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Defeitos do Negócio Jurídico

Defeitos do Negócio Jurídico. Para iniciarmos o estudo dos defeitos do negócio jurídico, temos que recordar da manifestação de vontade livre e de boa-fé

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Defeitos do Negócio Jurídico

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• Para iniciarmos o estudo dos defeitos do negócio jurídico, temos que recordar da manifestação de vontade livre e de boa-fé. Como vimos em estudo anterior, a manifestação de vontade livre e de boa-fé é elemento validação no estudo do Plano da Validade dos negócios jurídicos. É necessário recordar, pois os defeitos atingem exatamente o consentimento nos negócios jurídicos.

• Segundo os principais doutrinadores adotados para confecção da apostila (Stolze e Pamplona, ob. cit. ant., 2013, pág. 393), os defeitos dos negócios jurídicos se classificam em:

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• 1 – Vícios do consentimento: aqueles em que a vontade não é expressada de maneira absolutamente livre. São eles:

– a) Erro;

– b) Dolo;

– c) Coação;

– d) Lesão;

– e) Estado de perigo;

• 2– Vícios sociais: aqueles em que a vontade manifestada não tem, na realidade, a intenção pura e de boa-fé que anuncia. São eles:

– a) Simulação;

– b) Fraude contra credores.

• Vamos estudar cada um deles.

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ERRO (ou ignorância)• Previsão Legal – Arts. 138 a 144 do Código Civil.

• Conceito: Quando o agente, por desconhecimento [ignorância] ou falso conhecimento das circunstâncias [erro], age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação. (Caio Mário da Silva Pereira in Stolze e Pamplona, 2013, págs. 393 e 394).

• É necessário destacar que, conforme Tartuce (2013, pág. 370): “Nos dois casos [ignorância ou erro], a pessoa engana-se sozinha, parcial ou totalmente...”

• Portanto, não estamos tratando de hipótese em que a pessoa é dolosamente enganada, mas sim, em que ela se engana.

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• Características necessárias: Segundo o Art. 138 do Código Civil, o erro só é considerado causa de anulabilidade do negócio jurídico, se for:

• a) Substancial (essencial)

• Entende-se como substancial o erro que incide sobre a essência (substância) do ato que se pratica sem o qual este não se teria realizado. Analisando por partes os incisos do Art. 139 do C.C., temos as seguintes classificações de erros substanciais:

• Art. 139. O erro é substancial quando:

• I - interessa à natureza do negócio, (....)– Segundo os doutrinadores adotados, o também chamado de error in negotio

é aquele que incide sobre a natureza do negócio que se leva a efeito. Ex.: Agente acredita, sem ser induzido, que está recebendo uma doação quando na verdade se trata de comodato.

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• I – (...) ao objeto principal da declaração...– É denominado pela doutrina de error in corpore. Trata-se daquele que versa

sobre a identidade do objeto. Ex.: Segundo Carlos Roberto Gonçalves, (2013, pág. 402), temos: Comprador, que acredita esteja a adquirir um terreno que supões valorizado, pois situado em rua importante, mas que, na verdade, tem pouco valor, porque localizado em rua do mesmo nome, porém de um pequeno vilarejo; o da pessoa que adquire um quadro de um aprendiz, supondo tratar-se de tela de um pintor famoso; ou, ainda, o do indivíduo que se propõe a alugar a sua casa da cidade e o outro entende tratar-se de sua casa de campo.

• I – (...) ou a alguma das qualidades a ele essenciais.– É chamado pela doutrina de error in substantia. É o erro sobre a essência da

coisa ou as propriedades essenciais de determinado objeto. É o erro sobre a qualidade do objeto. Ex.: Citado por Tartuce (2013, pág. 370): “Agente adquire carro modelo intermediário pensando tratar-se de um modelo luxuoso (STJ, REsp. 1.021.261/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.04.2010, Informativo n. 431).” O exemplo clássico citado pela doutrina é o caso de alguém, por engano próprio, comprar relógio imaginando ser de ouro maciço mas é apenas folheado.

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• II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

– A doutrina nomeia a previsão do inciso II do Art. 139 do C.C. de error in persona. Relaciona-se com a identidade ou qualidade de determinada pessoa. Exs.: doação ou deixa testamentária a pessoa que o doador supõe, equivocadamente, ser seu filho natural. Outro exemplo comum é de ignorar determinado vício de comportamento de outra pessoa (p. ex. compulsão sexual) e celebrar casamento (Ver Art. 1.557, CC).

– É relevante destacar que tal erro deve ser sobre condição que tenha significativa influência na declaração de vontade. Em outras palavras, se soubesse da verdade, a declaração de vontade seria de forma diversa.

• III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

– Conforme ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (ob. cit. ant., 2013, pág. 404), o Erro de direito ou também chamado de error júris, é aquele em que há falso conhecimento, ignorância ou interpretação errônea da norma jurídica aplicável à situação concreta. Segundo Caio Mário: “quando o agente emite declaração de vontade no pressuposto falso de que procede segundo o preceito legal” (in Carlos Roberto Gonçalves, 2013, pág. 404).

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• Ocorre que, conforme o Art. 3º da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro (LINDB) temos que: “Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

• Em razão do exposto no Art. 3º da LINDB, a doutrina teve que enfrentar o conflito aparente das normas. A solução encontrada foi a exigência de dois requisitos: o agente não pode alegar o erro visando descumprir a lei e o erro deve incidir sobre o motivo único ou principal do negócio (causa).

• Um ótimo exemplo utilizado pela doutrina talvez ajude a esclarecer a questão. Imagine que o agente celebre um contrato de importação de uma determinada mercadoria, sem saber que, recentemente, foi expedido decreto proibindo a entrada de tal produto no território nacional (Stolze e Pamplona, pág. 397). Nesse caso, se levado a ferro e fogo o preceito do Art. 3º da LINDB, o negócio deve ser realizado, com o pagamento do agente ao fornecedor e a consequente retenção das mercadorias na fronteira. Outro exemplo, mais comum, citado por Tartuce (2013, pág. 371, demais dados da obra nas referências bibliográficas disponibilizadas no início do curso):

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– “é o caso do locatário de imóvel comercial que celebra novo contrato de locação, mais oneroso, pois pensa que perdeu o prazo para a ação renovatória. Sendo leigo no assunto, o locatário assim o faz para proteger o seu ponto empresarial. Pois bem, cabe a alegação de erro de direito essencial ou substancial, a motivar a anulação desse novo contrato”.

• Uma vez analisados todas as partes dos incisos do Art. 139 do Código Civil, podemos entender o exposto no Art. 142 do mesmo diploma.

• O Art. 142 do C.C. trata do que a doutrina denomina de erro acidental. O erro acidental, de acordo com a leitura do artigo não implica em invalidade do negócio jurídico (ao contrário do erro substancial). É possível reconhecer o erro acidental nos casos de erro quanto ao objeto principal da declaração (error in corpore) e nos casos de erro quanto a pessoa (error in persona). Nesses casos, quando for possível identificar a coisa ou a pessoa em razão do contexto ou circunstâncias, posteriormente a celebração do negócio com defeito, não se anulará o negócio jurídico. Nestor Duarte (Código Civil Comentado, pág. 119), esclarece:

– “Essa disposição se entende com a do Art. 112, que manda atender mais a intenção que ao sentido literal da linguagem. O erro na designação de pessoa ou coisa, quando estas puderem ser identificadas pelas circunstâncias, entra na classificação de erro acidental, que não dá ensejo à anulação do negócio. Assim, o equívoco na indicação do estado civil ou do domicílio da pessoa não vicia. Do mesmo modo, a simples troca de nomes, como no caso de o testador deixar um legado para a pessoa de nome José, porque lhe salvou a vida em um naufrágio, mas quem o salvou se chama “Antônio”, e a este é que se referia na verdade”.

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• b) Escusável (perdoável)

• A segunda característica essencial do erro para que anule o negócio jurídico é quanto a ele ser escusável ou, em outras palavras, perdoável. O critério para entender se o erro é perdoável é o grau de discernimento de uma pessoa comum (também chamado pela doutrina clássica de homem médio). Isso implica dizer que não se admite a alegação de erro daquele que atuou com acentuado grau de displicência – por exemplo, alegar que estava em erro, pois acreditava ser um produto original, muito abaixo do preço de mercado, em banca de camelô.

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• Demais previsões legais quanto a anulação em razão de Erro

• O Art. 140 do C.C. trata do falso motivo. O falso motivo é responsável por trazer a causa (motivo determinante) para o reino da invalidade do negócio jurídico. Isso se deve ao fato de que o motivo de alguém celebrar um negócio não precisa ser expresso. Por exemplo, quando adquirimos um veículo ou um imóvel, não precisa constar enquanto elemento de validade do negócio que ele será utilizado por mim ou que darei para minha esposa ou que pretendo investir no imóvel. Enquanto estiver apenas nas minhas razões subjetivas, interiores, o motivo (ou causa) não terá relevância para o negócio jurídico (Carlos Roberto Gonçalves, pág. 412).

• Portanto, para invalidar o negócio jurídico é necessário que o motivo (ou causa) determinante conste expressamente do negócio e posteriormente seja verificada sua falsidade.

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• O Art. 141 do Código Civil fica claro quando entendemos a expressão “meios interpostos”. Meios interpostos são os meios de transmissão da vontade, entre eles os meios de comunicação escrita (carta), audiovisual (vídeo), e principalmente a internet (que pode ser escrita e audiovisual). A principal aplicação do Art. 141 do CC é aos negócios denominados “contratos eletrônicos”. Esclarece Carlos Roberto Gonçalves (pág. 412):

• “Se o declarante não se encontra na presença do declaratário e se vale de interposta pessoa (mensageiro, núncio) ou de um meio de comunicação (fax, telégrafo, e-mail etc.) e a transmissão da vontade, nesses casos, não se faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente (mensagem truncada), caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio”.

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• O Artigo 143 do Código Civil, conforme ensinamento de Flávio Tartuce (pág. 373) trata de caso de erro material retificável. O artigo prevê que nesses casos está autorizada a retificação da declaração dada. Cabe apenas a correção do cálculo mal-elaborado. Ensina Nestor Duarte (Código Comentado, pág. 120):

• “Considerada a exatidão da matemática, não configura erro o resultado obtido por errônea aplicação de suas regras. Assim, no caso de preço obtido na venda por medida de extensão (Art. 500, CC), não havendo divergência sobre a área e o preço unitário, pouco importa que, ao multiplicá-los, tenham as partes chegado a valor equivocado, bastando a correção do resultado. Nesse caso, não pode qualquer das partes pretender o desfazimento do negócio, mas apenas a retificação do que foi equivocadamente declarado.”

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• Por fim, o Art. 144 do Código Civil, prevê exatamente aquilo que está escrito, vejamos:

• Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

• Em outras palavras, concordando a outra parte em realizar aquilo que de fato foi negociado (real intenção da partes), não há que se falar em anulação. É afirmar o óbvio, mas tem relevância, por destacar a possibilidade das partes evitarem a anulação do negócio. É o exemplo de Maria Helena Diniz (in Flávio Tartuce, pág. 373):

• “Se A pensar que comprou o lote n. 4 na quadra X, quando, na verdade, adquiriu o lote n. 4 na quadra Y, ter-se-á erro substancial que não invalidará o ato negocial se o vendedor vier a entregar-lhe o lote n. 4 da quadra X, visto que não houve qualquer prejuízo a A, diante da execução do negócio de conformidade com a sua vontade real”.

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DO DOLO• Previsão Legal – Arts. 145 a 150 do Código Civil.

• -Conceito – Todo artifício malicioso empregado por uma das partes ou por terceiro, com o propósito de prejudicar outrem, quando da celebração de negócio jurídico (Stolze e Pamplona, 2013, pág. 398).

• Segundo Carlos Roberto Gonçalves (ob. cit. ant., pág. 415):

• “O dolo difere do erro porque o erro é espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro...”.

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• Espécies, Classificações e Características necessárias (requisitos)

• Para estudarmos as características necessárias ou requisitos do dolo, precisamos primeiro classificar as diferentes formas de dolo apontadas pela doutrina (espécies ou classificações). Importante, pois de acordo com o dolo enfrentado, diferentes características ou requisitos serão observados para a configuração do vício, consequentemente determinando o tratamento legal.

• A primeira espécie ou classificação decorre do Art. 145 do Código Civil:

• a) Dolo Principal (essencial, substancial) – O dolo principal, como visto acima, é aquele que serviu como causa (motivo determinante) da celebração do negócio jurídico. Segundo Espínola (apud Stolze e Pamplona, ob. cit. ant. pág. 400), os requisitos ou características necessárias para configuração do Dolo Principal são:

• - Finalidade de levar o declarante a praticar um ato jurídico;

• - Gravidade do artifício fraudulento utilizado;

• - O artifício como causa da declaração de vontade.

• Nesse caso, o negócio jurídico será anulável, sem prejuízo de indenizações decorrentes.

• Antes de visualizarmos um exemplo, devemos estudar também o:

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• b) Dolo Acidental – Diferente do primeiro, o dolo acidental não é a causa ou motivo determinante do negócio celebrado, conforme leitura do Art. 146 do Código Civil. No Dolo Acidental, ausente ou presente o artifício malicioso o agente iria realizar o negócio jurídico. Portanto, os requisitos e características do Dolo Acidental são os mesmos do Dolo Principal (Essencial ou Substancial), a não ser quanto a ser a causa (motivo determinante) do negócio jurídico realizado. Nesse caso, o negócio jurídico não será anulável, cabendo a parte enganada pleitear perdas e danos.

• Stolze e Pamplona (ob. cit. ant., pág. 400) citam o seguinte exemplo sobre o dolo acidental e posteriormente sobre o dolo principal:

– “O sujeito declara pretender adquirir um carro, escolhendo um automóvel com cor metálica, e, quando do recebimento da mercadoria, enganado pelo vendedor, verifica que a coloração é, em verdade, básica. Neste caso, não pretendendo desistir do negócio, poderá exigir compensação por perdas e danos.”

– “Diferente, seria, porém, a situação em que ao sujeito somente interessasse comprar o veículo se fosse da cor metálica – hipótese em que este elemento faria parte da causa do negócio jurídico. Nesse caso, tendo sido enganado pelo vendedor para adquirir o automóvel, poder-se-ia anular o negócio jurídico com base em dolo.”

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• Antes de um requisito, o prejuízo é consequência lógica da existência do dolo, afinal, mesmo que não represente prejuízo econômico, a pessoa foi enganada, e, portanto, sofre um dano moral (a não ser que goste de ser enganada). Dessa forma, nos filiamos à segunda corrente quanto a ser necessariamente existente o prejuízo, mas reforçamos que o Código exige apenas a vantagem indevida. Resume Nestor Duarte (Cód. Comentado, pág. 120): “A lei, todavia, não erige o prejuízo como elementar do dolo, contentando-se com que haja manifestação de vontade por força de ilicitude do comportamento do deceptor.” [deceptor = autor do dolo; deceptus = enganado].

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• c) Dolo de Terceiro – Ensina Nestor Duarte (Cód. Comentado, pág. 122), a partir da leitura do Art. 148 do Código Civil:

• “Duas são as situações:

a) Aquela em que a parte beneficiada tenha ou deva ter conhecimento da maquinação;

b) Aquela em que a parte beneficiada não tenha ou da qual não seja exigível ter conhecimento da maquinação.

• Na primeira, o negócio é anulável (...)

• Na segunda, pode o negócio subsistir, mas o terceiro que houver levado a cabo a conduta dolosa responderá por perdas e danos (arts. 402 a 404 do CC).”

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• d) Dolo do representante legal – O dolo do representante legal está previsto no Art. 149 do Código civil. Segundo Stolze e Pamplona (pág. 402), o representado só responderá civilmente até a importância do proveito que obteve. Se a representação for convencional e tanto o representante quanto o representado atuaram com dolo, além da obrigatoriedade de devolver aquilo que indevidamente receberam, responderão solidariamente por perdas e danos (Art. 149, CC). Agora, se a representação for convencional e apenas o representante atuou com dolo, descumprindo instruções expressas do representado e extrapolando, portanto, os limites do mandato, a doutrina moderna entende que estará afastada a solidariedade. A doutrina clássica (Carlos Roberto Gonçalves, pág. 422), fala em ação regressiva contra o representante (obs.: melhor trabalhado na responsabilidade civil, Unidade três, do presente curso).

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• A doutrina ainda faz as seguintes classificações (Tartuce, pág. 376 e 377):

• I) Quanto ao conteúdo:

• a) Dolo bom (Dolus bonus) – a figura do dolus bonus (forma mais utilizada para se referir ao instituto), foi criada com objetivo de resguardar o comerciante ou vendedor que exagera nas qualidades do produto com o fim de vender. A sua atuação não pode enganar o credor, sob pena de ser configurada a publicidade enganosa (Art. 31, §1º, Lei 8.079/90 – CDC). Portanto, trata-se do exagero perceptível das qualidades do produto. Um exemplo utilizado pelo autor é do espelho colado em loja que emagrece o comprador (segundo Tartuce, trata-se de um artifício tolerável que faz até bem à pessoa). Havendo apenas o dolo bom, não será anulável o negócio jurídico

• b) Dolo mau (Dolus malus) – este é o dolo empregado nos casos estudados acima. O dolus malus (nomenclatura mais utilizada) é aquele em que o agente pratica artifícios com o objetivo de enganar alguém. Nesse caso, será anulável o negócio jurídico (conforme as regras vistas anteriormente).

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• II) Quanto à conduta das partes:• a) Dolo positivo (ou comissivo) – é aquele em que há uma ação do agente que

pratica o dolo. O exemplo mais comum é o do vendedor que deliberadamente engana o comprador quanto ao objeto do negócio, por ser de outro material ou procedência, por exemplo, folheado/maciço, original/falsificado, novo/usado etc.

• b) Dolo negativo (ou omissivo) – É a previsão do Art. 147 do Código Civil. Trata-se de omissão quanto à qualidade do produto que se revelada mudaria a declaração de vontade da outra parte. Em outras palavras, se a parte soubesse da qualidade que foi omitida, não celebraria o negócio. Carlos Roberto Gonçalves (ob. cit. ant. pág. 420), com a precisão dos seus ensinamentos, traz em seu livro os seguintes julgados:

– “Propaganda enganosa. Veículo ofertado em estado de novo. Defeitos constatados pelo comprador após dois dias da celebração da transação. A omissão dolosa das reais qualidades do veículo, quem em hipótese alguma, pode ser considerado em estado de novo, constitui causa de anulabilidade, uma vez que, se conhecesse tais defeitos, o negócio não teria sido celebrado” (RT, 773/344-346).

– “Seguro de vida. Perda do direito ao valor pelo beneficiário. Segurado que intencionalmente omitiu, ao subscrever a proposta, dado relevante sobre seu estado de saúde, capaz de influir na sua aceitação pela seguradora. Má-fé caracterizada e provada nos autor” (RT, 642/144; 640/186).

• “Em todos os casos, relevante destacar que se a pessoa conhecesse a qualidade omitida, não iria realizar o negócio, sendo, portanto, necessário demonstrar essa condição, para anular o negócio (lembrar do dolo acidental). 

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• c) Dolo recíproco ou bilateral – É a previsão do Art. 150, CC. Explica Tartuce (ob. cit. ant. pág. 377):

• “é a situação em que ambas as partes agem dolosamente, um tentando prejudicar o outro mediante o emprego de artifícios ardilosos. Em regra, haverá compensação total dessas condutas movidas pela má-fé, consagração da regra pela qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza (Nemo auditur propriam turpitudinem allegans), inclusive se presente de forma recíproca. Segundo o art. 150 do CC/2002, não podem as partes alegar os dolos concorrentes, permanecendo incólume o negócio jurídico celebrado, não cabendo qualquer indenização a título de perdas e danos [ler novamente o Art. 150, CC].”

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DA COAÇÃO

• Previsão Legal – Arts. 151 a 155 do Código Civil.• - Conceito – Coação é toda ameaça ou pressão

injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. (Carlos Roberto Gonçalves, pág. 424, ob. cit. ant.).

• – A coação pode ser conceituada como sendo uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, visando obrigá-lo a assumir uma obrigação que não lhe interessa. Aquele que exerce a coação é denominado coator e o que sofre, coato [ou coacto], coagido ou paciente. (Tartuce, pág. 378, ob. cit. ant.)

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• Espécies• - Coação física (vis absoluta) – Segundo Stolze e Pamplona

(pág. 403, 2013), a Coação física é aquele que age diretamente sobre o corpo da vítima. É chamada de vis absoluta pelo direito romano pois retira qualquer possibilidade de escolha do coagido. A doutrina entende que este tipo de coação neutraliza completamente a manifestação de vontade, tornando o negócio jurídico inexistente, e não simplesmente anulável (Stolze e Pamplona, Carlos Roberto Gonçalves, Moreira Alves e outros). Há, porém, doutrinadores que entendem ser caso de nulidade absoluta em razão de contrariar a previsão do Art. 3º, III do CC - causa transitória que impeça alguém de exprimir sua vontade – (Tartuce cita que este é o entendimento de Maria Helena Diniz em obra de 2002). Os exemplos das doutrinas – colocação da impressão digital do analfabeto no contrato, agarrando-se à força seu braço (Gonçalves, pág. 425); venda celebrada à pessoa hipnotizada (Tartuce, pág. 378); lutador de sumo pegar a mão de uma senhora analfabeta, à força, para apor a sua impressão digital em um instrumento de contrato que ela não quer assinar (Stolze e Pamplona, pág. 403).

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• Coação moral ou psicológica (vis compulsiva) – coação efetiva e presente, causa fundado temor de dano iminente e considerável à pessoa do negociante, à sua família, à pessoa próxima ou aos seus bens, gerando a anulabilidade do ato (Art. 151, caput e parágrafo único CC) – (Tartuce, 378).

• A coação do Art. 151 do Código Civil, em estudo, é a coação moral ou psicológica. É ela que tornará anulável o ato se atendidos seus requisitos. Antes de estudarmos os requisitos, podemos visualizar o seguinte julgado, como exemplo de coação moral:

• “A inicial relata que por haver a autora se apropriado da importância de R$ 200,00 do caixa da empregadora, valor que devolveu, além de ser encarceirada e responder a inquérito policial, sem a assistência de advogado, foi coagida moralmente a assinar documento em branco e a prestar declaração em que transferiu a propriedade de veículo para ré, bem que busca reaver dado o vício insanável na manifestação de vontade.” (CC 096854, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, pub. 02/08/2011)

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• Requisitos:• Segundo Carlos Roberto Gonçalves (págs. 426 e segs., ob. cit.

ant.), doutrinador que melhor explica os requisitos para configuração da coação, temos:

• Deve ser a causa determinante do ato – o negócio só foi realizado em razão da coação, em outras palavras, se não houvesse coação, o negócio não seria realizado.

• Deve ser grave – o Art. 152 do CC, estabelece que as circunstâncias determinam a gravidade da coação. Dessa maneira, serão considerados pelo juiz “o sexo, a idade, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias” (Art. 152, CC). Explica Gonçalves (pag. 427): Cabe verificar se a ameaça bastou para amedrontar o indivíduo contra quem foi dirigida, não qualquer outro nem a média das pessoas. Por exemplo: “um ato incapaz de abalar um homem pode ser suficiente para atemorizar uma mulher...” [divulgar que teve muitos relacionamentos?]

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• Além disso, a doutrina esclarece que conforme a segunda parte do Art. 153 do CC, o temor reverencial não é suficiente para anular o negócio. Para que o temor reverencial anule o negócio deve ser acompanhado de outro temor grave o suficiente para modificar a manifestação de vontade deixando de ser “simples temor” (expressão do Art. 153, CC). São exemplos: “No casamento, considera-se coação, e não simples temor reverencial, as graves ameaças de castigo à filha, para obrigá-la a casar; do mesmo modo, nas relações trabalhistas transforma-se em coação o temor reverencial do empregado quando o patrão adiciona ameaças ao seu comportamento normal.”.

• Deve ser injusta – Trata-se da primeira parte do Art. 153, CC. A previsão busca garantir a exigência normal de direitos, por exemplo, o protesto ou execução de título não pago, o pedido de abertura de inquérito policial, a intimidação feita pela mulher a um homem de propor contra ele ação de investigação de paternidade (Gonçalves, pág. 428), ou “se não pagar os aluguéis recorrerá à Justiça” (Stolze e Pamplona, pág. 405).

• Porém, o exercício do direito deve ser “normal”. Em outras palavras, se o coator utiliza o exercício do direito para forçar o coagido a celebrar negócio jurídico que não queria, estará configurada a coação. São exemplos: credor que ameaça proceder à execução da hipoteca contra sua devedora caso não concorde em desposá-lo; a do indivíduo que, surpreendendo alguém a praticar algum crime, ameaça denunciá-lo caso não realize determinado negócio.

• Temor reverencial – Medo de contrariar ou desagradar superior hierárquico. Entende-se superior hierárquico em todos os sentidos: psicológico, econômico e social. Verifica-se o temor reverencial quando as circunstâncias indicarem que a manifestação de vontade foi pautada pelo receio de ir contra a orientação do superior. Exs.: oficial/cabo, pai/filho, chefe/empregado...

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• Deve dizer respeito a dano atual ou iminente – Não se considera coação:

• - ameaça de um mal impossível, remoto, evitável, ou menor do que o mal resultante do ato;

• - o temor vão, que procede da fraqueza de ânimo do agente. (Clóvis Beviláqua apud Stolze e Pamplona, pág. 405 e Carlos Roberto Gonçalves, pág. 429).

• Ainda quanto a ser iminente, deve ser explicado que:• “A iminência do dano, exigida pelo Código, não significa

que a ameaça deva realizar-se imediatamente. Basta que provoque, desde logo, no espírito da vítima, um temor de intensidade suficiente para conduzi-la a contratar”. (Silvio Rodrigues apud Carlos Roberto Gonçalves, pág. 429).

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• Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, a pessoas de sua família, ou, de acordo com as circunstâncias, a pessoa que não seja da família.

• Último requisito da exaustiva análise, não há dúvida quando a ameaça é direcionada a própria pessoa ou seus bens (agredir a pessoa, ou riscar seu carro). Também não é difícil imaginar a hipótese da ameaça moral ou psicológica ser direcionada a pessoa da família (sentido amplo). Talvez o que gere dúvida é a disposição do Parágrafo único do Art. 151 do Código Civil. A previsão visa abarcar os casos em que ficará a cargo do juiz avaliar, de acordo com o Art. 152, CC, se a lesão direcionada a pessoa que não era da família, também configurou ameaça grave o suficiente para alterar a manifestação de vontade.

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• Coação exercida por terceiro• Para encerramos a análise da coação, precisamos estudar as

disposições dos Arts. 154 e 155 do Código Civil. • O Art. 154, CC, exige que a parte conheça ou devesse ter

conhecimento da violência psicológica para anular o negócio jurídico celebrado por coação realizada por terceiro. Exs: Casamento celebrado por coação do pai da noiva em que ela sabia disso; coação psicológica dos seguranças de casa noturna (boate) para pagamento de dívidas não reconhecidas pelo cliente, com a anuência e participação do dono do estabelecimento (situação recentemente ocorrida em Goiânia).

• O Art. 155, CC, prevê a hipótese em que a parte beneficiada não tinha conhecimento da violência psicológica realizada por coator na coação exercida por terceiro. Nesse caso, conforme leitura do artigo, o negócio jurídico não será anulável, mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos causados ao coacto. Ex.: Caso o dono da boate ou casa noturna (exemplo acima), não soubesse da coação exercida, o negócio não poderia ser anulado, sendo possível, porém, cobrar perdas e danos dos seguranças.