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DEBATES GA CINT O informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional N o 43 / 2016 A Lei Aniterrorismo brasileira Instituto de Relações Internacionais Guilherme Torres e Alberto Pfeifer O encontro de maio do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (GACINT) discutiu a recém aprovação da Lei Antiterrorismo (Lei nº13.260/2016) e suas implicações. Conduzida pelo coordenador adjunto do GACINT, Alberto Pfeifer, a discussão teve como palestrante Guilherme Torres, chefe substituto da Divisão Antiterrorismo da Diretoria de Inteligência Policial,do Departamento da Policial Federal, e atual delegado da Polícia Federal (PF) de Brasília, única unidade que concentra o tema do terrorismo. Em vigor desde 16 de março de 2016, o projeto de Lei teve oito vetos da Presidente Dilma Rousseff, além de também ter sido modificado no Congresso. Para o delegado, embora a Lei, tal como aprovada, apresente restrições, ainda assim representa um grande avanço para a segurança brasileira. PORMENORES DA LEI O novo instrumento jurídico tipifica a atividade de terrorismo pela primeira vez no país. De acordo com o Art. 2º da Lei, terrorismo consiste na prática, por um ou mais indivíduos, de atos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. As penas vão de 12 a 30 anos de reclusão em regime fechado. Para ele, assuntos relativos a movimentos sociais e narcotráfico não podem ser considerados como terrorismo. Além da tipificação e das penalidades, os vinte artigos que a compõem trazem regras procedimentais da justiça, bem como detalhamento sobre os tipos de atos terroristas. As garantias e liberdades

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DEBATES GACINTO informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional

No 43 / 2016

A Lei Aniterrorismo brasileira

Instituto de Relações Internacionais

Guilherme Torres e Alberto Pfeifer

O encontro de maio do Grupo de Análise da Conjuntura

Internacional (GACINT) discutiu a recém aprovação da Lei Antiterrorismo (Lei nº13.260/2016) e suas implicações. Conduzida pelo coordenador adjunto do GACINT, Alberto Pfeifer, a discussão teve como palestrante Guilherme Torres, chefe substituto da Divisão Antiterrorismo da Diretoria de Inteligência Policial, do Departamento da Policial Federal, e atual delegado da Polícia Federal (PF) de Brasília, única unidade que concentra o tema do terrorismo.

Em vigor desde 16 de março de 2016, o projeto de Lei teve oito vetos da Presidente Dilma Rousseff, além de também ter sido modificado no Congresso. Para o delegado, embora a Lei, tal como aprovada, apresente restrições, ainda assim representa um grande avanço para a segurança brasileira.

PORMENORES DA LEI

O novo instrumento jurídico tipifica a atividade de terrorismo pela primeira vez

no país. De acordo com o Art. 2º da Lei, terrorismo consiste na prática, por um ou mais indivíduos, de atos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. As penas vão de 12 a 30 anos de reclusão em regime fechado. Para ele, assuntos relativos a movimentos sociais e narcotráfico não podem ser considerados como terrorismo.

Além da tipificação e das penalidades, os vinte artigos que a compõem trazem regras procedimentais da justiça, bem como detalhamento sobre os tipos de atos terroristas. As garantias e liberdades

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Guilherme Torres

constitucionais não são objeto da lei, assim como movimentos sociais.

Pela Lei, o auxílio a organizações terroristas também é crime. Promover, participar ou integrar esses grupos confere pena de cinco a oito anos de reclusão e multa (Art. 3º). Também estão criminalizados atos preparatórios de uma ação terrorista (Art. 5º). No mais, é crime com pena de quinze a trinta anos de reclusão financiar, direta ou indiretamente, planejamento, preparação ou execução de atos terroristas (Art. 6º). Por fim, as penas agravam-se em um terço se o ato resultar em lesão corporal, e pela metade, se houver morte (Art. 7º).

Dentre os vetos, foram retirados do texto final o Art. 4º, sobre penalização por expressão em redes sociais. Também foram excluídos temas relativos a danos ambientais (Art. 8º) e a cumprimento da pena (Art. 9º).

COOPERAÇÃO E POSSÍVEIS HOTSPOTS

Embora o marco legal tenha surgido apenas este ano, o palestrante ressaltou que a segurança pública nacional já acumulou

expertise considerável no assunto. Torres afirmou que no Brasil, desde os dois atentados a bomba na cidade de Buenos Aires – à Embaixada de Israel, em 1992, e à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994 –, os delegados passaram a atuar de forma tridimensional no combate às ameaças, dividindo-se em polícia judiciária, inteligência policial e administrativa. As ações de acompanhamento e vigilância já levaram à atuação em diversos casos como na operação MENDAZ, de 2015, de combate a uma rede de apoiadores do Estado Islâmico que mantinha esquema de lavagem de dinheiro. Nesse caso, os envolvidos foram enquadrados em termos de uso de documentos falsos perante órgão federal, lavagem de capitais, evasão de divisas, estelionato e associação criminosa.

Enfatizou, também, que o combate ao terrorismo requer cooperação interagências. Para ele, Agência Brasileira de Inteligência Nacional (ABIN), Forças Armadas e PF precisam trabalhar juntas para ter resultados eficazes. Nesse sentido, explicou a atuação específica de cada eixo. Por um lado, ABIN responsável pela inteligência de Estado, atuando juntamente com a Polícia Federal na prevenção dos atos. Por outro, Forças Armadas como forças de contingência. Esse esforço coletivo coordenado está previsto para se desenrolar durante as Olimpíadas deste ano. Torres comentou ter havido criação de comitês integrados para o monitoramento e divisão das tarefas, como no acompanhamento da tocha olímpica.

Outro tipo de cooperação discutido foi aquele com a sociedade e a academia. No debate, foram citados argumentos sobre

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terrorista.

O palestrante também falou sobre a Tríplice Fronteira. Mencionou a alta mobilidade transacional da região, onde há grande número de migrantes de religião islâmica. Torres relatou ser a área fonte de envio de recursos ao Hezbollah. Alegou, contudo, também não se tratar de financiamento a atos terroristas, uma vez que o Brasil não considera a organização como tal, devido à presença de hospitais e de centros educacionais financiados pelo grupo no Oriente Médio.

PRESSÃO INTERNACIONAL

Segundo o delegado, a decisão de aprovar em regime de urgência legislação sobre terrorismo vem como resultado de pressões internacionais. Explicou que a maior pressão vinha do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), instituição internacional fundada em 1989 pelo G-7. Inicialmente, o GAFI tinha como mandato a condução de esforços para desenvolvimento de medidas que coibissem a lavagem de dinheiro. Mais tarde, em 2001, o mandato foi expandido e passou

a necessidade de maior transparência na divulgação dos dados relativos a atividades de terrorismo no país. Exemplificou-se com o caso dos Estados Unidos, país em que existe alto grau de disseminação de informações sobre o tema (números, locais de maior instabilidade e vulnerabilidade etc). De forma contrária, a PF não disponibiliza relatórios de fácil acesso sobre o assunto, além de ter diálogo restrito com a sociedade e forças estaduais. Torres, contudo, informou que a PF vem construindo um banco de dados há mais de 20 anos, e concordou sobre os ganhos potenciais de um maior diálogo entre as esferas. Complementou afirmando que a PF tem melhorado o diálogo com a sociedade.

Para além da cooperação interagências e com civis, mencionou a necessidade de articulação nas relações regionais no sistema MERCOSUL. Torres enfatizou que a troca de dados é feita de forma satisfatória e regular, com reuniões temáticas e fóruns especializados para debater atas e assuntos em comum.

O delegado também comentou que a Lei Antiterrorismo brasileira difere em alguns pontos da percepção da Organização das Nações Unidas (ONU). Citou como exemplo o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 2006, quando tentou traçar acordo com o Governo do Estado de São Paulo para cessar ondas de violência. Para a ONU, tal procedimento é classificado como ação terrorista; perante a Lei nº 13.260/2016, porém, interpreta-se como ação de criminalidade organizada sem as motivações constantes para configurar ato

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Membros do Gacint ADHEMAR DA COSTA MACHADO FILHOADRIANA SCHOR ADRIANO HENRIQUE REBELO BIAVA AFFONSO CELSO DE OURO PRETO AFFONSO DE ALENCASTRO MASSOTALBERTO PFEIFER ALEXANDRE BARBOSAALEXANDRE RATSUO UEHARA ANGELO DE OLIVEIRA SEGRILLO ANTONIO CARLOS PEREIRA ANTONIO CORRÊA DE LACERDA ANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVABORIS FAUSTO CARLOS EDUARDO E CARVALHOCARLOS EDUARDO LINS DA SILVACELSO GRISICELSO NUNES AMORIMCHRISTIAN LOHBAUER CLAUDIO GONÇALVES COUTO CORONEL UBIRAJARA NEVESDANIELA CARLA DECARO SCHETTINIDÉCIO ODDONE DEISY VENTURA DEMÉTRIO MAGNOLI FELICIANO GUIMARÃESFELIPE LOUREIROGELSON FONSECA JUNIOR

GERALDO DE FIGUEIREDO FORBES GERALDO ZAHRANGILMAR MASIERO GONZALO BERRONGUNTHER RUDZITHELGA HOFFMANN HENRI PHILIPPE REICHSTUL JAIME SPITZCOVSKYJANINA ONUKI JOÃO GRANDINO RODAS JOÃO PAULO CANDIA VEIGA JOSÉ LUIZ PIMENTA JÚNIORJOSÉ LUIZ CONRADO VIEIRAKAI ENNO LEHMANNKJELD AAGAARD JAKSOBSEN LEANDRO PIQUET CARNEIRO LENINA POMERANZ LOURDES SOLALUCIA NADERLUCIANA NICOLALUIZ AFONSO SIMOENS DA SILVA LUKAS LINGENTHALMARCO AURÉLIO GARCIAMARIA ANTONIETA DEL TEDESCO LINS MARIA HELENA TACHINARDI MARIANA LUZOLIVER STUENKEL

OTAVIANO CANUTO PATRÍCIA CAMPOS MELLOPAULO ROBERTO FELDMANPAULO SOTERO PEDRO MENDONÇAPETER ROBERT DEMANT PETERSON FERREIRA E SILVAPHILIPPE LAVANCHYRAFAEL DUARTE VILLA RAFAEL SOUZA FONSECARICARDO UBIRACI SENNES ROBERTO ABDENUR ROBERTO RODRIGUES RODRIGO TAVARESRONALDO SARDEMBERGROSSANA ROCHA REIS RUBENS ANTÔNIO BARBOSARUY MARTINS ALTENFELDER SILVASAMUEL FELDBERGSÉRGIO ERNESTO ALVES CONFORTOSÉRGIO FAUSTO SÉRGIO SILVA DO AMARALTULLO VIGEVANI VAHAN AGOPYAN VERA THORSTENSEN YI SHIN TANG

Gacint Coordenador Geral Ricardo SennesCoordenador AdjuntoAlberto Pfeifer

DiretorPedro Dallari

Edição Boletim Debates Gacint Coordenador ExecutivoAndré Luiz Siciliano

IRI Contato: [email protected]ção Julia CouryVitor Zarantonelo

ColaboradoresAndré Michelin Bruno CamponêsMariana ChaimovichVictor Tibau

Coordenadora de ProduçãoPatrícia Tambourgi

FotografiaAndré Luiz Siciliano

CELSO LAFERJACQUES MARCOVITCHJOSÉ GOLDEMBERG

CAMILA ASSANO GIORGIO ROMANO SCHUTTEROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

AMANCIO JORGE S. NUNES DE OLIVEIRAMARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDAPEDRO DALLARIWALTER COLI

Conselho de Orientação do Gacint

constitucional, não tramitando, pois, nas comissões temáticas, nem sendo submetido a audiências públicas para discutir seu teor com especialistas convidados. Segundo eles, um PL com possibilidade de penas tão altas deveria ter sido debatido por mais tempo e com maior participação da sociedade civil.

Torres argumentou que a lei tende a ser restritiva quanto aos casos de aplicabilidade, não entrando na descrição da Lei a tipificação de movimentos sociais ou reivindicações por direitos fundamentais, por exemplo. Concluiu enfatizando que o objetivo é definir formas de prevenção, como o combate ao ato preparatório e ao aliciamento.

a incorporar combate ao financiamento de atividades terroristas. Estar na lista negra do GAFI é sinal vermelho para investidores em busca de ambientes financeiros considerados “saudáveis”. Caso o Brasil não tomasse providências imediatas e sancionasse uma lei sobre o tema, o país seria colocado em uma lista especial pela organização, que tiraria a sua credibilidade.

No entanto, embora a aprovação da Lei possa ter agradado financiadores internacionais, internamente ela não está livre de críticas, tanto no que diz respeito a questões formais e materiais. Grupos em defesa dos direitos humanos se mostraram contra o texto aprovado e o processo ao qual o Projeto de Lei (PL) foi submetido para aprovação. O PL foi enviado pelo Executivo ao Congresso em regime de urgência