79
DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Mestrado em Educação: Psicologia da Educação PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2006

DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

DEISE ROSA DA SILVA

AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS:

UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2006

Page 2: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

DEISE ROSA DA SILVA

AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS:

UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR

Dissertação apresentada à banca examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de MESTRE em Psicologia da Educação, sob

orientação da Profª. Dra. Melania Moroz.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2006

2

Page 3: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

____________________________________

____________________________________

3

Page 4: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

“Os principais problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se

melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano.”

(Skinner, 1974)

4

Page 5: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Dedico este trabalho a meus pais e agradeço a eles pelo amor que transmitem diariamente,

pelo incentivo, e principalmente pela coragem de deixarem os filhos ‘voarem’.... Sei que as

preocupações de ter uma filha na estrada semanalmente e longe de casa na “cidade grande”

foram muitas, mas hoje posso dizer que consegui...e se estou aqui é porque devo tudo a

vocês... O amor, o carinho, o respeito, e principalmente a confiança que depositaram em mim

foram fundamentais, porque nos momentos em que nem eu mesma acreditava que daria conta,

vocês, somente com o brilho do olhar, me mostravam que eu daria conta sim.

Muito obrigada! Amo vocês!!!!

5

Page 6: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

AGRADECIMENTOS

À professora doutora Melania Moroz pela sua competência e disponibilidade em me orientar

com tamanha sabedoria esse trabalho. A sua ajuda foi fundamental.

Ao CNPq pela Bolsa concebida.

Aos professores que participaram da Banca de Qualificação, pelas valiosas contribuições

feitas ao trabalho.

Aos mestres que passaram pela minha vida, que da pré-escola a pós-graduação strictu-senso

me incentivaram a aprender cada vez mais, e a amar a educação.

À Escola e às docentes que participaram da coleta de dados, o meu muito obrigada pela

compreensão e pelo carinho com que me receberam.

Aos meus amigos, aqui impossíveis de nomeá-los e ao meu namorado, que me apoiaram e

agüentaram minhas lamentações das idas e vindas do Paraná a São Paulo semanalmente.

Muito obrigada mesmo!!!! Sem vocês todo esse período seria muito mais difícil.

Ao Sergio Eduardo que foi o responsável para que eu iniciasse esse mestrado, e hoje mesmo

com a distância, meu carinho e agradecimento serão sempre eternos.

Aos meus alunos com quem aprendo diariamente, obrigada pelos momentos de aprendizagens

constantes que dividem comigo.

6

Page 7: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Aos meus queridos amigos motoristas da Guaçu Tur, que nas nossas longas e freqüentes

viagens agüentaram meu mal-humor, meu desânimo, meu cansaço e meus dias bem

humorados. Adorei conhecer vocês e saibam que estarão eternamente em meu coração.

Aos meus irmãos, que são fundamentais na minha vida e que amo infinitamente.

E um agradecimento especial a Deus pela vida que me concebeu e caminhos que abriu para

que eu pudesse desfrutar das oportunidades do dia-a-dia.

“ Se lutar pelo bem da cultura significará, para o futuro, construir e poder contar com

pessoas dessa qualidade e aqui nomeadas, então certifico,

valerá a pena!”

7

Page 8: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

RESUMO

A presente pesquisa, que teve como foco de estudo a agressividade por crianças, propôs-se a

verificar se ocorrem comportamentos agressivos durante as atividades extra-classe

desenvolvidas na pré-escola e, em caso afirmativo, a descrever quais são tais

comportamentos, identificando possíveis fatores a eles relacionados. Este trabalho,

desenvolvido numa pré-escola de um colégio particular de Cascavel no Paraná, teve como

participantes crianças com faixa etária entre 4 e 6 anos; durante as atividades recreativas em

ambiente externo à sala de aula, foram realizadas, duas a três vezes por semana, 25 sessões de

observação de aproximadamente uma hora de duração cada. Foram identificados 31 episódios

agressivos, envolvendo 68 incidentes de agressão, os quais foram classificados como

agressividade física, verbal e gestual. Tendo com referencial teórico a abordagem

comportamental, foi realizada uma proposta de análise funcional dos dados coletados,

permitindo identificar as circunstâncias frente as quais ocorrem os comportamentos

agressivos e a forma como os pares e os docentes agem após a ocorrência da agressão.

Verificou-se, dentre outros aspectos, que os incidentes agressivos físicos foram os mais

freqüentes, envolvendo mais os meninos do que as meninas; os comportamentos agressivos

ocorreram principalmente como forma de obter reforçadores, como reação à retirada de um

reforçador, ou ainda como forma de reagir frente a um evento aversivo, mesmo sendo este um

fato acidental; na maior parte das vezes, as docentes interferiram em função da solicitação das

crianças e com a finalidade de cessar a ocorrência de agressão, não aproveitando a

oportunidade para ao ensino de habilidades sociais. Os resultados obtidos permitem sugerir

que tais comportamentos poderiam se tornar esporádicos, caso o ensino de habilidades sociais

fosse um objetivo assumido por professores da educação infantil.

Palavras chaves: Agressividade infantil, habilidades sociais, relação professor-aluno.

8

Page 9: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

ABSTRACT The present research, that had as focus of study the aggressiveness for children, was

considered to verify it if aggressive behaviors occur during the developed activities extra-

classroom in the daily pay-school and, in affirmative case, to describe which they are such

behaviors, identifying possible factors related they. This work, developed in a daily pay-

school of a particular college of Cascavel, Paraná, had as participant children with age

between 4 and 6 years; during the recreational activities in external environment to the

classroom, they had been carried through, the two three times per week, 25 sessions of

comments of approximately one hour of duration each. 31 aggressive episodes had been

identified, involving 68 incidents of aggression, which had been classified as physical

aggressiveness, verbal and gestual. Having with theoretical referencial the mannering

boarding, it was carried through a proposal of functional analysis of the collected data,

allowing to identify to the circumstances front which occur the aggressive behaviors and the

form as the pairs and the professors after act the occurrence of the aggression. It was verified,

amongst other aspects, that the physical aggressive incidents had been most frequent,

involving more the boys of whom the girls; the aggressive behaviors had occurred mainly as

form to get stiffener, as reaction to the withdrawal of a stiffener one, or still as form to react

front to a aversive event, exactly being this an accidental fact; with the biggest part of the

times, the professors had intervened with function of the request of the children and with the

purpose to cease the occurrence aggression, not using to advantage the chance for the o

education of social abilities. The gotten results allow to suggest that such behaviors could

become sporadical, case the education of social abilities were an objective assumed for

professors of the infantile education

Words keys: Infantile aggressiveness, social abilities, conceptions of professors.

9

Page 10: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

SUMÁRIO

I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .............................................................................11 II – AGRESSIVIDADE............................................................................................................13 III – ENSINANDO HABILIDADES SOCIAIS.......................................................................21 IV - MÉTODO..........................................................................................................................37 Local..............................................................................................................................37

Sujeitos..........................................................................................................................37

Procedimento de Coletas de Dados...............................................................................39 Procedimento de Análise dos Dados.............................................................................40 V – RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................47 VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................70 VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................75

10

Page 11: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Tudo se iniciou aos doze anos, deliciosos doze anos em que, mesmo ainda imatura,

iniciava minha vida profissional dentro de um contexto escolar. Auxiliava três turmas de pré-

escola em um colégio particular na cidade de Cascavel, interior do Paraná, onde resido até

hoje. Já naquela época percebia o quanto os alunos considerados “bagunceiros” eram

discriminados e punidos pelas professoras, fato que me causava inquietude quanto à melhor

forma de educar e motivar essas crianças. Não foram raras as vezes em que os docentes a

quem auxiliava pediam para que eu ficasse cuidando ou ajudando os alunos com

comportamentos inadequados, pois não tinham muita paciência com eles. Foi a partir daí que

o carinho por essas crianças, consideradas pelo senso comum como “pestinhas”, começou a se

estabelecer, aumentando gradativamente com o tempo.

Durante o estágio em Psicologia escolar realizado em uma escola estadual, uma das

exigências do curso de graduação em Psicologia, três colegas estagiárias e eu trabalhamos a

questão da auto-estima com os alunos agressivos da escola. Essa tarefa foi realizada com

muito êxito, fato esse que gerou o Trabalho de Conclusão de Curso, no qual o assunto

escolhido, mobilizado pelo projeto, foi agressividade, porém, voltado para a relação com o

meio de comunicação. Na pós-graduação – latu sensu- de Psicologia Clínica Comportamental,

a pesquisa realizada foi sobre TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) em

crianças, cujo objetivo era perceber se as professoras de primeira série do ensino fundamental

conseguiam diagnosticar corretamente uma criança com TDAH. Concluímos, a partir dessa

experiência, que as docentes, de um modo geral, confundem comportamentos inadequados,

agressividade e falta de limite com TDAH e percebemos, também, pelas entrevistas

realizadas, que a discriminação pessoal da professora com o aluno considerado “bagunceiro”

é latente. Assim sendo, nessa trajetória, mesmo que ainda iniciante, já foi possível perceber a

11

Page 12: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

grande dificuldade que os professores têm em trabalhar com alunos que fogem dos padrões

esperados. É perceptível nos bancos escolares, o quanto esses discentes são punidos pelos

seus comportamentos, considerados inadequados.

No mestrado, a preocupação com essas crianças tidas como “diferentes” das outras

ainda permanece, pois acredito ser importante um trabalho que estude os comportamentos

agressivos, procurando entendê-los, no contexto de sua ocorrência. Várias questões, do meu

ponto de vista, precisam de respostas: quais são, e com que freqüência ocorrem os

comportamentos agressivos por crianças pré-escolar? Em que circunstâncias as crianças se

comportam de forma agressiva? Que conseqüências são advindas de tais comportamentos?

Como os docentes e os pares atuam frente a ocorrências de ações agressivas da criança?

Diante desse conjunto, houve então a decisão de desenvolver um estudo com pré-escolares,

focalizando os comportamentos agressivos ocorridos em situação extra-classe.

Como ponto de partida para este trabalho, há uma apresentação de temas como

agressividade, desenvolvimento infantil e habilidades sociais, pois se considera importante

mostrar como pesquisadores estudaram as diferentes facetas relacionadas ao tema da

agressividade, as diferentes maneiras de a criança se relacionar e as conseqüências desses

comportamentos na sua vida e a forma como o desenvolvimento infantil é entendido pela

abordagem comportamental, que é a base teórica deste trabalho.

Em seguida explicitam-se a metodologia e os resultados obtidos; finalmente,

discutem-se os resultados, destacando-se a formação educacional dos pré-escolares e a melhor

atuação dos docentes. Foi um grande desafio a realização do presente estudo, na medida em

que foi preciso reunir as peculiaridades do contexto escolar, o rigor da pesquisa, e o

comprometimento com a ciência.

Mas valeu a pena....

12

Page 13: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

II – AGRESSIVIDADE

É longa a distância que separa, muitas vezes, a área de estudo para a qual se volta o

interesse de uma pesquisa e a questão particular a ser investigada num trabalho. Os caminhos

que ligam um fato ao outro tendem a parecer tão estranhos e complexos quanto mais ampla e

heterogênea a área de interesse se mostra. Daí a necessidade da revisão da literatura.

Aqui serão discutidas as posições de diversos autores sobre agressividade,

apresentando-se posteriormente a reflexão sobre o comportamento agressivo nas relações que

se dão no contexto escolar, além de considerá-lo sob o olhar Behaviorista Radical.

Exemplos de atos agressivos são variados. Em termos sociais, numa época em que

armas nucleares estão amplamente disponíveis, um único gesto agressivo pode desencadear

uma grande tragédia; por outro lado, podem ocorrer ações menores que causam, porém,

ferimento moral e/ou físico tão grave como aqueles.

Há muito tempo a ciência humana se preocupa com a agressividade. De acordo com

Moser (1991), “pode-se, de um modo geral, entender por agressão o comportamento que

causa dano a outrem, ou seja, ele é interativo, específico entre um agressor e uma ou mais

vítimas, ocorrendo em um determinado contexto social”. O comportamento agressivo

apresenta-se de muitas formas e, às vezes, de duas ou mais maneiras ao mesmo tempo,

podendo ser analisado em seus aspectos biológicos, psicológicos, éticos, sociais, jurídicos,

políticos e estratégicos. Por ser a agressividade um tema bastante complexo, alguns aspectos

serão destacados quanto a suas origens e natureza, em diferentes fundamentações teóricas.

13

Page 14: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

A década de setenta foi um momento em que a discussão do tema agressividade esteve

presente, tornando-se um ponto de referência para estudos posteriores. Assim, estabelece-se

como ponto de partida a menção a autores desse período.

A agressão, conforme Menandro (1978), “é um comportamento que provoca

discussões extensas e divergências profundas a respeito de sua natureza e expressão”. Várias

são as discussões encontradas que evidenciam a preocupação em teorizar sobre a

agressividade.

O grupo de teorias biológicas ou instintivas da agressão acentua o fato de que algum

tipo de tendência para ataque direto ou destruição faz parte da natureza biológica e é inerente

ao homem e a outros animais. Ao apresentar os modelos impulsivos da agressão, Moser

(1991, p.60) enfatiza que “os impulsos agressivos são gerados espontaneamente pelo

organismo e têm uma função de defesa e de afirmação em relação ao meio”. A referência a

esse grupo de teóricos, que acredita ser a agressividade humana inata ao homem, já era feita

por Megargee e Hokanson (1976). Entre esses pensadores estão os psicanalistas,

representados por Freud e alguns seguidores. Já os etólogos, representados por Lorenz,

acreditam que a agressão tem a função de assegurar a vida social e a evolução da espécie.

Na fisiologia e psicologia do comportamento, uma das maiores contribuições, já no

século XX, foi a de Konrad Lorenz, pois em longas pesquisas sobre as reações dos animais

em diferentes situações esse autor confirmou a teoria de Darwin, trazendo novas luzes para a

compreensão da agressão, inclusive entre os seres humanos, os quais, para Lorenz, têm

instinto de matar (GALEGO, 1999).

Segundo a etologia (ciência que estuda o comportamento animal), as pesquisas da

década de 1960 sugeriam que existia uma grande diferença entre os humanos e as outras

espécies, pois os animais desenvolveram mecanismos para controlar os seus instintos

14

Page 15: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

agressivos, mas os humanos não. Lorenz (1973), em pesquisas subseqüentes, sugeriu que

talvez os animais não fossem menos agressivos que nós e demonstrou que a incidência de atos

promotores de danos gravíssimos entre os animais é maior do que se pensa. Embora

observações como essas aproxime a agressividade humana da agressividade animal, ainda há

algumas diferenças na extensão do dano como provocados por guerras em grandes escalas,

por exemplo, criadas pelos humanos.

Lorenz (1973, p.7) fala da agressividade como “o instinto de combate do animal e do

homem, dirigido contra o seu próprio congênere”, ou seja, considera-se agressivo somente o

comportamento do indivíduo em relação a outros da sua espécie. Isso elimina categorias de

comportamentos como o predatório dirigido contra membros de outras espécies. Percebem-se,

no entanto, comportamentos agressivos dos homens para com outros de espécies diferentes, o

que tornaria essa teoria contestável. Para Castro (1979), “a agressividade faz parte da

sobrevivência das espécies, sendo que a extensão e o significado da palavra agressividade

dependem das causas e efeitos, da intensidade, da freqüência e das circunstâncias em que elas

ocorrem”.

Atkinson (2000) faz referência às teorias de frustração-agressão. Este autor faz parte

de um grupo, segundo o qual se admite que o comportamento agressivo seja uma resposta do

organismo à frustração ou ao bloqueio de esforços voltados para um objetivo. A teoria

enfatiza que sempre que o esforço de uma pessoa para atingir algum objetivo é bloqueado, um

impulso agressivo é induzido, motivando um comportamento que visa a destruir o causador

da frustração, seja uma pessoa ou objeto. Doob, Miller, Mowrer e Sears (1976) defenderam

essa idéia, muito embora tenham ressaltado que a frustração não é a causa única da agressão.

Vale destacar também que o comportamento da agressão vem seguido, na maioria das vezes,

da frustração, porém, nem toda frustração pode levar a um comportamento agressivo, pois vai

depender das variáveis situacionais, das contingências estabelecidas.

15

Page 16: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Um terceiro grupo, o das teorias culturais e de aprendizagem social, admite que as

crianças aprendem a agredir participando de brincadeiras com os colegas e irmãos,

observando-os e, posteriormente, imitando ações agressivas de adultos. Segundo Train

(1997), alguns especialistas acreditam que as ações são determinadas pela experiência de

vida, sendo assim, a criança passa a ter comportamento agressivo porque o adquiriu na

criação que teve. Essa teoria reforça a idéia de que os primeiros contatos do indivíduo com o

mundo ocorrem na família, e é a partir dela que são formados os parâmetros que guiarão a

conduta de uma criança. Moser (1991) fala dos teóricos da aprendizagem social, como

Bandura, por exemplo, segundo os quais o comportamento agressivo é adquirido, mantido e

atualizado da mesma maneira que a maioria dos comportamentos sociais.

Autores como Menergee e Hoksanson (1976) e Castro (1979) defendem o papel de

fatores diversos na presença de ações agressivas; a causa da agressão e os fatores que mantêm

esses comportamentos agressivos são sempre complexos, pois envolvem tanto fatores

externos como biológicos. No entanto, Menergee e Hoksanson (1976) destacam a importância

da aprendizagem de tais ações. Atos agressivos ocorrem no meio social, e a maneira como

esse meio interage com o comportamento agressivo é de fundamental importância para

entender tal comportamento, pois é possível identificar quais são as conseqüências

mantenedoras do mesmo, aspecto este também defendido por Castro (1979).

Otta e Bussab (1998) ressaltam que “é preciso analisar o que impulsiona o indivíduo a

agir agressivamente e os fatores que atuam para suprimir alguns padrões de comportamento

agressivo, em outras palavras, é preciso analisar os estímulos que incentivam ou impedem um

comportamento agressivo”. Pode haver determinantes múltiplos do comportamento agressivo,

fato este que permite “sair” do senso comum, pois geralmente o agressor é julgado como

alguém mal intencionado ou sem limites. A Análise do Comportamento enfatiza o papel das

16

Page 17: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

contingências na aprendizagem do comportamento agressivo como, por exemplo, a ocorrência

de estímulos reforçadores após o comportamento. 1

O comportamento humano é o produto das contingências filogenéticas responsáveis

pela seleção natural da espécie, de contingência ontogenéticas responsáveis pelo

desenvolvimento dos repertórios comportamentais dos indivíduos e de contingências culturais

mantidas por um ambiente social evoluído (Skinner 1980). As características

comportamentais passam por sucessivos crivos da relação organismo-ambiente. Nessas

relações, alguns comportamentos são eliminados e outros são mantidos por se mostrarem

adaptados ao meio e/ou eficazes em garantir a sobrevivência. O meio exerce, então, papel

selecionador e é por força dessa contínua seleção que, segundo Matos e Tomanari (2002),

todo ser vivo evolui e transforma seu repertório comportamental continuamente; em outras

palavras, o comportamento muda o ambiente e, por sua vez, é modificado por esse novo

ambiente que ajudou a modificar.

Gosch e Vandenberghe (2004) comentando brevemente a visão de Skinner sobre a

agressividade, afirmam que, o comportamento agressivo é mantido por uma variedade de

eventos reforçadores, como as pistas de dor, injúrias e a complacência vivenciada pela vítima

do agressor, além de destacar o elevado valor utilitário do comportamento anti-social, que

pode remover exigências ou controlar o comportamento de outras pessoas por meio da

1 Entende-se por contingência as relações de dependência entre eventos. A contingência prescreve a

probabilidade de ocorrência de um dado evento em função da ocorrência de um outro evento; é uma relação “SE

ENTÃO”. A análise das contingências é utilizada pelos analistas do comportamento como um instrumento de

trabalho.

17

Page 18: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

dominância física ou verbal, obtendo-se várias formas de recursos a seu favor. Dessa maneira,

não é surpreendente que os padrões agressivos sejam tão prevalecentes.

Silva e Del Prette (2003, p.96), também destacando a importância das conseqüências

na manutenção de comportamentos agressivos, apresentam um aspecto diferente a se levar em

conta quando se faz referência à agressividade infantil: a atuação dos pares e dos adultos.

As crianças que são agressivas com seus colegas, são rapidamente rejeitadas, e os colegas passam a se comportar de maneira desconfiada, aumentando a probabilidade de reações agressivas, o que só é agravado com manejo comportamental inefetivo dos professores, que pouco encorajam os comportamentos positivos da criança, e punem excessivamente os comportamentos tidos como ‘indesejáveis’. Isso pode ocorrer porque crianças desobedientes e com comportamentos ‘indesejáveis’ desenvolvem relacionamentos pobres com professores e, conseqüentemente, recebem menos suporte dos mesmos (SILVA E DEL PRETTE 2003, P.96).

Muitos professores não se dão conta de que os alunos que apresentam comportamentos

inadequados são, muitas vezes, os que mais precisam do seu apoio, tanto no que se refere à

relação professor-aluno, como à relação com os seus pares. Essa realidade retrata de forma

muito real os bancos escolares, cabendo alguns questionamentos: essas crianças, tidas como

agressivas, não estão mantendo seu comportamento anti-social devido à falta de reforçadores

para comportamentos adequados? Tendo como alternativa única ou mais comum comportar-

se inadequadamente e dessa maneira, mesmo que aversiva ao outro, passar a ser percebida

entre os demais, por que a criança se comportaria de modo adequado? Essas são as questões

acerca da agressividade infantil e das suas relações, que precisam ser abordadas.

Há também, um novo aspecto a considerar: a rotulação das crianças. Conforme

salientado por Vasconcelos (2003), “é cada vez mais comum em nossa sociedade que se

rotulem determinados padrões de comportamentos, e esses ‘rótulos’ têm se apresentado como

um fator de limitação das oportunidades de aprendizagem do indivíduo”. Ao “se carimbar”

uma criança ou um jovem como lento, birrento, hiperativo, medroso, agressivo, entre tantos

18

Page 19: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

outros comportamentos, pode-se estar contribuindo para que se ele se “especialize” em cada

um desses rótulos, aprendendo a se comportar da maneira que realmente faça jus a tais títulos.

É possível que a rotulação de uma criança funcione para ela como uma sinalização

para emitir os comportamentos que estão envolvidos em seu rótulo, mesmo que ela receba

punições pelos seus comportamentos diferenciados dos da maioria. “Em alguns casos, a

criança se irrita tanto com a conseqüência aversiva que, para se defender, apresenta novos

comportamentos agressivos, o que leva à confirmação de sua rotulação, continuando o círculo

vicioso”. (Vasconcelos, 2003).

Deve-se considerar ainda que, em muitos casos, os estímulos aversivos (castigo físico,

ameaça verbal) não são para aquele indivíduo uma punição. Pode ser que o comportamento

inadequado seja apenas uma maneira de receber atenção de pais e educadores, e essa atenção,

mesmo que se expresse de forma aversiva, é o que a criança precisa. Observa-se,

constantemente, que é apenas com um comportamento agressivo que a criança consegue ser

percebida entre os demais. Nesse caso, a conseqüência pode estar sendo reforçadora e não

punitiva, fato esse que, infelizmente, grande parte dos adultos, entre eles professores e

educadores, não percebem. É importante lembrar que todo comportamento tem uma função,

sendo necessário identificá-la, mesmo que essa função se diferencie do comumente aceito

pela sociedade, conforme destacado por Vasconcelos (2003).

Finalmente, é preciso abordar a relação dos comportamentos agressivos com as

variáveis de sexo e de idade, já que em grande parte da literatura consultada, os autores fazem

referências a ela.

Magalhães e Otta (1995) e Wagner e Biaggio (1996) constataram que, na primeira

infância (crianças que estão aprendendo a caminhar), não há diferenças quanto ao sexo no que

diz respeito à agressividade, porém, com o aumento da idade, aproximadamente a partir dos

19

Page 20: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

três anos, as diferenças se tornam mais pronunciadas, já que os meninos apresentam formas

mais agressivas de expressão do que as meninas.

Magalhães e Otta (1995) focalizaram a variável sexo na pesquisa realizada, pois

perceberam que havia resultados controversos entre alguns autores sobre a influência do sexo

na questão da agressividade. No trabalho por eles realizado, foi observado que realmente a

freqüência de incidentes agressivos foi significativamente maior para os meninos do que para

as meninas, e essa diferença não se manifestou apenas na freqüência de incidentes, como

também na qualidade destes. Agressões verbais apareceram apenas entre as meninas, sendo

que as agressões físicas por meninos foram em maior quantidade.

Em estudos etológicos e genéticos constata-se, segundo Lorenz (1973), que existe

diferenças genéticas, mediadas por diferenças hormonais, que afetam o comportamento

agressivo. A testosterona, que é encontrada mais em homens, é também um diferencial na

maneira de se comportar. Por outro lado, isso não implica que questões genéticas determinem

a natureza do comportamento exibido, uma vez que, como já citado, uma experiência pode

produzir diferenças marcantes na história de vida de um indivíduo. O trabalho de Castro

(1979), realizado na mesma década do de Lorenz, é importante, pois mostra que a

agressividade pode estar sendo aprendida, ou seja, os docentes, ao interferirem com maior

freqüência nos comportamentos agressivos dos meninos, podem estar reforçando, ou ao

menos mantendo, os níveis de comportamento agressivo encontrados para meninos. Sendo

assim, a maior freqüência de comportamentos agressivos em meninos pode estar sendo

produzida socialmente. Se forem identificadas as variáveis que contribuem para tal

ocorrência, pode-se interferir no sentido de eliminar, ou diminuir, a incidência de ocorrências

de comportamentos agressivos em crianças. Diferentes teorias, que ainda precisam ser

investigadas.

20

Page 21: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Como exposto, existem as divergências teóricas acerca da agressividade e dados

empíricos que instigam a continuidade de pesquisas e estudos buscando-se cada vez mais

elucidações.

III – ENSINANDO HABILIDADES SOCIAIS

Para entender um pouco do comportamento agressivo de uma criança, é preciso

entender a criança como um todo e compreendê-la tem sido objeto da atenção de estudiosos,

chegando a ganhar espaço na literatura e nos meios de comunicação em geral. A seguir, será

feita uma análise sobre o comportamento infantil em interação com o meio em que ela está

inserida, isto é, será focalizada a interação contínua entre o comportamento da criança e seu

ambiente. No presente trabalho serão focalizadas de modo especial crianças na idade entre

três e seis anos aproximadamente, período correspondente ao Estágio Básico, tal como

proposto por Bijou e Baer (1980).

Encontra-se na literatura, tanto nacional como internacional, diferentes teorias sobre

criança, infância e o adolescente. Segundo Brazelton (2003), as teorias são criações

explicativas, produto de uma época com suas características históricas, de modo que a

verdade, em um tempo, pode não o ser mais no momento histórico seguinte.

Para exemplificar esse fato, Vasconcelos (2003) relata em seu artigo a visão cultural

em diferentes épocas sobre crianças. Na Antiga Roma, os recém-nascidos eram expostos nas

portas do Palácio Imperial e os que não eram escolhidos pelas autoridades eram assassinados.

Esse infanticídio, que hoje em nossa cultura é considerado abominável, só foi considerado

um delito no séc. IV. Já no século XV, a criança participava do mundo dos adultos. Só por

volta de 1600, é que a categoria ‘infância’ é criada. A escola e a família tornam-se então

responsáveis pela educação das crianças, que são separadas dos adultos em suas atividades.

21

Page 22: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Ressalte-se, também, que o maior interesse nesta época era pela vigilância dos ‘bons tratos’

nas crianças. Em torno de 1800, a visão da escola como lugar de produção e ordem, com a

atribuição de recolher e proteger os menores excluídos do sistema escolar se consolida. No

início do século XX, a criança deixa de ser vista como um adulto em miniatura, pois suas

características anatômicas, fisiológicas e psicológicas passam a ser consideradas próprias de

sua idade, passando a criança a ser vista como um indivíduo detentor de direitos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no nosso país, entrou em vigor na

década de noventa, marcada como a década da criança. Nesse estatuto são determinadas leis

e normas para o desenvolvimento saudável de uma criança. Esses preceitos além de serem

estabelecidos, são também revisados periodicamente conforme as necessidades sociais do

momento. Porém, até hoje existe uma grande discussão e uma busca incessante por uma

educação digna, na qual o mínimo dos direitos infantis seja respeitado, que leve as crianças a

se tornarem os ‘adultos saudáveis do amanhã’. Branden (1999, p.12) faz uma afirmação que

representa um pouco do que se está discutindo, ao dizer que “quando crianças, nossa

autoconfiança e nosso auto-respeito podem ser alimentados ou destruídos pelos adultos

conforme tenhamos sido respeitados, amados, valorizados e encorajados a confiar em nós

mesmos” (p.12).

A maneira de educar uma criança também apresenta diferenças históricas em nossa

cultura, fato que gera várias dúvidas nos educadores na forma de agir com elas. Na década de

70, o modelo repressor da educação dos filhos foi profundamente criticado e começou a dar

lugar à era da permissividade, na qual, segundo Oliveira e outros (2002), os pais começaram

a ter dificuldades de dizer “não” às crianças. Por outro lado, nos últimos anos, uma nova

crise começou a se esboçar, já que a permissividade dos pais e seus efeitos nocivos sobre o

comportamento das crianças começaram a ser questionados. O tema ‘limite’ passou a ter uma

abrangência muito grande nas últimas décadas. Docentes comentam sobre seus problemas em

22

Page 23: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

gerenciar o comportamento dos alunos em sala de aula, pela falta de limites, fato que traz

inúmeros prejuízos ao processo ensino-aprendizagem e à formação social dos discentes.

Também há insegurança dos pais quanto à forma de educar os filhos, o que pode gerar

angústia, ansiedade e tantos outros sentimentos que lhes provocam sofrimento.

Os pequenos surpreendem a todos, a cada dia, pela quantidade e diversidade de

respostas que elas aprendem e passam a utilizar. Várias são as teorias a respeito desse

desenvolvimento e comportamento. Segundo Bijou e Baer (1980), para o Behaviorista

Radical/Análise do Comportamento (BR/AC), ao se falar em desenvolvimento assume-se a

posição de que os comportamentos infantis não são determinados por sua personalidade ou

processos mentais hipotéticos, mas sim por maturação biológica e, principalmente, pela

história de interação com um ambiente particular desde o momento de sua concepção.

Na abordagem comportamental não temos como analisar uma criança sem referência

ao seu meio. Ambos formam uma unidade inseparável que constitui um conjunto interligado

de variáveis, fato esse que não nos permite dizer que uma criança é um indivíduo passivo.

Bijou e Baer (1980) ressalvam esta idéia ao focalizar o comportamento da criança em

interação contínua e recíproca com o ambiente.

Com freqüência, o termo ‘ambiente’ é empregado para se referir ao lugar onde os

animais e homens vivem e se comportam, no entanto, na abordagem comportamental o

significado da palavra ‘ambiente’ não se resume somente a “lugar”, pois significa também

qualquer evento no universo capaz de afetar o indivíduo. Segundo Oliveira e outros (2002), o

ambiente, nesse sentido, possui um papel ativo na produção do comportamento. Mas, se o

ambiente possui um papel ativo na produção do comportamento, o ambiente também está em

constante transformação, modificando-se a todo momento.

23

Page 24: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

De acordo com Brazelton (2003), a criança é analisada como um agrupamento de

comportamentos funcionais, que se interligam a uma fonte de estímulos funcionais, que é o

ambiente externo. Todas as variáveis desta relação homem - ambiente, conforme destacado

por Bijou e Baer (1980), produzem modificações, em grande parte progressivas, tanto no

comportamento da criança quanto no meio em que ela está inserida.

Para entender um pouco melhor essas mudanças progressivas, é necessário analisar as

relações que ocorrem durante a etapa de desenvolvimento de uma criança, que envolve o

desenvolvimento emocional, a tomada de decisões, o autocontrole, os comportamentos

criativos, entre outros. Ao se falar em criança, a referência é a um ser que a cada dia

desenvolve algo a mais. Independentemente de cada criança ter em seu ciclo sua maneira única

de se desenvolver, já que as suas relações com o ambiente são únicas, ainda assim, é

conveniente, ao estudar desenvolvimento infantil, apresentá-lo didaticamente em ciclos, ou

fases. (Áries, 1988)

Os autores de diferentes vertentes organizam esses ciclos de maneiras extremamente

opostas. Alguns o fazem por idade cronológica, referindo-se aos comportamentos conforme

uma idade específica; outros, como Freud e Erikson, dividiram o desenvolvimento baseando-

se em teorias da personalidade e estágios como a fase oral, anal, fálica, entre outras. Piaget

divide o desenvolvimento em fases intelectuais: sensório-motora, pré-operacional; operações

concretas e operações formais. Wallon aborda a questão do desenvolvimento infantil por

estágios: estágio impulsivo emocional, estágio sensório-motor e projetivo, personalismo,

categorial e estágio da puberdade e da adolescência.

Bijou e Baer (1980) acreditam que divisões assim possibilitam categorizar em

algumas classes (idade, estágios) os diversos comportamentos infantis; porém, acabam se

tornando um pouco contraditórias para auxiliar alguém que esteja pesquisando as relações

24

Page 25: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

entre o meio e os períodos sucessivos, já que as interações significativas, não são

necessariamente sincronizadas com o movimento do relógio. Ainda para Bijou e Baer (1980),

não temos, até o momento, um modelo com base empírica e suficientemente abrangente

sobre o desenvolvimento intelectual e da personalidade que sirva de guia seguro para a

divisão do desenvolvimento em estágios. Diante disso, estes autores propõem estudar esse

desenvolvimento, identificando estágios, a partir dos principais tipos de interações que

ocorrem; são três os estágios identificados por Bijou e Baer (1980): o fundamental (ou

universal), o básico e o societário.

Bijou e Baer (1980) relatam que o estágio fundamental é o período de

desenvolvimento no qual o organismo já é capaz de se comportar como sistema unificado,

como um organismo, porém bastante limitado por suas características orgânicas. Em tais

interações estão especialmente presentes formas de se comportar reflexas ou respondentes.

Esta fase inicia-se no pré-natal, sendo semelhante os comportamentos em todos os bebês. É o

início da interação com o meio.

Por meio das funções orgânicas, reflexos e movimentos desordenados, a interação

com o outro começa a ser desenvolvida. As diferentes experiências com o meio, que

resultarão no desenvolvimento físico, também resultarão em um bebê melhor estimulado para

sua sobrevivência, pois nas relações com outros sujeitos explora o ambiente e, nesse

momento, a criança passa por experiências individuais que dão a ela atributos únicos,

distintos e pessoais. Esse início de interações amplia habilidades e conhecimentos, os quais

facilitarão o desenvolvimento futuro da criança. A interação com o mundo, não limitado

pelas características orgânicas, é o que caracteriza o estágio básico. Neste período da vida da

criança, com o crescimento e as experiências que o bebê adquire, ele se torna mais livre de

suas limitações orgânicas iniciais. O sistema nervoso completo, os movimentos mais

coordenados e os músculos mais fortes fazem com que a necessidade do sono diminua,

25

Page 26: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

conseqüentemente o bebê passa a utilizar mais tempo para explorar o ambiente. Nesta fase,

ainda segundo Bijou e Baer (1980), a criança passará por experiências que não são comuns a

todas elas, o que possibilitará a cada uma atributos únicos, pessoais e distintos. Nesse período

as habilidades, as ações de exploração e a aquisição de conhecimentos iniciadas no estágio

fundamental continuarão, tornando-se, agora, mais elaboradas e diversificadas.

No terceiro estágio, o societário, um aspecto fundamental refere-se às interações da

criança com os outros seres humanos. A criança continua sua interação com o mundo,

manipulando-o, apresentando curiosidade e estando aberta a novas aprendizagens, sendo

capaz de desenvolver habilidades suficientes para explorar o mundo, mas agora já é capaz de

conviver socialmente, independentemente das diferenças dos meios sociais. Esta é a fase na

qual geralmente a criança está apta a se expor em agências sociais de desenvolvimento, como

escolas e atividades extracurriculares (inglês, dança, informática). O papel do adulto é

fundamental, porque ele proverá a estimulação e dará instruções sistemáticas sobre a leitura,

a escrita e os ‘bons modos’ exigidos em nossa cultura. Esta etapa é marcante na vida de uma

criança, pois a exposição à instrução e ao controle societário continuará ao longo de toda a

vida adulta da criança.

Para Bijou e Baer (1980, p.31) “... os estágios são definidos a partir do caráter

predominantemente das interações que ocorrem naquele período. Algumas crianças

permanecerão mais tempo em um deles, outras menos... esses estágios não começam ou

terminam abruptamente, um esvai-se no outro” (p.31). Ou seja, um estágio de

desenvolvimento nunca deve ser usado com a precisão de um calendário; é um conceito

descritivo elaborado a partir das interações criança-ambiente, e não deve ser empregado

como restrição ou prescrição.

26

Page 27: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Assim para Bijou e Baer (1980), os estágios do desenvolvimento são apresentados a

partir das mudanças das interações entre a criança e o ambiente. O estágio fundamental

começa no período pré-natal e continua até perto do final do período denominado como

infância; o estágio básico inicia neste ponto e continua até a idade pré-escolar, e o estágio

societário começa neste ponto e continua até a idade adulta. Lembrando que, na sociedade

moderna, é cada vez mais cedo o ingresso da criança no contexto escolar, o limite do estágio

societário pode ter sido drasticamente alterado, em algumas culturas.

Na nossa sociedade, por exemplo, as crianças estão sendo expostas a agências

educativas cada vez mais cedo. Estas estão sendo responsáveis não só pelo ensino dos

conhecimentos produzidos pelas diferentes áreas do saber, mas também pelo ensino das

habilidades sociais, ensino este especialmente necessário na atualidade.

Vivemos hoje em uma sociedade que se modifica rapidamente. Todo dia nos

deparamos com situações que exigem aprendizagem de novos conhecimentos, criando-se

novas necessidades na infância e adolescência. Embora os adultos freqüentemente se

queixem das diferentes formas de crianças e adolescentes se comportarem, estes também

vivem situações complexas, em que as regras sociais são contraditórias (na família e na

escola), convivem com diferentes valores, defrontam-se com uma realidade violenta exibida

diariamente pelos meios de comunicação, entre tantas outras características da atualidade.

Para lidar com os desafios e demandas atuais, é preciso que indivíduo, desde criança,

desenvolva um repertório de habilidades sociais cada vez mais elaborado. A sociedade

permanece em constante mudança, exigindo do ‘homem’ adaptação contínua, inclusive na

maneira de viver, na qual os contatos são estabelecidos, sendo que quanto maior a eficácia

desses contatos, melhores as realizações. A falta dessas habilidades, segundo Conte e

Brandão (2003), desencadeia relacionamentos interpessoais deficitários. Pais, educadores e

27

Page 28: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

profissionais se preocupam com a competência social das crianças, pois querem a promoção

de sua qualidade de vida e a prevenção de problemas na infância e na adolescência.

A felicidade da criança é, muitas vezes, vista na perspectiva da ausência de problemas ou

simplesmente da aquisição de bens materiais, conforto e lazer. Embora importantes tais

aspectos não são suficientes.

Não podemos ignorar que o bem-estar pode ser ampliado com o bom relacionamento

em diferentes contextos, fazendo com que a criança cresça percebendo que, mesmo tendo que

enfrentar os problemas na vida, ela pode contar com carinho e compreensão dos outros. (Del

Prette e Del Prette, 2005).

Para Del Prette e Del Prette (1999), ao se falar que o indivíduo está inserido no

mundo, faz-se referência ao modo como é sua atuação: que habilidades sociais são utilizadas

para relacionamentos saudáveis e não conflituosos e quais são as melhores maneiras para

permanecer em um adequado convívio interpessoal.

Os autores enfatizam que para fazer parte de um ambiente é necessário que o

repertório social de um indivíduo se amplie ao longo da infância, o que ocorre inicialmente a

partir da relação com os pais. Estes, além de se tornarem modelos para muitos

comportamentos sociais, também se organizam como um sistema de regras, punindo o desvio

ou recompensando a adequação das crianças aos padrões que a família acredita ser correto.

A aprendizagem de habilidades sociais se dá continuamente durante toda a vida,

permitindo que dificuldades ocasionais ou déficits possam ser superados. Para Del Prette e

Del Prette (1999), a falha na aprendizagem das habilidades sociais pode ocorrer devido a

diversos fatores, dentre os quais a falta de oportunidades de relacionamentos com outras

crianças, relações familiares empobrecidas, práticas parentais que produzem dependência e

28

Page 29: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

obediência, punindo muitas vezes as iniciativas de contato social realizado pela criança. Se

não há aprendizagem das habilidades sociais é porque não houve o ensino de tais habilidades

e se tal falha ocorre no contexto familiar, deve-se defender que não ocorra no contexto

escolar; ao educar uma criança, é preciso que professores tenham como proposta o

desenvolvimento de habilidades sociais durante o processo ensino-aprendizagem.

Conforme Vasconcelos (2003) e Del Prette e Del Prette (2005), habilidades sociais é

um termo geralmente utilizado no plural que se aplica às diferentes classes de

comportamentos sociais do repertório de um indivíduo favorecendo um relacionamento

saudável e produtivo com as demais pessoas. Em outras palavras é a capacidade do indivíduo

de apresentar um desempenho que garanta o êxito dos objetivos de uma situação interpessoal,

permitindo a manutenção ou a melhoria da sua relação com os demais.

Referindo-se às habilidades sociais, Del Prette e Del Prette (2003) destacam a

importância da comunicação: a maneira como as pessoas se comunicam faz com que sejam

entendidas, ocorrendo a compreensão de alguém por outro. Sabe-se, no entanto, que a

comunicação varia de indivíduo para indivíduo, de cultura para cultura, justamente porque

comunicar envolve compartilhar comportamentos. Segundo os autores a comunicação

interpessoal pode se verbal ou não verbal, muito embora ambas estejam sempre presentes nos

contatos face a face. A comunicação verbal é mais consciente, explícita e racional,

dependendo do domínio da língua, das normas sociais e do uso de outros fatores; é a

linguagem estruturada. Já a comunicação não verbal (posturas, gestos, expressões faciais,

movimentos do corpo, entre outros) é aproximadamente 65% de nossas relações, e

complementa, ilustra, regula, substitui e algumas vezes se opõe à verbal. Nas relações

interpessoais, o plano não verbal ocorre mais que o verbal, sendo o contato visual (o olhar) o

principal instrumento do homem para captação de informações e reconhecimento do

ambiente.

29

Page 30: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Em vista disso, na infância existe a necessidade de as crianças serem olhadas por

aqueles que elas consideram importantes. A atenção em forma de palavras muitas vezes não é

suficiente, sendo necessário um contato direto, um olhar reforçador.

Elogiar corretamente é ingrediente extremamente relevante nas relações sociais

satisfatórias e equilibradas. Em nossa sociedade, o elogio costuma ser valorizado por quem o

recebe, quando percebido como sincero e pertinente, embora quando percebido com objetivo

de manipulação ou bajulação seja considerado insatisfatório. Ao elogiar uma relação social

adequada, reforça-se positivamente o comportamento adequado, porém a habilidade de

alguém elogiar, segundo Ayres (1994), depende de uma acurada discriminação sobre o que, a

quem, como e quando elogiar. Por outro lado, as reações de pessoas frente a elogios e

cumprimentos, pretensamente uma habilidade aparentemente simples envolvendo apenas o

aceitar e o agradecer, muitas vezes apresenta dificuldades para as pessoas, principalmente as

tímidas e as agressivas, que não sabem lidar adequadamente com elogios recebidos.

Também se desculpar e admitir falhas, segundo Del Prette e Del Prette (1999), não é

uma tarefa fácil. Pedir desculpas pode ser considerado uma habilidade social importante, pois

admitir equívocos, desfazer mal entendidos, e estabelecer a intenção de superar divergências

no relacionamento diminui ressentimentos mútuos, favorecendo o reatamento de relações

interpessoais adequadas.

Esses diferentes comportamentos possibilitam a alguém expressar os sentimentos sem

prejudicar as relações sociais. Ao se falar sobre expressão de sentimentos, é importante tecer

um comentário sobre comportamento assertivo. O termo ‘assertividade’, segundo Wolpe

(1976), envolve a afirmação dos próprios direitos e expressão dos pensamentos, sentimentos e

crenças de maneira direta e honesta, apropriadamente, buscando não violar o direito do outro.

Esse termo assertividade se opõe a inassertividade e agressividade. Uma pessoa assertiva é

30

Page 31: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

emocionalmente honesta na expressão de sentimentos negativos, controlando a forma de

expressá-los de modo a preservar a relação. Ela avalia com constância o seu próprio

comportamento, consegue discordar do grupo, defendendo seus direitos, mas sempre

respeitando os direitos alheios. É uma pessoa que faz as suas próprias escolhas, considerando

a opinião do outro quando convém, valoriza-se produzindo uma imagem positiva de si.

Consegue manter contato visual com o interlocutor, dentro de uma postura adequada.

Já uma pessoa com características predominantemente não assertivas, ou comumente

chamada de passiva, segundo Wolpe (1976) e Del Prette e Del Prette (2001), “é

emocionalmente inibida na expressão de sentimentos negativos, apresentando-os de maneira

inapropriada quando o faz”. Na maioria das situações concorda com a opinião dos outros, não

defendendo seus próprios direitos, desvalorizando-se, tratando a si mesmo com desprezo e

irritação. Raramente nas conversas inclui o pronome “eu”, e geralmente possui uma postura

submissa. Pessoas como essas acabam tendo várias conseqüências negativas no seu dia a dia,

pois possuem, em geral, grande irritabilidade com elas mesmas por não conseguirem expor

suas reais vontades, apresentando geralmente auto-estima baixa. Com isso, em longo prazo,

podem vir a desencadear problemas psicossomáticos leves e graves, prejudicando ainda mais

seu rendimento pessoal e suas relações sociais.

Por outro lado, as pessoas com características predominantemente agressivas se

diferenciam das inassertivas, pois falam e se expressam sem guardar seus sentimentos.

Geralmente são pessoas emocionalmente honestas nas expressões de sentimentos negativos;

nas falas incluem freqüentemente o pronome “EU”, falam realmente o que acreditam, porém,

de forma inapropriada, sem pensar nas conseqüências, prejudicando a relação. São pessoas

que conseguem defender seus direitos, mas por vezes desrespeitam os direitos dos outros.

Estes gestos auto-suficientes produzem, nos outros, imagens negativas de si mesmo. Estas

são algumas características segundo Del Prette e Del Prette (2001) e Vasconcelos (2003) que

31

Page 32: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

predominam em uma pessoa com características mais agressivas na maneira de se relacionar

com os outros. Porém, mesmo falando o que a pessoa pensa, suas relações são ameaçadas pela

autoridade e agressividade com que se comportam, formando sentimentos de medo ou raiva

no outro, gerando relações mantidas por receios e insistências negativos, pois os outros muitas

vezes só ficam ao lado e/ou fazem o que é solicitado para evitar “broncas” maiores. Estas

pessoas agressivas na relação com o outro podem produzir dano ao outro, especialmente pela

forma como se comunicam, algumas vezes podendo chegar à utilização de tom de voz

elevado, ríspido e, eventualmente, depreciativo do outro.

Percebe-se, infelizmente, mesmo em crianças em idade precoce, algumas das

características acima citadas em suas relações, tendo-se, assim, crianças em idade pré-escolar

com problemas de relacionamento, pela maneira inassertiva ou agressiva com que lidam com

o ambiente social. Assim o treino de habilidades sociais se faz importante, independente da

idade do sujeito; afinal, são as relações sociais que ampliam o bem-estar emocional das

pessoas.

Não há, ainda, no Brasil, dados disponíveis sobre a incidência das dificuldades

interpessoais em nossas crianças, mas cotidianamente tanto nas escolas, como nos

consultórios psicológicos queixas a esse respeito são comumente apresentadas por pais e

educadores. Del Prette e Del Prette (2005) informam, a partir de uma pesquisa realizada nos

Estados Unidos com uma amostragem ampla de crianças, que 12% tinham apenas um amigo,

6% nenhum amigo e 5 a 15% apresentavam graves problemas de relacionamento interpessoal.

Os efeitos negativos da baixa competência social mostram que ela pode produzir problemas

emocionais e comportamentais.

No caso dos comportamentos agressivos, estes podem estar associados, segundo Del

Prette e Del Prette (2005), a déficits em componentes da competência social (falta de empatia,

32

Page 33: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

baixo controle, percepção equivocada dos fatos e normas sociais). A agressividade na

infância, segundo os autores, está relacionada à falha em identificar e/ou interpretar os sinais

relevantes do ambiente, à dificuldade de gerar soluções efetivas diante das demandas sociais,

à busca de objetivos inapropriados de relacionamentos, déficits de desempenhos sociais e

avaliação egocêntrica sobre as reações dos demais.

A escola é um local onde, devido ao grande conjunto de interações sociais, o

desenvolvimento das habilidades sociais tende ao amadurecimento, justamente porque a

educação é uma prática que amplia a inserção do indivíduo no mundo, nos processos e

produtos culturais da civilização. A qualidade nas relações escolares é importante para a

consecução dos objetivos do processo educacional.

O início da vida escolar da criança é um período fundamental para o desenvolvimento

das habilidades sociais, devido às novas contingências a que está exposta e às diferentes

exigências que o meio social lhe impõe. Com a entrada na escola, a criança passa a transitar

entre dois microsistemas (família e escola), ampliando-se a quantidade e a diversidade de

interlocutores, o que influi na aquisição e desempenho das habilidades sociais. A passagem

para esse novo contexto social nem sempre é tranqüila, podendo eventualmente, haver

necessitar de algum monitoramento dos pais, ainda que à distância.

Del Prette e Del Prette (2001, P.95) salientam que habilidades sociais devem ser

ensinadas, e isto deveria ocorrer na escola conforme afirmam: “habilidades sociais

educativas são aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da

aprendizagem do outro, em situação formal ou informal ”(p.95). Em outras palavras, o

professor deve ensinar o aluno a atuar de forma produtiva com os seus pares, ou seja, deve

levá-lo a aprender a respeitar a si e aos outros.

33

Page 34: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Entre as habilidades educacionais dos docentes, favorecedores do aprendizado de

habilidades sociais, os autores destacam a criatividade para conceber condições variadas de

interações educativas entre as crianças, a flexibilidade para mudar o curso da própria ação em

função do desempenho do educando, a observação de como a criança age, a análise e a

discriminação dos progressos por ela obtidos, a apresentação de novos desafios e o

encorajamento das tentativas da criança na solução de seus problemas.

De forma similar, Vasconcelos (2003) afirma que é na escola que os alunos, desde

pequenos, devem aprender a trabalhar em pequenos grupos, o que promove o respeito a

normas, a valorização da participação dos colegas, a apresentação de atitudes de respeito,

tolerância, cooperação e sociabilidade, que são competências sociais importantíssimas para o

futuro das relações interpessoais.

Diante disso, há que se ressaltar que é de suma importância o aprimoramento das

competências sociais de alunos; professores e demais profissionais da escola devem ensiná-

las, pois as habilidades sociais contribuem para a formação e preparação de uma vida menos

conflituosa. Habilidades como discordar, pedir, expressar sentimentos, lidar com críticas,

questionar, elogiar, expressar empatia e solidariedade, entre outras, precisam ser promovidas

nas escolas. A emissão competente e freqüente de tais habilidades pode constituir um antídoto

importante para evitar os comportamentos violentos e agressivos, como destacam Del Prette e

Del Prette (2001).

Os autores salientam também, que no ambiente escolar, aqueles alunos

excessivamente tímidos ou muito agressivos apresentam dificuldades nas relações básicas de

sobrevivência em classe, relações estas como seguir instruções, fazer e responder perguntas,

oferecer e pedir ajuda, agradecer, expor opiniões, controlar a própria raiva ou tédio, defender-

se de acusações injustas, entre outras. Na maioria dos casos, além de desencadear

34

Page 35: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

conseqüências sobre a aprendizagem, tais dificuldades também podem levar a problemas de

auto-estima, auto-confiança, além de emocionais. Diante desse fato, é de suma importância

atuar no sentido de que habilidades sociais, que ainda não fazem parte do repertório da

criança, venham a se desenvolver. Afinal, não se pode esquecer que a função social da escola,

reconhecida nos documentos oficiais que definem os planos e políticas educacionais para o

Ensino Fundamental, é preparar futuros cidadãos, críticos e construtores da realidade social,

meta que implica o estabelecimento de interações pautadas pelo respeito a normas, pela ética

e pelo desempenho interpessoal e saudável em diferentes contextos.

A educação, além da promoção da aprendizagem de conteúdos relativos a diferentes

áreas de conhecimento, precisa possibilitar a aprendizagem sócio-emocional. A qualidade da

relação da criança com os colegas é, em grande parte mediada pelo docente já que ele pode

ampliar as oportunidades de interação entre os alunos em sala de aula (trabalhos em grupo,

individual), rejeitar formas indesejáveis (como grosserias ou chacotas entre os alunos) e

favorecer formas desejáveis de relacionamento entre os alunos, oferecer modelos adequados

de relacionamento em suas interações com os alunos, entre outras possibilidades para o bom

aprendizado das crianças.

Assim, defende-se que há um papel fundamental a ser desenvolvido pela escola – o

ensino de habilidades sociais, que possibilitam interações sociais adequadas. Considera-se que

os comportamentos agressivos são inadequados, mas embora inadequados relatos

assistemáticos de pais e professores, fazem referência à existência de tais comportamentos,

mesmo em crianças pequenas, indicando ser relevante desenvolver estudos sobre a

agressividade infantil.

A presente pesquisa, que tem como foco de estudo a agressividade por pré-escolares,

propõe-se a verificar se ocorrem comportamentos agressivos durante as atividades extra-

35

Page 36: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

classe desenvolvidas na pré-escola e, em caso afirmativo, a descrever quais são tais

comportamentos, identificando possíveis fatores a eles relacionados.

36

Page 37: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

IV - MÉTODO

Local

A coleta de dados na presente pesquisa foi realizada com crianças que freqüentavam

a pré-escola num colégio particular em Cascavel, no Estado do Paraná, que atende crianças

do Maternal ao Ensino Fundamental.

Optou-se por realizar as observações no ambiente externo à sala de aula, no caso

durante as atividades ocorridas fora da sala de aula, pois, segundo Magalhães e Otta (1995),

dados relatados na literatura mostram diferenças comportamentais relacionadas com o local

de observação. Na sala de aula geralmente, são realizadas tarefas como pintar, escrever,

resolver exercícios, entre outras, delimitando o espaço da criança, que se restringe a uma

mesa com cadeira. Tal situação acaba reduzindo as possibilidades de interação entre

crianças, além de permitir constante interferência da professora no sentido de cumprirem as

tarefas propostas. Diferentemente, no ambiente externo à sala de aula, há recursos

convidativos para brincar, o que abre a possibilidade de um fluxo maior de interação entre as

crianças, havendo também a possibilidade de que comportamentos agressivos ocorram com

mais freqüência. No caso específico do presente trabalho, a coleta dos dados foi realizada no

parque, no pátio (quadra de esportes), no zoológico Municipal e, nos dias em que havia

chuva, na sala de vídeos.

A pré-escola funciona somente no período vespertino, com uma turma de maternal,

uma de Jardim I, uma de Jardim II e uma turma de Jardim III, também conhecido como Pré-

I. Exceto para o Jardim III, praticamente todos os dias os alunos vão ao parque para

37

Page 38: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

atividades recreativas no período de trinta a cinqüenta minutos, geralmente após o lanche

que é realizado em sala de aula.

As professoras, junto com suas auxiliares (uma em cada sala), acompanham seus

alunos nos ambientes fora de sala de aula, mas raramente propõem alguma atividade. Assim,

pode-se dizer que as atividades que ocorrem fora de sala de aula são aquelas que as próprias

crianças propõem.

O parque, que mede 900 metros quadrados, é subdividido em duas partes, chamadas

neste trabalho de Parte 1 e Parte 2. A Parte 1 é constituída por uma mesa para a realização de

brincadeiras com areia, um trem com tubos de cimento, alguns pneus nos quais as crianças

costumam subir e uma ciranda. É um espaço pequeno, separado de outros espaços por um

portão, cuja finalidade é impedir que as crianças do Maternal, quando presentes no parque,

interajam com as maiores.

Na Parte 2 há brinquedos como balanços, gangorra, tubos de cimento, cavalos de

mola, roda giratória, conjugado de brinquedo, pneus, balanço vai-e-vem, entre outros.

Também existe um campo gramado onde há duas torneiras, geralmente utilizadas pelas

professoras para lavar as mãos das crianças. Embaixo de árvores existentes no parque, há

alguns tocos de madeira em círculo, que podem ser utilizados pelas docentes para

brincadeiras dirigidas, bem como um local para que a sobremesa possa ser servida.

Quando chove os alunos fazem as atividades recreativas na quadra de esportes ou na

sala de vídeo. A quadra de esportes fica ao lado do parque; não é coberta e geralmente é

utilizada nos dias em que a areia do parque se encontra molhada devido à chuva. Quando

não há possibilidade de utilizar a quadra, a escola disponibiliza uma sala de vídeo que mede

60 metros quadrados, na qual há uma televisão de 29 polegadas, um aparelho de DVD, um

vídeo cassete, um quadro negro e trinta carteiras universitárias.

38

Page 39: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Outro ambiente externo à sala de aula oportunizado às professoras e aos alunos é um

parque pertencente ao Zoológico Municipal. Seu acesso é facilitado, já que ele se localiza

somente a uma quadra da escola. Com grande extensão, oferece aproximadamente 20 tipos

de brinquedos diferentes, espaços para que atividades lúdicas sem brinquedos possam ser

praticadas, torneiras, árvores e bancos, entre outros.

Antes de finalizar, vale salientar que, como se acompanhou as crianças durante o

trajeto tanto de saída quanto de retorno à sala de aula, a situação de organização de fila pela

professora ou auxiliar, procedimento utilizado nesta escola, também foi alvo de observação.

Sujeitos

No presente estudo foram observadas, durante as atividades recreativas, crianças pré-

escolares de uma turma de Jardim II, com 23 alunos, com idade entre 4 anos e 11 meses a 5

anos e 10 meses, sendo 10 meninos e 13 meninas. Como as observações foram realizadas em

ambientes externos à sala de aula, durante as atividades recreativas, por vezes alguns alunos

do Jardim I e Jardim III estavam presentes nas interações com as crianças do Jardim II, em

sendo assim, houve esporadicamente tanto crianças com faixa etária inferior, quanto com

faixa etária superior.

Procedimento de coleta de dados

Inicialmente, foi realizado um período de 10 sessões de familiarização, objetivando

tanto conhecer o local como se familiarizar com, e tornar-se familiar a, as crianças e

docentes. Aos alunos foi dito que a pesquisadora iria realizar um estudo sobre crianças, sendo

necessárias observações e registros constantes.

39

Page 40: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Após esse período de habituação, que foi realizado nos meses de junho e julho

(20/06/2005 a 05/07/2005), foram iniciadas as observações sistemáticas, que ocorreram duas

a três vezes por semana, nos meses de agosto, setembro e outubro (02/08/2005 a

03/10/2005), totalizando 25 sessões. O período de observação oscilou entre 45 a 75 minutos

por dia, perfazendo uma média de uma hora ao dia, somando 25 horas de observação.

Para obtenção das informações, foi utilizado o registro cursivo dos acontecimentos, tal

como ocorriam. Train (1997) enfatiza a importância da observação e descrição de como os

indivíduos se comportam em seu cotidiano, pois é uma forma que permite compreender por

que os indivíduos agem do modo como o fazem. Durante o processo de observação, sempre

se procurou observar os antecedentes da ação e as conseqüências que tais ações produziram,

muito embora, em alguns casos tenha sido perdida parte das informações. Em muitos

momentos, as crianças se aproximaram da pesquisadora solicitando atenção, mostrando ou

relatando fatos ou perguntando o que estava escrito nas anotações; as informações de

interesse foram anotadas e as perguntas foram respondidas de forma clara e objetiva.

Procedimento de Análise dos Dados

Após a digitação dos registros de todas as sessões observadas, na qual optou-se por

colocar apenas as iniciais de nomes fictícios como forma de preservar a identificação das

crianças, procedeu-se à identificação do que deveria ser analisado. Fez-se a leitura e releitura

do material, identificando-se trechos em que se descreviam incidentes agressivos, trechos

estes selecionados.

40

Page 41: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Os trechos selecionados corresponderam, então, a episódios em que se identificaram

os incidentes de agressão que seriam analisados; o episódio poderia conter um ou mais

incidentes agressivos. Foram selecionados, ao todo, 31 episódios de agressão. Tais episódios

foram alvo de análises, a partir de dois procedimentos: 1) identificou-se o tipo de incidente

agressivo ocorrido; 2) analisou-se funcionalmente cada ato agressivo ocorrido.

Na presente pesquisa, considerou-se como incidente agressivo, a ação da criança

produzindo dano ou desconforto a outrem. Quanto à natureza, os incidentes agressivos foram

classificados a partir do proposto por Magalhães e Otta (1995), a seguir.

- Agressão física: quando a criança se comporta provocando desconforto, dor ou dano

físico a outrem. Incluem-se, nesta categoria, comportamentos direcionados a alguém tais

como: puxar, segurar, arranhar, apertar ou torcer, beliscar, bater com a mão ou com outra

parte do corpo (socar, chutar, cair sobre o outro), disputar objetos e tomar, ou tentar tomar,

bater com objeto, puxar (cabelo, braço, perna, roupas, objetos), puxar (para fora de

brinquedos grandes ou espaços determinados), lutar, jogar areia, entre outros.

- Agressão oral: quando uma criança dirige insultos ou xingamentos a outra e a

criança-alvo reage demonstrando insatisfação. Insultos e xingamentos foram identificados a

partir do efeito de desconforto produzido no outro. Assim, não é a palavra em si, que indica

estar ocorrendo um ato agressivo, mas sim o efeito produzido. Exemplificando, dizer ‘você

é chato’ foi considerado ato de agressão verbal se o colega assim chamado deu indicação de

que tal frase lhe produziu desconforto, por exemplo, ficando com os olhos marejados de

lágrimas; se por outro lado, o colega demonstra que a frase não lhe produziu desconforto,

não se considerou ato de agressão oral.

- Agressão gestual: agressões não-verbais e sem contatos físicos, mas que indicam

que a criança ameaça a outra (esta reage indicando estar sendo ameaçada). Estão incluídas

41

Page 42: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

posturas ou gestos, como olhar desafiador, cuspir, atirar objetos em alguém (sem atingir),

fazer gestos de luta, perseguir, mostrar a língua, entre outros. De forma similar ao ocorrido

com as agressões orais, a classificação do ato como agressivo dependeu do efeito

produzido: se este produziu dano ou desconforto a outrem, então se entendeu ato agressivo.

Por se considerar as conseqüências do ato, e não a sua forma, também as atividades

de “brincar de luta” e “briga fantasiosa ou falsa” não foram registradas como

comportamentos agressivos, se os participantes não indicaram ter havido desconforto ou

insatisfação. Isto porque, embora apresentem unidades comportamentais comuns às

interações agressivas, incorporam outras unidades de comportamento não compatíveis com

o comportamento agressivo, como um sorriso, sons, verbalizações e expressões faciais de

alegria; tais formas de interação, conforme Magalhães e Otta (1995), indicam que as

crianças estão brincando juntas.

Cada um dos episódios agressivos passou então a ser analisados funcionalmente, a

fim de se identificar quais são as variáveis antecedentes relacionadas à ocorrência de

comportamentos agressivos, bem como suas conseqüências.

Considerando-se que este trabalho está baseado no modelo da análise funcional como

instrumento analítico, uma breve explicação sobre tal proposta torna-se relevante.

A análise funcional, segundo Menezes (2002), busca entender a função do

comportamento e as variáveis que operam para a ocorrência e sua manutenção. É um

instrumento básico de trabalho do Analista do Comportamento, que identifica as

contingências que estão operando, possibilitando inferir quais delas operaram no passado e

possibilitando a proposição, criação ou estabelecimento das relações que permitem tanto

desenvolver ou instalar comportamentos quanto alterar padrões comportamentais

42

Page 43: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

reduzindo, enfraquecendo ou eliminando comportamentos do repertório dos indivíduos,

favorecendo a predição e/ou a intervenção sobre o comportamento.

Para Matos (2002), a análise funcional é uma análise das contingências responsáveis

por um comportamento ou por mudanças nesse mesmo comportamento. Contingência é um

conceito utilizado na análise das interações organismo-ambiente. Como exemplo prático de

relação de dependência entre os eventos, pode-se citar uma docente que emite a seguinte

condição: “se alguém sair da fila, não vai ao parque!”. Ao comportar-se de uma

determinada forma em uma situação específica (na fila), o aluno se defronta com uma dada

conseqüência (não ir ao parque), no caso liberada pela professora.

Todorov (1985) comenta sobre as especificações do conceito de contingência tríplice,

que envolve a identificação dos termos: estímulos discriminativos, resposta e conseqüência.

As especificações são: o comportamento do indivíduo, uma situação atual ou antecedente

descrita em termos de estímulos que podem exercer a função discriminativa sobre o

comportamento, e alguma alteração no ambiente, que não aconteceria se o comportamento

não ocorresse ou fosse emitido na ausência dos estímulos discriminativos.

As contingências de reforçamento são mais difíceis de identificar em contextos não

laboratoriais, pois, no laboratório, o experimentador tem controle sobre a maioria das

variáveis que operam sobre o comportamento, o mesmo não ocorrendo em situação natural

(Todorov, 1985).

Assim, a análise funcional busca identificar que eventos ambientais estão ligados ao

comportamento ocorrido. Para tanto, procura-se identificar os estímulos discriminativos

(Sd) as respostas e suas conseqüências, procurando perceber como se relacionam

funcionalmente. Ao se identificar eventos ambientais antecedentes e conseqüentes ao

43

Page 44: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

comportamento em questão, torna-se possível criar hipóteses acerca da ocorrência e da

manutenção desse comportamento.

No presente trabalho, a análise funcional, em forma de tríplice contingência, foi

realizada nos registros sobre o incidente agressivo, procurando-se observar, além do ato

agressivo, seu antecedente, ou seja, o que ocorreu antes do ato agressivo, e suas

conseqüências, isto é, o que foi produzido pelo ato agressivo. Dessa forma, foi possível

analisar as ocorrências de agressividade.

Durante o processo de transformação do registro cursivo para a forma que

possibilitaria a análise da tríplice contingência dos incidentes agressivos, verificou-se que

alguns elos dos episódios não podiam ser completados, por ausência de informações no

registro efetuado; então, optou-se por sinalizar com ( . . . ) a ausência das informações.

Abaixo, segue um exemplo de um episódio agressivo tal como registrado e sua

transformação analítica.

L. F. jogou areia nos olhos de P. (não vi porque) P. gritou com L. F. chamando-o de burro

e veio direto para a professora contar o fato. Ela pediu para L.F. porque fez isso tirando a

areia do rosto de P., L. F. choramingou dizendo que foi ele que começou. A professora

interfere no meio de sua fala e pede para que os dois peçam desculpas um ao outro. L. F.

pede primeiro falando a palavra ‘desculpa’ bem baixinho e depois P. faz o mesmo.

Após isso a professora pede que voltem a brincar. Eles assim o fazem. Saem juntos em

direção aos brinquedos.

Incidentes agressivos - Jogar areia (agressividade física)

- Xingar – burro (agressividade verbal)

44

Page 45: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Comportamento alvo: jogar areia nos olhos de P. Aluno: L.F. Contexto: Parque

Antecedente Comportamento do aluno L.F.

Conseqüência

Alunos brincam no parque.

L.F. joga areia nos olhos de

P.

P. grita com L.F., chamando-o de burro. P. vai contar para a profª. o ocorrido.

P. vai contar para a profª. o

ocorrido.

A profª., tirando areia do

olho de P., pergunta a L.F.

por que jogou areia.

L.F., choramingando,

defende-se dizendo que foi

P. quem iniciou a briga.

A profª. o interrompe L.F. e pede que os dois peçam desculpas um ao outro e depois voltem a brincar.

A profª. o interrompe e pede

que os dois peçam desculpas

um ao outro e depois voltem

a brincar.

Os alunos se desculpam e

voltam a brincar juntos.

A brincadeira foi retomada.

Comportamento alvo: xingar o colega

Aluno: P.

Contexto: Parque

Antecedente Comportamento do aluno P. Conseqüência

Alunos brincam no parque.

L.F. joga areia nos olhos de

P.

P. grita com L.F.,

chamando-o de burro.

P. vai contar para a profª. o

A profª., tirando areia do

olho de P., pergunta a L.F.

por que jogou areia.

45

Page 46: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

ocorrido.

A profª., tirando areia do

olho de P., pergunta a L.F.

por que jogou areia.

L.F., choramingando,

defende-se dizendo que foi

P. quem iniciou a briga.

P. ( . . . )

A profª. o interrompe L.F. e

pede que os dois peçam

desculpas um ao outro, e

depois voltem a brincar.

A profª. o interrompe e pede

que os dois peçam desculpas

um ao outro, e depois

voltem a brincar.

Os alunos (L.F. e P.) se

desculpam e voltam a

brincar juntos.

A brincadeira foi retomada.

Quadro 1 - Modelo utilizado para análise funcional de um episódio agressivo

Observa-se, no exemplo acima, que em um mesmo episódio ocorreram dois

incidentes agressivos, um físico e o outro verbal, evidenciando-se, assim, que o número de

episódios não é o mesmo que o de incidentes agressivos. Evidencia, também, que os

incidentes agressivos foram produzidos por duas crianças; neste caso, considerou-se

importante realizar a análise para cada uma das crianças que atuou agressivamente. Assim,

nesse exemplo é apresentada a análise sob forma de tríplice contingência em relação à cada

criança que produziu um incidente agressivo.

46

Page 47: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

V - RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentaremos, a seguir, os resultados encontrados. Para tanto, descreveremos a

ocorrência da agressividade infantil detectada, identificando os comportamentos que

ocorrem com maior intensidade, em que circunstâncias ocorrem, como os pares lidam com a

agressividade do colega e também como o adulto age diante da ocorrência de

comportamentos agressivos das crianças.

Um primeiro resultado evidenciado é que incidentes agressivos ocorrem, porém o

tipo de dano causado ao outro, felizmente, não apresenta a intensidade que a literatura, sobre

agressividade, sugere. Isto não é de se estranhar, já que estamos nos referindo a

agressividade infantil, no caso a praticada por crianças na faixa etária entre 4 anos e 11

meses a 5 anos e 10 meses. O que observamos nesse trabalho é que embora os conflitos

agressivos existam, as formas de expressão são mais tênues no dano ou desconforto causados

à outrem. Com este grupo de sujeitos, embora tenham ocorrido mais incidentes agressivos

físicos do que orais ou gestuais, foram pouco freqüentes os pontapés, socos e tapas intensos,

tendo ocorrido expressões de agressividade física que podem ser consideradas mais leves.

Como já dissemos, por serem crianças, os danos causados ao outro são menores, do que

ocorre quando adultos estão envolvidos, além de que o contexto – pequeno grupo de crianças

com professora e auxiliar presentes -, parece ser favorecedor de relações adequadas entre as

crianças.

Em 25 dias de observações, ocorreram 31 episódios agressivos. Em alguns dias

ocorreram mais de um episódio, e em outros não houve tais episódios. Na Figura 1, a seguir,

apresenta-se a ocorrência de episódios agressivos durante as sessões de observação.

47

Page 48: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

6

9

8

2

não houve episódioum episódiodois episódiostrês episódios

25 - sessões31 - episódios

Figura 1 - Ocorrência de episódios de agressão nas sessões de observação.

Na Figura 1, pode-se observar que em apenas 6 sessões não houve episódios

agressivos; vale ressalvar que em 5 desses dias havia poucos alunos, pois o tempo estava frio

e chuvoso e muitos permaneceram em sala, fator que podem ter contribuído para a não

ocorrência de agressão. Na maioria das sessões, os episódios agressivos ocorreram mais de

uma vez, chegando ao máximo de três. Considerando-se as 25 sessões observadas, a média de

episódio agressivo é de 1.4 ao dia, sendo este um índice que pode ser considerado alto, já que

os sujeitos observados são ainda crianças pré-escolares.

A seguir apresenta-se o número de episódios agressivos por locais em que ocorreram.

48

Page 49: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

13

7

3

2

6

ParqueFilaZoológicoSala de VídeoQuadraTotal

31

Figura 2 - Número de episódios agressivos ocorridos por locais.

Das 25 sessões observadas, duas foram realizadas no Zoológico Municipal, onde

ocorreram três episódios agressivos. Com relação à quadra de esportes, as crianças

estiverem nesse ambiente seis dias e nesse período houve seis episódios agressivos, fazendo

a média de um episódio ao dia. Também no parque, local onde a maior parte das

observações (11) foram realizadas e no qual ocorreram 13 episódios, teve-se, em média, 1.1

episódios ao dia. Já na sala de vídeo, o número de episódios agressivos pode ser

considerado pequeno em relação à ocorrência nos demais locais. As crianças foram a essa

sala por seis vezes, mas somente dois episódios agressivos foram registrados nesse

ambiente.

Aqui foi considerada também a situação “fila”. Foram realizadas 18 observações

nessa situação, tanto em preparação para a ida à atividade externa, como o retorno dela.

Observou-se que o número de episódios ocorridos enquanto os alunos estavam na fila foi

alto (7). Diante desse dado é importante questionar: a fila seria realmente a melhor forma

de conduzir os alunos entre a sala de aula e outros locais? Durante a fila, os alunos brigam

49

Page 50: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

pelo primeiro lugar, posição que permite segurar a mão da professora; muitas vezes, ao se

distraírem, pisam no pé do colega e esses podem vir a reagir de forma inadequada.

Observou-se, ainda, que esse é um momento propício para que algumas crianças fiquem

expostas a chacotas dos colegas, como, por exemplo, quando a professora chama a atenção

de alguém.

Durante as observações foram registrados 31 episódios agressivos, perfazendo um

total de 68 incidentes de comportamentos agressivos. Como anteriormente apresentado, a

agressividade, segundo Magalhães e Otta (1995), apresenta-se de três diferentes formas: a

física, a oral e a gestual. Nas observações realizadas, do total de 68 incidentes a

agressividade física foi superior aos demais tipos totalizando 64% das agressões (44

incidentes), enquanto a agressividade oral totalizou 32%, com 21 incidentes, e a

agressividade gestual apenas 4%, com 3 incidentes, como pode ser observado na Figura 3.

44

3

21

agressividade físicaagressividade oralagressividade gestual

Total 68

Figura 3 – Tipos de incidentes agressivos.

50

Page 51: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Na categoria agressividades físicas, várias foram às formas como as crianças

expressaram o ato agressivo. Isso pode percebido no quadro abaixo.

8

5

7

3

14

4

3

jogar areiaapertardar socodar tapaspuxar objetoempurrarjogar objeto

Total44

Figura 4 - Diferentes formas de expressão dos comportamentos agressivos físicos.

Como se pode observar na Figura 4, o total de comportamentos físicos de

agressividade foi de 44 ocorrências, sendo os comportamentos de empurrar o de maior

incidência (14 ocorrências), seguindo-se os de jogar areia e puxar objeto, respectivamente

com 8 e 7 ocorrências.

Além da agressividade física, uma outra forma de se comportar agressivamente é por

meio de expressões orais. Isso também foi constatado durante a observação das crianças,

conforme Figura 5.

51

Page 52: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

3

12 6

gritar

xingar

gritar e xingar

Total 21

Figura 5 - Incidências de agressividade oral nas observações realizadas.

Nos incidentes agressivos orais, de um total de 21 ocorrências, destacam-se entre elas

18 xingamentos, 12 dos quais foram acompanhados com grito e 6 falados em tom de voz

baixa ou normal. A categoria grito tem como critério o som emitido sem a pronúncia de

palavras culturalmente conhecidas como palavras associadas a xingamentos.

Dos 18 xingamentos ocorridos, os mais utilizados foram “chato” (5 vezes) e “idiota”

(4 vezes). Os outros 9 foram bem diversificados, dentre eles aparecendo as palavras

“mariquinha, mongolóide, rabugento, louca, babão, imbecil, banana”; a presença destas

palavras chama nossa atenção, por tão cedo fazerem parte do repertório infantil.

Durante as observações não foram selecionados grupos pré-determinados em relação

ao sexo das crianças. Tanto meninos como meninas se encontravam no parque. Os

episódios depois de relidos foram então separados em função do gênero envolvido,

buscando-se observar a presença de grupos femininos, masculinos ou mistos nos atos

agressivos; os dados podem ser observados no gráfico, a seguir.

52

Page 53: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

19

8

4

meninosmeninasmeninos e meninas

Total31

Figura 6 - Número de episódios agressivos por sexo.

Como pode ser observado, a freqüência de episódios agressivos foi muito maior

(aproximadamente o dobro) com participantes do sexo masculino do que do feminino. Tal

resultado é condizente com os dados da pesquisa de Magalhães e Otta (1995) e de Castro

(1979), que identificaram maior participação masculina em atos agressivos. Pesquisas

mostram que tanto fatores fisiológicos hormonais (testosterona) quanto culturais são

algumas das possíveis causas para o número maior de agressividade em homens. Como o

grupo de sujeitos tem pouca idade, supõe-se que a diferença em termos hormonais ainda

não seja tão fortemente determinante, sendo mais provável a interferência cultural, que

parece aceitar mais tanto a agressão física quanto o uso de termos “mais fortes” em

meninos do que em meninas.

De acordo com Bijou e Baer (1980), “na idade pré-escolar é comum as crianças

procurarem colegas do mesmo sexo para dividir suas brincadeiras”. Apesar de ser comum a

brincadeira em grupos mistos, verifica-se que foi pouco freqüente a ocorrência de episódios

53

Page 54: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

agressivos envolvendo meninos e meninas: somente em 4 dos 31 episódios de

comportamentos agressivos isto ocorreu, sendo que neles ocorreu agressividade física.

Como visto, dos 31 episódios, 19 envolveram apenas meninos e 8 apenas meninas;

identificaram-se, então, os tipos de incidentes agressivos mais presentes em cada um dos

grupos. As Figuras 7 e 8 mostram a incidência dos tipos de incidentes agressivos presentes

nos grupos só dos meninos e só das meninas.

74%

21%

5%

Agressividade física

Agressividade oral

Agressividadegestual

Total de incidentes

42

Figura 7 – Tipos de incidentes agressivos com meninos.

54

Page 55: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

45%

50%

5%

Agressividade física

Agressividade oral

Agressividadegestual

Total de incidentes

20

Figura 8 - Tipos de incidentes agressivos com meninas.

A comparação entre as duas figuras mostra que os meninos apresentaram um índice

de agressividade física muito superior às outras formas de expressão, diferentemente das

meninas, que apresentaram um percentual de agressão física próxima ao da agressão oral.

Nos quatro episódios onde meninos e meninas brincaram juntos, existiram quatro

incidentes agressivos físicos e dois de agressão oral.

Tais dados podem ser comparados aos encontrados em algumas pesquisas, como a de

Castro (1979) e Magalhães e Otta (1995), por exemplo, nas quais se revelam diferenças de

gênero nas várias formas de agressão. Tais pesquisas constataram que meninos pré-

escolares utilizam mais expressões agressivas físicas, verificadas também na presente

pesquisa. Observaram que meninas pré-escolares exibem preferência por agressões orais

em oposição a formas físicas, justamente o inverso do que ocorre com os meninos; neste

trabalho, embora as meninas apresentem menor ocorrência de agressões físicas que os

meninos, tal forma de agressão apresenta praticamente a mesma proporção que a agressão

verbal, diferentemente do encontrado pelos autores. Tais dados indicam a necessidade de

pesquisas futuras.

55

Page 56: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

A análise dos dados permitiu-nos verificar a maneira como se iniciaram os incidentes

agressivos, o modo como foram conseqüenciados, seja pelos adultos (a forma como as

docentes lidaram com a agressão), seja pelos pares (o que os alunos fizeram) e o modo como

foram encerrados. Falaremos dessas observações neste momento do trabalho.

Alguns eventos foram identificados como sendo propiciadores da ocorrência de

incidentes agressivos. Alguns incidentes agressivos ocorreram durante a tentativa de uma

criança incluir-se em algum grupo, não sendo recebida e ocorrendo um ato de exclusão;

nestas situações, tanto houve agressão como forma de impedir a inserção da criança no

grupo, como houve agressão como conseqüência da exclusão realizada. Outros incidentes

agressivos ocorreram em situações em que a criança apresentava uma brincadeira e seu par

(ou pares) não retribuía de forma positiva, iniciando uma divergência. Também houve

agressões relacionadas à retirada de objeto de alguém (por exemplo, um brinquedo); nestas

situações, tanto houve agressão como forma de retirar o objeto de alguém, como houve

agressão como conseqüência da retirada efetivada por alguém. Ainda, houve incidentes

agressivos relacionados à tentativa (ou realização) de substituição do lugar de alguém na

hora da fila. Porém, o que mais se destacou como fator relacionado à presença de incidentes

agressivos foi a ocorrência de “acidentes”, comportamentos que, por acaso, atingem algum

colega e a criança atingida reage de forma agressiva. Estes diferentes aspectos estão

identificados na Figura 9.

56

Page 57: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

6%

23%

10%

19%6%

36% inclusão na brincadeira

acidental

retirada de objeto

brincadeira não correspondida

retirada do lugar na fila

outros

Total31

Figura 9 – Situações relacionadas aos episódios agressivos.

Como visto, alguns incidentes agressivos se relacionaram à tentativa de alguma

criança incluir-se em um grupo. Um exemplo de tal situação, em que a agressão ocorre

como forma de impedir tal inclusão é apresentado, a seguir.

Contexto: Um grupo de meninas brinca na areia do parque. Incidente agressivo - gritar com colega (agressividade oral) Comportamento alvo – grupo de alunos

Antecedente Comportamento do grupo Conseqüência C. se aproxima e pede para brincar junto.

B. fala que só as 4 colegas vão brincar juntas e que C. não poderia juntar-se ao grupo.

C. fica parada olhando para o grupo, iniciando choro.

C. fica parada olhando para o grupo, iniciando choro.

Uma colega olha para C. e grita com ela, dizendo que ela é um “saco” e pede para sair de perto delas. O grupo ri.

C. se afasta do grupo e vai em direção às professoras. A auxiliar conversa com C., pedindo para ela não chorar mais, e a encaminha para a gangorra com outra criança.

57

Page 58: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Quadro 2 - Exemplo de agressão relacionado à tentativa de inserção no grupo.

Tomando-se por base o quadro acima, percebe-se que a aluna C., ao tentar se inserir

no grupo é impedida pelas colegas; o grupo reage à permanência de C. na situação agredindo-

a verbalmente, forma de efetivar a exclusão, e pede para C. afastar-se.

A maneira como C. se comporta em relação à atitude do grupo, num primeiro

momento, é de passividade (ficar olhando e iniciar o choro) e, posteriormente, é de busca do

adulto (no caso, a professora). Supõe-se que para a aluna, procurar as docentes em um

momento conflituoso é mais tranqüilo do que enfrentar a situação. Já o grupo parece ter sido

reforçado pelos próprios integrantes (mantém a exclusão da colega e riem), conseqüência essa

que poderia aumentar a freqüência de respostas de exclusão de outras crianças em ocasiões

futuras.

Em outros momentos, durante uma brincadeira, o(s) aluno(s) inicia(m) ações, e os

pares não retribuem começando, então, diferentes formas de ações agressivas (oral, gestual,

ou física). Para se exemplificar uma ocorrência como essa, tomemos o caso, a seguir.

Contexto: Parque Incidentes agressivos - dar tapas (agressividade física)

- xingar – (agressividade oral) Comportamento alvo: jogar areia Aluno do J III

Antecedente Comportamento do aluno do J III

Conseqüência

Um grupo de alunos brincava próximo à gangorra com baldinhos. S. que estava no grupo levanta para pegar água com um baldinho

Aluno do JIII sorrindo joga areia na cabeça de S. com uma peneira.

S. sai debaixo da peneira e xinga o aluno do JIII de idiota retirando-se do grupo com o balde na mão.

S. sai debaixo da peneira e Aluno do JIII ri e continua Grupo de alunos continua

58

Page 59: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

xinga o aluno do JIII de idiota retirando-se do grupo com o balde na mão

brincando com a peneira. brincando com baldinhos.

Grupo de alunos continua brincando com baldinhos. K., que está entre eles, levanta e dá um tapa no aluno do JIII e fala para ele não jogar mais areia e pede para ele retirar-se dali.

Aluno do JIII fica brincando com a peneira.

K. volta a brincar com o grupo.

Um aluno do JI aproxima-se e entra embaixo da peneira.

O aluno do JIII joga areia no aluno do JI e vice-versa.Os dois riem muito. Os dois alunos param de brincar com a areia e vão para o balanço.

Grupo continua brincando. ( . . . )

Comportamentos alvo: - xingar - dar tapa Aluno S. Um grupo de alunos brincava próximo à gangorra com baldinhos.

S. levantou-se Aluno do JIII joga areia na cabeça de S. com uma peneira.

Aluno do JIII joga areia na cabeça de S. com uma peneira.

S. sai debaixo da peneira. S. xinga o aluno do JIII de idiota e retira-se do grupo com o balde na mão.

Aluno do JIII ri e continua brincando com a peneira.

Aluno do JIII ri e brinca com a peneira.

K.levanta e dá um tapa no aluno do JIII e fala para ele não jogar mais areia e pede para ele retirar-se dali.

Aluno do JIII continua brincando sozinho.

Aluno do JIII continua brincando.

K. volta a brincar. ( . . . )

Um aluno do JI aproxima-se e entra embaixo da peneira. O aluno do JIII joga areia no aluno do JI e vice-versa. Os dois alunos param de brincar com a areia e vão para o balanço.

Quadro 3 - Exemplo de agressão produzida por aparente brincadeira de colega.

59

Page 60: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Neste episódio observa-se que o aluno do J III causou um desagrado a S. enquanto

brincava. S. parece não interpretar a atitude de jogar areia do colega como uma brincadeira,

pois, reage com uma agressão oral; neste caso, o ato de agressão oral ocorreu em função da

presença de uma condição aversiva para S (areia na cabeça). Percebe-se que, para o aluno do

JIII, a insatisfação de S. não foi suficiente para fazê-lo parar com a brincadeira. Em seguida, o

aluno K agride-o com um tapa, o que também não teve efeito de levar o aluno do JIII a parar

de jogar areia. A agressão física emitida por K. também pode ter ocorrido em função da

presença de situação aversiva, no caso envolvendo tanto a permanência da “brincadeira”

quanto o descontentamento do colega S. Na continuidade, o jogar areia na cabeça pelo aluno

do JIII passa a ser tratado como brincadeira por aluno do JI, o qual passa a reforçar o

comportamento do aluno do JIII.

Nesse exemplo, nota-se que uma mesma atitude pode ser vista sob pontos de vista

diferentes. Para S., a areia jogada por criança do JIII causou um certo desagrado (condição

inferida da reação de S: xingar e retirar-se do local) e se comportamentos que causam

desconforto a outrem são classificados como agressivos, então jogar areia foi ato de agressão;

já para o outro colega do J I, esse mesmo comportamento do aluno do JIII de jogar areia foi

motivo para iniciar uma brincadeira. Mostra-se, com esse exemplo, que não se categoriza

comportamentos como agressivos pela “forma” como aparecem, mas sim pela relação deste

comportamento como o de outra criança.

O exemplo, a seguir, mostra a situação de fila como favorecedora da ocorrência de

episódio agressivo. A formação da fila, para a ida ou à volta do ambiente externo à sala de

aula, ocasionou algumas situações em que um aluno entra na frente do outro sem pedir

permissão causando desentendimentos.

Contexto: Alunos se organizam para irem à quadra. Incidentes agressivos - apertar a bochecha, bater no ombro, puxar a blusa (físicos)

60

Page 61: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Aluno – M

Antecedente Comportamento de M. Conseqüência Alunos se arrumam na fila. M. se posiciona no

primeiro lugar da fila com outra aluna. (G)

Uma menina (1) se aproxima e entra na frente de (G)

Uma menina se aproxima (1) e entra na frente de (G)

M. olha para (1) e diz que ali não é o seu lugar.

(1) olha para M. e faz bico, erguendo os ombros duas vezes.

(1) olha para M. e faz bico erguendo os ombros duas vezes.

M. pega na bochecha de (1) forte e diz que não é o lugar dela na fila.

G. fala para (1) sair dali porque ela chegou primeiro, concordando com M. (1) ignora, olha para frente e pega na mão da auxiliar.

G. fala para (1) sair dali porque ela chegou primeiro, concordando com M. (1) ignora, olha para frente e pega na mão da auxiliar.

M. bate forte no ombro dela e pede para ela sair dali.

(1) olha para ele e vira para frente.

(1) olha para ele e vira para frente.

M. com cara irritada, puxa sua blusa e fala para ela sair.

Novamente (1) olha para ele, ignora o que ele disse e depois vira para frente sem sair do lugar.

Novamente ela olha para ele, ignora o que ele disse e depois vira para frente sem sair do lugar. Um colega atrás de M. pede se ele sabe o nome da música da novela.

M. dá atenção ao colega, continuando a conversa.

( . . . ) Os alunos saem para a quadra.

Quadro 4 – Exemplo de agressão ocorrido em situação de fila.

Na fila, quando (1) toma o lugar de G., passando a ser a primeira da fila (e, portanto,

podendo dar a mão à professora), M. solicita a retirada de (1), mas como (1) ignora seu

pedido, M emite alguns comportamentos agressivos, supostamente como forma de produzir a

saída de (1); mesmo assim (1) permanece no lugar de G.

Pelo comportamento de M e de G, ambos demonstram descontentamento com a

usurpação do lugar por (1), o que é compreensível, já que dar a mão à professora (o que é

possibilitado para o primeiro da fila) teria função reforçadora. Em outras palavras, ao usurpar

61

Page 62: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

o lugar, (1) estaria retirando a possibilidade de que M (ou G.) tivesse acesso à condição

reforçadora.

Verifica-se, também, que (1) ignora a argumentação de M., que agride a colega; G.,

por sua vez, permanece em silêncio. Tanto agredir quanto permanecer em silencio não

produziram resultados satisfatórios, fazendo-nos pensar que tanto a agressividade como a

passividade não levam, muitas vezes, ao objetivo desejado.

Esse exemplo mostra, ainda, como uma situação conflituosa pode se encerrar

rapidamente pela presença de um novo estímulo não relacionado à discussão que estava

ocorrendo, assunto de que falaremos adiante.

Uma outra situação relacionada à ocorrência de incidentes agressivos foi a retirada de

objetos, quando a criança estava brincando com algo.

Contexto: Quadra de esportes - crianças brincam de diversas atividades. Incidente agressivo – puxar o colega (físico) Alunos L.F. e colega

Antecedente Comportamento de L.F. Conseqüência Alunos brincam na quadra. R. pega a bola de basquete e brinca sozinho.

L.F. se aproxima e tenta pegar a bola.

R. se defende segurando a bola com força.Um terceiro aluno se aproxima.

R. se defende segurando a bola com força. Um terceiro aluno se aproxima.

L.F. disputa à força a bola. O terceiro aluno ajuda L.F. Os dois puxam com força R. para trás para que ele solte a bola.

( . . . ) R. solta a bola.

R. solta a bola. L.F. e o colega pegam a bola e começam a rir.

R. sai sem falar nada e fica olhando, parado na quadra, para os meninos brincando com a bola.

R. sai sem falar nada e fica olhando, parado na quadra, para os meninos brincando

L.F. e o colega se afastam e brincam com a bola de basquete.

R. observa uns instantes e sai andando na quadra até se aproximar das profs., mas

62

Page 63: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

com a bola.

não comenta do ocorrido. Depois de algum tempo, Ad. convida R. para brincar e ele vai.

Quadro 5 - Exemplo de agressão relacionada à retirada de objeto.

O exemplo acima mostra que incidentes agressivos podem ocorrer como forma de

retirar algo momentaneamente em posse de alguém e o uso da força física, no caso produzida

pela união de duas crianças contra outra, como forma de obtenção do reforçador, no caso a

bola (o conflito é gerado pela disputa da bola).

O aluno R., embora tente continuar com a bola, é impedido pelos colegas. Mesmo

tendo perdido a bola, R. não evidencia aos colegas sua insatisfação; em outras palavras,

mesmo parecendo apresentar um certo desconforto (fica olhando os dois brincando), R. não

emite suas opiniões adequadamente. Novamente, verifica-se que uma mudança na situação

(um colega chama para brincar) logo permite seu ingresso em outra atividade.

De todas as situações já mencionadas, as acidentais são as mais relacionadas à presença de

incidentes agressivos. Situações em que, após um comportamento acidental, a criança atingida

reage de forma agressiva totalizaram 23% dos episódios de agressão.

Como exemplo de ocorrência acidental, temos o caso, a seguir.

Contexto: Parque do Zoológico Incidentes agressivos - desferir socos, jogar areia e dar tapas (físicos) Aluno (2)

Antecedente Comportamento do aluno (2) Conseqüência Alguns meninos brincavam nos tubos de cimento. Um

Este (2) deu um soco no peito de (1).

(1), ainda sem equilíbrio devido à queda, tomba para

63

Page 64: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

deles (1), ao pular do tubo, desequilibrou-se e bateu no braço de um colega (2)

trás na areia. No chão, joga areia em (2) com os pés e pega um punhado de areia.

(1), ainda sem equilíbrio devido à queda, tomba para trás na areia. No chão, joga areia em (2) com os pés e pega um punhado de areia na mão.

(2) rapidamente dá alguns tapas em (1). Os dois meninos (2 e 1) caem na areia e, abraçados, continuam a se bater.

Um colega (3) aparece trazendo um baldinho para (1), mas larga o balde ao ver a briga, tentando separar os dois alunos.

Um colega (3) aparece trazendo um baldinho para (1), mas larga o balde ao ver a briga, tentando separar os dois alunos.

Os dois meninos (2 e 1) param de se bater, levantam e tiram a areia do corpo. (2) fala algo (...), limpa as mãos e olha para os dois colegas.

( . . . )

( . . . )

(2) Entra em um tubo de cimento sozinho, mas logo se agrupa a outras crianças.

( . . . )

Comportamentos alvo: jogar areia, dar tapas Aluno (1)

Antecedente Comportamento do aluno (1) Conseqüência Alguns meninos brincam nos tubos de cimento.

Um dos meninos (1), ao pular do tubo, desequilibra-se e bate no braço de um colega (2).

Este (2) dá um soco no peito de (1).

Este (2) dá um soco no peito de (1).

(1), ainda sem equilíbrio devido à queda, tomba para trás na areia. No chão, (1) joga areia em (2) com os pés e pega um punhado de areia na mão.

(2) rapidamente dá alguns tapas em (1).

(2) rapidamente dá alguns tapas em (1).

(1 e 2) caem na areia e, abraçados, continuam a se bater.

Um colega (3) aparece trazendo um baldinho para (1), mas larga o balde ao ver a briga, tentando separar os dois alunos.

Quadro 6 - Exemplo de agressão iniciada por um ato acidental.

64

Page 65: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

O quadro mostra um exemplo de situação em que um comportamento acidental de

uma criança em outra produziu uma agressão enquanto resposta. A criança que emitiu o

comportamento acidental, por sua vez, após ter sido agredida, também agiu agressivamente.

Neste exemplo, as agressões de ambos os alunos (1 e 2) podem ser consideradas como ações

frente a estímulos aversivos: no caso, tanto o desconforto produzido por acidente poderia ser

considerado um estímulo aversivo para (2), tanto quanto a própria ação agressiva de (2) seria

um estímulo aversivo para (1). O que chama a atenção é o fato de o desconforto causado por

acidente ter produzido, imediatamente, a ação agressiva e de não ter havido, nem por parte de

(1) o pedido de “desculpas” nem por parte de (2) o questionamento do porquê de tal

ocorrência, comportamentos sociais adequados que poderiam impedir ou minimizar a

ocorrência de agressões.

Focalizando especificamente as situações em que um ato acidental teve por resposta

um ato agressivo, procurou-se observar como a criança causadora do acidente reagiu às

agressões dos colegas. Foram 7 episódios nos quais ocorreu ato agressivo após um

comportamento acidental; verificou-se que em dois casos houve retribuição da agressão, em

três casos o produtor do acidente retirou-se da situação e em apenas dois casos os alunos

reagiram de forma assertiva, desculpando-se pelo ato acidental.

Outro dado relevante observado neste trabalho refere-se à forma como os episódios

foram encerrados. Verificou-se que, dos 31 episódios, 14 foram encerrados após a intervenção

do adulto (professora ou auxiliar) e 17 pelas próprias crianças. Geralmente quando encerrados

pelas docentes, estas pedem para que as crianças voltem a brincar e as crianças assim o fazem.

Já com as crianças, os episódios são encerrados de diferentes formas, sendo comum o

encerramento quando uma terceira criança entra em cena para brincar de outra coisa ou para

interferir no desentendimento.

65

Page 66: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Dos 31 episódios, procurou-se verificar como os envolvidos se relacionam após o

encerramento destes. Abaixo segue a Figura 10, com dados observados sobre o assunto.

14

7

10 Voltam a brincar separados

Voltam a brincar juntos

Outros

Figura 10 - Atitudes dos envolvidos após término do episódio agressivo

Verifica-se que na grande maioria dos episódios de agressão (21 deles), as crianças

voltaram a brincar imediatamente depois de encerrado o episódio, sendo que em parte deles

(7) com os próprios colegas envolvidos na atividade. A categoria outros, aqui, engloba outras

possibilidades: ficar ao lado da professora, ir lavar as mãos, sentar e ficar em silêncio, ficar de

castigo.

Diferentemente de adultos, que muitas vezes carregam mágoas e perseveram em suas

discussões tempos após ter se encerrado algum episódio agressivo, verifica-se que, na maioria

dos episódios de agressão, uma vez encerrados, os envolvidos logo voltam à mesma atividade

ou iniciam outra atividade, algumas vezes com o próprio companheiro envolvido no episódio

de agressão. Ao que parece, as divergências não permanecem, o que pode ser uma

característica da agressividade por crianças nessa faixa etária; mais estudos voltados a este

ponto são necessários.

66

Page 67: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Juntamente com os pares, em algumas situações os adultos (no caso professoras e

auxiliares) estão presentes nos conflitos ocorridos com as crianças. Neste trabalho também foi

observada a atuação do adulto em relação aos episódios de agressão ocorridos.

Percebeu-se que, durante o período no qual as crianças ficaram no parque, geralmente

as docentes e suas auxiliares permaneciam em uma espécie de meio-fio que dividia a areia e a

grama. Nesse tempo, elas ficavam observando as crianças, deixando-as livres para brincar, e

conversavam entre si sobre eventos ou fatos do dia-a-dia, mas não sobre as crianças em suas

atividades extra-classe. Em muitos desses momentos os alunos vinham até elas pelos mais

diversos motivos, entre eles brigas e discussões. Em alguns casos essa era a forma como a

professora ficava a par dos incidentes agressivos. Tais informações podem ser melhor

observadas na figura a seguir.

23%

42%

35% Prof. vê e interfere

Alunos chamam a Prof.

Episódio sem a participação econhecimento da prof.

Figura 11 – Presença da professora no contexto dos episódios agressivos.

Percebemos, pela figura, que a grande maioria dos incidentes agressivos (20 deles,

equivalendo a 65%) chegou ao conhecimento das docentes por intermédio de um ou mais

alunos, porém somente em 7 episódios (23%) as docentes perceberam o incidente sem a ajuda

de um aluno, caracterizando um número baixo de observações, por parte das docentes,

67

Page 68: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

relacionadas às atividades das crianças em ambiente externo. Ora, se as docentes não

observam as crianças, como podem intervir de forma a ensiná-las a agir de forma socialmente

adequada? Em outras palavras, como ensinar as crianças ações de respeito e de cooperação

com relação ao colega ou mesmo formas de expressar os próprios sentimentos, sem observar

seus comportamentos em um ambiente diferente ao de sala de aula?

Os episódios sem a participação da docente geralmente foram conflitos rápidos e de

pouca intensidade. Tais episódios foram encerrados ou por intervenção de um terceiro colega

que se aproxima com assunto diferente do que estava ocorrendo, ou porque o aluno agredido

ignora o ato de agressão fazendo com que o agressor se retire de cena, ou porque a criança

interage com outra coisa. No exemplo abaixo, vê-se o agredido ignorar o ato do agressor.

Contexto: Formação da fila para a sala de vídeo.

Antecedente Comportamento alvo Conseqüência

Na formação da fila um dos meninos ao arrumar seu tênis bate na perna do colega da frente.

O colega da frente se irrita e da um pontapé no colega que bateu acidentalmente nele.

O aluno que recebeu o pontapé olha assustado para o que bateu nele, sai e vai para outro local da fila, e começa a brincar com outro colega.

Quadro 7: Exemplo de comportamento agressivo que termina sem a interferência da docente.

Como visto, na maioria das vezes a professora fica a par do acontecimento somente

após a interferência de um aluno, seja ele o envolvido no episódio de agressão ou um terceiro.

Procurou-se identificar, também, as atitudes da professora seja após os relatos de agressão

seja quando observa o ato acontecendo, o que é exposto na Figura 12, a seguir.

68

Page 69: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

9

34

5

22 dá bronca no agressor

coloca de castigo osagressoresconversam sobre oscomportamentos inadequadosignora

exige que peçam desculpas aoutremelogia quando pedemdesculpas um ao outro

Figura 12 - Atitudes da docente diante de um episódio agressivo.

Conforme constatado, nessa figura, a somatória dos itens é superior ao número de

episódios agressivos (31). Isso ocorreu porque em determinados episódios a docente emitiu

mais de um dos comportamentos citados. Pode-se perceber a presença de atitudes tanto

punitivas (dar bronca e colocar de castigo) quanto atitudes que levem os alunos a refletirem

sobre o ocorrido (conversar sobre os comportamentos inadequados e dizer para pedirem

desculpas), estas últimas menos freqüentes. Por outro lado, o número de vezes em que a

docente ignorou a ocorrência de um episódio agressivo pode ser considerado alto. Seria isto

um indicador de que a professora não está sensível à ocorrência de tais episódios ou de que

as professoras não sabem como proceder para ensinar habilidades sociais às crianças, o que

acaba por impossibilitar a ocorrência de comportamento desejado e esperado em seus alunos.

Esta é uma questão que indica a necessidade de novos estudos.

69

Page 70: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos dias de hoje são cada vez m is freqüentes as queixas relacionadas aos

comportamentos inadequados emitidos pelas crianças e jovens na sociedade. Nas escolas

ouvimos e percebemos professores reclamando da dificuldade em trabalhar com os alunos por

estarem cada dia mais audaciosos e agressivos em seus relacionamentos. Também no que se

refere às crianças em idade pré-escolar, não é incomum ouvir professores fazendo referência a

“crianças agressivas”, “brigas entre crianças”, referências que não podem ser descartadas, por

serem feitas por aqueles que atuam diretamente com os alunos. Trabalhos que estudem o

fenômeno da agressividade são, pois, importantes e, tendo em vista contribuir com a reflexão

sobre tal fenômeno, foi realizada a presente pesquisa que teve por objetivo estudar a

agressividade em crianças pré-escolares, no contexto escolar extra-classe.

A educação infantil foi escolhida por uma afinidade pessoal da pesquisadora e também

porque, ao tratarmos de comportamentos sociais, acreditamos que muitos desses são

adquiridos na infância, o que é destacado por Ribas (1996) ao afirmar que nos anos pré-

escolares as brincadeiras sociais são iniciadas.

No que se refere à agressão, segundo Ribas (1996), esta é constante, manifestando-se

geralmente por volta dos 3 ou 4 anos, já que é neste período que o contato com outras

crianças passa a ocorrer sistematicamente. No caso de crianças um pouco maiores, com idade

variando entre 4 e 6 anos, que foram participantes do presente estudo, também se verificou a

presença de comportamentos agressivos, como era de se esperar. No entanto, é importante

destacar que, ao analisarmos os episódios agressivos ocorridos, percebeu-se que, de uma

maneira geral, os comportamentos agressivos emitidos, mesmo quando envolviam

agressividade física, podem ser considerados leves, comparativamente aos comportamentos

emitidos por adultos, fato este que pode ser creditado à pouca idade das crianças.

a

70

Page 71: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Apoiando-nos em Bee (2003), podemos considerar a possibilidade de que as crianças

não apresentaram agressividade hostil, mas instrumental. Conforme destaca a autora, na

idade pré-escolar a agressão é instrumental e não hostil, já que a agressão é direcionada para

alcançar uma recompensa, e não para gerar sofrimento a outra pessoa; diferentemente, a

agressão hostil tem como objetivo direto atacar o outro. Como já pontuado nos resultados,

verificou-se que comportamentos de agressão ocorreram principalmente por três fatores: para

obter/ter acesso a reforçadores, porque o reforçador em posse da criança foi retirado, ou ainda,

como resposta a um estímulo aversivo que foi impingido à criança, às vezes de forma

acidental. A função instrumental parece mais evidente nos episódios relativos às duas

primeiras situações, embora também possa ser admitida nos episódios relativos à terceira

situação. Um dado que parece dar apoio a esta interpretação é que após o encerramento do

episódio agressivo, as crianças voltam a brincar, seja em separado seja em conjunto.

No presente trabalho, os incidentes agressivos foram considerados como ações que

produzem dano ou desconforto ao outro, e foram classificados, conforme sua natureza, como

agressões físicas, orais e gestuais. Tendo tais pontos de referência, verificou-se que a agressão

física foi a mais freqüente, resultado que vai ao encontro do apresentado na literatura.

Magalhães e Otta (1995) enfatizaram na pesquisa por eles realizada que a agressividade física

aparece em maior número, destacando, também, que os meninos foram os que mais se

envolveram em incidentes agressivos, ambos aspectos corroborados pela presente pesquisa.

Verificou-se que os comportamentos agressivos emitidos pelas crianças foram

variados na forma com que se expressaram; as crianças apresentaram comportamentos de

agressão física, tais como jogar areia, apertar, dar tapas, puxar objetos entre outros, e

comportamentos orais de xingamentos, como mongolóide, louca, imbecil, banana,

mariquinha. No caso das agressões orais, a utilização de alguns destes nomes nos chama a

atenção pois indicam que, mesmo em idade tão precoce, as crianças usam palavras que os

71

Page 72: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

adultos utilizam como forma de depreciar os outros, palavras estas que já estão presentes no

repertório comportamental infantil.

Pudemos verificar que os comportamentos agressivos foram, em grande parte,

eficientes (por exemplo, possibilitaram obter um objeto, impediram a retirada de um objeto

por alguém etc) e, em sendo assim, o comportamento agressivo foi reforçado. Assim, nas suas

relações a criança começa a aprender que ao agredir consegue alcançar o seu objetivo,

conseguindo o que desejava, e também que a agressão pode ser um meio rápido para tal. Ora,

se tais comportamentos são aprendidos na infância, tornando-se parte do repertório da criança,

pode-se pensar na possibilidade de ela continuar a expressar comportamentos agressivos ao se

tornar jovem, a não ser que novas formas de relacionamento com o outro lhe sejam ensinadas.

Del Prette e Del Prette (2001) enfatizam a importância de os educadores, sejam esses

pais ou professores, ensinarem habilidades sociais para as crianças a fim de que, ao se

tornarem adultos, suas relações se tornam efetivas e satisfatórias, o que certamente seria

incompatível com expressões comportamentais agressivas. Para tanto, é fundamental um

trabalho voltado à educação, e neste sentido há um papel especial propiciado pela escola, pois

o ambiente escolar, tanto de sala de aula quanto extra-classe, possibilita várias relações

interpessoais e oportunidade para a aprendizagem de habilidades sociais adequadas.

Para que o aprendizado, tanto os relativos aos conhecimentos quanto os referentes às

habilidades sociais, consolide-se nas escolas, é preciso que os alunos sejam ensinados de

maneira mais rápida e eficiente. Na escola o papel do professor é extremamente importante

pois é ele o responsável pelo ensino e, conforme destacado por Zanotto (2000, p. 41) ao expor

o posicionamento de Skinner, “o ensino pode ser definido como um arranjo de contingências

de reforçamento sob as quais o comportamento muda”.

Ao professor é delegado o papel de propiciar ao aluno a aprendizagem não apenas do

ponto de vista cognitivo mas também afetivo; assim, ele também tem a função de instruir seu

72

Page 73: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

aluno adequadamente, no sentido de lhe ensinar maneiras apropriadas de lidar com diferentes

situações no âmbito das relações interpessoais, sejam elas agradáveis ou conflituosas.

Quem ensina deve ter claro o que quer ensinar, deve conhecer as condições de que

precisa dispor para suas práticas de ensino e, principalmente, deve saber quem será seu

público-alvo. Zanotto (2000) relembra que gerar comportamento - ensinar ou levar alguém a

se comportar de certo modo - indica a existência de um objetivo que se pretende atingir. E é

em relação a um objetivo – o de desenvolver habilidades sociais -, que muitos professores não

estão atuando de forma adequada.

No presente trabalho, verificou-se que as docentes não apresentavam alguns

comportamentos fundamentais para ensinar habilidades sociais às crianças. As docentes nos

momentos de atividades livres não observavam com freqüência os comportamentos dos

alunos, deixando-os propor e desenvolver suas atividades. Verificou-se que, somente em

pequena parte dos episódios de agressão ocorridos, a professora observou a ocorrência do

incidente, sendo que em outros casos foi necessário ter sido avisada por um ou mais alunos.

Atividades extra-classe livres (não planejadas pelas professoras) podem ser benéficas

para as crianças, pois abrem espaço para que elas possam entrar em contato com uma

variedade de situações e possam ser expostas a diversos relacionamentos entre os pares, mas

também podem trazer dificuldades de relacionamento; em outras palavras, proporcionam

tanto momentos de descobertas e diálogos quanto de divergências. Nos momentos de

divergências entre as crianças, haveria a oportunidade de serem ensinadas habilidades sociais

adequadas. No entanto, se não houver observação do ocorrido, fica difícil para a professora

intervir para o ensino de habilidades sociais, já que não acompanhou os fatos e, por não tê-los

acompanhado, corre o risco de cometer erros nas interpretações dos fatos e dos relatos das

crianças.

73

Page 74: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Assim, para ensinar habilidades sociais uma condição é importante: observar as

crianças durante suas atividades, identificando de que forma as relações entre elas estão sendo

estabelecidas, para poder identificar a ocorrência de comportamentos inadequados e intervir

de forma instrutiva. Por exemplo, dentre outras possibilidades, o professor poderia sinalizar os

comportamentos socialmente inadequados, identificar possíveis conseqüências para o outro e

para a própria criança, levar a criança a propor formas de se comportar alternativas à agressão,

e, especialmente, reforçar os comportamentos socialmente adequados quando ocorressem.

No presente trabalho verificou-se ainda que, em muitas situações em que a criança

procurava o adulto, este passava a resolver o conflito entre os pares, ou dizia à criança para

fazer algo – por exemplo, pedir desculpas. Parece-nos que resolver pela criança a situação ou

apenas lhe dizer como deve agir não são suficientes como forma de ensinar habilidades

sociais. O papel do professor é fundamental, porém ele deve ter cautela no modo como realiza

tal ensino, pois pode levar a criança a se tornar dependente dele.

Considerando-se que comportamentos agressivos são freqüentes na rotina das pessoas,

que em casa e na escola os ensinamentos corretos de um bom relacionamento devem ser

dados e que, na escola, muitos professores não sabem como ensinar habilidades sociais, ou até

mesmo não possuem eles próprios habilidades sociais adequadas, julgamos necessário

desenvolver novas pesquisas voltadas ao docente enquanto ser humano que se relaciona e

“ensina” relacionamentos. O nosso país precisa que a educação seja de qualidade no que se

refere tanto ao ensino de conhecimentos quanto de habilidades, tanto cognitivas quanto

afetivas, a fim de que futuros problemas sejam evitados.

74

Page 75: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

VIII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÉS, P. (1988). História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara.

ATKINSON, R. L. SMITH, E.E., BEM, D.J.& HOEKSEMA S.N. (2002). Introdução à

Psicologia de Hilgard. 13.ed. Porto Alegre: Artmed.

AYRES, L.S.M. (1994). Uma escala brasileira para a medida da assertividade. Dissertação

de Mestrado, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro-RJ.

BEE, H. (2003). A criança em desenvolvimento. Porto Alegre. Artmed.

BIJOU, S. W., BAER, D. M. (1980). O desenvolvimento da criança: uma análise

comportamental. São Paulo: EDU.

BRANDEN, N. (1999). Auto-estima: como aprender a gostar de si mesmo. São Paulo: Saraiva.

BRAZELTON, T.B. (2003). Três a seis anos: momentos decisivos do desenvolvimento

infantil. Porto Alegre: Artmed.

CASTRO, M. F. (1979). Um estudo sobre incidentes agressivos entre crianças durante

atividade livre em pré-escolas. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São

Paulo-SP.

75

Page 76: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

CONTE. F. & BRANDÃO. Z. (2003). Falo ou não falo. Expressando sentimentos e

comunicando idéias. Arapongas: Mecenas.

DELL PRETTE, A & DELL PRETTE. Z. (1999). Psicologia das Habilidades Sociais –

Terapia e educação. 3.ed. Petrópolis: Vozes.

DELL PRETTE, A & DELL PRETTE. Z. (2001). Psicologia das Relações Interpessoais:

Vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis, RJ: Vozes.

DELL PRETTE, A. & DELL PRETTE. Z. (2003). Habilidades Sociais, desenvolvimento e

aprendizagem: questões conceituais, avaliação e intervenção. Campinas, SP: ed. Alínea.

DELL PRETTE, A. & DELL PRETTE. Z. (2005). Psicologia das habilidades sociais na

infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.

DOOB, L.W., MILLER, J., WOWRER.B. & SEARS, B.P. (1976). Frustração e Agressão. Em

ARGEE, E; HOKANSON, J. (Orgs.) A dinâmica da agressão. Análise de indivíduos, grupos

e nações. São Paulo: EPU, EDUSP.

GALLEGO, L. F. (1999). Agressão e Meios de Comunicação. Revista Trieb, v.8, p. 215 –

237.

GOSCH, C. S; VANDENBERGHE, L. (2004). Análise do Comportamento e a relação

Terapeuta-criança no tratamento de um padrão desafiador-agressivo. Revista Brasileira de

76

Page 77: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

Terapia Comportamental e Cognitiva. ABPMC – Associação Brasileira de Psicoterapia e

Medicina Comportamental. São Paulo, v.6, n.2, p.173-181, julho/dez.

LORENZ, K. (1973). A agressão: uma história natural do mal. São Paulo: Martins Fontes.

MAGALHÃES, C. M. C & OTTA, E. (1995). Agressão em crianças: influência de sexo e de

variáveis situacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.11, n.1, p. 7-12, jan./abr.

MATOS, M. A & TOMANARI, G.Y. (2002). A análise experimental do comportamento no

laboratório didático. São Paulo: Manole.

MEGARGEE, E. & HOKANSON, J. (1976). A Dinâmica da Agressão. Análise de indivíduos,

grupos e nações. São Paulo: EPU, EDUSP.

MENANDRO. P. R. M. (1978). Comportamento Agressivo: problemas de definição. PUC

Paraná, Curitiba, v.4, n.3.

MOSER. G.(1991). A Agressão. São Paulo: Ed. Ática Novaes.

OLIVEIRA, S.C., NEVES, M.C., SILVA, F.M. & ROBERT, A. M. ( 2002). Compreendendo

seu filho: uma análise do comportamento da criança. Belém: Paka-Tatu.

OTTA, E. & BUSSAB, V.S.R. (1998). Vai encarar? Lidando com a agressividade. São

Paulo: editora Moderna.

77

Page 78: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

RIBAS, A. F. P. (1996). Interações precoces mãe-bebê: A gênese de zonas de construção.

Dissertação de Mestrado não-publicada, Programa de Pós-graduação em Psicologia,

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ.

SILVA, A. T. B. & DELL PRETTE, A. (2003). Problemas de comportamento: um panorama

da área. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. ABPMC – Associação

Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, São Paulo, v.5, n.2, p. 91-103,

julho/dez.

SKINNER, B. F. (1980). Contingências de Reforço: uma análise teórica. São Paulo, Abril Cultural.

TODOROV, J.C. (1982). Behaviorismo e análise experimental do comportamento. Cadernos

de Análise do Comportamento, v.3, p.10-23.

TRAIN, A. (1997). Ajudando a criança agressiva: como lidar com crianças difíceis. Coleção

Educação Especial, Campinas, SP: Papirus.

VASCONCELOS, L.A.(2003). Quem deseja uma criança que expressa opiniões? Em:

CONTE, F; BRANDÃO, Z. Falo ou falo: Expressando sentimentos comunicando idéias.

Arapongas: Mecenas.

WAGNER, T.M.C. & BIAGGIO, A. M. B. (1996). Relação entre o comportamento agressivo

dos pré-escolares e a expressão da raiva de seus pais. Estudos de Psicologia, v.13, n.2, p. 59-

68.

WOLPE, J.S. (1976). A prática da terapia comportamental. São Paulo: Brasiliense.

78

Page 79: DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM … DEISE... · DEISE ROSA DA SILVA AGRESSIVIDADE EM CRIANÇAS: UM ESTUDO EM CONTEXTO EDUCACIONAL PRÉ-ESCOLAR Dissertação apresentada

ZANOTTO, M.L.B. (2000). Formação de professores: a contribuição da análise do

comportamento. São Paulo: Educ.

79