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77 Juiz de Fora 2006 Érica Fernandes Costa Duarte¹ O nativo brasileiro, após anos seguidos de humilhação e barbaridades, vem, aos poucos, sendo reconhecido como produtor de uma cultura única, bela e genuinamente brasileira. Tendo como ponto de partida a Constituição de 1988, que garantiu direitos mínimos de cidadania aos povos indígenas, um processo de resgate cultural pôde ser iniciado, abrindo caminho para a produção de um material direcionado de autolegitimação. A literatura de autoria indígena vem marcando presença de forma eficiente na reconquista de um espaço outrora perdido, servindo como porta-voz desse grupo excluído, exterminado, minoritário. Cercado por beleza e ludismo, o discurso literário produzido pelo nativo brasileiro tem caráter emocional, filosófico e, acima de tudo, político. Grupos Minoritários. Literatura Indígena. Autolegitimação. The Brazilian native, after years and years of humiliation and atrocities, has being slowly recognized as producing an unique, beautiful, and authentic Brazilian culture. A truly cultural revival could be done, from the 1988 Brazilian Constitution, opening ways for a self identity material production. The native literature is nowdays reconquering its space, speaking by this minority group. Rounded by beauty and joy, the indigenous literary work has a deeply emotional, philosophical and political meaning. Minority groups. Indigenous literature. Self identity. O nativo brasileiro vem sendo, desde 1500, RESUMO Palavras-chave: ABSTRACT Key words: INTRODUÇÃO DE PERI A MUNDURUKU: A INSERÇÃO DO INDÍGENA NO CONTEXTO LITERÁRIO BRASILEIRO Mestranda em Letras pelo CES/JF. Artigo escrito sob orientação da Profª Drª Nícea Helena de Almeida Nogueira.

DE PERI A MUNDURUKU: A INSERÇÃO DO INDÍGENA NO CONTEXTO LITERÁRIO BRASILEIRO

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O nativo brasileiro, após anos seguidos de humilhação e barbaridades, vem, aos poucos, sendo reconhecido como produtor de uma cultura única,bela e genuinamente brasileira. Tendo como ponto de partida a Constituição de 1988, que garantiu direitos mínimos de cidadania aos povos indígenas,um processo de resgate cultural pôde ser iniciado,abrindo caminho para a produção de um material direcionado de autolegitimação. A literatura de autoria indígena vem marcando presença de forma eficiente na reconquista de um espaço outrora perdido, servindo como porta-voz desse grupo excluído, exterminado, minoritário. Cercado por beleza e ludismo, o discurso literário produzido pelo nativo brasileiro tem caráter emocional,filosófico e,acima de tudo,político.

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Érica Fernandes Costa Duarte¹

O nativo brasileiro, após anos seguidos de humilhação ebarbaridades, vem, aos poucos, sendo reconhecido comoprodutor de uma cultura única, bela e genuinamente brasileira.Tendo como ponto de partida a Constituição de 1988, quegarantiu direitos mínimos de cidadania aos povos indígenas, umprocesso de resgate cultural pôde ser iniciado, abrindo caminhopara a produção de um material direcionado deautolegitimação. A literatura de autoria indígena vem marcandopresença de forma eficiente na reconquista de um espaçooutrora perdido, servindo como porta-voz desse grupoexcluído, exterminado, minoritário. Cercado por beleza eludismo, o discurso literário produzido pelo nativo brasileirotem caráter emocional, filosófico e, acima de tudo, político.

Grupos Minoritários. Literatura Indígena.Autolegitimação.

The Brazilian native, after years and years of humiliation andatrocities, has being slowly recognized as producing an unique,beautiful, and authentic Brazilian culture. A truly cultural revivalcould be done, from the 1988 Brazilian Constitution, openingways for a self identity material production. The native literatureis nowdays reconquering its space, speaking by this minoritygroup. Rounded by beauty and joy, the indigenous literary workhas a deeply emotional, philosophical and political meaning.

Minority groups. Indigenous literature. Self identity.

O nativo brasileiro vem sendo, desde 1500,

RESUMO

Palavras-chave:

ABSTRACT

Key words:

INTRODUÇÃO

DE PERI A MUNDURUKU: A INSERÇÃODO INDÍGENA NO CONTEXTOLITERÁRIO BRASILEIRO

Mestranda em Letras pelo CES/JF. Artigo escrito sob orientação da Profª Drª NíceaHelena de Almeida Nogueira.

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desconsiderado e maltratado, sofrendo preconceitosque tiveram origem com os colonizadores portugueses e foicontinuado pelos que destes descenderam, ou seja, a maiorparte da população brasileira. Pela ação direta ou indireta dohomem branco, que perseguiu, escravizou e transmitiu todotipo de doenças e males, o índio brasileiro acabou se tornandoum grupo minoritário.

Nações indígenas numerosas foram dizimadas aolongo dos anos, línguas e culturas próprias de cada tribo foramse apagando, morrendo junto com os nativos. O grito de socorrodo indígena não era ouvido ou, simplesmente, era ignorado.Esses povos, verdadeiros fundadores de uma culturagenuinamente brasileira, eram levados, pelo descaso e pelopreconceito, a ter vergonha de ser índio, renegando sua própriacondição.

Com a Constituição de 1988, o indígena finalmentecomeçou a ser valorizado, sua língua foi reconhecida e, a partirdessa data, foi garantido o direito de a criança indígena seralfabetizada dentro de sua própria tradição lingüística.Monitores bilíngües e os próprios índios passaram então atrabalhar em prol de uma nova visão da educação indígena.

Com essa nova proposta para a educação indígena, anecessidade de material didático direcionado virou umarealidade, criando, desta forma, a necessidade de se escrever oque até então só era contado. Deste fato, começaram a surgir osprimeiros livros indígenas, feitos por índios para índios.

Juntamente com as cartilhas bilíngües usadas naalfabetização das crianças indígenas, começou a ser escrito epublicado outro tipo de material literário indígena, voltado paraa literatura infantil ou adulta. Pouco a pouco, esse material vemmostrando sua beleza e qualidade e vem disputando espaço naslivrarias com o literário tradicional, fato considerado impossívelhá até bem pouco tempo atrás.

Nomes de indígenas importantes, como os de DanielMunduruku e Eliane Potiguara, dentre outros, têm levado ahistória de seus povos pelo Brasil e exterior, numa tentativa deresgate das suas tradições, bem como uma homenagem a essesque só sobreviveram por determinação e coragem.

Este artigo tem por objetivo apresentar a literaturaindígena e seus principais representantes. Dados históricos

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sobre o período do descobrimento e eventos atuais,relacionados a mulheres indígenas de destaque, também serãoutilizados a fim de traçar um panorama sobre o mundo indígenae sua contribuição para a Literatura e a Cultura brasileiras.

Cristóvão Colombo, ao sair da Espanha com destino àsÍndias, acabou descobrindo a América e chamou de índios osque nesta terra habitavam, por acreditar que havia chegado aoseu destino pretendido.

De acordo com a maioria dos livros didáticos deHistória, o Brasil foi descoberto em 22 de abril de 1500 peloalmirante português Pedro Álvares Cabral, não se levando emconta o fato de que os nativos já vinham habitando aquelaregião há cerca de quinhentos anos.

A terra onde aportaram as naus européias era chamadade Pindorama (DEMARQUET, 1986, p.37) por seus habitantes.Muitos eram esses povos no século XVI. Os Tupi-guaranis (cercade 85 mil) ocupavam quase todo o litoral do Brasil. OsTupinambás (que somariam por volta de 100 mil), ocupavamdesde a margem direita do São Francisco até o RecôncavoBaiano.

Além destas tribos mais numerosas, pode-se citartambém outras de grande importância na formação do povobrasileiro: Potiguar, Tremembé, Tabajar, Kaeté (os deglutidoresdo Bispo Sardinha), Tupinambá, Aimoré, Tupiniquim,Temiminó, Goitacá, Tamoio e Carijó (BUENO, 2003, p.19).

Neste período, os que aqui habitavam foram chamadosde negros, por não serem brancos como os europeus e porlembrarem os africanos. Na Bahia, onde foram escravizados oualiciados para que fizessem a retirada do pau-brasil, ficaramconhecidos como brasis ou brasilienses (JECUPÉ, 2000, p.15).

Com o passar do tempo, apesar de apresentaremdiferentes línguas, costumes, aparência e tradições, o termo“índio” passou a ser usado de forma generalizada, para nomeartodos os nativos e até hoje nivela e iguala em uma únicacategoria dezenas de povos distintos.

O nativo, no início da colonização, seduzido porespelhos e contas, exerceu o papel de colaborador do

NA ERA DOS DESCOBRIMENTOS

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português, ajudando-o a fixar residência e a se adaptarao novo ambiente. Aprender o tupi foi uma maneira eficaz deaproximação. A aprendizagem da língua pelos colonizadoresnão representava uma aceitação da mesma, pelo contrário, foifalando tupi que os jesuítas começaram o processo decatequização dos índios. Com inigualável preparo intelectual,os jesuítas aprenderam rapidamente a nova língua e deram aela, de forma eficaz, uma estrutura gramatical, passando aensiná-la a todos os índios. Dessa forma, surgiu em poucotempo uma língua geral que substituiu os modos particulares defala de muitas tribos, o que facilitou a conversão dos nativos aocatolicismo e a sua descaracterização enquanto gruposdiferenciados.

Os nativos, encarados pelos portugueses com desprezoe preconceito, considerados como povos inferiores, eramlevados a crer pelos missionários que somente se deixassem delado seus hábitos e costumes tradicionais atingiriam a condiçãode homem. Após a desestruturação das suas tribos e respectivasculturas, o nativo oferecia menos resistência, servindo comomão-de-obra na extração do pau-brasil.

O Brasil possui dimensões continentais. Sua superfíciemede, aproximadamente, 8.500.000 km. Banhado pela maiorbacia hidrográfica do mundo, a amazônica, o país apresentauma pluralidade no que se refere a seu povo e, por conseguinte,sua cultura. Essas diferenças deveriam ser respeitadas eprincipalmente valorizadas, já que, ao procurar-se o verdadeirosignificado do que seja o homem brasileiro, encontrar-se-á umtipo mesclado, não genérico, de conceituação complexa edifícil.

A cultura no Brasil não pode ser encarada, portanto, demaneira linear e uniforme, pois o meio ambiente e os seusrecursos (incluindo qualidade de vida) facilitam ou dificultam asobrevivência do ser humano e essas experiências podeminfluenciar, de maneira direta ou indireta, a produção culturaldos mesmos. Dessa forma, no Brasil, não se pode falar emuniformidade cultural e, sim, em valorização da multiplicidadecultural (CASCUDO, 1967, p.10).

GRUPO MINORITÁRIO: EXCLUSÃO E PRECONCEITO

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O colonizador, ao chegar ao Brasil, olhou o nativo queaqui vivia com o mesmo preconceito com que encarava o negro.Para eles, o nativo era um selvagem e, como tal, precisava serdomado. Seus costumes, língua e religião foram desprezados, jáque, para o europeu, o que de útil poderia apresentar um povotão “inferior” como eram os primeiros habitantes do Brasil?

Por conta de um preconceito arraigado, o negro e oíndio foram, por anos a fio, encarados como não civilizados,incapazes de produzir algo realmente importante, de valorcultural reconhecido. O estigma de inferioridade queacompanha os descendentes desses grupos desde os primórdiospermanece até hoje, renegando todo um processo de formaçãocultural brasileira.

Além desses dois grupos já mencionados, a mulher e ohomossexual também foram vitimados ao longo dos anos porfugirem a um padrão considerado ideal pela sociedade. Amulher era vista como utensílio doméstico, só preparada para oscuidados da casa e dos filhos (GATAI, 1995, p.13), incapacitadapara quaisquer outras funções que não fossem estas.

O homossexual, por sua vez, era considerado umdesvio da natureza, portador de alguma doença mental que ofazia agir de uma maneira fora dos padrões sociais consideradosconvencionais. Exposto de modo vexatório, sendo perseguido,julgado e condenado por não se adequar a um comportamentoimposto por uma sociedade conservadora, o homossexualjamais poderia ser aceito como produtor de cultura.

Esses grupos reduzidos, perseguidos e marcados porestereótipos, acabaram encontrando na literatura um caminhoque serviu tanto como veículo de valorização cultural, comotambém de porta-voz de denúncias raciais e preconceito. A obraliterária produzida por eles tem a intenção, portanto, de trazerum retrato fiel do que vem a ser a sua cultura, proporcionandoao leitor um exercício de reflexão sobre identidades culturais eraciais e permitindo que seus acervos histórico-culturais sejamconhecidos, mantidos e, principalmente, valorizados.

Os grupos minoritários encontraram na literatura umcampo fecundo onde puderam assumir e defender suasdiferenças culturais. Ter direito à voz própria, desfrutar da suaprópria cultura, praticar sua própria religião e usar sua próprialíngua são direitos defendidos por tratados internacionais,

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porém pouco reconhecidos e, muito menos, exercidosplenamente.

Apesar da evolução cultural em que o mundo seencontra, muitos críticos não levam em consideração aqualidade cultural dos trabalhos produzidos por esses grupos,simplesmente porque fogem do que é considerado tradicional.No caso da literatura indígena em particular, o materialproduzido chega até mesmo a ser encarado como subliteratura(SOUZA, 2001, p.69), oriunda do popularesco e destinadasomente a ele.

Estudos a respeito da população indígena apontampara, aproximadamente, 206 povos nativos no Brasil, cada qualcom seus costumes e língua própria. É possível, segundo osantropólogos que realizaram esses estudos, que alguns delesjamais tenham se encontrado.

A tradição oral indígena foi, desde 1500,desconsiderada e inutilizada. O povo que já habitava o Brasilantes de Pedro Álvares Cabral possuía uma arte verbal muitorica e diversificada, denominada Nessa perspectiva,portanto, a “poesia dos índios” seria o início da criação textualem nossos trópicos (RISÉRIO, 1993, p.50).

É provável que essa desconsideração européia paracom a cultura ágrafa indígena, não permitindo que já naquelaépoca os textos indígenas fossem codificados para a linguagemescrita, tenha dado início ao preconceito até hoje arrastado pelaliteratura produzida por esse grupo, ainda considerada pormuitos críticos como inferior, ou até mesmo inexistente.

Dentro do Cânone literário, podem-se citar doismovimentos que trouxeram a presença do índio de forma

LITERATURA INDÍGENA

Segundo Jecupé (2000, p.20) antes de existir apalavra índio para designar todas as nações indígenas, jáexistia o espírito índio espalhado em centenas de tons.Os tons foram se dividindo por afinidades, formandoclãs, que formaram tribos, aldeias, e constituíramnações. De modo que o índio é uma qualidade deespírito posta em uma harmonia de forma.

poemúsica.

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bastante diferente. O romantismo de José de Alencartrouxe a figura do índio idealizado, o mito do bom selvagem,personificado na figura do índio Peri (COUTINHO, 2001, p. 40).Já o índio Macunaíma, criado por Mário de Andrade noModernismo, era um “herói sem nenhum caráter” (ANDRADE,2000), registrando uma possível identidade do povo brasileiro,uma mistura de vários povos, como numa colagem cubista.

Com o Manifesto Antropofágico e o Manifesto daPoesia Pau-Brasil, Mário e Oswald de Andrade, aliados aosparticipantes da Semana de 22, convocaram o Brasil areconhecer seus símbolos locais e a ouvir novos ritmos e sons.Pode-se considerar este movimento como um início da rupturacom o nosso passado literário, que só valorizava o que eraestrangeiro.

Somente com a Constituição de 1988, as línguasnativas foram reconhecidas oficialmente, abrindo espaço para aeducação bilíngüe no Brasil, o que permitiu o estudo da culturaindígena em seu próprio habitat, isto é, dentro das escolaslocalizadas em meio às tribos. Até essa data as mesmas eramobrigadas a seguir o currículo nacional brasileiro de educação,fato que em muito contribuía para a desestabilização da culturae da auto-estima desses grupos.

O aspecto lingüístico, bastante complexo e variado,passou a ser encarado como representação própria de cada triboindígena. O ensino passou então a ser feito, levando-se emconsideração essas realidades únicas e suas heranças culturais,dando início a um processo de resgate histórico. A constituiçãorepresenta, portanto, o grande marco no que se refere àretomada dos valores indígenas, tão subestimados e esquecidos.

Com essa nova visão da educação indígena, os nativospuderam participar da elaboração dos planos e programaseducacionais voltados para a sua tribo, e melhor que isso,puderam transmitir, oralmente ou por escrito, suas lendas emitos, bem como desenhar ilustrações para seus livros. O papeldo idoso se mostrou fundamental no processo de narração dashistórias. Esses povos possuem uma forte tradição oral e é tarefado homem mais velho da comunidade contar aos mais novos ashistórias que foram contadas a ele por seus antepassados e quedevem permanecer vivas na voz de seus sucessores. Percebe-senesse fato uma grande contradição entre o nativo e o branco.

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Enquanto aquele, considerado inferior sabereconhecer a importância do idoso, o homem dito civilizado,que se considera superior, renega e abandona o mais velho, poracreditar na falta de capacidade do mesmo.

Os monitores bilíngües passaram então a representarum papel de fundamental importância no trabalho com o povoindígena. Não bastando apenas dominar uma técnica de ensinoespecial, o monitor bilíngüe passou a patrocinar uma novaforma de educação, com a intenção de levar a criança índia acrescer sob uma consciência crítica da importância de seu povono panorama nacional (SANTOS; WIELEWICKI, 2005, p.285).Essa nova forma de encarar a educação indígena permitiu queas crianças pudessem aprender a ler em sua própria língua,tendo o português como uma segunda língua, preparando-apara o futuro, porém, sem negligenciar seu passado.

O ensino das crianças indígenas, baseado em suaspróprias leis, costumes e cultura, gerou um movimento em prolda criação de livros que atendessem ao principal objetivo destanova visão da educação: livros escritos pelos próprios nativos eque abordassem fatos de sua realidade, bem como marcosimportantes de seu passado. Esse material oriundo dasrepresentações indígenas vem de forma tímida ocupando asprateleiras das livrarias e conquistando, aos poucos, um públicosensível, que encara a literatura indígena como especial,despindo-se de qualquer preconceito para apreciá-la eentender a importância cultural e social da mesma. O leitordesse material é brindado com histórias seculares, recheadas delirismo e beleza.

Dentre os escritores indígenas que vêm surgindo nopanorama atual, citar-se-ão, nesse artigo, alguns que, porestarem mais presentes na mídia, representam a produçãoliterária indígena como um todo, vencendo preconceitos econquistando espaços.

O escritor Daniel Munduruku nasceu no Pará e é índioda nação Munduruku. É formado em Filosofia pelas FaculdadesSalesianas de Lorena, licenciado em História e Psicologia emestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de

PRINCIPAIS REPRESENTANTES

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São Paulo. Preside o Instituto Indígena paraPropriedade Intelectual (INBRAPI) e participa ativamente deatividades ligadas à defesa das causas e das tradições indígenas.

Munduruku é autor de livros como(1996), obra dividida em três partes que traz crônicas,depoimentos, informações sobre povos indígenas, além de umglossário da língua munduruku; (2002),direcionado a crianças em início de alfabetização, trata sobre aspossibilidades do conhecer de uma criança nativa criada dentrode sua cultura e (2003), uma narrativa queem muito lembra os mitos indígenas, tendo como personagemprincipal o menino Lua, cuja missão é defender a aldeia e afloresta, contando com a ajuda de um macaco, uma onça e umacapivara.

Daniel Munduruku foi o primeiro autor brasileiro areceber a menção honrosa da Unesco de literatura infanto-juvenil sobre tolerância entre os povos por seu livro

. (1996).Este é um livro de caráter memorialístico, que aborda a culturamunduruku a partir da narrativa de Apolinário, avô do autor.

Kaká Werá Jecupé é filho de pais tapuias, outxucarramães. Nasceu em Parelheiros, na periferia de São Paulo,onde ainda sobrevive um agrupamento de índios e setransformou num educador, com a intenção de difundir valoresuniversais da cultura indígena, como o respeito ao próximo, ànatureza e ao conhecimento dos antigos. (DIMENSTEIN, 2003).

Jecupé publicou seu primeiro livrono ano de 1994. Esta obra narra a história de um jovem

índio que presencia o crescimento desenfreado da cidade deSão Paulo e a ameaça que este progresso representa para umatribo Guarani vizinha a sua casa, abordando fatos relacionados àinterferência nos costumes e na qualidade de vida daquela

História de índio

Kabá darebü

O segredo da chuva

Meu avôApolinário Um mergulho no rio da (minha) memória

Oré awé roiru´ama

Segundo Munduruku (2006) [...] histórias moramdentro da gente, lá no fundo do coração. Elas ficamquietinhas num canto. Parecem um pouco com a areiano fundo do rio: estão lá, bem tranqüilas, e só deixamsua tranqüilidade quando alguém as revolve. Aí elas semostram [...].

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comunidade.No ano de 1996, o escritor pronunciou-se sobre a

religiosidade indígena em Oxford (Inglaterra) e, em 1997, aconvite da Universidade de Stanford (Estados Unidos),discursou sobre a religiosidade ancestral indígena, em umencontro inter-religioso que reuniu cerca de duzentos líderes detodo o mundo.

Além da obra acima citada, o autor publicou também(2000), onde revela os ensinamentos secretos da

nação Guarani, antes só divulgados aos pajés, numa tentativa devalorização da diversidade cultural brasileira e

(2004), obra biográfica onde o autor relembra os valoresindígenas contados pelos ancestrais de sua tribo, ressaltando aimportância de se preservar o espírito.

Yaguarê Yamã é um índio pesquisador que nasceu naselva amazônica. Ele pertence ao povo Saterê Mawé que vivena área indígena Andirá-Maráw, na fronteira entre os estados doAmazonas e do Pará, numa região de floresta.

Yamã é professor, palestrante de temática indígenapelo Brasil e escritor de vários livros, como

(2004), obra que resgata a memóriacultural mawé através de relatos da infância do escritor;

(2004), que traz um relato do autor a respeito dos preceitos econhecimentos de uma tradicional religião indígena;

(2005), livro composto por oito contos, sendoque um deles trata do mito do guaraná, pertencente às tradiçõesdos Saterê Mawé, conhecidos como o “povo do guaraná”.Sobre esta última obra, o autor comentou que via no livro aesperança de difusão da memória ancestral de seu povo(YAGUARÊ, 2006).

Olívio Jecupé é índio da nação guarani. Publicou oitolivros, dentre os quais se pode destacar:

Tupã Tenonde

A Terra dos MilPovos

Sehay ka´at haría: Ocaçador de histórias

Urutópiag: a religião dos pajés e dos espíritos da selva

Puratig:O remo sagrado

Iarandu: o cão Falante

Segundo Jecupé (2002, p.12) [...] Há tribos quecomeçam a sua história desde quando o clã eram seresdo espírito das águas. Outras trazem a sua memóriaanimal como início da história, assim como há aquelasque iniciam a sua história a partir da árvore que foram.

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(2002) onde figuram como personagens principais umcurumin e seu cão falante;(2002), narrativa sobre um nativo conhecido por suadeterminação no que se referia à defesa dos direitos de seu povoe (2005) que traz como narradorum indiozinho Guarani contador de histórias repletas defantasia e imaginação.

Em um texto intitulado “Os velhos são nossos mestres”,publicado na Bay-Universidade Indígena, Jecupé tambémchama a atenção sobre a importância dos idosos na transmissãoda cultura indígena, referindo-se aos idosos como os grandesresponsáveis pela transmissão, manutenção e imortalidade dashistórias de seus povos.

Eliane Potiguara é uma escritora indígena da naçãoPotiguar, formada em Letras (Português-Literatura) e licenciadaem Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). É Conselheira do Instituto Indígena de PropriedadeIntelectual (INBRAPI), Coordenadora da Rede de EscritoresIndígenas na Internet e também de um grupo voltado para ainformação das nativas (GRUMIN) que moram tanto nas aldeiasquanto nas cidades.

Pela criação deste último, por ter trabalhado pelaeducação e integração da mulher indígena no processo social,político e econômico do país, bem como na elaboração daConstituição Brasileira, Eliane foi nomeada uma das “DezMulheres do Ano de 1988”, pelo Conselho das Mulheres doBrasil. Em 1992, foi Co-Fundadora/Pensadora do Comitê Inter-Tribal 500 Anos , por ocasião da Conferência Mundialda ONU sobre Meio-Ambiente, junto com Marcos Terena,Idjarruri Karajá e muitos outros líderes indígenas do país, alémde ter participado de dezenas de assembléias indígenas em todoo país.

Ainda no final de 1992, por seu espírito de luta,traduzido em seu livro (1989), foipremiada pelo da Inglaterra, ao mesmo tempo em queestava sendo citada na lista dos “Marcados para Morrer”,anunciados no Jornal Nacional (Rede Globo de Televisão) paratodo o Brasil, por ter denunciado esquemas duvidosos eviolação dos direitos humanos e indígenas.

Eliane já participou de, aproximadamente, 56 fóruns

Xerekó Arandu, a morte de kretã

Verá: O contador de histórias

A terra é a mãe do índio

(kari-oka)

Pen Club

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internacionais e mais de 100 nacionais sobre direitoshumanos, além de ter feito parte do Comitê Consultivo doProjeto Mulher, 500 anos atrás dos panos, que culminou no

(2000), e da elaboração da“Declaração Universal dos Direitos Indígenas”, na ONU, emGenebra. Por seu empenho, recebeu em 1996 o título de“Cidadania Internacional”, concedido pela doutrina religiosa

entidade que trabalha pela implantação da PazMundial.

Além de , a escritora publicououtras obras, como(1994), livro apoiado pela Unesco que serve como uma cartilhano processo de alfabetização de crianças e adultos e

(2005). Essa última obra é um romanceque narra a história de amor de um casal indígena, que ao seseparar na época da colonização brasileira e viajar por cincoséculos em busca um do outro, conhecem todas as Américas esuas histórias. Além da história de amor, o livro trata também derelações humanas, paz, identidade, história de vida, mulher,ancestralidade, família e a luta do movimento indígena,inclusive internacional

Essa escritora é um exemplo de força, garra edeterminação já que enfrenta preconceitos duplos, por sermulher e índia e conhece de perto todos os preconceitosgerados a partir dessas condições. Por esses motivos, a mulherindígena é retratada de forma especial nessa última obra citada.A autora fala sobre o papel fundamental destas mulheres nocontexto cultural e da sua real contribuição na sociedadebrasileira. Ela se faz porta-voz das dores destas mulheres(inclusive dela própria) e de seus desejos mais íntimos:

“Dicionário Mulheres do Brasil”

“Baha´i”,

A terra é a mãe do índioAkajutibiró: terra do índio potiguara

Metadecara, metade máscara

[...] Sou uma mulher de fibra, porque eu me reconstruípor mim mesma, depois de dançar desvairadamente navida com meu iludido sapatinho vermelho. Quaseperdi os meus pés, as ervas daninhas enrolaram nelespra que nunca mais caminhasse pelas estradas do saber,da consciência e do mais alto grau da espiritualidadeindígena, mas pude dominá-los e arrancar essesmalditos sapatinhos vermelhos das chamadas“MULHERES E MÃES BOAS DEMAIS"!!!!!![...](POTIGUARA, 2005, p. 86).

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militante política altamente engajada em prol dosdireitos humanos que envolvem a causa dos povos indígenas erepresentante literária mais árdua de sua classe, pode serconsiderada como o maior nome feminino envolvido nesseprocesso.

A escrita indígena conta ainda com uma contribuiçãoinfantil de grande importância. A curumin Kerexu Mirimpublicou, aos nove anos, seu primeiro livro, intitulado

(2003) onde ela narra, em uma história bilíngüe, arealização de seu grande sonho: andar de avião. A menina, cujonome significa “flor pequena” em Guarani, é filha do escritorOlívio Jecupé e vem aprendendo com o pai a importância de sevalorizar suas tradições e seu povo. A produção literária de umacriança nativa serve como resposta no que se relaciona àvalidade e à importância do resgate cultural que vem sendo feitojunto aos povos indígenas.

Além de Eliane Potiguara, outras mulheres indígenasvêm se destacando em áreas diversas, trabalhando em prol deum reconhecimento cultural de seus povos, na tentativa decombater e, quem sabe, num futuro próximo, exterminar opreconceito existente contra as populações indígenas.

Joênia Batista de Carvalho Wapichana é assessorajurídica do Conselho Indigenista de Roraima (CIR) e uma dasprincipais lideranças na defesa dos direitos territoriais dos povosindígenas da região de Roraima. Por sua atuação em defesa devítimas de tortura, discriminação racial e ameaça de morte,Joênia foi uma das finalistas do prêmio Cláudia 2004, entregueem São Paulo, na categoria Trabalho Social (ISA, 2004).

A índia Karipuna Vitória Santos dos Santos, da AldeiaSanta Isabel, município de Oiapoque-Amapá, foi empossadaem agosto de 2005 como a nova titular da SecretariaExtraordinária dos Povos Indígenas de seu estado. A escolha deseu nome para assumir o posto foi indicação dos próprios povosindígenas da região. Ela é a segunda indígena no Brasil a assumirtal cargo. O primeiro foi Francisco da Silva Pinhatã, da etniaAshaninka (PORTAL AMAZÔNIA, 2005).

A índiavoadora

GRANDES MULHERES INDÍGENAS

A nativa pernambucana Maria das Dores Pankararu il

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defendeu, em abril de 2006, em Alagoas, sua tese deDoutorado em Lingüística. A FUNAI (Fundação Nacional doÍndio) não tem registro de outro índio que tenha chegado aomais alto grau acadêmico do país.

Durante seu doutorado, Maria pesquisou a línguaindígena Ofayé, atualmente falada somente por 11 pessoas deuma comunidade localizada em Brasilândia (Mato Grosso doSul), portanto, em risco de extinção. O trabalho dapesquisadora, em parceria com a professora ofayé Marilda deSouza, consistiu na execução de uma cartilha destinada aensinar o idioma para as crianças da comunidade e criar umacorrelação entre as línguas oral e escrita, de modo a facilitar oaprendizado (

O nome de Joicelene Cruz Mandulão apareceu notopo da lista de aprovados do primeiro vestibular de graduaçãoespecífico para indígenas do Brasil em 2006. Ela é da etniaMacuxi, de Roraima e foi aprovada junto com mais novepessoas para cursar medicina na Universidade de Brasília (UnB).(COELHO, 2006).

A população indígena brasileira vem se mobilizandopara propagar sua cultura e, dessa forma, preservá-la.Representados por índios que saíram de suas comunidades embusca de estudo, de oportunidade de falar de seu povo, ouamparados por instituições de ensino de vanguarda, muitosgrupos têm surgido, focados unicamente na defesa dosinteresses indígenas.

O INBRAPI é o Instituto Indígena Brasileiro para aPropriedade Intelectual. É

ORGANIZAÇÕES EM PROL DA CULTURA INDÍGENA

BERNSTEIN, 2006).

uma organização não-governamental sem fins lucrativos. Dentre seus principaisobjetivos, pode-se destacar: promover a defesa de bens edireitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente eao patrimônio intelectual dos povos indígenas; realizar edivulgar pesquisas, estudos, organizar documentos referentesao tema da propriedade intelectual etc...

O Instituto Arapoty foi fundado por Kaka Werá Jecupêem 1994. “Arapoty ” significa “renascimento” ou“reflorescimento”, em guarani. O Instituto Arapoty dedica-se à

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divulgação dos valores culturais e éticos dos povosancestrais do Brasil, à criação de condições de subsistência egeração de renda, além de realizar ações educativas eecológicas.

O GRUMIN foi criado em 1987 e promove o acesso denativos e suas organizações a informações preciosas para eles,influenciando-os na formação de opiniões, além de desenvolverconsciências críticas, mobilizando indivíduos e organizações ao“empoderamento”, buscando o exercício dos direitos humanospara o desenvolvimento sócio-político-econômico do presentee do futuro de suas tradições e culturas. (GRUMIN, 2006).

Esta organizaçao posssui uma comunidade noOrkut, que conta com 1.049 membros, e um grupo de discussãona Internet (Yahoo grupos), composta por 341 membros. Ambossão liderados por Eliane Potiguara. De uma parceria entre oGRUMIN e o NEI (Núcleo de Escritores Indígenas do INBRAPI)será lançado o primeiro e-book (livro eletrônico) indígena naInternet. Participam da coletânea que compõe o livro diversosescritores e autores indígenas.

A Bay - Universidade Indígena é um dos projetosdesenvolvidos pela Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) que tem como objetivos estabelecer contatos derespeito e conhecimento entre a populações indígenas e asoutras culturas e favorecer o entrosamento das mesmas, atravésde um dialogo intercultural, que engrandeça

on line

todos osenvolvidos, tanto no campo educacional quanto no das relaçõesantropológicas.

No dia 04 de junho de 2004, a UFMG lançou a e-BAY,revista indígena eletrônica criada para divulgar a educaçãoindígena. Esse primeiro exemplar é fruto do trabalho de umaequipe de 80 pessoas da Universidade e de 110 índios de todasas etnias de Minas Gerais e contém trabalhos produzidos porrepresentantes dos povos indígenas, que passaram por oficinasde literatura, gravura, música, antropologia, além de reflexõesteóricas junto aos pesquisadores da Universidade. As oficinasforam oferecidas pela UFMG em 2002. (OLIVEIRA, 2005).

A UFMG coordena também a produção e a edição delivros indígenas, em parceria com o projeto Brasil Alfabetizado,do Ministério da Educação (MEC), além de promoverseminários e debates sobre a realidade da educação e da

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Em setembro de 2005, foi aprovada a licenciatura paraprofessores indígenas na UFMG. Esses professores poderãoingressar na Instituição no “Curso de Formação Intercultural deProfessores”, licenciatura especial que atende aos educadoresque já atuem em suas comunidades indígenas.

Conforme descrito ao longo deste artigo, a populaçãoindígena brasileira foi desde a conquista européia sendoexterminada não só fisicamente, mas também em sua moral esua cultura.

O indígena, primeiro desbravador das terras brasileiras,foi, ao longo de nossa história, tratado como escravo, tachadode preguiçoso e ignorante. Seus costumes foram interpretadosde forma desrespeitosa e irônica e somente seria salvo peloDeus do branco colonizador se renunciasse a seus costumes eentregasse sua alma à catequese, ato que o transformaria no“bom selvagem”. (BOSI, 1994, p.91).

Essas populações tão massacradas e esquecidasconseguiram manter suas histórias vivas através do relato oraldos anciãos das tribos, que as transmitiam de geração emgeração, possibilitando o trabalho de resgate cultural ememorialístico que hoje vem sendo feito.

Com a pós-modernidade, o indivíduo passou a não tercerteza de nada e a se questionar quanto à qualidade e à eleiçãodos cânones literários, considerados verdade absoluta emtermos de Literatura até então. Essa nova visão do indivíduopós-moderno deu abertura para que novos grupos fora doCânone literário se manifestassem. Pelo espaço aberto pelo pós-moderno no mundo contemporâneo adentraram os gruposminoritários, sua visão de mundo e suas experiências relatadasatravés de sua literatura. O pós-modernismo permite umafragmentação da realidade, uma mistura de estilos, umaruptura.

A literatura indígena, antes excluída e até mesmodesacreditada, passou a ter espaço, embora pequeno serelacionado a sua qualidade, nas prateleiras de algumas livrariaspelo país. Pouco a pouco, seus autores vêm conquistandoleitores e prêmios (até mesmo no exterior), derrubando mitos e

CONCLUSÃO

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ocupando lugares de destaque. Nomes como o deDaniel Manduruku e de Eliane Potiguara, dentre outros,representam pelo mundo a beleza do relato indígena.

O reconhecimento da importância do nativo pelapopulação mundial e pela brasileira, em especial, é um inícioimportante no que se refere à valorização do lastro culturaldesses povos tão singulares. A produção literária indígena, artegenuinamente brasileira, emoldurada em beleza e lirismo,ressurge, em meio às cinzas do preconceito, só que dessa vezmais fortificada e guerreira, portanto, pronta para a batalha.

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