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Desenvolvimento do pensamento Estocástico: proposta para sequência didática e viés Lúdico no 6º e 9º ano do ensino fundamental Franco Deyvis Lima de Sena 1 GD12 Ensino de Probabilidade e Estatística Este artigo é parte integrante de uma pesquisa de mestrado em andamento no Programa de Estudos Pós- Graduados em Educação Matemática, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, com contribuições advindas do grupo Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemática PEAMAT. O artigo tem por intuito levantar aspectos necessários à reflexão sobre a construção do conhecimento estocástico, no 6º e 9º ano do ensino fundamental. Para isso, são abordadas algumas concepções que norteiam a pesquisa, como a necessidade de um processo de ensino e de aprendizagem que perspective a capacitação crítica do aluno para com a temática abordada e o desenvolvimento do pensamento estatístico, probabilístico e/ou estocástico. Também se faz presente neste trabalho, possíveis benefícios da utilização de um viés Lúdico no processo de ensino, como fator motivador em sala. Assumindo estas reflexões, mostrou-se pertinente efetuar uma análise praxeológica de livros didáticos, pois ao conversar com professores de matemática do município de Igarapé-Açu - PA foi revelada a utilização do livro didático como principal e em certos momentos, única ferramenta de ensino de estatística e probabilidade. Na análise das tarefas e contextos expostos nos livros pesquisados foi perceptível à necessidade de alusão a uma metodologia, que de fato propicie um aspecto construtivista do conhecimento estocástico. Neste aspecto, ressalta-se a proposta da pesquisa de mestrado, de investigar as implicações de um projeto de ensino para o desenvolvimento do pensamento Estocástico, fundamentada na Teoria das Situações Didáticas e almejando uma perspectiva lúdica. Palavras-chave: Estocástica; Livros didáticos; Análise praxeológica; Lúdico; Teoria das Situações. INTRODUÇÃO É possível notar que a quantidade de informações noticiadas pelos meios de comunicação vem crescendo significativamente, salientando cada vez mais a necessidade de compreender, analisar e interpretar dados que nos são apresentados. Neste aspecto, destaca-se a importância do ensino da Estocástica (educação estatística e probabilística) como forma de possibilitar interpretações e significação em um contexto de análise de dados. Faz-se então necessária, a utilização de recursos didáticos que auxiliem no processo de desenvolvimento de um tipo específico de pensamento. No que se refere ao pensamento estatístico, de acordo com Wild e Pfannkuch (1999), busca-se desenvolver a capacidade do aluno de: obter dados do mundo real; significar dados representados em tabelas ou gráficos; compreender, interpretar e analisar dados; tomar decisões com base na 1 Pontifícia Universidade Católica São Paulo, e-mail: [email protected], Orientadora: Profª Dra. Cileda de Queiroz e Silva Coutinho.

Desenvolvimento do pensamento Estocástico: proposta para ... · estocástico, no 6º e 9º ano do ensino fundamental. Para isso, são abordadas algumas concepções que norteiam

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Desenvolvimento do pensamento Estocástico: proposta para sequência

didática e viés Lúdico no 6º e 9º ano do ensino fundamental

Franco Deyvis Lima de Sena1

GD12 – Ensino de Probabilidade e Estatística

Este artigo é parte integrante de uma pesquisa de mestrado em andamento no Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação Matemática, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, com

contribuições advindas do grupo Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemática – PEAMAT. O

artigo tem por intuito levantar aspectos necessários à reflexão sobre a construção do conhecimento

estocástico, no 6º e 9º ano do ensino fundamental. Para isso, são abordadas algumas concepções que

norteiam a pesquisa, como a necessidade de um processo de ensino e de aprendizagem que perspective a

capacitação crítica do aluno para com a temática abordada e o desenvolvimento do pensamento

estatístico, probabilístico e/ou estocástico. Também se faz presente neste trabalho, possíveis benefícios da

utilização de um viés Lúdico no processo de ensino, como fator motivador em sala. Assumindo estas

reflexões, mostrou-se pertinente efetuar uma análise praxeológica de livros didáticos, pois ao conversar

com professores de matemática do município de Igarapé-Açu - PA foi revelada a utilização do livro

didático como principal e em certos momentos, única ferramenta de ensino de estatística e probabilidade.

Na análise das tarefas e contextos expostos nos livros pesquisados foi perceptível à necessidade de alusão

a uma metodologia, que de fato propicie um aspecto construtivista do conhecimento estocástico. Neste

aspecto, ressalta-se a proposta da pesquisa de mestrado, de investigar as implicações de um projeto de

ensino para o desenvolvimento do pensamento Estocástico, fundamentada na Teoria das Situações

Didáticas e almejando uma perspectiva lúdica.

Palavras-chave: Estocástica; Livros didáticos; Análise praxeológica; Lúdico; Teoria das Situações.

INTRODUÇÃO

É possível notar que a quantidade de informações noticiadas pelos meios de

comunicação vem crescendo significativamente, salientando cada vez mais a

necessidade de compreender, analisar e interpretar dados que nos são apresentados.

Neste aspecto, destaca-se a importância do ensino da Estocástica (educação estatística e

probabilística) como forma de possibilitar interpretações e significação em um contexto

de análise de dados.

Faz-se então necessária, a utilização de recursos didáticos que auxiliem no processo de

desenvolvimento de um tipo específico de pensamento. No que se refere ao pensamento

estatístico, de acordo com Wild e Pfannkuch (1999), busca-se desenvolver a capacidade

do aluno de: obter dados do mundo real; significar dados representados em tabelas ou

gráficos; compreender, interpretar e analisar dados; tomar decisões com base na

1 Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, e-mail: [email protected], Orientadora: Profª Dra.

Cileda de Queiroz e Silva Coutinho.

percepção da variabilidade de situações; utilização de modelos para análise de dados;

perceber que a estocástica se trata da ciência do número em contexto.

Não encontramos na bibliografia acessada até o momento, reflexões referente às

especificidades de categorização do pensamento probabilístico ou mesmo do

pensamento estocástico, tal que para Scholz (1987, apud LOPES et al. 2012), o

pensamento estocástico:

[...] é responsável por denotar uma atividade cognitiva da pessoa, quando ela

se defronta com problemas estocásticos e/ou com a elaboração de conceitos,

de compreensão e de processos de informação; quando vivencia situações ou

confrontos relativos à chance ou ao conceito de probabilidade.

Partindo dessas prerrogativas, esta pesquisa pretende investigar as contribuições e

implicações da utilização de uma estratégia de ensino que tem por fundamentação a

Teoria das Situações Didáticas e que perspectiva um viés da ludicidade, para a

construção de conhecimentos de Estocástica por alunos do 6º e 9º ano do Ensino

Fundamental, em específico na cidade de Igarapé-açu – PA.

PROBLEMATIZAÇÃO

A experiência como docente da disciplina de Matemática possibilitou observar algumas

dificuldades de alunos do Ensino Fundamental em relação à compreensão da

Estocástica, termo utilizado por Lopes (2008) para abordar a probabilidade integrada à

estatística, como instrumento que fomenta a capacidade de interpretação da sociedade

que os cerca.

Percebeu-se também que essas dificuldades podem acarretar desinteresse no aluno e

gerar um processo degradante e vicioso, no qual a temática é abordada sem a devida

relevância e contextualização para análise e interpretação crítica de dados, assumindo o

conceito de Skovsmose (2008) sobre criticidade.

Dentre alguns aspectos acerca da importância da educação matemática crítica,

Skovsmose defende o desenvolvimento da Materacia, “[...] que não se refere apenas a

habilidades matemáticas, mas também à competência de interpretar e agir numa

situação social e política estruturada” (2008, p. 16).

Casos que não perspectivem este tipo de desenvolvimento podem resultar na

incompreensão sobre a importância da habilidade de análise e interpretação crítica de

inúmeros dados presentes no dia-a-dia, em sincronia com a abstenção da relevância de

suas implicações. Destaca-se assim a necessidade de uma abordagem que tem por

fundamento a aplicabilidade usual e propicia à compreensão de problemas emergentes.

Estas ponderações sobre a temática provocaram, dentre outras, as seguintes indagações:

Como instigar os alunos a compreender a importância da estocástica? Como incentivar

os alunos na construção do conhecimento estocástico?

Procurando então ampliar o arcabouço teórico e melhorar minha prática docente, ao

mesmo tempo em que busco alternativas às dificuldades e indagações recém-descritas

para com o ensino e aprendizagem de Estocástica, fui instigado a ingressar no Programa

de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática na Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo – PUC/SP. Minha participação no grupo de pesquisa Processo de

Ensino e Aprendizagem em Matemática - PEAMAT colaborou para a eleição da

temática desta pesquisa, seu aporte teórico e a forma a qual se pretende desenvolve-la.

Apresentam-se então, para uma discussão mais aprofundada, considerações acerca do

ensino e aprendizagem da Estocástica como formas de permitir uma abordagem que

explicite as inferências práticas de métodos e técnicas, antes assumidas como simples

memorização de formulas matemáticas. Trabalhamos sob a premissa de que se faz

necessária à utilização de enfoques didáticos que provoquem o pensamento estocástico

e, concomitantemente, venham a contribuir para o desenvolvimento da capacidade de

interpretação do aluno, relacionando as problemáticas desenvolvidas no âmbito escolar

e extraescolar.

Concordamos com o descrito por Lopes (1998 p. 10), “É necessário organizar,

representar e analisar os dados a partir do problema. Inseridos nesse processo de

aprendizagem, os estudantes provavelmente terão maiores possibilidades de

desenvolvimento do pensamento crítico”, ainda segundo a autora, “Dessa forma, talvez

o trabalho crítico e reflexivo com a estocástica possa levar o estudante a repensar seu

modo de ver a vida, o que contribuirá para a formação de um cidadão mais liberto das

armadilhas do consumo” (2008, p. 63).

Em vista destes aspectos, destacam-se as considerações de Gascón sobre as possíveis

formas de organizar o processo de ensino e de aprendizagem de matemática, as

Organizações Didáticas (OD), dispostas em:

[...] OD clássicas, que combinan los momentos tecnológico-teórico, , y

del trabajo de la técnica, T/t, y se carcaterizan, entre otras cosas, por la

trivialización de la actividad de resolución de problemas y por considerarque

la enseñanza de las matemáticas es um proceso mecânico totalmente

controlable por el professor. [...] OD empiristas, que pretenden integrar los

momentos exploratório, Ex, y del trabajo de la técnica, T/t. Se caracterizan

por la preeminência que ortogan a la actividad de resolución de problemas

detro del proceso didáctico global y por considerar que el aprender

matemáticas [...] es um proceso inductivo basado em la imitación y em la

práctica. [...] OD construtuvustas, que toman simultaneamente emn

consideración los momentos tecnológico-teórico, y exploratório, Ex. Se

caracterizan por contextualizar la actividad de resolución de problemas

situándola em uma actividad más amplia y por considerar que el aprendizaje

es um processo activo de construcción de conocimentos que se lleva a cabo

siguiendo unas fases determinadas y que depende essencialmente de los

conocimentos adquiridos com anterioridade (GASCÓN, 2003, p 20-21).

Figura 1: Modelo para Organizações Didáticas.

Fonte: GASCÓN, 2003, p. 21

Para possibilitar a contribuição do aprimoramento da capacidade crítica e reflexiva de

estudantes, são almejadas abordagens que se situem no espaço construtivista, nos

termos do modelo proposto na Figura 1. Para tal, suscita-se a elaboração de uma

estratégia didática para construção do conhecimento do aluno e que enfatize um

processo que valorize momentos de adidaticidade.

Nesse sentido, Brousseau (2008, p. 110) elucida um contrato construtivista, de modo

que, “[...] as situações que conduzem o aluno à aprendizagem de conhecimento não são

mais situações “naturais”. O professor organiza o meio e lhe delega a responsabilidade

das aquisições”, ou seja, um processo em que o professor prima pela independência do

aluno para poder desenvolver e construir métodos próprios para resolução dos

problemas propostos.

É importante destacar a Teoria das Situações Didáticas (TSD), desenvolvida por Guy

Brousseau, quanto uma perspectiva teórica e metodológica na criação de uma estratégia

didática, enfatizando a interação entre o aluno e o milieu, um “[...] subsistema

autônomo, antagônico ao sujeito” (2008, p. 21), permitindo certa autonomia didática na

compreensão da Estocástica.

Tendo em mente que a TSD foi concebida com intuito de instituir um modelo de

processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos por meio da interação

entre aprendiz, saber e milieu, mobilizando conhecimentos prévios para aprender um

novo conceito, que pode ocorrer de forma individual ou através da troca de informações

com outros alunos.

Brousseau lembra que a TSD sustenta-se em três hipóteses: Para viabilizar a

aprendizagem do aluno, o milieu deve prover certa dificuldade (milieu antagonista),

requerendo que o aluno adapte-se a necessidade da situação proposta; Um milieu

desprovido de intencionalidade didática, ou seja, no qual o professor não cria uma

organização que tem intuito de ensinar algo, é insuficiente para aprendizagem do

sujeito; O milieu e as situações desenvolvidas devem estar atrelados a saberes

matemáticos, neste caso a estocástica, para seu processo de aprendizagem. Parte-se

assim de uma modelagem do processo de aprendizagem por um jogo no qual o aluno

tem por “adversário” o milieu (organizado pelo professor): vencer o jogo significa

aprender.

Neste sentido, vale ressaltar a noção de construtivismo didático, concebido quando o

professor planeja um conjunto de situações organizadas com intuito de possibilitar a

aprendizagem, enaltecendo a interação entre os sujeitos, para estabelecer um processo

de construção do conhecimento, por suas adaptações perante situações que o professor

organizou (ALMOULOUD, 2007).

Ressalta-se também a concepção de Brousseau, explícita na obra de Almouloud (2007,

p. 33), da adidaticidade como parte inerente das situações didáticas. “[...] na qual a

intenção de ensinar não é revelada ao aprendiz, mas foi imaginada, planejada e

construída pelo professor para proporcionar a este, condições favoráveis para

apropriação do novo saber que deseja ensinar”.

Visando edificar uma estratégia bem fundamentada, surge a necessidade de levantar os

principais aspectos teóricos implícitos no processo de ensino e de aprendizagem dos

conceitos básicos de Estocástica, estudando algumas concepções que a definem, sua

origem, importância mediante atual cenário educacional e níveis de avaliação para seu

aprendizado, fazendo uso de referências como Batanero e Godino (2002), Silva e

Coutinho (2005), Garfield e Bem-Zvi (2007), Gal (2002), entre outros.

Após definição do objeto matemático, a pesquisa objetiva apurar o atual estado do

ensino de Estocástica mediante os principais balizadores de seu ensino, tais como os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que citam a importância do tema pela

demanda social e para isso instituíram um bloco de conteúdo denominado Tratamento

da Informação, tendo como foco a Estatística, Probabilidade e Combinatória.

Será também realizada uma análise das ferramentas utilizadas pelos professores, com

ênfase nos livros didáticos utilizados, pois tal como cita Lajolo:

Como sugere o adjetivo didático, que qualifica e define um certo tipo de

obra, o livro didático é instrumento específico e importantíssimo de ensino e

de aprendizagem formal. Muito embora não seja o único material de que

professores e alunos vão valer-se no processo de ensino e aprendizagem, ele

pode ser decisivo para a qualidade do aprendizado resultante das atividades

escolares (LAJOLO, 1996, p. 14).

Enaltece-se, deste modo, a necessidade de uma análise praxeológica dos livros

utilizados pelos professores, abalizado pela Teoria Antropológica do Didático (TAD),

concebida por Chevallard (1999), tendo como intuito identificar a forma qual esta

temática é abordada ou poderia ser. Ou seja, busca-se identificar as organizações

matemáticas e didáticas presentes nos livros didáticos, tendo como critério principal a

identificação de sua “localização espacial” segundo o apresentado na Figura 1.

Todavia, nota-se que a falta de motivação e/ou do ato de instigar os alunos a

compreender determinado assunto, ainda é grande empecilho no processo de

aprendizagem. Tal como na visão de Boruchovitch e Buzneck, alunos desmotivados:

[...] estudam pouco ou nada e, consequentemente, aprendem muito pouco.

Em última instância, aí se configura um sistema educacional que impede a

formação de indivíduos mais competentes para exercerem a cidadania [...].

Portanto, sem aprendizagem na escola, que depende de motivação,

praticamente não há futuro para ninguém (BORUCHOVITCH; BUZNECK,

2001, p. 13).

Para tentar amenizar esta dificuldade e também aprimorar a capacidade do aluno na

construção de seu próprio conhecimento, traz-se para discussão a necessidade da

adidaticidade, por meio de um sistema antagonista, propiciado por situações que

envolvam uma perspectiva Lúdica como ferramenta auxiliadora nesse processo, e

consequentemente objetivando também propiciar um ensino dinâmico, divertido, e a

interação entre os alunos. Como também elegem os PCN,

Além da interação entre professor-aluno, a interação entre alunos

desempenha papel fundamental no desenvolvimento das capacidades

cognitivas, afetivas e de inserção social. Em geral, explora-se mais o aspecto

afetivo dessas interações e menos sua potencialidade em termos de

construção de conhecimento. Ao tentar compreender outras formas de

resolver uma situação, o aluno poderá ampliar o grau de compreensão das

noções matemáticas nela envolvidas (BRASIL, 1998, p.38).

A perspectiva Lúdica justifica-se também na concepção de Koga e Souza, por

caracterizar que uma atividade matemática:

[...] pode ser bem mais prazerosa com a aplicação de atividades lúdicas,

como jogos, brincadeiras, problemas aplicados no cotidiano, problemas de

desafio, histórias, calculadoras entre outros. Para os alunos com maiores

dificuldades no aprendizado matemático, o lúdico propicia uma situação

favorável, ao interesse pela matemática e, consequentemente, sua

aprendizagem (2004, p.2).

Esta pesquisa faz uso do termo Lúdico, cujo se origina do latim ludus, que significa o

brincar. Esta escolha é refletida do trabalho de Kishimoto (1990, p. 44), que alerta, “[...]

se quisermos aproveitar o potencial do jogo como recurso para o desenvolvimento

infantil, não poderemos contrariar sua natureza, que requer a busca do prazer, a alegria,

a exploração livre e o não-constrangimento”.

Tendo em vista esses aspectos e esperando comparar algumas conjecturas, formuladas

acerca do ensino de estocástica na escola básica, pretende-se pesquisar salas de aula dos

6º e 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola situada no município de Igarapé-açu

– PA, objetivando, dentre outras situações, analisar por comparação as implicações de

uma abordagem diferenciada do conteúdo proposto no início do pensamento

estocástico, no Ensino Fundamental (6º Ano) e em seu limiar de transferência para o

ensino Médio (9º Ano).

Portanto, a presente pesquisa se desenvolve segundo uma metodologia que segue alguns

pressupostos de uma Engenharia Didática, almejando responder quais as contribuições e

implicações de uma estratégia de ensino fundamentada na Teoria das Situações

Didáticas, que assume um viés Lúdico, quanto construção do conhecimento Estocástico

de alunos do 6º e 9º ano, em específico na cidade de Igarapé-açu – PA?

ANÁLISE PRAXEOLÓGICA

A priori se fez necessário identificar algumas das estratégias utilizadas no ensino da

Estocástica, especificamente no 6º e 9º ano.

Após conversas informais com professores da rede pública de ensino do município em

questão, foi constatado que a principal metodologia para abordagem do tema, adotada

por eles, está vinculada aos parâmetros estabelecidos nos livros didáticos, sendo raras

outras fontes pesquisadas para abordagem dos temas relacionados à Probabilidade e à

Estatística.

Destaca-se, em particular, após esse levantamento informal junto aos professores da

cidade de Igarapé-açu – PA, a grande utilização e aceitação da coleção de matemática

destinada do 6º ao 9º ano, do projeto Teláris (DANTE, 2012) como principal fonte de

informação sobre o conteúdo e alternativa quanto aspecto metodológico.

Deste modo, para compreender melhor como a Estocástica é abordada por tais

professores, iniciou-se uma análise praxeológica dos livros do 6º e 9º ano dessa coleção,

Apesar de expor seções de uma página no final de cada capítulo que, de acordo com o

autor, remetem ao tema estatístico, o livro não apresenta capítulo específico destinado

ao ensino de estatística e/ou probabilidade.

Na sessão do livro denominada “Descrição do livro do aluno: 6º ano”, parte do manual

do professor, o autor pondera sobre a importância do bloco tratamento da informação.

O raciocínio combinatório ou possibilidades, importante instrumento

matemático utilizado para desenvolver o raciocínio, é trabalhado por meio de

situações-problema ao longo de todo o volume.

As ideias de chance e de sua medida – a probabilidade – são trabalhadas

intuitivamente no capítulo 6 por meio de situações-problema.

As noções elementares sobre Estatística, explorando coleta e organização de

dados, tabelas gráficos e suas interpretações aparecem em todos os capítulos,

com destaque especial na seção Tratamento da informação, devido à

grande importância que têm na sociedade moderna. (DANTE, 2012, p. 47 do

manual do professor, grifo do autor).

Vale lembrar a concepção de Krulik e Rudnik (1989, p. 10, tradução nossa), em que de

acordo com eles "Um problema é uma situação, quantitativa ou outra forma, que

confronta um indivíduo ou grupo de indivíduos, que requer resolução, e para qual o

indivíduo vê nenhum caminho aparente para obter a solução". Os autores também

afirmam que um problema é também classificado como “[...] uma situação que requer

uma reflexão e uma síntese dos conhecimentos previamente aprendidos para resolver”.

Todavia, é perceptível que pouco ou nada de real situação-problema é apresentada no

decorrer das questões do livro, que prima por uma perspectiva tecnicista, nos termos do

modelo proposto por Gascón (ano). Um dos reflexos dessa abordagem é a grande

frequência de situações que requerem níveis de leitura de dados e superficial leitura

entre dados de gráficos e tabelas.

Adotamos como níveis de leitura de gráficos aqueles propostos por Curcio (1987, apud

BRIGHT et al. 2001) como: Leitura dos dados, nível que identifica informações

claramente explícitas no gráfico com intuito de responder questões, cujas respostas são

retiradas diretamente das legendas e rótulos do gráfico; Leitura entre os dados apresenta

interpretação e integração de dados apresentados, devendo mostrar comparações de

“maior” e “menor”, ou verificações que requerem uso de uma das quatro operações

básicas da matemática; Leitura além dos dados prioriza pela inferência e/ou previsão

oriundas da interpretação dos dados do gráfico e do conhecimento prévio, ou seja, vai

além do que os dados mostram e visa o que se pode deduzir na intersecção entre

compreensão dos dados e das experiências e conhecimentos prévios do sujeito.

Tal como na questão 78 do livro de Dante (2012, p. 63, letra d), que requer nível

superficial de leitura entre dados: apresentado o gráfico a seguir, questiona-se “Em que

mês o número de veículos vendidos foi o triplo de setembro?”.

Figura 2 - Representação gráfica e contexto da questão 78 (p.63).

Fonte: Dante (2012).

Nesta questão, a Tarefa (T), é comparar dados representados em gráficos de barras, o

que requer uma Técnica (t), para perceber a quantidade de veículos vendidos em

setembro , e multiplicar seu valor por três ), obtendo o resultado de ,

que corresponde ao valor estipulado no mês de julho. Mobiliza-se assim a leitura entre

dados de um gráfico de barras enquanto elemento de análise de um conjunto de dados,

na função de Discurso teórico-tecnológico ( ). Insere-se nesse discurso também

propriedades da proporcionalidade (organização dos eixos) e o conhecimento do

contexto pelos alunos que devem analisar tal representação.

É importante lembrar que o livro é destinado a alunos do 6º ano do ensino fundamental

e embora se faça presente uma lacuna razoável nas análises e inferências que a temática

envolve, ele introduz aplicabilidades tecnicistas de noções que devem ser aprofundadas

nos anos seguintes, para tentar conceber a relevância, aplicabilidade prática e

fundamentação teórica que requer o ensino de estatística e probabilidade.

Quanto ao livro do 9º ano, apesar de o autor retomar conceitos de Estatística

estabelecidos em livros anteriores e apresente capítulo destinado exclusivamente ao

ensino de Estatística, Combinatória e Probabilidade, pouco modifica sua postura

didática em comparação ao livro analisado do 6º ano.

É perceptível após breve análise, que a coleção também prioriza por uma abordagem

tecnicista, embora exiba necessidade de níveis mais elevados de leitura entre dados nas

tarefas a serem executadas. Ou seja, pudemos observar que a passagem de um nível de

leitura dos dados (o mais básico) para um nível de leitura entre os dados (um pouco

mais avançado que o anterior) não significa a evolução para uma estrutura de

abordagem não tecnicista (por exemplo, abordagens oriundas de organizações didáticas

clássicas, que articulam o teoricismo com o tecnicismo).

Ainda que esteja claramente descrita a relevância do processo de ensino e aprendizagem

do tratamento da informação, em alguns aspectos do livro tal proposta passa

despercebida, tal como na falta de introdução ou explicitação dos conceitos

compreendidos nas tarefas citadas, deixando transparecer uma falta de sensibilidade

para com a importância desse processo e que pouco desenvolve o pensamento estatístico

ou probabilístico.

CONSIDERAÇÕES

Este trabalho visa mostrar alguns dos parâmetros norteadores desta pesquisa em

andamento, que evidenciam a precariedade da abordagem didática da Estocástica na

principal ferramenta utilizada pelos professores pesquisados.

A partir do levantamento das tarefas e contextos expostos nos livros analisados, foi

perceptível constatar a forma tecnicista como são tratados os conceitos de estatística e

probabilidade, sendo assim plausível destacar a necessidade de uma abordagem didática

diferenciada das expostas no livro. Uma vez que a metodologia embasada nos livros

didáticos aparenta não propiciar contextualização ou significação suficiente para

aplicabilidades do tema almejado, suscita-se a necessidade de admitir que uma

alternativa de contribuição no aprimoramento da capacidade crítica para com análise e

interpretação de dados, pode de fato perpassar pela utilização de abordagens didáticas e

metodológicas que contrapõem o eixo de ensino tecnicista apresentado nos livros

averiguados.

Pretende-se também, aprofundar as reflexões acerca dos parâmetros curriculares

relacionados ao tema e analisar outros livros e ferramentas, utilizadas em menor escala

pelos professores pesquisados.

Portanto, almeja-se na pesquisa de mestrado, estudar o processo de aprendizagem por

intermédio de projetos para abordagem da Estocástica, desenvolvidos a partir de

fundamentação na Teoria das Situações Didáticas e trazendo consigo uma perspectiva

lúdica como agente motivador do desenvolvimento do pensamento estocástico.

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