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Descobrir Deus através do belo Natalia Borovskaya 1

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Descobrir Deus através do belo

Natalia Borovskaya

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1. Um pouco de autobiografia

Na minha vida, Deus mesmo se me abriu através da arte.

Isso aconteceu aos meus 27 anos, quando estudava História da Arte na

Universidade Estatal de Moscou. Antes, eu havia terminado o

Conservatório de Moscou, trabalhado numa orquestra sinfônica e lecionado

música. 2

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Com vinte e cinco anos entrei na Universidade Estatal de Moscou,

departamento de História. Era então professora de música na escola onde eu estudara e desejava muito ajudar meus

estudantes nos seus problemas psicológicos ligados à dificuldade da

educação musical. Eu os conhecia todos e desejava que meus alunos tivessem

paz na alma. 3

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Com vinte e sete anos decidi ler o Evangelho, por causa de meus estudos na

arte medieval. Naquele momento o regime soviético

estava praticamente destruído e divisávamos os primeiros sinais de

liberdade religiosa. Tornara-se possível comprar uma Bíblia.

Eu me dava à leitura, imaginando-me junto a minhas preferidas obras de arte: assim

ficava mais agradável.4

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Nos meus pensamentos, eu as olhava, e lia o texto com grande prazer. E de repente, enquanto me deleitava nos meus sonhos combinados com o texto, eu descobri que Alguém me olhava.

Pantocrator by Andrey Rubliov 5

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Era totalmente inesperado. Com minha razão, entendia que não havia ninguém no meu quarto, mas no meu coração eu

sabia: Ele está aqui, Ele fala comigo através do texto. E, sobretudo, Ele está olhando para mim com o maior amor e admiração, e eu sei com toda a certeza: antes desse momento ninguém nunca

olhou para mim desse jeito.

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Hoje sou historiadora cristã da arte, ensinando meu assunto tanto a estudantes

como a crianças. Mas antes de tudo sou uma pessoa consagrada, vivendo no

mundo, mas pertencendo a Deus, e minha profissão é uma forma de seguir Jesus e de

ser apostola de sua Palavra.

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2. Minha missão

2.1. Da arte para Deus

Quero abrir a história da arte para os meus estudantes como espaço da vida de Deus.

Decerto, sou especialista, e no meu trabalho diário lido com os problemas peculiares de

minha profissão. Mas é muito importante, no período de contato com o material da arte

sagrada, provocar os estudantes à leitura da Sagrada Escritura.

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Na sociedade russa moderna é normal não ler a Bíblia, nem se interessar por ela,

pois durante o regime soviético tal interesse era perigoso. Até os anos 1990

era impossível comprar a Bíblia numa livraria ou consultá-la na biblioteca. Ora,

mesmo agora, apesar da liberdade religiosa, mesmo os que foram batizados

não leem a Palavra de Deus, mas preferem a vida ritual “decorativa”

na igreja. 9

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Suponho que esse problema não é somente russo. Mas a situação

específica da Rússia é que, depois do período soviético, muita gente

interpreta Bíblia como uma ideologia que se propõe no lugar do marxismo.

Por isso nunca falo em obrigação de ler a Bíblia, o que na opinião de muitos

estudantes seria percebido como limitação de sua liberdade.

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Não sou pregadora, e cátedra acadêmica não é púlpito de igreja, mas nesse

contexto considero muito importante mostrar a Palavra de Deus como background fundamental para a

civilização, tanto na minha pátria como no mundo inteiro. Podemos ser ateus, proclamar ou destruir um monte de valores, mas todos nós repetimos o

caminho do filho pródigo, que abandonou seu pai levando consigo a herança do pai.

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Ivan Kramskoy: Jesus no deserto

Alguns anos atrás, um dos meus grupos de alunos ficou fervendo com a discussão da pintura de Ivan Kramskoy “Jesus no deserto”, quando ouviram que as palavras “Não só de pão vive o homem” foram ditas por Jesus. Tinham certeza de que era um provérbio russo!

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Na situação de ateísmo estatal, no tempo da União Soviética, apresentava-

se música sagrada nos concertos, e pinturas sagradas, nos museus.

Eu gostaria de que meus estudantes percebessem, mediante a arte, que todos nós somos filhos da civilização

cristã. E se compreenderem isso, Deus continuará a obra.

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A informação sobre a fé do artista é muito fecunda para as reflexões dos

estudantes. Lembro-me da forte impressão que me causou, então com

dezoito anos, nossa professora de música russa no Conservatório, quando nos mostrou “As Vésperas”, composição

de Sergei Rachmaninov.

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Rachmaninov

Nunca tínhamos ouvida essa composição. Achávamos que ele só tinha composta música para piano, sinfonias e canções. O estudo da música de igreja russa era proibida, mas a professora era filha de um sacerdote ortodoxo e não se inibia com isso.

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A música era maravilhosa, mas, isso à parte, uma pergunta não me

abandonava: se Rachmaninov escrevia música de igreja tão boa, será que ele

era crente? Eu já podia compreender a fé de Bach, de Mozart, de Fra Angélico ou de um anônimo pintor russo de ícones. Mas

Rachmaninov, que viveu no século XX: será que era piedoso?!

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A meu ver, isso era impossível para aquela grande personalidade moderna; A oração

musical de Rachmaninov destruiu todos os meus estereótipos: por ela, eu vi, pela

primeira vez, que a fé presente na alma humana pode ser bela.

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2.2. De Deus para a arte (e o artista)

Meu caminho no mundo conduziu através da arte à Palavra de Deus. Mas na Igreja,

em que eu tenho também alguns projetos de história da arte, o caminho é outro: com a Palavra de Deus à obra de arte,

para ler a Palavra com o artista.

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Quando cheguei à Igreja Católica, em 1991, percebi de repente a estranha

ausência de interesse por séria arte sacra no público eclesial. Decerto, sabemos alguma coisa sobre Miguelangelo ou Bernini ou sobre os grandes ícones

orientais, mas não damos importância à experiência deles para nossa vida cotidiana

na Igreja.

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Eu ouvi muitas vezes de padres e irmãs que a arte é apenas decoração, pouco importante para a oração e a liturgia.

Estamos esquecendo a tradição da oração em frente das obras-primas sagradas.

Quando estamos junto delas transformamo-nos em turistas, que apenas

olham e depois continuam sua correria.

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Para mim essa situação é dramática. Quando tentei encontrar a explicação,

eu a descobri... tem a ver com a personalidade do artista. Ouvi muitas

vezes da boca dos responsáveis da catequese (especialmente as irmãs) que as imagens produzidas por alcoólatras,

drogados ou gente de vida sexual “livre” não pode ser séria e que a Igreja não precisa de “produtos de pecadores”.

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Inicialmente fiquei desapontada: no mundo, a experiência espiritual do artista se tornou um testemunho vivo da fé, mas para a gente da igreja ele era apenas um

pecador! É verdade que na idade Média e na

Renascença o artista fazia imagens sacras por dinheiro, a produção era seu ganha-

pão. E a influência moral da arte não funciona sobre todo mundo. Em geral, os

ditadores mais cruéis são conhecedores de arte, e Hitler era para ser pintor. 22

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O artista é realmente capaz de grandes pecados. Mas então, como explicar que

tamanhos pecadores puderam criar obras sagradas nas quais a presença do Espírito

Santo é tão forte, apesar das trevas de seu pecado?

Que explica que Miguelangelo, com seu homossexualismo, foi capaz de criar sua

“Pietà” lá em Roma?

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Rembrandt: A volta do filho pródigo

Que explica que Rembrandt, que fazia sofrer tudo mundo em seu redor, produziu “A volta do Filho Pródigo”?

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O Filho de Deus está disposto a sofrer, a ser crucificado e a morrer na alma do pintor para ressurgir no seu talento.

O talento e a atividade criativa do pintor é o espaço da ressurreição e o modo de salvação que Jesus dá ao pintor, só por

amor.

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A espiritualidade do ícone

O termo ícone é grega e significa “imagem, retrato”. O ícone é um tipo especial da imagem sagrada, tendo como intenção

principal a ideia da Transfiguração. Enquanto a iconografia ocidental nos

mostra em diálogo com Deus no espaço da vida cotidiana, no ícone essa vida é

transformada no contexto da dimensão transcendental da vida humana.

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Por isso a pintura dos ícones tem sua linguagem própria, que se pode ler como

um livro. O traço principal do ícone é a simbologia. Não apenas os temas, mas também todas as formas desta arte, o

sistema das cores e mesmo a técnica de pintura tem seus sentidos simbólicos.

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O pintor de ícones trabalha segundo um esquema que, falando de modo geral, não

mudou desde o século VI a.C. E também a conservação do ícone é simbólica: significa a eternidade

tanto de Deus como da alma humana.

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Agora eu explicarei a reconstrução do trabalho do

pintor de ícones para que vocês possam ver o

simbolismo profundo de cada passo neste caminho

artístico.

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1. O pano de fundo do processo é a oração. Na Rússia medieval, até o século XVI, a pintura de ícones era desenvolvida exclusivamente nos

conventos. A pintura era uma forma da vida monástica e antes de iniciar

sua obra o pintor devia ficar em oração uns dois ou três dias. Ele devia

trabalhar em silêncio e todas as visitas de outras pessoas ao ateliê

eram proibidas.

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Hoje a situação é diferente. A pintura de ícones é uma profissão profana, mas na Rússia, depois do primeiro período de estudos, o artista deve

visitar alguns conventos, para a reflexão e a preparação espiritual de

sua obra.

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2. O ícone é criado sobre um painel de madeira, e este material é associado ao

madeiro da cruz. Por isso cada ícone pode ser interpretado

como a imagem de nossa salvação.

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3. O pintor trabalha com uma pintura chamada “têmpera”, baseada no claro de ovo. Assim as cores são

extremamente claras, mas é impossível misturá-las para efeitos

picturais especiais. Cada cor no ícone deve ser estável, por ser simbólica.

Eis os principais simbolismos das cores:

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Amarelo e ouro: os símbolos da luz divina. Via de regra, o fundo da imagem é dourado, porque todos os temas dos ícones devem ser mostrados no espaço

transcendental.

Vermelho: é a cor do sofrimento, da paixão. Por isso as vestes dos mártires são vermelhas. Mas, ao mesmo tempo,

é a cor da glória.

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Simbólico do ouro

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Simbólico do vermelho, a cor dos Mártires

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Azul: é a cor do espaço celestial. Por isso as túnicas de Cristo e da Virgem Maria

muitas vezes combinam vermelho e azul.

Verde: é a cor da vida eterna.

Branco: a cor da castidade.

Preto (ou marrom): a cor da humildade. Na tradição ortodoxa, a cor do hábito

monástico.

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Vermelho e azul – as cores de Jesus e Maria.Vermelho e azul – as cores de Jesus e Maria.

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.

• Assim podemos ver a

combinação de preto e ouro no

famoso ícone bizantino da

Virgem chamada “Vladimirskaya”

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4. O primeiro passo do processo é a preparação da tinta básica que deve ser branca: a castidade e a

santidade como fundo da imagem icônica. Assim vemos a tinta básica branca no ícone do século XIV que

teve sua camada dourada destruída numa restauração “infeliz” feita no

século XIX:

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Ícone “Donskaya”

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5. O passo seguinte, a aparição da silueta verde. Mas o tipo da cor verde

deve ser muito forte, beirando o marrom. É a cor da vida e, ao mesmo tempo, a cor da terra ou do pó do qual Deus criou

o ser humano.

Dionísio, séc. XVI: A crucifixão

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6. Todas as camadas que cobrem a silueta devem ser muito finas, e cada camada seguinte deve ser mais leva

que a anterior. Como resultado, podemos ver uma luz forte sobre os

rostos dos ícones. Este efeito é extremamente importante, porque um

dos principais aspectos do nosso diálogo com os ícones é a

contemplação da luz divina.

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A composição do ícone é baseado no método da “perspectiva invertida”. No famosíssimo ícone russo da Santíssima Trindade produzido por Andrei Rubliev (séc. XV) todas as linhas composicionais saindo das figuras dos anjos são unidas

num ponto fora do ícone, a saber, no peito de quem o contempla. Na pintura

europeia o ponto de concentração é situado entro da representação.

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Rubliev: Trindade

Todos os vetores composicionais que das figuras

dos anjos passam para

nossa percepção unem-se num ponto situado

no peito do quem olha.

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Usando a “perspectiva invertida”, Andrei Rubliev descobriu um novo tipo de

iconografia, na imagem da Santíssima Trindade que visita Abraão e Sara, sem

que estes dois estejam na pintura. Numa pintura de tipo holandês, o espectador

estaria no lugar deles. Assim, se eu sou o espectador, a Santíssima Trindade vem a

mim e meu coração é o ponto principal da estrutura da imagem.

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O aspecto principal da imagem do ícone está na iconografia: a textura especial

que consiste nos gestos, poses e movimentos dos personagens do ícone.

O simbolismo iconográfico é a linguagem de nosso diálogo, em que

ambas as partes são confrontadas uma com outra. O tema de cada ícone tem sua iconografia própria, que pode se

tornar tema de lições específicas.

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Hodigitria Oranta

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E podemos falar também do especial aspecto litúrgico da

iconografia no espaço da arquitetura das igrejas.

Nas igrejas russas ortodoxas o espaço do altar é fechado.

Quando olhamos em direção do altar, vemos o iconóstase, uma

parede comportando cinco fileiras de ícones:

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Iconóstase da catedral da Anunciaçãoem Moscou

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1. local: os ícones venerados em determinada região;2. deixis: a imagem da oração da Virgem Maria e dos santos no Último Juízo;3. fileira festiva: as principais eventos da vida de Cristo;4. os profetas e5. os patriarcas: imagem do Antigo Testamento e expectativa do Salvador.

O resultado deste complexo é a imagem da liturgia celeste.

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A leitura dos ícones

Para mim é muito importante ensinar a leitura do simbolismo das cores dos

ícones e, ao mesmo tempo, gozar sua beleza. Ambas as coisas servem para “avançar em águas mais profundas”

(Lucas 5,4), onde o Espírito Santo torna nossa oração mais contemplativa.

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O contato profissional com a pintura dos ícones pode dar a imagem exata da unidade cultural do cristianismo.

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No projeto específico dos estudos bíblicos em nossa comunidade, um de

meus tópicos preferenciais é a análise de contatos culturais ecumênicos. Comparar

a catedral da Assunção no Kremlin de Moscou, criada pelo arquiteto italiano Aristotele Fioravanti (século XV), com a

catedral veneziana de São Marcos, repleta de mosaicos bizantinos do século

XII, significa levar ao povo russo uma verdadeira “Boa Notícia”.

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Catedral da Assunção, Moscou

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Catedral de São Marcos, Veneza

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Um tema especial é a pintura “A aparição do Cristo ao povo”, feita por Alexandre Ivanov,

em Roma, sob a influência da tradição renascentista italiana. Ou a pintura mural de

Henryk Siemiradsky na catedral de Cristo Salvador, destruída em 1932. Siemiradsky, pintor polonês, era católico, mas viveu na

Rússia produzindo obra fecunda para a Igreja Russa Ortodoxa. Na análise profissional desse

material esconde-se grande potencial ecumênico.

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Henryk SiemiradskyA aparição de Cristo ao povo

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Eu espero que tal experiência tenha valor atual, não apenas para os russos, e não apenas no espaço do cristianismo.

Este ano, um moslim, aluno meu, defendeu com sucesso a dissertação

sobre a catedral Santa Sofia em Constantinopla como mesquita.

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Ele fez a análise dos contatos entre a arquitetura da catedral e a liturgia e

spiritualidade islâmicas, além da influência da catedral na formação das tradições

arquiteturais turcas. Tenho certeza de que, no contato com o

mundo islâmico (válido para todas as regiões hoje em dia), tal experiência é

necessária, e os historiadores de arte são os reais responsáveis por isso.

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3. A presença de Deus em todo lugar

Como especialista, devo estar em contato não só com a arte sacra. Mas

minha consagração me ajuda a encontrar a presença de Deus em todo lugar. E, antes do mais, na pintura de paisagens, altamente apreciada pelo

público russo.

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Em geral, supõe-se que a atividade criadora do pintor paisagístico é secular. Não é assim. Fixando o olhar na natureza horas em seguida, o artista percebe sua beleza não apenas com seus olhos, mas

também com seu coração.

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Destarte, através da natureza, num modo que ele mesmo não percebe, ele entra

num profundo contato contemplativo com o Criador. Conexão sem palavras.

O pintor paisagístico não fala sobre Deus, ele vive em Deus por causa de sua

contemplação da natureza, ele vê com Deus que o mundo que Deus criou é bom,

como diz Gênesis 1.

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Frequentemente, animais selvagens da floresta chegavam às celas dos santos

russos para comer de suas mãos. Por isso, os pintores russos sempre trataram a natureza com sensibilidade e ternura.

Mesmo sem ler a hagiografia, eles sentiram intuitivamente que exatamente

no espaço da natureza é possível estar em contato com o amor de Deus. Aí não se encontram os obstáculos criados pela

crueldade humana.67

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O pintor Isaac Levitan (1860-1900) se destaca por causa de sua peculiar

sensibilidade espiritual quanto à natureza.

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Suas paisagens são realistas, mas ele foi capaz de transformar a vista concreta em

profunda metáfora psicológica. Em geral, suas pinturas estão cheias de

melancolia e dor, mas, ao mesmo tempo, de grande amor à vida.

O pintor sofria de tuberculose e durante muito tempo sentiu que fisicamente estava

desvanecendo. Além disso,era judeu, frequentemente

perseguido por causa de sua nacionalidade. 69

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Talvez por isso exatamente as paisagens de outono são as que mais emocionam,

ricas de sentimentos espirituais, porque o outono é associado ao fim da vida. Ele vê

no outono o esplendor das árvores douradas, a grama de um verde tenro, o

céu azul diáfano.

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Nestas cores translúcidas encontram-se ao mesmo tempo a dor penetrante e a

profunda iluminação espiritual. Pelo brilho da natureza outonal a grande consolação divina vai encontrar a alma do

homem que desvanece ajudando-o a descobrir da Vida Eterna em vez da morte.

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Muitas paisagens de Levitan incluem uma igreja, um edifício religioso.

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O quadro “Os sinos do anoitecer” representa o convento medieval. Em “Sob o descanso eterno” vemos uma

pequena capela que, na realidade, não se encontra nesse lugar! A arquitetura

sagrada é percebida como parte natural da visão e como a chave que abre a

porta do espaço espiritual onde Deus espera por nós.

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Levitan nascera numa família religiosa (seu avô era rabino e seu pai, apesar de seu trabalho secular, teve uma educação

religiosa). Talvez por isso, sua sensibilidade espiritual em relação à natureza era

extremamente forte, embora nunca tenha falado nada sobre isso.

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Onde outros pintores só viram belas imagens pitorescas, ele via o Cosmo, o

espaço do Espírito, onde a personalidade fica realmente livre. Daí que mesmo as cores escuras de sua obra contêm luz.

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Esta breve reflexão sobre a pintura paisagística russa me permite falar

alguma coisa sobre o espaço do museu como território do amor de Deus.

Eu acabo de contar que meu encontro como amor de Jesus aconteceu no salão

do museu antes que eu visitasse pela primeira vez uma igreja. Depois, nas

minhas viagens de estudo, eu visitava as igrejas como se fossem museus.

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Agora desejo comunicar esta experiência a outros, mas não é fácil.

Quem visita os museus são intelectuais, mas essa é a minoria de nosso povo. A

maioria da sociedade não sente necessidade disso e às vezes recusa por

opção de princípio. Há dez anos, a mãe de um aluno meu, bom

rapaz de quatorze anos, pediu que se proibissem em nosso Liceu todas as

excursões aos museus. 78

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Seu argumento: “Depois dessas visitas meu filho começa a pensar um mundo de

coisas, como sejam o sentido da vida, a vocação, os valores espirituais e mais

coisas dessas. Ora, eu gostaria que meu filho pensasse em como ganhar dinheiro e

fazer boa carreira para sobreviver neste mundo cruel”.

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Por outro lado, porém, há também muitos crentes na Rússia que têm medo dos

museus porque, na óptica deles, são um espaço secular, profano. Nos anos de 1990

havia nos círculos ortodoxos um movimento que proclamava: “Vamos levar

os ícones de volta do museu para a igreja”. Insistiam em desfazer as famosas coleções dos museus, porque para eles

um museu não era um tesouro sagrado. 80

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Como explicar a essas pessoas que “o vento sopra onde quer” (João 3,8) e que

é importante ver a vontade divina na combinação de um ícone com um

retrato ou uma natureza-morta? Talvez somente pela experiência privada e

pessoal da fé.

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Tenho certeza de que Deus criou os museus como espaço de diálogo com Ele.

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Na arte dos salões dos museus Deus nos ensina quão grande é seu amor e quão

grande também nossa necessidade dele. É impossível compreender isso sem os artistas, esse povo estranho sempre à

espreita da Verdade. Junto aos artistas, o olhar se dirige à

Verdade, isto é, a Deus. Todo mundo pode descobri-Lo, no museu...

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