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1 DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA Daniel Estevão Ramos de Miranda 1 RESUMO: objetivo deste trabalho é analisar como um dos temas mais importantes do pensamento social e político brasileiro o desenvolvimento aparece na produção intelectual do economista e político Bresser-Pereira. Por um lado, a trajetória desse tema no pensamento de Bresser-Pereira indica rupturas e mudanças de posição, teóricas e políticas. Por outro lado, na medida em que seu pensamento desenvolvimentista esteve ancorado na ideia de nação, pode-se dizer que há também certas continuidades. O entendimento das relações complexas entre rupturas e continuidades é referido aqui à movimentação, principalmente política, de Bresser- Pereira ao longo dos variados contextos que vivenciou ao longo de sua biografia. Palavras-Chave: Desenvolvimento; Nação; Bresser-Pereira. DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA 2 Este artigo tem por objetivo apresentar, de modo mais geral, alguns dos aspectos mais importantes do pensamento do economista e político Luis Carlos Bresser-Pereira (doravante apenas “Bresser”) no tocante aos temas do desenvolvimento e da nação. Para tanto, a discussão presente neste texto circunscreve-se a apenas alguns de seus principais livros dedicados àqueles tema 3 . E isto por dois motivos principais. Em primeiro lugar, esta é uma versão incompleta e preliminar da discussão mais amplamente desenvolvida na pesquisa de doutorado ora em andamento. E, em segundo, devido a um traço marcante na produção intelectual de Bresser: apesar deste autor apresentar uma quantidade imensa de publicações, há algumas que se destacam e sintetizam suas ideias. A seguir, portanto, apresenta-se sucintamente as posições de Bresser, acerca do desenvolvimento brasileiro, entre fins da década de 1960 até o final da década de 2000. Ao final, traçar-se-á algumas considerações sobre a visão de Bresser sobre os temas em discussão. DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL O tema do desenvolvimento, ao longo dos textos de Bresser, aparece intimamente associado a dois outros: desenvolvimentismo e nação. Desenvolvimentismo como referência teórica e ideológica e nação como referência 1 Doutorando PPG-Pol/UFSCar e Professor Assistente/UFMS, [email protected] , Mestre em Ciência Política. 2 Versão preliminar e parcial de relatório de pesquisa de doutorado. 3 Na bibliografia há as referências completas dos livros selecionados.

DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA · e por boa parte da classe média”, mas, para Bresser, ela não teria praticamente nenhuma viabilidade, devido a seu colonialismo

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DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA

Daniel Estevão Ramos de Miranda1

RESUMO: objetivo deste trabalho é analisar como um dos temas mais importantes do pensamento social e político brasileiro – o desenvolvimento – aparece na produção intelectual do economista e político Bresser-Pereira. Por um lado, a trajetória desse tema no pensamento de Bresser-Pereira indica rupturas e mudanças de posição, teóricas e políticas. Por outro lado, na medida em que seu pensamento desenvolvimentista esteve ancorado na ideia de nação, pode-se dizer que há também certas continuidades. O entendimento das relações complexas entre rupturas e continuidades é referido aqui à movimentação, principalmente política, de Bresser-Pereira ao longo dos variados contextos que vivenciou ao longo de sua biografia. Palavras-Chave: Desenvolvimento; Nação; Bresser-Pereira.

DESENVOLVIMENTO E NAÇÃO EM BRESSER-PEREIRA2

Este artigo tem por objetivo apresentar, de modo mais geral, alguns dos

aspectos mais importantes do pensamento do economista e político Luis Carlos

Bresser-Pereira (doravante apenas “Bresser”) no tocante aos temas do

desenvolvimento e da nação.

Para tanto, a discussão presente neste texto circunscreve-se a apenas alguns

de seus principais livros dedicados àqueles tema3. E isto por dois motivos principais.

Em primeiro lugar, esta é uma versão incompleta e preliminar da discussão mais

amplamente desenvolvida na pesquisa de doutorado ora em andamento. E, em

segundo, devido a um traço marcante na produção intelectual de Bresser: apesar

deste autor apresentar uma quantidade imensa de publicações, há algumas que se

destacam e sintetizam suas ideias.

A seguir, portanto, apresenta-se sucintamente as posições de Bresser, acerca

do desenvolvimento brasileiro, entre fins da década de 1960 até o final da década de

2000. Ao final, traçar-se-á algumas considerações sobre a visão de Bresser sobre os

temas em discussão.

DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL

O tema do desenvolvimento, ao longo dos textos de Bresser, aparece

intimamente associado a dois outros: desenvolvimentismo e nação.

Desenvolvimentismo como referência teórica e ideológica e nação como referência

1 Doutorando PPG-Pol/UFSCar e Professor Assistente/UFMS, [email protected],

Mestre em Ciência Política. 2 Versão preliminar e parcial de relatório de pesquisa de doutorado.

3 Na bibliografia há as referências completas dos livros selecionados.

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política. Porém, desenvolvimento, desenvolvimentismo e nação não permanecerão os

mesmos ao longo da trajetória de Bresser.

Em fins dos anos 1960, Bresser publica aquele que seria seu maior sucesso

editorial, em termos de vendas e edições. Desenvolvimento e crise no Brasil apresenta

um painel bem amplo do Brasil ao longo do século XX. Aqui considera-se apenas a

primeira edição, de 1968, e a mais recente, de 2003.

A primeira discussão relevante sobre desenvolvimento elaborada por Bresser,

no final da década de 1960, aproximava essa noção à de padrão de vida. Em suas

palavras, “desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e

social, através da qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-

se automático e autônomo” (1968,16).

Em outras passagens, a tônica da conceituação de desenvolvimento elaborada

por Bresser, que recai sobre a noção de padrão de vida, torna-se ainda mais clara: o

“resultado por excelência” do desenvolvimento é o “crescimento do padrão de vida da

população”; “Falamos, propositadamente, em padrão de vida e não em renda per

capita. A melhoria dos padrões de vida, o aumento do bem-estar, este é um objetivo

universalmente aceito pelas sociedades modernas” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 16);

só há realmente desenvolvimento se “a melhoria do padrão de vida da população” for

“automática, autônoma e necessária”. Automática na medida em que o processo de

desenvolvimento passar “a gerar a si mesmo”; necessária “na medida em que o

reinvestimento e o crescimento das empresas torna-se uma condição de sobrevivência

das mesmas”; e autônoma na medida em que, “uma vez iniciado, o desenvolvimento

tende não só a gerar-se a si mesmo de forma necessária, mas também a encontrar

dentro de suas próprias fronteiras, especialmente em seu mercado interno, seus

próprios fatores dinâmicos” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 16-7).

Essa ênfase no padrão de vida permitiria localizar historicamente o

desenvolvimento, diferenciando-o do simples aumento da riqueza geral de uma

sociedade – sem necessária ser acompanhada por uma melhoria nas condições de

vida de sua população. O desenvolvimento é “historicamente situado” porque “surge

apenas no momento em que o sistema econômico em que ele ocorre torna-se

dominantemente capitalista ou socialista” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 18).

O crescimento econômico, em si, não é sinônimo de desenvolvimento.

Contudo, pode disparar um processo de transformação de uma sociedade tradicional

em direção a modernidade. O “essencial” para que tal passagem se realize, segundo

Bresser, é “que a classe dominante tradicional (...) seja substituída no controle político

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da sociedade por um grupo de classe média” – com ou sem revolução política

(BRESSER-PEREIRA, 1968,19).

Dessa forma, a tônica no “padrão de vida” como resultado principal do

processo de desenvolvimento combina-se com uma discussão sobre as classes

médias, que entram na argumentação como as responsáveis principais por iniciar o

processo de desenvolvimento. A regra é as classes médias deslocarem as classes

dominantes tradicionais do poder, abrindo historicamente a janela de oportunidade

para o desenvolvimento. Na “grande maioria dos casos (...), o desenvolvimento será

iniciado no momento em que o poder político estiver predominante ou exclusivamente

nas mãos de um grupo de classe média constituído seja por empresários burgueses”

(BRESSER-PEREIRA, 1968,19).

Porém, “obviamente, à medida que” as classes médias “se vão estabelecendo

no poder vão-se transformando em classe alta”. A tomada do poder, do qual elas são,

via de regra, protagonistas, mais outros fatores diversos dão início a “uma fase

histórica do país que tem sido chamada por uns de Revolução Industrial”, para

salientar sua identificação com o processo de desenvolvimento; por outros de

“Revolução Nacional, especialmente quando se trata de um país colonial ou semi-

colonial”; e “por Rostow de decolagem, para dar ênfase ao rompimento com o estado

de estagnação crônica” típica de sociedades tradicionais (BRESSER-PEREIRA,

1968,19-20, 186).

Do ponto de vista econômico, o “efeito fundamental” da “Revolução Nacional

Brasileira”, da industrialização foi o fortalecimento do “mercado interno”. Do ponto de

vista social, o delineamento mais nítido de “duas novas classes” – a “burguesia

industrial” e o “proletariado urbano”. A “classe média” também se “expande”.

Politicamente, antes da “Revolução Nacional”, o Brasil encontrava-se, segundo

Bresser, em um “regime a um só tempo feudal(sic) e capitalista”, no qual o “domínio

político vai caber por definição ao proprietário de terra”. Após a Revolução de 30, “a

oligarquia perde o poder, entra em decadência” (BRESSER-PEREIRA, 1968,19-20,

25). Culturalmente, as transformações convergiram para um ponto em comum:

“tomamos consciência de nós mesmos” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 26-7).

A noção e discussão sobre as “classes médias” serve, portanto, de ponte entre

o tema do desenvolvimento (econômico principalmente) e o da nação.

Seria a partir do processo de desenvolvimento econômico pós-1930 que o

Brasil “muda de objeto para sujeito da história e começa a se tornar senhor de seu

próprio destino. Até aquele momento somente em um sentido legal o Brasil poderia ser

considerado uma nação” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 77, grifo nosso). O

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nacionalismo “englobava o industrialismo, mas colocava uma ressalva: a

industrialização deve ser realizada através de uma burguesia nacional. (...)

Controlando a indústria nacional, o capitalismo internacional continuaria a dominar

politicamente o país, que continuaria semicolonial” (BRESSER-PEREIRA, 1968,19-

20103).

Em fins dos anos 1960, Bresser assim formulou a problemática da viabilidade

do capitalismo no Brasil da seguinte forma: trata-se de um “desenvolvimento auto-

impulsionado ou não”? Primeiramente, Bresser ressalta que desenvolvimento não

pode ser reduzido a crescimento econômico. Desenvolvimento pressupõe crescimento

econômico, mas também que “o aumento da renda por habitante” seja “acompanhado

por transformações profundas na estrutura econômica, política e social do país”

tornando o “aumento do padrão de vida da população um processo automático e

necessário” (BRESSER-PEREIRA, 1968,186).

Pois bem, uma série de indicadores (instalação de um parque industrial

formado por indústrias de consumo, de base e de bens de capital) levaram Bresser a

concluir que a “Revolução Industrial Brasileira fora concluída. Este autor, mesmo,

chegou a acreditar nisto e a escrevê-lo”. Contudo, “ao afirmarmos isto, o que

estávamos fazendo era uma analogia com o desenvolvimento dos países

desenvolvidos, e hoje estou convencido de que esta era uma falsa analogia, uma

analogia sem que os fatos fossem perfeitamente análogos” (BRESSER-PEREIRA,

1968,188).

Quando “os países hoje desenvolvidos alcançaram o grau de integração

industrial que o Brasil atingira em 1961, seu desenvolvimento passou a tomar um

caráter auto-impulsionado” (BRESSER-PEREIRA, 1968,188). No caso brasileiro, pelo

menos três fatores que o singularizam precisariam ser levados em consideração: 1) o

desenvolvimento industrial ocorreu a partir de um processo de substituição de

importações; 2) o impacto da absorção de técnicas e tecnologias, ao invés de se

adaptar às necessidades e especificidades nacionais – como nos casos clássicos de

industrialização –, terminou por gerar distorções graves na economia, ligadas à

questão do emprego principalmente; 3) a existência de uma “superpotência

imperialista”.

“Esses três fatores nos levam a concluir que o Brasil não completou ainda sua

Revolução Industrial”, na medida em que ainda não se poderia considerar o

desenvolvimento brasileiro “auto-impulsionado, ou seja, necessário e automático”

(BRESSER-PEREIRA, 1968,189).

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Em grande parte, a análise da Crise Brasileira já aponta, ainda que

implicitamente, as medidas a serem adotadas. Dois pontos importantes a serem

considerados, segundo Bresser, são os de que a “solução” da crise não pode estar

restrita ao campo econômico, pois a crise é mais geral, e as soluções a serem

buscadas serão de “caráter capitalista, ou seja, que mantenham o princípio da

propriedade privada dos bens de produção”, pois o ponto de partida desta discussão

empreendida por Bresser diz respeito à viabilidade do desenvolvimento capitalista no

Brasil (BRESSER-PEREIRA, 1968, 202).

Assim, as três “ideologias possíveis” para o Brasil daquele momento seriam:

1) o “neoliberalismo clássico”, que é a “ideologia burguesa por excelência”, que

se aproxima do laissez-faire, mas não se identifica completamente com ele na medida

em que o “liberalismo puro está hoje morto”. Em países subdesenvolvidos, tal

ideologia assume um caráter “colonialista”, segundo Bresser, na medida que propõe a

abertura da economia sob a alegação da incapacidade “da classe capitalista nacional

para a realização do desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 1968, 203). Tal

ideologia seria “ainda esposada pela grande maioria da classe empresarial brasileira,

e por boa parte da classe média”, mas, para Bresser, ela não teria praticamente

nenhuma viabilidade, devido a seu colonialismo – a retomada do desenvolvimento “só

será possível desde que haja um projeto nacional bem definido”; a seu liberalismo – a

intervenção do Estado é fundamental; e a sua estreiteza de perspectiva, isto é, por ser

“estritamente capitalista”, beneficiando uma pequena parcela apenas da população, o

que é politicamente inviável (BRESSER-PEREIRA, 1968, 204).

2) o “liberalismo intervencionista tecnocrático-militar é a ideologia que passou a

dominar o Brasil a partir de 1964”. Segundo Bresser, ela seria paradoxal: “é ao mesmo

tempo intervencionista e liberal”. Mais ainda “é toda um emaranhado de contradições,

na medida em que é dominada por tecnocratas e militares. Estes, como membros da

classe média tradicional, desligados portanto do processo produtivo”, seriam idealistas

(“alienação da realidade”), moralizantes (personalizam os problemas, ao invés de

localizarem-nos nas estruturas sociais vigentes) e conservadores (BRESSER-

PEREIRA, 1968, 204).

3) o “nacionalismo desenvolvimentista” opõe-se ao colonialismo,

fundamentando-se nas “potencialidades do próprio país para desenvolver-se” e na

noção de interesse nacional, em oposição aos interesses de outros países

(BRESSER-PEREIRA, 1968,206). Além de nacionalista, esta ideologia é

desenvolvimentista por que o “desenvolvimento econômico” é seu principal objetivo,

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mais do que a estabilidade ou a segurança nacional, como nas outras ideologias

(BRESSER-PEREIRA, 1968,209-10).

“Um Governo com uma ideologia nesses termos, nacionalista,

desenvolvimentista, social e democrática, eventualmente, poderá romper o círculo

vicioso estrutural do subdesenvolvimento brasileiro, embora não haja nenhuma

garantia de que isso venha a ocorrer” (BRESSER-PEREIRA, 1968,211).

Bresser discute também o surgimento, enquanto situação objetiva e enquanto

análise teórica, da “nova dependência”. Esta começou a se configurar, concretamente,

a partir de uma mudança de posição das empresas multinacionais: estas “não podiam

mais ser consideradas contrárias à industrialização na medida em que participavam

desse processo, produzindo especialmente bens de consumo durável de luxo”. A

aspecto de dependência estava na “concentração de renda” que criava “mercado para

esse tipo de bem para as empresas multinacionais”, no “endividamento externo, e,

finalmente”, no “apoio político do governo norte-americano, o qual, agindo nos quadros

da Guerra Fria, apoiara o golpe militar de 1964” (1 BRESSER-PEREIRA, 2003,67).

Analisando a crise econômica brasileira de 1962-67, Bresser discute duas

análises. Uma de C. Furtado, o qual defendia uma “política de redistribuição de renda”

como o eixo de uma política de superação daquela crise (BRESSER-PEREIRA,

2003,168-70). Outra, do economista Antônio Barros de Castro, que defendia ser

possível, de um ponto de vista exclusivamente econômico, superar a crise pela

concentração da renda nas classes média e alta, ainda que tal solução não fosse

socialmente aceitável. E foi justamente esta última opção a escolhida pelo governo e

que resultou nas taxas de crescimento econômico apresentadas entre fins dos anos

1960 e início dos 1970.

Bresser explica a escolha dessa opção pelas bases sociais do governo: “é um

governo de militares e tecnocratas, é um governo de classe média. Em vista disto,

consciente ou inconscientemente, realiza uma política que beneficia especialmente a

classe média” (BRESSER-PEREIRA, 2003,171; 177). Economicamente, essa

“concentração de renda da classe média para cima” (BRESSER-PEREIRA, 2003,173)

comprime o mercado consumidor, em um primeiro momento. Contudo, como a

industrialização estava calcada na produção de bens de consumo duráveis

(automóveis, eletrodomésticos etc.), seu principal mercado consumidor era justamente

aquelas classes médias e altas, que tinha renda para adquirir os produtos. Além disso,

as exportações desses mesmos produtos permitiam também a compatibilização entre

concentração e de renda e manutenção dos níveis de investimento e produção

(BRESSER-PEREIRA, 2003,174).

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Ainda que do ponto de vista estritamente econômico tal modelo tenha

funcionado (quando medido em termos de crescimento econômico), “do ponto de vista

social” ele é negativo. “Neste trabalho, porém, não estamos realizando um estudo de

crítica social, mas simplesmente fazendo uma análise do desenvolvimento brasileiro. E

o desenvolvimento é um fenômeno histórico ao qual não devem ser atribuídas

conotações valorativas” (BRESSER-PEREIRA, 2003,174).

O que Bresser denomina de Pacto Autoritário-Burocrático teria por base social

a “aliança da burguesia local com a classe média profissional ou tecnoburocrática

militar e civil, e com o capitalismo internacional” (ou seja, a famosa “tríplice aliança” do

P. Evans) e por modelo econômico o “subdesenvolvimento industrializado que se

caracteriza pela modernização da economia, pela concentração da renda nas classes

altas e médias e pela marginalização da classe inferior” (BRESSER-PEREIRA,

2003,176).

O Brasil, ao se encontrar em uma situação de “nova dependência”, teria se

tornado “um apêndice sem autonomia tecnológica e sem autonomia em matéria de

acumulação de capital” do “sistema capitalista internacional” (BRESSER-PEREIRA,

2003,179).

Para explicar o crescimento e, em seguida, a crise brasileira dos anos 1970,

Bresser recorre a um de seus instrumentos analíticos prediletos: o ciclo. “Estávamos”,

nos anos 1970, “assistindo a um segundo ciclo industrial no Brasil. Desde os anos

1950, a economia brasileira alcançou suficiente densidade industrial para passar a ser

palco dos ciclos econômicos clássicos”, ou seja, resultantes “da dinâmica interna do

sistema capitalista brasileiro” (BRESSER-PEREIRA, 2003,185).

As consequências da reversão do ciclo econômico, de meados dos anos 1970

em diante, seriam a inflação, que confirmariam as ideias de I. Rangel (BRESSER-

PEREIRA, 2003,189-191); e o endividamento externo – “Em um primeiro momento,

entre 1970 e 1976, o Brasil se endividou para aumentar a taxa de acumulação e de

consumo; em um segundo, entre 1978 e 1980, para manter os níveis de consumo. A

partir de 1981, porém, já não nos endividávamos sequer para aumentar o consumo. O

Brasil se endividava quase exclusivamente para pagar juros” (193).

Para Bresser, mesmo que se leve em consideração os choques do petróleo, “a

causa fundamental da crise distributiva [no Brasil] é o próprio esgotamento da

expansão cíclica e o início da fase de contração ou desaceleração” (BRESSER-

PEREIRA, 2003,197). Mais adiante, Bresser afirma que o final da década de 1970 foi o

momento em se iniciou a “fase de desaceleração de um ciclo longo ou de Krondratieff,

cuja duração é de aproximadamente cinquenta anos (...). No caso do Brasil, porém, e

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da América Latina, essa crise se transformou em uma Grande Crise devido,

principalmente, ao alto endividamento externo ocorrido nos anos 1970, e à

incapacidade de se realizar o necessário ajustamento a partir de 1979” (BRESSER-

PEREIRA, 2003,222). Além disso, a “crise não era apenas das contas externas, mas

do Estado – uma crise fiscal do Estado e, mais amplamente, do modelo

desenvolvimentista”. Crise da qual o Brasil não teria saído ainda (em 2003), na medida

em que “Há mais de vinte anos (...) sua renda per capita cresce a cerca de 1% por

anos, quando, nos trinta anos anteriores, crescia a quase 4% ao ano” (BRESSER-

PEREIRA, 2003,227).

Além disso, o governo brasileiro teria cometido graves erros em termos de

política econômica no período de 1979-1980, agravando ainda mais a crise

(BRESSER-PEREIRA, 2003,199-201; 237).

Em meados dos anos 1980, antes de J. Sarney assumir a Presidência, Bresser

previra três caminhos possíveis: “um pacto „liberal-burguês‟, que teria como base a

alta burguesia e setores conservadores das classes médias, e um pacto „popular-

democrático‟ baseado nas classes médias progressistas e em parte dos trabalhadores

organizados”. A terceira opção era “um período de estagnação e desorganização

social”.

E a posição de Bresser é a de que, ao final das contas, “a terceira alternativa

(...) prevaleceu” (BRESSER-PEREIRA, 2003, 226-27). O saldo principal dessa crise foi

a constatação que o Brasil

não havia conseguido completar sua revolução nacional. (...) O Brasil tornou-se um país com uma democracia consolidada, mas continuou dependente: suas elites e mais amplamente sua sociedade civil não se demonstraram capazes de passar a pensar e a decidir com vistas ao interesse nacional. (...) Nossas elites (...) não perceberam agora que a crise do Estado era apenas cíclica e aceitaram as ideias ultraliberais sem crítica ou então permaneceram em uma atitude puramente populista de quem não percebia que a crise, embora cíclica, era real (BRESSER-PEREIRA, 2003, 228-29).

Os “sintomas” da “crise estrutural” dos anos 1980 no Brasil seriam a

“estagnação da renda por habitante”, a “drástica redução da capacidade de poupar e

investir” e a inflação (BRESSER-PEREIRA, 2003, 231-33; 263).

(238).

O Brasil estaria preso em uma armadilha formada pela “cadeia „dívida externa

– estatização da dívida externa – aumento da dívida interna – aumento do déficit

público‟”. As altas taxas de juros internas completariam esse quadro negativo e

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fecharia o círculo vicioso: queda de investimentos, aceleração inflacionária e

crescimento do déficit público (BRESSER-PEREIRA, 2003, 245).

Defendendo que a “interpretação da nova dependência (...) devia agora ser

substituída (...) pela interpretação da crise do Estado”, Bresser afirma: “Creio ter sido o

primeiro economista brasileiro a ter feito a crítica sistemática do Consenso de

Washington, muito antes [em 1991] que a esquerda brasileira, ligada à oposição ao

governo Cardoso, também o descobrisse” (BRESSER-PEREIRA, 2003,247; 271).

E, fazendo um balanço, já no início dos anos 2000, dos anos 1980 e 1999,

Bresser considera que, apesar de ter controlado a inflação, em 1994, o Brasil não teria

alcançado, ainda, o “crescimento econômico e a distribuição equitativa da renda”

(BRESSER-PEREIRA, 2003, 279). E, apesar de sua longa militância no PSDB, não

poupa o governo Fernando H. Cardoso de críticas. Quais teriam sido os principais

erros, em termos de política econômica, desse governo? Bresser aponta os seguintes:

1º) “erro de agenda” (BRESSER-PEREIRA, 2003, 258): “Os dois principais

inimigos, agora, a partir do Plano Real, eram o câmbio valorizado e a alta taxa de real

de juros” (BRESSER-PEREIRA, 2003,337). Bresser critica a prioridade dada ao

combate à inflação quando esta já havia sido controlada. Juros e câmbio deveriam ser

a prioridade (BRESSER-PEREIRA, 2003,339), pois o “equilíbrio macroeconômico [de

um país] é dado pelo nível de preços, sem dúvida, mas é dado principalmente pelo

equilíbrio intertemporal de suas contas externas”, que dependem de taxas de juros e

câmbio adequadas (BRESSER-PEREIRA, 2003,342).

2º) o segundo Consenso de Washington, que pregaria o crescimento

econômico com “poupança externa”, ou seja, endividamento (BRESSER-PEREIRA,

2003,345-52);

3º) a “incapacidade das elites brasileiras de pensar por contra própria e criticar

o Segundo Consenso de Washington”, ou seja, sua alienação (BRESSER-PEREIRA,

2003,358).

E, novamente, associa fortemente desenvolvimento e nação, estabelecendo

uma correlação causal entre ambos. “O Brasil já completou sua revolução capitalista,

mas não completou sua revolução nacional: continua a ter uma enorme dificuldade de

avaliar as questões a partir do interesse nacional do país” (BRESSER-PEREIRA,

2003,394). E, a fim de evitar qualquer aproximação com a xenofobia, Bresser procura

deixar claro que o

nacionalismo é a forma pela qual as sociedades modernas se auto-definem como nação, e, a partir daí, esperam que seus governos, nas relações com os demais países, defendam o

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trabalho e o capital nacionais. (...) é a prática da defesa do interesse nacional usando como ferramenta as instituições e a organização do Estado nacional (BRESSER-PEREIRA, 2003,411).

E, no caso do Brasil, é a estratégia para que a “Revolução Nacional Brasileira

seja retomada” (BRESSER-PEREIRA, 2003, 419).

ESTADO E SUBDESENVOLVIMENTO INDUSTRIALIZADO

O livro Estado e Subdesenvolvimento Industrializado apresenta-se,

basicamente, como uma discussão de economia política focada em temas brasileiros.

Apresenta e desenvolve uma proposta de modelo de análise do subdesenvolvimento

brasileiro.

Esse modelo aponta para “um tipo de desenvolvimento que mantém o

subdesenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 28). Nesta discussão, a noção de

padrão de vida já não é tão fundamental, e o conceito de desenvolvimento ganha uma

formulação mais complexa e mais próxima do marxismo: “um processo persistente de

desenvolvimento das forças produtivas, baseado na acumulação do capital e

progresso técnico, que se traduz no aumento da renda por habitante e resulta em

transformações nas relações de produção e na superestrutura jurídico-institucional e

ideológica” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 28).

Contudo, desenvolvimento não é um processo que se repete de país para país

de forma padronizada. O “Desenvolvimento Periférico do subdesenvolvimento

industrializado contrasta com o Desenvolvimento Central” na medida em que é

“concentrador de renda” e “não tende a integrar a sociedade mas mantê-la dual”

(BRESSER-PEREIRA, 1977, 29).

Bresser caracteriza três posições principais em relação ao desenvolvimento

periférico: 1) a teoria da modernização, na qual “subdesenvolvimento é (...) falta de

modernização. Um país é subdesenvolvido porque não é suficientemente capitalista ou

tecnoburocrático”. Tal perspectiva em geral é adotada “por economistas e sociólogos

funcionalistas dos países centrais”; 2) a “perspectiva imperialista-espoliativa”, segundo

a qual o “subdesenvolvimento é causado pela exploração capitalista dos países

periféricos” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 30). Apesar de se situar no extremo oposto

da teoria da modernização, ambas se aproximariam por serem “teorias lineares da

história” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 31); 3) a posição de Bresser é por ele

caracterizada como uma “teoria dialética da dependência”, que se aproxima da

segunda perspectiva, mas é claramente distinta em relação a ela exatamente por ser

“dialética”, e não “linear”. Tal perspectiva estaria presente em Celso Furtado e

Fernando H. Cardoso e apresentaria melhor uma “visão global do problema” do

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subdesenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 1977, 31).

Subdesenvolvimento, assim, seria “um processo particular de

desenvolvimento”, e “desenvolvimento dependente”. Seu “caráter dialético ou

contraditório” estaria em que a “penetração do capitalismo nos países periféricos é ao

mesmo temo fator de desenvolvimento e de subdesenvolvimento” (BRESSER-

PEREIRA, 1977, 33).

Após repassar rapidamente a trajetória das propostas desenvolvimentistas e

industrializantes, Bresser conclui que “exceção feita à industrialização, que de fato

ocorreu, as demais previsões dos economistas (...) para resolver o problema do

desenvolvimento não se concretizaram”: as “burguesias nacionais não chegaram a se

corporificar”; a dependência se renovou sob a forma de “dependência tecnológica,

através das empresas multinacionais”; a maior intervenção do Estado na economia

não a tornou mais justa socialmente ou mais próxima de um estilo planificador, antes

elevou o “poder de uma tecnoburocracia civil e militar”, que passou a se apropriar,

juntamente com a burguesia, do excedente econômico também (BRESSER-PEREIRA,

1977, 204). Em suma, um “subdesenvolvimento industrializado”.

As “características básicas” do modelo de subdesenvolvimento industrializado

são: 1) dualismo: divisão da produção entre um “setor capitalista „moderno‟, dinâmico”

(bens de luxo e de capital) e outro “„tradicional‟ relativamente estagnado” (“bens de

consumo dos trabalhadores”); 2) apropriação do excedente pela burguesia (lucros) e

pela tecnoburocracia (ordenados); 3) salários de subsistência; 4) “compatibilização

entre a tendência à concentração de renda e a sustentação de demanda agregada”

através da produção de bens de consumo de luxo; 5) predominância da presença

estatal e multinacional no setor moderno; 6) dependência tecnológica (“de processo e

de produto”) e de padrões de consumo (“efeito demonstração”); 7) economia aberta

internacionalmente; 8) “marginalização de grande parte da população” em relação ao

desenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 1977, 206).

Assim, “Trata-se de um modelo de subdesenvolvimento e não de

desenvolvimento”, pois a “acumulação de capital e progresso técnico” convivem e

agravam “a dualidade entre um setor capitalista tradicional e outro moderno, nem

tende a integrar as populações marginalizadas no sistema econômico moderno e

dinâmico” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 206).

A fim de discutir o modelo de subdesenvolvimento industrializado, em seu

aspecto “dinâmico”, ou seja, relacionado às “tendências que o modelo apresenta” (há

uma nota de rodapé, a 67, que aponta para as principais análises sobre o modelo de

desenvolvimento brasileiro do período) (207-08) Bresser procura explicitar o que

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entende por “desenvolvimento econômico”: “(a) um aumento continuado da renda, (b)

um sistemático processo de acumulação de capital, (c) de desenvolvimento

tecnológico, e (d) uma progressiva integração da população nos processos modernos

de produção e distribuição decorrentes” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 208).

Esse “modelo de desenvolvimento com marginalização ou de

subdesenvolvimento industrializado” caracteriza-se principalmente pela “existência de

dois setores estruturais de produção”, um moderno e outro tradicional (que não é “pré-

capitalista”) (BRESSER-PEREIRA, 1977, 210). Tal divisão “só tem sentido dentro de

uma perspectiva histórico-estrutural. Segundo essa perspectiva, os dois setores

correspondem a duas fases do desenvolvimento capitalista dos países

subdesenvolvidos” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 211).

O “setor tradicional ou dependente” corresponderia ao “setor produtivo

capitalista instalado no país durante a vigência do „velho‟ imperialismo via comércio

internacional” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 212),

constituído basicamente pelo setor agrícola, pelas pequenas e médias indústrias produtoras de bens de consumo (bens de salário), pelo pequeno e médio comércio, pelas pessoas ou pequenas firmas dedicadas aos serviços e á construção civil em pequena escala, pelo artesanato, por certas áreas do serviço público, especialmente no nível municipal e no nível estadual dos Estados pobres e, finalmente, pelos trabalhadores autônomos subempregados ou desempregados que constituem as populações marginais das grandes cidades brasileiras (BRESSER-PEREIRA, 1977, 210-11).

O setor moderno associa-se ao processo de internacionalização das empresas

do centro capitalista, que formarão o “núcleo moderno” daquele setor no Brasil. Se a

referência à noção de padrão de vida se esmaece nessa discussão sobre

desenvolvimento, as classes médias continuam tendo um papel muito importante,

como um dos principais elos que dão consistência ao modelo. Isto por que a “relação

de dependência” entre o setor privado moderno da economia brasileira e o “núcleo

produtivo controlado principalmente pelas empresas multinacionais e pelas empresas

públicas ocorre através do surgimento de uma nova classe média receptora de

ordenados, que passa a demandar esses serviços” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 13).

Pelo consumo, as classes médias contribuem para a dinâmica econômica do

modelo. E essa função consumo das classes médias é fundamental na visão de

Bresser, ao ponto de ele defender que a “reprodução dos padrões de consumo da

metrópole é a lei básica do sistema, que de uma forma ou de outra condiciona as

demais variáveis” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 264). O limite do processo de

acumulação do setor privado é dado, assim, pelo fato de “o elemento dinamizador do

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modelo” ser “o consumo de bens de luxo” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 266).

Os traços principais do modelo de econômico brasileiro dos anos 1970 seriam:

1) “o mercado no setor moderno é oligopolístico”; 2) “as empresas privadas

dominantes são estrangeiras”; 3) o governo é responsável por “parcela considerável

do investimento”; 4) mercado de capitais, por meio do qual poupanças poderiam ser

realocadas, limitados; 5) “desenvolvimento tecnológico é exógeno, não estando ligado

diretamente ao processo de produção”; 6) inflação “relativamente alta” (BRESSER-

PEREIRA, 1977, 266).

Isso caracterizaria, segundo Bresser, o subdesenvolvimento: “o caráter

tecnologicamente simples e trabalho-intensivos dos produtos exportados”. O “critério

continua a ser o da sofisticação tecnológica. Subdesenvolvido é o país

tecnologicamente menos avançado” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 299).

“O subdesenvolvimento define-se historicamente quando uma sociedade que

estava fora do sistema capitalista internacional é lançada no mesmo e passa a

comercializar com os países centrais” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 300), criando

“imediatamente relações de exploração e dependência” (BRESSER-PEREIRA, 1977,

301). Citando C. Furtado, Bresser define como “modernização (...) o fenômeno de

reprodução na periferia dos padrões de consumo do centro sem que ao mesmo tempo

sejam adotados os padrões tecnológicos correspondentes ao nível da produção”

(BRESSER-PEREIRA, 1977, 301).

Novamente, Bresser elenca as principais características do

subdesenvolvimento: “dualismo entre um setor moderno e um setor tradicional”;

“diferença profunda de rendas entre as classes capitalista e tecnoburocrática de um

lado e os trabalhadores de outro”; “marginalização da grande maioria dos

trabalhadores e, principalmente dos trabalhadores rurais, dos benefícios do

desenvolvimento”; “dependência tecnológica e cultural em relação aos países

centrais”; “caráter ou primário ou tecnologicamente pouco sofisticado da pauta de

exportações” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 302); “desequilíbrio externo” gerado por

uma “pauta de importações, constituída de bens de capital e insumos básicos” e

“inflexível” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 302-03). Este último desequilíbrio “tende” a

“perpetuar-se no subdesenvolvimento industrializado. É um desequilíbrio estrutural,

que limita a taxa de crescimento (...), mas não a impede de forma absoluta”.

Oscilações no preço dos produtos exportados ou ampliação da pauta de exportações

podem aliviar o déficit na balança de pagamentos. “Mas o descompasso entre as

exportações tradicionais e o alto coeficiente de importações dos bens de luxo

produzidos internamente, somado aos altos serviços da dívida externa e às crescentes

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remessas abertas ou disfarçadas de lucro por parte das multinacionais, garante que o

desequilíbrio estrutura se restabeleça” (BRESSER-PEREIRA, 1977, 307)

Não haveria, segundo Bresser, “tendência à ruptura” devido à convergência de

interesses nacionais – de determinados setores – e internacionais. O

“subdesenvolvimento industrializado não é apenas um modelo exportador e voltado

para fora, mas também é um modelo em que as elites locais e o capitalismo

internacional estão profundamente comprometidos e solidários” (BRESSER-PEREIRA,

1977, 307).

Além disso, “subdesenvolvimento não é estagnação”, mas sim “um processo

histórico através do qual” centro e periferia estabeleceram entre si vínculos de

dependência da segunda em relação à primeira (BRESSER-PEREIRA, 1977, 344).

Não sendo, portanto, estagnação e, dessa forma, gerando processos

econômicos que beneficiam parcelas da população, ainda que minoritárias, o ponto de

ruptura do subdesenvolvimento não estaria tanto “no processo de concentração de

renda e de estreitamento relativo do mercado, nem no estrangulamento externo

causado pelo desequilíbrio do balanço de pagamentos” (BRESSER-PEREIRA, 1977,

357).

Para Bresser, aquele ponto de ruptura estaria na política, não na economia. O

“problema (...) resume-se em uma relação de forças políticas” entre as classes sociais

(BRESSER-PEREIRA, 1977, 359).

ECONOMIA BRASILEIRA

O livro Economia Brasileira é uma espécie de manual. Apresenta de forma

direta e sucinta os principais temas ciência econômica aplicada ao Brasil. Porém,

apesar de ser sobre a “economia brasileira”, o livro trata, mais especificamente, do

modelo de (sub)desenvolvimento da economia brasileira em sua fase de

industrialização.

Economia brasileira é onde aparece de modo mais claro e sistemático não

somente a concepção de desenvolvimento de Bresser, mas também sua filiação à

linhagem estruturalista da ciência econômica latino-americana. O livro é dedicado para

C. Furtado e I. Rangel, “mestres de economia política”, e, por ser didático, tem ao final

uma “Bibliografia básica sobre a economia brasileira” comentada por Bresser na qual

aqueles dois economistas figuram em primeiro plano.

O (sub)desenvolvimento, tema encontradiço em sua obra, porém na maior

parte das vezes abordados em conjunto com outras problemáticas – tecnoburocracia,

transição democrática etc. –, em Economia Brasileira torna-se o eixo de toda a

discussão.

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O subdesenvolvimento é associado á dualidade ou heterogeneidade estrutural

(moderno x atrasado/marginal/pré-capitalista, distinguidos pelo grau de produtividade,

maior no primeiro setor do que no segundo) da economia brasileira.

Como resultado dessa heterogeneidade estrutural, a (1) produtividade média

por trabalhador é baixa (o maior grau de produtividade no setor moderno é

compensado pela menor produtividade no setor não moderno, rebaixando a média

geral, portanto), e a (2) a renda/produto por habitante também o é, além de ser

acompanhada pela (3) concentração de renda. As características (2) e (3) remetem às

(4) condições precárias de vida da maioria da população. Completando o quadro, há a

(5) dependência tecnológica e cultural, esta última referida aos padrões de consumo.

Nas palavras de Bresser, o “subdesenvolvimento brasileiro é (...) definido por

uma produtividade do trabalho insuficiente e por uma desigual distribuição dos frutos

dessa produtividade – ou seja, da renda – também desigual” (BRESSER-PEREIRA,

1982, 18).

A dependência, por sua vez, refere-se a “uma economia sem autonomia no seu

processo de desenvolvimento, uma economia que não controla os recursos

fundamentais para que possa aumentar sua produção por habitante” (BRESSER-

PEREIRA, 1982, 19-20).

Sendo assim, o “que é preciso saber é por que não temos quantidade

suficiente de capital e de tecnologia por trabalhador e por que a população brasileira

cresce a taxas que dificultam o processo de desenvolvimento”. Há várias respostas

para tais questionamentos, as “Teorias para o Subdesenvolvimento”: a “teoria da

modernização”, mais “conservadora”, para a qual o “Brasil teria uma economia

subdesenvolvida porque tradicional, pré-capitalista, feudal, semifeudal”, de um lado; e

a “teoria do imperialismo”, para a qual o problema não seria a “falta de capitalismo”,

mas sim que o Brasil “foi permanentemente explorado pelos países capitalistas

imperialistas”, de outro (BRESSER-PEREIRA, 1982, 22-3).

Discordando das duas visões, Bresser propõe uma “teoria histórica do

subdesenvolvimento”, que parta da distinção entre dois tipos de capital, o mercantil e o

industrial. Esta distinção é importante devido à importância do capital mercantil no

Brasil e na América Latina como um todo, “dificultando a emergência do capital

industrial” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 24).

Após essa incursão em temas mais globais, Bresser retorna à discussão do

subdesenvolvimento industrializado brasileiro, definido como um “tipo de

desenvolvimento contraditório, desequilibrado, excludente, mas dinâmico”. Ele se

definiria não “pelo baixo desenvolvimento das forças produtivas, mas,

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fundamentalmente, pelos profundos desequilíbrios que dividem a economia e a

sociedade” – setor oligo-/monopolista formado por empresas multinacionais e estatais,

e que abriga a pequena parcela da população, constituída de burgueses e

tecnoburocratas, que “adotam padrões de consumo semelhantes aos dos países

centrais”, de um lado, e “um setor competitivo, de pequenas e médias empresas, que

inclui também as áreas tradicionais e as áreas marginais da população” (BRESSER-

PEREIRA, 1982, 62).

E a “economia brasileira é talvez o caso mais típico de subdesenvolvimento

industrializado”: altas taxas tanto de crescimento econômico quanto de concentração

de renda, compatibilizadas pelo consumo das classes médias principalmente,

consumidora de bens de luxo (BRESSER-PEREIRA, 1982, 63).

Como o equilíbrio desse modelo econômico ocorre pela produção de “bens de

consumo de luxo” (oferta) para a burguesia e tecnoburocracia (demanda agregada),

classes as quais concentram grande parte da renda gerada no país, “Produz-se mais

bens de capital e mais matérias-primas não para produzir mais bens de capital e mais

matérias-primas, (...) mas para produzir mais automóveis, mais eletrodomésticos (...),

de forma que a taxa de acumulação não aumenta” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 64).

Para fazer frente às necessidades de importação, insuficientemente cobertas por

exportações de produtos de alto valor agregado, há duas saídas: exportar produtos de

baixo valor agregado (agrícolas principalmente) e/ou aumentar a dívida externa. “o

resultado é um “desenvolvimento intrinsecamente desequilibrado, no qual a primazia

dada aos bens de consumo de luxo resulta em não se aumentar a taxa de acumulação

de capital e em se provocar o desequilíbrio nas contas externas do país” (BRESSER-

PEREIRA, 1982, 64).

Entre o setor monopolista e estatal, de um lado, e o competitivo, de outro,

estabelece-se, nesse modelo econômico, “uma troca desigual semelhante à que

ocorre no plano internacional entre países industrializados e países primário-

exportadores” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 64). O mecanismo básico por trás de tal

troca seria o seguinte: conforme a produtividade de uma empresa ou setor se eleva,

mais o preço de suas mercadorias poderia ser rebaixado sem se alterar as rendas

geradas no processo (lucro, ordenados e salários de trabalhadores especializados).

Contudo, o setor monopolista conseguiria reter “para si os ganhos de produtividade,

não aumentando os preços e sim aumentando lucros, ordenados e salários”. Por outro

lado, o setor competitivo transferiria “todos os ganhos de produtividade que

eventualmente alcancem para o setor monopolista na forma de preços relativamente

mais baixos de seus produtos” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 65).

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Como resultado geral do esforço industrializante, no caso brasileiro, os dois

modelos de industrialização pelos quais o país havia passado até então, o PSI e o

subdesenvolvimento industrializado, “levaram ao desequilíbrio e à inflação”, ou seja, à

grande crise dos anos 1980. Ambos os modelos

favoreceram a acumulação em detrimento dos salários dos trabalhadores. Mas nem em um nem em outro a taxa de acumulação cresceu de maneira decisiva, porque o departamento propulsor do desenvolvimento era sempre produtor de bens de consumo: não duráveis no primeiro caso, duráveis no segundo. Apenas no final do modelo de subdesenvolvimento industrializado, em meados dos anos setenta, a liderança industrial passou para a indústria de bens de capital sob encomenda e para as empresas estatais, mas nesse momento o modelo já estava em crise (BRESSER-PEREIRA, 1982, 67).

O balanço geral de Bresser, após décadas de (sub)desenvolvimento, era o de

que “O Brasil não foi capaz de criar aqui uma sociedade mais justa, mas sem dúvida

criou uma sociedade mais capitalista e mais desenvolvida” (BRESSER-PEREIRA,

1982, 68).

Ao discutir o dualismo no Brasil, Bresser toma certos cuidados, pois a “teoria

dualista do subdesenvolvimento (...) levou as esquerdas e os trabalhadores ao erro

estratégico de aceitar uma aliança com uma criação teórica ou ideológica: a „burguesia

nacional‟”. Contudo, para Bresser, essas “distorções ideológicas não retiram o caráter

objetivamente dual da economia brasileira”, conforme os desequilíbrios estruturais

acima mencionados mostrariam. Citando I. Rangel, Bresser defende ser o dualismo

“intrínseco” à economia brasileira, definindo “o próprio subdesenvolvimento

industrializado brasileiro”, que não resultou de uma “falta de capitalismo (...), mas de

uma forma distorcida de penetração do capital na produção”, pela qual se forma

“bolsões de „modernidade‟ na economia, aos quais se justapõe e se subordina ao

setor competitivo, particularmente, o seu subsetor informal” (BRESSER-PEREIRA,

1982, 94-5).

Por fim, Bresser permanecia ainda um pouco otimista: o “subdesenvolvimento

industrializado maduro” será “talvez a última etapa de nossa história enquanto

economia subdesenvolvida”. Otimismo que vai além do capitalismo. O Brasil não

estaria “condenado ao capitalismo para todo o sempre. Muito pelo contrário, (...) a

sociedade e a economia brasileira já começam a ficar prontas para o avanço de

estruturas socialistas” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 164). Tal avanço seria “resultado

da luta de classes”, e os problemas brasileiros “terão de ser superados através da

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dialética da luta de classes e do aumento de produtividade que definem historicamente

o desenvolvimento econômico capitalista” (BRESSER-PEREIRA, 1982, 164-65).

LUCRO, ACUMULAÇÃO E CRISE

O livro Lucro, acumulação e crise é uma das discussões teóricas mais

refinadas de Bresser. Não se trata, como em outros trabalhos, de analisar as

especificidades da periferia, mas sim o capitalismo em si.

Naquele livro, o desenvolvimento é concebido basicamente em termos

marxistas. As variáveis econômicas básicas do capitalismo seriam a taxa de lucro, no

curto prazo, e a taxa de mais-valia ou relação lucros/salários, no longo prazo. Essas

duas taxas determinariam o processo de acumulação capitalista. Desta última

dependeria, por sua vez, assim como do ritmo do progresso técnico (definido como a

elevação da produtividade por trabalhador ou pelo aumento renda por trabalhador;

isso significa ou uma queda na quantidade de trabalho necessária para a produção de

uma mesma quantidade de bens ou uma queda no valor de um bem ou uma queda no

preço de um bem ou ainda um aumento na quantidade de bens por horas trabalhadas

em sua produção), a taxa de produtividade da economia, definida como sendo

aproximadamente o crescimento do produto por habitante.

A perspectiva mais imediata das decisões tomadas pela burguesia é a do curto

prazo, ou seja, a do lucro. Esta variável básica encontra-se no centro do sistema

capitalista de produção. Em torno dela e tendo em vista ela é que se explicam os

processos de acumulação capitalista, progresso técnico e crescimento das

organizações (BRESSER-PEREIRA, 1986, 12-3, 28). Sendo assim, a tese da

tendência da queda da taxa de lucro, formulada por Smith, Ricardo e Marx

(BRESSER-PEREIRA, 1986, 11), é fundamental.

MACROECONOMIA DA ESTAGNAÇÃO

O livro Macroeconomia da estagnação apresenta uma leitura fortemente crítica

da política econômica brasileira pós-Plano Real (1994). Segundo Bresser,

Em nome do combate à inflação, os brasileiros se tornaram reféns de uma política econômica que, além de impedir o desenvolvimento econômico do país porque não torna rentáveis investimentos em setores com maior valor adicionado per capita e maior conteúdo tecnológico, transfere aos beneficiados, no país e no exterior, uma parcela enorme do patrimônio público (BRESSER-PEREIRA, 2007, 8).

Essa crítica, “que venho elaborando desde que, em 1999, voltei à vida

acadêmica” inovaria, segundo Bresser, na medida em que procura ir além das críticas

até então feitas – excesso de confiança no mercado, concentração de renda,

prejudicial à indústria nacional – focando o “ponto em que ela pretende ser mais forte,

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mas que, na verdade, é sua maior fraqueza: a política macroeconômica” (BRESSER-

PEREIRA, 20078-9).

Além desse aspecto econômico da estagnação, Bresser aponta outro, político:

as “recomendações e pressões” vindas “do Norte” e incorporadas pelas elites

brasileiras que “não souberam devido à sua tradicional dependência, a que veio se

somar a perda da ideia de Nação ocorrida principalmente entre os intelectuais

brasileiros a partir do golpe militar de 1964” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 9, 47-8, 54).

Os pontos principais de sua crítica à “ortodoxia convencional” passa pela

admissão que ela incluiu “algumas políticas e reformas necessárias”, porém “não

promove o desenvolvimento do país, mas”: 1º) “o torna propenso a crises de balanço

de pagamentos”; 2º) “o mantém semi-estagnado – incapaz de competir e alcançar o

nível de desenvolvimento dos países mais ricos”; 3º) “populismo cambial”: defesa do

“crescimento com poupança externa” (BRESSER-PEREIRA, 200747-8, 65) “e,

portanto, a apreciação” do câmbio; 4º) “populismo fiscal”: “estabelece e atinge metas

fiscais que, não obstante, perpetuam o desequilíbrio fiscal e, com isso, mantêm a

justificativa para a prática de taxas de juros exorbitantes” (BRESSER-PEREIRA, 2007,

10).

O objetivo de Bresser é “entender por que o Brasil ainda não alcançou a

estabilidade macroeconômica embora toda essa política econômica seja feita em seu

nome” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 17). E, declara Bresser, “resumiria o argumento

político na perda da ideia de Nação, e o argumento macroeconômico, na perda do

controle da taxa de câmbio” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 18), que é o “preço mais

estratégico da economia” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 58, 99, 113-14, 139, 194).

Além disso, “Palavras como „nacionalismo‟, „desenvolvimentismo‟ e „controle de

capitais‟ são registradas no índice das palavras proibidas” (BRESSER-PEREIRA,

2007, 19). Bresser não menciona, neste ponto, sua própria contribuição a tal estado de

coisas, tendo em vista suas fortes críticas ao nacional-desenvolvimentismo, após sua

“transição intelectual” dos anos 1980. Antes aponta que na

América Latina, a grande crise da dívida externa dos anos 1980 desorganizou as nações da região, interrompeu suas revoluções nacionais, e as levou, a partir de 1990, a se renderem à ortodoxia convencional”, que “implantou um „tripé macroeconômico‟ – ajuste fiscal, política de metas de inflação e câmbio flutuante (BRESSER-PEREIRA, 2007, 21).

A fim de tornar o mais claro possível seu argumento, Bresser faz algumas

distinções importante.

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Há desenvolvimento econômico quando a renda por habitante cresce em função do aumento da produtividade e o bem-estar da população melhora; há desenvolvimento social quando a distribuição da renda entre as classes e raças torna-se mais igual; há desenvolvimento cultural quando o nível de educação aumenta e quando a Nação se liberta da dependência ideológica de nações mais ricas e poderosas; há desenvolvimento político quando aumenta a liberdade dos cidadãos (i. e., a democracia se afirma) e aumenta a liberdade da Nação (i. e., a Nação ganha autonomia) (BRESSER-PEREIRA, 2007, 65).

Apesar dos problemas graves envolvendo altas taxas de juros e de câmbio,

para Bresser, o fator primordial da semi-estagnação brasileira, contudo, seria político:

“desde 1995, depois de quinze anos de crise e de falta de uma estratégia nacional de

desenvolvimento, a política macroeconômica do país subordinou-se integralmente aos

ditames da ortodoxia convencional originária em Washington” (BRESSER-PEREIRA,

200726-7, 255-56).

Bresser diferencia nação – “sociedade de pessoas ou família que”

compartilham “um destino político comum” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 38); e

“envolve um acordo básico entre as classes quando se trata de competir

internacionalmente” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 39); Estado – organização que

afirma sua “soberania sobre um determinado território”; e Estado-nação – uma nação

que consegue se organizar como Estado (BRESSER-PEREIRA, 2007, 38).

Sendo que uma “nação é sempre nacionalista”, pois esta é a “ideologia da

formação do Estado nacional”, o Brasil teria perdido seu referencial enquanto nação. A

proposta de Bresser no sentido de revitalizar tal ideologia é o novo

desenvolvimentismo, que seria “a forma pela qual o nacionalismo tende a se expressar

no Brasil depois (...) do fracasso da ortodoxia convencional nos últimos dezesseis

anos”. Contudo, sua concretização só se realizará quando “a sociedade nacional voltar

a ser uma verdadeira Nação” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 40-1), ou seja, “uma

sociedade dotada de um Estado capaz de formular uma estratégia nacional de

desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 39). Porém, não se trata de um

nacionalismo xenófobo, e sim “liberal, social e republicano” (BRESSER-PEREIRA,

2007, 41, 279) e da “afirmação do interesse nacional nas arenas internacionais

competitivas” (BRESSER-PEREIRA, 2007, 85).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se, pelo exposição acima feita, que a noção de desenvolvimento em

Bresser não foi a mesma ao longo de sua carreira. Inicialmente, esteve fortemente

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vinculada à ideia de padrão de vida (BRESSER-PEREIRA, 1968). Contudo, essa

associação acabará por ficar confinada à apenas seus primeiros escritos.

Ao longo dos anos 1970 e início dos 1980, a leitura bresseriana de

desenvolvimento será fortemente influenciada pelo marxismo (1977; 1982; 1986).

Conceitos como forças produtivas, classes sociais, acumulação do capital, mais-valia

entre outras comporão seu vocabulário mais constante.

Contudo, de meados dos anos 1980 em diante, ainda que mantenha as

grandes linhas de seu conceito de desenvolvimento, Bresser passa a enfatizar a

noção de “produtividade” a partir de uma perspectiva de macroeconomia. As leituras

marxistas anteriores não se apagam completamente, mas se diluem em meio a

abordagens e linguagens típicas de formuladores de política econômica.

Essas reformulações podem ser associadas a sua trajetória intelectual e de

militante. Principalmente suas mudanças em meados dos anos 1980 poderiam ser

caracterizadas como uma ruptura, assinalada pelo próprio Bresser como uma

“transição intelectual”4 em direção à admissão de que o nacional-desenvolvimentismo

estaria superado no Brasil.

Por outro lado, a ideia de nação esteve, na maior parte do tempo, associada à

de desenvolvimento. Talvez, a tese da incompletude da “Revolução Nacional

Brasileira” dos anos 1970 e sua reformulação nos anos 2000 como “perda da ideia de

Nação” seja o elemento mais constante no pensamento de Bresser, capaz de dar um

mínimo de sentido às suas mudanças de posições, teóricas e políticas.

Mais precisamente, não se defende aqui que o conjunto da produção

acadêmica de Bresser, assim como sua trajetória política e posições assumidas ao

longo desta, sejam plenamente explicáveis por uma ideia – de nação, no caso – que

permaneceria inalterada ao longo do tempo, como um farol a guiar suas guinadas de

direção. A intenção aqui é mostrar como temas recorrentes – desenvolvimento,

desenvolvimentismo, nação, classe média, (tecno)burocracia – foram sendo definidos

e redefinidos, arranjos e rearranjados de acordo não somente com o processo de

maturação intelectual de um autor, mas também, e principalmente, de acordo com os

contextos pelos quais Bresser transitou.

Contextos não apenas históricos, socioeconômicos ou políticos, mas também

linguísticos (POCOCK, 2003; SKINNER, 2000). O pragmatismo da ação política

permite e justifica rupturas. Porém, as ações não se justificam por si mesmas. Esse

trabalho de justificação é basicamente intelectual e, nesse sentido, formular e difundir

ideias é também agir politicamente.

4 Cf. entrevista concedida a BIDERMAN [et. alli], 1996, 153-189.

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Dessa forma, em meio às rupturas de Bresser, dois marcos delimitam os limites

de seus movimentos: a tese da incompletude da nação brasileira e, assim, de seu

desenvolvimento também – ideia que atravessa sua produção intelectual ao longo de

mais de 4 décadas de pesquisas e militância; a sua filiação à linhagem do

estruturalismo latino-americano.

Portanto, e por tudo isso, declarar-se filiado à linhagem do estruturalismo (ou

pelo menos a uma determinada interpretação sobre o que seria tal linhagem) e fiel à

luta pelo desenvolvimento nacional permitiu a Bresser-Pereira estabelecer um ponto

de referência geral a partir do qual ele pode operar variadas movimentações

intelectuais em contextos diversos. Movimentações essas intimamente associadas às

posições políticas e/ou cargos públicos ocupados ao longo de sua carreira. Assim,

vista em seu conjunto, a produção de Bresser-Pereira parece ser marcada apenas ou

principalmente por rupturas fortes e mudanças drásticas de opinião e posição,

principalmente nos períodos nos quais ocupou cargos governamentais. Contudo, onde

aparentemente predominam rupturas, pode-se encontrar, mais precisamente, uma

combinação complexa entre continuidades, rupturas e retomadas, todas referidas aos

dois principais eixos temáticos do pensamento de Bresser-Pereira – desenvolvimento

e nação – e à linhagem da qual ele se considera um seguidor e continuador – o

estruturalismo latino-americano.

BIBLIOGRAFIA CITADA BIDERMAN, C. [et. alli]. Conversas com economistas brasileiros. São

Paulo: Editora 34, 1996.

BRESSER PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e crise no Brasil, 1930-1964. 1º edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

BRESSER PEREIRA, L. C. Jogo aberto: entrevistas com Bresser

Pereira. Org. por Carlos Alberto Sardenberg. São Paulo: Brasiliense, 1989. BRESSER PEREIRA, L. C. Macroeconomia da estagnação: crítica da

ortodoxia convencional no Brasil pós-1994. São Paulo: Ed. 34, 2007.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Desenvolvimento e crise no Brasil: História, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. 5º edição. São Paulo: Ed. 34, 2003.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Economia brasileira: Uma introdução crítica. São Paulo: Brasiliense, 1982.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Estado e subdesenvolvimento

industrializado: Esboço de uma economia política periférica. São Paulo: Brasiliense, 1977.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Lucro, acumulação e crise: A tendência

declinante da taxa de lucro reexaminada. São Paulo: Brasiliense, 1986. POCOCK, J.A.G. Linguagens do ideário político. Tradução de Fábio

Fernandez e organização de S. Miceli. São Paulo: Edusp, 2003.

SKINNER, Q. Significado y comprensión en la historia de las ideas. Prismas – Revista de historia intelectual, n° 4, 2000, pp. 149-191.