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A acção humana – Análise e compreensão do agir 1.2.Determinismo e liberdade na acção humana ______________________________________________________________________________________________________ ____ c) Sobre as “condições de possibilidade” do livre arbítrio c.1) Se a tese do determinismo é a de que tudo (o homem incluído) está submetido à cadeia das causas e dos efeitos, a questão da liberdade será então a de saber se são possíveis actos livres. Está o homem perante um futuro pré-fixado por uma série de determinações causais? Ou o futuro apresenta-se como um conjunto de possibilidades e opções em aberto, dependentes das decisões e das acções dos indivíduos? Importa então interrogarmo-nos sobre as “condições de possibilidade” da liberdade. Entendida a liberdade, antes de mais, como livre arbítrio (quer dizer, como liberdade de escolha da vontade), mas colocada a mesma em confronto com o pressuposto determinista que sustenta a actividade de investigação desenvolvida pela ciência moderna, importa submeter a exame as “condiçõessob as quais é possível (se é que é possível) pensar a liberdade, não como uma simples ideia, mas como uma realidade efectiva que preside ao desenvolvimento da acção humana. “A concepção de nós mesmos como agentes livres é fundamental para toda a nossa aurto-concepção” (J. Searle). Mas as crenças científicas apontam no sentido do determinismo causal. Encontramo-nos assim em face de um enigma. “Por um lado, um conjunto de argumentos muito poderosos força-nos à conclusão de que a vontade livre não existe no universo. Por outro, uma série de argumentos poderosos baseados em factos da nossa própria experiência inclina-nos para a conclusão de que deve haver alguma liberdade da vontade” (J. Searle). 39

Determinismo e Liberdade Na Accao Humana II

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c) Sobre as “condições de possibilidade” do livre arbítrio

c.1) Se a tese do determinismo é a de que tudo (o homem incluído) está submetido à cadeia das causas e dos efeitos, a questão da liberdade será então a de saber se são possíveis actos livres.

Está o homem perante um futuro pré-fixado por uma série de determinações causais?

Ou o futuro apresenta-se como um conjunto de possibilidades e opções em aberto, dependentes das decisões e das acções dos indivíduos?

Importa então interrogarmo-nos sobre as “condições de possibilidade” da liberdade.

Entendida a liberdade, antes de mais, como livre arbítrio (quer dizer, como liberdade de escolha da vontade), mas colocada a mesma em confronto com o pressuposto determinista que sustenta a actividade de investigação desenvolvida pela ciência moderna, importa submeter a exame as “condições” sob as quais é possível (se é que é possível) pensar a liberdade, não como uma simples ideia, mas como uma realidade efectiva que preside ao desenvolvimento da acção humana.

“A concepção de nós mesmos como agentes livres é fundamental para toda a nossa aurto-concepção” (J. Searle). Mas as crenças científicas apontam no sentido do determinismo causal.

Encontramo-nos assim em face de um enigma. “Por um lado, um conjunto de argumentos muito poderosos força-nos à conclusão de que a vontade livre não existe no universo. Por outro, uma série de argumentos poderosos baseados em factos da nossa própria experiência inclina-nos para a conclusão de que deve haver alguma liberdade da vontade” (J. Searle).

c.2) O problema reside então em determinar se o pressuposto determinista sobre que assenta a ciência moderna pode ser conciliado com a nossa experiência intima, vivida, de autodeterrminação e de escolha livre da vontade.

Haverá forma de conciliar determinismo e liberdade? Haverá forme de admitir justificadamente a possibilidade da acção humana livre num mundo determinista?

O conjunto das respostas possíveis pode acomodar-se no seguinte esquema:

Incompatibilismo: a crença no determinismo e a crença liberdade são incom-patíveis (não podem ser ambas verdadeiras).

o Determinismo radical – a crença no determinismo é verdadeira e, em consequência, a crença na liberdade é falsa (a liberdade é uma ilusão);

o Libertismo (ou libertarismo) – a crença na liberdade é verdadeira e, em consequência, o determinismo é falso.

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Compatibilismo: a crença no determinismo e a crença na liberdade são compatíveis (podem ser ambas verdadeiras).

o Determinismo moderado (a forma mais comum de compatibilismo) é a crença no determinismo é verdadeira, mas isso não exclui a possibilidade a crença na liberdade seja também verdadeira.

C.2.1.O determinismo radical defende que todos os acontecimentos, incluindo as “acções humanas”, são determinados causalmente por acontecimentos anteriores (relações de causa-efeito).

A causalidade implica necessidade e, consequentemente, a negação da liberdade.Dada determinada causa, segue-se inevitavelmente o respectivo efeito: cada acontecimento nada mais é do que um elo de uma vasta cadeia causal.

A crença no determinismo é incompatível com a crença no livre-arbítrio.

Pelo seu comportamento, o ser humano faz exactamente aquilo que tem de fazer e não poderia fazer outra coisa.

A determinação dos seus actos não depende da sua vontade, mas de certas causas externas e/ou internas.

Os comportamentos humanos não constituem excepção na vasta cadeia causal que governa os acontecimentos.

As nosas “esolhas” (supostamente livres) são o resultado da influência de factores biológicos (genéticos, fisiológicos) e ambientais (as circunstâncias em que fomos socializados e educados).

Asssim, o determinismo radical apresenta as seguintes características:

Crença no determinismo radical; Negação do livre arbítrio; Negação da ideia de responsabilidade moral.

O determinista radical não se limita a afirmar o determinismo dos acontecimentos da natureza. Afirma também que isso implica a negação da liberdade e, consequentemente, a negação da responsabilidade, ambas incompatíveis com aquele.

c.2.2.O libertismo (ou libertarismo) é uma forma de incompatibilismo que, afirmando que pelo menos algumas das nossas acções são livres (não causalmente determinadas), conclui que a crença no determinismo é falsa.

Os libertaristas partem de um pressuposto dualista: o mundo natural e as acções humanas são de natureza diferente; o mundo natural e as acções humanas regem-se por leis diferentes; as leis que regem os fenómenos materiais não se aplicam aos fenómenos

mentais

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assim, mesmo se as características psicológicas do sujeito impõem limites ao livre arbítrio, o ser humano pode escolher livremente e agir de acordo com a escolha que faz;

a mente é o “lugar” onde acontecem os estados mentais intencionais que orientam as nossas escolhas;

a mente não é uma entidade física e, consequentemente, não está sujeita à causalidade natural.

Para os libertaristas, a experiência introspectiva que temos da escolha, com a consciência de que poderíamos ter escolhido agir de outro modo, atesta a favor da liberdade. Todos temos a experiência interior da deliberação: ponderamos os prós e os contras das várias opções, avaliamos as alternativas disponíveis e as respectivas consequências.

A decisão não é um simples prolongamento de causas anteriores. A experiência mostra que escolhemos activamente o que vamos fazer.

c.2.3.O determinismo moderado é uma forma de compatibilismo – é possível aceitar ao mesmo tempo a crença no determinismo e a crença no livre-arbítrio.

O determinismo moderado rejeita a ideia de que a aceitação do determinismo implique a rejeição da liberdade.

É possível conciliar o determinismo com a liberdade e a responsabilidade: as nossas acções podem ser causadas e, mesmo assim, serem livres.

Uma acção é livre se:o O agente faz uma coisa, podendo ter feito outra;o A acção é causada pela vontade do agente e não resulta de uma

coerção ou de um constrangimento (faço o que quero e não o que os outros querem).

O que distingue a acção livre da acção não livre é a natureza das causas que estão na sua origem:

o As acções livres têm causas internas ao agente (as suas crenças ou os seus desejos, os seus motivos, as detetrminações da sua vontade) e não forças externas ao mesmo.

o A causa de uma acção é um motivo, uma razão de agir

“Os deterministas moderados consideram a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, como o critério da liberdade de escolha. Em termos gerais, (…) as pessoas agem livremente quando fazem o que querem e escolhem fazer e não agem livremente quando o que fazem é forçado ou compelido. Por outras palavras, (…) uma vontade livre é simplesmente uma vontade não compelida” (Howard KAHANE)

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c.3.Como é possível o livre arbítrio? A proposta de J. Searle1

c.3.1.O Problema

O ponto de partida de Searle é o facto do confronto entre crenças, pelo menos aparentemente incompatíveis: a crença no determinismo e a crença na liberdade da vontade, ambas suportadas entretanto por argumentos poderosos.

A concepção que temos da natureza (explicável em termos de partículas e das suas relações causais) e o facto de que o ser humano faz também ele parte da natureza, implica que “não há simplesmente espaço para a liberdade da vontade” (106). Aquilo que julgamos saber acerca da natureza milita em favor do determinismo e contra a liberdade da vontade.

E contudo, “constitui um facto empírico evidente que o nosso comportamento não é previsível da mesma maneira que é predizível o comportamento dos objectos rolando por um plano inclinado. E a razão por que não é predizível dessa maneira é porque, muitas vezes, poderíamos ter agido de um modo diferente de como agimos efectivamente” (107). A concepção que temos de nós mesmos e que constitui a pedra angular sobre que assenta a ideia de dignidade humana é a de que somos agentes livres e, consequentemente, responsáveis pelos nossos actos.

c.3.2. A “solução” compatibilista

Uma solução possível para esta dificuldade é, como já se viu, o “compatibilismo”: a crença na vontade livre e a crença no determinismo podem ser ambas verdadeiras.

“Naturalmente, tudo no mundo é determinado mas, apesar de tudo, algumas acções humanas são livres. Dizer que são livres não é negar que sejam determinadas; é afirmar que não são constrangidas” (108).

A minha conduta é genuinamente livre se não sou forçado a fazer algo ou se não sofro de alguma compulsão psicológica.

Se alguém “age livremente, se age, como dizemos, por sua livre vontade, então o seu comportamento é livre. Claro está, é também completamente determinado, uma vez que cada aspecto do seu comportamento é determinado pelas forças físicas que operam sobre as partículas que compõem o seu corpo, tal como operam sobre todos os corpos do universo” (108).

Para Searle, o compatibilismo é uma solução inadequada para o problema da liberdade da vontade. O problema da liberdade da vontade não é o de saber se a conduta

1 SEARLE, J., Mente, cérebro e ciência, tr. de Artur Morão, Lisboa, Edições 70, cap. VI, pp. 105-121. Por razões de comodidade, as citações feitas são remetidas, no corpo do texto, para a respectiva fonte, através da indicação da página. John Searle (1932 - ), americano e um dos maiores filósofos contemporâneos, é professor de Filosofia da Mente, na Universidade da Califórnia, em Berkley, U.S.A.

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é determinada por “razões psicológicas interna” , ou antes por “causas físicas externas” e “compulsões internas”.

É antes o de saber se “as causas da nossa conduta (…) são suficientes para determinar a conduta de maneira que as coisas têm de acontecer da maneira que acontecem” (109).

Ou, colocando a questão ao contrário, “será sempre verdadeiro de outra pessoa que ela poderia ter agido de outro modo, permanecendo todas as outras condições?” (109).

A resposta compatibilista, nos termos atrás apresentados, não concede espaço para a noção de liberdade: “todo o comportamento é determinado de uma maneira tal que não poderia ter ocorrido de outro modo, permanecendo idênticas todas as outras condições” (109).

Deste modo, “o compatibilismo nega a existência da vontade livre, embora mantenha a sua concha verbal” (109).

c.3.3.A experiência da liberdade da vontade: sua problematização.

Temos, até agora, partido de “uma convicção da nossa vontade livre simplesmente baseada nos factos da experiência humana” (109).

O caso típico de experiência da liberdade é aquele “em que defrontamos um feixe de escolhas, raciocinamos acerca da melhor coisa que há afazer, tomamos uma resolução e, em seguida, fazemos a coisa que decidimos fazer” (110).

Mas … até que ponto este tipo de experiências é fidedigno? Por exemplo, um paciente que tem uma conduta sob sugestão hipnótica, tenderá a justificá-la, parecendo comportar-se livremente, quando de facto não o faz.

Questão: “todo o comportamento humano se assemelha ao do homem que age sob sugestão hipnótica?” De modo mais geral, será que todo o comportamento é determinado por compulsões psicológicas? Estaremos sujeitos a um inultrapassável determinismo psicológico em que todo o nosso comportamento é determinado por causas psicológicas prévias? (cf. 111).

Se a resposta for positiva, então a experiência da liberdade atrás evocada não tem qualquer valor.

Searle defende que a tese do determinismo psicológico é falsa. Com efeito, “agimos normalmente com base nos nossos estados intencionais – as nossa crenças, esperanças, temores, desejos, etc. – e, nesse sentido, os nossos estados mentais funcionam causalmente. Mas esta forma de causa e efeito não é determinística” (111).

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Não se trata de causalidade determinística, mas antes de causalidade intencional. Poderíamos ter os mesmos estados mentais e não ter feito o que fizemos: poderíamos ter agido de outra maneira.

E os comportamentos sob hipnose ou psicologicamente compulsivos são patológicos e facilmente distinguíveis da acção livre normal.

Assim, “psicologicamente falando, existe espaço para a liberdade humana” (111).

c.3.4.As dificuldades da solução libertista

Pode a isto objectar-se que ainda isto é susceptível de uma interpretação compatibilista

Não se estará a dizer, mesmo em relação aos nossos comportamentos mais elevados, que “todo o comportamento é determinado, mas que o que chamamos comportamento livre é o tipo determinado por processos racionais de pensamento? (…) Mas, naturalmente, esses processos racionais e normais de pensamento são tão determinados como tudo o mais” (111-112).

Assim, “nada do que fazemos é livre em qualquer sentido filosoficamente interessante” (112).

A alternativa ao compatibilismo seria o libertarismo e a sua tese da vontade livre. Mas a admissão deste exigiria “mudanças radicais nas nossas crenças acerca do Mundo” (112) e, nomeadamente, “a existência, dentro de cada um de nós, de um si mesmo que fosse capaz de interferir com a ordem causal da natureza” (113).

Mas uma tal concepção “não se harmoniza com o que sabemos pela física acerca de como funciona o mundo. E não existe a mínima prova para supormos que deveríamos abandonar a teoria física em favor de uma tal concepção” (113).

c.3.5.A “experiência da liberdade” e o reducionismo científico

Aparentemente nada se avançou, até agora, na resolução do conflito entre determinismo e a crença na liberdade da vontade.

“A ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade (…). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade” (113).

Em física, “os mecanismos explanatórios básicos funcionam de baixo para cima. Isto é, explicamos o comportamento das características de superfície de um fenómeno (…) em termos de comportamento de micropartículas” (113).

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A relação da mente com o cérebro é um exemplo deste tipo de relação de baixo para cima: “as características mentais são causadas por e realizadas em fenómenos neurofisiológicos” (113).

Mas temos também a relação causal da mente sobre o corpo, que é uma causação de cima para baixo. Tenho a intenção de levantar o braço, decido fazê-lo, e isso desencadeia no meu organismo um conjunto de reacção neuro-fisiológicas que fazem com que o braço se levante.

Mas tal só é possível porque os próprios processos mentais em causa “se baseiam na neurofisiologia para se iniciarem” (114). Quer dizer, só é possível a explicação de cima para baixo (entre mente e corpo) porque há uma outra explicação em termos de relações causais que “ocorrem inteiramente no fundo”, em termos de “neurónios e de excitações neuronais nas sinapses” (114).

Nesta perspectiva, mais uma vez, não há “qualquer espaço para a liberdade da vontade, porque, nesta concepção, a mente pode apenas afectar a natureza enquanto é uma parte da natureza. Mas, se assim é, então, tal como o resto da natureza, as suas características são determinadas nos microníveis básicos da física” (114).

“A causação de cima para baixo funciona apenas porque o nível superior já está causado e realizado nos níveis inferiores” (114).

c.3.6.Liberdade da vontade e consciência: Argumentos a favor da liberdade

Mas… se a liberdade é uma ilusão, porque é que somos incapazes de a abandonar?

1. A liberdade humana “está essencialmente ligada à consciência. Apenas atribuímos liberdade a seres conscientes” (115).

2. “(…) não é qualquer estado de consciência que nos fornece a convicção da liberdade” (115). Se nos imaginássemos apenas como receptores passivos de estímulos, “não haveria a menor inclinação para concluirmos que temos liberdade da vontade” (115). “A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções humanas e intencionais” (115). É esta experiência da causalidade intencional (de uma intenção que faz acontecer coisas no mundo) que é “a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade” (116).

3. Há uma diferença entre a experiência de percepcionar (“isto está a acontecer-me”) e a experiência de agir (“faço acontecer isto”) que traz consigo a sensação de que “poderia fazer algo mais” ou “poderia fazer outra coisa”, “permanecendo idênticas todas as outras condições” (116). “Eis (…) a fonte da nossa inabalável convicção na nossa vontade livre” (116).

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No caso do comportamento sob sugestão hipnótica não há intenção consciente. E nos exemplos compatibilistas de comportamento forçado, eu tenho o sentimento de que posso fazer algo mais ou outra coisa.

“A experiência da liberdade é uma componente essencial de qualquer caso de agir com intenção” (117).

Compreende-se agora porque não podemos abandonar a nossa convicção de liberdade:

Não me é difícil abandonar uma convicção de sentido comum (p. ex, a noção e “pôr do sol”) porque a concepção que a substitui a explica e ainda explica factos que ela é incapaz de explicar.

“Mas não podemos de modo semelhante abandonar a convicção da liberdade, porque esta convicção está inserida em toda a acção intencional normal e consciente. E usamos esta convicção para identificarmos e explicarmos as acções” (118).

“(…) agimos no pressuposto da liberdade. Efectivamente, não podemos agir de outra maneira senão com base na suposição da liberdade, pouco importando o que aprendemos acerca de como o mundo funciona enquanto sistema físico” (118).

c.3.7.Conclusões

1. A pretensão do determinismo psicológico de que todo o nosso comportamento é psicologicamente compulsivo não tem justificação e, à luz da experiência da causalidade intencional e consciente, é mesmo falsa.

E “isto fornece-nos uma forma modificada de compatibilismo. Fornece-nos a convicção de que o libertarismo psicológico é compatível com o determinismo físico” (119).

2. Fornece-nos ainda a experiência de que “tanto quanto aos factores psicológicos diz respeito”, poderíamos ter agido de outra maneira. “(..) porque os factores psicológicos que operam em mim nem sempre ou mesmo em geral, não me impelem a comportar-me de uma maniera particular, muitas vezes eu, falando em termos psicológicos poderia ter feito algo de diferente daquilo que efectivamente fiz” (119).

3. “(…) esta forma de compatibilismo não nos fornece nada que se assemelhe à resolução do conflito entre liberdade e determinismo, que o nosso impulso para o libertarismo radical efectivamente exige” (119).“A nossa concepção da realidade física não oferece espaço à liberdade radical” (120).

4. Mas, “por razões que efectivamente não compreendo, a evolução deu-nos uma forma de experiência voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas,

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está inserida na genuína estrutura do comportamento humano, voluntário e intencional. Por esta razão, creio, nem esta discussão nem qualquer outra alguma vez nos convencerá de que o nosso comportamento não é livre” (120).

O objectivo do autor :

“(…) tentar caracterizar as relações entre a concepção que temos de nós mesmos como agentes racionais, livres, conscientes, atento, e uma concepção que temos do mundo como consistindo de partículas físicas sem mente, sem significado” (120).

A propósito do conflito entre determinismo e liberdade, “a distinção entre realidade e aparência não pode aplicar-se à genuína existência da consciência, pois se aparentemente sou consciente, sou consciente. Poderemos descobrir toda a espécie de coisas surpreendentes acerca de nós mesmos e do nosso comportamento; mas não podemos descobrir que não temos mentes, que elas não contêm estados mentais conscientes, subjectivos, intencionalísticos; nem podemos descobrir que não tentamos, pelo menos, empenharmo-nos em acções voluntárias, livres e intencionais” (120).

“O problema que a mim mesmo pus não foi provar a existência dessas coisas, mas examinar o seu estatuto e as suas implicações para as nossas concepções do resto da natureza. O meu tema geral foi que, com certas excepções importantes, a concepção mentalística de sentido comum de nós mesmos é perfeitamente consistente com a nossa concepção da natureza enquanto sistema físico” (120-121).

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