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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS CCHEL COLEGIADO DE HISTÓRIA RICARDO CALLEGARI “DESDE QUE NASCI EU SEMPRE FUI UMA SEM TERRA”: o processo de luta pela terra e conquista do Assentamento José Eduardo Raduan (1979-1999) Marechal Cândido Rondon. PR 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL

COLEGIADO DE HISTÓRIA

RICARDO CALLEGARI

“DESDE QUE NASCI EU SEMPRE FUI UMA SEM TERRA”:

o processo de luta pela terra e conquista do Assentamento José

Eduardo Raduan (1979-1999)

Marechal Cândido Rondon. PR

2012

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL

COLEGIADO DE HISTÓRIA

RICARDO CALLEGARI

“DESDE QUE NASCI EU SEMPRE FUI UMA SEM TERRA”:

o processo de luta pela terra e conquista do Assentamento José

Eduardo Raduan (1979-1999)

Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação do Professor

Paulo José Koling, apresentado à Banca Examinadora como

exigência parcial a obtenção do título de Licenciado em

História, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná,

Campus de Marechal Cândido Rondon.

Marechal Cândido Rondon, PR.

2012

Malditas sejam todas as cercas!

Dom Pedro Casaldáliga

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus pais Arlete Maria Berger Callegari e Jaime Callegari, minha irmã

Luana Callegari pelo carinho, apoio e compreensão de minha ausência no convívio familiar

durante esses anos de Universidade. Agradeço também a minha nona Santina Carboni

Callegari de 89 anos. Sem o apoio de vocês a Universidade seria mais difícil do que já é.

Agradeço ao professor e orientador Paulo José Koling pelas pesquisas, indicações de

leituras e pelo companheirismo em diversos momentos além da sala de aula. Agradeço pelo

empenho e pelas possibilidades apresentadas, muito me ajudaram para amadurecer a pesquisa.

Agradeço aos professores do colegiado do curso de história, em especial ao professor Márcio

Ântonio Both da Silva, Davi Félix Schreiner, Robson Laverdi, Geni Rosa Duarte, Sheille

Soares de Freitas pelas cobranças, discussões, indicações de leitura e pelo convívio na

Universidade.

Ao grupo e ao programa de extensão Universidade Sem Fronteiras que muito

contribuiu para minha experiência enquanto aluno e pesquisador.

A todos da turma de 2008.

Ao Movimento Estudantil da UNIOESTE de Marechal Cândido Rondon e aos

companheiros dispostos a lutar por uma sociedade melhor, com educação gratuita e de

qualidade para todos, com condições de trabalho e espaços de sociabilidade.

As amizades construídas durante o período de Universidade e a turma do 3º ano “A”

do Eron Domingues 2012.

Agradeço por fim a todos os camponeses e trabalhadores Sem Terra do Assentamento

José Eduardo Raduan, protagonistas do nosso trabalho, que me receberam gentilmente em

suas casas narraram suas experiências, trajetórias de vida e de luta. Espero com esse trabalho

contribuir para a construção de uma nova sociedade melhor para todos nós.

5

RESUMO

CALLEGARI, Ricardo. Trabalho de Conclusão de Curso. “DESDE QUE NASCI SEMPRE

FUI UMA SEM TERRA”: Processo de luta pela terra e conquista do Assentamento José

Eduardo Raduan (1979/1999). Graduação em História – Universidade Estadual do Oeste do

Paraná. Marechal Cândido Rondon, 2012.

O Sudoeste do Paraná possui uma característica fundiária baseada na pequena propriedade

familiar. Esta característica é construída com diversos momentos de disputa e de conflito

agrário, não é portanto um processo harmonioso. Este estudo tem por objetivo compreender o

processo de luta pela terra entre o período de 1979 e 1999, analisando a ocupação da fazenda

Anoni em 1983 como estudo de caso. Esta ocupação evidencia os problemas gerados pelo

avanço do capitalismo no campo na década de 1970 e 1980 que, ao incentivar o aumento da

produtividade através da “modernização” do campo, excluiu diversas famílias de camponeses,

arrendatários e agregados do acesso e das formas de relação com a terra. Estes encontram na

ocupação uma forma de manter as relações com a terra que estabeleceram suas experiências,

num movimento de negação a proletarização. A ocupação e luta pela regularização dos lotes

foram momentos conflituosos para os acampados, marcados pela violência dos jagunços, pela

opressão do Estado com as ordens de despejo e não regularização dos lotes, pela fome e falta

de ferramentas de trabalho. Para enfrentar estes problemas várias foram as formas buscadas,

como a horta comunitária, as empreitadas e a luta por créditos, processos de organização e

resistência que contribuíram para a formação de identidade coletiva dos agentes envolvidos e

para a formação de movimentos sociais de luta por reforma agrária na região. Esta ocupação é

um marco de surgimento dos movimentos sociais de luta pela terra no Paraná. De sua

ocupação, primeira na região, é organizado o MASTES e pela quantidade de famílias

envolvidas, dificuldades enfrentadas e processos de enfrentamentos e resistências das famílias

a estas dificuldades consideramos este um importante movimento no Sudoeste. É, portanto

uma ocupação que evidencia os problemas da “modernização” do campo para os camponeses,

através do aumento da produtividade de produções como a soja na região em substituição as

produções como: feijão, trigo, batata, mandioca, uva, ou seja produções diversificadas de

agentes como da família de Elvira. Assim como perceber a experiência dos movimentos

sociais de luta pela terra e por reforma agrária.

PALAVRAS-CHAVE: Ocupação, Reforma Agrária, Anoni, Sudoeste do Paraná.

6

SUMÁRIO

Apresentação 12

Capítulo 01

Conflitos agrários no sudoeste 18

1.1 – Luta pela terra 1979/1983 18

1.2 – Os agregados/arrendatários e o processo de luta pela terra 24

1.3 – A ocupação da fazenda Taborda e as dificuldades de nela permanecer 26

1.4 – A ocupação da fazenda Anoni e a atuação dos jagunços 29

Capítulo 02

As práticas de resistência e a luta pelo Assentamento 36

2.1 – O período de acampamento e as práticas de organização e resistência. 36

2.2 – A erva “cancheada” e a horta comunitária 39

2.3 – As empreitadas 41

2.4 – As reuniões e a participação das entidades na resistência contra os

despejos 41

2.5 – Venda de lotes 45

2.6 – O Alerta 48

2.7 – Os financiamentos e a luta por crédito 51

Considerações Finais 55

Referências Bibliográficas 60

7

LISTA DE SIGLAS

ACARPA – Associação de Crédito e Assistência Rural

ASSESOAR – Associação de Estudos e Assistência Rural

CANGO – Colônia Agrícola General Osório

CITLA – Companhia Industrial Ltda

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

GETSOP – Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

Ipardes – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

IN-51 – Instrução Normativa - 51

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

MASTES – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra

8

LISTA DE TABELAS, IMAGENS E MAPAS

Tabela 1. Estrutura fundiária do Sudoeste do Paraná – número de estabelecimentos e área em

hectares (há) – 1980, 1985 e 1995/96;

Foto n. 1: Moradia de 1983 no acampamento dentro da fazenda Anoni;

Foto n. 2: Famílias na reforma das estradas;

Foto n. 3: Reunião no acampamento em 1984;

Mapa 1 - Divisão política mesorregional do Paraná;

Mapa 2 - Localização do Assentamento José Eduardo Raduan e dos municípios de

Marmeleiro/PR e Campo Erê/SC.

9

APRESENTAÇÃO

A luta vai criando hábitos e jeitos que dão identidade à organização e aos

poucos descobrimos que a cada passo construímos nossa existência, que

chamamos de MST (BOGO, 2000, p. 5).

A justificativa para pesquisar um Assentamento e, com isso, as práticas de organização

e resistência dos assentados, se desenvolve por minha experiência como filho de camponeses1

e de militantes de um movimento social de luta pela terra que é o MST. Meus pais sempre

dialogavam e mostravam como era importante buscarmos saídas coletivas para os problemas

e as dificuldades enfrentadas. De nada resolveria se minha família estivesse “bem”

economicamente se os vizinhos estavam sendo obrigados a vender ou sair das terras que

ocupavam e ir para as cidades. E neste contexto vão construindo elementos para resistir na

terra ou conquistá-la, um dos elementos é a ocupação de latifúndios.

Domingo, estou na casa de meus pais que exercem suas atividades como camponeses

num pequeno sítio na comunidade da Linha Carboni em Capanema – Paraná. Dia bonito, logo

aconteceria, como todo ano, um almoço no centro da comunidade pelo Dia da Família na qual

se reúnem para, depois de um culto inicial, conversar, comer, jogar cartas, e outras atividades

de recreação. Colocamos “nossa domingueira” e nos dirigimos para o centro comunitário.

Chegando lá encontramos vários conhecidos e numa das conversas que prosseguiram

durante o almoço com o padre que professou o culto, estava em questão a legitimidade dos

movimentos sociais, discussão motivada pela camiseta do MST a qual estava usando. Este

padre afirmava ser favorável aos movimentos sociais – afirmando que as pessoas deveriam se

1 O conceito de camponês compreenderá meeiros, arrendatários, agregados, pequenos produtores familiares,

parceiros, boias-frias. Entendemos que é um conceito que dá unidade a luta e refere-se a uma classe em

formação. Para mais ver: MARTINS, 1982; ou CARVALHO, 2003.

10

organizar – mas que não concordava com “invasão” de terras, principalmente porque essas

terras seriam vendidas pelos “invasores” que buscavam apenas se enriquecer facilmente.

Três questões afloravam e evidenciavam a força que o discurso da mídia assume: 1ª.)

o discurso da propriedade privada, 2ª.) da “invasão” desta propriedade privada e 3ª.) da venda

de lotes que os sem terra fariam após o assentamento. Esta é uma visão de mundo

compartilhada por muitos e é construída por diversos setores da sociedade – principalmente

através e a partir da mídia – como forma de condenar as ações dos movimentos sociais.

Se analisarmos os contextos que essas estratégias e práticas se desenvolvem podemos

ter outra visão sobre a luta pela terra que não é a mesma da mídia e das classes dominantes.

Neste sentido que pretendemos discutir sobre a conquista da terra no Sudoeste, apresentando

as dificuldades enfrentadas pelas Saletes2, Osnis

3, Setembrinos

4 e pelas Elviras

5 que também

se organizam e as enfrentam de forma coletiva.

Para reivindicar a terra em que estabeleceram suas relações e construíram suas

experiências, os camponeses formam movimentos sociais de luta, se reúnem em

acampamentos e constroem um novo elemento na luta: as ocupações de fazenda improdutivas

como forma de pressionar, principalmente o Estado, por uma solução do acesso à terra. Essas

práticas contribuem para a construção de uma identidade6 de Sem Terra e de uma experiência

de luta e de organização (CALDART, 2001) para se tornarem protagonistas da história

(MANÇANO, 2001).

A ocupação, como forma de luta e acesso à terra, é um contínuo na história

do campesinato brasileiro. Desde o princípio de sua formação, os

camponeses em seu processo de criação e recriação ocuparam terra. Nas

últimas quatro décadas, os posseiros e os sem-terra são os principais sujeitos

dessa luta (MANÇANO, 2001, p. 61).

São agregados, arrendatários, ou seja, camponeses e seus filhos expulsos de suas terras

ou áreas de trabalho que ingressam na luta para manter as relações com a terra. São Elviras,

Saletes, Osnis, Setembrinos que formam o movimento, logo é nas ações desses sujeitos que a

luta adquire corpo/materialidade (rostos, mãos, pés, valores e esperanças).

A importância que a ocupação da fazenda Anoni adquiriu está relacionada à época,

1983 e todo o contexto de exclusão que estes sujeitos eram levados, à quantidade de famílias

2 Salete de Fátima Pires Mariani: casada, 42 anos, catarinense de Campo Erê, veio para o acampamento em

1984. 3 Osni Mariani: casado, 51 anos, paranaense de Barracão, participou da ocupação em 1983.

4 Setembrino Padilha: casado, 67 anos, catarinense de Dionísio Cerqueira, veio para o acampamento em 1986.

5 Elvira Lira: casada, 64 anos, gaúcha de Espumoso, participou da ocupação em 1983.

6 Partimos dos pressupostos de identidade e consciência de classe desenvolvidos por Thompson (1987), não

como um movimento mecânico, mas em um formar-se enquanto classe consciente.

11

envolvidas na ocupação, cerca de 650, e ao grau de violência praticada por jagunços, a mando

e pagamento de latifundiários, e pela polícia, sob ordem do Estado e do governador José

Richa. A própria quantidade de famílias que participaram da ocupação deu-lhe maior

amplitude, colocando a problemática da terra novamente em questão num processo que

contou com a participação solidária de entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e

os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de municípios da região Sudoeste. Desta mobilização

surgiu a organização do MASTES – Movimento dos Agricultores do Sudoeste do Paraná, em

1983.

A partir destes movimentos sociais de luta pela terra, regionalizados, foi organizado o

Movimento Sem Terra (MST), em 1984, que ampliou a nível nacional o movimento e sua

organização na luta pela terra e por reforma agrária (FONTES, 2010, p. 234). Em grande

medida, os movimentos que deram origem ao MST tinham diferentes formas de atuação,

ligados aos seus processos de espacialização. Foram formados por sujeitos como os

agregados, os arrendatários, pequenos produtores expulsos de suas terras, filhos de

camponeses, entre outros, que tinham diferentes experiências de vida na terra e que a

condição de não ter a terra própria era o fator que os unificava na luta, o que evidencia a força

que o modo de viver camponês tinha para estas categorias.

Durante o processo de formação desses movimentos a necessidade de reivindicar terra

assumia outras esferas e a luta se territorializava para que houvesse a educação dentro dos

assentamentos, fossem criadas pequenas agroindústrias, obtivessem créditos de incentivo à

produção e aquisição de ferramentas que não fossem os direcionados para o mercado

capitalista. Ou seja, esse processo de formação e experiência da luta visava outro modelo

agrícola aos camponeses e à agricultura familiar. Mas essa formação não foi mecânica. Era

construída na luta e no enfrentamento contra o capital, agregando significados diversos para a

luta e para os sujeitos envolvidos.

Para analisar o processo de formação da identidade de Sem Terra ocorrida a partir

desta experiência, a ocupação da fazenda Anoni, é preciso apresentar o processo de ocupação

e conquista da terra no Assentamento José Eduardo Raduan, em Marmeleiro – Sudoeste do

Paraná. Esta ocupação foi importante por revigorar a luta pela terra nesta região e por

envolver várias famílias na luta, além de contribuir para a formação do MASTES e do MST.

Tendo em vista que sobre este caso, a ocupação da fazenda Anoni7, praticamente não

existem estudos e fontes disponíveis, que tratam da formação do acampamento e da conquista

7 Podemos citar: VIANNA (1990), PRANDO (2010), FERES (1990) e BATTISTI (2006).

12

do assentamento, a escolha deste tema e objeto para o estudo, tem o objetivo de recuperar

partes da experiência deste caso.

Para tanto foi analisado algumas atas produzidas no ano de 1998 que nos permite

evidenciar o longo processo de luta até a conquista do assentamento, desde a ocupação até a

conquista do Assentamento foram 15 anos de luta (1983/1998). Outra fonte de análise foi um

exemplar do jornal O Alerta8, produzido em 1983 pelas entidades da região em repúdio as

ações violentas da polícia e dos jagunços e como forma de contribuir na luta pela legalização

dos lotes. Infelizmente não foi possível localizar o conjunto das edições deste jornal, pois até

o momento não temos conhecimento de ter sido realizado um trabalho de recuperação

documental da história da ocupação da fazenda Anoni.

Outra fonte utilizada foi algumas fotografias datadas da época de acampamento que

mostra aspectos do processo de organização dos sem terra, como as reuniões. Diante da

dificuldade de ter acesso às fontes documentais e da impossibilidade de realização da

localização e busca destes materiais, optamos por produzir fontes orais com assentados que

participaram da ocupação e do processo de luta e conquista da terra, através de realizadas

durante o mês de janeiro de 2012. Para conhecer aquela história, também permanecemos

vários dias junto ao assentamento, dialogando com os sem terra. Desta forma, mesmo

havendo limitações, ampliamos as fontes para o estudo e para a própria recuperação da

história dos sem terra na fazenda Anoni.

As entrevistas foram produzidas durante a segunda visita realizada no assentamento.

Diante as poucas fontes encontradas, através delas, busquei perceber como os sujeitos sociais

interpretaram os momentos de conflitos e as dificuldades no período do acampamento. Os

assentados entrevistados, além de viverem cotidianamente no acampamento, também

participaram dos momentos importantes, de avanços e recuos no acampamento, o que

contribui para recuperar a questão agrária neste período na região Sudoeste, dentre elas cabe

indicar as experiências como agregados e arrendatários, a decisão de ir para o acampamento e

os enfrentamentos que houve. São relatos de vida construídos no presente, (re)elaboração de

memórias, ou seja, depois dos conflitos que participaram, suas memórias são interpretações

atualizadas, numa relação presente-passado, sobre os processos, o que torna as entrevistas

muito ricas para pensa a própria experiência de cada um deles no movimento sem terra.

8 Jornal produzido pelos MASTES e por entidades como a CPT, no ano de 1983.

13

Relacionado à análise do contexto histórico, cabe destacar a importância do debate

com diversos autores que pesquisaram sobre o processo de “modernização”9 e avanço das

relações capitalistas no campo como Sonia Regina de Mendonça (2006) e Virgínia Fontes

(2010). Além das contribuições sobre os processos de luta pela terra realizadas por Bernardo

Mançano Fernandes (2001), da área da Geografia e militante do MST. As discussões sobre a

violência e a necessidade de discuti-la como elemento de dominação de classe e não como

ação isolada dos jagunços, pode ser encontrada nos textos de José Vicente Tavares dos Santos

(2000).

A análise de Roseli Salete Caldart (1999) sobre a formação de identidade de Sem

Terra e a importância da educação nesse processo, por isso a necessidade das escolas dentro

dos assentamentos, foi muito importante para discutir sobre o forma-se da identidade e

consciência de classe dos Sem Terras.

As leituras de textos que tratam de abordagens da História Social, de Edward

Thompson (1998) e de Eric Hobsbawm (1987), embasaram a reflexão sobre as experiências

das pessoas comuns, os acampados, os sem terra, aqueles que se educaram embaixo da lona

preta, para percebermos a importância da experiência dos camponeses na luta para manter as

relações com a terra.

No primeiro capítulo buscamos localizar o processo de expansão capitalista através da

“modernização” e mecanização do campo. Essa expansão deixou inúmeros agregados,

arrendatários, parceiros, ou seja, camponeses expropriados da terra, estes, como forma de

resistir e manter as relações com a terra – em contraponto a proletarização – buscam na

ocupação da fazenda Anoni em 1983 a possibilidade de manter sua relação como camponeses.

No processo de conquista da terra do Assentamento José Eduardo Raduan, a violência

por parte dos jagunços contratados pelo fazendeiro esteve presente nos atos de expulsão da

fazenda, na queima das casas e no assassinato de um acampado em julho de 1983. A

“desintrosagem pela violência” foi significativa para a conquista da terra, pois os Sem Terras

acampam numa localidade próxima onde passaram a se identificar na luta e voltam a ocupar a

fazenda no final do mesmo ano.

No segundo capítulo discutimos sobre os processos de organização dos acampados

dentro do acampamento, assim como na luta pela regularização dos lotes. Os acampados

construíram dinâmicas de resistências no cotidiano do acampamento.

9 O termo “modernização” será utilizado entre aspas ou seguido do adjetivo “conservadora”, pois concordamos

com as teses de que essa foi uma prática excludente e expropriadora para os camponeses. Para mais:

MENDONÇA, 2006; e HEREDIA, 2010.

14

Podemos perceber que a luta durante o processo de acampamento foi para resistir à

falta de comida, além de acesso a ferramentas de trabalho e de sementes. Com essas

dificuldades e a demora na regularização dos lotes várias famílias gradativamente abandonam

ou vendam seus lotes. Logo, muitos daqueles que foram assentados em 1998 não tinham sido

os primeiros ocupantes.

Uma das formas encontradas pelos acampados para enfrentar as dificuldades foi a

organização de hortas comunitárias no acampamento, assim como o trabalho em empreitadas

em propriedades da região. As lutas dos acampados contaram com o apoio de entidades como

a Assesoar10

, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Erê e da Comissão Pastoral da

Terra (CPT/PR) e foram construídas no sentido de suprir essas demandas, distribuindo

sementes e calcário para alguns acampados, além de pressionarem por ações do Estado.

A curta atuação extensionista do Estado no acampamento se deu através da Acarpa

que distribuiu sementes para a organização das hortas comunitárias, experiência que foi

importante para enfrentar a falta de comida dentro do acampamento.

Para empreender tais discussões é necessário fazer uma análise sobre outros momentos

de conflitos, anterior a ocupação vivenciados pelos Sem Terras que ocupam a fazenda Anoni,

assim como a de analisar o processo de concentração de terras na região que não está separada

do processo que ocorreu no país. Assim, poderemos contextualizar a atuação dos sujeitos

envolvidos na formação do assentamento, suas motivações e reivindicações.

O estudo da questão agrária11

, neste caso das lutas camponesas ocorridas no Sudoeste

do Paraná, vem a ser um dos temas fundamentais à compreensão da formação histórico social

desta região. Em sua história recente e singular há vários conflitos envolvendo a problemática

da terra e o processo de ocupação da fazenda Anoni foi significativo para pensarmos a

formação da identidade Sem Terra.

10

Associação de Estudos e Orientação Rural - criada em 1966, por influência da Igreja Católica, fundada por

padres belgas que imbuídos do Concílio Vaticano II buscavam uma maior participação dos leigos na igreja e na

sociedade e passaram a contribuir para a educação, formação e orientação pro campo. Porém, é quando ela

rompe com a ala liberal da Igreja Católica, por volta de 1980 que estava ligada a doutrina racial cristã, é que sua

atuação frente aos problemas fundiários se torna mais ativa. Sendo seus ideais influenciados pela Teologia da

Libertação, que existia em quase todo o país desde 1970, ela passa a atuar junto com a CPT e discutir nas

Comunidades Eclesiais de Base outras perspectivas, na maioria das vezes atentando para a importância de uma

organização dos colonos para enfrentar os problemas que eram semelhantes em quase toda a região. Para mais

consultar: ALVES, 2008. 11

“Conjunto de inter-relações e contradições derivado de uma estrutura fundiária altamente concentrada que, por

seu turno, também determina a concentração de poder econômico, político e simbólico.” MENDONÇA, 2006, p.

78.

15

Aqui é preciso analisar um processo muito conflituoso e que contribuiu para que

várias famílias conseguissem ter acesso a terra. Um processo de enfrentamento com o Estado

para a regularização dos lotes e liberação de recursos.

No desenvolvimento da luta foi organizado o MASTES – Movimentos dos

Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná – que foi um importante movimento na

construção da luta e organização dos acampados e um dos Movimentos regionalizados que

contribuiu para a formação do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

16

CAPÍTULO 1 – CONFLITOS AGRÁRIOS NO SUDOESTE

Uma das características da formação histórico-social do Sudoeste do Paraná é a

presença de estrutura fundiária com predominância das pequenas propriedades rurais e do

trabalho familiar, que foi resultado de várias formas de lutas sociais. Neste sentido,

socialmente é uma região que transfere contingente demográfico, entretanto, dentre esta

população também muitos eram meeiros, filhos de colonos, ex-posseiros, assalariados rurais,

boias-frias ou brasiguaios que passaram a integrar os movimentos sociais de luta pela terra.

Este capítulo tem por objetivo discutir o processo de “modernização” da agricultura e

da mecanização da produção no campo ocorrida no Sudoeste no período que compreende a

década de 1970 e 1980. Junto a isso, ou melhor, enquanto parte deste processo, também houve

a organização e resistências contra o avanço das relações capitalistas, envolvendo os

expropriados da terra, principalmente, camponeses. Buscando manter as relações de vida na

terra e com o campo, surge uma nova forma de luta social na qual os “pequenos e

expropriados” se juntam e veem na ocupação de latifúndios improdutivos e irregulares (com

problemas no histórico dominial), a exemplo da fazenda Anoni, uma forma de luta para

conquistar o direito à terra.

1.1 - Luta pela terra 1979/1983

17

A região Sudoeste paranaense compreende 42 municípios e faz fronteira a oeste com a

Argentina e no sul com Santa Catarina, conforme mapa.

Mapa 1 - Divisão política mesorregional do Paraná.

Fonte: Ipardes, 2010.

Sua economia está baseada na agricultura, principalmente a familiar12

que, até 1995,

correspondia a 92,8% do número de estabelecimentos com menos de 50 hectares13

e possuía

no referido ano 20% de agricultores familiares não proprietários14

que não conseguiam acesso

a financiamentos como o Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar.

12

“Para fins de classificação socioeconômica considera-se que os estabelecimentos com até 50 hectares, pela

predominância do trabalho familiar, constituem a categoria de agricultores familiares.” (Instituto Paranaense de

Desenvolvimento Econômico e Social Leituras regionais: Mesorregião Geográfica Sudoeste Paranaense, 2004;

p. 71) 13

Segundo dados divulgados pelo IPARDES, 2004: “Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e

Social - Leituras regionais: Mesorregião Geográfica Sudoeste Paranaense/Instituto Paranaense de

Desenvolvimento Econômico e Social. – Curitiba : IPARDES : BRDE, 2004. 14

Caso das famílias acampadas na fazenda Anoni, este processo será analisado no segundo capítulo.

18

Sua ocupação por migrantes remonta os anos de 1940 incentivados, inclusive, por

políticas do Estado através de colônias agrícolas como a CANGO15

que concedeu posses de

terras a migrantes que “ocuparam” a região. As terras distribuídas pela CANGO, que eram

consideradas da União, passaram por um intenso período de disputa com companhias

colonizadoras que grilaram as terras, as contestavam como proprietárias e cobravam dos

colonos16

. Estes, que se fixaram através do regime de posses na região, passaram a contestar a

legitimidade da cobrança pelas terras, muitas vezes não contestavam pagar pela regularização

e pelo título da terra, mas contestavam justamente a legalidade destes documentos expedidos

pelas companhias.

Segundo Iria Zanoni Gomes (2005) estes documentos tinham origem nas grilagens

praticadas pelas companhias e pelos cartórios da região. Este litígio por parte das companhias,

que envolvia também o Estado, fez eclodir a Revolta dos Posseiros de 195717

em que os

camponeses tomaram a sede das companhias de terras, destruíram os documentos grilados e

expulsaram-nas da região.

A Revolta dos Posseiros de 1957, segundo Ruy Cristovam Wachowicz (1987), Aurélio

Vianna (1990) e Iria Zanoni Gomes (2005), contribuiu para desenvolver “o perfil fundiário da

região, com uma grande concentração de propriedades de até cinquenta hectares” (VIANNA,

1990, p. 15), porém as décadas de 70 e 80 foram marcadas pela expropriação camponesa pela

“modernização conservadora” que deixou uma grande parcela de trabalhadores do campo

excluídos do acesso a terra.

Esta história do Sudoeste foi singular e cheia de conflitos que envolveram a

problemática da terra. Para o período histórico seguinte a 1940 é importante destacar a

Revolta dos Posseiros de 1957. Em relação ao contexto de “modernização” conservadora,

cabe enfocar, o que é o objetivo deste trabalho, a formação de movimentos sociais, a

experiência dos sem-terra em Marmeleiro/PR em que adotam a ocupação como forma de

conquista da terra.

O objetivo deste capítulo é compreendermos as narrativas dos sujeitos e apontar para

as relações sociais existentes anteriores ao processo de ocupação. O intuito é de perceber as

experiências de trabalho e as relações que mantinham com a terra para assim discutir sobre as

motivações para ocupar a fazenda Anoni. Além de evidenciar quais foram as primeiras

15

Colônia Agrícola General Osório 16

Grande parte das famílias que vieram para a região no período de ocupação já mantinham relações com a terra

seja em Santa Catarina ou no Rio Grande do Sul como colonos/camponeses. 17

Para mais informações sobre a Revolta dos Posseiros de 1957 ver: WACHOWICZ (1987); FERES (1990);

GOMES (2005); PEGORARO (2008).

19

dificuldades, as lutas para permanecer na ocupação e como foi a organização do

acampamento para resistirem as ações da classe dominante agrária da região para expulsá-los,

como o uso extensivo da violência por parte dos jagunços durante a primeira ocupação18

e

formação do acampamento. Ou seja, perceber como ocorreu a ocupação da fazenda Anoni

(1983) até o período do conflito dos acampados com os jagunços em julho do mesmo ano.

Momento que são expulsos pelos jagunços e se reúnem numa localidade próxima e montam o

acampamento.

Analiso o formar-se da identidade Sem Terra com base nas experiências nos

processos de organização e resistência destes sujeitos ao avanço do latifúndio no final da

década de 1970 e início da década de 198019

até a conquista do Assentamento em 1998. Como

discutido por Cândido Grzybowski,

Sem terra é, por definição, um nome de sujeito coletivo elaborado nas lutas

do movimento sem-terra. A carência, ou melhor, a consciência da comum

situação de carência e de exclusão social, decorrente do não ter a terra, leva

o grupo a elaborar a sua identidade. A afirmação política como sem terra dá

base para reivindicar junto ao Estado o direito à terra. Diferentemente dos

posseiros, os sem terra não se opõem diretamente ao direito vigente da terra,

mas a estrutura agrária e ao processo de desenvolvimento que os exclui.

(GRZYBOWSKI, 1987, p. 57).

Logo analiso como se deu os processos de organização e resistência desses sujeitos

para que pudessem manter as relações com a terra tendo em vista que, com o incentivo a

produtividade através da “modernização” e mecanização do campo, incentivada pelo Estado,

estavam sendo expulsos.

Primeiramente é importante destacar que foram pessoas como os posseiros e os sem-

terra, como expõe Bernardo Mançano Fernandes (2001), que passaram a resistir com maior

força contra as expropriações no campo, principalmente a partir de 1950 (FERNANDES,

2001; p. 61). O que é importante ressaltar é que a origem destes sujeitos sociais não está

dissociada da expansão do capitalismo e do latifúndio que expulsaram camponeses e

posseiros das terras em que estavam e que se expandiram com apoio de políticas do Estado.

Alzemiro Prando (2010) localiza o surgimento dos movimentos de luta por reforma

agrária no contexto de “modernização” e expropriação dos modos de vida no Sudoeste.

18

Considero duas ocupações pois ao ocupar a fazenda e ser expulsos pelos jagunços, os Sem Terra se reúnem em

um acampamento numa comunidade próxima na qual inauguram um novo momento: a organização em um

acampamento onde se identificam, através das trocas de experiências, como sujeitos que enfrentavam o mesmo

problema: a falta de terra e de políticas públicas de financiamento para a pequena produção. 19

Os processos posteriores a primeira ocupação serão analisados no segundo capítulo.

20

O caos produzido pelas políticas econômicas dos governos entre as décadas

de 1960 e 1980 desestruturou a conjuntura social e cultural do Sudoeste do

Paraná, formada por agricultores com peculiaridades de vida camponesa, que

se instalara na região com perfil de produção de subsistência e diversificada.

A partir da crise do campo, imposta pelo pacote tecnológico, aliada a crise

da suinocultura, dificuldades de quitar empréstimos e sem uma política

agrícola voltada ao pequeno agricultor, o Sudoeste do Paraná tornou-se,

nestas décadas ditadas, palco da concentração de sem-terra, o que fez surgir

movimentos de luta pela Reforma Agrária (PRANDO, 2010, p. 41).

Durante o processo de “modernização” do campo sujeitos como os agregados perdem

espaço. Processo no qual os donos passam a utilizar maquinários e passam eles mesmos a

produzir, dispensando o trabalho de arrendatários ou de agregados, ou comprando as terras

que estes se encontravam substituindo a produção diversificada destes (feijão, trigo, uva,

milho) por soja principalmente. Como discutido por Ana Rúbia:

O milho e, principalmente, a soja adquirem destaque com a implantação de

tecnologias na agricultura; modificaram o cenário rural em pouco tempo e

colocaram-se em evidência. A soja apresentou a maior diferença de

produção, aumentou 211% a área cultivada, e 410% a quantidade colhida. O

milho aumentou, todavia em menores proporções. O feijão, apesar de

aumentar a quantidade colhida, e otrigo, que tem uma queda de 24% na

produção, ambos perderam áreas cultivadas para o plantio de milho e soja

(GALVÃO, 2009, p. 31).

Como discutido por diferentes autores Bernardo (1998) e Mendonça (2006), o campo

brasileiro sofreu profundas transformações, principalmente se analisarmos a partir da década

de 70 com a implantação, pelos governos da Ditadura Militar, de modelos econômicos e

projetos políticos que seriam para o desenvolvimento da agricultura em todo o país e para que

assim surgisse uma classe rural consumidora de produtos industriais e inibisse os conflitos no

campo (Mendonça, 2006).

Outra questão é o fato de que o discurso de produtividade foi utilizado para

harmonizar uma situação muito conflituosa no período. Como afirmado por Sônia Regina de

Mendonça:

(...) o anúncio de safra recorde de 65 milhões de sacas, coincidia com a

potencial perda de propriedade de milhares de pequenos e médios

produtores, incapazes de pagar os empréstimos contraídos desde o início do

mandato de Sarney (MENDONÇA, 2006, p. 167).

Esse processo, de produtividade, ocorre no sudoeste deixando muitos camponeses

desapropriados e sem condições para comprar um pedaço de terra. Essa condição aparece

simultaneamente ao crescimento da produção de soja, o que evidencia os elementos da

21

“modernização”, pois os “donos de terras” passaram a investir em tal produção dispensando o

trabalho dos arrendatários/agregados.

Segundo dados do IBGE, (Tabela 1), a região sudoeste na década de 1980 possuía uma

área total ocupada de 757.103 hectares, sendo que 234.478 hectares (31%) se concentravam

em propriedades acima de 50 hectares. No ano de 1995 o número de área ocupada diminui

para 699.198 hectares (8% a menos) e a área concentrada no estrato com mais de 50 hectares

sobe para 37%, enquanto o número da área ocupada por pequenas propriedades diminui,

consequentemente, para 63%. Na década de 80 para a 90 vemos a diminuição no número de

pequenas propriedades familiares (menos de 50 hectares) e aumento significativo no número

de propriedades acima de 200 e abaixo de 500 hectares e de área ocupada por elas. Reflexo da

compra de terras por grandes proprietários e que reflete na concentração destas.

Neste sentido é importante percebermos que se a estrutura fundiária da região teve um

pequeno aumento na concentração – ainda mais se comparado a outras regiões do Paraná

como o Oeste – isso se deu sob a resistência de inúmeros sujeitos sociais20

, basta lembrar que

até 1985 várias foram as ocupações de terras na região, além das fazendas Anoni e

Perseverança em Marmeleiro, que se transformaram em assentamento posteriormente, a da

fazenda Imaribo em Mangueirinha.

Tabela 1. Estrutura fundiária do Sudoeste do Paraná – número de

estabelecimentos e área em hectares (há) – 1980, 1985 e 1995/96

Fonte: IBGE Censo Demográfico

Ponto central da análise aqui empreendida a ocupação da fazenda Anoni, hoje

Assentamento José Eduardo Roduann (Mapa 02), em Marmeleiro é emblemática

principalmente por se tratar de uma ocupação em que fortaleceu o debate a respeito da luta

pela terra no Sudoeste e contribuiu para que surgissem movimentos sociais organizados de

luta por Reforma Agrária. Porém, vale aqui ressaltar que, mesmo não estando organizado em

um movimento institucionalizado, em seu caráter inicial, se caracteriza por ser um movimento

20

Para mais informações consultar: PRANDO, 2010.

Estratos de área

(ha)

1980 1985 1995/96

Estab. Área Estab. Área Estab. Área

Menos de 10 22,119 114,720 21,738 115.222 15.972 89.226

10 a menos de 20 12.036 172.151 11.652 166.136 10.270 147.518

20 a menos de 50 7.968 235.754 7.403 217.315 6.865 204.086

50 a menos de 200 1.770 146.414 1.707 141.393 1.792 152.396

200 a menos de 500 122 36.381 164 47.346 219 65.182

500 e mais 43 51.683 35 38.423 46 40.790

Total 44.058 757.103 42.699 725.835 35.164 699.198

22

social, pois possuiu caráter organizativo e aglomerou trabalhadores em prol de uma luta que

se colocava como necessária a todos os sujeitos envolvidos nela (CALDART, 2001).

Mapa 2: Localização do Assentamento José Eduardo Raduan e dos municípios de

Marmeleiro/PR e Campo Erê/SC

Fonte: Google Earth – organizado pelo autor

O movimento de ocupação contou também com o apoio de parte da Igreja Católica,

principalmente de Santa Catarina. Esta, muito influenciada pelo Concílio Vaticano II e pela

Teologia da Libertação, contribuiu para colocar a questão agrária como problema e fruto da

concentração de terras.

Esta ocupação em 1983 – período de “plena emergência dos conflitos sociais no

campo” (MENDONÇA, 2006, p. 64) – “revigora” a luta contra a concentração fundiária. Ela

contribui para pensarmos a formação e organização de movimentos como o MASTES –

Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná – em 1984 e do MST –

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – em 1985.

23

1.2 - Os agregados/arrendatários e o processo de luta pela terra no sudoeste

“Quando nóis tinha um pezinho de fruita pra começar a comer

nóis tinha que sair dali”

O agregado/arrendatário é, na região, o sujeito que mora e planta em terras que “não

são suas”, ou seja, possuiu um patrão – o dono da terra – na qual planta e depois da colheita

paga-lhe uma renda. Essa prática era recorrente para grande parte dos sujeitos sociais que

ocuparam a fazenda Anoni. A questão é que este dono das terras, com o processo de

mecanização, dispensa os arrendatários/agregados, estes sem condições de comprar terras se

direcionam para as cidades ou partem para ocupação.

A formação da fazenda Anoni é reflexo de que a terra estava se concentrando e se

modernizando na região deixando sem espaço diversos camponeses. Por isso a importância da

ocupação. Sem nenhum incentivo, com pouco acesso aos créditos agrícolas e expropriados da

“modernização” do campo os trabalhadores passaram a ver a ocupação como uma forma de

conquistar a terra para manter as relações no campo.

Na época que dona Elvira, uma das assentadas, nascida no Rio Grande do Sul e com

uma experiência de vida de quem sempre morou e trabalhou no campo, vem morar no Paraná

eles vão para uma localidade que se chamava São Roque21

e passam a exercer suas atividades

como agregados. Ela narra como era sua condição na década de 1980, momento em que ela e

sua família decidem participar da luta por um pedaço de terra.

Daí no São Roque nóis era agregado e o agregado quando nóis tinha um

pezinho de fruita pra começar a comer nóis tinha que sair dali e ir pro outro

luga. Daí fumo e fumo, comprar nós não podia daí que viemo pra cá. Daí

viemo pra cá. (LIRA, Elvira, 64 anos, Marmeleiro/PR, 2012).

As experiências dos sujeitos sociais que ocupam a fazenda Anoni são diversas. Em

narrativas como de Elvira podemos identificar que os ocupantes da fazenda Anoni eram

agregados que estavam em frequente expropriação. Elvira percebe, com base em sua

experiência, as condições que eram enfrentadas pelos agregados ao ter que sair da terra, na

qual estabeleceram seus vínculos e suas relações, a mando do dono das mesmas.

Esta condição de ter que a sair das terras, é a qual os sujeitos sociais que ocuparam a

fazenda Anoni buscaram findar e na condição em que se encontravam de impossibilidade

21

Distrito que hoje pertence a Flor da Serra, na época era pertencente a Marmeleiro.

24

compra de terras a alternativa foi a ocupação. Lutam para ser “protagonistas e não

coadjuvantes” (FERNANDES, 2001).

A experiência de Salete ao lado de seus pais como agregados ou arrendatários na qual as

relações com a terra eram de subsistência e somadas ao fato de que estavam trabalhando em

“terras dos outros”, em que o dono poderia expulsá-los a qualquer momento alegando, por

exemplo, que irá modernizar sua propriedade e passar a produzir grãos (soja principalmente)

numa relação de trabalho que dispensa os agregados por contar com equipamentos e

maquinários “mais eficientes”, dão legitimidade para a interpretação de se perceber como uma

Sem Terra desde que nasceu.

Esta interpretação pode ser compreendida pelo fato de que, junto com sua família, não

conseguiam fixar-se em um lugar para efetivar essas relações e, naqueles processos, sempre

que, por desejo do patrão, deveriam sair das terras. Esta interpretação não significa

necessariamente a defesa da propriedade privada, mas sim do direito de permanecer no espaço

ocupado e poder efetivar suas relações com o mesmo. Sua experiência enquanto camponesa

se deu neste contexto de “dar um jeito em outro lugar”, ou seja, de resistir e produzir em

outras terras. De início essas terras serão a da fazenda Taborda, logo serão as improdutivas da

fazenda Anoni onde exerceriam suas atividades camponesas.

Por que meu pai sempre viveu de arrendatário não tinha nem onde morar,

morava em terra dos outros sempre, aí quando o dono queria a casa tinha que

saí. Tinha que dar um jeito em outro lugar e ir, né. Era muito difícil a

condição de vida lá, mas a gente ficou. Tinha pelo menos lugar para morar,

né. (MARIANI, Salete, 42 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

1.3 - A ocupação da fazenda Taborda e as dificuldades de nela permanecer

“Eu vou lá ver se consigo uma terra pra mim”

O processo de ocupação da fazenda Anoni envolve também filhos de camponeses

cujos seus pais ocuparam ou compraram um pedaço de terra em uma área de outra fazenda

ocupada, a fazenda Taborda (Burro Branco) no extremo Oeste de Santa Catarina. As práticas

e as relações de trabalho que estes sujeitos mantinham com a terra estavam de igual modo

sendo retirados (MELO, 2006). A ocupação da fazenda Taborda ocorre em 1979, momento

que a família de Salete decide participar da luta e ocupar a área também.

25

Nas narrativas, podemos perceber que pelas características geográficas do espaço da

fazenda Taborda se tornava difícil de produzir e também por estarem excluídos de qualquer

forma de acesso a financiamento. Estas questões contribuem para que a condição de vida na

terra seja “difícil”, porém, podemos perceber que mesmo “naquelas condições sofridas” a

terra foi trabalhada para produzir. Paulo Roberto Almeida ao pesquisar um assentamento do

MST evidencia que “para além das duras condições reconhecidas, há explicitamente o

reconhecimento de uma dignidade de trabalhador, que sempre lutou contra as condições

impostas” (ALMEIDA, 2006; p. 51) que é o caso das famílias que ocuparam a fazenda. Ao

passo que não produzia quase nada, a alternativa foi a ocupação da Anoni.

A experiência de Osni, marido de Salete, é bem semelhante. Osni nasceu em

Barracão/PR no ano de 1961 e por razões econômicas como a falta de acesso ao crédito por

não ser proprietário de terras,22

mas arrendatário e que, depois de um período de seca na qual

prejudicou a safra e endividou sua família, decidem partir buscar alternativas em outros

municípios.

Em sua trajetória podemos perceber como buscaram várias alternativas de trabalho,

que se remetem não somente ao campo, mas também a cidade quando seu pai passa a “lutar

com uma budeguinha” e ele (Osni) passa a trabalhar recolhendo ferro-velho em

Maravilha/SC. Podemos perceber que neste caso a alternativa encontrada pela família de Osni

teve que se estender a cidade e não mais ao campo. Ao chegarem a Maravilha “não tinha

trabalho pra nóis” a alternativa encontrada foi a de vender ferro-velho e lutar com a

“budeguinha”.

Não tendo mais condições vendem a budeguinha e compram um pedaço de terra na

fazenda Taborda ainda em 1979.

De repente quebrou aquilo lá também tinha sido [inaudível], daí o pai não

conseguiu mais da a volta e nóis não conseguia arruma outro trabaio. Daí lá

ele resorveu vim aqui pra Taborda. Daí ele veio ali, comprou um sitiozinho

ali, na época ali não fazia muito tempo que o pessoal tinha entrado ali né.

Daí o sítio olhava assim, bem bonito, até eu vim junto com ele olha, né, "-

Ah pai, mas lá dá de nóis faze umas prantedera", tá, vendeu lá veio comprou

aqui e viemo morar por aqui (MARIANI, Osni, 51 anos: Marmeleiro/PR,

2012).

A terra que passaram a morar era pequena para a família (eram em cinco irmãos) além

de ser pouco produtiva na qual necessitaria de investimento em adubo mas que estavam

22

O título da terra era uma exigência para conseguir acessar os financiamentos.

26

economicamente impossibilitados de comprar. Estas condições, em grande medida, motivam

a saída da fazenda Taborda por parte dos filhos que a ocupavam em conjunto com os pais.

A ida para a ocupação da Fazenda Anoni se deu também pelo fato de que não havia

terra suficiente para todas as famílias Sem Terra que este acampamento tinha e as terras dali

eram morros e lajes, logo partiram em busca de outra área. Além de não possuir terras para

todas as famílias vale ressaltar que as famílias eram grandes, no caso de Osni eram cinco

irmãos (sete integrantes na família contando seu pai e sua mãe), dentro da lógica de uma

pequena propriedade há a dificuldade de sustentar a todos principalmente quando os filhos

casam, formam suas famílias e moram na propriedade. É também motivado por estas

questões, inerentes a pequena propriedade familiar, que leva Osni a se juntar com os vizinhos

e partir para a primeira ocupação de terras no Sudoeste do Paraná.

Mas também não tinha nada na época, né, tudo sofrido. Daí comecemo a

trabalha ali, derrubemo, ajeitemo aqueles mato fizemo as roça. Mas olha...

pior que era bem, puro cascalho, uma terra bem ruim! Não produzia quase

nada. Então, daí fiquei um tempo ali com o pai. Daí quando surgiu a

oportunidade de vir aqui pra cá, na Anoni, isso foi em 83, não lembro o dia,

eu disse pro pai e a mãe: "- Eu vou ir pra lá". Daí tinha uns vizinho que

tinham vindo e me convidaram e "eu vou lá ver se consigo uma terra pra

mim". No momento assim eles não queriam, né, "Deus o livre, né", a mãe

ficou tipo... mas eu vou ter que arriscar, né, a gente não tem, o sitiozinho

aqui não dá aqui pra nóis, é pequeninho (MARIANI, Osni, 51 anos:

Marmeleiro/PR, 2012).

O “não ter nada na época” reflete a condição que se encontrava a terra, não havia nada

a não ser mato e capoeira, logo começaram a derrubar e trabalhar a terra na busca de produzir.

Com pouco potencial de investimento para adubar a terra por ela possuir muita laje e morros,

além de ser pequena para a família fez com que Osni visse na ocupação da Anoni uma

maneira de conseguir a terra. Podemos perceber na narrativa de Osni que a ação de ocupar

uma fazenda causou espanto para a família, mas que diante da necessidade, a opção foi de se

“arriscar”.

Podemos perceber através da narrativa e da experiência destes sujeitos em que a

necessidade de se arriscar expressa que a luta não é um negócio nem uma oportunidade de

ganho fácil e como afirmado por outros historiadores a decisão de ir para um acampamento e

enfrentar a mão armada do latifúndio envolvia uma série de fatores que expressam a condição

de abandono que os camponeses e os trabalhadores do campo viviam (e vivem) e evidencia a

quem o modelo agrícola empregado favorecia.

O se “arriscar” é motivado por não ter alternativa para permanecer no campo ao passo

que não possuíam condições de comprar terras. O fato de seus pais não aceitarem muito bem a

27

alternativa encontrada por Osni é motivada, em grande medida, por se tratar de uma estratégia

“nova”23

para as famílias de Sem Terra na qual a reação que poderiam ter tanto a sociedade de

Marmeleiro, assim como o dono da fazenda, de repreender a ação é que assustava as famílias

dos Sem Terra que ocuparam a fazenda. Vale lembrar que a década de 80 é marcada pela

ditadura militar, logo a ocupação de uma fazenda era uma afronta a ordem vigente. Esse

contexto dá sentido ao sentimento de se arriscar, mas era um risco que tinham que correr.

1.4 - A ocupação da fazenda Anoni e a atuação dos jagunços.

“... tivesse uma panela que não queimasse, de ferro, eles davam

um tiro no fundo!”

A fazenda Anoni – ocupada em 15 de julho de 1983 – passou a ser improdutiva depois

que haviam sido retiradas as madeiras da mesma. Sua área compreende cerca de 5.000 (cinco

mil) hectares e se localiza no município de Marmeleiro/PR sendo limítrofe com o município

de Campo Erê/SC. Nela se encontravam algumas cabeças de cavalo e em alguns lugares

continha erva-mate nativa. A fazenda foi desapropriada em 1980 por decreto do Governo

Federal24

para fins de Reforma Agrária ficando o Incra encarregado de distribuir e elaborar o

projeto de Assentamento.

Assim como no depoimento de Elvira e de Osni, a narrativa de Salete possibilita dizer

também que a condição de Sem Terra não era só de um ou outro, mas de muita gente, ao

passo que de “todo o lado vinha gente”.

Uns foram prum lado, outros por aqui foram se ajeitando. Nóis pegamo lá

em cima na comunidade da Fátima lá, hoje é comunidade da Fátima, o

primeiro sítio, sei que fomo pra lá daí, nós tava cuidando lá (MARIANI,

Salete, 42 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

O período do “primeiro” acampamento foi curto, ou seja, logo os acampados se

espalharam pelas terras da fazenda e passaram a erguer suas moradias, como aparece na

fotografia (Imagem 1) a seguir. Esse ato não significa que se tornou assentamento, pelo

23

As experiências de ocupação de fazendas improdutivas na região, até esse momento, se limitavam a da

fazenda Taborda. 24

Decreto nº 84.603 de 31 de março de 1980.

28

contrário, continuou sendo acampamento a diferença é que não estavam reunidos em uma

localidade, mas sim espalhados – parafraseando Osni.

Foto 2: Moradia de 1983 no acampamento dentro da fazenda Anoni.

Fonte: Arquivo pessoal de Osni Mariani

A ida, para o que seria o lote, é na verdade a primeira, pois numa tentativa por parte da

família Anoni, dona da fazenda, de tomá-la para si novamente, ocorre o primeiro ataque

violento no dia 21/07/1983 em que os jagunços destroem as casas, os barracos das famílias

que são obrigadas a fugir para o mato.

O processo de ocupação foi uma experiência marcada pela violência e tentativa de

expulsar os ocupantes o que motivou maior atuação de diversas frentes a favor do movimento

de ocupação.

A primeira foi no início da ocupação, jagunços liderados por João Scarton – capataz

da fazenda – invadem a fazenda, expulsam os acampados e queimam os barracos. Estes

acampados se reúnem em um acampamento na localidade em Bom Jesus e posteriormente

ocupam novamente a fazenda.

Outra tentativa de expulsão dos Sem Terra ocorreu em julho do mesmo ano, ocasião

que mataram um dos acampados, João de Paula de 53 anos que deixou esposa e nove filhos.

29

Agora não lembro o dia que foi que daí bateu os pistolero. E foi muito

grande a destruição. Daí bateram e o pessoal que eles conseguiam pegar, não

foi muito por que a maioria foi pro mato, né. Mas daí nos acampamento eles

passaram queimando os acampamento. [Inaudível] as casinha que tinha,

que... tipo... tivesse uma panela que não queimasse de ferro eles davam um

tiro no fundo (MARIANI, Osni, 51 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

No mesmo dia, 21 de julho de 1983, destruíram as casas e furaram as panelas dos

acampados para que não pudessem mais fazer comida. Nestes confrontos fica evidente a

violência política exercida pela classe dominante, o que servia para “provocar efeito de

demonstração para silenciar, punir e docilizar os vivos” uma “tecnologia de poder eficiente” e

que é “alimentada pela impunidade” (SANTOS, 2000, p. 03).

Em reportagem do dia 15/08/1994 o Jornal do Paraná discute sobre mais um ataque no

ano de 1984 e se posiciona afirmando ser necessário a negociação a favor dos posseiros

invasores, pois o “interesse em assentar esses famílias é geral”.

Na narrativa de Elvira essa questão da insegurança e do medo se faz presente. Para ela,

a atuação do jagunço João Scarton e a ordem de despejo contribuíram para que seus filhos

saíssem ou nem viessem para o acampamento. Ela relatou momentos de apreensão que passou

quando estava com os filhos pequenos, enquanto seu marido estava em São Roque colhendo o

que ainda restava de sua plantação arrendada naquela localidade.

A gente passou mais medo quando nóis entremo aqui. Porque o Ide ia pro

são Roque colher as pranta lá e nóis tinha que recorrer as picadas. Diz que o

..., eu nunca vi ele de pertinho, diz que era João Scarton, um dia, assim que

nóis passemo nóis escutemo o grito. Daí no outro dia nóis fumo ve eles tinha

cortado tudo as estacas assim. Corterem, deram tiros. Aí a gente ficou com

medo, eu tava sozinha morando ali em cima. Não tinha se quer um cachorro

(LIRA, Elvira, 64 anos, Marmeleiro: 2012).

Estas práticas evidenciam o caráter de violência imposto pela classe dominante na

defesa do latifúndio que em sua territorialização se utilizam dela para defenderem os seus

interesses. Neste sentido é importante considerar que a violência, se abordada pela

historiografia a partir da índole dos jagunços, pistoleiros e suas personalidades

individualizadas, como discute José Vicente Tavares dos Santos (2000) isenta os

latifundiários, a classe dominante agrária e seu projeto político:

O pistoleiro é a materialização de um ato com vários personagens encobertos

(...) e toda uma rede de proteção pertencente à classe dominante (grandes

proprietários de terras e políticos) e os setores da polícia. (BARREIRA Apud

SANTOS, 2000, p. 03).

30

Esses acampados se refugiam no mato e posteriormente se reagrupam novamente na

comunidade de Bom Jesus permanecendo lá durante alguns meses do final de 1983 e início de

1984.

Bem na frente do Bom Jesus que o pessoal ficou acampado. Ficaram um

tempo ali, tudo o pessoal ali. Não sei quantos mes, mais ficaram uns quantos

meis ali. Eu também tinha o acampamento ali e de repente um dia o pessoal

resolveu voltar de volta, né (MARIANI, Osni, 51anos. Marmeleiro: 11 de

jan. 2012).

Voltaram a ocupar e se reuniram onde hoje é a comunidade de São Domingos e

posteriormente se espalharam pela fazenda. Esse período de acampamento em Bom Jesus e

depois no São Domingos, já dentro da fazenda Anoni, foi muito importante para a luta. Por

dois motivos essenciais: 1) Em Bom Jesus se reuniram mais famílias na luta e 2) contribuiu

para a experiência do movimento servindo para a formação de identidade do grupo, ao passo

que se percebem como iguais, na luta contra um inimigo em comum e na busca por um

pedaço de terra que era almejado por todos.

E aí começou o pessoal se organizar e luta pra defende o seu povo, né, que

era contra os pistoleiros que tavam ali atuando no momento. E aí teve

muitas mobilizações, teve até um encontro, não lembro que ano que foi, ali

na Barra Bonita, é, na comunidade da Barra Bonita, que veio muitas

entidades , deputados, igreja, sindicatos, a Assesoar, várias entidades de

vários lugares, né, na época. E aí foi feita uma grande assembleia

contestando isso, né, como forma de.. dizia: ‘- Oh, o povo que tá aqui é um

povo trabalhador, só quer viver na terra’. Só que daí claro, causou bastante

revolta a morte do João de Paula. (MARIANI, Salete, 42 anos. Marmeleiro:

11 de jan. 2012).

Podemos identificar na narrativa de Salete como ela interpreta aquele momento

histórico em que a relação de identidade de classe se faz presente ao passo que se percebem

como sujeitos envolvidos em processos semelhantes em que o “viver na terra” era proibido

por isso a necessidade de defender o seu povo. Esta identidade de classe é evidenciada ao

passo que a morte de João de Paula causa “bastante revolta” e que motiva a organização para

se defender organizando mobilizações e assembleias, afinal eram “contra os pistoleiros que

estavam ali atuando”.

Depois de ocupar a fazenda e irem aos lotes a luta passa a ser para neles permanecer,

torná-los produtivos e legalizá-los. Tendo em vista a necessidade de produzir alimentos e a

demora na regularização dos lotes, o que impossibilitava o acesso a financiamentos, várias

foram as formas de organização das famílias para resistirem e pressionarem o Estado por uma

solução. Reuniões, marchas, ocupações de bancos e organização do jornal O Alerta se juntam

31

a alternativas de trabalho encontradas pelos acampados como a colheita da erva-mate que

havia na fazenda, como a horta comunitária e as empreitadas em propriedades da região.

Em grande medida eram agregados ou meeiros que ocuparam a Fazenda Anoni para

que possam ter um lugar para morar e produzir. Na cartilha do CEDI, organizada pela Esterci

(1990) em que analisam os processos de conquista da terra há uma reflexão que rompe com os

preconceitos e o estigma “moralista” produzido sobre os Sem Terra que retoma o sentido da

terra para o camponês. Para os sem-terra o lote de terra conquistado na luta não representa,

necessariamente, propriedade ou fixação num lote, porém através da experiência que

constroem ao longo da trajetória de arrendatários e/ou agregados em que o “medo”, a

insegurança, do dono da terra exigir a saída destes, motiva a luta por um lugar para morar em

que possam exercer as suas atividades camponesas.

Para os Sem Terra o lote de terra conquistado na luta não representa, necessariamente,

propriedade ou fixação num lote. Também não significa mercadoria ou patrimônio a ser

esbanjado. Estar na terra e viver a partir do trabalho na terra é seu objetivo e modo de viver

que não quer abandonar, por isto é que vai à luta e se reúne aos companheiros num

acampamento. O contexto da luta está inserido no contexto de permanência na terra.

Diante da situação que se encontravam, na qual as alternativas eram limitadas, a

escolha foi de ocupar e se “espalhar” pela fazenda “tirando seus lotes” novamente, ao passo

que buscaram estabelecer suas relações com a terra passando a organizar e preparar o lote

para produzir assim que entraram.

Daí foi, nós fomo daí pegamo um sítio um pouco pra cá de onde nóis tava,

mais pertence pra Fátima bem lá em cima e ali continuou a luta, daí aquela

folia de despejo só que daí o pessoal já começaram a planta, a fazer umas

rocinha, a planta. Nós tinha uma rocinha. Mas era a cada poucos dias folia de

despejo, aquela correria, né, só que o pessoal começava a se unir, se uniram.

A qualquer coisinha dava um grito e o povo se reunia e vinha mesmo.

(MARIANI, Osni, 51 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

Podemos perceber na fala de Osni que este preparo do lote, ao passo que

(re)estabelece o vínculo com a terra é uma das formas encontradas para resistir as frequentes

ameaças de despejo. Percebemos, na narrativa de Osni, que ao ocupar pela segunda vez a

fazenda não estabeleceu como critério a volta para o mesmo local que se fixaram na primeira

vez. Podemos sugerir que a luta para manter as relações com a terra transcende o discurso da

propriedade privada que é alimentado frequentemente pela questão “da minha terra” ou “da

minha propriedade”. Esta questão evidencia que a conquista maior naquele momento era a

permanência no campo e quando as ameaças de despejo – agora não só através dos pistoleiros

32

a mando do fazendeiro – por parte do Estado buscam romper com esta conquista uma das

alternativas para resistir encontrada pelos sujeitos é o preparo da terra para estabelecimento

destas relações de produção com a mesma.

O período de ocupação e conquista da terra é narrado pelos assentados como um

período de diversas dificuldades que se resumem na falta de recursos financeiros, que se

evidencia na falta de fomento para que pudessem adquirir sementes ou ferramentas de

trabalho assim como alimentos. Esse foi um processo que serve para analisar a luta por

crédito, pois o contexto de permanecer na terra envolvia também condições de nela

permanecer, logo o crédito era uma conquista e não apenas elemento de expansão do capital.

Neste sentido foi importante a participação e o apoio de entidades como a CPT, a

Acarpa e a Assesoar que disponibilizaram sementes para que os acampados pudessem plantar.

Além de estar economicamente impossibilitados de adquirir um pedaço de terra

através da compra, Elvira relata também que ao serem expulsos da terra que eram

arrendatários ficaram sem recursos econômicos algum e isso os impedia inclusive de produzir

na terra que vieram posteriormente a ocupar.

Por causa que nóis entremo aqui, a piazada era tudo pequena, nóis não tinha

condições nem de começar a trabalhar eu já digo. Por que daí nós trouxemo

a junta de criação de lá, mas cheguemo aqui nao tinha comida suficiente pra

dar pra eles e bem no fim tivemo que vender (LIRA, Elvira, 64 anos,

Marmeleiro/PR, 2012).

Essa condição não era exclusividade de Elvira. Podemos identificar nas narrativas de

outros assentados as mesmas questões, o que elevou o número de vendas/trocas dos lotes no

acampamento.

Evidenciamos que o processo de luta, naquele contexto, era principalmente por terra e

para que esta condição fosse alcançada exigiu a organização das famílias de arrendatários e

agregados expulsos das terras que ocupavam devido ao processo de “modernização” do

campo que, além de reafirmar a propriedade privada da terra, incentivou os proprietários de

terras da região a plantar soja ou milho numa relação que deixou muitos camponeses e

trabalhadores sem condições de permanecer na terra.

Esses, por sua vez, se direcionam para as cidades ou partem para a luta por terra num

momento de enfrentamento a ordem vigente e a classe dominante da região. Neste sentido é

importante percebermos que a ida para uma ocupação é motivada ainda pelas condições que a

cidade oferece (ou deixa de oferecer). Na fala de Setembrino podemos perceber que, por suas

condições financeiras, a alternativa – caso fosse para a cidade ao invés do acampamento –

33

seria a ida para as periferias, por isso é que ruma para o acampamento. Mesmo com as

dificuldades vividas no campo, ele ainda se apresenta como um lugar melhor de se viver e

trabalhar principalmente para aqueles que tiveram boa parte de sua vida ligada ao campo.

A primeira coisa o pequeninho [seu filho] vai pra lá e [vira], como é que é,

laranja dos malandro e então é uma coisa assim. O que eu falei, eu não

quero, prefiro criar [meu filho] com esse pedacinho aqui, luta aqui sofrido,

se não vim esse recurso que eu falei, através de fundo perdido, eu fico aqui e

não vou pra favela! Não quero ve meu filho na cadeia. Quero ver

trabalhando! (PADILHA, Setembrino, 67 anos, Marmeleiro/PR, 2012).

Podemos perceber ainda que a preocupação sobre o futuro de seu filho é algo que

motiva a permanência no campo. Mesmo sendo pequeno o lote de terra, ele afirma ser

possível viver e trabalhar ali para tanto seria necessário recursos para iniciar ou incrementar a

produção. Ao seu ponto de vista, o recurso a fundo perdido seria uma maneira contribuir para

a organização do lote de terra.

Para tanto, esta classe dominante25

também se organizou para evitar que tais

reivindicações se concretizassem ou se expandissem por parte dos trabalhadores e passa a

atuar com muita violência – como ficou claro com a expulsão do dia 21 de julho de 1983 –

num sentido de defender a grande propriedade privada e concentrada. Essas práticas adotadas

pela classe dominante, com apoio do Estado, exigem que os camponeses sem terra se

organizem de maneira ainda mais forte e nesse sentido o acampamento na localidade de Bom

Jesus no final de 1983 se torna muito importante.

25

Como discutido por Mendonça: “A classe dominante agrária não se restringe mais aos tradicionais coronéis,

mas também a conglomerados sócio-economicos. Sendo que de tão complexa que se encontra esta imbricação

agrário, industrial e econômica, é difícil separar um do outro. Empresas que adquirem a terra por doação do

estado e depois a revendem p “reforma agrária” por um preço muito maior”. (MENDONÇA, 2006, p. 88).

34

CAPÍTULO 2 – AS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA E A LUTA PELO

ASSENTAMENTO

Este capítulo tem o objetivo discutir as experiências dos Sem Terra durante o processo

de luta pela terra e as formas de organização encontradas para enfrentar os problemas e as

dificuldades durante o período de acampamento. Assim como discuto sobre o processo

empreendido pelos acampados de pressionarem o Estado para efetivar a regularização dos

lotes e a disponibilização dos recursos de Reforma Agrária. Hoje podemos dizer que o

assentamento foi concretizado anos mais tarde, no ano de 1998, depois de uma longa luta e

período de resistência.

2.1 - O período de acampamento e as práticas de organização e resistência

“A qualquer coisinha dava um grito e o povo se reunia e vinha

mesmo”

A formação do MASTES – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do

Paraná, ocorreu nesse período (1983). O MASTES atuou no acampamento no sentido de

organizar os acampados, em conjunto com a CPT e a Assessoar para enfrentar as dificuldades

do período de acampamento. Esse movimento também foi importante, tendo em vista a

dificuldade de negociar a regularização dos lotes do assentamento na fazenda Anoni, obtidos

após o reconhecimento do Estado, que atuou contra o acampamento em quase todos os

momentos, emitindo ordens de despejo e de apoio policial para retirar os acampados.

A narrativa acima é de Osni e evidencia a organização dos acampados assim como a

importância desta no contexto de ameaça de despejo, considerado como momento de

acirramento das contradições com o Estado que, no papel, havia desapropriado a fazenda e

destinada para reforma agrária, mas que não atuava no sentido de regularizar os lotes.

Alzemiro Prando (2010) analisa a luta envolvendo a ocupação da fazenda Anoni e a

35

importância que esta teve “para o fortalecimento da organização dos movimentos sociais,

visto pela considerável quantidade de trabalhadores envolvidos”, cerca de 650 famílias.

Estes trabalhadores traziam para o movimento de ocupação diversas experiências de

vida em que a falta de terras se caracteriza por ser o problema que tinham em comum, além, é

claro, da decisão que tiveram para ter acesso à terra através de ocupação.

Logo, a importância da organização coletiva estava na sua força para conquistar a

terra. Até esta conquista, porém, muita luta teve que ser empreendida pelos acampados para

enfrentarem as dificuldades e as medidas judiciais de despejo. Discutimos sobre as estratégias

encontradas pelos Sem Terra para permanecer na terra e enfrentar as dificuldades como a falta

de recursos para adquirir ferramentas para começar a produzir, além da demora na

regularização dos lotes o que impedia o acesso a financiamentos, a falta de comida e a falta de

estradas.

E, como discutido por Mançano Fernandes, a conquista da terra não representa o fim

da luta, esta se expande e atinge outros espaços implicando na luta por infraestrutura e por

subsídio.

[...] desdobram-se demandas relativas à luta pela resistência na terra, como,

por exemplo: políticas agrícolas, de crédito, de subsídios, de mercado;

formas de organização políticas e do trabalho, da produção e da

comercialização, políticas de habitação, educação, saúde [...]. Afinal, a

transformação do latifúndio em assentamento é a construção de um novo

território. [...]. Lutar pela infraestrutura básica dos assentamentos é parte de

um processo que acontece concomitantemente às ocupações de terra. Faz

parte do universo da luta, que não acaba com a conquista do assentamento.

Esse é um caro princípio do MST, que em seu movimento amplia a luta,

dimensionando-a. Esse é o processo de territorialização, de crescimento, de

multiplicação do Movimento que o governo tente refrear (FERNANDES,

2001, p. 41).

Na narrativa de Salete está presente o problema da falta de estradas que havia na área

ocupada e a necessidade de mobilização dos acampados para viabilizar uma solução deste

problema. Como a área da fazenda era grande, cerca de 5 mil hectares, as estradas eram

poucas e as que ligavam o local com a cidade estavam muito distantes do acampamento. Isto

dificultava a saída dos Sem Terra com os produtos que colhiam e iam vender na cidade para

obter renda, assim como era um problema para transporte dos doentes que precisavam de

auxílio médico.

Estrada muito ruim, sem condições. Dia de chuva era difícil de sair. Na

época tinha muitas pessoas doentes que ficavam, crianças, bastante crianças

perderam a vida, né. Desnutrida por falta de atendimento médico que por

36

causa da distância mesmo, por causa do deslocamento (MARIANI, Salete,

42 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

Na imagem a seguir podemos perceber que os acampados se organizaram e passaram a

“reformar” as estradas que tinham no acampamento. Podemos perceber, na foto cedida pela

família Melo, como tiveram que lidar com as condições das estradas. Geralmente eram sem

cascalhos, apenas de terra, o que em dias de chuva se transformavam em atoladouros, sem

contar as erosões. Diante da falta de atuação da prefeitura, se organizaram na família,

pegaram as enxadas para trabalhar para concertá-las. Essa prática se desenvolveu num

contexto em que a prefeitura não estava disposta a fazer melhoria nos meios de acesso ao

acampamento, o que evidencia o caráter de enfrentamento contra as classes dominantes, com

participação do e no Estado.

37

Foto n. 2: Famílias na reforma das estradas

Fonte: Arquivo pessoal da família Melo

2.2 - A erva-mate cancheada26

e a horta comunitária

Diante da dificuldade de falta de alimentos e do contexto da falta de renda própria e

falta de condições para plantar as pequenas lavouras no acampamento, uma alternativa

26

Procedimento que consiste no beneficiamento da erva-mate através de um choque térmico produzido por meio de chama direta e com secadores denominados de carijos.

38

encontrada para a falta de condições de plantar as pequenas lavouras no acampamento, foi a

venda de erva mate que era cancheada pelos acampados. Assim, podiam vender uma parte e

comprar alimentos e outra deixava em estoque para o restante do ano. Na narrativa de Salete

aparece como alternativa para as famílias que poderiam assim trocar por alimentos.

Primeiro período que a gente veio para cá tinha erva nativa. Então o que os

agricultor, a maioria, né, fazia erva, ele secava a erva ali no lote e levava,

tinha um (...) em Campoêre que comprava essa erva. Como que chamava o

que eles fazem? Comprava a erva e a gente vendia erva e ia comprar

alimento no mercado. No primeiro ano, assim, foi da venda de erva. Mais aí

também, você uma bolsa de erva canchada levava do estoque nas costas. Aí

trazia alguma coisa pra casa. Quem tinha uma família pequena dava bem,

trazia um pacote de farinha, dava pra semana ou mais, né, só. Quem tinha

uma família grande já sofria mais. (MARIANI, Salete, 42 anos, Marmeleiro,

11 de jan. 2012).

O “jeito” encontrado evidencia, além do problema social que os trabalhadores do

campo se encontravam, uma prática de trabalho e produção (extração da erva mate) na qual

estava presente a experiência de vida dos sujeitos, ao passo que, com base em suas

experiências de trabalho no meio rural, sabiam como beneficiar a erva mate para que

pudessem comercializar o produto para obter renda ou trocar por alimentos.

Através da narrativa de Salete podemos perceber também que esta alternativa não era

suficiente, principalmente para as famílias maiores, e nesta situação era preciso outras formas

de organização do trabalho.

Diante de realidade do acampamento e dos acampados, uma das formas de resistir a

estas dificuldades foi a organização de hortas comunitárias para a produção de frutas e

verduras, com a realização de trabalhos coletivos dos Sem Terra e o apoio de técnicos da

Acarpa - Associação de Crédito e Assistência Rural – que atuaram no acampamento.

A horta foi construída através de sementes que foram adquiridas através da Acarpa.

Segundo Salete este foi um momento importante para os acampados, para ela, mesmo que a

horta não teve uma longa duração, este projeto possibilitou a produção de alimentos para as

famílias do acampamento.

Chegou um período que foi feito a horta comunitária é, com a ajuda do

técnico da... o Pedro Boler, que é da... era da Acarpa na época, então ele

organizava o povo e construía as horta comunitária nas comunidade e aí

vinha semente de verdura, o pessoal plantava coletivamente, trabalhava na

horta, foi um projeto que não durou muito, ele não foi pra frente assim, mais

que foi importante porque no início, até na própria escola as criança nao

tinham o que leva pra merenda e não tinha merenda, e com isso foi surgindo

a necessidade de produzir e aí foi feito essa questão do incentivo de produzir

alimento pra o sustento da família, que é planta batata doce, planta

39

mandioca, verdura, essas coisa assim que você pode usa na tua alimentação

no dia a dia.” (MARIANI, Salete, 42 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012, 102

min.).

2.3 - As empreitadas

Se a condição de trabalhadores do campo era dificultada por razões como a falta de

ferramentas e a correção do solo, desgastado pela forma extrativista e expansivamente que foi

utilizado durante o período de fazenda, umas das relações construídas para se manter no

acampamento foi a das empreitadas.

Rosa e Osmar de Melo são casados, vieram para o acampamento em 1994 e

participaram de diversas empreitadas, com o serviço que se dava pelo sistema de quarta

podiam adquirir alimentos.

RM: A gente tinha que sair 4h da manhã para arrancar feijão nas granja pra

ter o que comer. Por que com o tempo, eu nem sei que ano que foi que era

complicado, antes de sair ali o Assentamento com os recursos. Pra gente ter

que trabaiá fora pra ganha dinheiro pro rancho.

OM: Aquele que entrou o recurso dos 9,5, nóis tava no fundo do poço, não

tinha mais o que pula.

As empreitadas consistiram em uma relação de trabalho construída pelos acampados

para enfrentar as dificuldades encontradas em seu dia-a-dia, principalmente com a

alimentação. Grande parte dos acampados que rememoram este período como importante,

construtor de uma coletividade entre eles e fonte de renda para as famílias, citam os trabalhos

de empreitadas como a alternativa que encontravam.

Na narrativa de Osmar ainda podemos identifficar elementos que contribuem para a

formação coletiva dos acampados. Um destes está ligado as relações de trabalho construídas

durante as empreitadas. Osmar lembra vários momentos que não dariam conta de colher toda

a quarta que lhes era atribuída, contando para isso com ajuda dos outros acampados:

Ia três, quatro ônibus cheio. Muié com criança, tinha que levar criança

pequena, de certo não tinha com quem deixar. E era sofrido, as veiz não

tinha nenhuma sombra na hora do almoço, tinha que caminhar longe pra

achar uma arvorezinha pra poder almoçar. E as veiz só almoçar e se boliar

no serviço por que pegava um eito e tinha que aprontar até de tarde aquilo,

por que daí quando chegava o horário de sair o cara tinha que tá com o eito

pronto, então tinha que se boliá. Então as vezes pegava um eito grande,

como tambem ali o pessoal também era tudo organizado, pessoal ajudava um

o outro. As vezes um tava com um pedaço que não tava conseguindo

terminar, quantas vez nóis pegava um eito e paulera que não tinha mais,

esgotado! Via que não ia terminar, uma dessa chegava cinco ou seis ali e

40

vamo terminar e se tacava terminava e a turmada saia tudo facero e ia pros

ônibus e vinha embora (MELO, Osmar, 57 anos, Marmeleiro, 2012).

2.4 - As reuniões e a participação das entidades na resistência contra os despejos

Por que pelo certo mesmo não é invadir. Invadir é uma coisa e ocupar pra

prantar e trabaiá aí é outra coisa

Esta foi uma interpretação de Ataíde Lira que, ao falar sobre a ocupação, enfatizou a

diferença entre a ocupação e invasão e levantou a perspectiva diferenciando a terra de

trabalho da terra de negócio. Esta noção foi construída durante o processo de formação do

movimento e da identidade de Sem Terra.

Após o período da “primeira” ocupação, a partir de 1984, também é possível

evidenciar como foi construída a experiência de classe social em torno da luta pela terra. Isto

também é lembrado pelos Sem Terra entrevistados, com suas (re)memórias, como um

momento de grande união, de reuniões e assembleias cheias o que contribui para o

fortalecimento da luta e a construção de um movimento mais forte de pressão para a

realização da reforma agrária.

E... e a gente viveu, né, aqui... na época as família eram bastante organizada,

unidas dá pra dize assim, né. A gente a comunidade, um barracão coberto de

capim, onde todas as famílias se reuniam pra fazer as reuniões, pra fazer as

celebrações, a missa. Era sempre cheio! Vinha a família toda pra discussão

(MARIANI, Salete, 42 anos. Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

As reuniões expressavam um momento importante para a luta e construção de unidade

entre os sujeitos que estavam juntos na luta, pois a luta não podia ser individual, mas, sim,

coletiva e no coletivo. Salete, ao analisar as reuniões que havia no acampamento relembra que

a participação dos assentados era grande, muito diferente da realidade dos assentados de hoje.

Várias vezes tinha ameaça de despejo e as famílias ficavam perdidas sem

saber o que fazer, período de plantio aí ficavam pensando: "- Vou plantar,

será que planto ou não, vou perder tudo!”. E aí fico. (MARIANI, Salete, 42

anos, Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

Esta preocupação em ser despejados e o próprio despejo ocasionavam problemas para

o preparo da terra para plantar e produzir, pois havia a preocupação de que poderiam perder

tudo, caso a fazenda não fosse desapropriada ou se fossem expulsos. A ordem de despejo

41

emitida pelo Estado demonstra como a atuação deste era no sentido de expulsar os

acampados. Isso nos permite dialogar sobre a importância da organização e ação dos Sem

Terra na luta pela terra. Podemos afirmar que, ao encontro com a interpretação de Bernardo

Mançano Fernandes, as terras conquistas são fruto da luta dos Sem Terras e não como política

de Reforma Agrária do Estado.

A existência de milhares de assentamentos é muito mais fruto da luta pela

terra construída pelos trabalhadores, e não somente das políticas do governo.

A competência do governo em implantá-los não lhe dá o mérito como

principal protagonista do processo, mas é o reconhecimento de uma

realidade que o mesmo tem insistido em negar. É exatamente por admitir

essa realidade que o governo iniciou uma série de medidas de

desmantelamento do projeto dos sem-terra. E criou o seu projeto, que

implica em tentar acabar com as ocupações por meio da criminalização dessa

ação com a jurisdição da luta pela reforma agrária (FERNANDES, 2001, p.

40).

Elvira se lembra de reuniões que foi realizada onde discutiram a ameaça de despejo e

interpretou o contexto do por que ocupar, assim como indicou que o problema era discutido

no coletivo. Os momentos de reuniões são significativos ao passo que contam com a

participação dos acampados, das entidades e dos sindicatos na construção coletiva da luta. Na

narrativa de Elvira podemos evidenciar a experiência que os movimentos e os acampados vão

construindo durante a luta, como, por exemplo, a disputa acerca do ocupar ou do invadir. Isto

é muito importante pois constrói um significado pra luta que se diferencia daquela construída

pela mídia em que o sentido de invasão é para desmoralizar a luta.

Daí eles [as lideranças] comerem e comecemo a nossa reunião, ficamo o dia

inteiro na comunidade aquele dia. Viemo era seis hora da tarde pra casa. Daí

também explicando por que nóis tinha ocupado, por que nóis dizia que tinha

invadido, daí eles disseram que não. Que não era pra dizer invadido, que

nóis tinha ocupado a fazenda por que precisava. E precisava na verdade.

(LIRA, Elvira, 64 anos, Marmeleiro)

Nas narrativas dos assentados podemos perceber que o processo inicial de ocupação e

permanência na terra foi muito conflituoso e exigiu uma organização coletiva, por parte deles

e dos apoiadores da reforma agrária, isso mostra que desde o início a luta não terminava com

a conquista da terra. Podemos dizer que diante desta preocupação e da possibilidade de

novamente serem expulsos, as relações de vizinhança, apontadas por Aurélio Vianna (1990),

tiveram que se transformar em práticas mais efetivas de organização entre os acampados.

Neste sentido, eram realizadas várias reuniões dentro do acampamento, que “dava um grito e

42

o povo se reunia e vinha mesmo” para que se discutisse sobre as providências a serem

tomadas em relação à permanência nos lotes.

Estas reuniões tiveram um papel importante no decorrer da luta dentro do

acampamento ao passo que elegem os inimigos – o Estado, o latifúndio e os latifundiários.

Através delas discutiam maneiras de enfrentar os ataques e as ameaças de despejo e, além

disto, evidenciavam problemas inerentes a todos os sujeitos ali envolvidos: necessidade de

ocupar, de enfrentar as ameaças de despejo e as dificuldades para a organização da produção e

moradia no lote. Estes processos e os conflitos contribuíam, assim, para o

autorreconhecimento coletivo, enquanto identidade (ALMEIDA, 2006), pois se organizavam

e partiam para a luta coletivamente.

Na imagem a seguir podemos perceber as relações que criaram com o intuito de

resistir aos despejos e estabelecer suas relações de vida e atividades de subsistência com a

terra. A fotografia reproduzida a seguir mostra uma reunião realizada no ano de 1984 no

acampamento dentro da fazenda em que se fez presente diversas organizações. O ato público

e político foi realizado para contribuir na organização e para o enfrentamento contra os

despejos, vindo eles de decisões do Estado, por ordem judicial de despejo destes

trabalhadores, ou de novas ações de jagunços. Esta assembleia foi citada pela Salete:

E aí teve muitas mobilizações, teve até um encontro, não lembro que ano que

foi, ali na Barra Bonita, é, na comunidade da Barra Bonita, que veio muitas

entidades , deputados, igreja, sindicatos, a Assesoar, várias entidades de

vários lugares, né, na época. E aí foi feita uma grande assembleia

contestando isso, né, como forma de.. dizia: "- Oh, o povo que tá aqui é um

povo trabalhador, só quer viver na terra" (MARIANI, Salete, 42 anos,

Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

Foto n. 3 – Reunião no acampamento em 1984

43

Fonte: Arquivo pessoal Jaime Callegari

Também era importante para a organização das famílias acampadas e ao movimento,

a atuação que a Igreja Católica tinha na região, através das Comunidades Eclesiais de Base

(CEBs), principalmente a vinculada a Diocese de Chapecó. As CEBs contribuíram para que a

notícia da ocupação se espalhasse, além de ajudar no processo de desapropriação. O apoio de

entidades como a CPT, Acarpa e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi importante para

enfrentar as dificuldades, ajudando, inclusive, na distribuição de sementes para os acampados.

Na contramão do processo de despejo, os movimentos sociais da região

constituídos pelos STRs, pela Igreja Católica e algumas autoridades em

favos dos trabalhadores, assumiram a luta pela não realização da execução

da ordem judicial impetrada pela Comarca de Francisco Beltrão (PRANDO,

2010, p. 44).

Em documento de repúdio contra as ordens de despejo, em 1984, foi elaborado um

documento assinado pela Diocese de Palmas, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Nova

Prata do Iguaçu, Pérola D’Oeste, Capanema, Salto do Lontra, São João, Realeza,

Chopinzinho, Santa Izabel D’Oeste, Santo Antônio, Ampére, Dois Vizinhos, Verê, Francisco

Beltrão e Campo Erê/SC e por Paróquias da região, assim como pela Assessoar, pelo

MASTES, pela CPT Sudoeste e Comissão Regional dos Sem Terra do Oeste/SC.

No documento os apoiadores manifestaram apoio e endossaram a importância em

assentar as famílias na área ocupada e denunciaram os problemas inerentes se o despejo fosse

efetuado.

44

Despejar os ocupantes é se responsabilizar pela violência que fatalmente

ocorrerá, pois haverá resistências e, consequentemente, mortes. A sociedade

não perdoará tamanha insensibilidade das autoridades constituídas deste

país. Não perdoará pelas consequências que um despejo destes pode

ocasionar. Serão 648 famílias sem trabalho, marginalizadas. Serão mais de 4

mil pessoas tendo que roubar, saquear, assaltar, para sobreviver (Manifesto

de apoio aos ocupantes da fazenda Anoni, 23 de agosto de 1984).

Podemos perceber, na narrativa de Salete, a condição em que as famílias se

encontravam, evidenciando a gravidade do problema social e a necessidade de se organizar

coletivamente para pressionar o Estado para viabilizar o assentamento, para ser um caso de

reforma agrária. Este contexto é muito interessante para analisarmos, além da necessidade de

reforma agrária, a contradição que podemos perceber no discurso do Estado e da classe

dominante sobre a reforma agrária e outras medidas de políticas agrícolas vinculadas ao I-

PNRA, que previa a regularização de milhares de hectares para a reforma agrária, mas não era

efetivado. Através destas questões podemos discutir sobre o abandono e venda/troca de lotes

no acampamento.

2.5 - Venda de lotes:

Oh, dos que entrou aqui tem, aqui na nossa comunidade deve ter uns seis,

sete, num sei se tem. Tem nóis aqui, os Oscarzinho ali, o Taudelino lá em

cima e os Kanova. Esse sítio aí foi vendido mais de deiz veis, foi roliado.

(LIRA, Ataíde, 73 anos, Marmeleiro/2012).

O relato acima é de Ataíde Lira que teve sua experiência de acampamento narrada

como momento de dificuldades. Sem condições de preparar a terra dentro do acampamento,

para plantar a alternativa encontrada foi de arrendar um pedaço de terra no São Roque, local

onde já estabeleciam este tipo de relação, e lá passaram a plantar.

Primeiro ano nóis arrendava terra lá do outro lado, do filho do Juca, era,

tinha umas capoeira lá, dava pra plantar sem lavrar e fumo lutando e fumo

lutando até que consegui arruma trator pra planta umas parte. Lavrei uma par

de veis, não tinha, já era gramado, vai lavra que jeito. Com boi não ia

[inaudível] não tinha como desmancha. (LIRA, Ataíde, 73 anos,

Marmeleiro/2012).

Essa dificuldade de preparar a terra era marcante, pois aliada a elementos como a

geada que pegou a plantação naquele ano e a falta de ferramentas, contribuía para que, na

visão dele, essas famílias roliassem a terra. Seu relato evidencia o processo de venda das

terras o que precisa ser analisado com cautela, pois as condições de reprodução da vida

camponesa no acampamento eram difíceis.

45

Ataíde Lira: E o piá não quis mais e saiu e só nóis dois também não.

Ricardo Callegari: Os filhos foram saindo aos pouquinhos daqui?

Elvira Lira: O mais velho nunca morou aqui ele parava uns dias aqui e não

quis vim aqui. Quando nóis entremo aqui ele trabaliava, naquele tempo era

Coopavel, naquele tempo ali. Daí achemo ele ali. Daí a gente até foi de atrás

dele porque nóis queria tirar um pedaço de terra pra ele, ele não quis. Diz

que não, que no Borman era muito feio, que ia da despejo ia dar isso, ia dar

aquilo e ele não quis. Daí nóis também não tivemo condições de ficar e

fiquemo só com esse pedaço aqui.

Ataide Lira: O [inaudível] mora ali, tinha comprado, foi nóis que tiramo

aquele pedaço pro outro vizinho de lá do São Roque ele não quis vim, daí

ficou. Daí nisso entrou outro ali, demo pra ele, ele queria vender. Bem no

fim deu briquiou por um rádio velho, uma lata de feijão. Daí foi passando de

um morador pra outro. Eu tinha dado pro meu filho, o sítio, pro meu guri

esse mais velho, daí ele não quis vim pra cá, vende pra outro. (LIRA, Ataíde

e Elvira, Marmeleiro, 2012).

Alzemiro Prando (2010) analisa o processo de venda de lotes que ocorreu na década

de 1980 e 1990 e credita o problema a demora que houve na regularização dos lotes:

A falta de uma decisão mais efetiva por parte do governo e de apoio das

políticas públicas produziu nesse período de 15 anos, uma instabilidade

social e econômica, em que muitas famílias comercializaram seus lotes a

preços irrisórios e de forma irregular para terceiros e quando houve a

regularização, estes terceiros passaram a ser os beneficiados (PRANDO,

2010, p. 46).

Diante dos problemas inerentes à demora na regularização das terras, dificuldade de

acessar financiamentos para adquirir calcário, adubos ou sementes, algumas famílias

acabavam vendendo o lote. Essa problemática aparece na narrativa de Salete que pensa a

atuação do INCRA como necessária para evitar que isso aconteça.

É, e uma das questões que a gente também não pode, não pode acusar o

povo, venda de lotes. Teve venda de lotes e tem venda de lotes! A gente

viveu com isso nos assentamento, aqui não é diferente. Mas a gente também

não... de quem que é a culpa da venda de lote [inaudível].Por que o povo é

culpado né!? Quem é que o culpado? É o movimento? Que muitos dizem:

-Não, é o Movimento Sem Terra!, mas a pessoa que não quer ficar no lote

ela dá um jeito. E o INCRA também que... que tem essa tarefa de organizar

melhor a reforma agrária também não atua, ele legaliza os lotes, não faz

nada pra impedir essa venda de lote. (MARIANI, Salete, 42 anos,

Marmeleiro: 11 de jan. 2012).

Deve-se pensar como a venda de lote ocorria, pois, dentro desta lógica apresentada até

agora, podemos perceber que fatores como a demora para a regularização dos lotes e quando a

própria regularização era feita de maneira que não distribuía igualmente os lotes (em

tamanho) para os assentados, assim como a assistência técnica que não orientou de maneira

construtiva a aplicação do dinheiro liberado nos financiamentos, esses fatores contribuíram

46

para que os lotes de terras não fossem viabilizados economicamente. Desta maneira houve o

endividamento da grande maioria dos assentados. É neste âmbito e a partir destas condições

que a venda de lotes deve ser analisada, inserida num contexto de “reforma agrária” que não

visava a permanência dos Sem Terra no campo.

Podemos perceber que na interpretação de Salete estão presentes elementos que

remetem a uma noção de identidade de classe. Ao passo que ela afirma a existência da venda

de lotes, ela também identifica que o problema não é o povo e nem o movimento, mas, sim, a

atuação problemática do INCRA, “que tem a tarefa de organizar melhor a reforma agrária,

mas não faz nada para impedir a venda de lote” (Salete Mariani, 42 anos, Marmeleiro: 11 de jan.

2012).

Muitos lotes foram comprados - briquiados – por outros trabalhadores, como foi o

caso do assentado Setembrino, que nasceu em Dionísio Cerqueira e viveu boa parte no

campo. Antes de ir para o acampamento, porém, estava trabalhando como segurança. A

dificuldade do emprego, assim como a vontade de voltar para o campo contribuíram para a

tomada de decisão quando recebeu o convite de seu irmão Clementino, que estava desde o

início da ocupação, para também ir ao acampamento. Ele conseguiu comprar um pequeno

pedaço de terra e se estabelecer no acampamento.

É, já tava tudo cheio de gente. E daí como não vinha recurso um saía, como

aquele que eu comprei aqui. Então ele tinha saído por que não tinha recurso,

não teve meio. Tá na favela, filho na cadeia. (PADILHA, Setembrino, 67

anos, Marmeleiro/PR, 2012).

A experiência anterior ao acampamento de trabalho na cidade, mas que além de

perigoso não era parte de sua experiência de vida, que o remetia sempre ao campo, a roça.

Para Setembrino a experiência de vida no campo o motiva para voltar ao campo.

Sabia, ele, que sem recurso não conseguia fazer produzir a terra, deveria colocar

calcário, adubo. Tanto que reconheceu que comprou a terra de um acampado que estava nessa

encruzilhada. Setembrino partiu para a luta por terra e por créditos, junto à outros acampados

e se deparou com a violência do Estado, que agiu através da polícia, em uma manifestação em

Curitiba, ocorrida no ano de 2000. Aqueles anos foram marcados pela truculência do Estado

por parte do governo de Jaime Lerner e Setembrino traz esta experiência na sua narrativa.

Nós fomos atrás de recurso e daí eles impediram nós de chegar. Nós tava ali

numas duas mil pessoas e foi muito ferido. Todo mundo, além do

companheiro que foi morto, crianças no colo da mãe com seis meses ali

atorou a mão, os dedo todo, ela é do Paraná lá do norte e foi brabo mesmo,

47

por que representava uma guerra contra nós. (PADILHA, Setembrino, 67

anos. Marmeleiro/PR: 17/01/2012).

Na experiência de seu Setembrino está presente a violência que sofreu, movida pelo

Estado na atuação policial. Esta experiência foi trazida em seu relato como sinônimo de

“guerra”, dada a forma de atuação empreendida pela polícia. Este processo possibilita que

tenhamos uma noção de como se encontrava a luta e as políticas do Estado no Paraná, pois é

possível perceber claramente a quem o Governo Lerner (PFL) estava defendendo27

. Neste

âmbito também é possível perceber a importância que a luta por terra e por reforma agrária

construída pelo movimento Sem Terra tinha, até porque o Estado não estava pondo em prática

nenhum projeto político de reforma agrária do I-PNRA ou que realmente trouxesse uma

mudança na estrutura da concentração fundiária.

Decorrente da não regularização dos lotes, não havia como acessar a financiamentos

para adubar a terra e conseguir ferramentas de trabalho. Basta lembrar que é uma exigência

bancária o título da terra para conseguir financiamento. Diante deste problema é que

vendiam/trocavam a terra, aliado também a fatores como a discriminação que sofriam, as

ameaças de despejo que, como vimos, atrapalhavam os momentos de plantio e também a

violência que, vinda do Estado e dos jagunços, causava um clima de tensão e medo.

2.6 - O Alerta

A começar pelo nome do jornal “O Alerta” já podemos evidenciar como os sujeitos

percebem o contexto em que vivem e produziam suas interpretações. O contexto vivido no

acampamento, na época que o jornal começou a ser organizado, era muito violento. Os Sem

Terra eram vítimas da repressão do Estado (que vale lembrar que havia a ditadura militar,

mesmo que em processo de crise), da classe dominante da região e da criminalização que por

parte da população do município de Marmeleiro realizava. Diante disso, havia a necessidade

dos acampados estarem em “alerta”. Estar “em alerta”, naquele momento, podia representar o

27

Entre os anos de 1995 e 2002, durante o governo de Jaime Lerner que foi marcado pela truculência, falta de

diálogo e violência, 16 trabalhadores sem terra foram mortos, 325 feridos, 49 ameaças de morte e 134 ações de

despejo. Dados disponíveis aqui: http://www.mst.org.br/TJPR-mantem-condenacao-do-Estado-do-Parana-pelo-

assassinato-de-Sem-Terra.

48

perigo de serem expulsos pelos jagunços (milícias privadas, o que ocorreu três vezes, mas

que, ao contrário do esperado pelos mandantes) ou pelas milícias do Estado. Porém, estas

ações de violência contra a reforma agrária exigia mais organização do Movimento Sem

Terra, o que resultou no próprio fortalecimento da luta.

Durante o processo de construção do movimento e para que pudesse ser feito um

debate junto com a sociedade diante de um processo novo que seria as ocupações de terra,

além de buscar orientar e informar os acampados sobre os projetos políticos da burguesia

agrária, assim como informar sobre como estavam outras formas de pressão que havia no

Paraná, os Sem Terra do acampamento da Fazenda Anoni elaboraram um jornal, O Alerta.

Neste jornal eles publicavam várias discussões, dentre elas pode-se citar o debate acerca do

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária – e sobre o Estatuto da Terra. Além disso, ao

disporem da foto de João de Paula no jornal em forma de boletim, evidenciavam a violência

que os acampados estavam enfrentando.

“A Reforma Agrária saiu, só não sabe quando volta”, dizia o jornal O Alerta,

organizado pelos assentados de Marmeleiro, em 1984. Esta interpretação é significativa para

pensar a dimensão que a questão agrária tomava naquele período e também para evidenciar

como os sujeitos sociais se organizam e resistem, neste caso, utilizando o jornal para ajudar na

construção e defesa da luta pela reforma agrária.

O MASTES publicara análises e interpretações construídas pelo movimento a respeito

do I Plano Nacional de Reforma Agrária que fora aprovado no Governo de José Sarney. Estas

análises contribuíram para o desenvolvimento da luta ao comparar o I PNRA ao Estatuto da

Terra colocando como principais problemas a questão de que as fazendas que seriam

desapropriadas seriam as públicas concentradas no Norte do país. Essa é uma questão

problemática ao passo que as terras que estavam ocupadas na fazenda Anoni eram

improdutivas e, logo deveriam ser regularizadas, mostram que existiam fazendas

improdutivas na região, assim como Sem Terra querendo as áreas das ocupações.

Pelo I PNRA, o governo federal “pretendia” desapropriar as terras devolutas, de

fazendas improdutivas e incentivar a produção. Podemos verificar, através das narrativas dos

sujeitos sociais acampados na fazenda Anoni, que, desde o início, o “plano de reforma

agrária” não tinha o objetivo de fazer uma transformação social nem de desapropriar as

fazendas. No relato de Salete podemos verificar isso. Ao passo que ela interpreta a condição

que viviam podemos perceber que a atuação do Estado se dava no sentido de expulsar, ou

legitimar a expulsão, dos acampados.

49

Ao analisarmos o jornal de 1986, onde consta um quadro comparativo entre o I PNRA

e o Estatuto da Terra, apresentando uma interpretação do ponto de vista dos Sem Terras e dos

movimentos sociais, podemos verificar os problemas que haviam no Plano, tais como: o

incremento da produção para o mercado capitalista e, segundo sua lógica, a não

desapropriação da maioria das fazendas improdutivas existentes no Paraná e no Brasil.

Evidenciamos com isso uma tentativa de reforma agrária que não iria alterar as relações de

poder dos latifundiários.

Para o Paraná nos anos de 1986 até 1989 seriam assentadas 77.900 (setenta e

sete mil e novecentas) famílias e a quantidade de terra para todas estas

famílias é de 1.210.000 (um milhão duzentos e dez mil) hectares. Os

latifúndios do Paraná somam juntos 6.500.000 (seis milhões e quinhentos

mil) hectares, isto quer dizer que vão desapropriar só 18,6 por cento dos

latifúndios do Paraná. Para quem vai ficar o resto da terra que sobra??? (O

Alerta, 1986, p. 2).

Neste sentido, podemos perceber que a atuação do Estado foi (e continua sendo) no

sentido de expandir a expropriação que sofrem os mais pobres do campo. Neste âmbito é que

a importância da luta e a origem dos movimentos sociais devem ser consideradas como

elementos de resistência de um modo de vida e que, sem estes, o lócus de pequena

propriedade da região não existiria. O estudo sobre o Assentamento José Eduardo Raduan

evidencia a importância das lutas sociais contra o avanço do latifúndio e o significado que a

ocupação teve, pois foi um elemento “novo” nesta luta. Também serve para perceber que as

reivindicações dos assentados foram se ampliando e servindo como elemento de experiência

da luta. No início o objetivo era a terra, depois passou a incluir a defesa de outro projeto para

agricultura, a agroecologia, em contraponto ao agronegócio.

50

2.7 - Os financiamentos e a luta por crédito

A questão dos financiamentos é muito significativa, pois ela esta inserida num âmbito

conflituoso entre o capital – que se expande na pequena agricultura através deles, pois busca

inserir os camponeses na lógica capitalista de produção – e o trabalho.

No contexto do acampamento as dificuldades de iniciar a produção foram muito

grandes devido à condição de exclusão que os camponeses Sem Terra se encontravam. Essa

condição os levava a luta por crédito como forma de subsidiar a produção, mas não uma

produção de mercadorias objetivando o lucro, mas, sim, para o preparo da terra e produção de

alimentos.

Os financiamentos estão inseridos num campo de disputa e o crédito foi uma

conquista dos acampados para ajudar na produção. A experiência de Setembrino é marcada

por duas questões importantes: 1) A sua entrada no acampamento ocorreu por meio da

compra de um dos lotes, na sua interpretação se não fosse a falta de crédito o acampado não

venderia o lote; 2) Ao ingressar no acampamento participa da luta pela regularização dos lotes

e por crédito, em uma das manifestações, em Curitiba no ano 2000, os manifestantes foram

recebidos com muita violência por parte da polícia e Setembrino foi ferido. Na narrativa de

Setembrino podemos perceber essas disputas:

Se nós tivesse armado tudo bem, mas desarmado mesmo e sofre o que nós

sofremo pela polícia. Teve companheiro morto, baleado, quase duzentos e

pouco feridos, hospitalizados o medicamento era na cadeia. Pra gente foi,

que eu perdi todo o meu serviço daquela época pra cá... Então eu fui

perdendo, fui perdendo o serviço e gastei tudo o que eu tinha. (PADILHA,

Setembrino, 67 anos, Marmeleiro/PR, 2012).

Na narrativa podemos perceber que no caso do Assentamento José Eduardo Raduan

estas políticas se deram através de assistência técnica e liberação de recursos somente 15 anos

depois da ocupação e mediante muita luta e enfrentamento com a classe dominante e com o

Estado. Na experiência de seu Setembrino está presente a violência que sofreu por parte do

Estado com a atuação policial. Esta experiência foi trazida como sinônimo de “guerra”, dada à

forma de atuação empreendida pela polícia.

Este processo possibilita percebermos a dimensão do conflito, tensionamentos e as

políticas do Estado, pois é possível perceber claramente a quem estava defendendo. Neste

âmbito é possível perceber a importância que a luta por terra e por reforma agrária assumia

51

percebendo que o Estado não estava pondo em prática nenhum projeto político de reforma

agrária que realmente trouxesse uma mudança na estrutura da concentração fundiária.

No caso do Assentamento José Eduardo Raduan outros momentos também foram

importantes para pensarmos como as classes dominantes se organizavam e tratavam os

trabalhadores camponeses inserindo-os, através dos financiamentos, no mercado capitalista.

A assistência técnica que orientou a aplicação dos recursos disponibilizados através

dos financiamentos foi narrada pelos acampados como momento em que os interesses

individuais foram maiores do que os coletivos. Relatam os projetos mal elaborados, situação

em que muitos tiveram que ser destruídos com o passar dos anos, a exemplo das curvas de

nível que seriam para escoar a água das chuvas para que não ocorressem erosões no solo, mas

que na prática não funcionavam, enchiam e estouravam com as chuvas causando estragos nas

roças. Erosões deste tipo levavam a terra fértil e toda a matéria orgânica da roça para os rios.

Na fala do senhor Ademio Luiz Wartha, de 62 anos, podemos perceber essas questões:

Esses trator que vieram faze as coisa aí levaram nosso dinheiro. [inaudível]

Pois é, fazer esse terraço e coisa daí tinha que paga e era pra ser 40 real a

hora e depois virou 60, 70 e aí foi. Ficava aí uns trêis dia na terra das pessoa

ali cavocando [inaudível] não dá mais nada em cima igual, e não deu por

tudo. Os murundu, aí por baixo. Ali tem terra que até hoje não presta”.

(WARTHA, Ademio, 62 anos. Marmeleiro/ PR: 17/01/2012).

Os murundus serviam para diminuir a velocidade de escoamento da chuva para que

não ocorressem erosões no solo de maneira que possibilitasse a absorção mais lenta da água.

No caso da Anoni estes não escoavam a água que se acumulava e estourava deixando grandes

“crateras” no meio das roças, sem contar que pela quantia que cavoucaram para erguê-los

retiram o potencial de produção da terra, pois amontoaram a melhor parte dela em que estava

toda a matéria orgânica. Esta forma de assistência, que era tratada pelo Estado como política

de reforma agrária ocasionou o endividamento de várias famílias com os bancos, levando-os a

vender seus lotes de terra.

No relato de Setembrino percebe-se a consciência de que a propriedade pequena não é

inviável, pelo contrário, é possível viver nela, desde que tenha incentivo para sair (1) desta

dívida e (2) para que fosse incentivado a produção, o que nos leva a (3) questionar sobre que

tipo de produção se pretendia realizar e se pretende construir.

Se viesse um recurso através de fundo perdido pra os mais sofrido que tá

aqui dentro que não teve meio de pagar, como não teve mesmo jeito, não

veio recurso pra adubar a terra, bota adubo, bota calcário e então se viesse

um dinheiro pra cria esse tipo de gente daí aqui era bom. Cada um veve

[vive] com um pedacinho pequeno, não precisa pedaço grande de terra,

52

tendo recurso através de como eu falei através de um fundo perdido. Que se

é pra pagar, o povo não vence pagar por que aquele que não venceu quando

era pouquinho agora não vence mais, eu não faço isso em três anos não me

sobra isso aí não paga nunca. (PADILHA, Setembrino, 67 anos,

Marmeleiro/PR, 2012).

Podemos concluir que os financiamentos são um espaço de disputa dos acampados

com a classe dominante e com o Estado. Estes últimos utilizam da violência para enfrentar os

sujeitos que lutam por subsídio. Quando o crédito é liberado – através da luta –, são mal

elaborados para pensar a realidade dos lotes e do assentamento ou passam a integrar os

acampados ao mercado capitalista. Por isso a luta deve ser por financiamentos em que se

tenha acompanhamento “adequado” para a realidade de pequenas propriedades, ou seja, que

paute a diversidade da produção inserida num projeto político de Reforma Agrária e com

intuito de investimento em ferramentas de trabalho e organização da diversidade produtiva.

O Estado não fornecia assistência técnica para que a produção fosse organizada de

forma contrária aos objetivos da classe dominante e do capital, ou se fornecesse, buscaria

subordiná-los ao mercado capitalista, logo visa integrar os camponeses no modelo de

agricultura do agronegócio. Neste modelo que não se desenvolve somente na grande

propriedade, mas que se perpetua dentro das pequenas propriedades. Este modelo contribui

para que ocorra o monopólio das sementes – com os transgênicos –, incentivo ao uso de

agrotóxicos, da perca de autonomia do camponês a sua produção que passa a ser

comercializada através de cooperativas ligadas aos interesses burgueses através das grandes

multinacionais ou empresas agrícolas que controlam preços e mercados.

Através também de políticas como a IN-51 (Instrução Normativa – 51), que exige uma

“modernização” das propriedades e do modo de produção com a compra de resfriadores a

granel, ordenhadeiras, em “salas de ordenha” que tem um alto custo, pois são equipamentos

caros, também se amplia a atuação do Estado, através dos critérios de liberação de

financiamento

O que vale destacar é que a assistência técnica exista, aliada a políticas de incentivo

para organização da produção camponesa, mas que sigam outra lógica como a da

agroecologia baseada na pequena propriedade e na produção de alimentos sem agrotóxicos.

Trago o exemplo da produção de leite e da Normativa, pois é a forma de produção mais

disseminada na pequena propriedade, realidade que se verifica no assentamento, e para

discutir a IN-51 que atinge os assentados e os pequenos produtores. No caso da produção

leiteira a aquisição de equipamentos, como ordenhadeira, sem dúvida colabora para a

melhoria na condição de trabalho, o problema se evidencia na a) forma de adquirir estes

53

equipamentos, pelo alto preço, b) pelas formas de financiamento, o que causa o

endividamento a longo prazo dos camponeses, pois c) a forma de comercialização, através de

“cooperativas” do agronegócio que controlam os preços, impedem (ou dificultam) que o

camponês, ou assentado, tenha uma renda suficiente para se manter na produção e pagar os

financiamentos.

No caso daqueles que adquirem os equipamentos, através dos financiamentos o que se

verifica é o endividamento a longo prazo. Políticas como a IN-51 estão inseridas numa lógica

de exclusão dos pequenos agricultores e camponeses e que segue a lógica de desenvolvimento

do capitalismo no campo que hoje é denominado agronegócio e que contribui cada vez mais

para a concentração de terras no Brasil.

Para tanto, o investimento do Estado não se dá somente na propriedade do camponês,

mas na própria formação de agrônomos na área de agroecologia ou numa outra matriz de

produção que não seja a da classe dominante, para que possam prestar assistência técnica para

os camponeses e contribuírem para a organização da produção já dentro deste novo modelo de

produção.

Considero que o Estado em nenhum momento fez a reforma agrária. Nesta luta é

preciso interpretá-lo, principalmente, como legitimador da propriedade privada, do latifúndio

e do agronegócio. Por si só, não “gestará” estas políticas de redistribuição de terras. Conclui-

se que estas políticas levadas pelo Estado não são políticas de reforma agrária e que são

reflexo de um “modelo” de agricultura que atende aos interesses das classes dominantes do

mundo agrário e urbano, que hoje chamamos de agronegócio, que transforma o campo e a

agricultura num negócio de produtividade e competição de mercado. Por isso é importante

perceber e discutir as formas de resistência encampadas por sujeitos e movimentos sociais

frente ao avanço do capitalismo, na luta por justiça social.

54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de conquista do assentamento foi resultado da luta empreendida por Sem

Terra. Desde a ocupação (1983) até a regularização dos lotes (1998) se desenvolveram várias

práticas organizativas que foram construídas pelos acampados para resistirem na terra. Nos 15

anos de acampamento desenvolveram formas coletivas de enfrentar a falta de comida (horta

comunitária), falta de trabalho (empreitadas) e ameaças de despejo (reuniões), estas práticas

contribuem para a experiência de classe e de luta por terra e por reforma agrária.

A experiência de organização no acampamento foi importante por colocar as

dificuldades de forma coletiva, assim como de construir as ações de resistência. As práticas de

organização e resistência desses sujeitos foi a base da construção coletiva que garantiu a

conquista da terra, motivados muito por suas experiências como camponeses que sempre

mantiveram relações com a terra e que não queriam abandonar o campo.

E, ao contrário do que pressupunha o Jornal Estado do Paraná, em reportagem do dia

15/01/1984, a ocupação da fazenda Anoni serviu como precedente para a organização de

movimentos sociais de luta no campo aglutinando diversas famílias em torno de um objetivo

comum a todos.

Considero que as ações do Estado em fazer a reforma agrária não transformaram as

relações de poder com a terra, mas foi produto da luta empreendida pelos Sem Terra. É

necessário destacarmos que o que é defendido pelo Estado como reforma agrária se limita a

ações emergenciais em áreas de conflito ou desapropriação de terras devolutas que não

alteram a desigualdade social no campo. Candido Grzybowski (1987), ao discutir o Estatuto

da Terra, afirmou: “Pelo Estatuto da Terra reduz-se a Reforma Agrária a ações emergenciais

nas áreas de conflito e ao estímulo da colonização de áreas novas” (GRYZYBOWSKI, 1978,

p. 78). Como discutido por Mançano Fernandes: “Das formas de resistência serão colhidas as

experiências e as lições que permitirão romper com as novas cercas que hoje estão sendo construídas”

(MANÇANO, 2001, p. 47).

As práticas de organização e de enfrentamento construídas pelos Sem Terras foi o que

permitiu que estes permanecessem na terra e que deram origem a movimentos sociais

organizados como o MASTES e o MST.

55

A terra para os acampados não significa reserva de valor. A conquista da terra é para

manter as relações com o campo, assim como de proporcionar uma melhora de vida, porém,

para que tal conquista fosse alcançada foi importante a identificação dos acampados como

agentes coletivos inseridos num mesmo processo de exclusão.

Há de se pensar e desconstruir a visão de mundo difundida pela classe dominante,

através da mídia e da educação, de que a agricultura familiar ou camponesa é atrasada, sendo

assim afirmam que a Reforma Agrária está em crise. Qual o significado de atrasado nesta

relação? Sugere-se que são aquelas propriedades em que não há tratores ou maquinários

pesados, que não plantam transgênicos, que não utilizam agrotóxicos. Visão muito difundida

a partir da década de 1970 com as políticas e o discurso de “modernização” no campo feita

pelo Estado. Todas as propriedades de terras deveriam ter tratores, não se pensava em

associações que poderiam atender um número maior de famílias com um trator apenas.

A questão não é só a distribuição da terra, mas também construir novas

relações de poder com a participação dos trabalhadores na efetivação das

políticas públicas. Esse de se correlacionar forças políticas no plano dos

conflitos no capitalismo. Políticas públicas eficazes se efetivam com a

participação dos trabalhadores. (MANÇANO, 2001, p. 24).

A luta feita no Sudoeste na década de 1980 e 1990 que vivia um instante de crise

econômica na pequena agricultura, com um grande processo de endividamento de

agricultores, e com um número cada vez maior de sem terras, trouxeram diferentes formas de

atuação e organização dos Sem Terra e também por parte da Igreja, da CPT, da Assessoar e de

movimentos como MASTES e MST. Algumas destas concepções eram conflitantes e

demonstra a complexidade na relação com os camponeses e sem terras, ao passo que

evidencia a diversa atuação destes movimentos contra o avanço do grande latifúndio. Porém,

o que vale ressaltar é que o MST nasceu do processo desigual do modo de produção

capitalista e mesmo contando com a conjugação dessas forças políticas recebidas, ele não foi

fruto dessas contradições que foram percebidos pelos expropriados como histórica e

socialmente injustas. Ao atuar junto a elas evidencia que a luta contra o avanço da grande

propriedade ganhava cada vez mais espaço e força.

As diferentes forças do capital que atuavam não só no Sudoeste deixaram um grande

número de excluídos que se organizaram e combateram-nas de diversas maneiras.

No caso do Assentamento José Eduardo Roduann foi preciso enfrentar muitas lutas

para superar as dificuldades como educação, saúde e alimentação. Essas lutas iniciaram

através de trabalhos de base, com grupos de famílias que passaram a discutir soluções e

56

pressionar uma maior atitude por parte dos governos municipais, que muito se beneficiaram

em épocas de eleição com promessas de resolver tais problemas. Devido ao intenso trabalho

de oposição feito pelos partidos e forças contrárias a desapropriação e aos sem-terra, muitas

rupturas e divisões se deram, sendo estes fatores aproveitados para que o assentamento destas

famílias fosse inviabilizado e o processo de desapropriação abandonado.

A área foi desapropriada somente no ano de 1998, sendo encaminhada a regularização

fundiária28

, permanecendo algumas propriedades maiores do que as outras, provocando

debates até hoje no interior do movimento, pois a própria desigualdade da divisão levantou

sérios problemas a respeito da terra e das dificuldades inerentes que vieram para as famílias

que ficaram com lotes onde, devido às características geográficas da região, possuíam pouca

área produtiva. Muitos eram obrigados a abandonar o lote de terra após um longo período de

lutas e dificuldades e, na maioria das vezes, buscavam nas cidades alternativas econômicas

para viver.

Fatos como estes eram utilizados pela imprensa e por partidos políticos contrários a

luta pela terra para dividir o movimento e a atuação das famílias em uma defesa clara da

propriedade privada e improdutiva.

Podemos perceber, através disso, que a atuação de diferentes sujeitos sociais frente à

expansão e territorialização do capital fazem parte da história da região do Sudoeste, tendo em

momentos como da Revolta dos Posseiros de 1957 e do Assentamento Eduardo Roduann e na

organização e atuação de movimentos sociais, entidades, instituições, associações e pastorais

grandes exemplos desta luta no Sudoeste. Fruto destes enfrentamentos é a permanência de

uma agricultura de pequena produção e que fornece um grande contingente de pessoas para

outros locais do estado e contribuindo para a territorialização da luta pela terra no Paraná.

Esta territorialização pressupõe o avanço das reivindicações. Podemos perceber que

este avanço ocorreu no Assentamento através das marchas e ocupações de prédios públicos,

como a do Banco do Brasil em 200829

. Portanto, se a luta inicialmente era por terra –

extremamente importante para manter as relações camponesas – ela vai se ramificando e

incorporando questões como a necessidade de ter escolas dentro do acampamento para

28

Dois pontos merecem destaque: 1º podemos sugerir que se a desapropriação das terras e a regularização dos

lotes não demorassem 15 anos para que começasse, a divisão em lotes de igual tamanho poderia ter sido feita. 2º

Perante a demora na regularização e o enquadramento de lotes abaixo do módulo mínimo, faltou por parte do

Estado e do INCRA uma atitude em garantir outro lote de terra dentro do padrão mínimo para aqueles em outro

assentamento. 29

Como noticiado pelo site do MST esta foi uma manifestação – inserida num contexto nacional de

reivindicações com manifestações em vários estados – “para exigir a criação de um novo crédito agrícola que dê

condições estruturais de produção de autoconsumo e infra-estrutura aos assentamentos de Reforma Agrária.”

Disponível aqui: http://www.mst.org.br/node/5599, acesso em 03/10/2012.

57

atender as crianças e adultos do campo. Outro elemento construído a partir da luta é a

necessidade de subsídios para a agricultura camponesa, este é um elemento muito importante

para a permanência no campo, porém implica na construção conjunta de um projeto político

para que estes investimentos não integrem estes ao projeto político do agronegócio.

Neste sentido, é importante destacar que diante da defesa, por parte da classe

dominante agrária, de um projeto político para a agricultura – não somente à grande

propriedade – que é o agronegócio, é necessário que os movimentos sociais construam um

projeto político de enfrentamento. Por isso é fundamental a defesa de uma agricultura com

matrizes agroecológicas para produção de alimentos saudáveis e não de mercadorias com

grande quantidade de venenos. Este é um projeto político defendido pelo MST hoje e é fruto

da experiência destes movimentos de luta pela terra e por Reforma Agrária.

Partindo deste pressuposto vejo que a organização do assentamento deve pautar-se na

produção de alimentos, com assistência técnica e através de fomento por parte do Estado a

estes camponeses num modelo de produção diferenciado aquela difundido pelo capital.

Podemos afirmar que estas políticas por possuírem como objetivo final a diminuição da

desigualdade social no campo e na cidade, através da divisão de terras e quebra da relação de

poder que a classe dominante mantém com a terra, devem ser construídas pelos movimentos

como políticas de reforma agrária.

A pesquisa sobre o Assentamento José Eduardo Raduan e o processo de conquista da

terra apresentam as contradições das políticas encampadas pelo Estado que através do I

PNRA pretendia distribuir terras aos Sem Terra, assim como podemos evidenciar a

experiência de luta em torno de um processo novo para a região Sudoeste do PR: ocupação de

áreas improdutivas como ferramenta de luta dos Sem Terra.

Podemos perceber que as propostas do Plano se limitavam ao papel e no espaço de

disputa construído foi fundamental a organização dos Sem Terras e das entidades da região

para pressionarem por uma maior atuação do Estado no sentido de solucionar os problemas

vivenciados na ocupação e no acampamento. Ou seja, a atuação do Estado se deu através dos

movimentos de pressão organizados pelos acampados e pelos movimentos favoráveis a

desapropriação da área com regularização dos lotes.

Podemos perceber que a organização das famílias que ocupam a fazenda Anoni foi

fundamental para enfrentar as dificuldades como falta de terra, de comida, de escolas, de

trabalho e de subsídios. Estas práticas de organização e resistência que tinham por objetivo

58

principal a permanência na terra são importantes para pensarmos a experiência do movimento

de luta por reforma agrária.

Ao passo que se reuniam em acampamentos se identificavam como sujeitos inseridos

num mesmo contexto em que a falta de terra era o problema comum a todos. E ao passo que

ocuparam a fazenda e exerciam trabalhos coletivos como a horta comunitária e as empreitadas

contribuíam para a construção de uma identidade de Sem Terra em que o viver e trabalhar na

terra eram proibidos e, para tanto, deveriam se organizar para enfrentar os problemas de

forma coletiva.

Mediante aos ataques dos jagunços contratados e ameaças de despejo judicial, foi

fundamental esta experiência coletiva de apoio ao movimento. Podemos identificar isto

através das reuniões ampliadas que ocorreram no período de acampamento como forma de

discutir e enfrentar estas ameaças, contando, para isso, com apoio de entidades como o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marmeleiro, a Assesoar e a CPT.

Desta experiência de ocupação da fazenda Anoni foi organizado o MASTES, enquanto

movimento social, que contribui para de experiência da organização das famílias em torno da

luta pela terra e por políticas públicas de incentivo a produção e também como elemento para

pressionar a regularização dos lotes. Organização que se desenvolveu nas reuniões com os

acampados, envolvendo pessoas simples no âmbito da sua base social, mas também lócus de

conscientização a ampliação da ação política coletiva no campo, sem privilegiar a hierarquia,

seja ela de sindicatos, das igrejas e das organizações pastorais (CPT e Assesoar), pois se

tratava de construir uma experiência de educação popular e igualdade entre as pessoas nos

locais das lutas e nas próprias ações (reuniões, mobilizações, atos públicos, caminhadas e

publicações, como o Alerta). Fundamentalmente, a experiência era fortalecida na práxis dos

Sem Terra no cotidiano do acampamento e do assentamento, seja nas formas de organização

da vida na nova cidade do campo, quanto nas avaliações e decisões que tinham que realizar

para enfrentar as práticas de violência e as ameaças de destruição do acampamento.

59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de 2012, 75 min;

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de janeiro de 2012, 85 min;

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Callegari. Marmeleiro: 11 de janeiro de 2012, 102 min;

MELO, Osmar e MELO, Odila Rosa da Silva de. Entrevista concedida a Ricardo Callegari.

Marmeleiro: 13 de janeiro de 2012, 99 min;

PADILHA, Setembrino. Entrevista concedida a Ricardo Callegari. Marmeleiro/PR: 17 de

janeiro de 2012, 55 min;

SOBOTKA, Evaldo. Entrevista concedida a Ricardo Callegari. Marmeleiro/PR: 14 de

janeiro de 2012, 98 min;

SZIMIMOVICZ, Pedro Eloi. Entrevista concedida a Ricardo Callegari. Marmeleiro/PR: 14

de janeiro de 2012, 72 min;

VAZ, José Derli. Entrevista concedida a Ricardo Callegari. Marmeleiro/PR: 17 de janeiro de

2012, 26 min;

VENZO, Luis e VENZO, Beatriz. Entrevista concedida a Ricardo Callegari. Marmeleiro/PR:

12 de janeiro de 2012, 39 min;

WARTHA, Ademio Luis e WARTHA, Lúcia Bernarde. Entrevista concedida a Ricardo

Callegari. Marmeleiro/PR: 17 de janeiro de 2012, 59 min;

RELAÇÃO DOS ASSENTADOS ENTREVISTADOS:

Salete de Fátima Pires Mariani: casada, 42 anos, catarinense de Campo Erê, veio para o

acampamento em 1984;

Osni Mariani: casado, 51 anos, paranaense de Barracão, participou da ocupação em 1983;

Setembrino Padilha: casado, 67 anos, catarinense de Dionísio Cerqueira, veio para o

acampamento em 1986;

Ademio Luis Wartha: casado, 61 anos, rio-grandense de Monte Negro e participou da

ocupação em 1983;

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Lúcia Bernadete Wartha: casado, 58 anos, rio-grandense de São Domingos. Veio para Campo

Erê com 9 anos e participou da ocupação em 1983;

Pedrinho Eloi Szimimovicz: casado, 50 anos, paranaense de Pato Branco. Veio para o

acampamento em 1998;

Osmar Antunes de Melo Sobrinho: casado, 57 anos, veio para o acampamento em 1994;

Odila Rosa da Silva de Melo: casada, 49 anos, veio para o acampamento em 1994;

Evaldo Sobotka: casado, 57 anos, catarinense de Saudades, participou da ocupação em 1983;

Valter Kanova: casado, 55 anos, paranaense de Renascença, participou da ocupação em 1983.

Elvira Lira: casada, 64 anos, gaúcha de Espumoso, participou da ocupação em 1983.

FOTOGRAFIAS:

Moradia de 1983 no acampamento dentro da fazenda Anoni. Arquivo pessoal de Osni e Salete

Mariani;

Famílias na reforma das estradas. Arquivo pessoal de Osmar e Rosa Melo;

Reunião no acampamento em 1984. Arquivo pessoal de Jaime e Arlete Callegari.

BOLETIM:

Manifesto em apoio aos ocupantes da fazenda Anoni, Francisco Beltrão, 23 de agosto de

1984. Várias entidades.

O Alerta, Francisco Beltrão, junho de 1986.

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Ricardo Callegari, declaro para os devidos fins que o conteúdo deste Trabalho de

Conclusão de Curso é de minha exclusiva autoria, assumindo, portanto totais direitos e

responsabilidades sobre ele.

_________________________

Ricardo Callegari

Marechal Cândido Rondon, Novembro de 2012