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RESUMO As técnicas de derivação gástrica constituem o grupo de cirurgi- as bariátricas mais realizadas atualmente no mundo. A derivação gástrica laparoscópica com anel tem sido descrita como uma modificação segura destas técnicas, cujos resultados pretendem ser superiores à anterior em termos de perda e estabilidade ponderal, além de redução das complicações peri-operatórias. O objetivo desta descrição é mostrar a evolução tática nesta abor- dagem cirúrgica, que permitiu uma padronização segura e reprodutível do procedimento. São discutidos alguns aspectos sobre os mecanismos de perda e manutenção ponderal, além dos resultados obtidos com essas alterações. Descritores: Anastomose em-Y Roux; Derivação gástrica/méto- dos; Laparoscopia/métodos; Obesidade/cirurgia; Perda de peso ABSTRACT The techniques of gastric derivations constitute the group of bariatric surgeries more accomplished now in the world. The Laparoscopic Silastic Ring Gastric Bypass has been described as a safe modification of these techniques, whose results intend to be superior to the previous in weight loss and long-term stability, besides reduction of the peri-operative complications. The objective of this description is to show the tactical evolution in this surgical approach, that allowed a safe standardization and easer learn of the procedure. Some aspects are discussed on the weight loss mechanisms and maintenance, besides the results obtained with those alterations. Keywords: Anastomosis, Roux-en-Y; Gastric bypass/methods; Laparoscopy/methods; Obesity/surgery; Weight loss INTRODUÇÃO A técnica da gastroplastia com anel seguida de Deri- vação Gástrica em "Y de Roux" (DGYR) ganhou for- ça com as publicações de Fobi (1) em 1989 e Capella (2) em 1991. Garrido, AB (3) introduziu a técnica no Brasil em 1995, por laparotomia. A partir da descrição da Derivação Gástrica laparoscópica em 1994 por Wittgrove, A, diversas modificações foram propostas incluindo-se a colocação do anel, variações na técnica da anastomose e na estratégia cirúrgica. Diversos ci- rurgiões adotaram tais procedimentos laparoscópicos com anel, como Marema, R, de Paula, A, Szego, T e Ramos, A. MECANISMOS DE FUNCIONAMENTO O objetivo dessa cirurgia é proporcionar sensação precoce de saciedade, através da confecção de um novo reservatório gástrico de volume bastante reduzido, so- mado aos efeitos causados pela reconstrução do trân- sito em "Y de Roux". A presença de uma alça de del- gado interposta entre o novo reservatório e o estôma- go remanescente tem a função de evitar fistulizações espontâneas tardias do tipo gastro-gástrica (4). Classifi- cada pela Federação Internacional de Cirurgia da Obe- sidade (IFSO) como técnica do tipo “mista”, ou seja, restritiva e malabsortiva, assim permanece até hoje, embora esta última ação ainda demande melhores es- clarecimentos. Após as publicações por Cummings (5) em 2002 sobre a fisiologia do hormônio Ghrelina, pas- sou-se a compreender um pouco mais sobre os meca- nismos de funcionamento destas cirurgias. Assim, o que era tido inicialmente como um processo de modifica- ção anatômica quase que exclusivamente, começou a ser entendido como rearranjo de ordem metabólica. Mesmo antes da descoberta da Ghrelina, já se pensava no papel que outros hormônios e peptídeos intesti- * Cirurgião Geral e Bariátrico – Piracicaba (SP), Brasil. Autor correspondente: Irineu Rasera Junior - Av. Com. Luciano Guidotti 133 apto 22 - Higienópolis - CEP 13424-540 - Piracicaba (SP), Brasil - Tel.: 19 3426-6375 - e-mail: [email protected] Derivação gástrica em "Y de Roux" Roux-en-Y gastric bypass Irineu Rasera Junior * einstein. 2006; Supl 1: S97-S102 ASPECTOS CIRÚRGICOS

Derivação gástrica em Y de Roux

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Page 1: Derivação gástrica em Y de Roux

RESUMOAs técnicas de derivação gástrica constituem o grupo de cirurgi-as bariátricas mais realizadas atualmente no mundo. A derivaçãogástrica laparoscópica com anel tem sido descrita como umamodificação segura destas técnicas, cujos resultados pretendemser superiores à anterior em termos de perda e estabilidadeponderal, além de redução das complicações peri-operatórias. Oobjetivo desta descrição é mostrar a evolução tática nesta abor-dagem cirúrgica, que permitiu uma padronização segura ereprodutível do procedimento. São discutidos alguns aspectossobre os mecanismos de perda e manutenção ponderal, além dosresultados obtidos com essas alterações.

Descritores: Anastomose em-Y Roux; Derivação gástrica/méto-dos; Laparoscopia/métodos; Obesidade/cirurgia; Perda de peso

ABSTRACTThe techniques of gastric derivations constitute the group ofbariatric surgeries more accomplished now in the world. TheLaparoscopic Silastic Ring Gastric Bypass has been described asa safe modification of these techniques, whose results intend tobe superior to the previous in weight loss and long-term stability,besides reduction of the peri-operative complications. The objectiveof this description is to show the tactical evolution in this surgicalapproach, that allowed a safe standardization and easer learn ofthe procedure. Some aspects are discussed on the weight lossmechanisms and maintenance, besides the results obtained withthose alterations.

Keywords: Anastomosis, Roux-en-Y; Gastric bypass/methods;Laparoscopy/methods; Obesity/surgery; Weight loss

INTRODUÇÃOA técnica da gastroplastia com anel seguida de Deri-vação Gástrica em "Y de Roux" (DGYR) ganhou for-

ça com as publicações de Fobi(1) em 1989 e Capella(2)

em 1991. Garrido, AB(3) introduziu a técnica no Brasilem 1995, por laparotomia. A partir da descrição daDerivação Gástrica laparoscópica em 1994 porWittgrove, A, diversas modificações foram propostasincluindo-se a colocação do anel, variações na técnicada anastomose e na estratégia cirúrgica. Diversos ci-rurgiões adotaram tais procedimentos laparoscópicoscom anel, como Marema, R, de Paula, A, Szego, T eRamos, A.

MECANISMOS DE FUNCIONAMENTOO objetivo dessa cirurgia é proporcionar sensação

precoce de saciedade, através da confecção de um novoreservatório gástrico de volume bastante reduzido, so-mado aos efeitos causados pela reconstrução do trân-sito em "Y de Roux". A presença de uma alça de del-gado interposta entre o novo reservatório e o estôma-go remanescente tem a função de evitar fistulizaçõesespontâneas tardias do tipo gastro-gástrica(4). Classifi-cada pela Federação Internacional de Cirurgia da Obe-sidade (IFSO) como técnica do tipo “mista”, ou seja,restritiva e malabsortiva, assim permanece até hoje,embora esta última ação ainda demande melhores es-clarecimentos. Após as publicações por Cummings(5)

em 2002 sobre a fisiologia do hormônio Ghrelina, pas-sou-se a compreender um pouco mais sobre os meca-nismos de funcionamento destas cirurgias. Assim, o queera tido inicialmente como um processo de modifica-ção anatômica quase que exclusivamente, começou aser entendido como rearranjo de ordem metabólica.Mesmo antes da descoberta da Ghrelina, já se pensavano papel que outros hormônios e peptídeos intesti-

* Cirurgião Geral e Bariátrico – Piracicaba (SP), Brasil.

Autor correspondente: Irineu Rasera Junior - Av. Com. Luciano Guidotti 133 apto 22 - Higienópolis - CEP 13424-540 - Piracicaba (SP), Brasil - Tel.: 19 3426-6375 - e-mail: [email protected]

Derivação gástrica em "Y de Roux"Roux-en-Y gastric bypass

Irineu Rasera Junior*

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nais poderiam desempenhar em situações de deriva-ções gastro-duodenais, como o Glucagon-like peptí-deo I (GLP-I), Polipeptídeo YY (PYY), entre outros(6-7).Porém, a diminuição dos níveis de Ghrelina no pós-operatório(5,8-10) como resultado da exclusão do fundogástrico do trânsito alimentar, parece ter papel rele-vante. Entre seus efeitos podemos citar a diminuiçãoda fome referida pelos pacientes operados, fato esseque já nos chamava a atenção mesmo antes da desco-berta do hormônio. Mesmo não tendo ainda toda suafisiologia elucidada, a Ghrelina é um marco importan-te na história desta cirurgia, sendo diferencial em re-lação a outros procedimentos, exclusivamente restriti-vos ou que mantém o fundo gástrico no trânsito ali-mentar, não apresentando redução em seus níveisséricos em comparação aos não operados(9). Nesta linhade raciocínio, hoje podemos entender que muito dosefeitos da reconstrução em “Y de Roux” se devem aofato de haver derivação gástrica e duodenal, associadoa uma sinalização mais precoce(6-7) do GLP-I e PYY pelachegada rápida de alimentos em uma porção mais distaldo intestino delgado. Como efeitos principais, temos aestimulação do centro da saciedade e a pronta reversãodo ciclo maligno da Síndrome Metabólica.

O PREPARO PARA CIRURGIAOs pacientes candidatos à gastroplastia são aten-

didos em primeira consulta com o cirurgião, adotan-do-se os critérios internacionalmente aceitos para in-dicação cirúrgica. São submetidos à rotina de exameslaboratoriais e interconsultas médicas, além das ava-liações e orientações da equipe multidisciplinar. To-dos atendem à rotina do consentimento informado.Recebem antibioticoterapia profilática comCefazolina, além de profilaxia anticoagulante comenoxiparina 40mg, 2 horas antes da cirurgia e manti-da durante a internação hospitalar. Em situações ex-cepcionais é prolongada conforme orientação do ci-rurgião vascular. Anestesia geral endovenosa, isola-da ou combinada, não se utilizando bloqueios regio-nais. Analgesia pós-operatória controlada pelo pa-ciente (PCA) é uma opção dos mais variados serviçosde analgesia pós-operatória. No pós-operatório ime-diato, o paciente é recebido na sala de recuperaçãopós-anestésica, onde permanece por 3 horas em mé-dia. Na enfermaria é estimulado a deambular comauxílio, caminhando da maca de transporte ao leito eao toalete. Permanece em jejum por 24 horas. A se-guir é orientado a iniciar ingesta de água, água-de-côco e isotônicos (exceto diabéticos, hipertensos gra-ves e nefropatas). Fisioterapia respiratória é admi-nistrada duas vezes ao dia. Dieta líquida sem resídu-

os é introduzida no segundo dia de pós-operatório.Alta hospitalar após dieta, com inibidor de bomba deprótons por 30 a 60 dias. Orientado a ingestão contí-nua e diária de polivitamínicos via oral.

DA LAPAROTOMIA PARA LAPAROSCOPIA Nossa experiência laparoscópica começou com a

derivação gástrica sem anel, como proposto por Higa(11).Nesta fase ainda não havia a padronização da técnicacom anel por esta via. Paralelamente, a cirurgia comanel por laparotomia seguia com resultados consisten-tes. Assim, naturalmente ocorreu a transição. Descre-veremos a seguir cada passo, desde a técnica inicial atéa atual com anel, justificando as modificações.

POSIÇÃO DOS PORTAISInicial: 05 portais, sendo um supraumbelical para a

câmera, um subxifoideo 5mm para afastamento do fí-gado, um de 12mm no hipocôndrio direito (HCD) li-nha hemiclavicular, 2 de 12mm no hipocôndrio esquer-do (HCE) nas linhas hemiclavicular (LHC) e axilaranterior (LAA).

Atual: 06 portais, sendo um umbelical ou supraum-belical, conforme o biotipo, para a câmera; 2 no HCD,sendo um de 5mm na LHC e outro de 12mm quase nalinha média; um subxifoideo 5mm; 2 no HCE, sendoum de 12mm na LHC e outro com 5mm na LAA.

Modificações: Pelo fato do cirurgião trabalhar àdireita do paciente, a colocação de 02 portais no HCDpermite melhor ergonomia na realização das suturas eno grampeamento. Uma ótica mais longa, com 50cm e45 graus permitiu o acesso transumbelical. O portal daLAA do HCE pode ser de 5mm, pois não utiliza pin-ças de 12mm, nem o grampeador, e pode ser utilizadocomo orifício para saída do dreno.

POSIÇÃO DO PACIENTEInicial: Em poucos casos iniciais, adotamos operar

entre as pernas do paciente (à francesa). Logo depoispassamos à lateral direita. Durante o procedimento,mudava-se a inclinação da mesa conforme as necessi-dades dos tempos cirúrgicos.

Atual: Cirurgião à direita do paciente. Mesa o tem-po todo em Trendelemburg reverso.

Modificações: Nem sempre é fácil ou seguroposicionar o paciente superobeso para se operar entreas pernas. Exige mesas especiais com perneiras apro-priadas. A padronização da tática cirúrgica permitiumanter o Trendelemburg reverso durante todo o pro-cedimento.

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TÁTICA DA ABORDAGEMInicial: A escolha da primeira abordagem, estôma-

go ou "Y de Roux", era aleatória. Quase sempre seoptava em deixar as anastomoses entéricas prontasantes de se iniciar o grampeamento gástrico.

Atual: Primeiro a confecção do reservatório gástri-co, anel e anastomose gastro-jejunal. A seguir, ente-roanastomose e, por último, a secção da alça.

Modificações: Essas modificações foram essenciaisna nova padronização. Permitiram que toda a cirurgiafosse realizada no andar supramesocólico, com a mesasempre na posição de Trendelemburg reverso.

CONFECÇÃO DO RESERVATÓRIO GÁSTRICOInicial: Grampeamento a partir da pequena cur-

vatura, em direção e sentido da grande curvatura, abai-xo do segundo vaso, após dissecção cuidadosa até vi-sualização da bolsa omental. segue com grampeamentoparalelo à sonda orogástrica, um Fouchetpds ethic 11,até finalizar junto ao cárdia. Podem-se utilizar os doisportais mais mediais de 12mm. Geralmente eram ne-cessárias 3 ou 4 disparos de 45mm (ou equivalente)no total.

Atual: Mesma técnica, porém utilizando-se 4 ou 5disparos.

Modificações: Confeccionar o novo reservatóriogástrico um pouco mais longo facilita a colocação doanel numa distância segura da anastomose gastro-jejunal. A sobresutura da linha de grampos, tanto noestômago excluso quanto na neocâmara gástrica,invagina a linha cruenta, previne eventuais falhas degrampeamento, fixa o anel evitando-se o deslizamen-to ou rotação do mesmo e evita aderências.

ANASTOMOSE GASTRO-JEJUNALInicial: Anastomose manual, em dois planos, com

fio de polydioxanone 3-0. Antes da sutura da paredeanterior, passava-se a sonda para alça, calibrando-se aanastomose.

Atual: Anastomose com grampeador linear, na pa-rede lateral do reservatório. Passa-se a sonda para a alça.Fechamento em dois planos com polydioxanone 3-0.

Modificações: Também foi determinante na nova pa-dronização. Ficou mais rápida, mais reprodutível para quemse inicia na técnica. A incidência de complicações de anas-tomose – fístulas e estenoses – foi reduzida ao mínimo.

RECONSTRUÇÃO DO TRÂNSITOInicial: "Y de Roux" à 30cm do Treitz, com 100cm

de extensão. Alça retrocólica retrogástrica.

Atual: "Y de Roux" à 40cm do Treitz, com 150cmde extensão. Até 200cm para superobesos. Alçaantecólica e antegástrica.

Modificações: Parece não haver diferenças signi-ficativas nos resultados quando se usa alças de 75ou 150cm em pacientes com IMC menor que 50Kg/m². Parece haver maior perda ponderal quando seusa alças de 200cm para IMC maior que 50, numacomparação entre alças de 75 e 200cm(12-13). Opta-mos por 200cm. O posicionamento antecólico da alçatambém agilizou o procedimento, evita o risco detorção da alça e pode diminuir a incidência futurade hérnias internas.

DRENAGEM DA CAVIDADEInicial: em todos os casos, com dreno laminar

exteriorizdo no HCE.Atual: a rotina permanece em todos os casos, com

dreno túbulo-laminar à vácuo (modelo Blake® 19Fcom reservatório J-Vac®).

Modificação: A drenagem sero-hemática ficou maiseficiente. Também permitiu a identificação precoce defístulas de baixo débito e controle clínico de grandesdébitos hemorrágicos(14-15).

OUTROS ASPECTOSGastrostomia: Não realizada de rotina.Tamanho de grampos: Cargas azuis, com fechamen-

to de 1,5mm, podem ser usadas praticamente em to-das as anastomoses. Cargas brancas, vasculares, comfechamento de 1,0mm, são usadas com freqüência nasanastomoses entéricas com a finalidade de se evitarsangramentos na linha de sutura, desde que as alçasnão sejam demasiadamente espessas. Cargas verdes,com fechamento de 2,0mm, podem ser usadas em si-tuações de estômago espesso, como pós retirada debalão intra-gástrico.

Anel: Confeccionado a partir de Silastic com 6,2 a6,5 cm de comprimento, dentro do qual um fio depoliéster 2-0 é utilizado para o fechamento.

PERDA PONDERAL PÓS-OPERATÓRIADurante o primeiro mês ocorre a perda ponderal

mais rápida, sendo 9,5% em média. Segue-se um ema-grecimento continuo e decrescente, até por volta de12 meses, quando atinge valores acima de 70% do ex-cesso de peso, em média. A tendência é pela estabili-dade a longo prazo, com pequena recuperaçãoponderal lenta após 24 meses. A Tabela 1 pode serreferência da evolução ponderal de técnicas similares.

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COMPLICAÇÕESCapítulo a parte em cirurgia bariátrica, merecem

destaque os sinais precoces de complicações intrab-dominais-taquicardia e taquipnéia - prenúncio deevoluções catastróficas na ausência de condutas pre-cisas e rápidas. Dor abdominal incessante no tercei-ro dia após cirurgia laparoscópica também indicadesvio da normalidade. A observação atenta do pa-ciente que refere não estar se sentindo bem, o exa-me físico minucioso, a coloração do dreno e a reali-zação de exames complementares simples, como aradiografia de tórax para pesquisa de coleção pleu-ral esquerda, compõem a base diagnóstica rápida deuma complicação precoce.

A incidência de complicações precoces e tar-dias aparece com variação grande nas revisões de li-teratura, embora ainda assim, dentro de níveis bai-xos. Em recente revisão de Schneider (18), foram des-critas as complicações de derivações sem anel por 11cirurgiões. As fístulas tiveram incidência entre 0 e5,1%, a estenose entre 1,6 e 27%, as úlcerasanastomóticas 0 a 10%, as hérnias internas 0 a 2,6%,a embolia pulmonar 0 a 3,3%. A mortalidade varioude 0 a 3,3%. Fobi(16) relata, em seguimento maior de10 anos nas cirurgias por laparotomia, fístulas em1,6% dos casos, estenose 2%, embolia pulmonar0,85%, migração do anel 2,5% e 0,44% de mortali-dade com menos de 30 dias. Em nossa experiênciaas complicações se limitam a duas fístulas (1,6%) euma perfuração de delgado (0,8%). Não houve mor-talidade, nem complicações como estenose de anas-tomose ou migração do anel nesta série até o mo-mento. Foram necessárias duas conversões em ho-mens superobesos.

DISCUSSÃODentro das opções cirúrgicas para controle da obe-

sidade mórbida, a técnica do bypass gástrico se mostrapreferencialmente elegível. Séries históricas com lon-go seguimento(19) e inúmeras publicações com resulta-

dos reprodutíveis, mostrando bom equilíbrio na rela-ção riscos/benefícios, tornam-a atrativa aos cirurgiõese pacientes. A perda ponderal é satisfatória, bem comoa estabilidade a longo prazo, sendo suficientes comfolga para o controle das comorbidades(19). Indicaçõespara adolescentes e portadores de síndromes com re-tardo mental vem sendo relatadas com freqüência cres-cente. Os índices de perdas ponderais consideradas in-suficientes pelos cirurgiões e pelos próprios pacientesestá em torno de 3%(16-17), quase sempre associadas aobinômio dieta-hipercalórica/sedentarismo-excessivo.Perdas ponderais insuficientes associadas a uma con-dição de falha na técnica cirúrgica são relatadas comfreqüência bem menor. A incidência de complicaçõesgraves é baixa, reduzindo-se ao fluir da padronizaçãoe experiência. Considere-se ainda, a ausência da ne-cessidade de ajustes e de conseqüências indesejáveiscomo alterações do odor e da freqüência evacuatória.Reflexo destas características, a derivação gástrica ocu-pa o primeiro lugar no mundo entre as técnicas para ocontrole do peso, com 65,1% do total, incluindo-seabertas e laparoscópicas(20). Ao se presumir que aindanão há uma cirurgia ideal, a derivação gástrica é a queatualmente melhor preenche os critérios de aceitabili-dade de uma técnica.

A derivação gástrica laparoscópica vem apresentan-do resultados superiores em comparação ao aberto emrelação à dor pós-operatório, perdas sanguíneas, tem-po de internação hospitalar e de recuperação das ati-vidades habituais(21-22). Pode-se também citar a incidên-cia quase nula de infecções de parede e hérniasincisionais. O aspecto estético é significante para umgrupo especial de pacientes, na sua maioria mulheresjovens, principalmente com distribuição de obesidadetipo coxo-femoral. Como desvantagem principal pode-se citar os custos dos materiais, que numa primeiraanálise causaria um maior impacto financeiro imedia-to, embora as planilhas que levam em consideração osbenefícios diretos e indiretos, a curto e médio prazos,da abordagem mini-invasiva, mostrem o oposto(23).

A aquisição de habilidades para a realização dobypass gástrico videolaparoscópico com segurança eeficácia demanda treinamento e tutoração acima damédia necessária para outros procedimentos em gas-troenterologia cirúrgica. Embora ainda não exista umaestratégia padrão de treinamento, um cirurgião caute-loso que se inicia neste campo procurar eleger pacien-tes mais favoráveis à técnica laparoscópica, como mu-lheres, com IMC não superior a 50, distribuição degordura coxo-femoral e sem cirurgias abdominais pré-vias. Ter treinamento prévio em laboratório com ani-mais e a presença de um tutor experiente em camposão medidas inteligentes e éticas. Não há evidências

Tabela 1 - Perda percentual do excesso de peso

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que, atualmente, seja necessário se habilitar na técni-ca aberta antes da laparoscópica, mas também devefazer parte do rol de domínios. A humildade e o espí-rito de aprendizado por parte do cirurgião iniciantepreservam o paciente e a reputação do procedimento.Morbi-mortalidade e tempo operatório diminuem coma experiência do cirurgião. A evolução da chamadacurva de aprendizado fica mais rápida para cada novageração de cirurgiões, principalmente dentro da mes-ma equipe(25).

Com igual esforço investido na técnica cirúrgica, ocirurgião precisa da vivência do trabalho em equipemultidisciplinar. A premissa de que um paciente bemorientado no pré-operatório tem um pós-operatóriocom melhor evolução é tida com válida por cirurgiõesexperientes. Isto é especialmente considerado quandoo tema é perda ponderal insuficiente ou recuperaçãoparcial e significativa do peso. Medidas que objetivemmanter os pacientes dentro de um programa bariátrico,com seguimento programado são recomendadas. Asrevisões cirúrgicas bariátricas são associadas a índiceselevados de morbi-mortalidade(16,26). Em pós-operató-rio de derivação gástrica, o alongamento das alças do"Y de Roux" no sentido de se causar malabsorção, temresultados discutíveis em relação à segurança e eficá-cia. Os procedimentos de troca ou revisão do anel tam-bém apresentam grau elevado de dificuldade em umpaciente que pouco peso perdeu.

Lentificar o esvaziamento do novo reservatóriogástrico, proporcionando saciedade com menorquantidade de alimentos, com conseqüente maiorperda ponderal e melhor estabilidade a longo prazosão objetivos da colocação do anel. A falta de estu-dos randomizados com longo seguimento leva as dis-cussões sobre os reais efeitos do anel para as compa-rações de séries individuais similares, mas não esta-tisticamente sem viés. Relacionam-se à presença doanel algumas intolerâncias alimentares, com conse-qüente vômito e maior incidência de obstruções gás-tricas. Também o aparecimento de complicações tar-dias como a migração e o deslizamento. Cabe sali-entar que a incidência de complicações e intolerân-cias são as principais justificativas dos cirurgiões queoptam por não colocá-lo. Diferenças no percentualde peso perdido estão em segundo lugar, sendo quese admite que a derivação com anel teria uma perdaigual ou superior, ainda que não necessária para ocontrole das comorbidades, mas que caminha na di-reção das expectativas - muitas vezes exageradas -dos pacientes. Dificuldades técnicas em se colocar oanel quase não são citadas.

Embora o anel tenha uma medida padrão, ajustesno momento de sua colocação são eventualmente ne-

cessários para se evitar pressão excessiva sobre a pare-de gástrica predispondo à migração, e também poroutro lado, se evitar anéis largos demais predispondoao deslizamento. Deve ser locado de maneira justa,com pequena folga.

A despeito disso tudo, o anel vem carregado deuma simbologia para o paciente, que o considera comoa chave, ou até um amuleto que o faz emagrecer, mes-mo diante de explicações técnicas por parte de toda aequipe. Prova disso são os longos diálogos com o pa-ciente e seus familiares, necessários ao se cogitar a re-tirada ou troca de anel por complicação do mesmo.

Como destacado, a nossa experiência começou coma técnica sem anel, com anastomose gastro-jejunalmanual em dois planos, moldada por uma sonda oro-gástrica. A colocação do anel permitiu a confecção deanastomose mais ampla, sem a preocupação em se per-der restrição. A limitação do esvaziamento passa a serfunção do anel. Com isso a incidência de estenoses edilatações endoscópicas foi reduzida de maneira sig-nificativa. Argumenta-se sobre a manutenção do diâ-metro original de uma gastrojejunoanastomose a lon-go prazo, sem um material inerte inextensível, em faceàs pressões do bolo alimentar que chega ao novo re-servatório. Não há comprovação da manutenção, nemtampouco de que a dilatação espontânea seja uma re-gra. Também não há seguimento tardio de técnicasendoscópicas para estreitamento de anastomoses. Pu-blicações nos próximos anos certamente esclarecerãoesta polêmica.

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Derivação gástrica em “Y de Roux”

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Rasera Junior I

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