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Núcleo de Estudos da Violência NEV/USP São Paulo - Brazil Rua Prof. Lúcio Martins Rodrigues, travessa 4, bloco 2 – São Paulo SP/Brasil 005508 – 900 Tel. (55 11) 3091.4951 / Fax (5511) 3091.4950 www.nevusp.org / [email protected] Paper para o Research Project da Geneva Academy of International Humanitarian Law and Human Rights Democracia, Direitos Humanos e Condições das Prisões na América do Sul Fernando Salla - Coordenador - NEV/USP Paula Rodriguez Ballesteros – NEV-USP Equipe de Pesquisa Fernando Salla - Coordenador - NEV/USP Paula Rodriguez Ballesteros – NEV-USP Olga Espinoza – Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana (CESC) Fernando Martínez - Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana (CESC) Paula Litvachky - Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) Novembro, 2008

democracia, dh e condições das prisões na américa do sul

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Page 1: democracia, dh e condições das prisões na américa do sul

Núcleo de Estudos da Violência NEV/USP São Paulo - Brazil

Rua Prof. Lúcio Martins Rodrigues, travessa 4, bloco 2 – São Paulo SP/Brasil 005508 – 900 Tel. (55 11) 3091.4951 / Fax (5511) 3091.4950

www.nevusp.org / [email protected]

Paper para o Research Project da Geneva Academy of International Humanitarian Law and Human Rights

Democracia, Direitos Humanos e Condições das Prisões na América do Sul

Fernando Salla - Coordenador - NEV/USP

Paula Rodriguez Ballesteros – NEV-USP Equipe de Pesquisa Fernando Salla - Coordenador - NEV/USP Paula Rodriguez Ballesteros – NEV-USP Olga Espinoza – Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana (CESC) Fernando Martínez - Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana (CESC) Paula Litvachky - Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS)

Novembro, 2008

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1. Introdução

O objetivo da pesquisa proposta neste paper é descrever e analisar a

situação dos sistemas prisionais em três países da América Latina – Brasil,

Chile e Argentina – e que aspectos sociais, políticos e institucionais tornam

possível que graves violações de direitos humanos sejam impostas aos

indivíduos no âmbito da justiça criminal e em particular nos espaços de

detenção. Trata-se de explicar como regimes democráticos são capazes de

conviver com as graves violações de direitos humanos para os cidadãos

envolvidos com a quebra das leis.

Para compreender e explicar esses cenários, dois pressupostos

orientam a reflexão: o primeiro refere-se ao fato de que os três países além

de apresentarem condições políticas e econômicas internas peculiares,

associadas a sua trajetória de formação histórica, tiveram regimes

autoritários que marcaram profundamente a organização e funcionamento

dos aparatos de segurança pública. Trata-se de uma pesada herança que

ainda se faz presente na vida social e política daqueles países e que

interfere na agenda de proteção aos direitos humanos. O segundo

pressuposto diz respeito aos modos pelos quais esses países foram e

continuam sendo influenciados pelas mudanças no contexto mundial,

tanto em termos de arranjos econômicos e políticos como também em

relação às novas percepções de política penal que emergiram nas últimas

décadas. O fato é que a globalização, a agenda neoliberal, o novo perfil do

estado implicaram tendências favoráveis à democracia mas não deixaram

também de produzir novas percepções de como lidar com os crimes e

criminosos que acabariam favorecendo a sobrevivência no interior

daqueles três países de práticas no âmbito da segurança pública pouco

afinadas com o respeito aos direitos humanos.

A confluência desses processos históricos internos e de tendências

recentes nas políticas penais em escala mundial é responsável pela adoção

em cada um daqueles três países de legislação cada vez mais severa para o

enfrentamento do crime e na imposição do tratamento ao criminoso. São

esses processos responsáveis pelo extraordinário crescimento da

população encarcerada nas duas últimas décadas e que vem

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acompanhado de um agravamento das condições de encarceramento.

Graves violações de direitos humanos se expressam na continuidade da

prática de tortura aos prisioneiros comuns, na existência de maus tratos e

nas degradantes condições de manutenção das pessoas presas nos três

países.

2. O contexto dos países latino-americanos

A história democrática da América Latina ainda é muito recente.

Antes dela, o continente viveu inúmeras experiências de regimes

autoritários que, apesar de algumas peculiaridades, se assimilaram entre

si pela prevalência das Forças Armadas no poder e pela disseminada

afronta aos direitos humanos. Com a justificativa de promover o

desenvolvimento econômico e, principalmente, de proteger os países da

influência comunista que vinha do Oriente, os militares destituíram

representantes legitimamente eleitos e suspenderam muitos dos direitos

dos cidadãos, passando a governar em estado de exceção.

No Brasil, o regime militar teve início em 1964 com a deposição do

presidente e a extinção dos partidos políticos existentes à época, tentando-

se, entretanto, manter a aparência de normalidade democrática. Para

tanto, outros dois partidos alegóricos foram criados, as Casas Legislativas

e o Poder Judiciário continuaram funcionando e as eleições foram

mantidas, mas tudo sob controle do Executivo, onde se revezavam

membros civis e militares apoiadores do regime. Na Argentina, após o

golpe de 1976, uma Junta Militar composta pelos comandantes do

Exército, da Marinha e da Aeronáutica assumiu o poder, fechou o

Parlamento, suspendeu as eleições (os partidos políticos continuaram a

existir, mas submetidos ao ostracismo) e dissolveu os movimentos

sindicais. No Chile, desde 1973 o poder ficou concentrado na figura do

comandante do Exército, assessorado por uma Junta Militar que, além dos

comandantes das outras duas corporações das Forças Armadas, incluía

também o comandante dos Carabineros – a polícia chilena. Com poderes

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absolutos, o ditador fechou o Parlamento, extinguiu todos os partidos

políticos e perseguiu os movimentos organizados da sociedade civil.

Neste período, estes três países tiveram legislações criadas ad hoc

que davam amplo espaço para as arbitrariedades que viriam a ser

cometidas pelos seus governantes. As forças policiais e o aparato de justiça

passaram a servir precipuamente para combater os crimes políticos

cometidos pelos opositores dos regimes militares e, além disso, inúmeras

outras ações do Estado se davam ainda assim à margem da lei, agravando

as violações aos direitos dos cidadãos, inclusive àqueles garantidos pelos

instrumentos internacionais já vigentes à época. Conforme registros de

organismos de defesa de direitos humanos, como a Organização dos

Estados Americanos – OEA, estima-se que o número de presos no Chile

chegou a mais de 50 mil e o de desaparecidos ou mortos a quase 7001; na

Argentina estas cifras se invertem: cerca de 30 mil desaparecidos ou

mortos e 10 mil detidos; no Brasil, contaram-se 300 mortes ou

desaparecimentos e 25 mil prisões.

Hoje, algumas décadas depois de restabelecidos os regimes

democráticos2, o legado deixado pelas ditaduras nestes países ainda

permanece. Seja pela ideologia e cultura política que deixaram, seja pela

desestruturação das instituições e dos processos democráticos com o uso

abusivo da repressão – em especial da violência física – para garantir a

manutenção da ordem ocorridos no passado, ou enfim pela fragilidade do

Estado na promoção dos direitos dos cidadãos. Enfim, são fatores que

atualmente influenciam a consolidação das democracias brasileira,

argentina e chilena.

Em termos de condições socioeconômicas, os três países fazem parte

do grupo de considerado de alto desenvolvimento humano do Índice de

Desenvolvimento Humano (PNUD, 2005): o Brasil na 70ª posição no

ranking mundial e PIB per capita de U$ 4.297,00 dólares (BID, 2005); a

Argentina está em 38º lugar no ranking mundial, com PIB per capita de U$

4.704,00 dólares; já o Chile aparece em 40.º lugar, tendo PIB per capita de 1 O número de mortos e desaparecidos no Chile varia, muitas organizações da sociedade civil apontam entre dois e quatro mil pessoas mortas e desaparecidas. 2 A ditadura teve fim em 1990 no Chile, em 1985 no Brasil, e na Argentina em 1983.

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U$ 7.351,32. O pertencimento desses países ao grupo de elevado

desenvolvimento humano, no entanto, não tem se traduzido na eliminação

de graves violações de direitos humanos.

Há na atualidade liberdade de imprensa, liberdade de organização,

eleições livres, ordenamento constitucional e o funcionamento das

instituições republicanas. Os países latino-americanos são signatários dos

principais instrumentos internacionais de proteção e promoção aos

direitos humanos. No entanto, em diversos aspectos, violações de direitos

humanos são facilmente encontradas, como, por exemplo, nas condições

de pobreza e privação em que vivem milhões de pessoas, na desigualdade

de acesso ao trabalho e à vida digna, na discriminação étnica e racial etc.

Além disso, a violência, as graves violações de direitos humanos não foram

suprimidas das operações policiais, dos interrogatórios, das condições de

encarceramento para os suspeitos e condenados. Essa violência não se

direciona mais para os presos políticos, como anteriormente nos regimes

autoritários, mas se impõe severamente para os presos comuns.

3. Controle social e políticas penitenciárias

Os três países latino-americanos retomaram a vida democrática por

meio de processos de transição que tiveram arranjos políticos específicos

em cada país e que por certo contribuem para compreender como a área

de segurança pública foi mantida ou não sob forte influência dos padrões

constituídos durante os regimes autoritários. No entanto, é necessário

considerar que essa retomada acompanha um processo de avanço das

democracias no mundo, não apenas na América Latina, e que culmina com

o fim do mundo soviético a partir do início dos anos 1990. A conquista da

democracia em diversos países não deixou de ser acompanhada de uma

contradição central para as tradições liberais e que se manifesta de modo

particular na área da segurança pública, entre as liberdades individuais e

o crescimento dos instrumentos de controle social e repressivo.

Assim, a transição para a democracia nos países aqui em questão

encontrou um contexto internacional de democratização, uma onda de

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neoliberalismo, de revisão de muitos postulados do Welfare State,

especialmente em relação ao papel do estado na defesa e promoção dos

direitos do cidadão e no reconhecimento de suas responsabilidades na

promoção desses direitos. Proporcionalmente inversa à liberalização da

economia, ao fortalecimento do mercado como paradigma regulador das

relações econômicas e sociais, avançaram os controles sociais sobre os

cidadãos de um modo geral, mas sobretudo sobre os segmentos mais

afetados pelo desemprego, pela nova economia centrada na elevação de

produtividade com baixa assimilação de mão-de-obra. Uma concepção

securitária se estende por todos os campos de atividades e direciona as

ações para a redução dos riscos. No terreno da segurança pública, essa

concepção se converte nas propostas de controles sociais mais rígidos e

consequentemente em políticas penais mais severas. Os Estados Unidos

lideraram esse processo que se traduziu na “guerra contras as drogas”,

nas propostas de políticas repressivas como a “tolerância zero”, e na

adoção de leis do tipo Three Strikes and you are out, iniciativas que

acabaram abarrotando as prisões daquele país. Em 1992, os EUA tinham

1,300.000 pessoas presas com uma taxa de 505 presos por 100 mil

habitantes. Em junho de 2007, sua população presa era de 2,300.00 e a

taxa era de 7623.

Na literatura internacional que analisa as políticas penais nos

últimos vinte e cinco anos e em particular as questões prisionais (David

Garland, 2001; Loïc Wacquant, 1999; Zygmunt Bauman, 1999; Gilles

Chantraine, 2006), a constatação é de que o encarceramento em massa

presente nesse período é uma decorrência dessa nova percepção de que os

riscos devem ser reduzidos, as políticas de prevenção ao crime devem ser

mais amplas, e que os criminosos devem ser mais severamente punidos e

controlados. O penal welfarism que acompanhava o estado desde os anos

1950 foi sendo deslocado e substituído pela percepção de que a sociedade

tem pouca responsabilidade sobre eles criminosos enquanto produto social

e que as escolhas individuais são soberanas.

3 Dados disponíveis no site do International Centre for Prison Studies - http://www.kcl.ac.uk

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O resultado é que as taxas de encarceramento se elevam em todo

mundo desde o início dos anos 1980. Em alguns países esse ritmo é mais

intenso: Espanha que em 1992 tinha 35,200 presos, em 2008 já alcançava

72,000; Grã-Bretanha em 1992 tinha 44,700 presos e em 2008 83,500;

Polônia, de 61,400, em 1992, para em 2008 a 85,500; Holanda tinha 7,300

presos em 1992 e salta para 16,400 em 2008. Em outros como Bélgica,

Itália, Suíça, Áustria na Europa apresentavam um crescimento menos

intenso4.

Acompanha essa tendência a adoção de formas mais severas de

organização e funcionamento do aparato repressivo. Especialmente nas

últimas décadas as prisões passaram a ter regimes disciplinares mais

duros e que de certa modo confrontam as disposições até então

predominantes de imposição de um tratamento penitenciário voltado para

a reinserção social dos presos, ao impor-lhes uma verdadeira imobilização

nas prisões. As unidades especiais de encarceramento e as unidades de

segurança máxima-máxima (supermax) são exemplos que se disseminaram

pelo mundo, especialmente a partir da experiência norte-americana. As políticas penais que foram adotadas no Brasil, Chile e Argentina

não deixaram de ser fortemente influenciadas por esses novos marcos

estabelecidos principalmente nos países desenvolvidos. A hipótese é de que

nesses países latino-americanos os princípios democráticos não estavam

suficientemente enraizados na população e nas instituições. Eles foram

bastante sensíveis à adoção de políticas penais mais severas e

intransigentes mesmo quando estavam em plena retomada da vida

democrática depois de décadas de regime autoritário.

A tabela abaixo mostra como Brasil, Argentina, Chile apresentaram

um intenso processo de crescimento de suas populações encarceradas. Do

início da década de 1990 até os anos mais recentes, o Brasil teve um

aumento de quase 4 vezes na sua população presa, a Argentina quase que

triplicou, e o Chile mais que dobrou.

4 International Centre for Prison Studies - http://www.kcl.ac.uk

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População encarcerada e taxa por 100 mil hab. Países Cone Sul Brasil

1992 1997 2004 2007 114.377 74 170.602 102 331.457 183 422.590 220

Argentina

1992 1998 2004 2006 21.016 63 35.808 100 54.472 140 60.621 154

Chile

1992 1998 2004 2008(maio) 20.989 155 26.871 181 38.064 238 48.855 293

Fonte: International Centre for Prison Studies O crescimento da população encarcerada afeta de modo diverso o

sistema de justiça criminal dos países e as condições de suas prisões. Os

fatores que interferem de forma mais relevante são: a disponibilidade de

recursos materiais e financeiros; a consistência dos padrões democráticos

de organização política e social do país, a presença ou não de uma sólida

cultura de respeito aos direitos humanos. Assim, os principais países

desenvolvidos do Ocidente apresentaram alguma deterioração nas

condições de encarceramento nas duas últimas décadas. No entanto, sua

capacidade de mobilização de recursos econômicos para enfrentar os

novos desafios, sua solidez na organização democrática impediram que

problemas graves de condições de habitabilidade e de respeito aos direitos

humanos se aprofundassem com o aumento da população encarcerada.

Não foi a mesma situação vivida pelos países em desenvolvimento e de

organização democrática frágil, como os três aqui em questão. Além de

maior escassez de recursos financeiros para destinar ao sistema prisional,

a democracia ainda é um valor em fase consolidação. Em 2008, 57%

apenas da população acreditava que a democracia era o melhor sistema

político. Mas ao mesmo tempo 53% aceitariam uma ditadura se ela

promovesse melhoras na economia5.

5 Dados do Latinobarómetro publicados no jornal Folha de S. Paulo, em 15/11/08.

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As condições de encarceramento nos países da América Latina

afrontam as disposições legais internas e as orientações contidas em todos

os documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, tanto da

Organização das Nações Unidas como da Organização dos Estados

Americanos. Basta tomarmos os padrões estabelecidos no documento

Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos, o mais importante sobre as

condições de encarceramento, adotado em 1955, durante o Primeiro

Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento

do Delinqüente, realizado em Genebra. São sistematicamente ignorados

nos países latino-americanos princípios básicos que norteiam as Regras

Mínimas como a necessidade de tratamento igual a todos os presos,

independentemente de qualquer condição econômica, social, política,

orientação sexual, religiosa, filiação étnica etc. As prisões ali são

predominantemente ocupadas por pessoas pertencentes às camadas mais

pobres da população, negros, migrantes.

Outras orientações das Regras também são desrespeitadas como a

separação dos presos por categorias, a manutenção das prisões em boas

condições de funcionamento e um tratamento que não avilte a dignidade

do preso. Na maior parte das prisões da América Latina os presos comuns

são submetidos a privações em relação à alimentação, aos serviços de

saúde, atendimento jurídico, sem contar com os baixos níveis de

atividades de promoção da reinserção social, como a orientação vocacional,

as atividades educativas, de lazer e de trabalho. Mulheres, pessoas com

transtornos mentais são ainda mais afetados pela deficiência dos serviços,

pela precariedade das condições das prisões pelo não-atendimento de suas

necessidades específicas.

Os sistemas prisionais na América Latina também apresentam

déficits consideráveis em aspectos importantes para o bom funcionamento

das prisões como a existência de pessoal qualificado, bem treinado e bem

remunerado. A manutenção da boa ordem e disciplina está

constantemente comprometida. As práticas de violência e corrupção são

freqüentes e tornam os ambientes prisionais espaços de violações de

direitos humanos ainda mais amplas.

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No Brasil os 422.590 presos são mantidos em 1097 prisões, que têm

capacidade para encarcerar apenas 233.907 presos, havendo 82% além da

capacidade de vagas. Na Argentina, os 60.621 presos estão em 218

prisões, que têm capacidade para 46.494 presos, havendo 30% além da

capacidade. No Chile, os 48.885 presos são mantidos em 167 prisões, com

capacidade para 31.576 presos, havendo 55% de presos além da

capacidade (Dammert & Zúñiga, 2008).

Rebeliões nas prisões argentinas e brasileiras, por exemplo, têm sido

constantes e muito violentas com elevados prejuízos para as instalações e

para a estabilidade no funcionamento das prisões, e para a segurança de

presos e funcionários. Ao mesmo tempo, a violência entre os próprios

presos com assassinatos, muitos repletos de crueldade elevaram-se nesses

dois países nos últimos quinze anos6. Rebeliões e mortes indicam que as

autoridades não têm sido capazes de manter a ordem e o controle sobre a

vida prisional, permitindo que presos, grupos e gangues estejam

provocando conflitos e enfrentamentos tanto com outros presos como

também com as autoridades.

4. Desenvolvimento da pesquisa

As condições de mudança e permanência nas prisões

contemporâneas podem ser observadas a partir de três níveis de realidade,

segundo Gilles Chantraine (2006): o carcerário ou prisional, propriamente

dito, o penal e o societário. A análise proposta neste paper busca articular

esses níveis. Pretende alcançar as características fundamentais dos

espaços de detenção, em termos das formas de organização e

funcionamento das instituições prisionais, das interdições e sanções, dos

direitos assegurados ou não que acabam por interferir diretamente nas

formas de exercício de poder naqueles espaços. Nos países latino-

americanos a superlotação adiciona um componente agravante na

dinâmica de funcionamento das prisões. No plano penal, a análise volta-se 6 Para o Brasil, os melhores dados sobre presos assassinados nas prisões encontram-se nos planos diretores que cada estado remeteu para o Ministério da Justiça em 2007 (http://www.mj.gov.br/depen). Para a Argentina ver o documento Informe “Las Carceles en Argentina – Defensor Del Pueblo de la Nación, 2006. Disponível em http://www.defensor.gov.ar/informes/carceles2006.pdf

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para o aparecimento de novas ideologias e práticas que envolvem o uso

generalizado da noção de risco, de periculosidade, a crise do ideal de

reabilitação, a configuração de leis e políticas a partir daquelas ideologias,

as proposições de uma despolitização do plano penal e de redução dos

desafios desta área ao plano gerencial (managérialisme). Já no plano

societário a globalização, ou mundialização, as transformações no mundo

do trabalho, o neoliberalismo sugerem que novas formas de vida social

estabelecem novas equações entre a privação da liberdade e a liberdade em

geral. É fato, segundo Chantraine (2006:268), que não se tem mais as

concepções de liberdade construídas a partir de concepções de

solidariedade social, da necessidade de estabelecimento de estreitos laços

entre a liberdade individual e a dimensão coletiva onde ela se expressa.

Mais recentemente, a liberdade aparece associada ao individualismo, à

autonomia, à realização pessoal, à introspecção psicológica e ao

consumismo.

Tendo por base esses eixos de análise e sua articulação, o projeto

terá como pontos principais para a descrição e análise em cada um dos

três países:

• identificação do perfil da criminalidade na sociedade em geral,

destacando-se os homicídios, furtos e roubos e tráfico de drogas;

• identificação geral da legislação criminal com ênfase na adoção de

leis que tornam mais severas as punições aos crimes e que tornaram

mais rígidas as condições de encarceramento;

• configuração básica das instituições do sistema de justiça criminal –

polícia, ministério público, defensoria pública, sistema penitenciário

e poder judiciário – descrevendo-se as principais atribuições e

composição interna;

• avaliação da atuação do ministério público, defensoria e poder

judiciário em relação às condições do sistema prisional;

• formas de participação das organizações da sociedade civil no

monitoramento das condições de encarceramento;

• descrição e análise da estrutura do sistema prisional do país,

compreendendo número e tipo de estabelecimentos, capacidade,

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déficit de vagas, quadro funcional, existência de corregedoria e

ombusdman;

• perfil da população encarcerada segundo o tipo de crime, idade,

sexo, escolaridade, etnia;

• descrição e análise das principais violações de direitos humanos nos

espaços prisionais, com especial atenção às mortes de presos, casos

de tortura, maus tratamentos e outros aspectos como as condições

de habitabilidade, e assistência médica, jurídica e social.

Haverá a constituição de uma pequena rede de pesquisadores do

Brasil, Argentina e Chile para o levantamento e análise das informações

sobre os itens precedentes. A situação do encarceramento no Brasil será

analisada pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência.

Trabalharão em conjunto com os pesquisadores desse Núcleo,

pesquisadores do Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) e do Centro

de Estudios em Seguridad Ciudadana (CESC) que realizarão as pesquisas,

respectivamente, para a Argentina e Chile, e produzirão papers sobre as

condições de encarceramento nesses países. Esses papers serão integrados

ao paper final que será elaborado pelos pesquisadores do Núcleo de

Estudos da Violência com um panorama comparativo da situação sobre as

prisões nos três países da América Latina.

A expectativa é de que os itens de análise acima apontados sirvam

de guias para homogeneizar os levantamentos de informações em cada um

dos países. Igualmente a matriz que orienta essa coleta de dados e a

reflexão é a dos padrões internacionais de direitos humanos. Mas essa

preocupação com a possibilidade de estabelecer elementos comuns para

uma análise comparativa não impede que as equipes possam indicar de

que modo em cada país a trajetória histórica dos arranjos políticos e

institucionais, o tipo de inserção na economia mundial e regional,

interferiram de forma particular tanto na produção das principais

violações dos direitos humanos em geral como nas políticas internas de

promoção desses direitos e nas políticas penais nos últimos quinze anos.

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As principais fontes de informação a serem utilizadas pelos

pesquisadores em cada país são: os instrumentos legais; os dados

estatísticos e estudos gerados pelas instituições públicas do sistema de

justiça criminal, por organizações da sociedade civil ou por universidades;

os relatórios internos das instituições do sistema de justiça criminal; as

notícias da imprensa; os relatórios internacionais.

5. Resultados esperados

O paper final descrevendo e analisando as condições de

encarceramento nos três países numa perspectiva comparativa terá

versões em inglês, português e espanhol. Ficará disponível nos sites de

cada instituição participante para outros pesquisadores e público em

geral. São resultados também esperados: a consolidação de uma rede de

pesquisadores voltados para as condições de encarceramento na América

Latina, capaz de organizar eventos acadêmicos bem como formular novas

propostas de pesquisa; a manutenção de informações sobre o projeto e

sobre as condições prisionais dos países envolvidos nos sites das

instituições a que pertencem os pesquisadores; publicação nesses sites e

em periódicos acadêmicos, dos resultados e estudos derivados da

pesquisa; transferência dos resultados da pesquisa para as entidades do

sistema de justiça criminal, por meio de seminários, palestras e

distribuição de material impresso.

6. Bibiliografia

BAUMAN, Z. (1999) Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro, Zahar.

CHANTRAINE, Gilles (2006) “Prisons et mutations pénales, nouvelles perspectives d’analyse”. Déviance et Société, Vol. 30, n. 3, pp. 267-271

DAMMERT, Lucia & ZÚÑIGA, Liza (2008) La cárcel: problemas y desafios para las Américas. Santiago, Chile: FLACSO.

GARLAND, David. (2001) The Culture of Control: crime and social order in contemporary society. Chicago, The University of Chicago Press.

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Informe “Las Carceles en Argentina – Defensor Del Pueblo de la Nación, 2006. http://www.defensor.gov.ar/informes/carceles2006.pdf

WACQUANT, Löic. (1999) Les Prisons de la Misère. Paris: Éditions Raisons d’Agir.

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Appendix 01

Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP Center for the Study of Violence

The Center for the Study of Violence was created during the democratic transition, in 1987, and it is one of the Supports Centers for Research of the University of São Paulo. One of the NEV/USP characteristic is the interdisciplinary researches, which turns around a common theoretical question: the persistence of serious Human Rights violations during the process of democratic consolidation. The NEV/USP develops research projects, courses of extension and activities directed to the promotion and protection of the human rights. Through the Teotônio Vilela Commission, the NEV also acts denunciating serious human rights violations and promoting universal access to human rights. Throughout its 20 years of existence the NEV/USP developed a series of research projects and courses of extension financed by the Ford Foundation, Rockefeller Foundation, Red Cross International Committee, CNPq and Fapesp, beyond accords with agencies of the ONU (OMS/PAHO, PNUD), European Union, Ministry of Health, Ministry of Justice and Special Secretary of the Human Rights. Since 2000 NEV/USP is one of the Centers of Research, Innovation and Diffusion (CEPID) of the Foundation of Support to the Research of the São Paulo State (FAPESP). In 2002-2005 the NEV was invited to the British Embassy in Brazil to make an independent evaluation of the Improvement in Prison Management Project that was developed in the states of São Paulo, Espirito Santo and Rondonia. The main objectives of this project were: to identify deficits in prison service delivery in those states when measured against international standards on human rights and Brazilian law; to provide training for key personnel in developing and delivering policies and procedures in accordance with those standards and legal requirements; to develop, in conjunction with representatives of civil society, processes of monitoring prison performance that could assist existing judicial inspections. Currently the NEV works with three lines of research, innovation and dissemination: a) Democracy, Human Rights and violence: an integrated analysis; b) monitoring Human Rights in Brazil and particularly in São Paulo; c) Democracy, Human Rights and public security: comparative studies. For this, it counts on a team of researchers and research assistants, graduated in the areas of sociology, science politics, anthropology, history, laws, psychology, literature, public health and statistics.

More information: www.nevusp.org

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Appendix 02

CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES (CELS) CENTER FOR LEGAL AND SOCIAL STUDIES

• INSTITUTIONAL INFORMATION The Centre for Legal and Social Studies – Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) – is a non-governmental organization that works on the promotion and protection of human rights, and on strengthening the democratic system and the Rule of Law in Argentina. CELS was founded in 1979 – during the military dictatorship that ruled Argentina between 1976 and 1983 – in response to the urgent need to take quick and decisive action to stop serious and systematic human rights violations. The first task was to provide legal counseling and assistance to the victims’ relatives, especially in the case of the disappeared, and to document state terrorism. Today, 30 years later, CELS translates that historical fight into its daily effort to reinforce the democratic institutions that are essential to guarantee human rights. Based on this premise, CELS’ institutional objectives are oriented towards: denouncing human rights violations; advocating for public policies based on the respect for fundamental rights; promoting legal and institutional reforms aimed at improving the quality of democratic institutions; and encouraging a more effective implementation of these rights among the most vulnerable sectors of society. CELS is formed by a interdisciplinary team whose main activities are: litigation before national and international courts; researching and building tools to monitor public institutions; and training social organizations, legal operators, members of the judiciary and state institutions. CELS develops some of these activities and strategies in coordination with other Argentinean and foreign organizations. More information: http://www.cels.org.ar

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Appendix 03

Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana The Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana (Center for Citizen Security Studies), known as CESC, is part of the Instituto de Asuntos Públicos (Institute of Public Affairs) at the Universidad de Chile. It was founded in 2001, with funding from the First National Competition for Research Projects in Citizen Security. Under the leadership of Hugo Frühling, CESC's carries out its work through public policy development, research, and extension and teaching activities. The mission of CESC is to contribute to the design of fully democratic public polices that address citizen security matters, which respect the rights of persons, are open to healthy criticism and citizen oversight, and emphasize above all a preventive approach to reducing violence. Its goals are the following: · Carry out studies and research, of high methodological quality, on key problems in addressing criminality and violence in general. · Build adequate information systems that support local and national policies addressing the issue of violence. · Evaluate the impact of intervention programs aimed at at-risk groups as a way to reduce violence. · Advise public and private institutions on the design, evaluation and systematization of violence prevention and crime reduction programs. · Participate in the training and qualification of professionals working in the area of citizen security and criminal justice. · Maintain relationships and exchanges with national and international entities related to violence reduction and public security. CESC has defined three major areas of research where it concentrates its efforts. These areas are the focal points of CESC’s work and best comprehend its mission and goals. Prison Studies The goal of this area is work on prison issues which, together with the institutional goal, aim to contribute to the creation and improvement of public policies for social reinsertion that guarantee the exercise of civil rights. As part of its work in this area, CESC has engaged in the following activities: Research; Training and Professional Development; Dissemination and Impact. The Police and the Judicial System The goal of this area is to contribute to police and justice reform processes in Latin America from an empirical and comparative perspective, strengthening local capacity in these matters and sharing successful experiences in the region. This area of CESC conducts research, provides consulting services and generates knowledge that can be applied to improving the objective and subjective security conditions faced by the justice system and police forces. Crime Prevention The Community Crime Prevention Program Strengthening Project, also known as the “More Community More Prevention" project, seeks to address the need to provide effective responses to increasing fear and violence. This project contributes to strengthening the capacity of those who design and execute citizen

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security programs in various Latin American countries. Likewise, it includes research that expands knowledge about the most problematic neighborhoods where prevention programs are focused in order to design them in the most appropriate way.

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Curriculum Vitae Fernando Afonso Salla Born in São Paulo on March 5th, 1953, Sociologist, Doctor’s degree in Sociology by the University of São Paulo [USP]. Since October, 1997 a senior researcher in the Center for the Study of Violence of USP. Works in the development of research in the area of public safety policies and studies about prisons. Independent evaluator for the Prison Improvement Project developed between 2000 and 2006 by the Brazilian prison system and ICPS (The International Centre for Prison Studies) and support of the Foreign Commonwealth Office. Member of the Upper Council of Coordination of Activities of the Latin American Institute of the United Nations for the Prevention of Crime and the Treatment of Offenders (ILANUD). e-mail: [email protected] [email protected] Paula Rodriguez Ballesteros Bachelor in Law and Social Science, Mastering in Public Administration and Government. Resercher of the Centre for the Study of Violence of University of São Paulo on violence prevention, public security policies, access to rights and human rights themes. Currently, she is member of the projects: "Promoting the right to development: a home visiting pilot program for pregnant adolescents and their children", "Monitoring Human Rights – Oficial Data and Public Policies", "4th Human Rights National Report", and "Work Group: Public Security, Justice and Citizenchip". Email: [email protected] [email protected]

Olga Espinoza Mavila Olga Espinoza Mavila is a lawyer with a master's degree in Law from the University of Sao Paulo, Brazil. She has worked as a consultant for the Ford Foundation’s Human Rights and Citizenship Program and for the Inter-American Development Bank in Uruguay and Chile. She has participated in research and intervention programs on criminal justice reform, the criminality of the State in processes of democratic consolidation, military justice and international law, female criminality and the prison system. She currently serves as the Coordinator of the Prison Studies Area of the Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana at the Universidad de Chile. Email: [email protected] [email protected]

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Fernando Martínez Mercado Fernando Martínez Mercado is a lawyer graduated from the University of Salamanca School of Law, Spain. He has worked as a human rights lawyer at Vicaría de la Solidaridad of Catholic Church of Santiago and as a jurist at Chilean Truth Commission on Political Prison and Torture. In addition, he has worked as a verification officer at the peacekeeping mission of the United Nations in Guatemala and as a consultant for the United Nations Development Program in Guatemala. He has also participated in research on prison system, police accountability, criminal justice reform, criminality and violence in processes of democratic consolidation. He currently serves as a researcher of the Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana at the Universidad de Chile and as an academic of the Policía de Investigaciones de Chile (PDI). Email: [email protected] [email protected] Paula Litvachky PAULA LITVACHKY is a lawyer who graduated from the University of Buenos Aires (UBA). She is a master candidate in Criminal Law at the Palermo University, Buenos Aires, Argentina. She is the Director of the Democratic Justice Program of the Center of Legal and Social Studies (CELS), one of the most recognized human rights' non-governmental organization of Latin America, that was created during de Dictatorship of Argentina in 1979. She currently coordinates and participates in several research projects on human rights and criminal justice procedures and public ministry reform in Argentina. Before being appointed to this position she worked as a lawyer and senior investigator in CELS. Besides, she worked as attorney assistant in the Criminal Law and Human Rights Division of the Office of the General Attorney of Argentina, until February 2004. Furthermore, she has been teacher assistant on Criminal Law at the Law School of the University of Buenos Aires and Palermo University. She has also written many books and numerous articles in local and international publications about criminal law and international human rights law. Email: [email protected] [email protected]