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Artigo de Ricardo Abramovay em ARBIX, Glauco, ZILBOVICIUS, Mauro e ABRAMOVAY, Ricardo – Razões e ficções do desenvolvimento – UNESP/EDUSP - 2001.
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Desenvolvimento e instituições: a importância da explicação histórica
in - ARBIX, Glauco, ZILBOVICIUS, Mauro e ABRAMOVAY, Ricardo �– Razões e ficções do desenvolvimento �– UNESP/EDUSP - 2001
Ricardo Abramovay*
O capítulo sobre distribuição de renda do mais vendido manual contemporâneo de
introdução à economia, o de N. Gregory Mankiw (1998/1999:446), conclui de maneira
sóbria que as sociedades enfrentam necessariamente um dilema (um trade-off) entre
eqüidade e eficiência. O crescimento (a utilização eficiente dos recursos) supõe poupança
e portanto uma certa concentração que sacrifica forçosamente a igualdade. �“Políticas que
punem os bem-sucedidos e recompensam os fracassados reduzem o incentivo das
pessoas�”. Para quem julgar a conclusão desoladora resta o consolo de acreditar que esta é
uma fase apenas inicial no processo de desenvolvimento que será sucedida possivelmente
por bonança distributiva, como mostraram economistas do calibre de Simon Kuznets e
Nicholas Kaldor. Em outras palavras, embora o crescimento não tolere inicialmente
excessos na distribuição, uma vez encontrado seu ritmo de cruzeiro, ele é fundamental no
combate à pobreza.
A ciência econômica dos anos 1990 contribuiu de maneira decisiva para colocar aquilo
que muitos viam como uma lei científica seriamente em dúvida. Ninguém nega que o
crescimento seja uma condição necessária para o combate à pobreza. Mas a indagação
inovadora consiste em saber se a vitória sobre a pobreza pode ser um estímulo
significativo para o próprio crescimento econômico. Esta inversão da pergunta faz com
que o tema da desigualdade não seja objeto simplesmente de políticas sociais
compensatórias, mas se incorpore ao âmago da própria economia..
Em última análise é disso que tratam Douglass North (prêmio Nobel de 1993), Amartya
Sen (prêmio Nobel de 1998) e Joseph Stiglitz (até recentemente vice-presidente senior do
Banco Mundial e, antes disso, chefe da assessoria econômica de Bill Clinton). Estas três
* Professor livre-docente do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da USP �– [email protected]
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correntes do pensamento econômico contemporâneo contribuem de maneira decisiva a
repensar o próprio sentido do desenvolvimento.
Este texto discute, a primeira destas três correntes, expondo de maneira sumária os
principais aspectos da visão institucionalista do desenvolvimento e algumas de suas
conseqüências metodológicas. O tema do desenvolvimento atravessa o trabalho de
Douglass North desde o início dos anos 1970. Em 1973, em coautoria com Robert Paul
Thomas, ele formula a pergunta fundamental que norteia o conjunto de sua obra: quais os
determinantes básicos deste fenômeno único que é a afluência do mundo Ocidental ? O
ponto de partida �– contrariamente ao que imperava no ambiente das ciências sociais da
época - não é qualquer tipo de apreciação crítica sobre o sentido da noção de
desenvolvimento, mas a constatação de que um conjunto significativo de nações havia
conseguido um padrão de crescimento econômico em que a pobreza absoluta tornara-se
francamente minoritária em seus organismos sociais. A razão deste desempenho é que �“a
organização econômica eficiente constitui a chave para o crescimento�…A organização
eficiente implica o estabelecimento de arranjos institucionais e direitos de propriedade
que criam um incentivo para canalizar o esforço econômico individual para atividades
que aproximam as taxas privadas e sociais de retorno�” (North e Thomas, 1973:1).
O que explica o crescimento econômico sustentado destas nações não é sua capacidade
inovadora, a democratização do ensino e a valorização do conhecimento: �“inovação,
economias de escala, educação, acumulação de capital, etc. não são causas do
crescimento: eles são o crescimento�” (North e Thomas. 1973:2). Mas o que quer dizer
organização eficiente �– a verdadeira causa do desenvolvimento - e por que a ênfase na
organização representa uma virada tão significativa na compreensão do
desenvolvimento? O trabalho de Douglass North procura responder a esta pergunta
promovendo uma tríplice ruptura com o pensamento neoclássico, examinada nas três
partes em que se divide este texto. Em primeiro lugar, ele coloca as instituições, a
organização e as representações mentais �– e não unidades autônomas, atomizadas,
independentes e soberanas �– no centro da própria socialidade humana. É o que permite
encarar o desenvolvimento como resultado histórico de certas formas determinadas de
coordenação. A importância das instituições �– segundo tópico do texto �– se traduz na
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própria visão do mercado como instituição e não como espaço neutro de encontro de
compradores e vendedores. Mercados são construções sociais que refletem o ambiente
institucional em que se inserem e não simplesmente sistemas universais de formação de
preços. Esta introdução da história no cerne da teoria econômica traz conseqüências
decisivas à própria maneira como se encaram os processos de mudança social. A ciência
econômica �– é o que expõe a terceira parte do texto - adquire uma dimensão indutiva
estranha aos modelos convencionais e torna-se avessa às receitas prontas que pudessem
nortear transições para situação socialmente mais justas. A universalidade do indivíduo
maximizador está longe de ser uma premissa universal dos comportamentos humanos o
que abre um horizonte promissor para a própria atividade política.
1. Desenvolvimento e coordenação
Que o desenvolvimento resulta da maneira como se coordenam as ações humanas, eis o
princípio fundador da ciência econômica desde o primeiro capítulo d�’A Riqueza das
Nações. A divisão do trabalho resulta, na obra de Smith, de uma propensão espontânea
dos indivíduos à comunicação e à troca e fundamenta-se no interesse de cada um em
oferecer aos outros o resultado de seus talentos. A generalização das trocas estabelece
uma ordem natural e auto-regulada: Mas o próprio ato de negociar e trocar não é
computado como parte dos custos de uma economia.: os problemas e os imprevistos
decorrentes das trocas, são inerentes a um sistema que se baseia na sinalização que os
agentes recebem dos preços e exercem uma influência apenas episódica sobre o valor dos
bens: é na produção que se determinam os custos de um sistema econômico.
O institucionalismo contemporâneo �– desde o trabalho pioneiro de Ronald Coase (1937)
�– parte da premissa de que comprar, vender, estabelecer contratos e exigir seu
cumprimento, em suma, as transações de que dependem a vida material da sociedade são
fundamentais na determinação dos custos de uma economia.. A diminuição destes custos
supõe que as condutas humanas sejam estabilizadas e minimamente previsíveis: as
instituições cumprem o papel de reduzir a incerteza e por aí incentivar o avanço das ações
humanas coordenadas.
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O ponto de partida desta reflexão é aquele em torno do qual convergem os grandes
clássicos do pensamento sociológico: pode-se atenuar, mas não há como superar e abolir
a intransparência básica que constitui o mundo social (1). Mas este caráter obscuro do
mundo social pode ser contrabalançado pelas instituições, que oferecem aos indivíduos
um horizonte previsível para a maneira como agirão os outros. Assim, �“...a incapacidade
de desenvolver mecanismos de baixo custo de cumprimento dos contratos é a mais
importante fonte tanto da estagnação histórica como do subdesenvolvimento presente no
Terceiro Mundo�” (North, 1990/1994, 54). O subdesenvolvimento consiste antes de tudo,
num ambiente social em que a cooperação humana inibe a inovação, apoia-se em
vínculos hierárquicos localizados e bloqueia a ampliação do círculo de relações sociais
em que se movem as pessoas. É exatamente por isso que o segredo do desenvolvimento
não reside em dons naturais, na acumulação de riqueza, nem mesmo nas capacidades
humanas, mas nas instituições, nas formas de coordenar a ação dos indivíduos e dos
grupos sociais.
O importante no trabalho de North é que esta capacidade de fazer cumprir contratos só
pode ser compreendida como resultado histórico da formação de um certo ambiente
institucional. A ênfase está muito menos em atributos universais e imutáveis de
indivíduos do que na maneira como estes se adaptam a um conjunto de informações sobre
cuja emissão eles não têm qualquer poder. O institucionalismo de North faz eco assim à
sociologia durkheimiana, onde a sociedade precede o indivíduo. Mas em nenhum
momento North faz da estabilização institucional o sinônimo automático do bem-estar:
logo na introdução de sua obra de 1990, ele compara um caminho histórico de
crescimento bem sucedido (na verdade uma exposição estilizada das condições históricas
que presidiram o crescimento norte-americano) com um outro de falha persistente (e é
impossível que da leitura não emerja imediatamente a imagem dos traços históricos
básicos da sociedade brasileira): o que entra em jogo na comparação é um ambiente que
envolve a ética do trabalho, a democratização do acesso aos recursos produtivos, o
estímulo à inventividade, a independência dos diferentes corpos políticos, a valorização
do conhecimento, em contraste com sociedades que estimularam as atividades de
1 �“A motivação dos atores é mais complicada (e suas preferênciass menos estáveis) do que o assumem as
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intermediação mais que as produtivas, que criaram monopólios e que não investiram em
educação: este ambiente institucional é eficiente em fazer estas sociedades ainda mais
improdutivas e um �“tal caminho pode persistir porque os custos de transação dos
mercados políticos e econômicos destas economias, juntamente com o modelo subjetivo
dos atores, não lhes permitem movimento gradual em direção a resultados mais
eficientes�” (North, 1990:9).
O que caracteriza o subdesenvolvimento é um conjunto de instituições �– isto é, de regras
do jogo, de normas e valores que orientam a conduta do dia a dia, de orientações que
reduzem a incerteza dos indivíduos - que dissociam o trabalho do conhecimento, que
dificultam o acesso à terra e que bloqueiam a inovação. As organizações que emergem
deste quadro institucional são altamente eficientes em sua capacidade de inibir o
aparecimento dos potenciais produtivos da sociedade e de dificultar as formas não
hierárquicas de cooperação em que se pode fundamentar o próprio crescimento. A
pobreza, neste sentido, é um freio para o crescimento. É até possível que a economia
cresça e que aumente a renda dos mais pobres. Mas ela cresce menos do que se fosse
capaz de criar um ambiente propício à valorização das atividades dos mais pobres.
2. Mercados e estruturas
A exigência de uma abordagem histórica do processo de desenvolvimento conduz
Douglass North a questionar o fundamento básico da própria ciência econômica. Num
texto dedicado ao trabalho de Karl Polanyi ele observa �“o fato peculiar de que a literatura
em economia contenha tão pouca discussão sobre a instituição central subjacente à
economia neoclássica �– o mercado�” (North, 1977). No mesmo sentido, Ronald Coase
(1988) lamenta que a discussão sobre o próprio mercado tenha �“desaparecido
inteiramente�” da ciência econômica.
Mercado, na verdade, tem uma dupla conotação na economia, como bem mostra a síntese
de Swedberg (1994). Por um lado, ele é um mecanismo de formação de preços e como tal
responde, de maneira geral, a determinadas condições iniciais postuladas em modelos
teorias recebidas�” (North, 1990/1994:17).
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abstratos. Mas existe uma outra dimensão dos mercados - presente na riqueza de detalhes
históricos da obra de Adam Smith e que foi-se perdendo posteriormente com o próprio
desenvolvimento da ciência econômica (2): os mercados são também estruturas sociais,
o que decorre necessariamente da premissa da racionalidade limitada que norteia o
pensamento institucionalista. Encarar o mercado como mecanismo de formação dos
preços significa enfatizar primordialmente a liberdade básica de escolha dos indivíduos:
sem ela, o mecanismo simplesmente não pode funcionar. Estruturas sociais, ao contrário,
são formas �“�…recorrentes e padronizadas de interações entre agentes, mantidas por meio
de sanções�” (Swedberg, 1994:256).
O importante no trabalho de North é que a informação imperfeita não consiste num
distúrbio ocasional que leva este ou aquele agente econômico a tomar uma decisão
equivocada, pela qual será punido por meio dos ajustes dos preços. É a crença no
funcionamento espontâneo deste mecanismo que exprime a convicção de que o mercado
transmite (na média e a longo prazo) sinais que levam os atores à correção permanente de
suas iniciativas (3). Num mundo regido pela informação perfeita não há lugar para
controles e estruturas sociais. Ora, o que mostra North, é que não existe mecanismo auto-
corretor da informação imperfeita porque as operaões de mercado e os contratos estão
imersos num conjunto de regras, normas e expectativas que não se alteram ao sabor das
oscilações da oferta e da procura. Em outras palavras, é impossível pensar o sistema
econômico na ausência das instituições.
É exatamente por isso que North se opõe ao caráter universal que Oliver Williamson
atribui ao oportunismo como traço imanente às condutas humanas (4). As instituições
emergem em virtude do caráter limitado da racionalidade. Ora, o oportunismo supõe que
2 O trabalho de Alfred Marshall é uma notável exceção neste caminho para uma visão cada vez mais abstrata e menos histórica dos mercados. 3 �“De que maneira os atores conhecem o caminho correto para (isto é, têm a teoria correta que vai permitir-lhes) alcançar seus objetivos ? A resposta neoclássica, incorporada em modelos de racionalidade substantiva (ou instrumental) é que embora os atores possam inicialmente ter modelos diversos e errôneos, o processo de retroação (feedback) informacional (e a arbitragem dos atores) vai corrigir modelos inicialmente incorretos, punir os comportamentos desviantes e levar os atores sobreviventes aos modelos corretos�” (North, 1990/1994). 4 �“A insistência da teoria da organização em pressupostos comportamentais que possam ser trabalhados de maneira realista é um salutar antídoto contra a artificialidade. A economia dos custos de transação responde
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o indivíduo exerça ampla liberdade de escolha entre diversas possibilidades e, portanto,
tenha superado os limites de onde derivam as instituições. O oportunismo, por definição,
é a possibilidade de atuar contra os controles sociais de que são formadas as instituições.
Como bem mostra o trabalho recente de Jacques Sapir (2000:81-82), existe uma
contradição entre racionalidade limitada e oportunismo, os dois pilares da ação
econômica na visão de Williamson (5). Claro que os agentes mudam de opinião e de
conduta: mas esta mudança não pode ser explicada pelo oportunismo que lhes é inerente,
mas por �“surpresas que invalidam as regras de decisões anteriores, ou por acontecimentos
que questionam as rotinas existentes ou a legitimidade das regras que as fundamentam�”
(Sapir, 2000:82).
As restrições que moldam as escolhas (6) são, portanto, históricas e não decorrem da
natureza dos indivíduos ou dos bens com que se relacionam. �“Quando os economistas
falam sobre mercados eficientes eles simplesmente tomam como dada uma elaborada
estrutura de restrições�” (North, 1990/1994:66). O importante para o estudo do
desenvolvimento não é a idéia abstrata de mercado como mecanismo de formação dos
preços, mas como processo histórico que reflete poder, estruturas, convicções, normas e
controles sociais.
Mercados não são pontos neutros de encontro entre indivíduos dotados equanimemente
de bens e serviços destinados à troca, mas refletem o ambiente institucional em que são
formados: sob esta ótica é crucial para o desenvolvimento o conjunto das formas
organizadas pelas quais os mercados funcionam, tanto pelas restrições que impõem,
como pelas oportunidades que abrem. Não é só a assimetria de informação, por exemplo,
que dificulta o acesso ao crédito de populações incapazes de oferecer garantias e
a esta insistência descrevendo os atores econômicos em termos de racionalidade limitada e oportunismo�” (Williamson, 1994:99) 5 �“A racionalidade limitada significa que os agentes, ao contrário do que pretende a Teoria do Equilíbrio Geral, não são oniscientes ou informados por um sistema completo e total de mercados. Eles são incapazes de realizar de forma permanente cálculos de otimização sobre o conjunto dos parâmetros e seu ambiente. Trata-se portanto de uma hipótese realista, que privilegia, no comportamento dos agentes, o papel das regras ou das rotinas. Em contrapartida, o oportunismo significa que estes mesmos agentes são suscetíveis de romper estas rotinas a qualquer momento e de maneira imprevisível. Particularmente, se eles pertencem a uma organização (uma empresa ou uma administração) eles podem decidir adotar uma atitude desleal frente a esta organização. Isso significa então que eles podem calcular a cada momento os custos e as vantagens das decisões que acabam de tomar com relação ao quadro coletivo em que se encontram�”
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contrapartidas ao sistema bancário. É impossível compreender os mercados de crédito
sem o estudo histórico-concreto dos diferentes segmentos sociais que os compõem e das
inúmeras formas como se constrói e transmite a confiança em que se apoiam. Encarar os
mercados como estruturas sociais cujo funcionamento depende fundamentalmente dos
ambientes institucionais em que estão imersos é uma contribuição decisiva do
pensamento institucionalista cuja influência na economia contemporânea é crescente.
Mais uma vez convém insistir na proximidade entre a perspectiva sociológica e as
análises institucionalistas. A afirmação de North (1990/1994:12) de que �“quando é
custoso transacionar as instituições importam�” pode ser concretizada no título do último
livro de Pierre Bourdieu �– As Estruturas Sociais da Economia �– e em sua afirmação de
que �“bancos, empresas, mercados, não existem sem família, Estado, escola, sindicatos,
associações�” (Bourdieu, 2000:10).
3. O gradualismo das mudanças sociais
A principal conclusão política do pensamento institucionalista é que mudanças sociais
resultam necessariamente de uma acumulação gradual e, na maior parte das vezes, lenta.
Associar a pobreza a um determinado ambiente institucional traz a virtude de exigir uma
abordagem que integre as diferentes ciências do homem e da sociedade em seu estudo .
Nações onde o valor do conhecimento transmitiu-se ao conjunto da sociedade formaram
culturas de valorização do trabalho e da inovação, ao contrário daquelas de tradição
escravista, que se apoiaram francamente na separação entre trabalho e conhecimento.
Não se trata apenas de colocar os investimentos em educação no centro dos processos de
desenvolvimento. Em sociedades marcadas por grandes diferenças sociais é muito mais
difícil que o objetivo de generalizar o acesso à educação se traduza, de fato, num
ambiente educacional que valorize a aquisição massificada de conhecimentos. Isso vai
muito além da educação formal, mas reflete uma atitude difusa que transpira por todos os
poros do organismo social.
Douglass North não subestima a importância da política e da intervenção voluntária na
vida social. Sua intenção explícita �– traduzida no próprio título do livro de 1990,
6 �“Constraints that shape choices�” (North, 1990/1994)
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Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico �– é fazer uma teoria da
mudança institucional. Qual a natureza desta teoria ? Ela oferece preceitos gerais que
podem ser usados dedutivamente na construção de modelos de transição social. O eixo
está na relação entre organizações e ambiente institucional: por um lado, as organizações
são moldadas pelo ambiente institucional. Por outro, elas é que respondem pela
transformação deste ambiente. Não se trata de um círculo vicioso pois há duas forças que
moldam o caminho da mudança institucional e que estão em franca ruptura com os
cânones do pensamento neoclássico: retornos crescentes e mercados imperfeitos. A
primeira delas associa-se, nos Estados Unidos, a Brian Arthur, pesquisador do Instituto
Santa Fe, mas poderia incluir também a sociologia das ciências e das técnicas
representada por Michel Callon, Bruno Latour e John Law, na Europa. A idéia básica é
que as escolhas técnicas (tanto quanto os conceitos científicos) não dependem apenas de
eficiência, mas de uma vasta rede social que envolve a aprendizagem de um conjunto
variado de atores e um processo permanente de adaptação, de tal forma que não se pode
prever, ou explicar em termos puramente funcionais, que tecnologias (ou que teorias
científicas, nos trabalhos de Latour, Callon e Law) vão prevalecer. Mecanismos como
�“lock in�” (�“uma vez alcançada uma solução, é difícil sair dela�”, North, 1990/1994:94) ou
dependência de caminho (path dependence) são centrais nos comportamentos das
organizações e em suas perspectivas de mudanças. As disputas são menos entre
tecnologias que entre organizações, o que envolve um conjunto de capacidades
adaptativas por parte destas organizações. Em suma, diz North (1990?1994:95) �“a rede
interdependente de uma matriza institucional produz massivamente retornos crescentes�”.
A segunda força que molda o caminho da mudança institucional são os mercados
imperfeitos. E é interessante observar que sua caracterização, no trabalho de North
(1990/1994:96), escapa ao padrão convencional da microeconomia. Os mercados
imperfeitos refletem �“�…as dificuldades de decifrar um ambiente complexo por parte das
construções mentais disponíveis �– idéias, teorias e ideologias�”. As formas variadas de
cooperação humana (das quais o mercado é apenas uma) envolvem sempre algum tipo de
representação antecipada sobre o comportamento alheio que não se reduzem aos
princípios abstratos do utilitarismo. A evolução institucional dos primórdios da Europa
moderna, por exemplo, tem por base a mudança na correlação de forças entre
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camponeses e senhores derivada do declínio populacional. Esta mudança entretanto era
limitada pelo fato de que o modelo de mundo de cada parte incluía uma relação de
desigualdade: �“nenhuma parte teria sequer vislumbrado uma mudança que tivesse
eliminado esta desigualdade. As mudanças graduais são compreensíveis nos termos
destas relações históricas. Se as instituições não estivessem sujeitas a retornos crescentes
e as percepções subjetivas dos atores fossem sempre corrigidas em direção a modelos
verdadeiros, então, presumivelmente, os atores teriam reeleaborado os contratos na
direção mais eficiente de uma solucão conjunta. Exatamente pelo fato de haver retornos
crescentes à estrutura institucional, o processo foi gradual e�…consistiu em lenta evolução
de restrições formais e informais e de mudanças de capacidades de cumprimentos de
acordos (enforcement changes) (North, 1990/1994:96).
Mas os recuros dedutivos da explicação institucionalista são apenas parte de seu corpo
metodológico. O caráter histórico e evolutivo do institucionalismo exige igualmente uma
dimensão indutiva típica das ciências da vida, da história e da sociologia. Existe uma
proximidade de método entre a perspectiva institucional e a biologia da evolução: em
ambos os casos, o que se resgata é a dimensão do tempo nos processos explicativos. Esta
dimensão �– é a mensagem fundamental do excelente trabalho de Sapir (2000) �– é
estranha ao universo intelectual da economia marginalista e é paradoxalmente da
ausência do tempo que ela retira seu imenso poder preditivo, com base em métodos
matemáticos inspirados nas ciências físicas. Um dos maiores biólogos contemporâneos
Ernst Mayr (1997) insiste na falsidade da oposição convencional entre ciências naturais e
ciências sociais, mostrando o quanto a biologia se aproxima da história. E a raiz
metodológica desta aproximação está exatamente na introdução do tempo como chave
dos processos explicativos. A distância apontada por Mayr entre a biologia e a física é a
mesma que separa os Modelos de Equilíbrio Geral das interpretações institucionalistas da
vida social. A biologia evolutiva não se apoia fundamentalmente na aplicação de leis
universais matematicamente formuladas e sim na composição de narrativas históricas. A
abordagem histórico-narrativa é a única que permite a compreensão dos fenômenos
singulares de que se compõe a evolução. Da mesma forma North insiste que os conceitos
mobilizados na explicação das causas do desenvolvimento no Ocidente não permitem, em
nada, tornar inevitável este processo: �“a cada passo ao longo do caminho houve escolhas
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�– políticas e econômicas �– que ofereceram alternativas reais. Dependência de caminho é
uma via para estreitar conceitualmente o conjunto de escolhas e ligar a tomada de decisão
através do tempo. Não é uma história de inevitabilidade na qual o passado quase prediz o
futuro�” (North, 1990/1994:99). O importante é que uma vez disposto um certo caminho
de desenvolvimento �“�…a rede de externalidades, o processo de aprendizagem das
organizações e a modelagem subjetiva das questões, historicamente derivada reforça o
curso�” (North, 1990/1994:99).
É exatamente por isso que as tentativas de transferências institucionais caracterizam-se
tão freqüentemente por insucessos. Conforme ilustra de maneira brilhante o recente
trabalho de Greif (2000), é bem mais simples transferir regras e normas, que crenças,
estruturas e convicções. Assim, por exemplo, a adoção da Constituição americana e de
leis de direito de propriedade por vários países latino americanos não conduzem ao
mesmo tipo de desenvolvimento que o dos Estados Unidos: �“embora as regras sejam as
mesmas, seus mecanismos de reforço, os caminhos que garantem sua aplicação, as
normas de comportamento e os modelos subjetivos de comportamento dos atores, não o
são�” (North, 1990/1994:101).
Não há receita nem muito menos leis científicas gerais que permitam antever o processo
de superação de instituições ineficientes. O importante na contribuição de North é o
caráter necessariamente gradual desta superação. Curiosamente a perspectiva
institucionalista não deixa de ter um certo paralelo com o que representou o ponto de
vista de Antonio Gramsci no interior das teorias marxistas sobre a transição para o
socialismo. Ali onde as doutrinas predominantes enfatizavam o papel decisivo de uma
ruptura brusca e a implantação de um poder capaz de alterar a correlação de forças,
Gramsci preparava um outro caminho em que a acumulação de forças se traduzia num
conjunto variado e multifacético de organizações e mesmo de condutas: a construção de
uma nova sociedade representaria muito mais a transformação que a ruptura com as
organizações existentes. Apesar das evidentes diferenças de horizontes teóricos, o
conceito gramsciano de hegemonia guarda uma interessante semelhança com a noção de
mudança institucional. Em ambos os casos, a mudança social corresponde a um processo
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capilarizado de transformações na cultura, no poder dos grupos sociais, na representação
dos indivíduos que os faz adotar modalidades organizativas desestimuladas até então.
4. À guida de conclusão
O pensamento institucionalista contribui portanto, de maneira decisiva, para superar o
dilema convencional da economia entre crescimento e eqüidade. Uma sociedade que
concentra as oportunidades de geração de renda e os ativos dificilmente consegue
transmitir a seus cidadãos a confiança necessária a que se formem as estruturas de
cooperação capazes de valorizar de maneira generalizada as atividades produtivas. É em
grande parte com base na incorporação dos conceitos institucionalistas que o Banco
Mundial constatou de maneira amarga, em seus últimos trabalhos, a insuficiência da
�“liberação dos mercados�” como base para a transição dos países do Leste Europeu para
uma economia descentralizada. Da mesma forma, seus relatórios mais recentes
incorporam a vasta literatura segundo a qual os países que conseguiram sair do
subdesenvolvimento na segunda metade do Século XX foram exatamente aqueles cujo
crescimento dinâmico apoiou-se numa ampla redistribuição de renda, de ativos e de
oportunidades.
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