Deficits Gêmeos e Poupança Nacional

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    1/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200924

    Dficits gmeos e poupana nacional:abordagem terica

    MARCO FLVIO DA CUNHA RESENDE*

    Budget deficit and national savings: theoretical approach. A consensus has notyet emerged about the relationship between budget deficit, external deficit and na-tional saving. According to mainstream economic literature the budget deficit cancause an insufficiency of national saving for a given investment rate. In this case, theinvestment rate will not be reduced if foreign saving is absorbed, causing an externaldeficit. In general, the mechanisms through which budget deficits could cause cur-rent account deficits are not highlighted in the works about this theme. We arrive

    at the conclusion that there is not a systematic relationship between budget deficit,current account deficit and national saving and that when it happens it can be pro-cessed only through changes in the real exchange rate.

    Keywords: Budget deficit; current account; national saving; real exchange rate.JEL Classification : E21; E22; E62; F30; F41.

    INTRODUO

    Um consenso ainda no foi alcanado na literatura econmica sobre a relaoentre dficit pblico, dficit em transaes correntes e poupana nacional. co-mum o argumento de que o dficit pblico resulta em dficit em transaes cor-rentes do balano de pagamentos (dficits gmeos). Porm, os mecanismos atravsdos quais o dficit pblico causa um dficit externo no so, em geral, demonstra-dos nos estudos sobre o tema.

    Revista de Economia Poltica, vol. 29, n 1 (113), pp. 24-42, janeiro-maro/2009

    *Do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais CEDEPLAR-UFMG; [email protected] O autor agradece a Adriana M. Amado, FredericoG. Jayme Jr., Flavius M. L. Vasconcelos, Cndido L. Fernandes e a dois pareceristas annimos peloscomentrios referentes a uma verso preliminar deste estudo, eximindo-os de responsabilidade peloserros e omisses porventura remanescentes. Submetido: Maio 2005; Aprovado: Outubro 2006.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    2/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 25

    O objetivo deste artigo investigar a validade da relao entre dficit pbico,deteriorao da poupana nacional e dficit em conta corrente. Busca-se, ainda,identificar os mecanismos atravs dos quais estas variveis poderiam estar relacio-nadas.

    Alm desta introduo, o artigo conta com outras duas sees. Na segundaseo duas so apresentados argumentos pr e contra a tese dos dficits gmeos(dficit pblico e externo) e os mecanismos atravs dos quais estes dficits pode-riam estar vinculados. A terceira seo destina-se s concluses do trabalho.

    DFICIT PBLICO, TAXA DE CMBIO REALE DFICIT EM CONTA CORRENTE

    O estudo terico e emprico da relao entre dficit pblico e saldo em contacorrente do balano de pagamentos tem sido objeto de controvrsia. Em geral,estes estudos baseiam-se na seguinte identidade macroeconmica1:

    CC SN I

    Ou, ento,

    CC Y - E SP- (G - T) - RLEE - I,

    CC = saldo em conta corrente; Y = renda nacional;

    E = despesa agregada; SP= poupana privada agregada;

    I = investimento agregado; T = receitas correntes do governo;

    G = gastos correntes do governo; T G = poupana pblica;S

    N= poupana nacional = SP+ (T G) - RLEE; RLEE = renda lquida enviada ao exterior

    comum o argumento de que o dficit pblico resulta em dficit em transa-es correntes (dficits gmeos). Tal argumento baseia-se na identidade macroeco-nmica supracitada2. Porm, as identidades das Contas Nacionais (CN) tm umanatureza contbil: as variaes de estoque so contempladas, desejadas ou no. AsCN representam uma situao de equilbrio macroeconmico ex-post. Portan-to, a identidade supracitada no uma teoria econmica ou uma regularidadeemprica, mas uma identidade contbil sobre a qual no pode haver nenhum deba-

    te (Feldstein, 1992: 4). Ainda, (...) olhar para as identidades nunca pode ser aanlise completa. Devemos perguntar como a identidade contbil traduzida emincentivos que afetam o comportamento individual (Krugman, 1992:5)3.

    O vnculo entre desequilbrios oramentrios e desequilbrios comerciais

    1 Ver, por exemplo, Baharumshah et al. (2005), Vamvoukas (1999), Krugman (1992), Feldstein (1992),Rosensweig e Tallman (1993), Oskooee (1995), Giambiagi & Amadeo (1990), Amadeo (1995), Resen-de (1995).

    2

    Ver, por exemplo, Resende (1995) e Vamvoukas (1999).3 A contabilidade nacional (...) no passa de um aglomerado de tautologias (...) As explicaes dainflao e do dficit de transaes correntes pelo dficit pblico, acima apresentadas, pecam exatamen-te pela extrema pobreza das hipteses de comportamento (...) as relaes entre causa e efeito so muito

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    3/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200926

    muito fraco (Krugman, 1992: 4). Em primeiro lugar, o desequilbrio fiscal podeapenas deslocar gastos privados (crowding out) e/ou estimular a poupana priva-da (Equivalncia Ricardiana), sem afetar, portanto, o CC. Em segundo lugar, noesto claros os mecanismos atravs dos quais um excesso da absoro domsticasobre a produo nacional deterioraria o CC. Segundo Krugman (1992), mudan-as no CC dependem de alteraes na distribuio dos gastos mundiais, sendo quetais alteraes dependem de mudanas na taxa de cmbio real4.

    Ou seja, ele argumenta que para alguns autores, como McKinnon (1984),hiatos de poupana-investimento so diretamente refletidos na balana comercial,sem necessidade de alterao dos preos relativos, quando h mobilidade de capi-tais. Porm, este argumento confunde se uma mudana na taxa de poupana serrefletida em uma mudana na distribuio dos gastos mundiais com outra ques-to, a saber, se uma mudana nessa distribuio requer uma mudana de preos

    relativos (Krugman, 1992: 15). A ltima questo uma questo sobre o mercadode bens, e no sobre o mercado de capitais. Krugman (1992: 14) demonstra que acorreo do desequilbrio no CC num contexto de pleno emprego s vivel me-diante mudanas na taxa de cmbio real.5

    comum o argumento de que o desequilbrio das contas pblicas implicaexcesso do investimento sobre a poupana nacional. Isto resulta em absoro depoupana externa (CC deficitrio), necessria para compensar a insuficincia depoupana nacional. Ou seja, o investimento corresponde ao aumento do estoquede capital fsico da economia (formao bruta de capital fixo mais variao de

    estoques; Simonsen & Cysne, 1995: 151) e, em equilbrio macroeconmico (expost), contabilmente igual soma das poupanas nacional e externa (Feij et al.,2001: 8). Assim, a poupana nacional a renda nacional no consumida e est

    mais complexas do que o simples instrumental da contabilidade nacional pode revelar. Simionsen &Cysne (1995: 165).

    4 Sobre o tema dos dficits gmeos, Krugman (1992: 24) argumenta que h uma concluso definitiva euma probabilidade. A reduo de desequilbrios externos requer depreciao do cmbio real nos pasesdeficitrios e apreciao do cmbio real nos pases superavitrios, e isto definitivo. Porm, a contri-

    buio dos desequilbrios fiscais para ampliar os desequilbrios externos seria apenas uma probabilida-de. A esse respeito, Pastore & Pinotti (1995: 140) consideram que estabelecer se as flutuaes docmbio real so menos importantes do que as variaes do excesso de absoro sobre o produto nadeterminao da magnitude dos saldos comerciais, no entanto, uma questo emprica, com as evidn-cias favorecendo a importncia relativa da taxa cambial. Ainda, Investigaes empricas recentessobre a relao entre os dficits oramentrio e comercial geraram resultados dbios Vamvoukas(1999: 1093). Um grande nmero recente de artigos examina a relao entre dficits oramentrio ecomercial. Cada artigo contribui com importantes insights, mas nenhum consenso ainda foi alcana-do. Rosensweig & Tallman (1993: 580).

    5 O autor demonstra que apenas em uma situao terica, que no prevalece na prtica, seria possvelcorrigir o desequilbrio em conta corrente de uma economia em pleno emprego apenas atravs da re-

    distribuio dos gastos mundiais. Porm, o modelo de Krugman (1992) pode ser refinado supondo doissetores: o de bens comerciveis e o de no comerciveis. Nesse caso, a redistribuio dos gastos mun-diais, por maior que seja, no corrige de tal desequilbrio num contexto de pleno emprego, fazendo-senecessria uma mudana de preos relativos para o alcance desse objetivo.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    4/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 27

    associada produo de capital. Se o dficit pblico implica aumento do consumopara um dado nvel de renda, argumenta-se que haver reduo da taxa de pou-pana nacional, isto , insuficincia de poupana nacional para um dado nvel deinvestimento (Resende, 1995). O excesso do investimento agregado em relao

    poupana nacional estaria associado a um dficit em conta corrente (absoro depoupana externa). Todavia, os mecanismos atravs dos quais este processo semanifesta no so claros.

    Tavares et alli (1982: 35) argumentam que tal processo no concretamentepossvel visto que em certo momento do tempo o estoque de capital da economiaest dado. Deste modo, o aumento da absoro domstica no pode transformarbens de capital destinados produo de capital em bens de capital destinados produo de bens de consumo, e vice-versa6. Neste caso, o dficit pblico no re-duz a disponibilidade interna de mquinas e equipamentos requeridos para o in-

    vestimento e, ento, seriam falaciosas as relaes entre dficit pblico e insuficin-cia de poupana nacional e entre dficit pblico e dficit externo.

    Todavia, o argumento de Tavares et al. (1982) s vlido para economias fe-

    chadas. Se alteraes na absoro domstica vierem acompanhadas de mudanas

    dos preos relativos haver mudanas na oferta de bens de investimento, alterando

    a poupana nacional, em economias abertas. Atravs da depreciao (apreciao)

    da taxa de cmbio real a poupana nacional pode ser ampliada (reduzida)7.

    H dois efeitos distintos relacionados mudana da taxa de cmbio real: oaumento relativo dos preos dos bens comerciveis (BC) estimula a substituiodo consumo em direo aos no-comerciveis (BNC), ao mesmo tempo em queestimula o aumento da produo daqueles. Segundo Pastore & Pinotti (1995:141), com a desvalorizao da taxa de cmbio real, a receita marginal eleva-se emrelao ao custo marginal no setor de BC, visto que BNC so insumos para a pro-duo de BC. Neste caso, uma nova otimizao ser realizada elevando a utiliza-o de BNC, que sero empregados at o ponto no qual a receita marginal volte ase igualar ao custo marginal, elevando a produo de BC.

    Resultado semelhante tambm obtido quando se trabalha com um modelo

    de fixao de preos segundo a regra de mark-up, e onde a economia no operanecessariamente a pleno emprego8. O aumento do preo no setor de BNC em rela-o ao setor de BC pode eliminar produtores de BC menos eficientes por meio doesmagamento de suas margens de lucro decorrente do aumento de custos de pro-

    6 A abstinncia do trabalhador (...) no pode converter-se em poupana efetiva (...) Isto pela simplesrazo de que, da banana ao feijo preto, do rdio de pilha ao tev em cores, nenhum desses produtospostos margem do consumo pode transmutar-se, num passe de mgica, no cimento, no ao ou noprojeto de engenharia que iro constituir a base real do investimento. Tavares et al. (1982: 35).

    7 no h nenhum canal direto pelo qual a relao poupana-investimento refletida de alguma manei-ra no saldo comercial sem afetar a taxa de cmbio real. Krugman (1992: 24).

    8 Sobre o modelo de mark-upver, por exemplo, Kandir (1989), Pereira (1999).

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    5/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200928

    duo aumento de preos de BNC. Do mesmo modo, a queda do preo relativode BNC viabiliza a entrada de produtores menos eficientes no setor de BC.

    O aumento dos preos dos BC em relao aos preos dos BNC resulta, ento,em aumento do saldo comercial. A elevao das exportaes lquidas correspondecontabilmente ampliao da poupana nacional9. Portanto, mquinas que pro-duzem bens de consumo no podem se metamorfosear em mquinas produtorasde bens de investimento, porm, os bens de consumo exportados geram divisasexternas para importar bens de capital.

    O aumento da absoro domstica acima de uma dada taxa de crescimentodo produto potencial, quando acompanhado de apreciao da taxa de cmbioreal, reduz as exportaes lquidas, inibindo a oferta de bens de investimento (bensde capital) que ocorre por meio de importaes, num contexto de equilbrio exter-no. Para que tal oferta no se reduza, torna-se necessrio manter o nvel das im-

    portaes de bens de capital, apesar da queda das exportaes lquidas, deterio-rando-se o saldo em conta corrente.

    Assim, supondo que dficits pblicos implicam aumentos na absoro doms-tica (ausncia de crowding out e deEquivalncia Ricardiana), a questo-chave saber se o aumento da absoro domstica resulta em apreciao da taxa de cm-bio real, necessariamente. Tal apreciao levar a uma insuficincia de poupananacional em relao a um dado nvel de investimento10.

    Portanto, necessrio avaliar os efeitos de dficits pblicos sobre a taxa decmbio real quando estes so financiados ou por emisso monetria ou pelo au-

    mento da dvida pblica interna, quer em regime de taxa de cmbio fixa, querflexvel, seja com o produto em seu nvel de pleno emprego ou aqum deste e nummodelo onde so contemplados os setores de BC e de BNC. Ser feita a hiptesede ausncia de crowding oute/ou Equivalncia Ricardiana, a priori 11. Por fim,como j deve estar claro, estamos no terreno do curto prazo, isto , esta discussono passa pelos (des)estmulos sobre a produo domstica de bens de capital queo dficit pblico pode ensejar. Ademais, no mdio/longo prazo a produo doms-tica potencial de bens de investimento pode ser ampliada por meio do progressotcnico, no havendo o problema da falta de recursos reais para a viabilizao doinvestimento o que corresponderia insuficincia de poupana nacional.

    9 A desvalorizao aumenta o preo e reduz a demanda pelos bens chamados comerciveis. Cai, por-tanto, o consumo desses bens e aumenta a poupana interna. Eis por que o saldo em conta correntemelhora. (Resende, 1995: 135).

    10 Krugman (1992), analisando os dados para a economia dos EUA, no encontrou evidencias de umarelao sistemtica entre estas variveis. Evans (1986) encontrou evidencias de que os dficits pblicosnorte americanos depreciam o dlar, ao invs de apreci-lo. Estes resultados podem advir da ocorrn-

    cia de crowding oute/ou Equivalncia Ricardiana. De todo modo, antes da verificao emprica destaquesto, deve-se proceder sua anlise terica, tarefa executada neste trabalho.

    11 Conforme se ver adiante, o crowding outpode ocorrer, porm, no estamos assumindo de antemoque ele necessariamente se verificar.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    6/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 29

    Dficit pblico sob regime de taxa de cmbio fixa

    Economia operando a pleno emprego e dficit financiado por emisso de moeda

    Suponha uma economia sob regime de taxa de cmbio fixa e operando a pleno

    emprego. Um aumento da demanda agregada decorrente de um dficit pblico fi-

    nanciado por meio de emisso monetria levar apreciao da taxa de cmbio

    real. Ou seja, o excesso de demanda pressionar os preos nos setores de BC e BNC,

    e o ajuste se dar atravs do aumento de preos neste ltimo e de importaes de

    BC, via mecanismos de arbitragem. A mudana de preos relativos em favor dos

    BNC resultar em apreciao da taxa de cmbio real e em deteriorao do CC.

    Esta situao pode ser representada graficamente segundo o modelo de Mun-dell-Fleming com preos flexveis e perfeita mobilidade de capitais (Grfico 1).

    Doravante, as representaes grficas de Mundell-Fleming trazem as seguintes hi-pteses subjacentes: i) at o nvel de produto de pleno emprego os preos so fi-xos, e, aps este nvel os preos so flexveis; ii) h inicialmente equilbrio no ba-lano de pagamentos.

    O dficit pblico desloca a curva IS para a direita (IS), enquanto a curva LMtambm se desloca para a direita (LM) em decorrncia da emisso de moeda,conforme se constata no Grfico 1 a linha BP corresponde aos pares, renda etaxa de juros, que garantem o equilbrio do balano de pagamentos. Os desloca-mentos de IS e de LM resultam, ento, em aumento dos preos dos BNC e emaumento de importaes financiadas atravs da entrada lquida de capitais. Ospreos dos BC no se alteram (cmbio fixo). Assim, a taxa de cmbio real aprecia-se. O aumento de preos provoca a queda da oferta monetria real (M/P), deslo-cando LM para sua posio inicial, enquanto IS tambm retorna para sua posi-o inicial devido a apreciao da taxa de cmbio real.

    Neste caso, partindo de uma situao de equilbrio em CC, o dficit pblico,ao implicar aumento da absoro domstica em relao ao produto nacional, re-sultou em queda da poupana nacional, operada por meio da apreciao da taxa

    de cmbio real. O conseqente excesso do investimento sobre a poupana nacio-nal ser financiado atravs da absoro de poupana externa.

    Este mesmo resultado seria obtido no contexto de imperfeita ou ausncia demobilidade de capitais. Apenas, a linha BP (inclinada ou vertical) tambm se des-locaria para a esquerda em funo da apreciao da taxa de cmbio real, e o equi-lbrio final seria alcanado em um ponto aqum do nvel de pleno emprego.

    Em suma, o dficit pblico financiado por meio de emisso de moeda implicaa expanso da demanda agregada. Como conseqncia, o excesso de demandapressiona os preos nos setores de BC e BNC, e o ajuste se d atravs do aumentode preos neste ltimo e de importaes de BC, via mecanismos de arbitragem. Amudana de preos relativos em favor dos BNC resulta em apreciao da taxa decmbio real e em deteriorao do CC.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    7/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200930

    Grfico 1

    Y

    A

    IS LM IS

    LM

    BP

    B

    i

    Economia operando aqum do pleno empregoe dficit financiado por emisso de moeda

    Na situao onde o nvel do produto de equilbrio est aqum do nvel depleno emprego, um aumento da absoro domstica decorrente do dficit pblicopode resultar apenas na ampliao da produo interna de BC e de BNC. Nestecaso, no h uma relao sistemtica entre dficit pblico e apreciao da taxa decmbio real. No modelo Mundell-Fleming com plena mobilidade de capitais oequilbrio final, que corresponde ao ponto de encontro entre IS, LM e BP do

    Grfico 1 (ponto B), pode ser alcanado sem haver mudana de preos relativos.Se a mobilidade de capitais for pequena, a linha BP torna-se positivamente

    inclinada e o ponto B estaria sua direita, implicando dficit externo. A perda dereservas externas levaria ao enxugamento da base monetria e ao deslocamentopara a esquerda da LM at que esta curva cruzasse a linha BP, direita do nvelda renda inicial.

    O resultado final, quer com plena mobilidade de capitais, quer com imperfei-ta mobilidade destes, seria um produto de equilbrio maior e um dficit em contacorrente financiado pela entrada lquida de capitais. Porm, no teria se verifica-

    do, necessariamente, apreciao da taxa de cmbio real, e, portanto, reduo dapoupana nacional reduo da oferta de bens de investimento. Apenas as impor-taes teriam crescido em funo do aumento da renda12.

    Se a mobilidade de capitais fosse nula, quando a economia alcanasse o pontoB a perda de reservas externas decorrente do aumento das importaes provocariao deslocamento da LM para a esquerda at que o nvel da renda inicial fosse res-tabelecido. Tambm neste caso no haveria mudana de preos relativos, necessa-riamente.

    Em suma, na situao acima analisada, embora o dficit pblico estimule a

    12 Voltaremos a este ponto.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    8/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 31

    demanda agregada, quando h (elevado nvel de) capacidade ociosa na economiao resultado final deste processo onde os preos relativos no se alteram um cen-rio factvel. Neste caso, no se pode afirmar que o dficit pblico sempre provocaum dficit externo, isto , no h uma relao de causalidade sistemtica entredficit pblico e dficit externo.

    Economia operando a pleno emprego e dficitfinanciado por emisso de dvida pblica interna

    Num regime de taxas de cmbio fixas, quando o dficit pblico financiadopor meio do endividamento pblico numa economia que opera a pleno emprego,as taxas de juros reais domsticas podem se elevar. No contexto de plena (elevada)mobilidade de capitais isto provoca o influxo de capitais externos e, conseqente-

    mente, apreciao da taxa de cmbio real13

    .No modelo Mundell-Fleming com plena mobilidade de capitais o dficit ora-mentrio implica o deslocamento da curva IS para a direita, elevando a taxa dejuros real domstica e atraindo capitais externos. Supervits no balano de paga-mentos levam ampliao da base monetria e ao deslocamento para a direita dacurva LM. A conseqente elevao da renda estimula as importaes e pressionaos preos dos BNC, apreciando a taxa de cmbio real. Este caso corrobora a tesedos dficits gmeos, pois, atravs da apreciao da taxa de cmbio real o dficitpblico resulta em insuficincia de poupana nacional para um dado nvel de in-

    vestimento. O Grfico 1 tambm representa esta situao. O ajuste que se segue apreciao cambial implica um equilbrio final no ponto A.

    Se a mobilidade de capitais for imperfeita, a linha BP ser positivamente incli-nada e, aps o deslocamento da IS para a direita, a renda ter crescido acima doseu nvel inicial (de pleno emprego). Neste ponto h dficit no balano de paga-mentos e presso altista sobre os preos de BNC. Assim, a taxa de cmbio realser apreciada e as curvas IS e BP se deslocaro para a esquerda, em direo a ISe BP. A perda de reservas externas e o aumento de preos levaro ao deslocamen-to da LM para a esquerda at o ponto de encontro entre IS, BP e LM (ponto C

    do Grfico 2). Neste caso, o dficit pblico resultou em apreciao da taxa decmbio real.

    Se a mobilidade de capitais for nula, aps o deslocamento inicial da IS have-r dficit no balano de pagamentos e aumento dos preos dos BNC, provocandoapreciao da taxa de cmbio real e o deslocamento para a esquerda da IS, daLM e da BP. A LM se deslocar para a esquerda at que seja restabelecido o novonvel de equilbrio da renda concomitantemente ao equilbrio no balano de pa-gamentos. Tambm aqui o dficit pblico resultou em apreciao da taxa de cm-bio real.

    13 Este argumento est desenvolvido em Rosensweig & Tallman (1993: 582).

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    9/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200932

    Grfico 2

    Y

    A

    IS

    LM

    IS

    LM

    BP

    B

    i

    C

    BP

    IS

    Em suma, na situao acima analisada, independentemente do grau de mobi-lidade de capitais, o financiamento do dficit oramentrio por meio do endivida-mento pblico pressiona a demanda agregada. Isto provoca apreciao da taxa decmbio real por meio do aumento dos preos dos BNC, enquanto a taxa de cm-bio nominal e os preos dos BC permanecem constantes. Portanto, atravs daapreciao da taxa de cmbio real o dficit pblico resulta em dficit externo.

    Economia operando aqum do pleno emprego e dficitfinanciado por emisso de dvida pblica interna

    Quando o nvel do produto de equilbrio est aqum do nvel de pleno empre-go, o dficit pblico financiado por meio do endividamento pblico no provocanecessariamente a apreciao da taxa de cmbio real. O aumento da demanda porBNC pode resultar no aumento da sua produo domstica, ao invs de provocaruma mudana de preos relativos. No modelo Mundell-Fleming com plena mobi-lidade de capitais o deslocamento para a direita da IS implicar aumento da taxade juros domstica e atrao de capitais. Assim, a LM tambm se deslocar para adireita e o equilbrio final corresponde ao ponto de encontro de IS, LM e BP do

    Grfico 1 (ponto B).Se houver imperfeita mobilidade de capitais, a linha BP ser positivamenteinclinada e, aps o deslocamento da IS para a direita, a LM se deslocar para aesquerda at o ponto de encontro entre IS, BP e LM. A renda de equilbrio tercrescido, embora possa ainda permanecer aqum do seu nvel de pleno emprego.Neste caso, no h nenhuma presso para a mudana dos preos relativos.

    Se a mobilidade de capitais for nula, aps o deslocamento da IS para a direita,o dficit externo implicar em perda de reservas e deslocamento da LM para aesquerda at que a renda inicial de equilbrio, como tambm o equilbrio em conta

    corrente, sejam restabelecidos, sem provocar apreciao da taxa de cmbio real.No modelo IS/LM/BP o aumento da renda implica aumento das importaes.Porm, deixando de lado este modelo, se inicialmente a balana comercial encon-

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    10/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 33

    trava-se equilibrada, tal aumento da renda no provoca necessariamente dficitcomercial e em conta corrente e, se no h dficit em conta corrente, no h re-duo da poupana nacional , pois: i) quando h capacidade ociosa na economianum contexto de retornos crescentes de escala, o aumento da absoro domsticaestimular o aumento do produto domstico e a competitividade das exportaes,a laDixon & Thirlwall (1994), o que pode resultar em equilbrio da conta corren-te; ii) o equilbrio em conta corrente pode ser garantido se paralelamente ao cres-cimento das importaes h incrementos das exportaes em funo de uma ace-lerao do crescimento da renda mundial; e, iii) no modelo IS/LM/BP asexportaes so consideradas exgenas em relao renda domstica, porm estasimplificao no tem amparo no mundo real. H na literatura nacional e interna-cional estimaes de equaes de exportao que demonstram a importncia dograu de utilizao da capacidade instalada, da renda real e da renda potencial,alm da taxa de cmbio real, para explicar as exportaes de um pas 14. Assim,quando a renda se eleva as exportaes tambm podem aumentar. Portanto, noh, no caso em anlise, uma relao sistemtica entre dficit pblico e dficit ex-terno.

    Em suma, na situao acima analisada, quando h (elevado nvel de) capaci-dade ociosa na economia o dficit pblico no provoca necessariamente aprecia-o da taxa de cmbio real. Ademais, possvel que as importaes cresam pari

    passus exportaes, implicando equilbrio em conta corrente. Neste caso, no huma relao de causalidade sistemtica entre dficit pblico e dficit externo.

    Dficit pblico sob regime de taxas de cmbio flexveis

    Economia operando a pleno emprego e dficit financiado por emisso de moeda

    Numa economia sob regime de taxas de cmbio flexveis e operando a plenoemprego, um dficit pblico financiado por emisso monetria pressionar os pre-os dos BC e dos BNC. A taxa de cmbio nominal acompanhar o aumento depreos, mantendo-se o equilbrio externo, ceteris paribus. A inflao resultanteacomodar o aumento da absoro pblica por meio da reduo da absoro pri-vada, em termos reais. Aps o ajuste via preos, no surgir necessariamente umaalterao na taxa de cmbio real.

    Esta situao pode ser representada graficamente segundo o modelo de Mun-dell-Fleming com ausncia de mobilidade de capitais (Grfico 3). O dficit pblicoimplica um deslocamento para a direita da curva IS, enquanto a emisso de moedadesloca a curva LM para a direita, at LM. O excesso da absoro em relao aonvel do produto de pleno emprego pressiona para cima os preos dos BNC e dosBC. No regime de cmbio flexvel, o aumento dos preos dos BC estimula a de-manda de importao, porm esta no cresce, pois a taxa de cmbio nominal

    14 Ver, por exemplo, Goldstein & Khan (1985) e Castro & Cavalcanti (1998).

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    11/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200934

    tambm se eleva (vale a Lei do Preo nico). possvel, ento, que no ocorramudana de preos relativos. Neste caso, IS e BP no se deslocam, porm a infla-o reduz a oferta monetria real e a curva LM desloca-se para a esquerda. Esteprocesso s se estabiliza no ponto de encontro da LM com a IS e com a BP (pon-to C do Grfico 3), onde o nvel do produto o de pleno emprego.

    Com plena mobilidade de capitais, o dficit pblico financiado com emissomonetria num contexto de pleno emprego resultar em apreciao da taxa decmbio real. No ponto B do Grfico 3 (com a linha BP horizontal), h uma pres-so altista sobre os preos dos BNC e dos BC. Porm, enquanto aqueles aumen-tam, estes ltimos no se elevam, pois haver sempre suficiente oferta de divisasexternas para financiar as importaes. Assim, verificar-se- uma mudana de pre-os relativos. A IS e a LM se deslocaro para a esquerda at o equilbrio final noponto A, onde o nvel do produto o de pleno emprego.

    Quando a mobilidade de capitais pequena, o ponto B do Grfico 3 estar

    direita da linha BP inclinada. H uma presso altista sobre os preos dos BNC edos BC. A oferta monetria real se retrai e a LM desloca-se para a esquerda, pro-vocando um aumento da taxa de juros domstica. Porm, a entrada lquida de ca-pitais permite a ocorrncia de um ponto de encontro entre IS, LM e BP (inclinada)

    que corresponde a um nvel de renda superior ao de pleno emprego. Assim haverpresso altista sobre os preos dos BNC superior quela verificada sobre os preosdos BC, j que pelo menos uma parcela desta presso no setor de BC ser desviada

    para importaes financiadas pela entrada lquida de capitais no balano de paga-mentos. Haver, ento, apreciao da taxa de cmbio real. A partir da, novo ajus-

    te ocorrer por meio do deslocamento para a esquerda de IS, LM e BP.

    Grfico 3

    Y

    A

    IS LM

    LM BP

    B

    i

    C

    LM

    IS

    Em suma, se a economia opera com taxas de cmbio flexveis e com o produ-to no seu nvel de pleno emprego, o aumento da demanda agregada decorrente do

    dficit pblico pressionar para cima tanto os preos de BNC como os preos dosBC neste ltimo caso o aumento de preos acompanha a elevao da taxa decmbio nominal. Quanto menor for a mobilidade de capitais, menor ser a dife-

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    12/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 35

    rena de aumento de preos de BC e de BNC. Assim, quando a mobilidade de ca-pitais nula no h mudana de preos relativos ao final do processo de ajusta-mento. Neste caso, o dficit pblico no implica dficit em conta corrente.

    Economia operando aqum do pleno empregoe dficit financiado por emisso de moeda

    Com um nvel de produto aqum do seu nvel de pleno emprego, um dficitpblico financiado por emisso monetria pode estimular o aumento da produode BC e de BNC sem provocar necessariamente uma mudana de preos relativos.Neste caso, chega-se mesma concluso: no h uma relao sistemtica entredficit pblico e insuficincia de poupana nacional em relao a um dado nvel deinvestimento.

    No modelo de Mundell-Fleming com ausncia de mobilidade de capitais, hinicialmente um deslocamento da IS e da LM para a direita. O equilbrio finalcorresponde ao ponto de interseo de IScom LM e BP, ponto C do Grfico 4.As curvas IS e BP se deslocam para a direita at o ponto C visto que o aumento darenda, possvel quando h capacidade ociosa nos setores de BNC e de BC, implicaaumento da demanda por importaes e, portanto, depreciao das taxas de cm-bio nominal e real15.

    Com pequena (finita) mobilidade de capitais ter-se-ia o mesmo resultadoapresentado no Grfico 4, apenas as linhas BP e BP seriam positivamente inclina-

    das16. Ou seja, neste ltimo caso tambm no haveria apreciao da taxa de cm-bio real propiciada pela ocorrncia de dficit pblico. Este mesmo resultado obter-se-ia com plena mobilidade de capitais apenas no haveria depreciao das taxasde cmbio nominal e real, e o equilbrio final seria no ponto B por onde passariauma linha BP horizontal (Grfico 4).

    15 Conforme considerado anteriormente, at o nvel de produto de pleno emprego os preos so fixos,e, aps este nvel, eles so flexveis. Todavia, se houver elevao da taxa de cmbio nominal haver

    aumento de preos dos BC, mesmo estando este setor com um nvel inicial de produto aqum do nvelde pleno emprego. Isto ocorre, pois, devido arbitragem no mercado internacional, a elevao dataxa de cmbio provocaria forte demanda externa pelos BC e o pleno emprego nesse setor seria rapi-damente alcanado, pressionando seus preos (Lei do Preo nico). Note que, com a depreciaocambial, a linha BP desloca-se mais do que a renda de equilbrio. Sobre este ponto, ver Carvalho et al.(2001: 438).

    16 De acordo com o que foi destacado anteriormente, desfazendo-se da limitao do modelo de Mun-dell-Fleming relacionada hiptese de exogeneidade das exportaes, o crescimento destas pode estarassociado ao crescimento da renda, conforme se verifica sob hiptese de retornos crescentes de escala.Neste caso, o aumento do produto domstico estimular a competitividade das exportaes, laDi-xon & Thirlwall (1994), e o equilbrio comercial ser mantido. Assim, no haveria depreciao da ta-

    xa de cmbio real. Apenas, a linha BP tambm se deslocaria para a direita. Neste caso, esse resultadode ausncia de apreciao da taxa de cmbio real, isto , de ausncia de desequilbrio externo, poderiaser demonstrado seja para a situao onde a linha BP inclinada (pequena mobilidade de capitais) ouhorizontal (plena mobilidade de capitais).

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    13/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200936

    Grfico 4

    Y

    A

    IS

    LM

    IS

    BP

    B

    i BP

    LM

    IS

    C

    Em suma, na situao acima analisada, o aumento da demanda agregada,decorrente do dficit pblico, implica crescimento da demanda por divisas paraimportar e, conseqentemente, depreciao da taxa de cmbio nominal e real quando o grau de mobilidade de capitais no infinito. Portanto, neste caso nose verifica uma relao de causalidade entre dficit pblico e dficit externo. Se amobilidade de capitais plena, ento o aumento da demanda de divisas para im-portar seria contrabalanado pelo aumento da oferta das mesmas, e a taxa decmbio real no se depreciaria e nem se apreciaria.

    Economia operando a pleno emprego e dficitfinanciado por emisso de dvida pblica interna

    Numa economia sob regime de taxas de cmbio flexveis e que opera a plenoemprego, os dficits do governo financiados por meio do endividamento pblicorepresentam queda da poupana pblica, que, por hiptese, no compensadapelo aumento da poupana privada. Assim, a poupana nacional se reduz em re-lao ao investimento agregado provocando elevao da taxa de juros real do-

    mstica, aumentando a oferta lquida de divisas externas supondo que a mobi-lidade de capitais suficiente para que a entrada destes mais do que compense oaumento da demanda de divisas externas, associado elevao do dficit pbli-co17. Assim, as taxas de cmbio nominal e real apreciam-se (Feldstein, 1992: 2-3;Rosensweig & Tallman, 1993: 582; Krugman, 1992: 5).

    17 No pleno emprego, o dficit pblico pressiona a absoro nos setores de BC e BNC. Neste ltimo,

    verificar-se- uma elevao de preos. No primeiro setor, o aumento da absoro pressionar a taxa decmbio nominal para cima se a atrao de capitais promovida pelo aumento das taxas de juros doms-ticas no for suficientemente elevada. Neste caso, a elevao da taxa de cmbio nominal estimula oaumento de preos tambm no setor de BC. Porm se h alguma (imperfeita) mobilidade de capitais, a

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    14/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 37

    Porm, se a mobilidade de capitais for nula no haver apreciao da taxa decmbio real, e o dficit pblico resultar apenas em inflao em ambos os setoresde BC e de BNC. No modelo Mundell-Fleming, este resultado pode ser represen-tado pelo Grfico 3, desde que a curva LM seja eliminada (o governo reduziu a

    base monetria ao vender ttulos e a expandiu na mesma magnitude ao usar osrecursos obtidos com a operao de mercado aberto para financiar seu dficit). Ainflao provoca o deslocamento da LM para a esquerda. O equilbrio final sedar no ponto C do Grfico 3.

    Em suma, a expanso da demanda agregada (que decorre do dficit oramen-trio do governo financiado atravs da ampliao da dvida pblica) paralelamen-te ausncia de mobilidade de capitais implica crescimento dos preos dos BNC edos BC na mesma proporo. Apenas no caso dos BC h um aumento de preosno contexto da Lei do Preo nico, isto , o excesso de demanda neste setor impli-

    ca aumentos conjuntos da taxa de cmbio nominal e dos preos dos BC. Portanto,no h neste caso mudana de preos relativos ao final do processo, permitindo arejeio da hiptese de relao de causalidade entre dficit pblico e apreciao dataxa de cmbio real. Resultado distinto deste obtido quando h plena mobilida-de de capitais.

    Economia operando aqum do pleno empregoe dficit financiado por emisso de dvida pblica interna

    Sob taxas de cmbio flexveis, havendo capacidade ociosa na economia odficit pblico financiado por emisso de dvida internano leva apreciao dataxa de cmbio real, necessariamente. No modelo Mundell-Fleming este resultadoest representado no Grfico 5, onde h ausncia de mobilidade de capitais. Ini-cialmente a curva IS desloca-se para a direita, estimulando a produo de BC e deBNC. O decorrente aumento da renda estimula a demanda por importaes, e ataxa de cmbio nominal e os preos dos BC elevam-se. A taxa de cmbio real de-precia-se e as curvas IS e BP deslocam-se para a direita. O novo ponto de equil-brio o ponto C.

    Com pequena (finita) mobilidade de capitais obter-se-ia o mesmo resultadoapresentado no Grfico 5, apenas as linhas BP e BP seriam positivamente inclina-das18. Ou seja, neste ltimo caso tambm no haveria apreciao da taxa de cm-bio real propiciada pela ocorrncia de dficits pblicos.

    entrada de divisas externas impede que a taxa de cmbio nominal e que os preos dos BC subam namesma proporo dos preos dos BNC, implicando apreciao da taxa de cmbio real.

    18 Ver nota de rodap 16.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    15/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200938

    Grfico 5

    Y

    A

    IS

    LM

    IS BP

    B

    i

    C

    BP

    IS

    Se a mobilidade de capitais for plena, o deslocamento inicial da IS ser rever-tido em funo da apreciao da taxa de cmbio nominal, e real, provocada pelaforte entrada de capitais no balano de pagamentos. Neste caso, o dficit pbico,ao proporcionar aumentos na taxa de juros domstica, atraindo capitais externos,provocaria apreciao da taxa de cmbio real, reduzindo a poupana nacional.

    Em suma, na situao acima analisada, apenas quando a mobilidade de capi-tais infinita (ou muito elevada) o dficit pblico causaria apreciao da taxa decmbio real. Caso contrrio, a expanso da demanda agregada, decorrente dodficit do governo, no levaria a aumentos de preos de BNC, pois h capacidade

    ociosa na economia, enquanto o crescimento da renda e da demanda por importa-es levaria depreciao da taxa de cmbio nominal e real.

    Sntese dos Resultados

    Os Quadros 1 e 2 sintetizam os efeitos do dficit pblico sobre os preos re-lativos segundo os casos analisados sob os regimes de taxa de cmbio fixa e flex-vel. A anlise destes casos foi realizada sob a hiptese de ausncia de crowding oute de Equivalncia Ricardiana.

    Sob o regime de taxa de cmbio fixa, quando o produto est aqum do seunvel de pleno emprego, no se constatou uma relao de causalidade sistemticaentre dficit pblico e apreciao da taxa de cmbio real, independentemente dograu de mobilidade de capitais ou da forma de financiamento do dficit. Quandoo produto se encontra no seu nvel de pleno emprego, o dficit pblico provocaapreciao da taxa de cmbio real, independentemente do grau de mobilidade decapitais ou da forma de financiamento.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    16/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 39

    Quadro 1

    Relao entre Dficit Pblico e Apreciao da Taxa de Cmbio Real Taxa de Cmbio Fixa

    Emisso MonetriaEmisso de Dvida

    Pblica

    Pleno Emprego

    Plena Mobilidade

    de Capitais

    Apreciao da taxa

    de cmbio real

    Apreciao da taxa

    de cmbio real

    Nula Mobilidade de

    Capitais

    Apreciao da taxa

    de cmbio real

    Apreciao da taxa

    de cmbio real

    Aqum do

    Pleno Emprego

    Plena Mobilidade

    de Capitais

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    Nula Mobilidade de

    Capitais

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    Fonte: Elaborao prpria.

    Sob o regime de taxa de cmbio flexvel, quando o produto est aqum doseu nvel de pleno emprego, no se constatou uma relao de causalidade sistem-tica entre dficit pblico e apreciao da taxa de cmbio real, exceto quando amobilidade de capitais plena (elevada) e o dficit financiado atravs de emissode dvida pblica. Neste ltimo caso, quanto menos perfeita for a mobilidade decapitais, tanto menor ser o impacto do dficit pblico sobre a mudana de preosrelativos e sobre o dficit externo. Em termos do modelo Mundell-Fleming, o d-ficit pblico s provoca apreciao da taxa de cmbio real quando a linha LM

    apresentar uma inclinao maior do que a linha BP.Quando o produto se encontra no seu nvel de pleno emprego e o regime

    cambial o de taxa flexvel, o dficit pblico provoca apreciao da taxa de cm-bio real no contexto de plena mobilidade de capitais.

    Quadro 2

    Relao entre Dficit Pblico e Apreciao da Taxa de Cmbio Real Taxa de Cmbio Flexvel

    Emisso MonetriaEmisso de Dvida

    Pblica

    Pleno Emprego

    Plena Mobilidade de

    Capitais

    Apreciao da taxa de

    cmbio real

    Apreciao da taxa

    de cmbio real

    Nula Mobilidade de

    Capitais

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    Aqum do

    Pleno Emprego

    Plena Mobilidade de

    Capitais

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    Apreciao da taxa

    de cmbio real

    Nula Mobilidade de

    Capitais

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    No h apreciao da

    taxa de cmbio real

    Fonte: Elaborao prpria.

    Deste modo, mesmo supondo ausncia de crowding oute de EquivalnciaRicardiana, a tese dos dficits gmeos s se sustenta mediante a hiptese de pleno

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    17/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 200940

    emprego dos fatores quando o regime cambial o de taxas fixas. No caso do regi-me cambial de taxas flexveis h duas situaes em que no se pode rejeitar a tesedos dficits gmeos: i) quando a economia opera aqum do pleno emprego e, pa-ralelamente, h plena (ou elevada) mobilidade de capitais e o dficit financiadopor meio da emisso de dvida pblica; ii) quando as hipteses de pleno empregoe de plena mobilidade de capitais so satisfeitas conjuntamente.

    Portanto, exceto no caso do item (i) acima, quer no mbito de taxas de cm-bio fixas, quer no contexto de taxas de cmbio flexveis, o dficit pblico causaapreciao da taxa de cmbio real apenas se a economia opera a pleno empregodos fatores. Todavia, a situao de pleno emprego seria apenas uma entre inme-ras possibilidades de equilbrio macroeconmico (Keynes, 1988). O pleno empre-go seria um caso especial do caso geral.

    CONCLUSES

    O estudo da relao entre dficit pblico, insuficincia de poupana nacionale dficit em conta corrente requer o conhecimento dos mecanismos (ou incentivos)atravs dos quais o dficit pblico poderia reduzir a poupana nacional e estimu-lar o dficit externo. Tais mecanismos (incentivos) no podem ser demonstradospor meio de identidades contbeis, pois estas no apresentam relaes de causali-dade.

    Na economia fechada, dada a renda agregada, o dficit pblico no reduz apoupana nacional. Isto ocorre por que bens de capital que produzem bens decapital no podem se metamorfosear em mquinas produtoras de bens de consu-mo para atender s demandas de um governo perdulrio. Todavia, na economiaaberta, uma apreciao da taxa de cmbio real pode ser conseqncia do dficitpblico, redundando em queda da poupana nacional e em dficit em conta cor-rente. Portanto, a mudana de preos relativos o mecanismo por meio do qual odficit pblico causa insuficincia de poupana nacional em relao a uma dadataxa de investimento.

    Avaliou-se, neste artigo, se verdadeira a hiptese de que o dficit pblicosempre causa um dficit em conta corrente (tese dos dficits gmeos). Tal hiptesefoi analisada a partir do estudo terico da relao de causalidade entre dficit p-blico e apreciao da taxa de cmbio real, em diversos contextos. Embora esteestudo no pretendesse esgotar todos os casos possveis, a verificao de um nicocaso em que o dficit pblico no provocasse a apreciao da taxa de cmbio realseria suficiente para se rejeitar a hiptese citada.

    Demonstrou-se na segunda seo que em vrios casos estudados o dficit p-blico no causa apreciao da taxa de cmbio real. Portanto, no h uma relaode causalidade sistemtica entre dficit pblico e apreciao da taxa de cmbioreal. No regime de taxa de cmbio fixa, tal relao vlida apenas quando a eco-nomia opera a pleno emprego concomitantemente ausncia de Equivalncia Ri-cardiana e de crowding out. No regime de taxa de cmbio flexvel esta relao

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    18/19

    Revista de Economia Poltica 29 (1), 2009 41

    vlida apenas em duas situaes: i) quando a economia opera a pleno emprego e,ainda, h infinita (ou elevada) mobilidade de capitais e ausncia de EquivalnciaRicardiana e de crowding out; ou, ii) quando a economia opera aqum do plenoemprego e, paralelamente, h plena (ou elevada) mobilidade de capitais, o dficit financiado por meio da emisso de dvida pblica e h ausncia de EquivalnciaRicardiana e de crowding out.

    Portanto, se atravs da apreciao da taxa de cmbio real que dficits pbli-cos resultam em insuficincia da poupana nacional, a tese de que dficits pblicosimplicam deteriorao do saldo em conta corrente e a necessidade de absoro depoupana externa visando garantir o financiamento de uma dada taxa de investi-mento no parece ter consistncia terica. Tal tese fica ainda mais fragilizadaquando se considera a possibilidade de ocorrncia de crowding oute/ou Equiva-lncia Ricardiana. Por simetria, pode-se afirmar que o supervit pblico no pro-voca, necessariamente, a depreciao da taxa de cmbio real. Portanto, o ajustefiscal pblico no leva, necessariamente, ampliao da oferta de bens de investi-mento ampliao da poupana nacional.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AMADEO, E.J. Nem cmbio nem ajuste fiscal. Revista de Economia Poltica, vol 15, n. 2, (58), abril-junho,1995.

    BAHARUMSHAH, A.Z.; LAU, E.; KHALID, A.M. Testing Twin Deficits Hypothesis: Using VAR`s and Va-

    riance Decomposition. Economics Working Paper Archive at WUSTL, 2005.CARVALHO, F.J.C.; SOUZA, F.E.P.; SICS, J.; PAULA, L.F.R. & STUDART, R. Economia monetria e fi-nanceira: teoria e poltica. Rio de Janeiro, ed.Campus, 2001.

    CASTRO, A.S. & CAVALCANTI, M.A.F.H., Estimao de equaes de exportao e importao para oBrasil 1955/95. Pesquisa e Planejamento Econmico, v. 28, n. 1, abril de 1998.

    DIXON R. & THIRLWALL, A.P. A model of regional growth-rate differences on Kaldorian lines. In King,J.E. Economic growth in theory and practice: a Kaldorian perspective. Cambridge, Edward Elgar,1994.

    EVANS, P. Is the Dollar high because of large budget deficits?Journal of Monetary Economics, November,1986.

    FEIJ, C.A.; RAMOS, R.L.O.; YOUNG, C.E.F.; LIMA, F.G.C. & GALVO, O.J.A. Contabilidade social: o

    novo sistema de Contas Nacionais do Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 2001.FELDSTEIN, M. The budget and trade dficits arent really twins. Cambridge, NBER, Working Papern.3966, janeiro de 1992.

    FELDSTEIN, M. & HORIOKA, C. Domestic saving and international capital flows. The Economic Journal,90, junho de 1980.

    GARCIA, M.G.P. Macroeconomia prtica. Gazeta Mercantil, pg. A-3, 16 de abril de 1997.GIAMBIAGI, F. & AMADEO, E.J. Taxa de poupana e poltica econmica: notas sobre as possibilidades de

    crescimento numa economia com restries. Revista de Economia Poltica, v. 10, n. 1(37), janeiro-maro de 1990.

    GOLDSTEIN, M. & KHAN, Income and price effects in foreign trade. In Handbook of International Econo-mics, Jones & Kenen, V.2, Amsterdan, Elsevier Publishers, 1985.

    KANDIR, A. A dinmica da inflao: uma anlise das relaes entre inflao, fragilidade financeira do setorpblico, expectativas e margens de lucro. So Paulo, ed. Nobel, 1989.

    KEYNES, J.M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. So Paulo, Nova Cultural, 1988.KRUGMAN, P.R. Currencies and Crises. Cambridge, MIT Press, 1992.

  • 7/24/2019 Deficits Gmeos e Poupana Nacional

    19/19

    LABINI, S.P. Oligopoly and techinical progress. Cambridge, Harvard University Press, 1962.OSKOOEE, M.B. The long-run determinants of U.S. trade balance revisited.Journal of Post Keynesian Eco-

    nomics, vol. 17, n. 3, 1995.PASTORE, A.C. & PINOTTI, M. C. Taxa cambial real e os saldos comerciais. Revista de Economia Poltica,

    vol 15, n. 2, (58), abril-junho,1995.PEREIRA, T.R. Endividamento externo e o ajuste financeiro da grande empresa industrial nos anos noventa.

    Campinas, Dissertao de mestrado/Instituto de Economia da Unicamp, 1999.RESENDE, A.L. O Mxico e o cmbio: tequila, cmbio e o velho cinismo. Revista de Economia Poltica, vol

    15, n. 2, (58), abril-junho 1995.RESENDE, M.F.C. Insero internacional, arranjos financeiros e crescimento da economia brasileira. Tese de

    Doutorado/Departamento de Economia da UnB, 2003.ROSENSWEIG, J.A. & TALLMAN, E.W. Fiscal policy and trade adjustment: are the deficits really twins?

    Economic Inquiry, vol. XXXI, October, 1993.SIMONSEN, M.H. & CYSNE, R.P. Macroeconomia.Rio de Janeiro, Fundao Getlio Vargas, 2aedio,

    1995.STUDART, R. Investment finance in economic development. London, Routledge, 1995.

    TAVARES, M.C., ASSIS, J.C. & TEIXEIRA, A. A questo da poupana: desfazendo confuses. In TAVARES,M.C. & DAVID, M.D. (org.) A economia poltica da crise, Rio de Janeiros, ed. Vozes, 1982.VAMVOUKAS, G.A. The twin deficits phenomenon: evidence from Greece. Applied Economics,31, 1999.