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Democracia e Terrorismo: O Equilíbrio entre Segurança e Liberdades desde uma perspectiva Econômica Trabalho de conclusão do curso Terrorismo e Contra-insurgência 2008/2009 Marcus Vinicius Reis BRASIL [email protected] Universidade de Defesa Nacional Centro para Estudos de Defesa Hemisférica Janeiro/2009

Democracia e Terrorismo: O Equilíbrio entre Segurança e … CHDS TCI2 2008.pdf · Destaca esse autor que o terrorismo possui uma lógica; logo não existem atentados terroristas

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Democracia e Terrorismo: O Equilíbrio entre Segurança e Liberdades desde uma perspectiva Econômica

Trabalho de conclusão do curso Terrorismo e Contra-insurgência 2008/2009

Marcus Vinicius Reis BRASIL

[email protected]

Universidade de Defesa Nacional

Centro para Estudos de Defesa Hemisférica

Janeiro/2009

ÍNDICE

1. Introdução

2. Análise Econômica do Terror

3. Democracia e Direitos Humanos

4. Democracia e Vulnerabilidades

5. Segurança e Liberdade desde uma perspectiva

econômica

6. Conclusões

I – INTRODUÇÃO

O “terrorismo não é um crime de paixão”. Assim é

caracterizado pelo professor Jürgen BRAUER (2002) no seu texto On

the economics of terrorism. Destaca esse autor que o terrorismo

possui uma lógica; logo não existem atentados terroristas

indiscriminados. Estes atos são perpetrados com base em

determinada racionalidade para a consecução de objetivos claros e

desejados.

Ao observarmos diversas definições de terrorismo, em

quase todas aparecerão os seguintes elementos (HOFFMAN 1998, p.

43):

1. objetivos políticos;

2. atos ilegais violentos ou ameaças ilegais violentas;

3. designados para afetar mais além das vitimas, com

repercussões gerais;

4. conduzidos por organizações não estatais ou grupos

sub-nacionais.

Portanto, o comportamento de grupos terroristas parece

ser realmente racional, apesar de se pensar sobre a irracionalidade de

tais atos, pelas desgraças proporcionadas e utilização excessiva da

violência. Mas, na verdade, são movimentos realizados como em uma

partida de xadrez, calculados nos seus detalhes.

Ao assegurar que tais atos são pautados pela razão,

podem também ser tomadas medidas racionais que mitiguem ou

eliminem esse comportamento, citando como exemplo ações de

cunho econômico. Os indivíduos, assim como os grupos de indivíduos,

decidem o que fazer segundo uma análise dos benefícios auferidos,

normalmente considerando os custos dos seus atos. Caso os

benefícios sejam maiores, seria racional a ação pensada (VIAPIANA,

2006, p. 13).

Nesse sentido, deve o Estado trabalhar para que sejam

aumentados os custos de ações ilegais por parte de grupos

criminosos. Para dificultar o trabalho desses grupos criminosos, há a

necessidade de o Estado tomar medidas que aumentem os custos do

crime, passando seguramente por ações que confrontam as

liberdades dos indivíduos.

Nos Estados democráticos de Direito, caracterizados por

observância à lei, separação de Poderes e pela existência de uma

carta de direitos humanos protetora principalmente de grupos

minoritários, seguramente existirão conflitos derivados da decisão em

se aumentar a segurança com conseqüente incremento nos custos

das ações criminosas, tendo em vista a necessária mitigação e, em

alguns casos, eliminação de garantias e liberdades protegidas por

esses Estados. É o dilema atual a ser enfrentado nos Estados

democráticos, acerca do equilíbrio entre segurança e liberdade1.

Este trabalho analisa essa conturbada relação nos

Estados democráticos, entre a busca de segurança de seus cidadãos e

a garantia das liberdades civis desses mesmos cidadãos, desde uma

perspectiva econômica, que caracterizam e justificam o aparecimento

do Estado moderno. Nestas sociedades, a tensão criada pela

mencionada relação é inevitável, pendendo para um ou para outro 1 KUDRYAVTSEV, Vladimir et all. (2005) asseveram que a saída para o combate ao terror repousa na harmonização de diversos fatores, como o equilíbrio entre liberdade e segurança. Interessante também o livro The Lesser Evil, de Michael IGANATIEFF, Diretor do Carr Center for Human Rights da Harvard School, que trata acerca da relação conturbada entre liberdade e segurança.

lado consoante diretrizes dos governos que as lideram. Os terroristas

exploram essa contradição do sistema democrático, utilizando os

meios e garantias assegurados nesses regimes para a consecução de

seus fins.

II – ANÁLISE ECONÔMICA DO TERROR

O Terrorismo, ao ser percebido como um método de

ação2, possui determinada lógica que passa pela economia. O

comportamento de um terrorista ou de uma organização terrorista

pode ser explicado de forma similar a um consumidor racional, que

mede os custos e os benefícios de suas ações. Indivíduos e grupos

possuem incentivos e restrições que os fazem agir de determinada

maneira, procurando sempre maximizar seus resultados.

Assim, organizações terroristas atuam com racionalidade

e dessa maneira devem ser atacadas. Terrorismo não acontece pelo

simples objetivo de matar, como bem assevera SNODGRASS (2008).

Existe uma lógica por trás desse comportamento violento. Entender o

porquê de se participar de grupos terroristas é um desafio dos

investigadores, que tentam mensurar os ganhos individuais de

pertencer a tais grupos (MULLER, 1996). Estados falham ao não

proporcionar bens necessários à vida de seus nacionais, e isso pode

motivar o surgimento de grupos que tentem destruir tais nações

(ROTBERT, 2003).

2 “o terrorismo é uma etapa de uma seqüência de ações que visa a produzir um fim político desejado, sendo melhor caracterizado, portanto, como parte de uma estratégia, algo que definimos como um estratagema.” (DINIZ, Eugênio. Compreendendo o Fenômeno do Terrorismo. IN BRIGADÃO, C. e PROENÇA JR, D. Paz e Terrorismo. Ed. Hucitec, São Paulo, 2004, p. 197 a 222).

PILLAR (2001) também destaca que os Estados devem

aumentar os custos de uma ação terrorista com a adoção de medidas

antiterror. O terrorismo tem uma lógica. O comportamento do

terrorista obedece a um raciocínio lógico. O terrorismo, como outra

forma de crime, possui custos e benefícios que são analisados pelos

membros das organizações que o adotam. Políticas que levem em

conta esses aspectos são as mais efetivas no combate ao terrorismo,

considerando este ato uma escolha racional de um determinado grupo

(GRENSHAW, 1998).

O terrorismo visto como crime pode e deve ter uma

análise econômica. A abordagem econômica já vem sendo adotada

para o estudo do fenômeno criminoso desde o trabalho Crime and

Punishment: an Economic approach, do professor Gary BECKER, de

1968.

Segundo VIAPIANA (2006, p. 37):

“os benefícios consistem nos ganhos monetários e psicológicos proporcionados pelo crime. Por sua vez, os custos englobam a probabilidade de o indivíduo que comete o crime ser preso, as perdas de renda futura decorrentes do tempo em que estiver detido, os custos diretos do ato criminoso e os custos associados à reprovação moral do grupo e da comunidade em que vive.”

Entretanto, no caso do terrorismo, quais são os custos e

quais são os benefícios a serem mensurados pelas organizações que

suportam essas ações? Considerando que o terror é um crime, apesar

de um alcance maior, porque se dirige contra um Estado e não

apenas contra indivíduos, também existirão ganhos monetários e

psicológicos. Os ganhos psicológicos são mais claros, como a atenção

da mídia, ganho de simpatia de sociedades oprimidas3, apetite para

dominar o outro4, abertura de negociação com determinados

governos, infligir medo na população etc. Como ganhos monetários

poderíamos citar a arrecadação de fundos, oferta de pessoal para

recrutamento, conquista de territórios, derrubada de governos etc.

A análise dos custos pode ter como elementos os gastos

financeiros para o cometimento de atentados, a probabilidade de

serem presos ou mortos, a reprovação pela comunidade internacional

de determinada organização, a entrada de uma organização no

submundo de uma sociedade, gastos com propaganda e divulgação

etc.

Nesse sentido, BRAUER (2002) destaca que os Estados

devem tomar medidas no combate ao terror que aumentem os custos

de um atentado ou de uma ação terrorista, como proteção de alvos

potencialmente substitutos, diminuição da possibilidade de obtenção

de recursos por estas organizações, diminuição das possibilidades de

recrutamento etc.

Pode-se, então, fazer a notação de uma função que

correlaciona todos esses fatores5:

Terror = benefícios – probabilidade de prisão X custos; em que se:

a) Terror > 0; significa que vale a pena o atentado; b) Terror < 0, significa que não vale a pena o atentado

3 O que pode ser caracterizada como uma paixão social, segundo Jedediah PURDY, no excelente trabalho The Limits of Courage and Principle, publicado na Michigan Law Review, maio de 2006, p. 1501. 4 Também designada paixão anti-social, consoante autor citado na nota anterior. 5 Essa equação foi derivada do modelo apresentado por VIAPIANA, no livro Economia do Crime, 2006, p. 37, que trata de uma notação para explicar se vale a pena cometer um crime ou não.

Logo, cabe aos Estados influenciarem essa equação,

reduzindo os benefícios e aumentando os custos com o intuito de

desmotivarem grupos terroristas a realizarem ações ilegais. Destaca-

se que um dos fatores da equação apresentada, que é a probabilidade

de prisão, mostra que quanto maior esta possibilidade, também será

maior o custo do crime.

Por isso deve o Estado incrementar seus gastos em

segurança pública, como preparação dos policiais, aumento do efetivo

das forças de segurança, compra de equipamentos, melhora dos

processos investigatórios, celeridade nos processos judiciais,

agilização do Poder Judiciário, preparação do Ministério Público etc.

Essas medidas certamente aumentam a probabilidade de prisão, o

que aumenta o custo de um atentado terrorista. Assim também é a

análise do professor David GOLD (2004), em que as políticas de

segurança devem ser mais custo-efetivas, maximizando custos e

benefícios dos Estados e minimizando o dos grupos terroristas.

Jürgen BRAUER, no trabalho On the economics of

terrorism (2002), salienta que o comportamento do terrorista, como

um consumidor racional, deve afetar a resposta do Estado ameaçado,

reduzindo os benefícios e aumentando os custos das ações desses

grupos. Algumas ações estatais poderiam afetar a equação mostrada

anteriormente, com repercussões positivas no combate a tal crime.

III – DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

Parece haver na sociedade internacional uma opinião

quase unânime sobre as vantagens da democracia na condução da

vida de seus cidadãos. Apesar disso, esse regime possui

vulnerabilidades (LAPSHINA, 2004) que devem ser entendidas para o

seu aperfeiçoamento.

O regime democrático parece, então, ser o modelo

encontrado por grande parte do planeta para regular as relações

entre o Estado e a sociedade que nele vive. Democracia, nas palavras

de Amanda JACOBY (2004), significa “abertura, respeito pelos direitos

individuais e liberdades, bem como obediência à regra da lei.”

Ekaterina LAPSHINA (2004) destaca que no regime democrático estão

inseridos valores como “soberania do povo, regra da maioria, direitos

protetores das minorias, igualdade diante da lei, limites

constitucionais impostos aos governos e liberdades civis.”

Democracia requer um Estado de Direito, um governo

que respeite as regras impostas a todos, que tenha limites. Consoante

professor Elias DIAZ6, o Estado de Direito necessita da obediência às

leis pelo próprio Estado, separação de Poderes que permitem um

controle independente de um sobre o outro (checks and balances), e

uma carta de direitos fundamentais protetora do direito das minorias.

Estas características dos regimes democráticos

influenciam o comportamento dos indivíduos e dos grupos terroristas.

São princípios que formam a nossa sociedade ocidental, que protegem

nossos cidadãos, que estabelecem uma imprensa livre, que garantem

liberdade às pessoas que aqui vivem, a liberdade à informação, mas

que podem ter efeitos de garantir maior permeabilidade e liberdade

também a grupos criminosos, oferecendo vantagens comparativas em

relação a outros regimes.

6 DÍAZ, Elías, Estado de Derecho y sociedad democrática, Ed. Taurus, Madrid, 1998, p. 44-56.

Assim, em um Estado que garante a liberdade e respeita

direitos fundamentais, há o ambiente propício para o estabelecimento

de comportamentos racionais por parte de grupos terroristas. Estes

analisarão se é vantajoso ou não estabelecer ações ilegais, se seus

atos terão a divulgação necessária pelos meios de comunicação, se

existirá facilidade no recrutamento de membros, se estabelecerão

canais de negociação com o governo estabelecido, se haverá

repercussão internacional acerca de suas ações, quais as dificuldades

legais que os organismos estatais de segurança enfrentam, se o

excesso de mecanismos judiciais de proteção dos indivíduos podem

favorecê-los também etc.

Há de se destacar que democracia possui diversos

entendimentos. O que para a sociedade ocidental é um regime

democrático pode não ser para uma cultura determinada e vice-versa.

Entretanto, esse relativismo, que, segundo este autor, deve ser

somente cultural, não político-jurídico, necessita de limites e,

atualmente, há consenso na utilização do termo Democracia a

Estados que possuem determinadas características como: alternância

no Poder pelos governantes eleitos pelo povo; sufrágio universal e

voto direto e secreto; divisão de poderes e a existência de uma carta

de direitos fundamentais que garantem ao cidadão a proteção efetiva

a seus direitos (MENDES, 2008).

BERKOWITZ (2007), ao analisar os argumentos do

jurista Ronald Dworkin, na obra Is democracy possible here?

Principles for a new political debate, destaca a fragilidade dos regimes

democráticos baseados numa definição curta deste termo, como

apenas vontade da maioria, deixando de lado o fato que essas

decisões da maioria devem estar de acordo com princípios morais e

de razoabilidade da sociedade. Esta tese reforça a definição

encontrada em MENDES (2008), em que democracia deve ter entre

seus componentes o respeito a direitos fundamentais inalienáveis e

intocáveis, ainda que pela maioria.

A proteção aos direitos humanos é fundamental em um

regime democrático. Essa garantia surge com a transição do Estado

absoluto para o Estado liberal, pós revolução francesa, em que os

indivíduos passaram a ter direitos inclusive frente ao Estado.

O conceito de direitos humanos é um conceito histórico

do mundo moderno7, que é semeado a partir da Paz de Westfalia

(1648)8, na Europa, em que se reconhece pela primeira vez o direito

de culto religioso, considerando as crenças luterana, calvinista e

católica iguais, e toma forma com a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1789), resultado da Revolução Francesa.

Portanto, o trato com esses direitos é recente, com não

mais de quatrocentos anos. Na história da humanidade esse lapso

temporal é insignificante, e demonstra a novidade do assunto. O mais

interessante, é que essas fases coincidem com a história das

sociedades ocidentais, de origem européia, sem qualquer menção às

experiências asiáticas, africanas, indígenas, indianas etc. Isso nos

introduze à afirmação de que os direitos humanos são uma

7 “no existe ninguna expresión en ninguna lengua antigua o medieval que pueda traducir correctamente nuestra expresión ‘derechos’ hasta cerca del final de la Edad Media: el concepto no encuentra expresión en el hebreo, el griego, el latín o el árabe, clásicos o medievales, antes del 1400 aproximadamente, como tampoco en inglés antígo, ni en el japonés hasta mediados del siglo XIX por lo menos. Naturalmente de esto no se sigue que no haya derechos humanos o naturales sólo que hubo una época que nadie sabía que los hubiera.” (MACINTYRE, Alasdair. Tras la virtud. Editorial Crítica:Barcelona, 1987, p. 95). 8 O Tratado de Paz de Westfália pôs fim à guerra dos 30 anos na Europa, afirmando a soberania dos Estados Nacionais nas relações internacionais e pregando o respeito aos assuntos internos de cada Estado (assuntos domésticos). Atualmente, principalmente pós 11 de setembro de 2001, esse princípio de não-interferência tem sido afastado pelo poder bélico de algumas potências. Um aspecto positivo da superação desse princípio é encontrado no caso de intervenções humanitárias e de casos de jurisdição universal

formulação da cultura ocidental, eurocêntrica. O conceito de direitos

humanos é construído a partir da transição da sociedade mundial à

modernidade - um conceito recente -, bem como é invenção da

cultura ocidental.

O terrorismo explora, sem dúvida, algumas contradições

do regime democrático9, especialmente a proteção existente a direitos

e liberdades individuais. Parece haver um conflito que as democracias

devem enfrentar, que se apresenta na necessidade e obrigação dos

Estados em protegerem seus habitantes, mas sempre respeitando

determinados direitos individuais que estes possuem. Quando

sobrepor a necessidade de segurança a um direito individual?

A guerra contra o terror, anunciada e perpetrada pela

administração George W. Bush nos EUA seguramente enfrentou este

dilema, com medidas extremas de retirada de liberdades civis que

“afetaram o status norte americano de democracia e enfraqueceram

este modelo.” (CAROTHERS, 2004).

ANDERSON (2006) destaca que o combate ao terrorismo

encontra dificuldades na democracia estadunidense por causa de

dificuldades na relação entre os Poderes e o excesso de mecanismos

de proteção aos cidadãos, que devem ser mitigados ou flexibilizados

nos casos de terroristas. JACOBY (2004), ao analisar o caso da

democracia canadense, ressalta que o combate ao terrorismo é

diferente nos Estados democráticos e não-democráticos. O uso da

força naqueles Estados é muito mais controlado do que nos regimes

não-democráticos. 9 A democracia não é um modelo pronto, acabado e garantido. Merece menção as palavras do ex—presidente dos EUA Jimmy Carter no parlamento indiano em 1978, asseverando que “a experiência da democracia é como a experiência da vida – sempre mudando, infinita em variedades, algumas vezes turbulenta, mas com um grande valor por ser testada em momentos de adversidade.”

IV – DEMOCRACIA E VULNERABILIDADES

Nos regimes democráticos podemos concluir a existência

das seguintes liberdades ou direitos humanos que merecem efetiva

proteção estatal:

a) separação de Poderes, com controle de um Poder

sobre o outro (checks and balances);

b) diminuição da força do Poder Executivo (a fim de

evitar o executivismo), com controle real existente

pelos Poderes Legislativo e Judiciário;

c) necessidade de pelo menos haver consenso da

maioria para o empreendimento de atos de

governo;

d) proteção efetiva a direitos fundamentais individuais,

como integridade física (proibição da tortura),

devido processo legal, liberdade de comunicação,

correspondência, liberdade de ir e vir, necessidade

de controle judicial das investigações policiais;

e) garantia da livre iniciativa e liberdade econômica.

Consoante DELLA PORTA (1990), o aparecimento de

grupos terroristas é fomentado por fatores de interesses, ideologias e

táticas. Primeiro, representam esses grupos interesses coletivos, ou

pensam que representam, especialmente de sociedades

marginalizadas ou pobres. Possuem uma ideologia que pode situar-se

em um ambiente de violência, como justificativa para libertação

dessas sociedades, principalmente como forma de chamar a atenção

da mídia. Atuam, portanto, no submundo de uma civilização, na

ilegalidade, por violarem regras de direito estabelecidas pelo

establishment. Por fim, possuem esses grupos uma estratégia

específica, utilizando táticas diversas para a conquista do poder ou

para o estabelecimento de determinada pressão, sendo o terrorismo

uma dessas táticas.

A atividade terrorista necessita, então, de determinados

fatores para ser bem sucedida ou para ter a possibilidade de ser

materializada na forma de atentados, como apresentados por DELLA

PORTA no parágrafo anterior, que de forma mais especifica poderiam

ser os seguintes:

a) fontes de financiamento;

b) liberdade de recrutamento e convencimento para a

participação nessas organizações;

c) velocidade no empreendimento de suas ações;

d) liberdade de circulação de seus membros;

e) liberdade para obtenção de recursos materiais a serem

utilizados em ações terroristas;

f) garantia de segurança e privacidade nas comunicações

efetuadas entre os membros dessas organizações;

g) liberdade e facilidade na troca de alvos potencialmente

protegidos pelo Estado;

h) liberdade de reunião;

i) divulgação dos seus atos pela Mídia;

j) possibilidade de negociar com determinado governo;

k) liberdade para conseguir informações.

BORAZ e BRUNEAU (2006), no trabalho Democracy and

Effectiveness, destacam a dificuldade em atingir a efetiva proteção

dos membros de determinado Estado democrático pela contradição

entre algumas liberdades deste regime e os métodos de inteligência e

investigação, que primam pelo controle e proteção da informação.

Assim, a liberdade de informação torna o Estado mais vulnerável, mas

é uma garantia essencial à democracia moderna.

A recente Guerra contra o Terror, perpetuada pela

superpotência do planeta colocou na berlinda alguns princípios

democráticos em nome da efetiva proteção dos cidadãos daquele

Estado. Argumentaram, seus lideres, que não havia como proteger

realmente o território estadunidense sem a mitigação de algumas

liberdades. Portanto, nota-se que existe um conflito real, debatido

amplamente nos últimos anos, em torno do binômio

segurança/liberdade10.

Mister afirmar neste momento que, entre 1984 e 1990,

consoante fonte do Departamento de Estado dos EUA, atentados

terroristas ocorrem tanto em regiões democráticas como em regiões

não democráticas ao redor do mundo. Nesse sentido, pode-se

visualizar no gráfico abaixo, demonstrando a existência grave de

atentados terroristas em todas as partes do globo, sejam

democráticas ou não.

10 Merece destaque o trabalho de Kenneth Anderson, intitulado Law and Terror, 2006, em que o autor defende a institucionalização de um sistema de exceção legal para o combate ao terrorismo.

Fonte: US State Department

Assim, poder-se-ia inserir aqui que existem

vulnerabilidades em qualquer regime, seja democrático, seja não

democrático. Não se discorda dessa idéia. Não se está perquirindo

qual regime seria melhor ou pior para o enfrentamento do terror

global, mas apenas desejando inserir neste momento que nas

democracias existem fraquezas exploradas pelos grupos terroristas e

quais fraquezas seriam estas. Certamente nos regimes autoritários as

vulnerabilidades existem, possivelmente bem diversas das existentes

nos regimes democráticos, mas igualmente facilitadoras das práticas

ilegais desses movimentos.

V – SEGURANÇA E LIBERDADE DESDE UMA PERSPECTIVA ECONÔMICA.

Nas democracias, como visto anteriormente, existem

mecanismos de proteção a grupos e a indivíduos, chamados

liberdades civis, garantias ou direitos fundamentais, que permitem a

ação racional de organizações terroristas, comportamento que se

assemelha ao de um consumidor, o que permite um estudo do ponto

de vista econômico. Conseguem estes grupos maximizar suas ações

com a racionalização de seus recursos, beneficiados pelas garantias

existentes nos regimes democráticos, como já mencionado.

Podem os Estados dificultar essas ações, aumentando os

custos ou reduzindo os ganhos desses grupos criminosos. Não

obstante, essas medidas estatais estarão certamente acompanhadas

de críticas pelo fato de também mitigarem ou eliminarem direitos ou

liberdades individuais. A seguir serão analisadas algumas medidas

políticas que mexem nessa equação, podendo motivar ou não atos de

grupos terroristas.

Uma primeira medida governamental poderia ser a

eliminação do diálogo com movimentos insurgentes. Este ato de não

dialogar certamente vai na direção contrária aos princípios

democráticos, mas possui uma justificativa bem razoável, que é o fato

de o Estado ter que respeitar o Direito (rule of law), não podendo

aproximar-se de movimentos criminosos, contrários ao Direito.

Movimentos insurgentes possuem a opção de utilizarem

caminhos legais e não legais. A partir do momento em que governos

se recusem a negociar ou a dialogar com esses grupos, os custos de

dissenso são rebaixados motivando esses grupos a seguirem o

caminho da ilegalidade.

Os Estados necessitam de medidas para o combate a

ilegalidade ou ao crime. Esses atos visam à proteção de alvos

potencialmente desejados por terroristas. Considerando a liberdade

de circulação, de movimentação financeira, o sigilo das

correspondências, sigilo da fonte, liberdade de informação, liberdade

de associação, liberdade de ofício, entre outros, que são garantias e

direitos previstos naáas cartas constitucionais de Estados

democráticos, os custos para substituição de meios no cometimento

de atentados pode-se mostrar reduzido, pelas amplas liberdades de

ações garantidas a indivíduos ou a grupos nessas nações.

Esse fato também aumenta muito os custos dos Estados

democráticos na proteção de seus alvos. Proteção de aeroportos, de

estadas, de reservas de água, de alimentos, monitoramento dos

meios de comunicação, aumento dos efetivos policiais, aumento dos

gastos em infra-estrutura etc. incrementam em muito as despesas

dos Estados com o intuito de evitar atos de grupos terroristas. Muitas

vezes os custos dessas medidas superam os danos gerados em

atentados terroristas, há de se mencionar.

A liberdade de imprensa talvez seja uma das garantias

mais respeitadas e protegidas nos regimes democráticos. Por sua vez,

a divulgação mediática é certamente o objetivo buscado por grupos

terroristas quando perpetuam atentados. Nota-se um grave conflito,

entre segurança e liberdade neste momento. Essa liberdade torna o

custo de propaganda de um grupo terrorista praticamente nulo, ou

seja, não existem gastos com divulgação de atos terroristas,

assumidos integralmente pelos canais de comunicação sob a proteção

das leis do Estado vítima.

A liberdade de imprensa, bem como a liberdade de

associação, de reunião, de circulação, de pensamento, protegem e

garantem o recrutamento de jovens para atividades terroristas. Essas

garantias presentes nos Estados democráticos diminuem os custos

dos atentados. Quanto mais simpatizantes e recrutados, mais baratos

os atentados, especialmente pela desnecessidade de sacrifício da

estrutura base de determinado grupo (BRAUER, 2002). Suicídas são

considerados meios praticamente sem valor econômico nestas

organizações, principalmente por que não recebem pagamento,

motivados unicamente por uma causa.

A garantia da inviolabilidade dos domicílios também

reduz os custos de organizações terroristas, pois estes planejam,

organizam-se dentro de suas casas de forma gratuita, sem a

necessidade de proteção de câmeras, seguranças etc. A

inviolabilidade das correspondências faz com que a utilização da

internet, via provedores gratuitos de correios eletrônicos, de livre

utilização nas democracias, reduzam em muito os custos de

comunicação de grupos criminosos.

Inviolável é o sigilo das transações financeiras.

Movimentações bancárias, cartões de crédito, cheques etc. são

facilidades criadas e incentivadas nos regimes democráticos, pelo fato

de possibilitarem maior liberdade aos cidadãos. Entrentanto, podem

ser utilizadas de forma a baixar os custos dos grupos criminosos, que

se aproveitam desses benefícios postos à disposição daqueles que

vivem nos Estados democráticos.

VI – CONCLUSÕES

A democracia, como uma instituição que regula as

relações entre o povo e determinado governo, não vai desaparecer,

ainda que haja um crescimento abrupto da violência. O motivo parece

ser simples: são pelo menos quatrocentos anos de prática

democrática nas sociedades ocidentais sem que tenha surgido forma

melhor para controlar essa relação.

O aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção do

regime democrático parece ser o melhor caminho nessas sociedades,

buscando o equilíbrio entre liberdade e segurança. A vida moderna

permitiu diversos incrementos na qualidade de vida das pessoas, mas

também permitiu o avanço de novas técnicas para o cometimento de

delitos.

Do ponto de vista econômico, esse equilibrio pode ser

atingido pelas sociedades modernas a partir de uma revisão ampla de

preceitos considerados dogmas atuais. Liberdades e direitos são

fundamentais em qualquer Estado livre, mas não devem ser

absolutos, sob pena de contrariarem a lógica econômica existente em

qualquer delito.

Não se está pregando um Estado absoluto ou repressivo,

mas um Estado com ferramentas legais e sob o controle dos órgãos

previstos nestas leis para a defesa da sociedade. É função do Estado a

proteção de seus cidadãos, mas para isso deve utilizar mecanismos,

entre eles os econômicos, que buscam aumentar os custos das

atividades criminosas ou reduzir seus benefícios.

A defesa de uma liberdade não pode ser extremista ou

desassociada de racionalidade. O indivíduo merece a proteção

necessária para garantir sua privacidade. Entretanto, também a

sociedade deve gozar de uma forma geral de proteção, contra

determinados indivíduos, que escondem suas ações criminosas

protegidos por garantias absolutas.

O terrorismo explora, seguramente, essas contradições

entre liberdades e segurança presente nas democracias modernas. O

estilo de vida atual necessita de mecanismos de privacidade contra os

avanços tecnológicos que proporcionam melhorias nas comunicações,

transporte etc. Mas esses mecanismos de proteção não podem ser

absolutos, devem, em situações de exceção, serem mitigados,

reduzidos e, algumas vezes, abolidos, com o intuito de proteger um

bem maior, coletivo.

A preocupação com os excessos e praticas adotadas

pelos Estados na contenção do terror, por intermédio de medidas

coercitivas, merece destaque nas democracias. Não há de se falar em

inexistência de medidas de contenção, isso seria o fim do Estado

democrático por meio de suas vulnerabilidades. IGNATIEFF (2004)

propõe que as medidas coercitivas devam passar em alguns testes

para serem condizentes com princípios democráticos. Assim também

entende este autor que devam as medidas econômicas de contenção

do terror funcionar, respeitando:

a) respeita a dignidade das pessoas? Seriam vedadas a

tortura, escravidão etc.;

b) viola regras de nossa herança institucional? Como

exemplo, não seriam permitidas violações a direitos antigos como o

habeas corpus etc.;

c) são efetivas? Analisar o custo e beneficio, verificando

se os gastos não seriam maiores na contenção do que os resultantes

do atentado, por exemplo;

d) existem outras medidas menos rigorosas e tão

efetivas quanto? Sempre buscar os meios menos severos primeiro;

e) seria banida por algum órgão institucional? No caso

de medidas facilmente cassadas pelas Cortes e pelo Ministério Publico.

BIBLIOGRAFIA

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