. As diferentes indicações levaram as

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100

entrevistas a serem realizadas com trabalhadoras de sete bairros: Leblon, Flamengo,

Laranjeiras, Jardim Botânico, Copacabana, Botafogo e Catete.

Para sermos mais precisos, no total foram quatro redes abertas, pois algumas

delas acabaram sendo desfeitas pela falta de uma nova indicação ou por recusa ao

convite, mas outras permaneceram abertas e com muitas ramificações mesmo após o

término da pesquisa. As entrevistas com as trabalhadoras domésticas que deram início

às redes foram sempre eliminadas, pois elas haviam sido indicadas por pessoas de nosso

conhecimento pessoal, as próximas foram consideradas e tornaram-se a fonte das

análises aqui presentes.

Ao todo, foram realizadas dezesseis entrevistas, que, é importante frisar,

transcrevemos tendo o cuidado de manter as falas da maneira como elas foram

expressadas. Nesse sentido, almejamos alcançar a maior fidelidade possível tanto em

relação ao conteúdo, ou seja, o que foi dito pelas entrevistadas, quanto à forma como

isso foi feito (registros de linguagem, dúvidas, silêncios, choros...).

O nosso objetivo para tornar a comparação possível era entrevistar determinado

número de diaristas e de empregadas polivalentes, justamente os dois subgrupos no

interior do serviço doméstico com a maior participação de mulheres. Mas ao começar a

realização desse intento, ficou claro que não seria fácil cumprir esse objetivo sem

explicitar a partir de qual parâmetro estaria sendo definido o que é a diarista e o que é a

empregada, pois as trabalhadoras domésticas têm, por vezes, como veremos adiante,

uma concepção particular a respeito disso. Dessa forma, qual critério seria utilizado?

Para frisar a dificuldade enfrentada, podemos citar o caso de uma entrevistada

que trabalhava em duas residências, duas vezes na semana em uma e três vezes na

semana na outra, contribuía como autônoma para o INSS, mas fazia “tudo” na casa.

Então, ela considerava-se empregada doméstica e não diarista. Se essa mesma situação

fosse analisada do ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, possivelmente ela

seria considerada prestadora autônoma de serviço. Portanto, em vista dos múltiplos

critérios possíveis, nem sempre convergentes, não caberia a priori, antes das entrevistas,

nos posicionarmos por algum deles, ao risco de não aproveitar adequadamente a riqueza

empírica disponível.

Sendo assim, optamos por entrevistar trabalhadoras domésticas que prestam

serviço em apenas uma casa e outras que prestam em mais de uma. A partir desse

recorte inicial, mais simples, pelo número de residências em que o trabalho é realizado,

poderíamos vislumbrar mediante quais critérios as identidades de empregada e diarista

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101

são contruídas pelas próprias trabalhadoras domésticas e se o número de residências é

uma dimensão importante ou não, à semelhança do entendimento legal. Para isso,

comecemos apresentando os perfis e histórias de vida das trabalhadoras domésticas

cariocas entrevistadas, de forma a nos aproximarmos de quem elas são, para depois

buscarmos compreender o que elas pensam.

3.1 – Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas

Quanto à idade, as trabalhadoras domésticas que fizeram parte da pesquisa

acabaram correspondendo aos dados quantitativos desagregados para o estado do Rio de

Janeiro, apresentados no capítulo anterior. Ou seja, as faixas etárias que prevaleceram

foram as de 30 a 44 e 45 a 59 anos. Isso mais do que evidenciar que as trabalhadoras

domésticas estão, por indução, realmente inseridas, predominantemente, nessas faixas,

está ligado ao fato de que uma metodologia que se baseie na indicação sucessiva de

entrevistas, torna a amostra mais direcionada à rede de relações estabelecida pela

entrevistada anterior, que, em algum grau, é afetada pela geração da qual faz parte.

Como também vimos no capítulo anterior, aproximadamente 30,0% dos

trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro não nasceram nesse estado. Nesse sentido,

chama a atenção, até mesmo por não ter sido um recorte intencional, o fato de que quase

70,0% das entrevistadas são migrantes de outros estados, principalmente, mas não

somente, do Nordeste. Enquanto a maioria das que trabalham em apenas um domicílio

tem carteira assinada, o contrário ocorre com as que trabalham em mais de um.

Além disso, elas, majoritariamente, residem em bairros menos valorizados ou

em municípios limítrofes ao do Rio de Janeiro; não dormem na casa em que trabalham;

estudaram até o ensino fundamental, mas não o concluíram; têm filhos; prestam serviço

principalmente na Zona Sul da cidade; trabalham cinco ou seis dias na semana, em

média mais de dez horas diárias; possuem renda mensal relativa ao serviço doméstico

de R$ 972,00, em média; e não são sindicalizadas.

Esses perfis foram organizados em forma de quadros, que permitem o seu

acompanhamento de maneira sintética e comparativa. Com o intuito de facilitar essa

confrontação entre as características sócio-econômicas que apresentam, as trabalhadoras

domésticas que prestam serviço em apenas um domicílio e as que prestam em mais de

um foram separadas, respectivamente, nos quadros 2 e 3, apresentados a seguir.

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102

Quadro 2: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço em apenas um domicílio

Marluce Creusa Marcelina Mariluce Albanice Aparecida Rosângela Gilmara

Data da

entrevista

18/04/09 18/04/09 17/10/09 09/11/09 26/11/09 03/12/09 10/12/09 17/12/09

Idade 42 anos 28 anos 66 anos 44 anos 33 anos 50 anos 48 anos 38 anos

Estado civil Separada Solteira Separada Casada Solteira Viúva Casada, mas

não

legalmente

Solteira

Naturalidade Rio de

Janeiro -

Itaperuna

Bahia Rio de Janeiro Mato Grosso

do Sul

Paraíba Minas Gerais Rio de

Janeiro

Rio de

Janeiro, São

João de

Meriti

Localidade

na qual

reside

Belford Roxo Estácio Centro (Bairro

de Fátima)

Lapa Parada de

Lucas

Del Castilho Campo

Grande

Mesquita,

Baixada

Fluminense

Condição do

imóvel

Próprio Alugado Alugado Cedido pelo

patrão do

marido

enquanto

trabalhar para

ele como

Próprio Alugado Alugado Próprio

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103

motorista

Dorme na

casa em que

trabalha

Sim Não Não Não Não Não Não Sim

Escolaridade Ensino

fundamental

incompleto

(3ª série)

Ensino

Médio

completo

Ensino

fundamental

incompleto (7ª

série)

Está cursando

o 2º ano do

Ensino

Médio à noite

Ensino

Fundamental

incompleto

(4ª série)

Ensino

Fundamental

incompleto

(1ª série)

Sem

instrução.

Pouco sabe

ler e escrever

Ensino Médio

completo

Filhos Uma filha Não Uma filha e

um filho

Um filho Uma filha Uma filha e

um filho

Três filhas Não

Idade dos

filhos

28 anos

-

A filha tem 34

anos e o filho

tem 24

12 anos 13 anos A filha tem

27 anos e o

filho tem 23

7, 19 e 30

anos

-

Ocupação

dos filhos

Dona de casa

-

A filha é

formada em

Engenharia de

Produção e o

filho faz

faculdade de

Educação

Física

Estudante Estudante A filha é

atendente de

loja e o filho

ainda não

trabalha

A mais velha

é professora,

mas trabalha

para uma

operadora de

telefonia; e a

de 19 está

desempregada

-

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104

Localidade

na qual os

filhos

residem

Belford Roxo

-

Catete (na

casa em que

ela trabalha)

Lapa No estado da

Paraíba

Del Castilho Campo

Grande

-

Bairro(s)

onde

trabalha

atualmente

Botafogo Botafogo Catete Leblon Laranjeiras Flamengo Flamengo Flamengo

Número de

residências

onde presta

serviço

Uma Uma Uma Uma Uma Uma Uma Uma

Número de

dias em que

trabalha na

semana

6 dias 5 dias 6 dias 5 dias 6 dias 5 dias 5 dias 5 dias

Jornada

diária de

trabalho

17 horas 8 horas 12 horas (aos

sábados são 7

horas)

9 horas 9 horas 7 horas 14 horas 12 horas

Carteira de

trabalho

Sim Sim Não. Ela já

está

Sim Sim Sim Não Sim

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105

assinada aposentada

Renda

mensal

advinda

deste

trabalho

R$ 1.200,00 R$ 512,00 R$ 513,00 R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 465,00 R$ 900,00

Renda

mensal total

R$ 1.200,00 R$ 512,00 Em torno de

R$ 900,00

(salário +

aposentadoria)

R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 1690,00

(salário +

pensão que o

marido

deixou)

R$ 665,00

(salário +

venda de

salgadinhos

por

encomenda)

R$ 900 + 300

+ 300 =

1500,00

(Salário +

aluguel de

apartamento

em Pilares +

20% do que a

Igreja em que

ela é pastora

arrecada,

valor que é

muito

variável)

Sindicalizada Não Não Não Não Não Não Não Não

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106

Quadro 3: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço em mais de um domicílio

Valdenice Maria das

Graças

Maria do

Desterro

Maria Edna Elisabete Maria de

Lurdes

Maria José

Data da

entrevista

11/11/09 16/11/09 21/11/09 24/11/09 01/12/09 18/01/10 09/03/10 16/03/10

Idade 38 anos 59 anos 41 anos 50 anos 43 anos 42 anos 47 anos 45 anos

Estado civil Casada, mas

não

legalmente

Viúva Casada Separada Casada Casada, mas

não

legalmente

Separada Separada

Naturalidade Pernambuco Espírito

Santo

Paraíba Alagoas Rio de

Janeiro

Paraíba Sergipe Maranhão

Localidade

na qual

reside

Rocha

Miranda

Jardim

Primavera,

em Duque de

Caxias

Leblon Pavuna Campo

Grande

Rio das

Pedras

Piabetá, Magé Costa Barros

Condição do

imóvel

Alugado Próprio Cedido

enquanto o

marido

trabalhar

como

porteiro do

Próprio Alugado Alugado Próprio Próprio

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107

prédio

Dorme em

alguma das

casas em que

trabalha

Não Às vezes,

para

economizar

19 reais de

passagem por

dia

Não Não Não Não Sim Não

Escolaridade Ensino

fundamental

incompleto

(5ª série)

Ensino

fundamental

completo

Ensino

fundamental

incompleto

(4ª série)

Ensino

Médio

completo

Ensino

Médio

completo

Sem

instrução.

Pouco sabe

ler e escrever

Ensino

fundamental

incompleto (4ª

série)

Ensino

fundamental

incompleto

(2ª série)

Filhos Três filhas e

um filho

Dois filhos Uma filha Uma filha e

dois filhos

Duas filhas e

um filho

Duas filhas Uma filha e

um filho

Duas filhas

Idade dos

filhos

O filho tem

16 anos, a

filha mais

velha tem 18

e as filhas

menores, que

são gêmeas,

têm 12

30 e 32 anos 11 anos Os filhos têm

22 e 24 anos

e a filha tem

18 anos

As filhas têm

20 e 22 anos

e o filho tem

15 anos

15 e 19 anos A filha tem 27

anos e o filho

tem 25 anos

18 e 25 anos

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108

Ocupação

dos filhos

Estudantes Os dois são

motoristas de

firma

Estudante Um filho

trabalha em

loja de

roupas; o

outro não

trabalha; e a

filha trabalha

no shopping

Uma filha é

operadora de

telemarketing

e a outra

trabalha

como

vendedora de

loja. O filho

está no

Ensino

Médio

A mais velha

não terminou

os estudos e é

diarista; a

mais nova é

estudante

A filha é

vendedora e o

filho faz

serviços gerais.

Estão

desempregados

A filha mais

velha

trabalha

como

manicure; a

mais nova

nunca

trabalhou

Localidade

na qual os

filhos

residem

Rocha

Miranda

Jardim

Primavera,

em Duque de

Caxias

Leblon Pavuna Campo

Grande

Rio das

Pedras

Piabetá, Magé Costa Barros

Bairro(s)

onde

trabalha

atualmente

Laranjeiras e

Tijuca

Leblon Jardim

Botânico e

Leblon

Laranjeiras e

Leblon

Barra da

Tijuca,

Flamengo,

Leblon e

Tijuca

Barra da

Tijuca e

Copacabana

Jardim

Botânico,

Lagoa e

Laranjeiras

Barra da

Tijuca,

Botafogo,

Copacabana e

Leblon

Número de Três Duas Duas Quatro Cinco Duas Três Cinco

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109

residências

onde presta

serviço

Número de

dias em que

trabalha na

semana

5 dias (1ª

casa: 4 dias;

2ª e 3ª casas:

uma vez a

cada quinze

dias)

3 dias (1ª

casa: 2 dias;

2ª casa: 1 dia)

4 dias (1ª

casa: 3 dias;

2ª casa: 1 dia)

5 dias (1ª

casa: 2 dias;

2ª, 3ª e 4ª

casas: 1 dia

em cada uma

7 dias (1ª

casa: 2 dias;

2ª, 3ª e 4ª

casas: 1 dia

em cada uma;

e 5ª casa: 2

dias

5 dias (1ª

casa: 3 dias;

2ª casa: 2

dias)

6 dias (1ª casa:

5 dias; 2ª e 3ª

casas: uma vez

a cada quinze

dias)

6 dias (1ª

casa: 2 ou 3

dias; 2ª e 3ª

casas: 1 dia

em cada uma;

e 4ª e 5ª

casas: uma

vez a cada

quinze dias

Jornada

diária de

trabalho

8 horas 12 horas 9 horas 8 horas 8 horas e

meia

12 horas Na 1ª casa: 16

horas; na 2ª e

3ª: 6 horas

9 horas

Carteira de

trabalho

assinada

Sim (na casa

em que

trabalha 4

dias)

Não Não Não Não Não Sim (na casa

em que

trabalha 5 dias)

Não

Renda

mensal

1ª casa: R$

600,00; 2ª

1ª casa: R$

640,00; 2ª

1ª casa: R$

840,00; 2ª

1ª casa: R$

560,00; 2ª

1ª casa: R$

513,00; 2ª

1º casa: R$

450,00; 2ª

1ª casa: R$

750,00; 2ª

1ª casa: R$

700,00; 2ª

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110

advinda

deste

trabalho

casa: R$

140,00; 3ª

casa: R$

140,00

casa: R$

320,00

casa: R$

280,00

casa: R$

280,00; 3ª

casa: R$

280,00; 4ª

casa: R$

280,00

casa: R$

320,00; 3ª

casa: R$

320,00; 4ª

casa: R$

320,00; 5ª

casa: R$

700,00

casa: R$

300,00

casa: R$

180,00; 3ª

casa: R$

200,00

casa: R$

300,00; 3ª

casa: R$

280,00; 4ª

casa: R$

140,00; 5ª

casa: R$

140,00

Renda

mensal total

R$ 880,00 R$ 960,00

(no serviço

doméstico) +

R$ 230,00

(limpeza de

roupas) =

1190,00

R$ 1120,00 R$ 1400,00 R$ 2173,00 R$ 750,00 R$ 1130,00 R$ 1560,00

Sindicalizada Não Não Não Não Não Não Não Não

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111

3.2 – Histórias de vida: entre panelas, bonecas e vassouras

O uso da história de vida torna possível analisar a interseção entre a trajetória

específica de cada um e o contexto social do qual faz parte (QUEIROZ, 1988), ou seja,

permite estabelecer uma articulação da biografia individual com os padrões históricos e

sociais que a explicam (CAMARGO, 1984). Sendo assim, é uma ferramenta valiosa

para compreender a dinâmica das relações sociais constituída por alguém ao longo de

sua existência.

Nesse sentido, uma parte da entrevista realizada com as trabalhadoras

domésticas da cidade do Rio de Janeiro foi direcionada à história de vida de cada uma

delas, principalmente enfocando a fase da infância. Essa etapa da trajetória individual

ganhou destaque, pois apresentou características comuns à maioria das entrevistadas e

representou um momento sobre o qual foi complicado elas falarem. A dificuldade de

relembrar a idade da puerícia nos chamou muito a atenção e, por vezes, tentava ser

contornada por meio de um salto rápido da infância para a fase adulta.

A discrição, o choro, a voz embargada e as tentativas de fugir às perguntas

deixavam claro que essa parte do passado, preferencialmente mantida em silêncio, em

muitos casos, difícil de ser revisitada, era menos produto de esquecimento e mais

trabalho de gestão da memória, para evitar trazer à tona determinadas lembranças que se

quer esquecer.

Assim, as dificuldades e bloqueios que eventualmente surgiram ao longo de uma entrevista só raramente resultavam de brancos da memória ou de esquecimentos, mas de uma reflexão sobre a própria utilidade de falar e transmitir seu passado. (POLLAK, 1989: 13).

Coube a nós certa perseverança para contornar essas tentativas de fuga e

conseguir manter uma linha de raciocínio que, mesmo com dificuldades, retomasse,

com um mínimo de coerência, fatos e acontecimentos tidos como importantes pelas

entrevistadas, apesar de isso significar um esforço emocionalmente desgastante, e até

mesmo fisicamente visível, de lidar com zonas de sombra, silêncios, “não-ditos”

presentes nas lembranças (POLLAK, 1989).

Ao analisarmos o conjunto das trajetórias individuais das trabalhadoras

domésticas pesquisadas, percebemos que três momentos perpassavam a grande maioria

das histórias de vida e ganhavam relevo em suas próprias narrativas pessoais. Esses três

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112

marcos, referentes à forma como elas se relacionaram com os afazeres domésticos desde

a infância até a idade adulta, apresentaram uma regularidade ao longo das entrevistas.

Dessa forma, esses três momentos representam as linhas que tecem a narrativa comum a

muitas trabalhadoras domésticas brasileiras.

Embora a escolha dessas três linhas narrativas, que nos pareceram relevantes em

seus discursos ao refletirem sobre fatos vividos, não signifique, em hipótese nenhuma,

que outras não possam ser mobilizadas com o mesmo intuito. Esses três marcos,

abordados a seguir, comuns a muitas das trajetórias, parcialmente vivenciados na

infância, e relativos aos afazeres domésticos, são: 1º) A “ajuda” em seu próprio lar

desde a infância; 2º) Ir morar/trabalhar na casa de terceiros ainda criança; 3º) Seguir

permanentemente na ocupação que lhe foi direcionada desde muito pequena.

3.2.1 – Da infância ao trabalho: uma “ajuda” nos afazeres domésticos

À medida que as entrevistas foram realizadas, tornava-se evidente como algumas

situações vivenciadas individualmente por cada uma das trabalhadoras domésticas eram

comuns à maioria delas. Esse é certamente o caso da infância, que muitas definiram

como uma fase muito complicada de suas vidas, na qual as dificuldades financeiras e o

“ter que trabalhar”, fortemente presentes em suas narrativas, acabaram por configurar,

em algum nível, as suas trajetórias pessoais e profissionais.

Nesse sentido, muitos aspectos de suas histórias de vida são compartilhados por

elas. O primeiro deles é fazer parte de uma família numerosa, com muitos irmãos. O

segundo é morar em cidades do interior de vários estados brasileiros, principalmente, do

Nordeste e Sudeste. O terceiro aspecto em comum são as atividades desempenhadas

pelos pais. As mães das entrevistadas trabalhavam na lavoura, eram cozinheiras de

fazendas, donas de casa e empregadas domésticas. Já os pais trabalhavam na lavoura,

tanto como empregados de outras pessoas, quanto plantando a própria roça; eram

capatazes de fazenda, pedreiros, comerciários e operários.

Mas o aspecto mais importante, relacionado aos anteriores e que marca a

primeira linha narrativa das três aqui destacadas, é o trabalho ser uma dimensão crucial

desde a infância. Nessa primeira etapa, ele se apresenta como “ajuda” nos afazeres

domésticos e na roça da família:

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Eu trabalhava na roça, ajudava a minha mãe que tinha muito filho. Tinha que cuidar dos outros mais novos. Às vezes eu levava para o colégio comigo para não ter que perder aula. Era o maior sacrifício (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Sabe o que é isso? Plantar cana, plantar feijão, cortar cana, plantar capim. Tudo isso. Serviço de roça mesmo (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

Eu ficava mesmo era em casa, ajudando a minha mãe, arrumando a casa, fazendo comida (Aparecida, trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

Em muitos casos, em vista de a mãe trabalhar fora, bem como as irmãs mais

velhas, a “ajuda” transformava-se em total responsabilidade pelos afazeres domésticos e

pelo cuidado dos irmãos menores:

Eu sempre fiz tudo. A minha irmã já trabalhava. Eu era a única filha que ficava em casa. Eu tinha uma irmã pequenininha. Então, eu é que fazia tudo. Eu cuidava dela, fazia a comida, limpava a casa, porque a minha mãe também saía pra trabalhar (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural do Mato Grosso do Sul).

A “ajuda” com o trabalho doméstico e com a roça da família, bem como as

dificuldades para se chegar à escola no interior, acabaram prejudicando as

possibilidades de estudo.

A minha infância foi um pouco difícil. Eles [os pais] não tinha muito recurso. Estudar também era difícil. A gente estudava numa casa, sabe, no interior, casa, as professora dava aula em casa. Aí depois acabou, aí fez um grupo, mas era longe. Então, ficou difícil, aí paramos de estudar (Aparecida, trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

Em contraponto, aprenderem muito jovens a realizar essas tarefas é o que

assegurava poderem trabalhar na casa de terceiros ainda na infância, como extensão das

atividades domésticas que já realizavam no próprio lar. Então, essa socialização no

trabalho reprodutivo significava, a curto prazo, a manutenção da rotina da casa e, a

médio prazo, a possibilidade de ganho econômico e de contribuição para a renda

familiar. Prestar serviço na casa de outra família, com a bagagem adquirida até então, é

o início de uma segunda etapa de suas trajetórias individuais, analisada a seguir.

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114

3.2.2 – Do lar à casa de terceiros: mais do que uma “ajuda”

Os relatos das trabalhadoras domésticas entrevistadas confirmaram uma prática

social comum no Brasil: as meninas oriundas de famílias numerosas e com baixo poder

aquisitivo, para ajudar financeiramente os pais ou, pelo menos, para não onerá-los, eram

enviadas para casas de parentes ou de empregadores, muitas vezes, em outras cidades,

para morar/trabalhar e assim tentar assegurar uma condição de vida um pouco melhor.

A saída do lar para a casa de terceiros era motivada, principalmente, pela

possibilidade de ter acesso a determinados bens de consumo e contribuir para o

orçamento familiar. Mas em alguns casos era acelerada pela morte do pai ou da mãe e

pelo novo casamento de um deles. Foi essa a situação de Maria, que perdeu o pai e a

mãe casou-se logo em seguida, enviando-a para trabalhar e morar em casa de família,

aos seis anos de idade:

Uma infância muito difícil, muito pobre. O meu pai morreu logo cedo. Eu era a mais velha, fiquei com seis anos, tive que trabalhar. Fui criada na casa dos outros. Foi muito difícil, muito difícil mesmo. Quando não estava na casa dos outros, estava trabalhando na roça (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

Com Maria de Lurdes ocorreu algo próximo, mas além da questão do

falecimento do pai, houve também o complicador de um problema grave de saúde da

mãe:

Sem pai, sem mãe, sozinha no mundo. Meu pai faleceu, eu ia fazer sete anos; e a minha mãe, quando eu ia completar oito anos, passou por um derrame e ficou em cima de uma cama, paralisada. Então, eu é que tive que me virar sozinha. Eu tive que trabalhar com oito anos para poder ajudar a minha mãe (Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).

Já no caso de Mariluce, aos doze anos de idade, com a morte de sua mãe, e como

o pai já havia falecido, ela ficou órfã. Foi nessa época que o serviço doméstico na casa

de terceiros passou a fazer parte de sua trajetória. Ela foi morar/trabalhar na casa da

irmã da patroa de sua irmã mais velha, ajudando a empregada doméstica da família.

Depois que ela faleceu que eu fui morar nessa casa e aí eu comecei a trabalhar. Ela me dava um dinheiro, me dava roupa, aí eu ficava lá trabalhando. Eu limpava quintal, molhava as plantas. Não era trabalho muito forçado não, e ela me dava a oportunidade de eu estudar (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

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Além da situação de morte, há também a de abandono, como ocorreu com

Rosângela e seus seis irmãos:

A minha mãe deixou a gente, e o meu pai morava com a minha madrasta. A minha avó levou a gente pra casa do meu pai. Aí meu pai saiu dando um pra um e um pra outro. Eu fui parar na casa dessa minha mãe de criação, porque ela tinha uma lavadeira, dona Maria, não sei se é viva, não sei se é morta, e ela me levou para a casa dela (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Essa experiência inicial no serviço doméstico, propriamente dito, encontrava

dois lugares para se concretizar: na casa de parentes mais abastados da família ou na

casa de empregadores sem laços de parentesco. No caso dessa primeira possibilidade,

tias, primas e outros membros da família extensa, em melhor situação financeira,

levavam as meninas para suas residências. Estas recebiam comida, roupas e, em alguns

casos, um agrado financeiro e, em troca, “ajudavam” nos afazeres domésticos e nos

cuidados com as crianças. Às vezes passavam a morar definitivamente com os

familiares, o que significava serem criadas por eles.

Elas [as tias] me davam as coisas em troca, assim, me dava roupa, calçado, uma coisa que eu queria, que meus pais não podiam me dar. Eu ajudava primos que tinha condição melhor do que a gente. Então, podia pagar a gente, dar as coisas pra gente, porque muito filho pra minha mãe (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Essa mesma situação foi vivenciada por Creusa, cujos pais, que tinham oito

filhos, resolveram atender aos pedidos da tia materna, que era mãe de um bebê de dois

meses, e levá-la, com apenas cinco anos de idade, para morar definitivamente na casa

dela, em outra cidade. Somente no final do ano era possível reencontrar os pais e ter

algum contato com os irmãos, como ela nos contou:

Quando eu fui pra lá, ela não tinha nenhum filho...Só tinha um filho. Aí quando eu saí, tinha seis já. Eu praticamente cuidava da casa, das crianças. Ela saía de manhã, chegava de noite. Eu que cuidava da casa. O esposo dela sempre trabalhou assim fora. Aí, eu que ajudava ela (Creusa, trabalhadora em apenas um domicílio, 28 anos, natural da Bahia).

A segunda possibilidade, trabalhar na casa de um empregador externo ao âmbito

familiar, era a mais comum. Assim como a primeira, envolvia dormir na casa dos

patrões, “ajudar” nas atividades domésticas e receber, principalmente, comida e roupa:

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A minha infância foi trabalhando desde os meus 13 anos. Eu comecei a trabalhar em um sítio, em casa de família mesmo, para ajudar meus pais. Eu me apressei para sair, via a situação. Saí de casa para trabalhar, só que também era uma coisa muito pouca. Minha mãe dizia assim: a gente trabalha pela comida. Então, foi por aí que eu comecei (Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

Com oito anos eu fui brincar com criança, como se fosse babá. Eu ficava na casa e só voltava no sábado. Foi uma experiência ruim, porque uma criança cuidar de outras crianças é bem complicado. É uma responsabilidade muito grande. Não foi uma boa experiência, não. Isso é uma vaga lembrança na minha cabeça, porque também eu era muito pequena, é uma lembrança bem distante (Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).

Mas nessa segunda possibilidade, mais do que na primeira, às dificuldades

financeiras e ao “ter que trabalhar” somavam-se a solidão e o afastamento do convívio

familiar. Longe dos parentes e ainda crianças, essas trabalhadoras domésticas ficavam

suscetíveis a riscos de muitas ordens e vulneráveis a castigos e a maus tratos:

Depois fui para outra. A senhora era muito ruim: maltratava, não deixava eu comer. Ela viajava e não deixava comida. Eu agüentei lá um ano mais ou menos. Aí eu pedi para sair, e ela não queria deixar eu sair, porque eu sou muito calma. Aí ela conversou com o meu pai. Todo mundo falava que a culpa era minha. Aí botaram uma irmã minha lá, e ela também não agüentou (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Ambas as formas de trabalho na casa de terceiros durante a infância e a pré-

adolescência estavam configuradas pelo tripé morar, trabalhar e “ser criada”. Esses dois

últimos elementos confundiam-se muito, de forma que as fronteiras entre ser

trabalhadora e ser membro da família nem sempre eram nítidas. A condição de

agregada, ora a igualava aos demais moradores jovens da casa, ora fazia recair apenas

sobre ela as responsabilidades pelos afazeres domésticos.

Essa relação ambígua de “ser criada” pela família empregadora e, ao mesmo

tempo, ter a função de “ajudar” ou trabalhar na casa, dava origem a uma socialização

que enfocava mais a sua formação como “boa” trabalhadora doméstica do que a sua

formação escolar. Nesse sentido, o trabalho em casa de família durante a infância e a

pré-adolescência tinha como resultado o atraso escolar. Sabóia, analisando os dados da

PNAD do ano de 1998, concluiu que:

Quando comparadas as meninas trabalhadoras domésticas com as demais meninas trabalhadoras, nota-se uma situação de freqüência escolar nitidamente desvantajosa para as primeiras. Enquanto 32,8% daquelas no serviço doméstico

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não estudam, entre as outras trabalhadoras o percentual baixa para 17,6%. Esse quadro repete-se em todas as regiões do país (SABÓIA, 2000: 13).

Essa socialização que valorizava o trabalho acima do estudo permitia que a

decisão entre estudar ou não ficasse, em último nível, nas mãos dos empregadores.

Como é grande a rotatividade do serviço doméstico, isso acabava por prejudicar o

prosseguimento da educação formal:

Nem sempre em toda a casa de família a gente podia estudar. Por exemplo, eu ficava meses numa casa. Vamos supor, eu ficava três, quatro meses numa casa, aí eu estudava. Aí não dava certo, saía. Arranjava outro que não podia estudar. Ficava aquela coisa maluca (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Não podia estudar. Nessa casa que eu fiquei de babá, eles nem me proibiram de estudar. O negócio é que eles chegavam muito tarde do trabalho e não tinha mais horário pra mim sair pra estudar. Nas outras, não. Eles não queriam nem saber de nada. Eles só queriam saber que aquela pequenina estava lá para cozinhar, pra arrumar e pronto (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).

Dessa forma, essa segunda linha narrativa possível de ser mobilizada para

explicar a história de vida das trabalhadoras domésticas entrevistadas, mostrou-nos que

a saída do lar para a casa de terceiros, parentes ou não, durante a infância e a pré-

adolescência, foi um condicionamento social importante, que indicava, desde muito

cedo, o caminho a ser percorrido na fase adulta.

Essa estratégia de sobrevivência da família por meio da socialização de suas

meninas no serviço doméstico realizado em casa de terceiros acabava por realimentar a

condição de pobreza, reproduzida entre as gerações:

Da expectativa inicial de ingressar no trabalho doméstico para obter oportunidades sociais, a permanência no trabalho acaba por manter a reprodução do ciclo da pobreza, uma vez que os prejuízos causados pela exploração e violência configuradas pela longa jornada de trabalho, baixa ou nenhuma remuneração, desestruturação psicológica, baixa auto-estima, internalizações de relações de subalternidades, pouco ou nenhum acesso a meios estimuladores da capacidade criativa e cognitiva, dificultam a socialização para o mercado de trabalho (LAMARÃO, 2003: 8).

Mas que fatores condicionaram o desempenho dessa ocupação a passar de

temporário a permanente para essas mulheres? Saberem realizar os afazeres domésticos

e cuidar de crianças, primeiro no próprio lar e depois na residência do primeiro

empregador, onde foram socializadas no manuseio de determinados eletrodomésticos e

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118

produtos que até então desconheciam; estarem inseridas em uma rede de relações de

demanda e oferta de afazeres domésticos, a partir da qual podiam ser indicadas para

outras casas; fazerem parte de famílias com baixo poder aquisitivo; e, principalmente,

terem pouca educação formal, por conta das dificuldades, e até mesmo

impossibilidades, de conciliarem a “ajuda” em casas de família com o estudo escolar. É

esse o contexto que dá origem à terceira etapa desse percurso, abordada adiante.

3.2.3 – Da primeira casa às demais: a “ajuda” virou profissão

Como a fase anterior significou que as entrevistadas, ao trabalharem desde

crianças, não puderam estudar, essa infância acabou por moldar a ocupação que elas

seguiriam como transição da juventude para a idade adulta. Nos discursos das

trabalhadoras domésticas, referentes a essa terceira linha narrativa, a palavra “ajuda”,

tão enfatizada nas anteriores, desaparece e dá lugar à palavra “trabalho”. Isso reflete o

fato de que a “ajuda” tornou-se a ocupação principal e perdeu seu caráter provisório, de

forma que se fazia necessário ir a uma residência que reconhecesse essa sua nova

condição:

À medida que a menina crescia, os termos de seu contrato deviam ser renegociados. Certamente, para alguém com primeiro grau completo e alguns anos de experiência, um pagamento de “roupinha e sapato” não era mais suficiente (RIZZINI e FONSECA, 2002: 27).

É nessa etapa que a migração aparece como fator importante, pois foi na

adolescência que a maioria das trabalhadoras domésticas de outros estados veio

trabalhar e morar no Rio de Janeiro. Em todos os casos analisados, havia irmãos,

primos, tios já estabelecidos na cidade e era o apoio dessa rede que permitia que elas

viessem com maior segurança, muitas vezes com a garantia de um serviço54. As recém

chegadas, geralmente, procuravam dormir na casa dos patrões, pois assim as suas duas

preocupações iniciais, trabalho e moradia, estariam simultaneamente resolvidas

(BARBOSA, 2000).

Na cidade do Rio de Janeiro, elas passaram pelo terceiro e último processo de

socialização referente aos serviços domésticos, que se somava ao realizado em seu

54 Esse é o chamado “trabalho por encomenda”, quando uma migrante é trazida de uma outra cidade ou estado, acionando uma rede de relações que reservou a ela um emprego na casa de uma família que justifica o deslocamento.

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próprio lar e ao vivenciado na primeira casa em que “ajudavam” ainda crianças. Há a

necessidade de aprender a lidar com novos produtos, comidas e aparelhos, bem como

com códigos culturais e urbanos até então desconhecidos e próprios de cidades grandes:

Não é fácil você vir de um de lugar completamente diferente, você pode sair, você conhece todo mundo. Aí você chega aqui na cidade grande. Eu tinha medo até de entrar no elevador (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba). Eu passei aquele lustra móvel no chão. Aí as crianças começaram a cair (risos). A minha patroa começou a perceber que as crianças estavam caindo muito no chão, aí: Creusa, o que você passou neste chão que as crianças estão caindo muito? Aí eu falei: é que eu passei lustra móvel. Aí ela: minha filha, mas isso aí é pra passar no armário, não é no chão não (risos) (Creusa, trabalhadora em apenas um domicílio, 28 anos, natural da Bahia).

A quase totalidade daquelas entrevistadas que desde criança “ajudavam” na casa

de terceiros nunca desempenhou outra ocupação que não a de doméstica, o que ressalta

a fase da infância como importante para buscar compreender os condicionamentos

sociais que as influenciaram a desempenhar, quando adultas, essa profissão. Já as

entrevistadas que não trabalharam na infância ou pré-adolescência costumavam a ter

vivenciado também outros serviços, principalmente no comércio.

Ao longo de suas trajetórias individuais, as entrevistadas trabalharam em muitas

residências, casaram-se e tiveram filhos. Mas é importante frisar que as três etapas que

organizaram as histórias de vida delas, embora pertinentes em muitos casos, não se

aplicam a todas. Algumas mulheres que fizeram parte da pesquisa apenas se tornaram

trabalhadoras domésticas depois que se separaram ou quando voltaram a trabalhar após

os filhos já estarem um pouco mais crescidos.

De todo o modo, essas três linhas narrativas mobilizadas contemplam a história

de vida da maior parte das entrevistadas, migrantes ou não. É a trajetória de quem se

dedicou aos afazeres domésticos desde a infância, primeiro no próprio lar e depois na

residência de terceiros, transformando a “ajuda” em casa de família em ocupação

permanente. Mulheres que seguiram o caminho que lhes havia sido indicado desde

pequenas, primeiro por conta da difícil situação financeira vivenciada pela família,

depois como conseqüência da baixa escolaridade e da não qualificação para exercer

outras atividades. Nesse sentido, o círculo vicioso estava formado: tornaram-se

trabalhadoras domésticas, porque não puderam estudar ou se qualificar; e não puderam

estudar ou se qualificar, porque desde a infância tornaram-se trabalhadoras domésticas.

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3.3 – Os marcadores da diferença

Vimos anteriormente que a definição de empregado doméstico que está em vigor

é a prevista na Lei nº. 5.859, de 1972, que, recapitulando, o define como “aquele que

presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família

no âmbito residencial destas”. Já a definição de diarista é, para a jurisprudência, a

pessoa que presta serviços em uma mesma residência apenas alguns dias da semana e

recebe pagamento diário, o que o Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, ainda em

tramitação, delimitou com a freqüência de, no máximo, duas vezes por semana.

Buscou-se, por meio das entrevistas realizadas com trabalhadoras domésticas da

cidade do Rio de Janeiro, perceber se as concepções delas sobre as diferenças existentes

entre essas duas possibilidades de inserção no mercado de trabalho se aproximam da

legal ou se estabelecem a partir de outros critérios. Como as trabalhadoras domésticas

percebem a distinção entre ser mensalista e ser diarista? Quais são os principais

marcadores da diferença estabelecidos por elas?

Assim como na doutrina e na jurisprudência, há também divergências na

maneira como as entrevistadas percebem essas duas formas possíveis de relação de

trabalho no serviço doméstico. Foram três os principais critérios apresentados por elas

para diferenciarem uma da outra: 1º) O número de dias semanais que trabalham para

uma mesma família; 2º) A forma de pagamento; 3º) O tipo de atividade que realizam. É

importante explicitar esses entendimentos distintos, pois eles explicam as dificuldades

encontradas para classificá-las.

Os dois primeiros critérios, levantados pela quase totalidade das entrevistadas,

estão em consonância com os aspectos legais, acompanhando o entendimento jurídico,

seja da jurisprudência, da doutrina ou do Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, de

que os marcadores da diferença em relação às diaristas são o fato de trabalhar apenas

alguns dias da semana em determinada residência e o de receber o pagamento pelo

serviço prestado, na forma de diária, no dia em que é realizado:

A diarista, ela ganha por aquilo que faz. Empregada, ela geralmente ganha um salário, é assalariada (Creusa, trabalhadora em apenas um domicílio, 28 anos, natural da Bahia). A empregada vai todo o dia, e a diarista vai um dia, realiza tudo que tem que fazer e pronto (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

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Já o terceiro critério, compartilhado por uma parte das trabalhadoras domésticas

entrevistadas, diz respeito ao tipo de atividade que é realizada para os empregadores,

aspecto pouco enfatizado do ponto de vista jurídico. Como vimos no capítulo 1, a

questão principal que diferencia o empregado doméstico do diarista, em termos da

doutrina e da jurisprudência majoritárias, é a natureza contínua presente no trabalho do

primeiro e a sua ausência no do segundo, que faz referência à freqüência com que o

trabalho é realizado, daí a relevância que ganha o número de dias semanais trabalhados.

Enquanto para os juízes as atividades realizadas no domicílio são apenas mais

um critério a ser pesado na balança que tende para o vínculo empregatício ou para a

autonomia; para as trabalhadoras entrevistadas, elas são muito mais relevantes e ocupam

lugar central na diferenciação. Na concepção delas, para distinguir empregado

doméstico de diarista, tão importante quanto o número de dias trabalhados em uma

mesma residência é o tipo de afazeres domésticos a ser realizado nela.

Nesse sentido, algumas trabalhadoras domésticas, mesmo trabalhando apenas

alguns dias semanais para uma família, não se consideram diaristas, mas empregadas

domésticas, pois realizam todas as tarefas da casa. É justamente esse o desafio de

compreender os marcadores da diferença: lidar com a heterogeneidade de relações de

trabalho possível, sempre mais rica do que as classificações que se busca estabelecer.

Dessa forma, é preciso estar atento para a gama de possibilidades existente além dos

modelos da empregada doméstica mensalista e da diarista faxineira.

Acompanhando alguns casos, é possível perceber por que o critério dos dias da

semana por si só não é suficiente na concepção de algumas trabalhadoras domésticas

que prestam serviço em mais de um domicílio. Maria das Graças, 59 anos, por exemplo,

trabalha em duas casas no Leblon. Na primeira, duas vezes por semana; na segunda,

uma vez. Em ambas recebe R$ 80,00 reais por dia, que apenas é pago junto ao final do

mês; trabalha das dez horas da manhã às dez da noite; e não tem vínculo empregatício.

Além disso, faz a contribuição ao INSS como autônoma, com um dinheiro que o patrão

da primeira casa oferece com esse objetivo. Como ela recebe por mês e realiza todas as

atividades domésticas, lava, passa, faz compras, cozinha e limpa, considera-se

empregada doméstica:

Eu nem sei se eu me considero uma diarista. O meu trabalho não é como uma diarista. Eu não me considero uma diarista. Se eu fosse diarista...por exemplo, eu estou aqui aí o meu patrão: ah, Graça, tem carne pronta? Tem isso, tem aquilo. Eu vou jantar isso. Se eu tiver na rua: onde você está, dá pra você botar a comida pra mim? Eu não vou falar que não. Então, são essas coisas. Eu não

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me considero como diarista. Eu não fui contratada para fazer faxina. Eu fui contratada para fazer esse serviço todo (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

Da mesma forma, Elisabete, 42 anos, trabalha em duas casas. A primeira, em

Copacabana, três dias por semana; a segunda, na Barra da Tijuca, dois dias. Em ambas

recebe o pagamento ao final do mês, respectivamente, de R$ 450,00 e de R$ 300,00,

além da passagem; não tem a carteira assinada; e contribui para o INSS como

autônoma. Como é encarregada de todos os afazeres domésticos nessas casas, e o

pagamento é realizado mensalmente, também se percebe como empregada doméstica:

Eu não me considero diarista, porque eu nem sou diarista, sou empregada. Eu faço tudo. Se fosse faxina seria até bem melhor, porque a faxina as pessoas cobra R$ 70,00, 80,00. Ali você terminou, você recebe. E eu recebo por mês (Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

Portanto, a distinção entre ser empregada e diarista, na concepção das

entrevistadas, envolve uma série de características, da qual faz parte o tipo de atividade

demandada. Cabe questionar se é possível, então, diante desses casos, identificar

algumas trabalhadoras como diaristas polivalentes ou se isso não seria nada mais do que

uma relação de emprego doméstico disfarçada.

De fato, essas duas possibilidades parecem estar presentes no mercado de

trabalho, tanto de trabalhadoras domésticas contratadas três, quatro vezes na semana,

sob a égide do “padrão” diarista, mas que realizam todas as atividades, recebem por mês

e não têm carteira assinada, como forma de os empregadores contornarem o vínculo

empregatício; quanto de trabalhadoras domésticas que também se responsabilizam por

afazeres diversos na residência, mas são contratadas apenas uma, duas vezes na semana,

recebendo diária, configurando-se enquanto diaristas polivalentes.

Nesse sentido, embora a imagem predominante da diarista seja a da faxineira

especializada, contratada apenas para realizar essa tarefa, há outras configurações

possíveis e até mesmo freqüentes. Uma delas é justamente a da diarista polivalente,

categoria da qual parecem fazer parte algumas entrevistadas. Esse é o caso de Maria, 50

anos, que trabalha em quatro casas nos bairros de Laranjeiras e Leblon, dois dias na

semana em uma delas e um dia em cada uma das outras. Ela recebe diária de R$ 70,00,

mas como gasta R$ 15,00 com a passagem, fica com R$ 55,00. Apenas em uma dessas

residências, trabalha fazendo somente a faxina, nas demais foi contratada para realizar

todas as tarefas, aproximando-se, nesse ponto, da empregada doméstica polivalente.

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Retomando a questão da heterogeneidade, somente entre as dezesseis

entrevistadas pela presente pesquisa, já é possível identificar uma gama de

possibilidades de relações de trabalho doméstico. As oito que trabalham em apenas um

domicílio podem ser classificadas como empregadas domésticas mensalistas

polivalentes, sendo que duas dormem no trabalho e seis não. Já entre as oito que

trabalham em mais de um domicílio, a classificação é mais complicada, fazendo parte

desse grupo diaristas faxineiras, diaristas polivalentes, diaristas que são faxineiras em

algumas casas e polivalentes em outras, e empregadas domésticas mensalistas

polivalentes que são diaristas faxineiras nos dias de folga.

Mas apesar de todas essas possibilidades, quando as trabalhadoras domésticas

entrevistadas apresentaram as suas concepções sobre os marcadores da diferença foi

sempre tomando como referência os modelos da diarista faxineira e da empregada

doméstica mensalista polivalente. Reuniremos, então, mais elementos apontados por

elas como diferenciadores desses dois modelos. Para isso, analisaremos como as

trabalhadoras em apenas um domicílio pensam as diaristas faxineiras e como as

trabalhadoras em mais de um domicílio pensam as empregadas domésticas polivalentes,

pois quando elas se vêem é sempre em relação às outras, que funcionam como um

contraponto ao trabalho que realizam.

O primeiro marcador da diferença levantado pelas entrevistadas que trabalham

em apenas um domicílio, como forma de definirem o trabalho das diaristas, foi o

aspecto objetivo de elas prestarem serviço em muitos domicílios diferentes durante a

semana, de forma a preencherem seus horários da maneira financeiramente mais

vantajosa possível:

Diarista é você estar numa casa hoje no Flamengo, estar em outra casa no Leblon, estar em outra casa na Barra da Tijuca. Isso é ser diarista. Não tem vínculo empregatício. Hoje, eu soube até que a diarista precisa, eu vi uma reportagem, se ela trabalha mais de duas vezes em uma casa, ela precisa ter a carteira assinada. Eu ouvi uma reportagem assim, se eu não tiver enganada. A diarista é isso, você não ficar em uma casa todos os dias. É você ter várias casas dentro daquela semana (Gilmara, trabalhadora em apenas um domicílio, 38 anos, natural do Rio de Janeiro).

A diarista cada dia está na casa de um, na casa de outro. E a fixa está todo o dia ali. A minha amiga fala que às vezes nem sabe qual é a casa que vai. Ela fica toda atrapalhada, que eu acho que é três ou quatro casas que ela vai (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

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Já as entrevistadas que trabalham em mais de um domicílio observaram, em

contraponto, que a empregada doméstica mantém seus serviços direcionados

unicamente para uma família:

A pessoa fica fixamente em um emprego só. É cozinhar, é lavar, é passar, é arrumar, é fazer tudo isso. Todo o dia as mesmas coisas (Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).

Um outro critério ressaltado é a remuneração do trabalho. No caso das diaristas,

o pagamento é realizado logo após o término do serviço, na forma de diária. No caso

das empregadas domésticas, é mensal ou, no máximo, quinzenal:

A diarista trabalha e ganha por dia. A gente ganha por mês (Aparecida, trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

É que a diarista você recebe o dinheiro na mão, e a empregada doméstica você tem que receber mensalmente (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

O pagamento diário é percebido, pelas trabalhadoras em apenas um domicílio,

como financeiramente mais vantajoso, pois a soma das diárias semanais abre a

possibilidade de ganhos muito superiores aos salários recebidos pelas empregadas

mensalistas.

Uma faxineira, uma diarista, acho que ganha 80 reais por dia. Então, trabalhar três vezes na semana, por mês tira muito mais do que eu tiro (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Você arrumando umas cinco casas para você trabalhar de diarista, você tira muito mais do que você trabalhar todo o dia e se estressa menos (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Da mesma forma, o pagamento de salário é tido pelas trabalhadoras em mais de

um domicílio como um importante marcador da diferença e indicador de ganhos bem

mais restritos, mas garantidos:

A diarista cada dia é uma casa, terminou o serviço já está com o dinheiro na mão, sem contar que ganha mais. A empregada ganha menos, mas é certo (Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).

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Um quarto aspecto trazido pelas empregadas domésticas entrevistadas como

característica do serviço da diarista é o tipo de atividade que esta desempenha, na

perspectiva delas um trabalho de faxina, portanto, especializado:

Porque a diarista assim que ela chega na casa da patroa, ela passa um balde no pano de chão dela, ela vai limpar. Acabou de limpar, acabou. Agora a gente não, a fixa é a comida, tem um monte de coisas que a diarista não faz: roupa, passar roupa, levar criança ao colégio, fazer comida. A diarista chega, é aquilo ali, é só aquilo ali. É só pra limpar a casa, é só limpar a casa. Acabou, acabou. E a gente não, a gente passa o dia inteiro tendo serviço, o dia todo tendo trabalho (Marluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 42 anos, natural do Rio de Janeiro).

As funções desempenhadas também são um critério frisado pelas trabalhadoras

em mais de um domicílio para explicar o trabalho das empregadas, percebido como

rotineiro e polivalente:

Ser empregada é mais tranqüilo, todo o dia a mesma casa, mas fazendo todas as tarefas (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

O trabalho da diarista é avaliado por ambos os grupos como fisicamente mais

desgastante do que o que é realizado pelas empregadas mensalistas:

A diarista trabalha muito. Ela tem que dar conta de dois quartos, três quartos, o tamanho que seja a casa. Elas querem que dê conta num dia. Diarista é muito cansativo. Você tem que dar conta, limpar janela, vidro, persiana, toda aquelas coisa, e dar conta da casa. Isso aí você tem que ralar, nem tempo de respirar não tem (Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

A diarista trabalha mais, pega serviço pesado, tem que fazer em um dia ou dois. Eu não, cada dia eu faço uma coisa, faço outra, não tenho que fazer todo o dia. Cada dia eu limpo uma parte, faço uma coisa (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Um sexto marcador da diferença para as entrevistadas é o fato de que a diarista

trabalha mais por tarefa do que cumprindo horários fixos, rígidos de entrada e de saída,

como ocorre com as empregadas:

A diarista acabou o seu serviço, seja a hora que for, ela vai embora. E a outra não, a doméstica, não, tem que ficar até a hora do jantar, arrumar a cozinha, deixar tudo limpo (Marcelina, trabalhadora em apenas um domicílio, 66 anos, natural do Rio de Janeiro).

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Doméstica é direto, e a diarista é uma vez na semana, duas vezes, faz o seu serviço e vai embora. A doméstica não, tem que cumprir o seu horário (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Diferente da empregada, eu não tenho horário fixo, quando eu acabo, eu vou embora. Eu também não tenho horário pra chegar. Eu tenho que terminar o serviço. Não importa (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

Além disso, as empregadas domésticas que fizeram parte da pesquisa

ressaltaram que por mais que haja possibilidades de maior rendimento por parte das

diaristas, isso é acompanhado pela ausência de determinadas garantias sociais que estão

asseguradas para as mensalistas:

Diarista você não tem 13º; se você não trabalhar, você não recebe, porque geralmente é o dia que paga; e não tem férias também. Indo todo o dia você tem o seu dinheiro, seu 13º, suas férias (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

A carteira da empregada doméstica é assinada. A diarista não tem carteira assinada. No final do ano, ela não tem 13º, férias (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Da mesma forma, as trabalhadoras em mais de um domicílio reconhecem como

ponto positivo nas relações de trabalho das empregadas a presença de garantias que

acompanham o vínculo empregatício:

Fez a faxina, acabou, vai embora. Não recebe 13º, férias. E como empregada doméstica recebe tudo isso, esses direitos (Valdenice, trabalhadora em três domicílios, 38 anos, natural de Pernambuco).

Para finalizar, o oitavo marcador da diferença é a relação que a família

empregadora mantém com as trabalhadoras domésticas, que, na concepção de ambos os

grupos, seria muito menos afetiva com a diarista do que com a empregada:

Você chega pra trabalhar e não tem muito contato. Você vai pra trabalhar, senão você não consegue fazer tudo em um dia só. A diarista não tem muito contato com o patrão. É aquele contato de falar o que tem que fazer e pronto. Aqui não, a gente já conversa, de manhã cedo eu converso com a minha patroa, lê jornal, vê televisão (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

O ponto positivo de ser empregada é o seguinte: você é mais bem tratada como fixa do que como faxineira. Eles não se preocupam muito com a faxineira. Para mim, quando eu chego de manhã, meu cafezinho está quente me esperando, um pãozinho. A outra...já não ligam pra outra. A outra traz o pão dela (Aparecida, trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

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A diarista não dá atenção para o patrão. A empregada não, ela conversa, conhece os familiares, participa da vida do patrão. Ali está o seu dia a dia. É ali que você desabafa. É ali que você conversa. Torna-se uma família (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

Dessa forma, as trabalhadoras domésticas em apenas um domicílio, ao definirem

o trabalho desempenhado pelas diaristas como mais “nômade”, de faxina, fisicamente

árduo, por tarefa, sem vínculos formais e afetivos, e com pagamento diário e mais

elevado, em oposição, percebem o próprio trabalho como contraponto a isso. Do mesmo

modo, as trabalhadoras domésticas em mais de um domicílio, ao definirem o trabalho

desempenhado pelas empregadas domésticas como fixo, polivalente, menos desgastante

fisicamente, com horários determinados, com vínculos formais e afetivos, e com

pagamento mensal e menos elevado, em oposição, também se vêem, até certo nível,

como o outro lado da moeda.

Isso deixa bem visível quais são os marcadores da diferença que as próprias

trabalhadoras domésticas estabelecem entre ser mensalista e ser diarista. A forma como

elas compreendem essa questão, embora seja influenciada pelos critérios definidos pelo

campo jurídico, discutidos na doutrina e na jurisprudência, que chegam a elas pelas

patroas, pela mídia, por conhecidas que entraram na Justiça e pelos sindicatos, ganha

contornos distintos, que também se afastam dessa dimensão. Nesse sentido, o

entendimento delas combina aspectos legais, casos de que têm conhecimento e suas

próprias experiências de trabalho anteriormente vivenciadas.

3.4 – As relações de trabalho de empregadas e diaristas

Os marcadores da diferença apontados na seção anterior precisam ser

compreendidos como as representações que empregadas fazem sobre o que é ser diarista

e vice-versa. Nesse sentido, nem sempre tais modelos correspondem às relações de

trabalho efetivamente vivenciadas. Um exemplo disso, como veremos adiante, é a

dimensão afetiva, que embora apareça quase como inexistente na visão construída sobre

a diarista, ocupa seu espaço nas relações estabelecidas cotidianamente com a parte

contratante.

Esses marcadores são indícios das diferenças existentes quanto às relações de

trabalho, mas é sempre importante não perder de vista que por conta da heterogeneidade

de configurações possíveis para essas relações, há casos difíceis de serem enquadrados

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totalmente nos modelos majoritários concebidos sobre o que é ser empregada ou

diarista. Porém, mais do que modelos, nesta parte o interesse está voltado para a forma

como o trabalho é realmente realizado segundo as entrevistadas e os dados

quantitativos.

O objetivo é discutir como está configurado o trabalho das trabalhadoras

domésticas que prestam serviço em mais de um domicílio em comparação com o das

que prestam em apenas um e analisar quais são as características que apresentam. As

relações de trabalho da diarista são mais informais, independentes, delimitadas,

controladas, racionais, impessoais e pouco afetivas quando comparadas com as da

empregada doméstica? Esses são os elementos que serão analisados a seguir, como

forma de debater essa questão.

3.4.1 – Informalidade

O serviço doméstico brasileiro é uma ocupação na qual a informalidade55,

entendida aqui apenas como referente à ausência de vínculo empregatício, é muito

disseminada. Segundo os dados da PNAD 2008, analisados no capítulo dois, apenas um

pouco mais de um quarto das trabalhadoras domésticas do Brasil (25,8%) e quase um

terço das do Rio de Janeiro (32,0%) têm a carteira assinada. Nesse sentido, essa é uma

característica distintiva dessa ocupação.

Mas quando comparamos empregadas e diaristas quanto à formalização,

valendo-nos da PNAD 200156, vemos como há uma diferença muito significativa, pois

as relações de trabalho destas são quase totalmente informais. No Brasil, 30,5% das

domésticas polivalentes têm carteira de trabalho assinada, e as diaristas são apenas

4,8%. Já no estado do Rio de Janeiro, 42,2% das domésticas polivalentes têm carteira

assinada, e as diaristas são 2,6%.

Esse resultado reflete a mudança de estatuto das trabalhadoras domésticas que

passaram a se dedicar a mais de um domicílio, que deixou de ser o do vínculo

empregatício e do assalariamento para o da autonomia e da diária. Se isso significou

abrir a possibilidade de rendimentos mais elevados, simultaneamente trouxe a

necessidade de assumir riscos.

55 Para ler uma análise aprofundada sobre a noção de informalidade, ver Machado da Silva (2003). 56 Segundo a metodologia utilizada no último ponto do capítulo anterior, os grupos comparados foram as empregadas polivalentes que disseram trabalhar em apenas uma residência e as diaristas que disseram trabalhar em mais de uma.

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De fato, há uma valorização das garantias que acompanham o vínculo

empregatício, tanto por parte das empregadas quanto das diaristas:

A única coisa que eu acho é que a empregada tem décimo, tem férias, não trabalha feriado. E a diarista não tem nada disso; se você não trabalha, você não ganha (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

Mas, como os benefícios atrelados ao vínculo não são equivalentes aos das

demais categorias profissionais57 e como a informalidade está presente fortemente no

emprego doméstico, a ida para a autonomia, em determinado sentido, não parece ser

interpretada por algumas trabalhadoras domésticas como uma ruptura tão grande:

Não vale a pena. Não tem direito a nada mesmo, só ao INPS. Então, eu não quero mais ter carteira assinada (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

De toda a forma, logicamente, ao se afastarem do estatuto do assalariamento,

todos os direitos conquistados pelas empregadas domésticas até hoje, como o décimo

terceiro salário, o repouso remunerado uma vez na semana e nos feriados, e as férias

remuneradas, não acompanham as diaristas em seu estatuto de autônomas. Nele, é

necessário resolver algumas dessas questões a partir de outras estratégias e de modos

diversos:

Minhas férias é eu que faço. Se eu precisar viajar, eu vou na boa, elas são muito legal. E quando eu acho alguém conhecida que possa cobrir os dias pra mim, para a pessoa não ficar só, aí tudo bem, fica. Mas aí a pessoa que vai trabalhar ganha, e eu não, porque eu vou tirar férias. É a gente que faz nossas férias (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Meus patrões me ajudam. Três me ajudam. Eles me dão todo o final do mês um pouco, que eu junto e pago o meu INSS (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

Mesmo que eu não possa, eu venho. Eu não perco o dia. Há quinze dias atrás, eu estava com o braço engessado. Trabalhei em quase todas as casas. E a casa que eu não podia subir na janela pra limpar, eu contratei um carrapato para fazer o meu serviço e eu paguei 50 reais a ela. Dinheiro não se perde. Nas casas em que eu conseguia fazer as coisas com um pano e com o braço que eu posso, eu fui numa boa. Não contratei ninguém pra não perder um centavo. Na casa em que eu tinha que subir na janela, fazer outras coisas, aí eu tive que

57 Relembrando, os empregados domésticos ainda não têm direito a Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a Seguro-Desemprego, a benefício por acidente de trabalho, à hora extra, a adicional noturno e à carga horária definida em lei.

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contratar. Era para eu ganhar R$ 80, fiquei com R$ 30. A minha patroa foi generosa por demais e me deu mais R$ 15. Eu fiquei com R$ 45, e ela com R$ 50 (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

Ao se perceberem como prestadoras de serviço independentes, e buscando

manter algum grau de segurança, um caminho possível é a contribuição à previdência

como autônoma. Mas, segundo a PNAD 2001, no Brasil, apenas 11,7% das diaristas são

contribuintes; e, no Rio de Janeiro, são 13,3%. Como vimos, o Projeto de Lei do

Senado, nº. 160, de 2009, quer tornar obrigatório que a diarista apresente ao seu

contratante o comprovante de contribuição ao INSS. É uma forma de evitar que a

informalidade e o trabalho por conta própria, característicos das relações de trabalho de

diarista, sejam indicadores de uma total ausência de proteção social.

3.4.2 – Independência

As relações de trabalho da diarista são mais independentes em comparação com

as da empregada, pelo menos segundo três aspectos: número de dias, horário e

necessidade do vínculo. Quanto ao primeiro, embora haja um dia ou alguns dias da

semana reservados para cada residência na qual o serviço é prestado, é muito comum

uma negociação de ambas as partes que acaba, em muitas circunstâncias, configurando

uma realocação de diárias. É como se a relação fosse regulada por um contrato que se

esgota sempre que o trabalho e o pagamento são realizados, precisando ser renovado a

cada novo serviço.

Além disso, há uma independência maior em relação ao número de horas

trabalhadas, pois, na maioria dos casos, a diarista não tem um horário fixado

rigidamente e tampouco está à disposição por tempo indeterminado, duas situações que

ocorrem frequentemente com a empregada.

Nesse sentido, se fosse para elaborar uma escala de dependência em ordem

decrescente, o primeiro lugar seria ocupado pela mensalista residente, que é aquela que

mora na casa dos patrões, e mesmo pela que apenas dorme no trabalho, mas que tem a

sua própria moradia. A disponibilidade de tempo é quase total à rotina da família

empregadora, como foi possível acompanhar com as nossas entrevistadas que

vivenciam esse tipo de relação:

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Ah, não tem hora não. Eu vou de cinco e meia da manhã, eu vou até onze, a hora que eu tô indo, não tem horário pra parar não (Marluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 42 anos, natural do Rio de Janeiro).

Olha, expressar um horário fixo não existe (Gilmara, trabalhadora em apenas um domicílio, 38 anos, natural do Rio de Janeiro).

Em segundo lugar viria a mensalista externa, que é aquela que goza de algum

tipo de delimitação de suas horas de trabalho e que, geralmente, é dependente de um

horário determinado, mas que, às vezes, é ultrapassado para mais, além dos limites

acordados:

Horas, pra mim não tem horas. O meu trabalho ali é um pouco explorado, porque meu horário é de 6:30h. Aí, tipo assim, 20:30h, 21:00h é que eu tô saindo daqui. Eu não tenho horário. Eu tenho horário de chegada, mas de saída, não (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

E a terceira posição seria ocupada pela diarista, que presta um serviço com

limites temporais mais definidos. Ela mais claramente do que as outras introduz uma

noção de tempo de trabalho determinado, apenas o necessário para realizar a atividade

que lhe foi direcionada. De fato, combina-se menos o horário de entrada e de saída e

mais a tarefa a ser executada:

Eu posso ir embora quando acabo. Eu é que faço o meu horário. Na verdade, eu pego às 9:00h, e 17:30h é a hora de sair, que é o tempo que dá pra fazer tudo o que eu tenho que fazer (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Eu não tenho horário fixo, não. Quando eu acabo, eu vou embora. Também não tenho horário pra chegar. Eu tenho que fazer. Eu tenho que terminar o serviço (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

E, para finalizar, as relações de trabalho da diarista são mais independentes

quanto à necessidade do vínculo, no sentido de que em vista da maior quantidade de

empregadores, o peso de cada um deles para a renda mensal da trabalhadora é menor.

De forma que há uma maior liberdade para deixar alguma residência que não lhe agrade

e encontrar outra para ocupar o seu lugar. O oposto disso é a mensalista residente, pois

de um único vínculo depende seu trabalho e moradia. Abrir mão dele a afetaria nessas

duas dimensões.

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3.4.3 – Delimitação e controle

Há nas relações de trabalho da diarista maior controle e delimitação de pelo

menos três aspectos: tempo, atividades realizadas e pagamento. Como vimos no ponto

anterior, configura-se uma definição maior do tempo de trabalho, mas não

representando um estabelecimento de horários fixos e rígidos. O tempo passa a ser

balizado a partir das tarefas e a sua definição atrela-se fortemente a elas.

Embora já tenhamos levantado a questão da diarista polivalente, que está à

disposição para cumprir qualquer afazer doméstico, e que, por isso, é destoante da

imagem que se faz desse tipo de trabalho, as atividades desempenhadas sob o estatuto

da autonomia são mais delimitadas e previamente definidas. A diarista especializada

parece representar bem isso, principalmente a faxineira, contratada para realizar uma

única tarefa, precisa e pouco mutável.

Quanto ao pagamento, sabe-se exatamente quanto e quando será obtido. Não há,

como no salário, a possibilidade de descontos e atrasos. Como é uma prestação de

serviço, então o trabalho finalizado equivale à diária recebida. Por outro lado, o

rendimento mensal, diferente do estatuto do assalariamento vivenciado pela empregada,

pode ser menos controlado, pois se torna mais suscetível às variações e aos rearranjos

que as diárias podem sofrer ao longo das semanas. Sendo assim, o pagamento, por um

lado é mais delimitado e, por outro, não.

3.4.4 – Racionalidade, impessoalidade e afetividade

As relações de trabalho no emprego doméstico brasileiro, como parecem ser

uníssonas as literaturas sociológica e antropológica sobre o assunto, são permeadas por

relações pessoais e afetivas. Porém, a existência de uma maior pessoalização não é

especificidade apenas do trabalho doméstico remunerado, está presente nas relações de

trabalho de outras ocupações. Embora, dificilmente, haja um caráter ambíguo como o

que torna a empregada doméstica, ao mesmo tempo, em muitos casos, uma trabalhadora

e um quase membro da família.

Edir Figueiredo de Oliveira (1995), por exemplo, nos conta um caso em que a

identificação com a família por parte da empregada aparece de maneira bem ilustrativa.

Tal situação ocorreu no Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio

de Janeiro, que Edir estudou em sua dissertação de mestrado. Uma trabalhadora

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doméstica procurou o sindicato após ter sido demitida, mas não buscando os seus

direitos trabalhistas, como pareceria óbvio, até porque as obrigações devidas pelos

patrões, por ocasião do desligamento do emprego, foram cumpridas, mas para reclamar

o “direito” de visitar os filhos dos ex-patrões.

Isso permite perceber que as empregadas não apenas trabalham, mas dividem

um cotidiano, compartilham uma existência familiar, que, em algum grau, passa a ser

também delas. Se por um lado, a questão de ser membro da família e amiga, enfatizada

pelas empregadas, representa “a procura de um vínculo que garantiria certas condições

(chegar mais tarde ou sair mais cedo, adiantamentos salariais, acesso a certos bens como

médicos, assistência legal, financeira etc.)” (KOFES, 2001: 373/374); por outro,

“enviesa a percepção das relações de trabalho, que, em muitos casos, reverte-se em uma

forma de não assegurar os direitos” (ÁVILA, 2008: 70).

Nesse sentido, a atuação dos sindicatos de trabalhadores domésticos busca

alterar as relações de trabalho mais afetivas, paternalistas e pessoalizadas para relações

mais claras, racionalizadas e contratuais (OLIVEIRA, 1995). Em poucas palavras,

relações estritamente profissionais. Nessa perspectiva, “ser quase membro da família” é

percebido como prejudicial às empregadas, pois como as relações trabalhistas passam a

se confundir com relações familiares, os direitos como trabalhadora seriam mais

facilmente desrespeitados.

De fato, nas entrevistas realizadas com as empregadas domésticas, a dimensão

afetiva e de intimidade apareceu com freqüência como parte integrante das relações

estabelecidas no serviço doméstico. Um dos casos em que isso ficou bem evidente foi o

de Mariluce, 44 anos, que trabalha há vinte anos para uma mesma família no Leblon.

Nesse mesmo bairro, o marido dela é motorista particular há vinte e cinco anos da

família da irmã da patroa de sua esposa. Durante esse tempo, eles viram os filhos dos

patrões crescerem. Quando tiveram o próprio descendente, hoje com doze anos,

convidaram o filho dos patrões dela e a filha dos patrões dele para serem,

respectivamente, padrinho e madrinha do garoto.

Um outro caso em que era visível o cruzamento entre as relações trabalhistas e

familiares, porém mais conflituoso, foi o de Marcelina, 66 anos, que trabalha há trinta e

três anos para uma família no Catete. Seus filhos, hoje com 34 e 24 anos, foram criados

nessa casa, pois ela até 2001 morava no emprego. A patroa não teve filhos e, de certo

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modo, esse espaço foi ocupado pelos de Marcelina, dos quais é madrinha de crisma58 e

para os quais pagou colégio e cursos.

Em 2001, Marcelina resolveu alugar um quarto para deixar de morar na casa da

patroa e queria que os filhos se mudassem com ela. Mas eles não quiseram e preferiram

ficar morando na casa da patroa no catete. Apenas Marcelina deixou de morar lá,

embora vá de segunda a sábado realizar o seu trabalho. Atualmente, ela reside em um

apartamento alugado no Centro, mas os filhos continuam morando na casa da patroa

dela. Isso faz com que ela os perceba divididos entre duas realidades distintas, reflexo

da situação ambígua vivenciada.

Essa dimensão afetiva e de intimidade pode ser observada pela forma como as

empregadas concebem o que é ser um bom patrão. As pesquisas sobre trabalho

doméstico remunerado (SAFFIOTI, 1978; OLIVEIRA, 1995; KOFES, 2001) costumam

fazer uma mesma pergunta às empregadas: “o que é ser um bom patrão?” ou “quais são

as características de um bom emprego doméstico?”. A resposta majoritária para a

primeira questão é considerar a empregada como amiga, e para a segunda é ser tratada

como membro da família.

Nesta pesquisa, também foram realizadas essas perguntas. O que ficou claro nas

respostas dadas pelas empregadas domésticas entrevistadas é a coexistência de duas

dimensões valorativas de um bom patrão, uma ligada a relações pessoais e afetivas, e a

outra ligada a relações contratuais e legais:

É ser amigo da empregada (Marcelina, trabalhadora em apenas um domicílio, 66 anos, natural do Rio de Janeiro). É dar os direitos todos que a gente tem, tipo as férias, o 13º. É isso. Esse é um bom patrão (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

Quando a empregada acompanhava durante anos o crescimento do filho dos

patrões, a relação pessoal ganhava ainda mais força, e a dimensão trabalhista

estabelecida acabava dividindo espaço com a dimensão afetiva e, em algum nível, até

mesmo perdendo lugar para ela:

O menino que eu mais amei foi o Márcio Roberto [filho de um dos patrões que teve em São Luís], que é padrinho da minha filha. Ele eu amei mais que toda a criança do mundo. Nem minhas filhas eu tive tanto amor como eu tinha àquela

58 Cerimônia da Igreja Católica na qual o crismando, com pelo menos quinze anos de idade, confirma o compromisso iniciado no batismo.

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criança (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).

Uma forma de analisar essa relação entre patroas e empregadas é mediante os

presentes que estas recebem daquelas. A contraprestação aos serviços realizados não

fica restrita ao salário pago. As empregadas domésticas entrevistadas recebiam

lembranças de suas patroas em datas como aniversário e Natal, às vezes em dinheiro,

mas geralmente em objetos:

Às vezes dão uma sandália, uma blusa. Este ano, no aniversário, foi dinheiro. Mas é sempre alguma coisa em objeto. Todo o ano ela sempre dá (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Recebo. Geralmente na época de Natal. Eu recebo presente; dinheiro, não. É roupa. E eles dão para o meu filho, para o meu marido, pra todo mundo. No aniversário também me dá. Geralmente ela me dá dinheiro. Eles sabem o dia do meu aniversário e eu sei o dia do aniversário deles, de todos (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

Barbosa (2000) compreende essa troca de presentes mediante algumas chaves

explicativas: explicitação de consideração e apreço; construção de uma imagem

caridosa; ação compensatória, por conta dos baixos salários pagos e da omissão de

benefícios empregatícios; e reconhecimento pela dedicação e eficiência na execução dos

afazeres domésticos. Já Saffioti (1978) a compreende como uma tentativa de agradar a

empregada e de criar um clima afetivo no local de trabalho, permitindo a solicitação de

favores fora das atividades que foram acordadas e do horário de trabalho estabelecido.

Mas a melhor interpretação para essa forma de dádiva é desenvolvida por

Coelho (2006). Para ela, a troca de presentes entre patroa e empregada tem um caráter

acentuadamente assimétrico, em que o doador possui um status superior ao receptor, de

forma que uma retribuição material, por parte da empregada, provocaria surpresa, pena

e constrangimento. Nesse sentido, o que a patroa espera em troca não é um outro objeto,

mas uma gratidão. Apresentando esse sentimento, a empregada, ao mesmo tempo,

confirma a existência de uma hierarquia, na qual ocupa posição inferior, e mantém-se

“fiel” e “de confiança”.

Dessa forma, as dimensões profissional e familiar, ao serem conjugadas no

emprego doméstico, mediam uma interação sob constante tensão, pois não se

estabelecem por completo. Relação familiar que não perde o elemento da subordinação.

Relação trabalhista que não perde o caráter pessoalizado:

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A relação entre empregadas e patrões, nesse sentido, não pode apenas ser compreendida pelo lado da afetividade, da consideração e da harmonia, sendo necessário entendê-la pelo aspecto da hierarquização interna da organização familiar. Sua condição de quase da família, longe de representar uma horizontalidade familiar, representa seu posicionamento inferior. (...) Se, logicamente, como membro da família, goza de certas benesses, como tal, enfrenta também sofrimentos e desconsiderações, uma vez que recai sobre ela o mau humor e os reveses hierarquizantes. A empregada doméstica, que em certos momentos é tratada como membro da família, pode ser, em outros, desrespeitada ou “colocada em seu devido lugar”, ou seja, em posição subalterna. (BARBOSA, 2000: 103).

Mas a questão é pensar se essa relação ambígua, familiar e trabalhista, permeada

por pessoalidade e afetividade, associada ao trabalho da empregada doméstica,

representa também o trabalho da diarista. As relações de trabalho desta são mais

racionais, impessoais e menos afetivas? É isso que precisamos analisar mais

detidamente antes de apontá-la como um tipo diferente de relação no que tange a essas

características.

Por um lado, tendo a diarista faxineira como modelo, que trabalha em várias

casas, convive pouco com cada família, precisa realizar uma tarefa previamente

combinada no menor tempo possível, parece razoável perceber as relações que

estabelece como mais racionais e impessoais quando comparadas com as da empregada

doméstica. Mas como esse modelo não é capaz de compreender todas as possibilidades

existentes, se é possível fazer tal afirmação é somente com o devido cuidado.

É importante frisar, por exemplo, que há diaristas que já foram anteriormente

empregadas domésticas em uma ou algumas das casas em que prestam seu serviço

atualmente. Isso traz a pessoalidade anterior para essa nova relação de trabalho. Além

disso, há o que estamos denominando ao longo desta pesquisa de diarista polivalente,

que, em alguns casos, vai duas ou três vezes na semana à mesma residência realizar os

afazeres domésticos como um todo. Devido à freqüência e às atividades mais variadas,

aumenta a possibilidade de ser estabelecida uma maior intimidade.

As diaristas também recebem presente dos patrões? Isso auxilia a revelar se na

relação de trabalho vivenciada por elas há também um caráter pessoalizado. Pois isso,

de fato, é muito comum, mesmo em relação às diaristas faxineiras. Comparando os

depoimentos das entrevistadas, não há diferença entre empregadas e diaristas quanto a

essa dimensão. Em determinadas datas, inclusive o aniversário, ambas recebem

presentes dos patrões; objetos que, muitas vezes, necessitam de um conhecimento

pessoal, como roupa, sapato e perfume.

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De vez em quando eu recebo presentes: roupa, sapato. Aniversário, Natal, às vezes até em comemoração de anos que a gente tá lá (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Quando chega algum final de ano, alguma coisa, eles sempre presenteiam com um algo a mais. É aniversário, eles vem com uma lembrança. Alguns dão vestuário, outros dão dinheiro. Outros não me presenteiam, mas dão para os meus netos, para os meus filhos. Objetos e às vezes dinheiro (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

Sendo assim, o que parece é que mesmo no estatuto de diarista, utilizando o

argumento de Coelho (2006), há a necessidade do sentimento de gratidão, mas nesse

caso, na nossa concepção, menos para confirmar a existência de uma hierarquia e mais

para servir de reforço positivo à eficiência com que os afazeres domésticos foram

realizados, e para transformar um contrato que precisa ser renovado a cada novo serviço

prestado em algo mais duradouro. Na falta do vínculo empregatício, a gratidão faz as

vezes de ligação, criando um elo para além da prestação de serviço em sentido estrito.

A relação de trabalho, então, em muitos casos, mantém a afetividade e a

intimidade como dimensões importantes, em contraposição à impessoalidade que

poderia parecer mais propícia. Mesmo que, a princípio, as relações não sejam tão

íntimas quanto no caso de mensalistas, muitas diaristas acabam desenvolvendo relações

emocionais com seus empregadores (HARRIS, 2007). Isso fica claro acompanhando

alguns trechos das entrevistas:

Elas sabem dos meus problemas, das minhas dificuldades, dos momentos de alegria entre família, que é a minha família mesmo. E também os momentos de tristeza, na qual muitas delas já me ajudaram muito (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

É impressionante que cada vez que eu chego na casa de um eu acabo me apaixonando por eles. Eu me apaixono primeiro por eles e depois eles acabam se adaptando a mim. A relação é boa, muito boa mesmo (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).

De fato, a diarista especializada, principalmente a faxineira, diferente da

mensalista, traz muito mais forte a possibilidade de não envolvimento e de manutenção

da privacidade pessoal do empregador, que pode até mesmo se organizar para não estar

em casa quando o serviço é realizado. Mas o que esses e outros trechos das entrevistas

nos mostram é que entre trazer a possibilidade de não envolvimento e vivenciá-la de

fato, há um hiato importante de ser ressaltado.

Nesse sentido, quando se está no estatuto de diarista torna-se mais plausível

alterar o tipo de investimento emocional e afetivo estabelecido com a família

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empregadora, dando origem a relações mais racionais, impessoais e menos afetivas.

Mas isso, pelo menos por enquanto, parece ser mais uma possibilidade do que realmente

um princípio a guiar essas relações no cotidiano das famílias brasileiras.

3.5 – Entre estratégias e condicionamentos sociais

A bibliografia sobre o assunto em pauta aponta enfaticamente a ida das mulheres

menos favorecidas economicamente para o serviço doméstico como conseqüência de

sua posição de baixa escolaridade e qualificação necessárias para ser possível a inserção

em outras ocupações. Esse trabalho torna-se, então, quase uma extensão das atividades

que elas já realizavam em seus próprios lares.

De fato, as histórias de vida das trabalhadoras domésticas entrevistadas,

analisadas anteriormente, indicaram, mediante a escolha de três linhas narrativas

possíveis, alguns condicionamentos sociais que as fizeram seguir por esse caminho,

que, muitas vezes, já foi apresentado e imposto como um norte desde a infância, quando

foram levadas por parentes para trabalharem em casa de família como forma de

contornarem em algum grau a difícil condição de vida.

Como vimos, isso foi resultado não apenas de fazerem parte de famílias com

baixo poder aquisitivo e terem pouca educação formal, mas dos três processos de

socialização relativos aos afazeres domésticos pelos quais passaram em sua trajetória:

cronologicamente, no próprio lar; na casa de terceiros, ainda crianças ou pré-

adolescentes; e na residência dos empregadores subseqüentes, já em cidades maiores.

Ratificando isso, o trabalho doméstico remunerado aparece na fala das

entrevistadas como meio possível de inserção no mercado de trabalho, principalmente

por conta de se perceberem como tendo pouco estudo para ser possível desempenharem

ocupações mais valorizadas e bem remuneradas. Nesse sentido, as expressões mais

comuns ouvidas como justificativa para terem se dedicado a essa ocupação foram “falta

de oportunidade” e “não ter outra opção”:

Eu acho que se eu trabalhasse em outro trabalho que eu tivesse estudado e que eu gostasse, talvez eu fosse mais feliz. Nesse eu trabalho porque eu preciso, não porque eu gosto ou quero. É porque eu não estudei (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Por falta de oportunidade. Eu não tive oportunidade de estudo. Eu acho que foi por isso. Eu acho que se eu tivesse estudo ou de repente tivesse me esforçado mais, eu acho que doméstica eu não seria, não. Seria qualquer outra coisa, menos doméstica, porque é sacrificada a nossa profissão. Foi o que pintou pra

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mim (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Porque não tinha outra opção. Lá [na cidade de origem] não tinha outra opção. E pra você arranjar um trabalho aqui, eu tinha quer ter pelo menos o 2º grau completo e eu não tenho (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Porém, algumas trabalhadoras domésticas que participaram da pesquisa têm

trajetórias individuais que não se aproximam daquelas três etapas levantadas para

acompanhar as histórias de vida, ou seja, não desempenharam esse serviço desde a

infância. Mas mesmo no discurso delas está presente a questão de uma “não escolha”:

Porque na época eu ganhava mais e eu pagava até aluguel. Eu tive que trabalhar. Aí eu trabalhei em uma fábrica de perfume. Eu comecei a trabalhar como empregada doméstica quando o meu filho estava com cinco anos de idade. Nessa época eu já não tinha mais escolha, não tinha como, tinha que pegar o primeiro que aparecesse. Mas já passei o pão que o diabo amassou. Na época não tinha opção mesmo. Com dois filhos pequenos, e aí como é que vai ser? (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

Embora analisemos a situação de deixar a casa dos pais, na infância ou pré-

adolescência, para ir trabalhar na casa dos primeiros empregadores como um

condicionamento social que acabava por prejudicar o prosseguimento da educação

formal; para Kofes, (2001), por outro lado, trata-se de uma estratégia da migrante que

permanece nesse trabalho durante um tempo enquanto estuda para conseguir uma vaga

em lojas, escritórios ou fábricas. De fato, é uma estratégia possível, apesar de depender

da permissão dos patrões para poderem ser liberadas a tempo de ir à escola, o que nem

sempre acontecia.

Algumas entrevistadas, embora considerem o serviço doméstico como ocupação

permanente, fazem planos de voltarem a estudar e poderem desempenhar um trabalho

mais valorizado por elas, o que significa serem empregadas no comércio,

principalmente ocupando a função de caixa:

Eu pretendo trabalhar no supermercado, no caixa ou numa farmácia. Que não seja doméstica. No supermercado, eles perguntam se você tem o segundo grau, se você tem curso de informática, se sabe mexer com computador. Aí eu falo que não, que eu estou fazendo curso agora (Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

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Outras pensam em abrir pequenos negócios ou se dedicarem integralmente a

atividades que já realizam, geralmente ligadas à alimentação, como venda de

quentinhas, de salgados ou barraca de lanches:

Porque eu não quero mais trabalhar em casa de família. Eu só quero aqui, pronto e acabou. Não quero mais. Eu já estou saturada. O que eu pretendo é abrir um comércio pra mim. Nem que seja pra mim vender cachaça, é bem melhor. Vai ser tipo um bar, vai ter lanche e essas coisas assim. Vai ter refrigerante de toda a qualidade, bebida. De repente vai ter comida também, porque eu cozinho (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

O meu sonho é ter tipo assim uma lanchonete, uma pensão. É o meu sonho que eu não consegui realizar, mas eu vou realizar. Se Deus quiser (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Porém, mais do que conseguir estudar e passar a desempenhar outra ocupação ou

abrir um negócio próprio, uma estratégia comum é ao menos buscar que as filhas não

reproduzam a mesma condição que, em muitos casos, elas reproduziram das mães. Para

evitar a reprodução da mesma posição social, o recurso mais enfatizado por elas, nos

termos de Bourdieu (2007), é o capital escolar (diplomas, educação formal). É esse

capital reconhecido e garantido pela instituição escolar que, para as trabalhadoras

domésticas, possibilitaria às filhas não serem obrigadas a trilhar os caminhos do serviço

doméstico como conseqüência de “não terem outra opção”.

Essa expectativa de mobilidade ascendente para os filhos, pela educação,

apareceu muito claramente nas entrevistas. Frequentemente, elas utilizavam o próprio

exemplo de serem trabalhadoras domésticas para lembrarem as filhas os pontos

negativos da ocupação e, assim, incentivá-las a prosseguirem os estudos e não

precisarem vivenciar determinadas situações em casa de família pelas quais elas

passaram:

Eu quero futuro pras minhas filhas. Eu quero que elas melhorem, tenham outra profissão. Antigamente, filha de empregada era empregadinha, assim que o pessoal falava. Hoje, não, as mulheres trabalham, se matam na casa de família para formar seu filho nisto, naquilo e naquilo outro. Então, é nessa história que eu me apego com as minhas filhas. Só que elas estão meio devagar na história. Elas têm oportunidade. Eu é que nunca tive (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).

Deus me livre. Ai, é horrível, não quero, de jeito nenhum. Falo para ela todo o dia: nunca queira ser uma empregada doméstica. Estude. Batalhe. Eu nunca vou querer você lavando banheiro de ninguém. Eu digo isso sempre pra ela (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

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Se eu tivesse uma filha mulher, eu não queria. Eu não queria mesmo. Porque a gente trabalha fora do limite, muitas horas, e no final das contas a gente não tem segurança. Você pode trabalhar dez anos, que você sai, você recebe aquele dinheiro do mês. Você não recebe nada, só recebe o que você trabalhou. É por isso que eu falo mesmo, se eu tivesse uma filha mulher, ela podia trabalhar até no cabaré que eu não esquentava. Sério. Eu falo de coração aberto mesmo (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

Dessa forma, a “necessidade” e a falta de estudo apareceram com muito

destaque na explicação dos condicionamentos que tornaram essas mulheres

trabalhadoras domésticas. Mas algumas delas trabalham, atualmente, em apenas uma

residência e outras em mais de uma. É possível entender essa diferenciação a partir de

suas próprias decisões e estratégias ligadas à agência ou o que pesa mais são os

condicionamentos de ordem estrutural? De fato, essas duas dimensões são igualmente

importantes, pois as decisões existem, mas são tomadas a partir de determinados

campos de possibilidades.

Nesse sentido, quando uma trabalhadora doméstica deixou de ser empregada

para ser diarista, há vários condicionamentos sociais que influenciariam e tornaram

possível essa decisão, tais como: o tempo de exercício da profissão, uma vez que quanto

mais experiente, maior é a rede de contatos que pode permitir um número razoável de

diárias; lugar sócio-geográfico da cidade, onde a demanda por esse tipo de serviço seja

mais forte; idade, pois o trabalho da diarista faxineira, diariamente em uma nova casa, é

mais “pesado” e, portanto, difícil de ser realizado após certa faixa etária; a existência de

filhos pequenos, porque, por exemplo, a diária em apenas alguns dias da semana pode

ser melhor articulada ao cuidado deles; situação conjugal, já que uma mulher casada

será mensalista externa ou diarista, mas dificilmente mensalista residente; e a situação

de moradia, pois uma diarista não poderá ser, por exemplo, uma recém migrante que

precisa morar na casa dos patrões.

Para deixar essa questão mais clara, podemos analisar o caso de Edna, 43 anos,

que é um bom exemplo de diarista “bem sucedida”, no sentido de que presta serviço em

cinco residências diferentes, em quatro bairros da cidade do Rio de Janeiro, ocupando

completamente os sete dias da semana. Com isso, recebe mensalmente R$ 2.173,00. Ela

deixou de ser empregada mensalista para prestar serviço de maneira autônoma e faz a

contribuição ao INSS nessa nova condição:

Eu saí de lá porque eu comecei a ver as meninas fazer faxina e achar que era mais vantajoso trabalhar de faxineira do que de arrumadeira com salário fixo. A faxineira ganhava pelo que ela fazia um valor maior. Às vezes duas vezes na

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semana, ela tirava o dinheiro que eu ganhava por mês. Aí eu falei: ai meu Deus do céu, se ela pode, eu também posso. Faxina não é bicho de sete cabeças. Aí eu entrei no ramo de faxina (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

Essa decisão apenas foi possível, entre outros fatores, por já estar estabelecida na

profissão há algum tempo e por ter o vigor físico necessário ao trabalho de faxina.

Nesse sentido, há alguns obstáculos importantes para seguir como diarista. O primeiro

deles é a questão da idade. Como vimos na parte quantitativa, as diaristas são mais

velhas do que as empregadas, o que significa que embora seja um trabalho mais pesado,

não são as jovens que se dedicam a ele. E por que isso? Porque uma diarista bem

sucedida precisa de muitas casas, o que se alcança por meio de redes de contato e

indicação mais amplas, e são as mais experientes que contam melhor com isso.

Sendo assim, uma questão inicial é a necessidade de obter um número suficiente

de “clientes”, ou melhor, de patrões, já que é este termo que elas utilizam, cujas diárias

possam cobrir a semana. Isso nem sempre é alcançado facilmente:

Diarista é uma profissão mais difícil. Está muito difícil ser diarista. Arrumar serviço de diarista está difícil. Você não vai trabalhar só em uma casa de diarista, que vai te chamar de quinze em quinze dias, tem que manter a sua semana. Para você ganhar tem que ter umas quatro ou cinco casas. Aí é difícil (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Outra dificuldade é lidar com um rendimento mensal que pode sofrer alterações

a partir das variações das diárias ao longo das semanas:

Faxina é difícil, porque eu sou tudo dentro de casa, sou o homem e a mulher da casa. Então, trabalho em faxina, mas tem umas delas que dizem: Ah, agora eu não estou podendo. E aí fica trocando o dia, quinze dias, de quinze em quinze dias, uma vez no mês. Aí fica pesado, fica difícil (Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

Dessa forma, analisando o crescimento da proporção de diaristas do ponto de

vista da oferta, é possível perceber que essa forma de contratar os serviços domésticos

além de ter possibilitado o aumento do rendimento mensal, permitiu que as mulheres

que querem contribuir para o orçamento familiar, mas que por vários motivos não têm

disponibilidade para trabalhar todos os dias, que possam fazê-lo. De um lado, trabalho

mais cansativo e desgastante, ausência de garantias sociais, renda mais suscetível a

alterações, precisão de certa quantidade de “clientes” e necessidade de assumir riscos;

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de outro, possibilidade de ganhar mais, horário mais flexível, menor dependência de

cada residência e maior controle do tempo e das atividades realizadas.

Por conta das dificuldades e dos condicionamentos sociais levantados, mesmo

que, como vimos quantitativamente no capítulo 2, as diaristas ganhem mais e trabalhem

menos do que as empregadas, isso não significa, logicamente, que todas as

trabalhadoras domésticas estejam preferindo se apresentar ao mercado dessa maneira.

Há espaço para esses dois tipos de inserção possível, pois eles apresentam

características, vantagens e desvantagens diferentes, que trabalhadoras e empregadores

têm comparado e avaliado, e, dentro das possibilidades, decidido por aquele que melhor

lhes atende.

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CONCLUSÃO

O perfil majoritário dos trabalhadores domésticos, segundo os dados da PNAD

2008, é formado por mulheres, negras, domésticas polivalentes, com idade de 30 a 44

anos, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto), sem carteira de trabalho

assinada, que não contribuem para a previdência, trabalham em apenas um domicílio,

não residem nele e recebem até um salário mínimo. Mas esta pesquisa buscou ir além

desse retrato estanque, mas sempre revelador, do serviço doméstico, de forma a

acompanhar determinados movimentos que uma análise longitudinal permite e avaliar

até que ponto algumas dessas características têm sofrido alterações.

Nesse sentido, acompanhamos ao longo desta dissertação, por meio dos

microdados das PNADs de 1992 a 2008, seis processos de mudança que vêm ocorrendo

no trabalho doméstico remunerado brasileiro e carioca pelo menos nas duas últimas

décadas. O Primeiro deles é a diminuição da importância do serviço doméstico na

população feminina ocupada, ou seja, as mulheres que estão no mercado de trabalho são

cada vez menos trabalhadoras domésticas, contudo, em 2008, essa proporção ainda era

no Brasil e no estado do Rio de Janeiro, respectivamente, 15,8% e 18,7%.

O segundo processo de mudança é a elevação da escolaridade das trabalhadoras

domésticas. Embora, atualmente, mais de 60,0% delas não tenham concluído o ensino

fundamental, tanto no Rio de Janeiro quanto no Brasil, houve, no período analisado, um

crescimento muito significativo nas faixas de 5 a 8 anos, de 9 a 11 anos e de 12 anos ou

mais de estudo; e uma diminuição igualmente significativa nas faixas sem instrução ou

com menos de 1 ano, e de 1 a 4 anos de estudo.

A terceira mudança em curso é o envelhecimento das trabalhadoras domésticas,

cuja proporção de crianças e pré-adolescentes (10 a 15 anos), adolescentes (16 a 17

anos) e jovens adultas (18 a 24 anos e 25 a 29 anos) diminuiu consideravelmente nas

últimas duas décadas. Em contraposição, houve um aumento da proporção nas faixas de

30 a 44 anos, 45 a 59 anos e 60 anos ou mais.

A redução das trabalhadoras domésticas que residem no local de trabalho soma-

se às mudanças anteriores. É cada vez menor a prática de conciliar trabalho e residência

no serviço doméstico. No Brasil, essa proporção passou de 19,2%, em 1992, para 6,4%,

em 2008. No Rio de Janeiro, a variação foi de 11,5% para 5,0%. Já o quinto processo

estudado é o aumento da formalização, no sentido de que as trabalhadoras domésticas

com carteira assinada passaram, no Brasil, no intervalo temporal acompanhado, de

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16,1% para 25,8%, e, no Rio de Janeiro, de 23,2% para 32,0%. Esse crescimento foi

maior nos anos 90. Já nos anos 2000, foi menos intenso e apresentou momentos

intercalados de queda e de aumento.

Finalmente, o sexto e último processo de mudança analisado é a ampliação do

número de diaristas, que são as trabalhadoras que prestam serviço em mais de uma

residência. Elas ainda estão muito longe de serem a maioria, posição ocupada pelas

empregadas domésticas polivalentes, mas, por exemplo, no caso brasileiro, vêm com

um crescimento constante nos anos 2000. Isso pode ser percebido pelo fato de que

deixaram de ser menos de um sexto da categoria, como indicavam os dados de 1992, e

em 2008 já eram mais de um quarto.

Essa última mudança ocupou lugar de destaque nos objetivos desta pesquisa,

pois a diarista não é apenas mais uma das subdivisões que contribuem para a

heterogeneidade do serviço doméstico brasileiro, mas representa uma fragmentação de

ordem distinta. Isso ocorre porque as divisões internas a essa ocupação são

eminentemente de ordem funcional, abarcando as diferentes atividades reprodutivas:

cozinheiro, arrumadeira, governanta, babá, lavadeira, motorista particular, enfermeiro

do lar, jardineiro, copeiro, caseiro... Mas embora haja diferenças significativas no

trabalho realizado, há entre elas duas características que as ligam fortemente: a condição

de emprego doméstico e o estatuto do assalariamento.

É justamente por isso que a diarista representa uma fragmentação de ordem

distinta, pois se distancia dos demais tipos de inserção no serviço doméstico não apenas

pela atividade que realiza, mas, principalmente, pelo vínculo que estabelece, de

autonomia. Nesse sentido, de fato, ela traz uma divisão que ainda não existia no

trabalho doméstico remunerado: entre aqueles que trabalham em mais de uma

residência, por conta própria, assumindo os riscos, sem direitos trabalhistas; e aqueles

que trabalham em uma única residência, assalariados, com direitos trabalhistas e acesso

à Justiça do Trabalho.

As divisões anteriores eram todas no nível das diferenças quanto aos afazeres

domésticos executados, de forma que um aumento no piso salarial ou um novo direito

aprovado em lei abarcaria a todos, sem distinções. Por mais que muitos dos direitos dos

empregados domésticos não fossem respeitados, estava sempre aberta a possibilidade de

entrarem na Justiça do Trabalho e terem esses direitos assegurados. No caso da diarista,

isso não será mais possível, pois a própria lei, ao reconhecê-la como prestadora

autônoma de serviço, elimina essa possibilidade. Dessa forma, as trabalhadoras

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domésticas passaram a estar divididas não apenas pelas atividades realizadas, mas pelo

tipo de vínculo estabelecido.

Apesar de representar uma fragmentação de ordem distinta, as relações de

trabalho da diarista foram muito pouco estudadas. A preocupação sempre foi

compreender as relações de emprego doméstico, principalmente da empregada

doméstica polivalente. Mas como a essa altura já se tornou evidente, as relações de

trabalho no âmbito doméstico são muito mais amplas do que isso. Como vimos na

introdução, quando a diarista aparece efetivamente nos estudos sobre o trabalho

doméstico remunerado é sendo comparada estatisticamente com a empregada ou a partir

de uma discussão sobre a sua definição legal.

Sendo assim, cabia analisar mais profundamente e sob o viés sociológico esse

tipo de atividade no serviço doméstico. Com esse objetivo, as semelhanças e as

diferenças entre as relações de trabalho da empregada doméstica e da diarista, bem

como as suas diferenciações e definições, foram abordadas de diferentes ângulos ao

longo da pesquisa: do ponto de vista legal, a partir da legislação, da doutrina e da

jurisprudência (capítulo 1); do ponto de vista dos perfis sócio-econômicos, construídos

estatisticamente (capítulo 2); e do ponto de vista das percepções das próprias

trabalhadoras domésticas (capítulo 3).

Do ponto de vista legal, a diferenciação entre empregado doméstico e diarista

não é ponto pacífico, e, portanto, apresenta posições divergentes, principalmente quanto

à “natureza contínua” do trabalho. Como vimos, a doutrina sobre o assunto, ou seja, o

estudo aprofundado acerca das normas e dos princípios do Direito, pode ser dividida,

sintetizando a discussão, em dois grupos: o da posição majoritária entre os juízes e o da

posição minoritária.

O primeiro grupo, majoritário, põe mais peso nas diferenças entre o diarista e o

empregado doméstico, negando, assim, o vínculo empregatício do primeiro. Para ele,

contínuo significa sem interrupção, a continuidade faz referência à freqüência com que

o trabalho é realizado e contínuo e não-eventual são interpretados como diferentes. O

segundo grupo, minoritário, põe mais peso nas semelhanças entre o diarista e o

empregado doméstico, afirmando, assim, o vínculo empregatício do primeiro. Para ele,

contínuo significa habitual, a continuidade faz referência à necessidade dos serviços

para a família empregadora e contínuo e não-eventual são compreendidos como tendo

significados muito semelhantes ou iguais.

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Analisando os acórdãos, ou seja, as decisões coletivas adotadas por grupos de

juízes ou ministros, a partir da segunda instância da Justiça do Trabalho, de processos

iniciados no estado do Rio de Janeiro, não houve, diferente da doutrina, uma

divergência jurisprudencial elevada. Apesar de certa divergência existente, maior entre

o TRT e as varas do que entre o TST e o TRT, os dados analisados indicaram que a

jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas é convergente, em sua maior parte, no sentido

de que o trabalhador doméstico que trabalha alguns dias semanais deve ser considerado

diarista, e não empregado, por conta da quantidade reduzida de dias trabalhados; da

ausência de subordinação e, em alguns casos, de pessoalidade; da inexistência de

horário e dias fixos; do pagamento diário e do número maior de residências em que o

serviço é prestado.

O Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, ao buscar acabar com a

indefinição em relação ao que é um diarista, o define como o trabalhador que presta

serviços no máximo duas vezes por semana para o mesmo contratante e recebe o

pagamento pelo serviço prestado na forma de diária, não configurando vínculo

empregatício. Além disso, tal projeto, que atualmente está em tramitação na Câmara dos

Deputados, torna obrigatório que esse tipo de trabalhador doméstico apresente ao

contratante o seu comprovante de contribuição ao INSS.

Do ponto de vista quantitativo, ficou claro que há diferenças quanto às

características sócio-econômicas, de forma que em comparação com as domésticas

polivalentes, tanto para o Brasil quanto para o estado do Rio de Janeiro, as diaristas são

mais velhas, mais brancas, ligeiramente menos escolarizadas, menos formalizadas,

moram menos na casa dos patrões, contribuem menos para a previdência, trabalham

bem menos horas semanais e têm uma renda média maior, seja mensal ou por hora.

Do ponto de vista das percepções das próprias trabalhadoras domésticas, há

determinados marcadores da diferença que elas estabelecem, com divergências, entre

ser mensalista e ser diarista. Os principais deles são: a freqüência com que o trabalho é

efetuado, a forma de pagamento e o tipo de atividade realizada. Esses critérios, embora

sejam influenciados pelas discussões legais, apresentam contornos distintos, a partir das

experiências de trabalho delas.

Os dois primeiros critérios levantados pelas trabalhadoras domésticas

entrevistadas estão em consonância com o entendimento jurídico, que os considera,

principalmente a freqüência, fundamentais para a distinção. Em contraponto, o terceiro

critério é um aspecto pouco enfatizado do ponto de vista legal: o tipo de afazeres

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domésticos realizados. Para algumas trabalhadoras domésticas, uma diarista não pode

ser assim considerada se realiza todas as tarefas da casa, pois ela pressupõe um trabalho

especializado.

Além desses três, outros marcadores da diferença foram ressaltados pelas

entrevistadas: o número de domicílios nos quais o serviço é prestado, o desgaste físico

demandado pelo trabalho, o cumprimento ou não de horários fixos, o maior ou o menor

rendimento, a presença ou a ausência de determinadas garantias sociais e o tipo de

relação, mais ou menos afetiva, estabelecida entre a família empregadora e a

trabalhadora doméstica.

Enquanto as trabalhadoras em apenas um domicílio definiram o trabalho

desempenhado pelas diaristas como mais “nômade”, de faxina, fisicamente árduo, por

tarefa, sem vínculos formais e afetivos, e com pagamento diário e mais elevado; as

trabalhadoras domésticas em mais de um domicílio conceberam o trabalho

desempenhado pelas empregadas domésticas como fixo, polivalente, menos desgastante

fisicamente, com horários determinados, com vínculos formais e afetivos, e com

pagamento mensal e menos elevado.

Nessa discussão sobre as configurações do serviço prestado, uma questão

importante era saber se as relações de trabalho da diarista são mais informais,

independentes, delimitadas, controladas, racionais, impessoais e pouco afetivas quando

comparadas com as da empregada doméstica. De fato, há entre essas relações diferenças

em muitos sentidos. A primeira delas é que as relações de trabalho da diarista são quase

totalmente informais, no sentido da ausência de vínculo empregatício, indicando que o

assalariamento e o vínculo deram lugar à diária e à autonomia.

A segunda diferença é que as relações de trabalho da diarista são mais

independentes em comparação com as da empregada quanto ao número de dias

trabalhados, pois pode ser renegociado frequentemente; ao horário, que é limitado, mas

não fixado rigidamente, uma vez que a preocupação maior é combinar a tarefa a ser

executada; e à necessidade do vínculo, já que havendo mais contratantes, o peso de cada

um deles para a renda mensal da trabalhadora é menor.

A terceira característica diferenciada nas relações de trabalho da diarista é o

maior controle e delimitação do tempo, estipulado a partir das tarefas demandadas; das

atividades realizadas, geralmente, previamente definidas, precisas e pouco mutáveis; e

do pagamento, que é realizado logo após o serviço ter sido finalizado, embora possa

variar caso haja cancelamento de diárias.

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Para finalizar, a diarista especializada, principalmente a faxineira, traz mais

fortemente a possibilidade de estabelecer relações de trabalho mais racionais,

impessoais e pouco afetivas, ou seja, de não envolvimento emocional e de manutenção

da privacidade pessoal do contratante. No entanto, se é possível fazer tal afirmação é

com cuidado, pois isso representa mais uma possibilidade que pode se tornar plausível,

um devir, do que algo que efetivamente é amplamente vivenciado cotidianamente.

Anteriormente a esta pesquisa, Harris (2007), ao comparar as relações entre

empregadas domésticas e seus empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, dedicou

parte de seu estudo a analisar as relações de trabalho da diarista. Nessa análise, ele já

apontava a vantagem dessa trabalhadora em termo de rendimentos, a sua maior

independência quanto à necessidade do vínculo, o fato de seu trabalho depender mais da

conclusão de uma série de tarefas do que do estabelecimento de um horário, a

necessidade de um número razoável de clientes, a ausência de determinadas garantias

sociais e um controle maior das tarefas desempenhadas.

No entanto, o entendimento de Harris apresenta algumas idéias e interpretações

das quais discordamos e que, portanto, precisavam ser reavaliadas. Embora em alguns

momentos haja uma relativização, para ele, a diarista exemplifica as características de

um trabalho mais “moderno”, “racional” e “capitalista” do que a mensalista. Além

disso, na sua concepção:

Esse tipo de trabalho invisível ao comprador e totalmente precário para o trabalhador é assim característico das mudanças no mercado de trabalho geral nos países neoliberalizados como os Estados Unidos e o Brasil (HARRIS, 2007: 120).

Dessa forma, é preciso avaliar com mais cautela, com base em tudo o que foi

visto nesta dissertação, três aspectos levantados por Harris: 1) A diarista exemplificar

um trabalho mais racional; 2) Esse tipo de trabalho ser invisível ao comprador e

totalmente precário ao trabalhador; 3) O crescimento de a diarista ser interpretado pela

chave do neoliberalismo em expansão.

Quanto ao primeiro aspecto, talvez ele faça sentido se estivermos pensando no

modelo da diarista especializada, principalmente a faxineira, que, como defendido

anteriormente, pode estabelecer uma relação com menos envolvimento emocional. Há

inclusive a possibilidade de o contratante sair da residência no dia ou dias em que o

serviço é realizado. Por trabalhar em vários domicílios, ter menos contato com cada

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família e estar focada em uma única tarefa a ser executada no menor tempo possível, é

plausível perceber as relações que estabelece como mais racionais e impessoais quando

comparadas com as da empregada doméstica.

Mas, mesmo assim, isso, por enquanto, parece ser mais uma possibilidade do

que um traço presente de fato nessas relações. Como demonstramos, inclusive na

situação da troca de presentes, há um caráter pessoalizado que se mantém mesmo na

diarista especializada. Isso significa que uma dimensão afetiva e de intimidade é

inerente ao serviço doméstico? Não chegaríamos a afirmar tanto, pois embora, de fato,

haja, mesmo em outros países, algum nível variável de relações afetivas e de intimidade

na prestação de serviços pessoais no âmbito familiar, há determinadas configurações

que se estabelecem como exceções à regra.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma modalidade de contratação de

serviços domésticos que reduz ao mínimo as dimensões pessoais e afetivas. Trata-se dos

professional cleaning services (serviços de limpeza profissional), nos quais um grupo

de duas a quatro trabalhadoras domésticas é enviado por uma empresa para, trabalhando

em equipe, fazer a faxina de uma única residência no menor tempo possível, não

excedendo o limite de algumas horas. Desde a solicitação do tipo de serviço a ser

realizado até a solução de problemas, é com a empresa que deve ser resolvido. Nesse

sentido, a interação e o envolvimento emocional entre as trabalhadoras faxineiras e os

clientes ficam tão esvaziados que beiram a inexistência.

Além disso, voltando ao caso brasileiro, o problema de se afirmar que a diarista

exemplifica um trabalho mais racional é o de homogeneizá-la de maneira acrítica. Isso

ocorre porque esse tipo de assertiva tem como parâmetro a imagem da diarista faxineira

ou passadeira. E é esse o cuidado que os estudos sobre o serviço doméstico precisam

ter. Tal bibliografia há muito tempo já percebeu que não é possível falar em empregada

doméstica sem esclarecer a que tipo se refere, pois a heterogeneidade de relações de

trabalho está muito presente, mas o mesmo ainda não foi notado em relação à diarista,

compreendida como se apresentasse uma única configuração possível.

A questão é que se, por um lado, a diarista representa mais a forma como o

trabalho é contratado, em oposição à mensalista; por outro, nas relações concretas,

parece indicar um tipo de atividade, tornando-se sinônimo de faxineira, em contraponto

à cozinheira, à babá e às demais funções desempenhadas. Mas não podemos perder de

vista que diarista não é necessariamente sinônimo de faxineira, assim como empregada

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doméstica não é sinônimo de trabalhadora polivalente. Até as diaristas são, na verdade,

um grupo heterogêneo, do qual a faxineira é apenas uma das possibilidades.

Se as características, no sentido das relações de trabalho, no limite, não são as

mesmas entre a babá, a cozinheira, a enfermeira do lar, a doméstica polivalente e as

outras colocações no âmbito doméstico, mesmo que todas façam parte da categoria de

empregadas domésticas; o mesmo vale para a diarista faxineira, diarista congeleira,

diarista passadeira, diarista polivalente e as outras possibilidades existentes, mesmo que

elas façam parte da categoria de diaristas. Ou seja, neste segundo caso a homogeneidade

também não se justifica.

Foi nesse sentido que trouxemos à tona nesta pesquisa o que denominamos de

diarista polivalente, até então não problematizada pela bibliografia. Diferentemente, por

exemplo, da faxineira especializada, contratada para realizar uma tarefa bem definida,

trata-se da trabalhadora doméstica que conjuga características próprias das relações de

trabalho da diarista (recebimento de diária e freqüência de apenas alguns dias da semana

em uma mesma residência) e das relações de trabalho da empregada doméstica

polivalente (realização dos afazeres domésticos como um todo, não definidos

previamente; e menor controle e delimitação do tempo, já que não é estipulado a partir

das tarefas demandadas).

Podemos dizer que esse “tipo híbrido” de diarista representa um trabalho mais

racional? Dificilmente. É por isso que não devemos trabalhar com a imagem da diarista

faxineira como se ela pudesse dar conta da riqueza de possibilidades existente no

mercado autônomo de oferta e demanda de serviços domésticos, pois isso resulta em

uma perda da capacidade analítica necessária para buscar compreender e explicar as

mudanças nesse tipo de atividade laborativa. É importante que essa questão seja

percebida e refletida pelos próximos estudos sobre o assunto.

Quanto ao segundo aspecto levantado por Harris (2007), parece-nos exagerado

definir o trabalho da diarista como invisível ao comprador e totalmente precário ao

trabalhador. Iniciando pela invisibilidade, de fato, na concepção das mulheres

entrevistadas por esta pesquisa, tanto as que trabalham em uma residência quanto as que

trabalham em mais de uma, a relação que a família empregadora mantém com as

trabalhadoras domésticas é muito menos afetiva com a diarista do que com a

empregada. Em alguns depoimentos, o contato que aquela estabelece com os

contratantes é percebido como apenas o necessário para saber o que tem que ser feito,

não haveria uma participação mais ativa na vida deles.

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Esse tipo de relação de serviço doméstico, no limite, pode ser configurado da

forma descrita por Harris:

No caso dos empregadores que fazem questão de sair de suas casas no dia que vem a faxineira, podem acabar passando meses sem encontrar com ela, deixando sempre dinheiro na mesa como biscoitos e leite para Papai Noel, e voltando para uma casa magicamente limpa (2007: 120).

Mas, apesar disso, parece exagerado definir o trabalho da diarista como invisível

ao comprador, pois, como ressaltado anteriormente, esse tipo de relação mais racional,

impessoal e pouco afetiva, pelo menos por enquanto, aparece mais como possibilidade

do que como existência concreta, embora haja casos em que se estabeleça desta

maneira. Além disso, não podemos esquecer da questão da heterogeneidade reinante

que permite que a diarista polivalente compartilhe com a empregada doméstica

polivalente o mesmo tipo de envolvimento emocional no que tange aos contratantes.

Em relação ao trabalho de a diarista ser totalmente precário ao trabalhador,

realmente com a diferenciação cada vez maior entre empregada e diarista, esta deixa o

estatuto do vínculo empregatício e do assalariamento para o da autonomia e da diária.

Isso representou uma maior necessidade de assumir riscos e um afastamento do

conjunto de direitos trabalhistas conquistados pelas empregadas domésticas, com o qual

as prestadoras autônomas de serviço não podem contar.

Entretanto, se a autonomia trouxe tais características, ela abriu também a

possibilidade de rendimentos mais elevados, o que foi comprovado estatisticamente.

Além disso, para não haver uma ausência total de garantias sociais, está aberta a

possibilidade de a trabalhadora fazer a contribuição como autônoma ao INSS,

desfrutando assim, por exemplo, de aposentadoria e auxílio-doença. A necessidade de as

diaristas estarem protegidas foi ressaltada inclusive no Projeto de Lei do Senado, nº.

160, de 2009, que busca regulamentar essa atividade profissional.

Quanto ao crescimento de a diarista ser interpretado pela chave do

neoliberalismo em expansão, Harris (2007) citou Brenner e Theodore (2002) para

definir a ideologia neoliberal como a crença de que o desenvolvimento econômico

ótimo é encontrado em mercados abertos, competitivos e não-regulados, liberados da

interferência do Estado. O argumento de Harris é o de que o neoliberalismo provocou

mudanças nas relações de serviço doméstico por meio de uma prática e de um discurso

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de “modernização”, nos quais a diarista eliminou completamente as obrigações do

empregador e assumiu todo o risco.

De fato, o mundo do trabalho tem sido marcado, a partir das últimas décadas do

século XX, em nível mundial, por profundas mudanças que alteraram as relações de

trabalho, reelaboraram as estratégias das empresas e das demais instituições, trouxeram

complexos desafios às organizações de trabalhadores e impactaram a vida social de

diferentes formas. Entre tais transformações, podemos citar a variação das formas de

contrato, que não mais o indeterminado e em período integral; a ascensão do padrão

flexível; o desmonte da sociedade salarial (CASTEL, 1998); o crescimento de formas

menos estáveis de trabalho, como terceirizados, autônomos e temporários; a diminuição

da proteção social; a desregulamentação e a instabilidade.

Essas alterações mais gerais nas relações de trabalho impactaram também, em

algum nível, o trabalho reprodutivo, coincidindo, pelo menos nas últimas duas décadas

no Brasil, com a elevação da proporção de diaristas. Embora seja importante lembrar,

assim como analisado nos gráficos 16 e 17 do capítulo 2, que o que houve, tanto no

Brasil quanto no Rio de Janeiro, não foi um aumento da percentagem de diaristas

acompanhado de uma diminuição da de empregadas mensalistas com carteira assinada,

mas um crescimento tanto de diaristas quanto de empregadas mensalistas com carteira

assinada mediante a diminuição das mensalistas sem carteira assinada.

Mas, então, as novas configurações do serviço doméstico podem ser explicadas

como conseqüências do neoliberalismo e das mudanças relativamente recentes no

mundo do trabalho? Em algum grau, sim. Mas se creditamos o crescimento da

proporção de diaristas a essas variáveis, é apenas dando-lhes um peso ainda não muito

bem determinado. O que procuramos encontrar, quanto à elevação da proporção de

diaristas, foram explicações calcadas nas especificidades da sociedade brasileira atual.

Sendo assim, buscamos explicações que contemplassem tanto a demanda por

serviços diários em vez de mensais quanto a sua oferta. Em relação à demanda, ou seja,

à procura por esse tipo de relação de serviço doméstico, os seguintes fatores foram

levantados: o empobrecimento da classe média, que parece não conseguir reproduzir

mais a mesma relação com o trabalhador doméstico que as gerações anteriores

conseguiam; a diminuição do tamanho das famílias, com cada vez menos filhos,

reduzindo a necessidade da contratação de serviços para todos os dias do mês; o

crescimento do número de domicílios unipessoais, ou seja, de pessoas morando

sozinhas; a eliminação dos custos que acompanham o vínculo empregatício; e o

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aumento da participação feminina no mercado de trabalho, inclusive de mulheres

casadas, com filhos e com menor poder aquisitivo, que vêem na contratação de uma

diarista a possibilidade de conseguirem articular trabalho e cuidados, delegando estes a

um tipo de trabalhadora que caiba no orçamento familiar.

Em relação à oferta, por meio de dados estatísticos e de entrevistas, procuramos

compreender as motivações das trabalhadoras domésticas para estarem se dedicando a

algumas residências simultaneamente sob o regime de diárias. Entre tais fatores, é

possível destacar: o maior controle sobre as atividades realizadas, a possibilidade de

elevarem o rendimento mensal, a maior independência quanto ao número de dias

trabalhados, a possibilidade de contribuírem para o orçamento familiar sem precisarem

ter a disponibilidade de trabalhar todos os dias, e o maior controle sobre as horas de

trabalho. Embora não devemos perder de vista que há vários condicionamentos sociais

influenciando essas motivações.

Quanto à hipótese, levantada na introdução, de que ser diarista poderia permitir

às mulheres de menor poder aquisitivo uma flexibilidade necessária à articulação entre o

trabalho produtivo e o trabalho reprodutivo, a partir da maleabilidade que esse serviço

por conta própria tem em relação ao da empregada mensalista, confirmou-se em algum

grau. Embora a maioria das diaristas busque preencher, se possível, a semana toda com

diárias; de fato, esse tipo de inserção no mercado possibilita que algumas mulheres

trabalhem apenas dois dias na semana e, mesmo assim, contribuam razoavelmente para

o orçamento familiar, aproveitando os demais dias para o trabalho reprodutivo ou

mesmo para se dedicarem a outras atividades remuneradas, como a pequenos negócios

próprios.

Cabe pensar se é possível explicar a diarista pela chave interpretativa da

precarização ou da autonomia. Os debates teóricos sobre as mudanças no mundo do

trabalho, a partir das últimas décadas do século XX, defenderam estar havendo, entre

outros processos, uma precarização do trabalho. Essa problemática ganhou destaque no

Brasil especialmente a partir da década de 90. Contudo, como a idéia de precarização

vem do contexto francês e tem como referência o regime assalariado e por tempo

indeterminado, é preciso cautela para empregá-la como instrumento de compreensão

das mudanças na sociedade brasileira, cujo mercado de trabalho nunca apresentou uma

configuração semelhante, ou seja, jamais existiu uma sociedade salarial para a

população como um todo.

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Feitas essas ressalvas, o conceito de precarização59 faz referência à deterioração

das condições de trabalho. Appay (1997) o entende como sendo construído a partir de

um duplo processo: a precarização econômica (das estruturas produtivas e dos salários)

e a institucionalização da instabilidade (transformação das leis relativas ao trabalho e à

proteção social). Tal conceito passou a ser utilizado para explicar mudanças em

diferentes níveis: a desregulamentação, ou seja, a redução dos direitos do trabalho; a

insegurança; a vulnerabilidade social; a diminuição do rendimento auferido; a

instabilidade; a perda da qualidade do trabalho e da proteção social associada a ele; o

aumento da jornada de trabalho e a flexibilização dos contratos.

Nesse sentido, é apropriado utilizar o conceito de precarização para descrever a

situação da empregada doméstica que se tornou diarista? Esse questionamento é

pertinente porque precarização é um conceito relacional, que apenas faz sentido quando

a situação atual de trabalho é comparada com a anterior (LEITE, 2008). Apenas é

possível lançar mão desse conceito se houve, em algum nível, uma deterioração das

condições de trabalho. Se por um lado, de fato, a trabalhadora doméstica que deixou de

ser empregada para ser diarista perdeu a cobertura dos direitos trabalhistas e a proteção

social que acompanhava o vínculo empregatício; por outro, elevou o rendimento obtido

e reduziu a jornada de trabalho.

Como é um conceito relacional, pode-se questionar: as diaristas não poderão se

beneficiar dos direitos trabalhistas direcionados às empregadas domésticas, mas estas já

não tinham, em grande parte, os direitos desrespeitados? De fato, mas estava sempre

aberta a possibilidade de elas ingressarem na Justiça e terem esses direitos assegurados.

Por trás do valor que a diarista recebe não está associada uma base de proteção social

que, em algum grau, está no caso da empregada. Esse valor é reduzido à simples

remuneração de uma tarefa.

Porém, não podemos afirmar que haja uma precarização do serviço doméstico

remunerado brasileiro, pois como vimos ao longo desta dissertação, juntamente com o

crescimento da proporção de diaristas, há uma elevação da proporção de trabalhadoras

domésticas com carteira assinada. Além disso, as empregadas domésticas, efetivamente,

têm vivenciado uma ampliação de direitos, aproximando-se, cada vez mais, da

equiparação aos demais trabalhadores.

59 Utilizamos o termo precarização ao invés de precariedade, pois queremos frisar que se trata de um processo e não de um estado vivido por populações vulneráveis: mulheres, jovens, imigrantes, desempregados (APPAY, 1997).

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No caso das diaristas, não parece que elas se apresentam ao mercado dessa

maneira por “não terem outra opção”. Embora haja alguns condicionamentos sociais

presentes, elas parecem estar buscando os benefícios da autonomia e, ao mesmo tempo,

convivendo com os riscos decorrentes dela. Pelo menos por enquanto, ser mensalista

ainda continua sendo uma possibilidade aberta. Nesse sentido, as entrevistadas que

trabalhavam em mais de um domicílio diziam fazê-lo por enxergarem benefícios nisso,

e não por não conseguirem mais colocação como empregadas.

Sendo assim, se a precarização pressupõe uma deterioração das condições de

trabalho, isso não ocorreu com o emprego doméstico, ou seja, com as mensalistas

assalariadas, pois ele continua apresentando as mesmas configurações. Podemos pensar

em uma fuga de direitos trabalhistas se o estatuto da autonomia e da diária acabar se

impondo como única possibilidade de inserção no mercado de trabalho doméstico. Por

enquanto, parece ser possível falar em precarização em situações particulares, como a

de trabalhadoras domésticas, tidas como diaristas pelos empregadores, contratadas

quatro dias na semana para realizar todos os afazeres domésticos de uma casa.

Quanto à autonomia como chave interpretativa, parece ganhar cada vez mais

força com a divisão do serviço doméstico entre empregadas e diaristas, do ponto de

vista legal, da forma de contratação e das relações de trabalho. O Projeto de Lei do

Senado, nº. 160, de 2009, ainda em tramitação, ressaltou a questão de a diarista assumir

o seu papel de autônoma, no sentido de efetuar seu próprio recolhimento da

contribuição previdenciária. A lei reforça a questão da autonomia para que seja pensada

enquanto tal efetivamente, ou seja, a prestação de um serviço por conta própria.

O trabalho doméstico remunerado brasileiro é como uma balança que equilibra,

dificilmente no mesmo nível, de um lado a lógica das relações pessoais, afetivas e

familiares; e de outro, a lógica das relações profissionais, contratuais e legais. Se essa

comparação puder ser feita, parece plausível, em nível geral, que da empregada

doméstica mensalista residente à diarista especializada, principalmente a faxineira,

passando pela empregada doméstica mensalista externa, a balança veio, em teoria,

tendendo, cada vez mais, para o lado da segunda lógica.

Com a diminuição das mensalistas sem carteira e com a distinção jurídica cada

vez mais forte entre empregada e diarista, podemos nos questionar se o caminho que a

ocupação está tomando é o de uma polarização em dois perfis cada vez mais distintos:

de um lado a empregada, mais formal, direcionada a quem pode e quer cumprir com os

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encargos legais; de outro, a diarista, por conta própria, direcionada a quem quer a

execução de uma tarefa pontual.

Contudo, se essa interpretação estiver correta é apenas a longo prazo, pois na

configuração atual da ocupação o que vemos é uma multiplicidade de possibilidades, de

modo que o serviço doméstico é entrecortado por uma série de dimensões: trabalho

infantil/adulto, remunerado/sem remuneração, com carteira assinada/ sem carteira,

trabalho diário/mensal, polivalente/especializado, residir no domicílio/residir

externamente, pagamento em diária/salário, trabalho em um domicílio/em mais de um

domicílio, mais pessoal/menos pessoal, mais afetivo/menos afetivo. Cada função

desempenhada, da faxineira à empregada polivalente, pode se apresentar recombinando

essas dimensões de todas as maneiras possíveis.

Dessa forma, em meio a essa pluralidade de possibilidades existente, os dois

tipos de inserção possível no serviço doméstico brasileiro, como empregada ou diarista,

pelo menos como estão estabelecidos atualmente, não devem ser interpretados como

pólos opostos de uma dicotomia entre o tradicional e o moderno, entre as relações

afetivas e as impessoais ou entre o paternalismo e a racionalidade contratual. Nesse

sentido, se há uma transição rumo a relações menos ambíguas, é lenta e com

continuidades, que a heterogeneidade do serviço doméstico vem sendo capaz não

apenas de absorver, mas de fazer coexistir.

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dispositivos à Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a

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5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado

doméstico, para facultar o acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –

FGTS e ao seguro-desemprego.

• ________. Medida Provisória nº. 284, de 6 de março de 2006. Altera dispositivos

das Leis nºs. 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e 8.212, de 24 de julho de 1991.

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9.250, de 26 de dezembro de 1995, 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de

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ANEXOS

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Anexo 1 – Roteiro das entrevistas com empregadas domésticas e diaristas 1 - Dados iniciais Nome Idade Estado civil Escolaridade (se casada) Qual é a profissão do marido? Há quanto tempo é casada? Bairro em que mora Casa própria ou alugada? Tem filhos? Quantos? Idade deles? Qual a profissão deles? Onde moram? Onde trabalha atualmente? Trabalha em quantas casas? Há quanto tempo é empregada ou diarista nessa casa? Quantos dias você trabalha na semana? Quantas horas você trabalha por dia? Você tem horário fixo ou pode ir embora quando acaba as tarefas? Tem horário para chegar e para sair? Você realmente sai nesse horário ou dependendo você pode sair mais cedo ou mais tarde? Tem carteira assinada? (se não tem) Gostaria de ter carteira assinada? Quanto recebe em cada casa? Quanto é a renda mensal? E a renda da família? O emprego doméstico é uma ocupação provisória para você ou não? É sindicalizada? 2 - História de vida Em que estado nasceu? E cidade? (Se for de fora da cidade do Rio de Janeiro) Você pretende voltar para o estado ou a cidade onde nasceu? Como foi a sua infância lá? Você ajudava nos afazeres domésticos? Qual é/era a profissão da mãe? Qual é/era a profissão do pai? (se de fora) Como chegou ao Rio de Janeiro? Por que veio? 3 - Trajetória profissional Trabalha desde que idade? Que tipos de trabalho já desempenhou? Por que se tornou trabalhadora doméstica? Você acha que esse é um bom trabalho para as suas filhas? Em quantas casas já trabalhou? Relatar cada uma delas, onde foi, se tinha carteira assinada, quanto recebia. Como você chegou a essas casas? Foi indicada...agência... Que tarefas você realizava? Você alguma vez já colocou anúncio no jornal oferecendo o seu trabalho? Quando você começou a trabalhar era comum encontrar trabalho como diarista? Quando sai de uma casa, você sente falta de algo? Da família? Há quantos anos é trabalhadora doméstica?

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Já foi mandada embora? Por quê? Já pediu para sair de alguma casa? Por quê? Você fez algum curso ou passou por algum treinamento para desempenhar o seu trabalho? Já trabalhou em casa que precisava dormir no serviço? O que você acha disso? Você já trabalhou tendo que usar uniforme? O que você acha disso? Você já teve algum patrão ou patroa que queria assinar a sua carteira e você não quis? Por quê? Você já evitou assinar a carteira como empregada doméstica? Você já procurou o sindicato dos trabalhadores domésticos? (para as empregadas) Se alguém lhe arranjasse um emprego para trabalhar em outra casa ganhando mais, você iria? Por quê? 4 - Ser empregada ou diarista O que é ser empregada doméstica? O que é ser diarista? Você foi contratada para realizar que tipo de tarefa no seu trabalho? Às vezes você faz tarefas que não estavam combinadas? Quais? Você ganha algo a mais por isso? Faz comida...faxina...passa..lava... Essas tarefas mudam ou são sempre as mesmas? Há diferença nas atividades que você faz como diarista e como empregada doméstica? Há alguma tarefa doméstica que você se nega a fazer? Como é a sua relação com a família empregadora? Você recebe algo da família além do salário/da diária? Presente...roupa...alimento... No seu aniversário, natal... você recebe algum bônus...lembrança...? O que é ser um bom patrão? Quais são as características de um bom emprego doméstico? O que é ser uma boa empregada doméstica? O que é ser uma boa diarista? Quando você recebe o seu pagamento? Você tem férias? Você já foi à justiça em alguma situação de trabalho? Quem definiu a duração da jornada de trabalho? Eventualmente você pode chegar mais tarde ou sair mais cedo? Você almoça no trabalho? Recebe almoço? Come com a família? O emprego doméstico tem algo de específico em relação a outras profissões? O quê? O que é indispensável para ser empregada? O que é indispensável para ser diarista? Que serviços você realiza como empregada doméstica? Que serviços você realiza como diarista? Há diferenças entre ser empregada e diarista? Quais? É possível escolher, aqui na cidade do Rio de Janeiro, ser empregada ou ser diarista? Por quê? O que você levou em conta nessa sua decisão? Você prefere ser qual das duas? Por quê? Quais são os pontos positivos de ser empregada e de ser diarista? Quais são os pontos negativos de ser empregada e de ser diarista? Há diferença quanto à relação com a família quando se é empregada e quando se é diarista? (para quem foi empregada e agora é diarista) Por que se tornou diarista? Quem cuida dos afazeres domésticos na sua casa? Você já pagou alguém para realizar essas tarefas?

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(Se tem filho pequeno ou se já teve) Com quem você deixa/deixou os seus filhos enquanto trabalha/trabalhava? Você paga/pagava algo para ela? Quanto você paga/pagava? Por quantas horas? (se já foi empregada e diarista) Há alguma diferença entre ser empregada ou diarista e articular a rotina de trabalho com os afazeres domésticos? (se não tem carteira assinada) Você contribui para o INSS, por exemplo, como autônoma? (se sim) Quando pretende se aposentar? O que vai fazer depois de se aposentar? (se não) E a aposentadoria? Como fará daqui a alguns anos? Você já teve algum desentendimento com a patroa? Como você resolveu? Nesses anos, você já passou por alguma situação ruim no seu trabalho? Você já foi maltratada, acusada de algo ou xingada? Você já ficou doente e não pode trabalhar durante um tempo? O que você fez? Que direitos você tem como empregada doméstica e que direitos você tem como diarista? Mais alguma coisa que você gostaria de falar sobre o seu trabalho?

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Anexo 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) dos bairros da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) por bairros ou grupo de bairros da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro – 2000

Bairro ou grupo de bairros

Esperança de vida ao

nascer (em anos)

Taxa de alfabetização de

adultos (%)

Taxa bruta de frequência escolar (%)

Renda per capita (em R$ de 2000)

Índice de Longevidade

(IDH-L)

Índice de Educação (IDH-E)

Índice de Renda

(IDH-R)

Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal (IDH)

Gávea 80,45 98,08 118,13 (a) 2139,56 (b) 0,924 0,987 1,000 0,970

Leblon 79,47 99,01 105,18 (a) 2441,28 (b) 0,908 0,993 1,000 0,967

Ipanema 78,68 98,78 107,98 (a) 2465,45 (b) 0,895 0,992 1,000 0,962

Lagoa 77,91 99,46 115,26 (a) 2955,29 (b) 0,882 0,996 1,000 0,959

Flamengo 77,91 99,28 119,08 (a) 1781,71 (b) 0,882 0,995 1,000 0,959

Humaitá 77,91 99,28 122,20 (a) 1830,65 (b) 0,882 0,995 1,000 0,959

Laranjeiras 77,84 98,74 115,98 (a) 1679,22 (b) 0,881 0,992 1,000 0,957

Jardim Botânico 77,84 98,71 104,89 (a) 1952,77 (b) 0,881 0,991 1,000 0,957

Copacabana 77,78 98,48 107,54 (a) 1623,42 (b) 0,880 0,990 1,000 0,956

Leme 77,47 98,75 112,07 (a) 1713,89 (b) 0,875 0,992 1,000 0,955

Botafogo, Urca 78,25 98,46 113,01 (a) 1376,47 0,888 0,990 0,979 0,952

Glória 77,37 99,06 114,55 (a) 1183,28 0,873 0,994 0,954 0,940

Catete 74,99 96,65 100,40 (a) 822,22 0,833 0,978 0,893 0,901

Santa Teresa, Cosme Velho 74,06 96,14 92,60 701,19 0,818 0,950 0,867 0,878

Vidigal, São Conrado 71,12 94,76 82,00 1131,47 0,769 0,905 0,946 0,873

Rocinha 67,33 87,90 69,50 219,95 0,706 0,818 0,673 0,732 Fonte: Dados básicos: IBGE-microdados do Censo Demográfico 2000. Tabela retirada do site http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/, e modificada. Cálculos - Convênio IPP/IUPERJ/IPEA e FJP-MG. (a) Para efeito de cálculo do IDH, foi utilizado o valor de 100%

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(b) Para efeito de cálculo do IDH, foi utilizado o valor de R$ 1.559,24 Definições: Esperança de vida ao nascer (em anos) - Número médio de anos que as pessoas viveriam a partir do nascimento. Taxa de alfabetização de adultos (%) - Percentual de pessoas acima de 15 anos de idade que sabem ler e escrever. Taxa bruta de freqüência escolar (%) - Proporção entre o número total de pessoas em todas as faixas etárias que freqüentam os cursos fundamental, segundo grau ou superior em relação ao total de pessoas na faixa etária de 7 a 22 anos. Renda per capita (em R$ de 2000) - Razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos (incluindo aqueles com renda nula) e a população total. Índice de longevidade (IDH-L) - Índice do IDH relativo à dimensão Longevidade. É obtido a partir do indicador esperança de vida ao nascer, através da fórmula: (valor observado do indicador - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), onde os limites inferior e superior são equivalentes a 25 e 85 anos, respectivamente. Índice de educação (IDH-E) - Índice do IDH relativo à Educação. Obtido a partir da taxa de alfabetização e da taxa bruta de freqüência à escola, convertidas em índices por: (valor observado - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), com limites inferior e superior de 0% e 100%. O IDHM-Educação é a média desses 2 índices, com peso 2 para o da taxa de alfabetização e peso 1 para o da taxa bruta de freqüência. Índice de renda (IDHM-R) - Índice do IDH relativo à dimensão Renda. É obtido a partir do indicador de Renda per capita, através da fórmula: [Log (valor observado do indicador) - Log (limite inferior)] / [Log (limite superior) - Log (limite inferior)],onde os limites inferior e superior são equivalentes a R$ 3,90 e R$ 1559,24, respectivamente. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M). É obtido pela média aritmética simples de três índices, referentes às dimensões Longevidade (IDHM Longevidade), Educação (IDHM-Educação) e Renda (IDHM-Renda).

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