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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Faculdade de Medicina Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia
Diagnóstico da função tireoidiana no primeiro trimestre da gestação de mulheres sem doença auto-imune e suas
repercussões no desfecho da gestação
LUIZ FELIPE DE AZEREDO OSORIO DE CASTRO
Rio de Janeiro
2008
ii
Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Faculdade de Medicina Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia
Diagnóstico da função tireoidiana no primeiro trimestre da gestação de mulheres sem doença auto-imune e suas
repercussões no desfecho da gestação
Aluno: LUIZ FELIPE DE AZEREDO OSORIO DE CASTRO
Dissertação de Mestrado submetida ao programa de pós-graduação em Endocrinologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários a obtenção do título de Mestre em Medicina, área de concentração em Endocrinologia .
Orientadores: ALEXANDRU BUESCU CLÁUDIA MEDINA COELI
Rio de Janeiro 2008
iii
Diagnóstico da função tireoidiana no primeiro trimestre da gestação de mulheres sem doença auto-imune e suas
repercussões no desfecho da gestação
LUIZ FELIPE DE AZEREDO OSORIO DE CASTRO
Orientadores: Prof. Alexandru Buescu Profª.Cláudia Medina Coeli
Dissertação de Mestrado submetida ao programa de pós-graduação em Endocrinologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários a obtenção do título de Mestre em Medicina, área de concentração em Endocrinologia .
Banca Examinadora:
________________________________________________ PRESIDENTE ________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________
Rio de Janeiro
2008
iv
DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos que de alguma forma me incentivam no meu crescimento profissional, aos meus pais, aos irmãos, ao meu tio e padrinho, aos amigos Eduardo Micmacher, Lino Sieiro Netto, Ronaldo Sinay Neves e as novas pessoas presentes na minha vida, Geaynne Silva Passos.
v
AGRADECIMENTOS
Ao Dro Lino Sieiro Netto, querido amigo, maior incentivador para que eu realizasse essa tese. Obrigado pela confiança. Ao meu chefe, Dro Mário Vaisman, pela sua orientação e paciência na organização deste trabalho. A ele, todo o meu respeito e agradecimento. À Dra Claudia Medina Coeli, responsável não só por toda a estatística do trabalho como pela cuidadosa orientação. Obrigado pela paciência. Ao Dro Alexandru Buescu,meu orientador. Ao Laboratório Sérgio Franco que realizou todas as dosagens hormonais. Ao meu amigo Eduardo Micmacher, pelo incentivo durante a realização desta tese. À grande amiga Sheila Mamede sempre presente nos momentos de dúvida. À secretária Nadia Glória Penna Queiroz pela atenção e por sempre estar disposta a ajudar. Aos alunos do programa de iniciação científica que me auxiliaram na coleta de dados. Ao serviço de obstetrícia do HGNI que permitiu nossa presença em seu ambulatório. Ao laboratório do HGNI, pela ajuda no armazenamento dos soros. As gestantes que se dispuseram a participar deste trabalho, sem as quais este não poderia ter sido realizado.
vi
FICHA CATALOGRÁFICA
Castro, Luiz Felipe de Azeredo Osorio de
Diagnóstico da função tireoidiana no primeiro trimestre da gestação de mulheres sem doença auto-imune e suas repercussões no desfecho da gestação / Luiz Felipe de Azeredo Osorio de Castro.– Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2008.
x, 35 f. : il. ; 31 cm.
Orientadores: Alexandru Buescu e Claúdia Medina Coeli
Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Medicina, Endocrinologia, 2008.
Referências bibliográficas: f. 33-40
1. Doenças da glândula tireóide - complicações. 2. Hipotireoidismo. 3. . Auto-imunidade. 4. Tirotropina – análise. 5. Tiroxina – análise. 6. Gravidez. 7. Mulheres. 8. Humano. 9. Endocrinologia – Tese. I. Buescu, Alexandru. II.
Coeli, Claúdia Medina. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Medicina, Endocrinologia. IV. Título.
vii
RESUMO
As doenças tireoidianas são freqüentes durante a gestação e seu diagnóstico é de extrema
importância para prevenir complicações maternas e fetais. Entretanto as alterações fisiológicas desse
período tornam a interpretação das dosagens laboratoriais mais difíceis em vista das mudanças
hormonais em cada trimestre. Foram avaliadas gestantes captadas do ambulatório de pré-natal no
Hospital Geral de Nova Iguaçu (RJ) entre março de 2000 a junho de 2007 e submetidas à dosagem do
anticorpo antiperoxidase tireoidiana. As 115 mulheres que apresentavam anticorpos negativos foram
submetidas às determinações de TSH, T4 livre, T4 total, TBG e ao cálculo do índice de T4 livre, a
razão entre T4 total e TBG (T4total/TBG), no final do primeiro trimestre de gestação( entre oito e
doze semanas). Treze pacientes em 115 apresentaram nível sérico de TSH acima de 2,50 mcUI/mL
(11,3 %) e seis gestantes (5,3%) apresentaram T4 total abaixo da referência considerada para
gestação( 6,75 mcg/dL). Sete pacientes (6,3%) apresentaram índice de tiroxina livre abaixo de 0.2
mol/mol e dez pacientes apresentaram T4 livre abaixo de 0,81ng/dl(8,75%). Ocorreram 3 abortos e 10
partos prematuros. Das gestantes que abortaram uma apresentou TSH>2,5 mcUI/mL ( 2,97 mcUI/mL)
e apenas uma das que apresentaram parto prematuro também apresentou TSH elevado ( 3,2
mcUI/mL) com uma sensibilidade de 15,4% e especificidade de 90,2% , um valor preditivo positivo
de 28,6% e um valor preditivo negativo de 80.7% . Podemos concluir que o ponto de corte de TSH
utilizado no nosso estudo não foi preditivo para avaliar os desfechos propostos em pacientes que não
apresentam interferência da auto-imunidade, sendo necessários estudos maiores que correlacionem e
avaliem: o papel dos níveis hormonais propostos ,a presença de anticorpos e a idade quanto o risco de
prematuridade e abortamento.
viii
ABSTRACT
Management of Thyroid diseases requires special consideration during pregnancy because it
induces changes in thyroid function, and maternal thyroid disease can have adverse effects on
pregnancy and fetus.Between march 2000 and june 2007 a randomly selected cohort of 115 women
in prenatal care from a community hospital from the periphery of Rio de Janeiro was studied and the
following laboratory parameters : TSH, fT4,TT4 , TBG and free T4 index were assessed at 8-12 weeks
gestation.Thyrotropin concentrations were elevated in thirteen patients (11,3 %) and T4T levels
were below the reference range in six patients(5,3%) .FT4 indices were below the reference range in
7 patients (6.3%) and 10 (8.75%) showed free T4 values below 0.81. 3 miscarriages and 10 premature
deliveries occurred.Of the women that aborted only one had a serum TSH level above 2.5 mcU/mL
(2.97). One TSH level above 2.5 (3.2) was also presented by one of the patients who developed
premature labor.Sensitivity was 15.4%, specificity 90.2%, positive predictive value 28.6% and
negative predictive value 80.7%.Our results suggest that the cut-off point of 2.5 mcU/mL for the
serum TSH level in the first trimester of pregnancy was not predictive of the proposed outcomes in
patients with negative thyroid autoimmunity. Studies encompassing a larger population are needed in
order to correlate hormonal levels, presence or absence of antibodies and age.
ix
GLOSSÁRIO Anticorpo anti-peroxidase tireoidiana Anti-TPO
Globulina Transportadora da tiroxina TBG
Gonadotropina coriônica humana hCG
Receiving Operating Characteristics Curve ROC
Hormônio tireostimulante TSH
Tiroxina livre T4 livre
Triiodotironina T3
Tiroxina total T4 total
x
SUMÁRIO PÁGINA
1. Introdução e relevância do tema 11
2. Revisão da literatura 13
3. Metodologia da pesquisa 20
Pacientes e métodos 20
Metodologia das dosagens laboratoriais 21
Análise de dados 23
4. Resultados 25
5. Discussão 26
6. Referências Bibliográficas 33
7. Anexos 41
Anexo 1 -- Resultados 41
Anexo 2 -- termo de consentimento 44
Anexo 3 -- Ficha de avaliação dos pacientes 45
INTRODUÇÃO As doenças tireoidianas são 4 a 5 vezes mais freqüentes no sexo feminino quando comparadas
ao sexo masculino, particularmente durante o período fértil(1). Portanto é comum encontrarmos
anormalidades em uma avaliação durante o período gestacional. O diagnóstico e tratamento da
disfunção tireoidiana são de extrema importância para prevenir complicações maternas e fetais sendo
realizado atualmente através da avaliação do TSH e das frações livres e totais dos hormônios (2,3,4).
Entretanto as alterações fisiológicas da gestação podem tornar a interpretação das dosagens
laboratoriais mais difíceis em vista das mudanças hormonais em cada trimestre.
Infelizmente ainda não existem valores de referencia específicos para o TSH em cada
trimestre. As últimas revisões disponíveis ainda incluem em sua analise estudos anteriores que
envolveram métodos incapazes de detectar baixos valores de TSH típicos do primeiro trimestre.
Incluíram também populações deficientes de iodo, indivíduos com doença auto-imune da tireóide e
gestações com elevados índices de hCG como na hiperêmese severa e partos gemelares(5). Entretanto
há um consenso que os valores de referencia para a tireotropina devam ser mais baixos do que no
período pré-gestacional. Até que haja maiores estudos o limite superior de 2,5 mcUI/mL seria
apropriado para o primeiro trimestre de gestação(4,5), já que a disfunção tireoidiana clínica ou
subclínica estão associados a complicações no período gestacional, parto e ao recém nascido(2,3,4).
Existe uma maior dificuldade em estabelecer referencias especificas em cada trimestre para o
T4 livre. Embora o método disponível mais fidedigno seja a diálise de equilíbrio, este é
12
tecnicamente complexo e dispendioso para o uso rotineiro. Os ensaios utilizados atualmente são
baseados em uma metodologia em um ou dois passos com anticorpos marcados que não medem a
fração livre diretamente e a gestação influencia os resultados de modo imprevisível dependendo do
imunoensaio utilizado (6,7,8,9).
Em contraste à tiroxina livre, a metodologia empregada na dosagem da tiroxina total é
considerada mais confiável e utilizada há décadas. No período gestacional sua elevação é previsível,
uma vez e meia o valor de referência, e está diretamente associada ao aumento da TBG sendo no
momento uma alternativa razoável à instabilidade da tiroxina livre, sendo seus limites de referência
multiplicados por um fator de 1,5 durante a gestação (4,5).
Por outro lado o índice de tiroxina livre mantém uma relação fisiológica recíproca com o TSH
o que pode indicar uma opção mais fidedigna para a estimativa da fração livre do hormônio do que os
ensaios utilizados para a fração livre atuais. (9)
O objetivo geral do estudo foi aferir a acurácia de índices que avaliam a função tireoidiana na
predição de desfechos indesejáveis (aborto e prematuridade), aferir a correlação entre os vários
índices que avaliam a função tireoidiana e por último estimar valores de referência da amostra
estudada.
13
REVISÃO DA LITERATURA
A gestação influencia a função tireoidiana em diversos aspectos. Ocorrem profundas alterações
na economia da glândula ocasionadas por um complexo de fatores específicos do período gestacional:
o aumento das concentrações de TBG, os efeitos do hCG na tireóide, o aumento das necessidades de
iodo , modificações na regulação auto-imune e o papel da placenta na desiodação das iodotironinas(1,
10).
Os hormônios tireoidianos são transportados na corrente sanguínea ligados a três proteínas: a
proteína transportadora dos hormônios tireoidianos (TBG), albumina e trantirretina ( anteriormente
denominada pré-albumina ou TBPA). A distribuição relativa dos hormônios entre as proteínas
carreadoras está diretamente relacionada tanto a sua afinidade quanto as suas concentrações. Em
condições normais a fração dos hormônios ligados está em equilíbrio com a fração livre a qual
representa uma quantidade mínima do total de hormônio circulante: 0,04% para o T4 e 0,5% para o
T3. Apesar da concentração sérica de TBG ser a menor das três proteínas transportadoras,
aproximadamente dois terços da tiroxina sérica em indivíduos normais é carreada por esta proteína
devido a sua grande afinidade pelo hormônio. Em condições de excesso de TBG, como na gestação, o
percentual da tiroxina carreada é ainda maior, atingindo até 75%, o que indica que a TBG representa
a maior proteína transportadora na gestação. Portanto a maior mudança ocorrida neste aspecto é um
aumento rápido nas concentrações da TBG através da ação do estrogênio. Comparados aos níveis pré-
concepção (15-16mg/dl) esta começa a se elevar com poucas semanas, alcançando um platô no meio
da gravidez, com valores duas vezes e meio acima do original (30-40 mg/dl), e permanecem assim até
o final da gestação. Isso ocorre devido à maior produção hepática de TBG assim como de sua
14
isoforma com alto conteúdo de ácido siálico que possui uma meia vida mais longa por ser degradada
mais lentamente( 12,13,14).
As alterações nas frações totais dos hormônios tireoidianos são conseqüência direta do
aumento sérico da TBG. O T4 total se eleva mais rapidamente (6 a 12 semanas) e o T3 mais
lentamente, se estabilizando em torno de 20 semanas, e se mantém até o termo. Estas modificações
representam um “ajuste necessário” da antiga homeostase para um novo estado de equilíbrio na
economia tireoidiana. Este ajuste só pode ser alcançado através da secreção aumentada de T4 diária
em torno de 1a 3 % dos valores basais até um novo equilíbrio quando a taxa de produção retorna aos
valores pré-gestacionais.
Este conceito é fundamental para compreendermos as alterações observadas em condições
patológicas como deficiência de iodo e auto-imunidade, caracterizadas pela inabilidade da glândula
em alcançar este novo estado de equilíbrio. O rápido aumento da capacidade de ligação hormonal
pelo aumento da TBG induz a uma suave redução nas concentrações das frações livres do hormônio
ativando o eixo hipófise-tireóide. Em gestantes saudáveis esta sobrecarga na economia tireoidiana
causa um impacto menor e estas mudanças quase não são percebidas, isto é, um aumento no TSH
normalmente não é observado. Enquanto isso em gestantes com deficiência de iodo ou doença auto-
imune a produção e a concentração sérica de TSH se elevam revelando os mecanismos de adaptação
subjacente.
Existe muita controvérsia acerca do comportamento das frações livres dos hormônios
tireoidianos durante a gestação. Numerosas publicações têm indicado uma queda enquanto outras
relatam que não há alteração ou que existe até mesmo uma elevação. Essas aparentes contraindicações
podem ser parcialmente explicadas pela metodologia empregada para a determinação das frações
livres(3). Porém estudos longitudinais que envolveram metodologias mais confiáveis em
15
gestantes sem deficiência de iodo confirmaram que após um discreto aumento no fim do primeiro
trimestre, devido ao efeito estimulatório do hCG, temos uma queda progressiva chegando a valores
10 a 15 % menores na época do parto do que no período pré-gestacional(15).
Três enzimas catalisam a desiodação dos hormônios tireoidianos nos tecidos humanos. A
desiodase tipo I, presente nos rins, fígado e tecido muscular, é responsável pela produção da maior
parte do T3 circulante pela desiodação do anel externo do T4. A tipo II utiliza o T4 e o T3 reverso
como substrato. A enzima é expressa em alguns tecidos (hipófise e cérebro) e também na placenta.
Como a atividade da tipo II aumenta quando há uma diminuição da oferta de T4, tem sido proposto
que ela representa um mecanismo homeostático para a manutenção da produção de T3 na placenta em
estados com reduzida concentração do T4 (hipotireoidismo e deficiência de iodo). A placenta também
possui grandes quantidades da tipo III. Esta enzima converte T4 em T3 reverso e T3 em T2. Esta
enzima pela sua alta atividade durante a vida fetal ajuda a explicar a baixa concentração de T3 e a alta
concentração de T3 reverso característicos do metabolismo hormonal fetal. Finalmente a elevada
atividade das desiodases placentárias provavelmente desempenha um importante papel no
metabolismo dos hormônios tireoidianos (16, 17,18 ). Como discutidas antes as alterações metabólicas
que ocorrem na primeira metade da gestação são uma fase de transição entre o equilíbrio hormonal
pré-gestacional e gestacional. Estas modificações são realizadas através da produção hormonal
aumentada para alcançar e permanecer em um novo estado de equilíbrio. No entanto não há uma
reversão das necessidades hormonais para seus níveis iniciais após atingir este estagio, o que pode ser
exemplificado pela administração aumentada de hormônio tireoidiano em pacientes com
hipotireoidismo até o final da gestação. Isto pode ser parcialmente explicado por fatores como a
passagem transplacentaria dos hormônios maternos e o elevado turnover do T4 de origem materna
devido à alta atividade da desiodase tipo III placentária.
16
No período pré-gestacional uma ingesta adequada de iodo é estimada em 100-150µg/dia. As
recomendações da OMS no período gestacional são de um aumento para 200µg/dia(2). A gravidez age
como um indicador de carência de iodo subjacente pelo aumento na sua demanda e pelas perdas
obrigatórias resultando em um estado de deficiência relativa. O iodo proveniente da dieta após a
redução a iodeto é rapidamente absorvido pelo intestino, e assim como os iodetos provenientes do
catabolismo periférico constituem o pool extratireoidiano de iodo inorgânico. Este pool permanece em
equilíbrio com dois principais órgãos, a glândula tireóide e os rins. Na gestação o clearance renal de
iodo aumenta significantemente pelo aumento da taxa de filtração glomerular. Tem início com
poucas semanas de gestação e persiste até o termo constituindo uma perda renal obrigatória,
induzindo um aumento compensatório do clearance tireoidiano de iodo com elevação absoluta da
entrada do iodeto na glândula(19,20,21).
Um segundo mecanismo de privação do iodo ocorre mais tardiamente pela passagem de parte
do iodeto disponível da circulação materna para a unidade feto-placentaria. Na metade da gestação a
tireóide fetal já iniciou sua produção hormonal que é indispensável para seu adequado
desenvolvimento. Portanto quando existe carência de iodo nas primeiras 20 semanas ela tende a ser
mais severa nos estágios finais.
Na gestação normal existe uma queda nos valores de TSH no final do primeiro trimestre
associada à elevação do T4 livre circulante. Deve ser lembrado que o hCG funciona como um fraco
estimulante da tireóide, sendo estimado que seu aumento em 10.000IU/L corresponde a uma elevação
em 0,1 ng/dl nos níveis de T4 livre e por outro lado uma queda de 0,1miU/L nos valores do TSH.
Entretanto é sugerido que uma elevação nos valores de tiroxina livre só ocorrerá quando seus valores
excedem 50.000 a 75000IU/L por pelo menos uma semana(3). Portanto na maioria das
17
gestações esta alteração não é percebida porque é necessária uma manutenção prolongada desses
níveis para que possa ser detectada laboratorialmente a queda no TSH. Todavia uma parcela menor
evoluirá com um padrão laboratorial de hipertireoidismo subclínico ou manifesto que em raros casos
pode ser sintomático.
No segundo trimestre de gestação os níveis de TSH retornam para valores próximos aos do
período pré-gestacional sendo consenso que devam ser mantidos com valores até 3,0mIU/L tanto
quanto no terceiro trimestre(4,5).
Em resumo durante a gestação normal a função tireoidiana depende do equilíbrio entre três
fatores: os requerimentos hormonais da própria gestação, a oferta de iodo e a integridade da glândula.
Esta tem que adaptar seu maquinário ao aumento da TBG, ao efeito estimulatório do hCG e as
mudanças no metabolismo periférico dos hormônios, particularmente na placenta no final do período
gestacional. Estes eventos levam a uma adaptação da economia tireoidiana quando esta ocorre em
mulheres sadias e com suficiência de iodo ou revelam um defeito subjacente na oferta de iodo ou no
funcionamento da própria glândula.
O hipotireoidismo materno é comumente causado por tireoidite auto-imune ou por destruição
da glândula (ablação com iodo ou cirurgia), e raramente por desordem hipotalâmica-hipofisária( 11).
A prevalência de hipotireoidismo durante a gestação varia em cada país e esta se dá principalmente
associada à suficiência da ingesta de iodo neste período. Klein e cols.(23), nos EUA, encontraram
aumento de TSH (> 6 mU/L) em 49 das 2.000 (2,5%) gestantes avaliadas entre a 15a e 18a semana de
gestação e diminuição do T4 livre em 0,3% Glinoer e cols.(24), na Bélgica, analisaram 1.900
gestantes encontrando 2,2% de hipotireoidismo. No Japão, Fukushi e cols.(24) observaram
hipotireodismo em 102 (0,14%) das 70.632 gestantes avaliadas. O hipotireoidismo clínico, com
baixos níveis de tiroxina livre e altos níveis de TSH, conseqüente a falência glandular primária,
18
particularmente no primeiro trimestre, está associado a um déficit intelectual do recém nato assim
como complicações na gestação que incluem préeclâmpsia, placenta abrupta, parto prematuro, baixo
peso ao nascer e morte fetal. O hipotireoidismo subclínico em menor escala também parece estar
associado a um pior desfecho da gestação e déficit de desenvolvimento neurológico do recém nato,
principalmente quando associado a elevados níveis de TSH (> 10mU/L)(26). Leung e cols.(27)
acompanharam 68 mulheres com hipotireoidismo durante a gestação, das quais 23 apresentavam
hipotireoidismo clínico e 45 subclínico. A prevalência de gestose hipertensiva foi elevada em ambos
os grupos, sendo de 22% para hipotireoidismo clínico e 15% no subclínico em comparação com 7.6%
do grupo sem disfunção. Baixo peso ao nascimento foi a complicação mais comum nos recém natos
de mães com hipotireoidismo clínico em aproximadamente 22%. Presença de malformações
congênitas e natimorto foram observados nas gestantes que não fizeram uso adequado do hormônio
tireoidiano. Davies e cols.(28), acompanharam 16 mulheres com hipotireoidismo clínico sendo 7
apresentando pré-eclâmpsia e 3 placenta prévia e hemorragia pós-parto. Neste grupo foi observado
baixo peso fetal (< 2.000g) em 5 dessas mulheres e 2 natimortos. Das 12 gestantes com
hipotireoidismo subclínico, 2 apresentaram pré-eclâmpsia e hemorragia pós-parto.
A hipotiroxinemia materna, condição que se caracteriza por níveis de tiroxina
livre abaixo dos valores de referência e TSH dentro da normalidade no final primeiro trimestre de
gestação está associada a um prejuízo do desenvolvimento neurológico do recém
nascido(29,30,31,32,33,34). Pop e cols.(30) avaliaram o impacto da hipotiroxinemia materna no início
da gestação sobre o desenvolvimento do recém nato e sua associação a qualquer alteração
subseqüente nos níveis de T4 livre durante o restante da gravidez. Através da escala de Bayley
avaliaram o desenvolvimento mental e motor do recém nascido no primeiro e segundo ano após o
nascimento e concluíram que os pacientes apresentaram diminuição destas funções tanto no primeiro
19
quanto no segundo ano de vida e que os pacientes que apresentam normalização da função tireoidiana
na vigésima quarta e trigésima segunda semana não apresentaram diferença em relação ao grupo
controle. Kooistra L e cols.(32) avaliou 108 neonatos de mães que apresentaram baixos níveis de
tiroxina livre (abaixo do percentil 10) na décima segunda semana de gestação e 96 neonatos nos quais
as mães apresentavam valores de tiroxina livre entre o percentil cinqüenta e noventa pareados por
paridade e gravidez. O desenvolvimento do neonato foi avaliado através da neonatal behavioral
Assessment scale na terceira semana pós-parto e a função tireoidiana(tireotropina e tiroxina livre)
materna na décima segunda, vigésima quarta e trigésima semanas de gestação. O estudo conclui que a
hipotiroxinemia materna constitui um importante fator de risco ao desenvolvimento neurológico do
recém nascido e que pode ser identificado tão precocemente quanto na terceira semana pós-parto.
20
METODOLOGIA DA PESQUISA PACIENTES E MÉTODOS
Estudo seccional tendo sido estudadas 115 gestantes captadas do ambulatório de pré-natal no
Hospital Geral de Nova Iguaçu ( Nova Iguaçu, RJ) no período compreendido entre março de 2000 a
junho de 2007. Entre as cento nove pacientes para as quais constava informação sobre a idade, 78,9%
apresentavam idade inferior a 30 anos, com mediana igual a 23 anos (Intervalo Interquartil -IQR 19 a
28). Todas as 115 pacientes foram submetidas a determinações de TSH, T4 livre,T4 total, TBG,
anticorpo anti-peroxidase e ao cálculo do índice de T4 livre (T4 total/TBG) no final( quatro últimas
semanas) do primeiro trimestre de gestação. Foram excluídas as gestantes portadoras de patologias
tireoidianas prévias ou atuais, em uso de medicações que interferissem com a função tireoidiana,
pacientes com história familiar de patologias na glândula e que desenvolveram hiperêmese ou
possuíssem anticorpos antiperoxidase durante a gestação. As pacientes foram submetidas a um
questionário com informações acerca de patologias passadas e atuais, historia familiar, historia
fisiológica, e realizado exame físico com objetivo de pesquisar a presença de bócio, nódulos e sinais
de hipertireoidismo ou hipotireoidismo. A idade gestacional foi determinada pela data da última
menstruação e a ultrassonografia avaliada em caso de incerteza quanto esta informação. Foi efetuado
também um inquérito alimentar com nutricionistas e a dosagem urinaria de iodo por amostragem para
determinar a sua suficiência na dieta.
Todas as pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e o estudo foi aprovado pelo
comitê de ética em pesquisa do próprio hospital.
21 METODOLOGIA DAS DOSAGENS LABORATORIAIS
As dosagens de TSH foram realizadas por ensaio imunométrico quimioluminescente,
(immulite 2000), com valor de referência entre 0,4 a 4,0 mcUI/mL( sensibilidade: 0,004 mcUI/mL e
coeficiente de variação intra-ensaio e inter-ensaio entre 3,8 a 12,5% e 4,5 a 12,5% respectivamente).
As dosagens do anticorpo antiperoxidase tireoidiana( anti-TPO) foram realizadas por ensaio
imunométrico quimioluminescente, (immulite 2000) com valor de referência até 35 UI/mL (
sensibilidade: 5,0 UI/mL e coeficiente de variação intra-ensaio e inter-ensaio entre 4,4 a 7,4% e 3,2 a
7,2%
respectivamente). As dosagens de T4 livre foram realizadas por ensaio imunoenzimático competitivo
quimioluminescente,( immulite 2000) com valores de referência entre 0,8 a 1,9 ng/dL ( sensibilidade:
0,3 ng/dL e coeficiente de variação intra-ensaio e inter-ensaio de 4,4 a 7,5% e 4,8 a 9,0%
respectivamente ); as dosagens de T4 total foram realizadas por ensaio imunoenzimático competitivo
quimioluminescente,( immulite 2000) com valores de referência entre 4,5 a 12,5 mcg/dL(
sensibilidade: 0,3 mcg/dL e coeficiente de variação intra-ensaio e inter-ensaio de 4,6 a 11,1% e 5,6 a
11,7% respectivamente); as dosagens TBG também por ensaio imunoenzimático competitivo
quimioluminescente,( immulite 2000) com valores de referência entre 13 a 39,0 mcg/mL(
22
sensibilidade: 1,6 mcg/mL e coeficiente de variação intra-ensaio e inter-ensaio entre 4,7 a 8,7% e 6,5
a 13,6% respectivamente). O índice de tiroxina livre foi calculado pela razão entre tiroxina total e
TBG com valores de referência entre 0,2 e 0,38(33). As dosagens de iodo urinário foram efetuadas
pelo método colorimétrico baseado na redução do íon cérico, com valores de referência que indicam
deficiência grave inferiores a 2,5 µg/dL, deficiência moderada entre 2,5 e 4,9 µg/dL, deficiência leve
entre 5,0 e 9,9 µg/dL e suficiência de iodo com valores acima de 10 µg/dL.
23
ANÁLISE DE DADOS
As análises foram realizadas empregando-se o programa Stata 8.0. Os resultados foram
apresentados por meio dos valores de mediana e demais quartis das distribuições das variáveis
contínuas, enquanto que as variáveis categoriais foram apresentadas como proporções e seus
respectivos intervalos de confiança de 95%, calculados pelo método exato. A correlação entre os
valores de hormônios no primeiro trimestre de gestação foi medida por meio do coeficiente de
correlação de Spearman (rs). Para a estimativa dos intervalos de referência dos hormônios durante o
primeiro trimestre de gestação foram estimados os centis empíricos de 2,5 e 97,5, o que define um
intervalo de referência de 95%. Intervalos de confiança de 95% para cada um dos centis foram
estimados aplicando-se o método de bootstrap com 1000 replicações e empregando-se o método
corrigido para viés (bias-corrected). Em 64 gestantes foi possível o seguimento até o final da
gestação, sendo identificada a ocorrência de desfechos indesejáveis (aborto ou parto prematuro). Para
cada hormônio empregou-se o ponto de corte sugerido na literatura.Os valores de T4 total, T4 livre e
índice de T4 livre seguem os valores de referência da população pois não existe recomendação
24
específica para o período gestacional, em relação ao TSH as gestantes foram divididas em dois
grupos sendo considerado normal um valor de até 2,5 mcUI/mL, conforme sugerido como referência
para o primeiro trimestre em recente guideline publicado pela Endocrine Society,(4) sendo estimadas
as medidas de acurácia e seus respectivos intervalos de confiança de 95% para a predição de
desfechos indesejáveis. Adicionalmente, foram estimadas as áreas sob a curva ROC (Receiving
Operating Characteristics Curve) para avaliação da tireotropina.
25
RESULTADOS
Na tabela 1 são apresentados os valores de mediana e intervalo interquatil (IQR) de TBG, e
hormônios tireoidianos durante o primeiro trimestre de gestação em gestantes anti-tpo negativas.
Observou-se para TBG uma mediana de 38.7 mcg/mL. . Os valores de TSH variaram entre 0.02
mcUI/mL e 5.84 mcUI/mL com mediana de de 1,25 mcUI/mL. Para T4 total e T4 livre os valores de
mediana foram, respectivamente, iguais a 10.3 mcg/dL e 1.20 ng/dL.O índice de T4 livre foi calculado
pela relação entre T4 total/ TBG, variando entre a 0.18 e 0.50 com mediana de 0.27
Tabela 1: Distribuição de T4 livre, TSH , índice de T4 livre e TBG no primeiro trimestre de gestação
Hormônio/Trimestre N† Mínimo P25%* Mediana P75%* Máxim
o
TBG 112 15.5 31.1 38.7 44.9 75
TSH 115 0.02 0.73 1.25 1.85 5.84
T4 total 113 5.49 9.15 10.3 12.3 16.3
Índice de T4 livre 112 0.18 0.24 0.27 0.32 0.50
T4 Livre 115 0.50 1.00 1.20 1.30 3.20
* P25% - percentil 25% (primeiro quartil) e P75% - percentil 75 (terceiro quartil); † as diferenças nos totais de n podem ser explicadas pela falta de informação sobre a dosagens em determinadas gestantes
Quando correlacionamos os resultados, percebemos que todas as correlações são fracas. O
TSH se correlaciona negativamente e significativamente com todos os índices. A tiroxina livre e o
índice de tiroxina livre se correlacionam positivamente e significativamente entre si( p<0,0327), e esta
também se correlaciona positivamente e significativamente com a tiroxina total ( Tabela 2).
26
Tabela 2: Correlação entre os valores de TSH, T4 total , T4livre e índice de T4 livre no primeiro trimestre de gestação.
Hormônios TSH T4 livre T4 Total
TSH T4 Livre -0.2981* T4 Total -0.1347 0.1903*
indice de T4 livre -0.0816 0.2019* 0.0508 *p< 0,05
Na tabela 3 são apresentados valores de referência para os diferentes hormônios baseados nas
estimativas de centis empíricos de 2,5 e 97,5 e seus respectivos intervalos de confiança estimados
por meio do método de bootstrap.
Tabela 3: Valores de referência para TSH, T4 total , T4livre e índice de T4 livre no primeiro trimestre de gestação. Hormonios Percentil 2.5( IC 95%) Percentil 97.5( IC 95%)
TSH 0,04(0,02-0,39) 4,43(3,68-5,84) T4 total 5,67(5,49-6,74) 15,9(15,0-16,3) t4 livre 0,60(0,50-0,80) 1,94(1,52-3,20) indice de T4 livre 0,19(0,18-0,20) 0,42(0,37-0,50)
Treze pacientes em 115 apresentaram nível sérico de TSH acima de 2,50 mcUI/mL
correspondendo a 11,3 % , se considerarmos o valor de referência do ensaio( 4,0 mcUI/mL) apenas 3
pacientes apresentam valor de TSH acima de 4,0 correspondendo a 2,6 % da amostra. Todas
apresentaram tiroxina livre normal, índice de tiroxina livre normal, e, apenas uma apresentou tiroxina
total abaixo do valor normal (quando adotamos como valor de referência os valores fora da gravidez
multiplicados por um fator de 1,5 vezes). Quando avaliamos as pacientes que apresentaram tiroxina
total abaixo do valor de referência para a gestação encontramos 6 em 113 gestantes o que corresponde
a 5,3% da amostra. Destas uma apresentou TSH elevado, outra índice de tiroxina livre reduzido e duas
apresentaram
27
tiroxina livre abaixo do valor de referência. Quando avaliamos o índice de tiroxina livre ( baseado na
razão tiroxina total/TBG), com valor de referência entre 0.2 e 0.38, verificamos que 7 pacientes em
112, ou seja, 6,3% da amostra apresentam valores abaixo da referência, e dentre estas apenas uma
apresentou tiroxina total também abaixo do limiar inferior. Finalmente 10 pacientes apresentaram
tiroxina livre abaixo de 0,80 dentre 115 o que corresponde a 8,75% da amostra e destas, duas
apresentaram tiroxina total abaixo do valor de referência.
Quando avaliamos o desfecho da gestação percebemos que 3 gestantes abortaram e que
ocorreram 10 partos prematuros. Das gestantes que abortaram apenas uma apresentou TSH no
primeiro trimestre acima de 2,5 mcUI/mL ( 2,97 mcUI/mL) e apenas uma das que apresentaram parto
prematuro também apresentou TSH elevado ( 3,2 mcUI/mL). Usando esse valor de TSH como ponto
de corte teríamos uma sensibilidade de 15,4% (IC 95% 19,2 a 45,4) e especificidade de 90,2% ( IC
95% 78,5 a 96,7) , um valor preditivo positivo de 28,6% (IC 95% 36,7 a 70,9) e um valor preditivo
negativo de 80.7% (IC 95% 68.8 a 89.9). Todos os hormônios apresentaram valores de sensibilidade
muito baixos. Adicionalmente, a despeito de valores adequados de especificidade, a presença de
valores de sensibilidade muito baixos fez com que fossem obtidos valores preditivos negativos
também muito baixos.
Tabela 4: Medidas de Acurácia para alguns valores de ponto de corte de TSH, T4 Total e Indice de T4 livre durante o primeiro trimestre da gestação de gestantes anti-Tpo negativas.
Tsh (> 2.5) T4 Total (<6.75) Indice de T4 livre (<0.2) T4 livre (<0.81)
Sensibilidade (IC 95%) 15.4 ( IC 95% 19.2 a 45.4) 0 (IC 95% 0 a 24.7) 0 ( IC 95% 0 24.7) 0 ( IC 95% 0 a 24.7)
Espeficidade (IC 95%) 90.2 (IC 95% 78.5 a 96,7) 94.1 (IC 95% 83.7 a 98.8) 92.2 (IC 95% 81.1 a 97.8) 86,3 (IC 95% 73.7 a 94.2)
VPP (IC 95%)*
28.6 (IC 95% 36,7 a 70,9) 0 (IC 95% 0 a 70.7 ) 0 ( IC 95% 0 a 60.2) 0 ( IC 95% 0 a 50 )
VPN (IC 95%)* 80.7 (IC 95% 68.8 a 89.9) 78.7 (IC 95% 66.3 a 88.1) 78.3 (IC 95% 65.8 a 87.9) 77.2 (IC 95% 64.2 a 84.3) *VPP valor preditivo positivo, VPN valor preditivo negativo
28
Ao analisarmos a área sob a curva ROC encontramos o valor de 0,71 e nenhum ponto de corte
mostrou um bom balanço entre sensibilidade ou especificidade para a tireotropina.
0.0
00
.25
0.5
00
.75
1.0
0
Sen
sitiv
ity
0.00 0.25 0.50 0.75 1.001 - Specificity
Area under ROC curve = 0.7074
29
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou 115 gestantes jovens ( mediana de 23 anos) sem doença tireoidiana
prévia ou atual, apresentando anticorpos antiperoxidase negativos e ingesta suficiente de iodo quanto
ao comportamento do TSH, tiroxina livre, índice de tiroxina livre e tiroxina total nas últimas semanas
do primeiro trimestre de gestação. Na população estudada quando utilizamos o TSH > 2,5 mcUI/mL
obtivemos uma proporção elevada de gestantes, compreendendo 11,3% da nossa amostra. Estima-se
na gestação uma prevalência entre 0,3% a 0,5% de hipotireoidismo clínico e entre 2 a 3% de
hipotireoidismo subclínico na gestação segundo diversos publicações, (26,34,35,36,37,38,39)
entretanto baseados em valores acima da referência para a população geral . Todavia quando
avaliamos a tiroxina livre, o índice de tiroxina livre e a tiroxina total quanto ao percentual de valores
abaixo do limite inferior da sua referência verificamos valores de 8,7%; 6,35% e 5,35%
respectivamente com TSH normal. Na literatura apenas encontramos referência a valores reduzidos de
tiroxina livre, () o que ocorre em torno de 10 % das gestações.
O hipotireoidismo clínico ou subclínico estão associados a complicações no período
gestacional e parto( 27,28,40,41,42,43,44,45) e ao lado da hipotiroxinemia materna a um prejuízo no
desenvolvimento neurológico do recém nascido(1,27,29,30,31,32,34). A dosagem de tiroxina livre
em nosso meio realizada por métodos indiretos em uma ou duas etapas (7) não é considerada
fidedigna, principalmente durante a gestação onde ocorrem complexas alterações fisiológicas que
interferem não só na dinâmica tireoidiana quanto nos métodos de avaliação utilizados. O índice de
tiroxina livre baseado na razão entre tiroxina total e TBG é um método simples de ser realizado e se
correlaciona de forma significativa com os outros índices podendo ser um teste mais confiável para
30
estimar as frações livres dos hormônios tireoidianos do que os métodos imunométricos utilizados
atualmente.
Quando analisamos os desfechos da gestação quanto à prematuridade e aborto e
correlacionamos ao valor de corte do TSH em 2,5 mcUI/mL observamos uma sensibilidade e valor
preditivo positivo muito baixos numa população jovem sem doença tireoidiana e com ingesta
adequada de iodo. Adicionalmente, nenhum ponto de corte realmente se mostrou adequado com todas
as curvas ROC apresentando valores baixos de área sob a curva. Este valor de corte apresentado pela
literatura foi baseado em dois estudos que propuseram valores de referência trimestre específicos para
o TSH (46,48). Panesar e cols.(46) avaliaram 343 gestantes chinesas quanto aos valores de TSH, T4
livre, T3 livre e βhCG e calcularam os centis 2,5 e 97,5 e a mediana em intervalos de quatro semanas.
Na sua amostra os valores de TSH na sétima e décima semana de gestação apresentaram valores em
torno de 2,3 mil/L no percentil 97,5. Netto e cols.(47) avaliaram 491 gestantes anti-TPO negativas
quanto às modificações no eixo hipófise-tireóide durante toda a gestação. Estas pacientes
apresentaram no primeiro trimestre um valor de TSH no percentil 75 de 1,87mU/l. Casey e cols.(26)
avaliaram 25765 gestantes que realizaram screening para doença tireoidiana durante a gestação.
Destas 17298 se apresentavam com 20 semanas ou menos, e 404(2,3%) foram consideradas como
tendo hipotireoidismo subclínico( TSH acima do percentil 97,5 e T4 livre acima de 0,685 ng/dL) com
tireotropina variando entre 2,74 e 5,09 um/L. Dashe e cols.(48) avaliaram os valores de tireotropina
em 13599 gestações para estabelecer valores de referência trimestre específicos. Eles consideraram
um valor de TSH elevado quando este ultrapassava dois desvios padrões acima da média para aquela
determinada semana gestacional, isto é acima do percentil 97,5, e concluíram que se fosse utilizado
como referências os valores recomendados para a população, 28 % das gestantes não seriam
diagnosticadas quanto à presença de hipotireoidismo subclínico. Ao analisarmos os resultados da
31
amostra de Dashe e cols. percebemos valores bem superiores aos encontrados por Panesar e cols,
Netto e cols. e Casey e cols., na qual na décima semana de gestação o TSH encontra seu menor valor
apresentando-se no percentil 97,5 em 3,12 miU/L.
Apesar de termos valores de TSH definidos para cada trimestre de gestação estes valores são
baseados em poucas evidências e possuem nível insuficiente de recomendação(4). Na nossa amostra
onde foram avaliadas jovens (média de idade de 23 anos) apresentando ingesta adequada de iodo e
que não se encaixam nas recomendações de “screening” para doença tireoidiana os valores de TSH
foram bem superiores aos recomendados pela “Endocrine Society” e o valor de 2,5 miU/L não se
mostrou sensível para se avaliar os desfechos indesejáveis da gestação( aborto e prematuridade).
Outro aspecto importante é o papel da auto-imunidade no aumento da incidência de aborto em
pacientes com hipotireoidismo clínico, subclínico e eutireoidianas. Netto e cols.(49) demonstraram
que a auto-imunidade pode representar um fator independente no aumento da incidência de aborto, e
Negro e cols.(50) demonstraram uma redução na ocorrência de aborto e prematuridade quando
gestantes anti-TPO positivas e níveis de TSH dentro do valor de normalidade (0,27-4,2mIU/l) foram
tratadas com levotiroxina( TSH< 1,0 mIU/l-0,5µg/kg; TSH entre 1,0 e 2,0 mIU/l-0,75 µg/kg;
TSH>2,0 mIU/l-1,0 µg/kg) .
Estudos anteriores utilizaram um ponto de corte mais elevado( 26,40,41,42 ), populações
com idade mais avançada(50), etnias específicas e não avaliaram a presença de auto-imunidade(46).
Nosso estudo encontra algumas limitações, não conseguimos um momento uniforme na coleta o que
poderia justificar um valor de tireotropina superior e avaliamos um número limitado de pacientes que
pode não representar exatamente o perfil da população. Os valores sugeridos atualmente para a
avaliação da função tireoidiana na gestação não parecem estar corretos, estudos acompanhando um
32
número grande de gestantes deveriam ser realizados avaliando valores normais e correlacionando
estes com desfechos tais como prematuridade, aborto, complicações obstétricas e desenvolvimento do
recém nascido.
Portanto podemos concluir que o ponto de corte de TSH recomendado pela literatura (2.5) não
foi preditivo para avaliar os desfechos propostos em nossa população de gestantes jovens semelhante
a população geral e que não apresentavam interferência da auto-imunidade, sendo necessários estudos
maiores que correlacionem e avaliem: o papel dos níveis hormonais propostos,a presença de
anticorpos e a idade quanto o risco de prematuridade e abortamento
33
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