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1 Desenvolvimento e instituições: a importância da explicação histórica in - ARBIX, Glauco, ZILBOVICIUS, Mauro e ABRAMOVAY, Ricardo Razões e ficções do desenvolvimento UNESP/EDUSP - 2001 Ricardo Abramovay * O capítulo sobre distribuição de renda do mais vendido manual contemporâneo de introdução à economia, o de N. Gregory Mankiw (1998/1999:446), conclui de maneira sóbria que as sociedades enfrentam necessariamente um dilema (um trade-off) entre eqüidade e eficiência. O crescimento (a utilização eficiente dos recursos) supõe poupança e portanto uma certa concentração que sacrifica forçosamente a igualdade. Políticas que punem os bem-sucedidos e recompensam os fracassados reduzem o incentivo das pessoas. Para quem julgar a conclusão desoladora resta o consolo de acreditar que esta é uma fase apenas inicial no processo de desenvolvimento que será sucedida possivelmente por bonança distributiva, como mostraram economistas do calibre de Simon Kuznets e Nicholas Kaldor. Em outras palavras, embora o crescimento não tolere inicialmente excessos na distribuição, uma vez encontrado seu ritmo de cruzeiro, ele é fundamental no combate à pobreza. A ciência econômica dos anos 1990 contribuiu de maneira decisiva para colocar aquilo que muitos viam como uma lei científica seriamente em dúvida. Ninguém nega que o crescimento seja uma condição necessária para o combate à pobreza. Mas a indagação inovadora consiste em saber se a vitória sobre a pobreza pode ser um estímulo significativo para o próprio crescimento econômico. Esta inversão da pergunta faz com que o tema da desigualdade não seja objeto simplesmente de políticas sociais compensatórias, mas se incorpore ao âmago da própria economia.. Em última análise é disso que tratam Douglass North (prêmio Nobel de 1993), Amartya Sen (prêmio Nobel de 1998) e Joseph Stiglitz (até recentemente vice-presidente senior do Banco Mundial e, antes disso, chefe da assessoria econômica de Bill Clinton). Estas três * Professor livre-docente do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da USP [email protected]

Desenvolvimento e instituições: a importância da explicação histórica

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Artigo de Ricardo Abramovay em ARBIX, Glauco, ZILBOVICIUS, Mauro e ABRAMOVAY, Ricardo – Razões e ficções do desenvolvimento – UNESP/EDUSP - 2001.

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Desenvolvimento e instituições: a importância da explicação histórica

in - ARBIX, Glauco, ZILBOVICIUS, Mauro e ABRAMOVAY, Ricardo �– Razões e ficções do desenvolvimento �– UNESP/EDUSP - 2001

Ricardo Abramovay*

O capítulo sobre distribuição de renda do mais vendido manual contemporâneo de

introdução à economia, o de N. Gregory Mankiw (1998/1999:446), conclui de maneira

sóbria que as sociedades enfrentam necessariamente um dilema (um trade-off) entre

eqüidade e eficiência. O crescimento (a utilização eficiente dos recursos) supõe poupança

e portanto uma certa concentração que sacrifica forçosamente a igualdade. �“Políticas que

punem os bem-sucedidos e recompensam os fracassados reduzem o incentivo das

pessoas�”. Para quem julgar a conclusão desoladora resta o consolo de acreditar que esta é

uma fase apenas inicial no processo de desenvolvimento que será sucedida possivelmente

por bonança distributiva, como mostraram economistas do calibre de Simon Kuznets e

Nicholas Kaldor. Em outras palavras, embora o crescimento não tolere inicialmente

excessos na distribuição, uma vez encontrado seu ritmo de cruzeiro, ele é fundamental no

combate à pobreza.

A ciência econômica dos anos 1990 contribuiu de maneira decisiva para colocar aquilo

que muitos viam como uma lei científica seriamente em dúvida. Ninguém nega que o

crescimento seja uma condição necessária para o combate à pobreza. Mas a indagação

inovadora consiste em saber se a vitória sobre a pobreza pode ser um estímulo

significativo para o próprio crescimento econômico. Esta inversão da pergunta faz com

que o tema da desigualdade não seja objeto simplesmente de políticas sociais

compensatórias, mas se incorpore ao âmago da própria economia..

Em última análise é disso que tratam Douglass North (prêmio Nobel de 1993), Amartya

Sen (prêmio Nobel de 1998) e Joseph Stiglitz (até recentemente vice-presidente senior do

Banco Mundial e, antes disso, chefe da assessoria econômica de Bill Clinton). Estas três

* Professor livre-docente do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da USP �– [email protected]

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correntes do pensamento econômico contemporâneo contribuem de maneira decisiva a

repensar o próprio sentido do desenvolvimento.

Este texto discute, a primeira destas três correntes, expondo de maneira sumária os

principais aspectos da visão institucionalista do desenvolvimento e algumas de suas

conseqüências metodológicas. O tema do desenvolvimento atravessa o trabalho de

Douglass North desde o início dos anos 1970. Em 1973, em coautoria com Robert Paul

Thomas, ele formula a pergunta fundamental que norteia o conjunto de sua obra: quais os

determinantes básicos deste fenômeno único que é a afluência do mundo Ocidental ? O

ponto de partida �– contrariamente ao que imperava no ambiente das ciências sociais da

época - não é qualquer tipo de apreciação crítica sobre o sentido da noção de

desenvolvimento, mas a constatação de que um conjunto significativo de nações havia

conseguido um padrão de crescimento econômico em que a pobreza absoluta tornara-se

francamente minoritária em seus organismos sociais. A razão deste desempenho é que �“a

organização econômica eficiente constitui a chave para o crescimento�…A organização

eficiente implica o estabelecimento de arranjos institucionais e direitos de propriedade

que criam um incentivo para canalizar o esforço econômico individual para atividades

que aproximam as taxas privadas e sociais de retorno�” (North e Thomas, 1973:1).

O que explica o crescimento econômico sustentado destas nações não é sua capacidade

inovadora, a democratização do ensino e a valorização do conhecimento: �“inovação,

economias de escala, educação, acumulação de capital, etc. não são causas do

crescimento: eles são o crescimento�” (North e Thomas. 1973:2). Mas o que quer dizer

organização eficiente �– a verdadeira causa do desenvolvimento - e por que a ênfase na

organização representa uma virada tão significativa na compreensão do

desenvolvimento? O trabalho de Douglass North procura responder a esta pergunta

promovendo uma tríplice ruptura com o pensamento neoclássico, examinada nas três

partes em que se divide este texto. Em primeiro lugar, ele coloca as instituições, a

organização e as representações mentais �– e não unidades autônomas, atomizadas,

independentes e soberanas �– no centro da própria socialidade humana. É o que permite

encarar o desenvolvimento como resultado histórico de certas formas determinadas de

coordenação. A importância das instituições �– segundo tópico do texto �– se traduz na

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própria visão do mercado como instituição e não como espaço neutro de encontro de

compradores e vendedores. Mercados são construções sociais que refletem o ambiente

institucional em que se inserem e não simplesmente sistemas universais de formação de

preços. Esta introdução da história no cerne da teoria econômica traz conseqüências

decisivas à própria maneira como se encaram os processos de mudança social. A ciência

econômica �– é o que expõe a terceira parte do texto - adquire uma dimensão indutiva

estranha aos modelos convencionais e torna-se avessa às receitas prontas que pudessem

nortear transições para situação socialmente mais justas. A universalidade do indivíduo

maximizador está longe de ser uma premissa universal dos comportamentos humanos o

que abre um horizonte promissor para a própria atividade política.

1. Desenvolvimento e coordenação

Que o desenvolvimento resulta da maneira como se coordenam as ações humanas, eis o

princípio fundador da ciência econômica desde o primeiro capítulo d�’A Riqueza das

Nações. A divisão do trabalho resulta, na obra de Smith, de uma propensão espontânea

dos indivíduos à comunicação e à troca e fundamenta-se no interesse de cada um em

oferecer aos outros o resultado de seus talentos. A generalização das trocas estabelece

uma ordem natural e auto-regulada: Mas o próprio ato de negociar e trocar não é

computado como parte dos custos de uma economia.: os problemas e os imprevistos

decorrentes das trocas, são inerentes a um sistema que se baseia na sinalização que os

agentes recebem dos preços e exercem uma influência apenas episódica sobre o valor dos

bens: é na produção que se determinam os custos de um sistema econômico.

O institucionalismo contemporâneo �– desde o trabalho pioneiro de Ronald Coase (1937)

�– parte da premissa de que comprar, vender, estabelecer contratos e exigir seu

cumprimento, em suma, as transações de que dependem a vida material da sociedade são

fundamentais na determinação dos custos de uma economia.. A diminuição destes custos

supõe que as condutas humanas sejam estabilizadas e minimamente previsíveis: as

instituições cumprem o papel de reduzir a incerteza e por aí incentivar o avanço das ações

humanas coordenadas.

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O ponto de partida desta reflexão é aquele em torno do qual convergem os grandes

clássicos do pensamento sociológico: pode-se atenuar, mas não há como superar e abolir

a intransparência básica que constitui o mundo social (1). Mas este caráter obscuro do

mundo social pode ser contrabalançado pelas instituições, que oferecem aos indivíduos

um horizonte previsível para a maneira como agirão os outros. Assim, �“...a incapacidade

de desenvolver mecanismos de baixo custo de cumprimento dos contratos é a mais

importante fonte tanto da estagnação histórica como do subdesenvolvimento presente no

Terceiro Mundo�” (North, 1990/1994, 54). O subdesenvolvimento consiste antes de tudo,

num ambiente social em que a cooperação humana inibe a inovação, apoia-se em

vínculos hierárquicos localizados e bloqueia a ampliação do círculo de relações sociais

em que se movem as pessoas. É exatamente por isso que o segredo do desenvolvimento

não reside em dons naturais, na acumulação de riqueza, nem mesmo nas capacidades

humanas, mas nas instituições, nas formas de coordenar a ação dos indivíduos e dos

grupos sociais.

O importante no trabalho de North é que esta capacidade de fazer cumprir contratos só

pode ser compreendida como resultado histórico da formação de um certo ambiente

institucional. A ênfase está muito menos em atributos universais e imutáveis de

indivíduos do que na maneira como estes se adaptam a um conjunto de informações sobre

cuja emissão eles não têm qualquer poder. O institucionalismo de North faz eco assim à

sociologia durkheimiana, onde a sociedade precede o indivíduo. Mas em nenhum

momento North faz da estabilização institucional o sinônimo automático do bem-estar:

logo na introdução de sua obra de 1990, ele compara um caminho histórico de

crescimento bem sucedido (na verdade uma exposição estilizada das condições históricas

que presidiram o crescimento norte-americano) com um outro de falha persistente (e é

impossível que da leitura não emerja imediatamente a imagem dos traços históricos

básicos da sociedade brasileira): o que entra em jogo na comparação é um ambiente que

envolve a ética do trabalho, a democratização do acesso aos recursos produtivos, o

estímulo à inventividade, a independência dos diferentes corpos políticos, a valorização

do conhecimento, em contraste com sociedades que estimularam as atividades de

1 �“A motivação dos atores é mais complicada (e suas preferênciass menos estáveis) do que o assumem as

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intermediação mais que as produtivas, que criaram monopólios e que não investiram em

educação: este ambiente institucional é eficiente em fazer estas sociedades ainda mais

improdutivas e um �“tal caminho pode persistir porque os custos de transação dos

mercados políticos e econômicos destas economias, juntamente com o modelo subjetivo

dos atores, não lhes permitem movimento gradual em direção a resultados mais

eficientes�” (North, 1990:9).

O que caracteriza o subdesenvolvimento é um conjunto de instituições �– isto é, de regras

do jogo, de normas e valores que orientam a conduta do dia a dia, de orientações que

reduzem a incerteza dos indivíduos - que dissociam o trabalho do conhecimento, que

dificultam o acesso à terra e que bloqueiam a inovação. As organizações que emergem

deste quadro institucional são altamente eficientes em sua capacidade de inibir o

aparecimento dos potenciais produtivos da sociedade e de dificultar as formas não

hierárquicas de cooperação em que se pode fundamentar o próprio crescimento. A

pobreza, neste sentido, é um freio para o crescimento. É até possível que a economia

cresça e que aumente a renda dos mais pobres. Mas ela cresce menos do que se fosse

capaz de criar um ambiente propício à valorização das atividades dos mais pobres.

2. Mercados e estruturas

A exigência de uma abordagem histórica do processo de desenvolvimento conduz

Douglass North a questionar o fundamento básico da própria ciência econômica. Num

texto dedicado ao trabalho de Karl Polanyi ele observa �“o fato peculiar de que a literatura

em economia contenha tão pouca discussão sobre a instituição central subjacente à

economia neoclássica �– o mercado�” (North, 1977). No mesmo sentido, Ronald Coase

(1988) lamenta que a discussão sobre o próprio mercado tenha �“desaparecido

inteiramente�” da ciência econômica.

Mercado, na verdade, tem uma dupla conotação na economia, como bem mostra a síntese

de Swedberg (1994). Por um lado, ele é um mecanismo de formação de preços e como tal

responde, de maneira geral, a determinadas condições iniciais postuladas em modelos

teorias recebidas�” (North, 1990/1994:17).

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abstratos. Mas existe uma outra dimensão dos mercados - presente na riqueza de detalhes

históricos da obra de Adam Smith e que foi-se perdendo posteriormente com o próprio

desenvolvimento da ciência econômica (2): os mercados são também estruturas sociais,

o que decorre necessariamente da premissa da racionalidade limitada que norteia o

pensamento institucionalista. Encarar o mercado como mecanismo de formação dos

preços significa enfatizar primordialmente a liberdade básica de escolha dos indivíduos:

sem ela, o mecanismo simplesmente não pode funcionar. Estruturas sociais, ao contrário,

são formas �“�…recorrentes e padronizadas de interações entre agentes, mantidas por meio

de sanções�” (Swedberg, 1994:256).

O importante no trabalho de North é que a informação imperfeita não consiste num

distúrbio ocasional que leva este ou aquele agente econômico a tomar uma decisão

equivocada, pela qual será punido por meio dos ajustes dos preços. É a crença no

funcionamento espontâneo deste mecanismo que exprime a convicção de que o mercado

transmite (na média e a longo prazo) sinais que levam os atores à correção permanente de

suas iniciativas (3). Num mundo regido pela informação perfeita não há lugar para

controles e estruturas sociais. Ora, o que mostra North, é que não existe mecanismo auto-

corretor da informação imperfeita porque as operaões de mercado e os contratos estão

imersos num conjunto de regras, normas e expectativas que não se alteram ao sabor das

oscilações da oferta e da procura. Em outras palavras, é impossível pensar o sistema

econômico na ausência das instituições.

É exatamente por isso que North se opõe ao caráter universal que Oliver Williamson

atribui ao oportunismo como traço imanente às condutas humanas (4). As instituições

emergem em virtude do caráter limitado da racionalidade. Ora, o oportunismo supõe que

2 O trabalho de Alfred Marshall é uma notável exceção neste caminho para uma visão cada vez mais abstrata e menos histórica dos mercados. 3 �“De que maneira os atores conhecem o caminho correto para (isto é, têm a teoria correta que vai permitir-lhes) alcançar seus objetivos ? A resposta neoclássica, incorporada em modelos de racionalidade substantiva (ou instrumental) é que embora os atores possam inicialmente ter modelos diversos e errôneos, o processo de retroação (feedback) informacional (e a arbitragem dos atores) vai corrigir modelos inicialmente incorretos, punir os comportamentos desviantes e levar os atores sobreviventes aos modelos corretos�” (North, 1990/1994). 4 �“A insistência da teoria da organização em pressupostos comportamentais que possam ser trabalhados de maneira realista é um salutar antídoto contra a artificialidade. A economia dos custos de transação responde

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o indivíduo exerça ampla liberdade de escolha entre diversas possibilidades e, portanto,

tenha superado os limites de onde derivam as instituições. O oportunismo, por definição,

é a possibilidade de atuar contra os controles sociais de que são formadas as instituições.

Como bem mostra o trabalho recente de Jacques Sapir (2000:81-82), existe uma

contradição entre racionalidade limitada e oportunismo, os dois pilares da ação

econômica na visão de Williamson (5). Claro que os agentes mudam de opinião e de

conduta: mas esta mudança não pode ser explicada pelo oportunismo que lhes é inerente,

mas por �“surpresas que invalidam as regras de decisões anteriores, ou por acontecimentos

que questionam as rotinas existentes ou a legitimidade das regras que as fundamentam�”

(Sapir, 2000:82).

As restrições que moldam as escolhas (6) são, portanto, históricas e não decorrem da

natureza dos indivíduos ou dos bens com que se relacionam. �“Quando os economistas

falam sobre mercados eficientes eles simplesmente tomam como dada uma elaborada

estrutura de restrições�” (North, 1990/1994:66). O importante para o estudo do

desenvolvimento não é a idéia abstrata de mercado como mecanismo de formação dos

preços, mas como processo histórico que reflete poder, estruturas, convicções, normas e

controles sociais.

Mercados não são pontos neutros de encontro entre indivíduos dotados equanimemente

de bens e serviços destinados à troca, mas refletem o ambiente institucional em que são

formados: sob esta ótica é crucial para o desenvolvimento o conjunto das formas

organizadas pelas quais os mercados funcionam, tanto pelas restrições que impõem,

como pelas oportunidades que abrem. Não é só a assimetria de informação, por exemplo,

que dificulta o acesso ao crédito de populações incapazes de oferecer garantias e

a esta insistência descrevendo os atores econômicos em termos de racionalidade limitada e oportunismo�” (Williamson, 1994:99) 5 �“A racionalidade limitada significa que os agentes, ao contrário do que pretende a Teoria do Equilíbrio Geral, não são oniscientes ou informados por um sistema completo e total de mercados. Eles são incapazes de realizar de forma permanente cálculos de otimização sobre o conjunto dos parâmetros e seu ambiente. Trata-se portanto de uma hipótese realista, que privilegia, no comportamento dos agentes, o papel das regras ou das rotinas. Em contrapartida, o oportunismo significa que estes mesmos agentes são suscetíveis de romper estas rotinas a qualquer momento e de maneira imprevisível. Particularmente, se eles pertencem a uma organização (uma empresa ou uma administração) eles podem decidir adotar uma atitude desleal frente a esta organização. Isso significa então que eles podem calcular a cada momento os custos e as vantagens das decisões que acabam de tomar com relação ao quadro coletivo em que se encontram�”

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contrapartidas ao sistema bancário. É impossível compreender os mercados de crédito

sem o estudo histórico-concreto dos diferentes segmentos sociais que os compõem e das

inúmeras formas como se constrói e transmite a confiança em que se apoiam. Encarar os

mercados como estruturas sociais cujo funcionamento depende fundamentalmente dos

ambientes institucionais em que estão imersos é uma contribuição decisiva do

pensamento institucionalista cuja influência na economia contemporânea é crescente.

Mais uma vez convém insistir na proximidade entre a perspectiva sociológica e as

análises institucionalistas. A afirmação de North (1990/1994:12) de que �“quando é

custoso transacionar as instituições importam�” pode ser concretizada no título do último

livro de Pierre Bourdieu �– As Estruturas Sociais da Economia �– e em sua afirmação de

que �“bancos, empresas, mercados, não existem sem família, Estado, escola, sindicatos,

associações�” (Bourdieu, 2000:10).

3. O gradualismo das mudanças sociais

A principal conclusão política do pensamento institucionalista é que mudanças sociais

resultam necessariamente de uma acumulação gradual e, na maior parte das vezes, lenta.

Associar a pobreza a um determinado ambiente institucional traz a virtude de exigir uma

abordagem que integre as diferentes ciências do homem e da sociedade em seu estudo .

Nações onde o valor do conhecimento transmitiu-se ao conjunto da sociedade formaram

culturas de valorização do trabalho e da inovação, ao contrário daquelas de tradição

escravista, que se apoiaram francamente na separação entre trabalho e conhecimento.

Não se trata apenas de colocar os investimentos em educação no centro dos processos de

desenvolvimento. Em sociedades marcadas por grandes diferenças sociais é muito mais

difícil que o objetivo de generalizar o acesso à educação se traduza, de fato, num

ambiente educacional que valorize a aquisição massificada de conhecimentos. Isso vai

muito além da educação formal, mas reflete uma atitude difusa que transpira por todos os

poros do organismo social.

Douglass North não subestima a importância da política e da intervenção voluntária na

vida social. Sua intenção explícita �– traduzida no próprio título do livro de 1990,

6 �“Constraints that shape choices�” (North, 1990/1994)

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Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico �– é fazer uma teoria da

mudança institucional. Qual a natureza desta teoria ? Ela oferece preceitos gerais que

podem ser usados dedutivamente na construção de modelos de transição social. O eixo

está na relação entre organizações e ambiente institucional: por um lado, as organizações

são moldadas pelo ambiente institucional. Por outro, elas é que respondem pela

transformação deste ambiente. Não se trata de um círculo vicioso pois há duas forças que

moldam o caminho da mudança institucional e que estão em franca ruptura com os

cânones do pensamento neoclássico: retornos crescentes e mercados imperfeitos. A

primeira delas associa-se, nos Estados Unidos, a Brian Arthur, pesquisador do Instituto

Santa Fe, mas poderia incluir também a sociologia das ciências e das técnicas

representada por Michel Callon, Bruno Latour e John Law, na Europa. A idéia básica é

que as escolhas técnicas (tanto quanto os conceitos científicos) não dependem apenas de

eficiência, mas de uma vasta rede social que envolve a aprendizagem de um conjunto

variado de atores e um processo permanente de adaptação, de tal forma que não se pode

prever, ou explicar em termos puramente funcionais, que tecnologias (ou que teorias

científicas, nos trabalhos de Latour, Callon e Law) vão prevalecer. Mecanismos como

�“lock in�” (�“uma vez alcançada uma solução, é difícil sair dela�”, North, 1990/1994:94) ou

dependência de caminho (path dependence) são centrais nos comportamentos das

organizações e em suas perspectivas de mudanças. As disputas são menos entre

tecnologias que entre organizações, o que envolve um conjunto de capacidades

adaptativas por parte destas organizações. Em suma, diz North (1990?1994:95) �“a rede

interdependente de uma matriza institucional produz massivamente retornos crescentes�”.

A segunda força que molda o caminho da mudança institucional são os mercados

imperfeitos. E é interessante observar que sua caracterização, no trabalho de North

(1990/1994:96), escapa ao padrão convencional da microeconomia. Os mercados

imperfeitos refletem �“�…as dificuldades de decifrar um ambiente complexo por parte das

construções mentais disponíveis �– idéias, teorias e ideologias�”. As formas variadas de

cooperação humana (das quais o mercado é apenas uma) envolvem sempre algum tipo de

representação antecipada sobre o comportamento alheio que não se reduzem aos

princípios abstratos do utilitarismo. A evolução institucional dos primórdios da Europa

moderna, por exemplo, tem por base a mudança na correlação de forças entre

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camponeses e senhores derivada do declínio populacional. Esta mudança entretanto era

limitada pelo fato de que o modelo de mundo de cada parte incluía uma relação de

desigualdade: �“nenhuma parte teria sequer vislumbrado uma mudança que tivesse

eliminado esta desigualdade. As mudanças graduais são compreensíveis nos termos

destas relações históricas. Se as instituições não estivessem sujeitas a retornos crescentes

e as percepções subjetivas dos atores fossem sempre corrigidas em direção a modelos

verdadeiros, então, presumivelmente, os atores teriam reeleaborado os contratos na

direção mais eficiente de uma solucão conjunta. Exatamente pelo fato de haver retornos

crescentes à estrutura institucional, o processo foi gradual e�…consistiu em lenta evolução

de restrições formais e informais e de mudanças de capacidades de cumprimentos de

acordos (enforcement changes) (North, 1990/1994:96).

Mas os recuros dedutivos da explicação institucionalista são apenas parte de seu corpo

metodológico. O caráter histórico e evolutivo do institucionalismo exige igualmente uma

dimensão indutiva típica das ciências da vida, da história e da sociologia. Existe uma

proximidade de método entre a perspectiva institucional e a biologia da evolução: em

ambos os casos, o que se resgata é a dimensão do tempo nos processos explicativos. Esta

dimensão �– é a mensagem fundamental do excelente trabalho de Sapir (2000) �– é

estranha ao universo intelectual da economia marginalista e é paradoxalmente da

ausência do tempo que ela retira seu imenso poder preditivo, com base em métodos

matemáticos inspirados nas ciências físicas. Um dos maiores biólogos contemporâneos

Ernst Mayr (1997) insiste na falsidade da oposição convencional entre ciências naturais e

ciências sociais, mostrando o quanto a biologia se aproxima da história. E a raiz

metodológica desta aproximação está exatamente na introdução do tempo como chave

dos processos explicativos. A distância apontada por Mayr entre a biologia e a física é a

mesma que separa os Modelos de Equilíbrio Geral das interpretações institucionalistas da

vida social. A biologia evolutiva não se apoia fundamentalmente na aplicação de leis

universais matematicamente formuladas e sim na composição de narrativas históricas. A

abordagem histórico-narrativa é a única que permite a compreensão dos fenômenos

singulares de que se compõe a evolução. Da mesma forma North insiste que os conceitos

mobilizados na explicação das causas do desenvolvimento no Ocidente não permitem, em

nada, tornar inevitável este processo: �“a cada passo ao longo do caminho houve escolhas

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�– políticas e econômicas �– que ofereceram alternativas reais. Dependência de caminho é

uma via para estreitar conceitualmente o conjunto de escolhas e ligar a tomada de decisão

através do tempo. Não é uma história de inevitabilidade na qual o passado quase prediz o

futuro�” (North, 1990/1994:99). O importante é que uma vez disposto um certo caminho

de desenvolvimento �“�…a rede de externalidades, o processo de aprendizagem das

organizações e a modelagem subjetiva das questões, historicamente derivada reforça o

curso�” (North, 1990/1994:99).

É exatamente por isso que as tentativas de transferências institucionais caracterizam-se

tão freqüentemente por insucessos. Conforme ilustra de maneira brilhante o recente

trabalho de Greif (2000), é bem mais simples transferir regras e normas, que crenças,

estruturas e convicções. Assim, por exemplo, a adoção da Constituição americana e de

leis de direito de propriedade por vários países latino americanos não conduzem ao

mesmo tipo de desenvolvimento que o dos Estados Unidos: �“embora as regras sejam as

mesmas, seus mecanismos de reforço, os caminhos que garantem sua aplicação, as

normas de comportamento e os modelos subjetivos de comportamento dos atores, não o

são�” (North, 1990/1994:101).

Não há receita nem muito menos leis científicas gerais que permitam antever o processo

de superação de instituições ineficientes. O importante na contribuição de North é o

caráter necessariamente gradual desta superação. Curiosamente a perspectiva

institucionalista não deixa de ter um certo paralelo com o que representou o ponto de

vista de Antonio Gramsci no interior das teorias marxistas sobre a transição para o

socialismo. Ali onde as doutrinas predominantes enfatizavam o papel decisivo de uma

ruptura brusca e a implantação de um poder capaz de alterar a correlação de forças,

Gramsci preparava um outro caminho em que a acumulação de forças se traduzia num

conjunto variado e multifacético de organizações e mesmo de condutas: a construção de

uma nova sociedade representaria muito mais a transformação que a ruptura com as

organizações existentes. Apesar das evidentes diferenças de horizontes teóricos, o

conceito gramsciano de hegemonia guarda uma interessante semelhança com a noção de

mudança institucional. Em ambos os casos, a mudança social corresponde a um processo

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capilarizado de transformações na cultura, no poder dos grupos sociais, na representação

dos indivíduos que os faz adotar modalidades organizativas desestimuladas até então.

4. À guida de conclusão

O pensamento institucionalista contribui portanto, de maneira decisiva, para superar o

dilema convencional da economia entre crescimento e eqüidade. Uma sociedade que

concentra as oportunidades de geração de renda e os ativos dificilmente consegue

transmitir a seus cidadãos a confiança necessária a que se formem as estruturas de

cooperação capazes de valorizar de maneira generalizada as atividades produtivas. É em

grande parte com base na incorporação dos conceitos institucionalistas que o Banco

Mundial constatou de maneira amarga, em seus últimos trabalhos, a insuficiência da

�“liberação dos mercados�” como base para a transição dos países do Leste Europeu para

uma economia descentralizada. Da mesma forma, seus relatórios mais recentes

incorporam a vasta literatura segundo a qual os países que conseguiram sair do

subdesenvolvimento na segunda metade do Século XX foram exatamente aqueles cujo

crescimento dinâmico apoiou-se numa ampla redistribuição de renda, de ativos e de

oportunidades.

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