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i UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA CRISTIANE SZYNWELSKI Dialética em Aristóteles e Direito Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília, para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Guy Hamelin Brasília, março de 2018.

Dialética em Aristóteles e Direito

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i

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

INSTITUTO DE CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA

CRISTIANE SZYNWELSKI

Dialeacutetica em Aristoacuteteles e Direito

Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de

Poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Filosofia da

Universidade de Brasiacutelia para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Mestre em Filosofia

Orientador Prof Dr Guy Hamelin

Brasiacutelia marccedilo de 2018

ii

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo ao Prof Dr Guy Hamelin por ter aceitado me orientar nesse tema da

minha dissertaccedilatildeo e pela paciecircncia e gentileza em suas correccedilotildees

Agradeccedilo aos professores da minha banca de qualificaccedilatildeo Prof Dr Marcos

Aureacutelio Fernandes Prof Dr Nelson Gonccedilalves Gomes pelas ricas contribuiccedilotildees

Agradeccedilo ao Fernando Martins Mendonccedila da Universidade Federal de

Uberlacircndia pelas atenciosas e gentis respostas agraves minhas duacutevidas encaminhadas por e-

mail

Agradeccedilo aos colegas e professores do Grupo de Pesquisa em Filosofia Antiga e

Medieval por seu constante apoio e auxiacutelio especialmente aos colegas Neimar de

Almeida e Luiza Simotildees Pacheco

Agradeccedilo agraves amigas Alessandra Schneider e Marcia Mazo Santos por seu auxiacutelio

especialmente na obtenccedilatildeo de material de pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem aos funcionaacuterios da Secretaria da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia

e aos professores da Coordenaccedilatildeo pelo bom atendimento durante o curso

iii

RESUMO

A toacutepica juriacutedica proposta metodoloacutegica criada pelo alematildeo Theodor Viehweg

na deacutecada de 1950 manteacutem sua influecircncia ateacute hoje entre juristas brasileiros Viehweg

declara ter embasado a sua obra Toacutepica e Jurisprudecircncia nas toacutepicas de Aristoacuteteles e

Ciacutecero Segundo grande parte dos criacuteticos desse jurista as noccedilotildees sobre toacutepica

apresentadas em sua obra satildeo confusas e imprecisas Reconhecendo o valor da

redescoberta da dialeacutetica e da retoacuterica na esfera juriacutedica nosso objetivo eacute apresentar um

esboccedilo da obra Toacutepicos de Aristoacuteteles com uma noccedilatildeo clara sobre o meacutetodo dialeacutetico que

o Estagirita apresenta nesse tratado Esse esboccedilo eacute teoacuterico e compreende noccedilotildees

introdutoacuterias agrave dialeacutetica e seus instrumentos uma discussatildeo sobre o que satildeo toacutepicos uma

ideia geral sobre o debate dialeacutetico e sobre os viacutecios de raciociacutenio A partir dessa

descriccedilatildeo fazemos algumas anaacutelises em nosso uacuteltimo capiacutetulo sobre o que poderia ser

aplicado da metodologia dos Toacutepicos ao Direito A metodologia empregada nesta

dissertaccedilatildeo consiste na maior parte em inventariar e apresentar os conteuacutedos dos Toacutepicos

conforme expostos nesse tratado explicando-os agrave luz dos conteuacutedos de outras partes da

mesma obra e de outras obras de Aristoacuteteles aleacutem de comentaacuterios de especialistas A

anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico ao Direito parte da siacutentese do esboccedilo teoacuterico

apresentado e sua comparaccedilatildeo com noccedilotildees baacutesicas sobre Direito e exemplos juriacutedicos

particulares

Palavras-chave Aristoacuteteles dialeacutetica retoacuterica Direito

iv

ABSTRACT

The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor

Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists

Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and

Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his

work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of

dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo

Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise

This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a

discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices

of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what

could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present

thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth

in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the

work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists

The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the

presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific

legal examples

Key words Aristotle dialectic rhetoric Law

v

SUMAacuteRIO

AGRADECIMENTOSii

RESUMOiii

SUMAacuteRIOv

ABREVIATURASvii

INTRODUCcedilAtildeO1

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12

1 Consideraccedilotildees iniciais12

Noccedilotildees preliminares 12

Objetivo dos Toacutepicos15

Raciociacutenio dialeacutetico 20

2 A utilidade dos Toacutepicos23

3 Os instrumentos da dialeacutetica28

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28

Predicaacuteveis32

Categorias 34

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos

termos36

Espeacutecies de argumentos36

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38

Significados dos termos39

II Os toacutepicos 42

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46

vi

Toacutepicos sobre o acidente48

Toacutepicos sobre o preferiacutevel49

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53

Toacutepicos na Retoacuterica54

III O debate dialeacutetico57

1 Estrateacutegias do questionador59

2 Estrateacutegias do respondedor63

3 Diferentes objetivos no debate65

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68

IV Viacutecios de raciociacutenio72

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83

Casos particulares89

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97

3 Linguagem loacutegica e eacutetica100

4 Taacuteticas de debate103

CONCLUSAtildeO106

REFEREcircNCIAS111

vii

LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Aristoacuteteles

Toacutep Toacutepicos

Cat Categorias

Met Metafiacutesica

Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco

Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos

An Pr Analiacuteticos Primeiros

An Post Analiacuteticos Segundos

Ret Retoacuterica

Fiacutes Fiacutesica

Da Int Da Interpretaccedilatildeo

1

INTRODUCcedilAtildeO

O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o

estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado

pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo

entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da

evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as

demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase

como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado

Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao

contingente3

Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em

vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de

prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi

desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo

Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o

Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo

as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4

Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais

de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva

alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5

Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma

ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou

para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da

1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo

G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000

p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26

2

matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo

cientificamente irrespondiacutevel6

Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na

primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor

Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia

(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se

alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na

Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de

resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por

problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o

autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9

A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)

surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na

Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos

de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que

mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de

habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias

publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as

pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se

durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas

da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar

dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica

e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de

Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande

6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina

Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia

Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e

Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995

p 343

3

codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela

dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar

as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a

princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos

XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica

escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas

juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e

fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos

particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14

A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da

dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da

repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros

devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de

Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo

extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do

respeitado jurista alematildeo Karl Larenz

Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue

depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico

juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer

ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises

juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de

empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores

que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma

representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo

das opiniotildees expendidas17

13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171

Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz

Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)

as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente

um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para

julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar

por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar

topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida

em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo

abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver

constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse

puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar

proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago

que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute

4

Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico

pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns

argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam

de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios

conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica

standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19

Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como

disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se

pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas

compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel

natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel

O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico

poreacutem um toacutepico muito importante21

No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul

Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22

Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da

argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950

poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de

Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de

Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de

Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo

distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a

uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a

jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a

pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas

verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e

introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy

2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia

ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte

de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de

procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo

ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras

palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor

do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo

introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189

5

categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de

trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)

Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente

ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu

um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen

(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em

1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu

a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente

aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio

Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados

desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em

artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo

dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais

recentemente R Bolton e R Smith24

Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles

funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo

desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto

apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma

situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer

clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25

A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como

funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial

entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos

e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e

dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees

proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os

23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski

para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica

formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de

PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em

httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and

Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004

Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese

do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3

6

problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos

termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de

acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria

sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa

opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as

regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio

fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou

se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27

A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas

teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral

eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente

mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos

Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que

apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas

garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria

Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no

Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido

desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas

Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda

as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas

analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia

opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso

Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus

textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo

atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que

as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir

e apresentar argumentos soacutelidos28

No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a

dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos

26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997

p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo

Argumentation v 19 n 4 2005

7

primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o

meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por

sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins

Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades

mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer

habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32

As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de

Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter

argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao

positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como

pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de

invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua

toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus

proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica

de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da

Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo

Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre

partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de

vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz

pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade

respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade

isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar

na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria

regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial

tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo

29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29

2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24

jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na

codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar

por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116

8

incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo

exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos

estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos

Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por

necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em

consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir

para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero

considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg

natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no

decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica

claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A

toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor

Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento

desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas

apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo

da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso

interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves

metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar

o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza

segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40

Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise

sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera

juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do

Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que

Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para

a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica

juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de

37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em

httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica

ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel

em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set

2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57

9

uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso

objetivo de longo prazo

De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz

nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila

quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica

Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para

formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador

da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e

outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate

regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um

elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio

entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras

tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da

leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos

Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o

objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente

aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias

filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42

Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso

propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel

possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que

chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para

apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor

Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em

conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que

empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo

aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias

de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem

descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e

interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da

proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude

mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender

antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido

premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem

41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5

10

preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-

nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores

acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica

na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de

suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos

tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo

tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito

sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que

liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43

Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como

base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o

conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias

pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos

que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a

questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como

pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de

difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico

especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e

Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar

por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que

pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a

melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente

e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se

apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute

imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de

Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica

Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem

disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura

do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso

esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo

definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a

VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito

Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice

dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho

seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo

43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30

11

apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos

objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos

propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos

de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo

apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos

para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os

diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das

quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como

Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos

Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares

agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence

ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente

aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas

Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e

diaacutelogos

12

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos

1 Consideraccedilotildees iniciais

Noccedilotildees preliminares

O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles

sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido

moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de

Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados

sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44

O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de

modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos

Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)

5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos

O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir

uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo

divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos

Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral

eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e

Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois

como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa

elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado

tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores

do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o

Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos

44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro

e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos

Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas

palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema

que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo

essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos

Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A

Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196

13

natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo

denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem

subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse

argumento48

Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos

Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e

como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas

merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas

noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto

de estudo

Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)

da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas

a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a

sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a

conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49

Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo

ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade

estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute

Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que

a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo

no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute

contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52

A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que

entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute

48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e

Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo

livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii

1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10

14

mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica

e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins

de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico

(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico

nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento

cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute

destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois

como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa

razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem

nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para

se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar

Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo

para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as

afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra

ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso

de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser

investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal

caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos

Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais

especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade

de saacutebios a depender do contexto

Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O

conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra

forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam

Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e

pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais

natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53

Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de

53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133

15

ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a

Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua

natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada

Trataremos disso em seguida

A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de

contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura

sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e

passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos

Objetivo dos Toacutepicos

O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra

Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas

ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos

tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer

alguma coisa que nos cause embaraccedilos56

Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se

percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57

Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)

com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por

todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos

para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58

54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -

Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que

deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja

de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao

passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic

Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para

comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de

opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na

sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1

100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25

16

Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema

proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma

teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de

assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus

princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)

comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos

Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das

ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte

Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos

de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito

algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria

e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios

da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees

tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a

prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a

falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por

diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo

com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos

dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute

aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda

arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se

efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην

ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular

julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual

eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a

refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem

no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60

Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute

ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a

Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees

geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao

conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma

discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos

ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento

59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo

demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos

na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem

poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos

arg Op cit p 171

ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37

Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18

17

associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio

provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos

saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento

que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que

acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo

Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)

e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a

verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que

satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da

mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas

Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos

pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza

do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um

raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir

demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico

Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute

bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom

juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas

as coisas eacute bom juiz em geral62

Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir

a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo

legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo

admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do

contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de

investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos

Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios

sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo

62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a

25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo

em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o

ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes

maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o

segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade

A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo

fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito

citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade

aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados

(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de

todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior

nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees

correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES

Eacutetica a N Op cit p 146

18

geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63

Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado

sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio

portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria

culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos

na introduccedilatildeo deste trabalho

Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a

Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e

ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura

superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas

entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos

Toacutepicos que define ἔνδοξα

Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os

homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade

e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem

divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a

mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata

de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras

embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem

a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com

a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar

todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta

considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais

razoaacuteveis64

Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais

proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees

e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos

segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos

[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que

o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade

como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as

caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem

incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam

a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras

com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a

identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou

sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade

exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos

defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas

mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja

63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20

19

inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos

em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65

Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por

uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees

ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo

entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho

ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o

indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que

parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz

a dialeacuteticardquo66

Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas

de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio

Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um

senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado

o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente

aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo

ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67

Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto

de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como

dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem

ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo

aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees

e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar

Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo

Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma

proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou

para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo

devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo

(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se

65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico

ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10

20

muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que

merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A

esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de

puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de

percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser

castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente

e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se

por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma

investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico

Raciociacutenio dialeacutetico

Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de

raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de

raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz

necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio

(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71

Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς

συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O

raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e

verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras

e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser

descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua

verdade por si mesmos72

Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das

cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que

intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os

70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem

necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6

ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente

pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10

21

primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso

satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode

ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute

demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que

seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos

Analiacuteticos

Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber

(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja

inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o

conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute

necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν

ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas

mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas

satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do

demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode

haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma

demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem

ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a

comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e

indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para

serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de

um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua

demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do

que ela e a ela anteriores 75

A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o

fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros

Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo

74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo

sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo

(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave

intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os

princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico

(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia

(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que

apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de

o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma

ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento

verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do

proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se

comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores

Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um

par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma

pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira

Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-

30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O

desenvolvimento Op cit p 4

22

estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos

observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se

mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser

verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite

alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos

Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na

afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito

tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e

obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa

dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das

duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee

uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute

indicamos nos Toacutepicos78

O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e

uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa

anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo

e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica

assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa

supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79

Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas

com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde

Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a

demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma

prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de

perguntas80

O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio

apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem

ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas

parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente

aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas

que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser

77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-

255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam

friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17

23

claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as

opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa

falsidade deve ser um pouco oacutebvia82

O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade

no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e

mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se

enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas

de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas

apenas parecem secirc-los84

O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo

(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo

O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo

Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que

natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se

fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do

semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma

desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se

classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele

apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado

em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos

complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito

do raciociacutenio eriacutestico

2 A utilidade dos Toacutepicos

Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se

raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na

sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro

lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo

82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5

24

bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla

possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para

a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as

disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O

treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram

praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a

conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em

suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a

identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado

meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases

uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave

luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica

que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de

todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89

Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A

primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos

contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o

raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e

o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na

discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das

87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade

de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais

facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo

agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute

completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante

de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as

questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais

apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as

investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como

contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma

e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher

acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151

25

proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se

a verdade (ἀλήθεια)91

No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios

(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica

mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos

anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os

princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos

Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a

partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta

debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94

Citamos um trecho

Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou

natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele

estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da

realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o

detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma

natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo

verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto

dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar

qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto

natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa

indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas

Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que

professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash

coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem

caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando

em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira

de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de

francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que

natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio

que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95

Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o

qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo

(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do

princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas

91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua

verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119

26

eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o

Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode

ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos

ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo

de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios

pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute

uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela

inteligecircncia97

Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se

aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois

esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro

mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas

Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da

Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99

Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa

obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a

impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao

debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()

declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas

de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme

era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores

tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute

possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como

divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da

dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos

exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles

96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um

jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34

27

nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas

Disputationes104

Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de

disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota

da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a

ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer

aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um

descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o

comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa

complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105

O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um

meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo

se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara

demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os

Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos

considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento

principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma

outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as

ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos

Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas

e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos

sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus

nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees

individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que

abordaremos agora

103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar

tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos

quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a

constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-

se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto

deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15

28

3 Os instrumentos da dialeacutetica

Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o

eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar

dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o

que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees

necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de

argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de

coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim

de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e

os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute

composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado

do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para

a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na

construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute

ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem

natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo

apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de

proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final

se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada

a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo

Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por

todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema

(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a

escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela

107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo

e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na

construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13

29

anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos

que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O

problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113

Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados

como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo

ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em

se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute

evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o

que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem

se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se

estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados

satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115

Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις

ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos

quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que

satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais

de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma

ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das

opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve

fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)

acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em

questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os

pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem

ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra

observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como

113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to

different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem

is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle

tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20

30

no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas

contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam

os debates

ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal

como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou

ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica

deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso

das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta

espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila

distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem

significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie

eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-

nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118

Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)

que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o

conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo

tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada

em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos

homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave

opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios

divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees

em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra

e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por

exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a

diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos

fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que

resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos

das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e

dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica

essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo

sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo

θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo

intelectual120

118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81

31

Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que

Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito

com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo

denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas

entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo

eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em

movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121

Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar

proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As

proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute

deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles

pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias

agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que

estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que

parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas

como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo

Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser

extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa

vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades

reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica

sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser

tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees

Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo

conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos

relativos eacute o mesmordquo124

121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca

a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute

indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute

possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis

quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo

eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o

universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35

32

Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)

e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos

partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as

categorias

Predicaacuteveis

Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou

um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com

o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os

predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da

reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125

Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais

Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como

explicados a seguir

Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν

εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa

Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua

diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um

animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem

definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica

Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas

natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo

conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128

O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente

uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira

conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute

homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem

Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender

125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New

York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20

33

gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem

pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129

O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias

coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem

boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do

objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de

essecircncia (τὸ τί ἐστι)132

Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa

sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem

proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor

modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133

Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao

gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles

poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser

destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o

atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um

proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim

quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente

Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido

Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles

Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes

firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo

para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e

organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem

foco em um dos predicaacuteveis

O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas

e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute

129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39

34

possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam

na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de

ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma

proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo

pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se

predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo

abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem

que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do

gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito

Categorias

Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de

predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma

das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute

divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de

coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre

esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as

seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo

posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138

135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo

Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos

de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais

probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem

disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a

foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma

coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-

10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias

ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)

ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou

ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs

categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas

pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma

classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia

expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que

ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a

tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto

Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas

categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)

de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois

35

Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das

Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que

eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139

Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois

termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos

Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua

essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere

tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso

trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no

livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo

entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer

em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por

exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia

ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo

e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de

substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de

categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes

em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo

vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica

bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o

que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142

evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma

substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I

9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou

ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor

branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia

(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma

grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute

descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros

casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o

seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada

de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras

espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006

apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq

36

A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as

definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem

como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as

diferenccedilas se expressam em categorias

Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a

qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a

qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem

ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo

basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por

alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas

acima143

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados

dos termos

Espeacutecies de argumentos

Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio

(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas

estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute

considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos

sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez

eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144

Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo

eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto

ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das

duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no

iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse

mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por

premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se

relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio

143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se

que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que

de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69

37

natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos

inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita

coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo

clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da

linguagem vulgarrdquo147

Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos

homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos

leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio

A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de

argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo

de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves

Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo

caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos

de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais

utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios

universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os

princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica

linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso

segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151

Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento

de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se

emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as

semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar

proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas

147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b

18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo

fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes

manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos

apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)

Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30

38

e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser

inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila

Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees

sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro

lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos

em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou

geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa

soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo

mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo

ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute

o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O

segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute

capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do

acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A

identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma

espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a

identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem

e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o

estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos

predicaacuteveis

Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser

estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila

difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do

conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da

153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma

proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso

como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser

recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a

sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo

em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13

105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35

39

mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que

pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157

O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa

particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela

observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil

para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O

argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do

estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais

semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das

semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos

semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees

o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada

caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a

essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto

em uma definiccedilatildeo158

Significado dos termos

Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece

reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele

apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um

termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos

algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios

significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como

exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de

ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo

Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra

ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios

tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o

que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor

A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da

157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37

40

sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso

ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como

por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas

natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160

Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter

sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido

conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das

palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado

o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado

ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe

de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a

uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade

apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias

definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161

Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos

significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se

argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado

dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo

perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita

em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao

se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens

Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto

no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que

afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a

coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso

raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas

aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos

sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que

interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao

160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que

corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos

exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de

fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one

or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated

by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a

competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx

41

passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados

e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua

asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus

argumentos a esse ponto163

O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das

palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com

falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos

nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem

possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados

apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos

sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um

tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que

se vecirc no seguinte trecho

Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham

diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles

que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo

logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo

familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de

falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando

ouvem outros raciocinar165

Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo

encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos

apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os

raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente

ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos

Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se

segue166

163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios

porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar

por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus

argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso

adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre

possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos

Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se

por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de

discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES

Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35

42

II Os toacutepicos

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)

Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido

por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho

essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em

dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer

uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles

designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor

uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale

que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles

sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor

atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo

procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que

Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em

competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas

consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a

etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir

O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito

provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista

de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas

localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente

recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees

dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em

Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169

167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations

Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these

he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what

a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith

1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of

Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a

great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street

one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items

Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad

43

Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo

que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no

mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante

entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie

Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta

os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de

apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o

dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o

argumento para a conclusatildeo desejada171

Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute

associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles

sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber

vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem

selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173

ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se

apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque

de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por

meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma

premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a

atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos

Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das

proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo

dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza

Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems

to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly

makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined

premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On

Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA

Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002

Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a

variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in

stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo

then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo

SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151

44

para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos

olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177

J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo

do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o

termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser

usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou

uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo

como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte

Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica

e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um

argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o

nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos

poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179

Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega

τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente

ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes

entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que

podem ser gerais ou especiacuteficos

Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo

Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas

argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees

argumentativosrdquo182

Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou

premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o

177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo

aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de

direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico

do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees

de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram

em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera

toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo

diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas

(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa

45

seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como

acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse

tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos

quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185

Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos

natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz

que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da

aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como

premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι

especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()

regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso

em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186

A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a

funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος

aristoteacutelico o seguinte

Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este

pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se

o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser

impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave

mesma coisa187

Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι

aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema

toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados

em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente

conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais

frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos

e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no

grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem

nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e

conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera

referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do

mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc

as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada

do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese

pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep

163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33

46

argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao

sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou

regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos

muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os

esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos

toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188

Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro

deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser

uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que

queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou

refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para

apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de

uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que

selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso

dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo

deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se

por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos

selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado

para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o

esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo

o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar

a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa

capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da

espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate

dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo

pretendida189

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica

Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios

dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os

livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo

188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid

47

eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados

nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos

mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees

que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos

De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se

as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A

Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten

que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191

1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S

2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S

3) S eacute P = P eacute gecircnero de S

4) S eacute P = P eacute acidente de S

Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III

dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute

bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo

ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser

usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios

particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo

dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de

modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer

ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas

em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que

afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um

erro193

190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos

menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162

Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30

48

Toacutepicos sobre o acidente

O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se

haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente

pertence ao sujeito de outra maneira

Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que

pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais

comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo

se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma

cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194

Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente

que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo

ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo

correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo

O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se

afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico

serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o

predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que

o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente

encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a

proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente

se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa

posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam

uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um

procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado

Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar

os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o

ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195

O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do

acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute

alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo

dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de

194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30

49

ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o

invejoso natildeo eacute bom196

Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou

destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos

quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser

usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute

objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro

significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos

termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que

comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos

Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu

que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento

pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos

Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de

significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente

o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi

discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel

tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por

terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos

que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos

demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma

afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo

corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os

sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade

de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que

seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente

porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence

ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo

se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido

a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio

teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel

num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa

pretensatildeo seja razoaacutevel198

Toacutepicos sobre o preferiacutevel

O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a

um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o

mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas

ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre

196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28

50

o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute

necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que

identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas

Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo

segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo

Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel

agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais

probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo

homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo

qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em

determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos

eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo

mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou

carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a

maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas

as coisas tendem para o bem199

Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas

acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de

modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por

exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais

desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que

pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa

melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio

de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente

a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o

vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel

que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio

Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio

Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das

investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem

partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201

199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15

51

O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero

atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem

agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute

indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o

gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar

se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)

Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma

nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro

toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada

pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma

espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203

Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o

oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre

manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo

propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de

ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute

formoso204

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo

Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para

verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve

linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre

a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de

identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir

na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo

de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o

erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero

Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas

diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar

ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar

202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15

52

o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute

correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer

O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um

objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave

definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206

Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre

a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave

obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro

o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale

para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute

ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se

o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade

em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem

para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e

friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo

que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se

refere207

Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter

apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos

construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa

discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre

a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e

como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo

consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta

que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo

desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para

a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo

e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que

Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado

um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos

205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20

53

De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza

os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a

partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando

que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam

meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos

adequadamente enumeradosrdquo210

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto

capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia

(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas

coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a

combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas

seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma

sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que

dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212

Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados

no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como

sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou

deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser

obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de

sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema

definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo

nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para

aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo

para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que

escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que

210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have

now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior

Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London

Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159

54

parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem

chama de toacutepicos214

Toacutepicos na Retoacuterica

A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη

ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum

e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O

que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir

em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de

demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo

que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma

espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em

geral partem de ἔνδοξα221

Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo

no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa

para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou

213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o

tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel

portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)

de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-

33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173

Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois

que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo

vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg

Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos

produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais

haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela

induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos

nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas

satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo

Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior

parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que

cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que

geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem

ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o

particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237

55

comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns

ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser

aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica

Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos

ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial

e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica

Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o

exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula

argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se

uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que

seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os

homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o

menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos

inclusive atualmente

Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem

eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses

nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees

eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225

Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade

dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um

exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre

a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A

primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio

de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se

vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis

escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando

natildeo houver puniccedilatildeo226

Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees

que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a

223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20

56

praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir

acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute

conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos

para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227

Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na

argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde

com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como

ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As

maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima

ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado

saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a

causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil

do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar

determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da

mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de

encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa

que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel

do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso

pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231

227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15

57

III O debate dialeacutetico

Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente

uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas

ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia

um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo

Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do

respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder

Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua

proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente

concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse

ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233

Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de

praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a

dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas

codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa

praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos

Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir

para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa

conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de

Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo

diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer

tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a

funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a

dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao

tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese

por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E

acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se

232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm

158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press

1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7

58

refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que

recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII

o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas

dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da

competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o

antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo

pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o

respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua

defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular

algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso

se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que

Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo

e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e

apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo

correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o

comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo

de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio

Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo

geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico

se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do

raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por

meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de

demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute

possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e

examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de

estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois

sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem

utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador

236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40

59

individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas

em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da

afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242

1 Estrateacutegias do questionador

O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de

propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente

e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave

construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro

tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute

concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o

argumento mais evidente244

Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se

possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas

alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute

confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo

(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes

uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a

concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que

eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu

as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247

Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter

distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel

possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos

chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por

Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com

atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos

posteriormente

242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30

60

As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se

na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente

e tambeacutem em sugestotildees de psicologia

As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma

expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por

exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute

podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a

oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica

nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que

se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o

mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois

disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando

uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo

forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo

expliacutecito250

Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas

para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para

dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o

argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se

pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o

desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se

despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter

inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que

realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees

dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de

defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute

uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem

natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a

outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias

tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma

249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5

61

conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos

nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251

Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando

possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os

termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a

concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a

concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem

uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem

irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso

desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos

baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra

estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes

desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255

Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate

oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de

imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada

eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma

objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a

premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais

facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os

pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas

que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em

primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou

impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256

251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo

coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II

9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39

62

Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para

proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem

que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257

Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme

jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com

os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a

questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas

usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas

satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que

abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o

adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule

uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em

questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida

Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir

tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se

natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute

vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo

contra elardquo258

Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente

o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse

fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade

seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel

Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio

sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque

muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a

nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees

que foram feitas259

257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15

63

Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas

hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do

ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel

ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-

se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas

intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261

As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do

questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom

questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se

seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom

respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas

apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo

a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262

2 Estrateacutegias do respondedor

O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou

respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou

geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila

no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas

O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese

assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a

conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais

familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar

Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do

mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263

O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter

geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia

para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para

evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante

260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner

should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses

that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20

64

e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa

natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande

maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees

muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o

ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o

respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo

se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente

deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e

natildeo da sua incompetecircncia pessoal264

O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de

clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e

simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes

significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro

sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente

natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio

do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra

alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve

o verbo ldquopertencerrdquo

Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos

ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem

o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o

homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois

dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um

animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos

espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa

proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266

O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador

tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve

evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo

absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por

dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do

264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180

65

que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que

a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267

3 Diferentes objetivos no debate

Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode

ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute

regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute

influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo

influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem

tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo

(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a

respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme

falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em

que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras

e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas

de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em

mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma

proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para

toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos

O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos

conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando

Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e

natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro

mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende

que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute

possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade

Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que

deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por

meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios

267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the

conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139

66

a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos

posteriormente 270

Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o

paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que

satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma

intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com

necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de

ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige

compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles

distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as

proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico

nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271

Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que

essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio

investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute

apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos

Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica

dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma

que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos

proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida

para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar

construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores

o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas

tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os

aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo

conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou

procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas

para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos

270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do

exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para

estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro

como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro

foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII

11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363

67

extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel

identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo

sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele

estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um

dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise

cuidadosa

Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada

que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento

em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos

independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando

ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o

argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de

premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o

argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora

verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e

falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem

apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute

contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a

verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer

afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles

e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos

272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de

estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado

conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos

o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o

dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez

que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas

pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo

do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais

facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito

de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo

sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a

ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)

terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a

partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos

diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o

68

Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode

ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou

natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia

Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc

quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem

na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e

que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio

dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque

parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as

circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita

a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo

No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio

dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles

inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si

mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos

proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos

debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles

comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280

Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma

que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o

respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer

corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo

desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser

uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o

mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o

conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como

predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a

conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente

rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais

coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p

143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10

69

argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda

tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando

um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um

ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento

eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos

O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento

comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave

argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo

comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com

efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que

haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria

como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que

faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a

admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro

pergunta283

Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma

disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as

estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo

muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute

pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma

premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a

proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos

casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter

Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda

seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285

Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do

questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute

fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um

grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um

raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas

281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10

70

perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade

chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286

A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme

mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da

argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de

xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas

estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles

caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o

com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288

Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do

debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a

cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles

reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e

moral

Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo

com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por

forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua

diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar

todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas

isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr

levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute

resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289

A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute

presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro

da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria

aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar

essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela

291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre

ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos

Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos

anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que

286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367

71

usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de

descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema

proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser

utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom

suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e

como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos

relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima

linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema

especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc

Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre

qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais

geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte

da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela

devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas

o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com

uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do

nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir

uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de

assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender

nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas

quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo

que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las

confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que

precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos

materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as

fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos

Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo

e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar

contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os

problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta

investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do

assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar

acima292

292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196

72

IV Viacutecios de raciociacutenio

As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos

debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz

respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles

Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um

sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo

como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste

capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto

pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a

certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a

seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na

argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral

Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos

exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal

silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser

definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos

Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e

Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo

a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos

antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da

Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras

silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o

escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro

de Aristoacuteteles sobre loacutegica

Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que

em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco

293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45

73

possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes

As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia

inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo

reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas

quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em

X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia

se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296

As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no

uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio

ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos

silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos

Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo

justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de

viacutecios de raciociacutenio

Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII

dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que

a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do

sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio

dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que

parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de

falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com

exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente

beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de

coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o

satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute

Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν

ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que

aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como

296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso

quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo

tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse

que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento

de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute

igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25

74

tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao

sujeito (assunto) em pauta298

Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso

silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou

um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter

muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O

exemplo apresentado eacute

Quem estaacute sentado escreve

Soacutecrates estaacute sentado

Soacutecrates estaacute escrevendo

A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles

sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave

conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre

o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo

ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve

ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve

e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo

seria possiacutevel300

Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em

si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a

conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as

premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem

adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute

irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de

premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como

perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre

quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves

vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas

que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo

298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39

75

menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas

satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto

Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema

proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte

de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo

leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que

conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por

meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio

(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que

demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por

um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302

Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No

primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o

caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No

segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o

caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma

conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute

eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao

assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina

ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou

falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada

por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes

verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo

verdadeira seja inferida de premissas falsas 304

Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer

em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que

conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute

postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se

301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma

demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a

conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16

76

expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e

expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar

para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento

dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um

soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de

modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar

que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas

da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia

da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se

incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de

afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular

que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute

incomensuraacutevel com o lado306

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos

Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em

contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um

raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser

geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso

ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma

competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois

o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o

sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e

enriquecer307

A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata

de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da

adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa

inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um

paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de

um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de

um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do

Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o

306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35

77

argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento

apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto

dialeacutetico308

Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de

preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o

solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a

aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309

As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que

independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento

em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para

as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia

(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e

a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje

de falaacutecias de ambiguidade311

Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute

bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que

pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo

por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo

quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um

exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo

As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis

porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das

palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que

estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e

Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do

mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais

adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras

308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou

1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10

78

o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas

possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem

tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute

sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute

teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo

ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de

palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado

com aquilo com que foi espancadordquo315

Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas

discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois

exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No

entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e

facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase

na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia

Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel

As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da

mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que

abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar

fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar

vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318

As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as

relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo

em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou

relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas

ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias

questotildees em uma soacute319

314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30

79

As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma

que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como

uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos

pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo

ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute

ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de

Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem

pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320

Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem

ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido

absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por

exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo

eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente

como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca

aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321

As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido

definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado

de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente

delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do

desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso

elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo

que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322

A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a

conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor

que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O

Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a

percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos

Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar

molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323

320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10

80

Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo

modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram

apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324

A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para

fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse

tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa

que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave

impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos

Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a

mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a

ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que

ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute

o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de

ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de

perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e

ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da

impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a

ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de

ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo

satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa

causa da impossibilidade desse argumento325

A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada

de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa

despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra

que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela

aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso

acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que

324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161

81

aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo

ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327

Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a

segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo

(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem

os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e

a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves

opiniotildees aceitas329

A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma

expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade

aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra

masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um

lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331

Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa

repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos

relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo

e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele

seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente

ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade

da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo

de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta

pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado

ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334

As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em

torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico

estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme

327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8

82

a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende

uma sabedoria aparente

Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que

possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele

proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo

tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos

capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para

dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio

apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute

indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos

Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma

faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e

esse eacute o fim que eles tecircm em vista336

336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156

83

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica

Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de

estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo

do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso

reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da

ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos

especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base

soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337

Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de

proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo

apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a

partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos

condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra

oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e

exemplificativos

A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo

proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta

dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do

conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das

opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios

(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem

a nenhum campo de saber especiacutefico

Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico

Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas

parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que

337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57

84

queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram

como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico

() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como

um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma

como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico

natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338

De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito

dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas

parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um

raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz

mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute

enganoso e desleal339

Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece

nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas

pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave

dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como

questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico

do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais

os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser

aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem

alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses

princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio

da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral

O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica

de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de

conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado

fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do

conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos

nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual

tentaremos resolver a partir de agora

338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte

desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo

portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor

ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op

cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso

capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos

85

A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de

Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o

que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero

de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute

proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o

fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos

destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta

ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a

felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As

opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no

discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo

retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as

confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara

distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho

Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que

a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou

natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou

injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao

juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes

Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo

com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos

juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens

que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar

muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa

experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo

imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se

retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344

Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas

teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os

testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que

temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos

que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma

categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado

341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

86

uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345

No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica

equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou

argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca

de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de

certo modo

Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o

Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo

podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito

do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral

como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o

Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou

ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e

assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns

a todas as artes347

Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da

classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou

o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as

praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de

produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348

345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo

da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei

jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas

se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para

o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar

o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir

e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos

Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos

juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo

do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica

que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias

juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau

de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros

podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do

retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela

jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que

logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ

Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20

87

Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas

mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia

do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa

Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as

normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso

pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas

sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica

isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se

se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade

que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum

Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos

alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de

fatos

Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas

certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um

corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do

tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem

com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois

de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais

estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral

segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa

sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os

349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da

Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria

sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por

seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade

formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de

transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova

era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada

aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo

inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o

aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees

que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo

permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL

Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio

27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt

Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

88

sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como

premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato

concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351

Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um

raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em

vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352

Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute

de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu

domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o

status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη

temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim

concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de

dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre

Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa

sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no

discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A

falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser

levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado

indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353

Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do

Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes

nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos

ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria

adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido

amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com

menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a

351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo

em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo

na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela

expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9

170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito

bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um

τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140

89

jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos

tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes

sobre os casos judiciais

Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a

presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos

legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes

longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave

ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se

transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos

que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees

da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na

doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da

sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem

eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem

discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em

discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica

no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes

de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos

particulares

Casos particulares

Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas

foi revogada e a outra alterada

A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada

pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo

Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou

fraude para fim libidinoso

Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355

A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude

Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha

a seguinte redaccedilatildeo

355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt

httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017

90

Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude

Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356

Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio

geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla

poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo

Federal como uma garantia fundamental neste inciso

XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem

preacutevia cominaccedilatildeo legal357

Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com

base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria

O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio

da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei

deve ser clara e precisa358

Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos

costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo

chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da

expressatildeo ldquomulher honestardquo

O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas

nas normas e interpretadas pelos costumes

As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam

conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra

subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras

Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome

de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre

que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz

quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do

costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a

validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu

conteuacutedo359

Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar

seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se

356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo

Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em

lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71

91

expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma

constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos

da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o

que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de

forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem

consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar

algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo

Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees

geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher

honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos

ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio

Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de

jurisprudecircncia que mostraremos agora

Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro

Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal

Federal em 06 de agosto de 2002

Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute

da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do

crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a

mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores

elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou

o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher

seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual

por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das

viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode

ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes

consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de

Jesus360

Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do

Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees

geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo

Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por

ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo

Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram

360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson

Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em

24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

92

diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave

liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios

constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo

para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361

Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente

aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de

Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para

ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que

reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos

A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou

constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios

subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo

A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da

igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios

admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade

suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda

a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos

As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no

serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a

efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito

fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia

Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si

mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual

respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos

indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a

neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem

como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a

igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a

igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de

privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que

corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-

estar social e a igualdade como reconhecimento significando o

361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p

148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito

Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt

httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

93

respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam

raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364

Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que

podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um

direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees

geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as

injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente

aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem

parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave

proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave

igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365

Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas

raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou

natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o

acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente

podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias

estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-

se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de

verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que

orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo

pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva

A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do

Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a

ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele

menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns

paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por

Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida

em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre

364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14

94

o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute

hoje Assim redigiu o Ministro

Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna

relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e

preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que

atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm

129902014) destacando-se em tal contexto como elementos

fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade

humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave

igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e

efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela

alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da

felicidade368

Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da

leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo

dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo

ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima

e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo

fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em

determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas

tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito

Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo

valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata

dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra

e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso

agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a

honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370

368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF

Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto

a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou

secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera

apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a

necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria

desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode

ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo

LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois

devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito

Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o

inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar

95

Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel

entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que

ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal

restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel

agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos

do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o

que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes

ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em

siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho

Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio

da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos

no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os

problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas

juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a

populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das

cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais

Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da

igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem

tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares

Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de

evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute

um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um

fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera

criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de

indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo

239 do Coacutedigo de Processo Penal

os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma

reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo

do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e

presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160

96

Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada

que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a

existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373

A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou

verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de

raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos

Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de

um exemplo

A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime

que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime

pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes

Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-

se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute

a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor

do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso

particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim

a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo

Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a

apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa

e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios

comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo

da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos

indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam

com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees

geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas

373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao

abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a

uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E

outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo

eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com

todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20

97

provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376

Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos

julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis

justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo

a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)

que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave

plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada

A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um

contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja

porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras

palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute

possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em

debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas

oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o

ocircnus da prova dos fatos alegados

Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente

aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e

elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio

dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico

Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute

entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por

possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de

percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal

Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da

contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos

a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir

que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se

apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 138 e 167

98

conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos

alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica

Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou

seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente

aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a

partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o

conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos

satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as

premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o

primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como

acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador

pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos

τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as

relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees

Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os

entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois

servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι

dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer

de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um

exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o

conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento

retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam

o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental

Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os

entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que

representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme

expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por

si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico

tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e

interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de

argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o

estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que

99

o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam

e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar

instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais

e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto

Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em

funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito

significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute

possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou

acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre

elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios

gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria

dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do

mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na

esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo

pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o

objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas

no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees

diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar

os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou

desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa

dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas

algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral

consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e

histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo

juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de

argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito

e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou

se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos

Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de

linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no

378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18

100

sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do

termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do

que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de

raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo

de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza

precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem

de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico

literaacuterio ou comum

3 Linguagem loacutegica e eacutetica

Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem

Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio

apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O

jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo

juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre

os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei

natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas

pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute

a imprecisatildeo da linguagem do Direito386

Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para

Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na

existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos

decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os

sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para

evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo

382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que

as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que

significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit

p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro

101

Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre

identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que

envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos

utilizados durante a discussatildeo389

A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a

linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem

comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que

Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as

ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia

antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O

que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e

esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e

coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos

Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo

conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que

buscar uma linguagem perfeita

Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo

enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito

principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias

Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo

histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme

temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito

De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos

Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por

seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e

linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de

389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge

como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e

cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas

redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica

ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica

juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas

sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo

extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo

102

debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio

de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual

que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um

contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado

Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem

os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e

como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que

estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte

para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais

seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes

Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo

muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como

sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o

debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista

que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees

como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram

descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como

empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe

um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo

Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391

mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim

como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda

argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute

uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e

disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que

torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo

homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de

adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito

essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos

Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio

qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio

391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15

103

servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo

Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo

dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados

testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por

parte dos debatedores

4 Taacuteticas de debate

As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos

nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais

no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as

sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o

interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento

Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo

A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia

T Sim mas o que exatamente

A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de

madrugada no dia X

T Sim eacute verdade

A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos

T Sim

A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu

T Natildeo sei acho que por volta de uma hora

A Antes ou depois de uma hora

T Natildeo sei

A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta

de meia noite

T Sim

A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo

T Natildeo sei

A A senhora ouviu ele chegar

T Natildeo

A A senhora estava dormindo

104

T Sim

A A senhora tem insocircnia

T Sim

A A senhora toma remeacutedios para dormir

T Agraves vezes sim

A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir

T Natildeo lembro

A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo

T Estava dormindo e acordei com os barulhos

A A senhora tem pesadelos agraves vezes

T Agraves vezes sim

A Obrigado

O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato

que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de

que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a

conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a

alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que

ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato

ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a

afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As

premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O

advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo

do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave

conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que

dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a

chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade

de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava

dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo

A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o

auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o

testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-

se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo

105

dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo

mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado

remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para

dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel

que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez

servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos

pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos

natildeo eacute fidedigno

O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum

na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas

premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu

os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que

levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos

O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para

um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por

induccedilatildeo

Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de

debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre

os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos

de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor

isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na

condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha

promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia

entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante

discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre

por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor

a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a

dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual

oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na

discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz

106

CONCLUSAtildeO

Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as

quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que

a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois

suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de

premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos

do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de

forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo

especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo

ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que

essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito

o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de

Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do

Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o

treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a

finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a

investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto

acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais

aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e

outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para

os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva

para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma

393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30

107

ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados

nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo

A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa

dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra

usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se

formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido

feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e

aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas

loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de

Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos

que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas

anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na

praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos

a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute

fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica

natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer

uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos

suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica

aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica

juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes

de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica

os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos

para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das

ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser

enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que

ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em

geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje

Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum

tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do

seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa

filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso

estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na

108

obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da

correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos

como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma

compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como

um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo

da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta

dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar

as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos

da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica

que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e

se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-

contradiccedilatildeo

No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam

concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de

linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas

em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as

habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional

de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem

exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso

seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico

Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e

o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente

aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico

dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese

satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos

dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito

mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel

enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade

maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um

meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma

397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246

109

aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao

dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo

pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos

cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos

Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo

dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios

Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou

modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo

de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da

dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um

discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas

trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral

dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos

retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees

diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele

retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham

a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte

satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da

linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer

aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos

Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da

sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica

Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles

menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente

tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias

entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue

de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma

habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas

398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida

quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2

157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees

possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou

faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16

110

comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica

para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas

De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve

como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso

como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do

assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo

requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das

questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos

Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e

psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de

vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees

reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento

para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo

apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo

essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um

pouco estranha a de que nem tudo se discute

Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo

juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples

meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas

Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos

argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e

linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O

principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre

acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas

respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente

dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos

que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito

uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas

111

REFEREcircNCIAS

Obras antigas

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto

Codex Porto Editora 1995

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ARISTOacuteTELES I Topici Traduzione introduzione e commento di A Zadro Naacutepoles Loffredo

Ed1974

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Traduccedilatildeo de Edson Bini 2 ed Satildeo Paulo Edipro 2012

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Ediccedilatildeo triliacutengue de Valentiacuten Garciacutea Yebra Madri Editorial Gredos

1982

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F

Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de

Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005

ARISTOacuteTELES Obras Completas Toacutepicos Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e

Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da

Moeda 2007

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb

Classical Library nordm 391 London Heinemann 1960

112

ARISTOacuteTELES Toacutepicos Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W A Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores

4)

[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra

Satildeo Paulo Hedra 2005

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

Obras de autores secundaacuterios

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 2012

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ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo

Landy 2001

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Cristina Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006

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WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5

p19-24 jul 2003

ii

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo ao Prof Dr Guy Hamelin por ter aceitado me orientar nesse tema da

minha dissertaccedilatildeo e pela paciecircncia e gentileza em suas correccedilotildees

Agradeccedilo aos professores da minha banca de qualificaccedilatildeo Prof Dr Marcos

Aureacutelio Fernandes Prof Dr Nelson Gonccedilalves Gomes pelas ricas contribuiccedilotildees

Agradeccedilo ao Fernando Martins Mendonccedila da Universidade Federal de

Uberlacircndia pelas atenciosas e gentis respostas agraves minhas duacutevidas encaminhadas por e-

mail

Agradeccedilo aos colegas e professores do Grupo de Pesquisa em Filosofia Antiga e

Medieval por seu constante apoio e auxiacutelio especialmente aos colegas Neimar de

Almeida e Luiza Simotildees Pacheco

Agradeccedilo agraves amigas Alessandra Schneider e Marcia Mazo Santos por seu auxiacutelio

especialmente na obtenccedilatildeo de material de pesquisa

Agradeccedilo tambeacutem aos funcionaacuterios da Secretaria da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia

e aos professores da Coordenaccedilatildeo pelo bom atendimento durante o curso

iii

RESUMO

A toacutepica juriacutedica proposta metodoloacutegica criada pelo alematildeo Theodor Viehweg

na deacutecada de 1950 manteacutem sua influecircncia ateacute hoje entre juristas brasileiros Viehweg

declara ter embasado a sua obra Toacutepica e Jurisprudecircncia nas toacutepicas de Aristoacuteteles e

Ciacutecero Segundo grande parte dos criacuteticos desse jurista as noccedilotildees sobre toacutepica

apresentadas em sua obra satildeo confusas e imprecisas Reconhecendo o valor da

redescoberta da dialeacutetica e da retoacuterica na esfera juriacutedica nosso objetivo eacute apresentar um

esboccedilo da obra Toacutepicos de Aristoacuteteles com uma noccedilatildeo clara sobre o meacutetodo dialeacutetico que

o Estagirita apresenta nesse tratado Esse esboccedilo eacute teoacuterico e compreende noccedilotildees

introdutoacuterias agrave dialeacutetica e seus instrumentos uma discussatildeo sobre o que satildeo toacutepicos uma

ideia geral sobre o debate dialeacutetico e sobre os viacutecios de raciociacutenio A partir dessa

descriccedilatildeo fazemos algumas anaacutelises em nosso uacuteltimo capiacutetulo sobre o que poderia ser

aplicado da metodologia dos Toacutepicos ao Direito A metodologia empregada nesta

dissertaccedilatildeo consiste na maior parte em inventariar e apresentar os conteuacutedos dos Toacutepicos

conforme expostos nesse tratado explicando-os agrave luz dos conteuacutedos de outras partes da

mesma obra e de outras obras de Aristoacuteteles aleacutem de comentaacuterios de especialistas A

anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico ao Direito parte da siacutentese do esboccedilo teoacuterico

apresentado e sua comparaccedilatildeo com noccedilotildees baacutesicas sobre Direito e exemplos juriacutedicos

particulares

Palavras-chave Aristoacuteteles dialeacutetica retoacuterica Direito

iv

ABSTRACT

The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor

Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists

Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and

Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his

work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of

dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo

Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise

This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a

discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices

of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what

could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present

thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth

in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the

work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists

The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the

presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific

legal examples

Key words Aristotle dialectic rhetoric Law

v

SUMAacuteRIO

AGRADECIMENTOSii

RESUMOiii

SUMAacuteRIOv

ABREVIATURASvii

INTRODUCcedilAtildeO1

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12

1 Consideraccedilotildees iniciais12

Noccedilotildees preliminares 12

Objetivo dos Toacutepicos15

Raciociacutenio dialeacutetico 20

2 A utilidade dos Toacutepicos23

3 Os instrumentos da dialeacutetica28

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28

Predicaacuteveis32

Categorias 34

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos

termos36

Espeacutecies de argumentos36

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38

Significados dos termos39

II Os toacutepicos 42

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46

vi

Toacutepicos sobre o acidente48

Toacutepicos sobre o preferiacutevel49

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53

Toacutepicos na Retoacuterica54

III O debate dialeacutetico57

1 Estrateacutegias do questionador59

2 Estrateacutegias do respondedor63

3 Diferentes objetivos no debate65

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68

IV Viacutecios de raciociacutenio72

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83

Casos particulares89

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97

3 Linguagem loacutegica e eacutetica100

4 Taacuteticas de debate103

CONCLUSAtildeO106

REFEREcircNCIAS111

vii

LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Aristoacuteteles

Toacutep Toacutepicos

Cat Categorias

Met Metafiacutesica

Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco

Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos

An Pr Analiacuteticos Primeiros

An Post Analiacuteticos Segundos

Ret Retoacuterica

Fiacutes Fiacutesica

Da Int Da Interpretaccedilatildeo

1

INTRODUCcedilAtildeO

O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o

estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado

pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo

entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da

evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as

demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase

como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado

Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao

contingente3

Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em

vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de

prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi

desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo

Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o

Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo

as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4

Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais

de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva

alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5

Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma

ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou

para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da

1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo

G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000

p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26

2

matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo

cientificamente irrespondiacutevel6

Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na

primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor

Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia

(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se

alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na

Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de

resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por

problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o

autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9

A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)

surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na

Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos

de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que

mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de

habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias

publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as

pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se

durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas

da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar

dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica

e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de

Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande

6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina

Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia

Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e

Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995

p 343

3

codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela

dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar

as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a

princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos

XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica

escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas

juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e

fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos

particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14

A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da

dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da

repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros

devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de

Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo

extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do

respeitado jurista alematildeo Karl Larenz

Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue

depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico

juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer

ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises

juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de

empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores

que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma

representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo

das opiniotildees expendidas17

13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171

Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz

Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)

as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente

um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para

julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar

por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar

topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida

em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo

abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver

constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse

puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar

proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago

que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute

4

Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico

pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns

argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam

de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios

conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica

standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19

Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como

disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se

pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas

compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel

natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel

O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico

poreacutem um toacutepico muito importante21

No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul

Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22

Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da

argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950

poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de

Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de

Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de

Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo

distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a

uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a

jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a

pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas

verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e

introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy

2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia

ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte

de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de

procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo

ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras

palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor

do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo

introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189

5

categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de

trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)

Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente

ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu

um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen

(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em

1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu

a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente

aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio

Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados

desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em

artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo

dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais

recentemente R Bolton e R Smith24

Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles

funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo

desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto

apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma

situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer

clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25

A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como

funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial

entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos

e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e

dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees

proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os

23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski

para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica

formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de

PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em

httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and

Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004

Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese

do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3

6

problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos

termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de

acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria

sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa

opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as

regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio

fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou

se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27

A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas

teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral

eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente

mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos

Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que

apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas

garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria

Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no

Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido

desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas

Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda

as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas

analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia

opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso

Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus

textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo

atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que

as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir

e apresentar argumentos soacutelidos28

No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a

dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos

26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997

p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo

Argumentation v 19 n 4 2005

7

primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o

meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por

sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins

Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades

mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer

habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32

As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de

Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter

argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao

positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como

pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de

invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua

toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus

proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica

de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da

Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo

Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre

partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de

vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz

pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade

respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade

isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar

na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria

regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial

tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo

29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29

2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24

jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na

codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar

por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116

8

incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo

exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos

estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos

Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por

necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em

consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir

para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero

considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg

natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no

decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica

claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A

toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor

Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento

desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas

apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo

da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso

interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves

metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar

o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza

segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40

Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise

sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera

juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do

Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que

Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para

a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica

juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de

37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em

httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica

ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel

em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set

2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57

9

uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso

objetivo de longo prazo

De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz

nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila

quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica

Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para

formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador

da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e

outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate

regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um

elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio

entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras

tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da

leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos

Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o

objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente

aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias

filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42

Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso

propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel

possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que

chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para

apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor

Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em

conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que

empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo

aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias

de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem

descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e

interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da

proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude

mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender

antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido

premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem

41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5

10

preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-

nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores

acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica

na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de

suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos

tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo

tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito

sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que

liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43

Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como

base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o

conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias

pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos

que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a

questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como

pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de

difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico

especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e

Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar

por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que

pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a

melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente

e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se

apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute

imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de

Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica

Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem

disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura

do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso

esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo

definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a

VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito

Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice

dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho

seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo

43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30

11

apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos

objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos

propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos

de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo

apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos

para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os

diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das

quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como

Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos

Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares

agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence

ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente

aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas

Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e

diaacutelogos

12

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos

1 Consideraccedilotildees iniciais

Noccedilotildees preliminares

O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles

sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido

moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de

Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados

sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44

O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de

modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos

Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)

5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos

O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir

uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo

divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos

Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral

eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e

Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois

como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa

elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado

tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores

do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o

Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos

44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro

e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos

Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas

palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema

que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo

essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos

Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A

Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196

13

natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo

denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem

subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse

argumento48

Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos

Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e

como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas

merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas

noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto

de estudo

Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)

da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas

a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a

sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a

conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49

Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo

ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade

estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute

Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que

a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo

no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute

contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52

A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que

entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute

48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e

Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo

livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii

1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10

14

mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica

e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins

de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico

(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico

nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento

cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute

destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois

como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa

razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem

nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para

se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar

Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo

para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as

afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra

ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso

de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser

investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal

caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos

Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais

especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade

de saacutebios a depender do contexto

Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O

conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra

forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam

Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e

pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais

natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53

Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de

53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133

15

ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a

Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua

natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada

Trataremos disso em seguida

A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de

contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura

sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e

passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos

Objetivo dos Toacutepicos

O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra

Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas

ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos

tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer

alguma coisa que nos cause embaraccedilos56

Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se

percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57

Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)

com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por

todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos

para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58

54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -

Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que

deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja

de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao

passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic

Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para

comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de

opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na

sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1

100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25

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Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema

proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma

teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de

assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus

princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)

comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos

Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das

ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte

Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos

de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito

algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria

e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios

da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees

tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a

prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a

falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por

diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo

com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos

dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute

aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda

arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se

efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην

ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular

julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual

eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a

refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem

no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60

Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute

ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a

Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees

geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao

conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma

discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos

ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento

59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo

demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos

na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem

poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos

arg Op cit p 171

ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37

Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18

17

associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio

provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos

saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento

que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que

acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo

Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)

e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a

verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que

satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da

mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas

Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos

pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza

do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um

raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir

demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico

Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute

bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom

juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas

as coisas eacute bom juiz em geral62

Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir

a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo

legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo

admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do

contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de

investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos

Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios

sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo

62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a

25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo

em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o

ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes

maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o

segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade

A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo

fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito

citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade

aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados

(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de

todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior

nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees

correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES

Eacutetica a N Op cit p 146

18

geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63

Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado

sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio

portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria

culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos

na introduccedilatildeo deste trabalho

Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a

Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e

ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura

superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas

entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos

Toacutepicos que define ἔνδοξα

Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os

homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade

e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem

divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a

mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata

de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras

embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem

a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com

a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar

todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta

considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais

razoaacuteveis64

Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais

proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees

e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos

segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos

[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que

o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade

como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as

caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem

incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam

a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras

com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a

identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou

sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade

exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos

defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas

mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja

63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20

19

inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos

em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65

Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por

uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees

ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo

entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho

ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o

indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que

parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz

a dialeacuteticardquo66

Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas

de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio

Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um

senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado

o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente

aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo

ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67

Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto

de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como

dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem

ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo

aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees

e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar

Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo

Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma

proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou

para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo

devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo

(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se

65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico

ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10

20

muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que

merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A

esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de

puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de

percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser

castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente

e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se

por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma

investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico

Raciociacutenio dialeacutetico

Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de

raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de

raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz

necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio

(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71

Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς

συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O

raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e

verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras

e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser

descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua

verdade por si mesmos72

Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das

cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que

intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os

70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem

necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6

ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente

pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10

21

primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso

satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode

ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute

demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que

seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos

Analiacuteticos

Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber

(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja

inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o

conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute

necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν

ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas

mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas

satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do

demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode

haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma

demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem

ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a

comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e

indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para

serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de

um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua

demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do

que ela e a ela anteriores 75

A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o

fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros

Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo

74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo

sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo

(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave

intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os

princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico

(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia

(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que

apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de

o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma

ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento

verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do

proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se

comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores

Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um

par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma

pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira

Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-

30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O

desenvolvimento Op cit p 4

22

estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos

observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se

mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser

verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite

alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos

Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na

afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito

tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e

obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa

dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das

duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee

uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute

indicamos nos Toacutepicos78

O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e

uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa

anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo

e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica

assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa

supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79

Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas

com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde

Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a

demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma

prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de

perguntas80

O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio

apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem

ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas

parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente

aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas

que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser

77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-

255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam

friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17

23

claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as

opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa

falsidade deve ser um pouco oacutebvia82

O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade

no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e

mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se

enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas

de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas

apenas parecem secirc-los84

O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo

(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo

O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo

Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que

natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se

fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do

semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma

desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se

classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele

apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado

em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos

complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito

do raciociacutenio eriacutestico

2 A utilidade dos Toacutepicos

Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se

raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na

sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro

lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo

82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5

24

bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla

possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para

a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as

disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O

treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram

praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a

conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em

suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a

identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado

meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases

uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave

luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica

que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de

todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89

Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A

primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos

contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o

raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e

o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na

discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das

87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade

de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais

facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo

agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute

completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante

de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as

questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais

apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as

investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como

contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma

e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher

acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151

25

proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se

a verdade (ἀλήθεια)91

No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios

(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica

mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos

anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os

princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos

Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a

partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta

debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94

Citamos um trecho

Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou

natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele

estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da

realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o

detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma

natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo

verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto

dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar

qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto

natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa

indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas

Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que

professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash

coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem

caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando

em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira

de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de

francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que

natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio

que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95

Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o

qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo

(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do

princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas

91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua

verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119

26

eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o

Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode

ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos

ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo

de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios

pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute

uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela

inteligecircncia97

Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se

aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois

esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro

mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas

Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da

Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99

Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa

obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a

impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao

debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()

declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas

de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme

era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores

tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute

possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como

divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da

dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos

exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles

96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um

jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34

27

nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas

Disputationes104

Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de

disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota

da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a

ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer

aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um

descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o

comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa

complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105

O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um

meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo

se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara

demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os

Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos

considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento

principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma

outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as

ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos

Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas

e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos

sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus

nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees

individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que

abordaremos agora

103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar

tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos

quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a

constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-

se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto

deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15

28

3 Os instrumentos da dialeacutetica

Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o

eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar

dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o

que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees

necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de

argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de

coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim

de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e

os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute

composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado

do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para

a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na

construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute

ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem

natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo

apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de

proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final

se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada

a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo

Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por

todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema

(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a

escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela

107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo

e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na

construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13

29

anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos

que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O

problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113

Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados

como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo

ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em

se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute

evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o

que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem

se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se

estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados

satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115

Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις

ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos

quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que

satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais

de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma

ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das

opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve

fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)

acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em

questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os

pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem

ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra

observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como

113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to

different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem

is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle

tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20

30

no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas

contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam

os debates

ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal

como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou

ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica

deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso

das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta

espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila

distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem

significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie

eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-

nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118

Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)

que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o

conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo

tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada

em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos

homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave

opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios

divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees

em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra

e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por

exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a

diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos

fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que

resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos

das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e

dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica

essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo

sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo

θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo

intelectual120

118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81

31

Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que

Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito

com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo

denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas

entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo

eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em

movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121

Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar

proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As

proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute

deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles

pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias

agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que

estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que

parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas

como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo

Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser

extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa

vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades

reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica

sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser

tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees

Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo

conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos

relativos eacute o mesmordquo124

121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca

a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute

indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute

possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis

quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo

eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o

universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35

32

Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)

e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos

partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as

categorias

Predicaacuteveis

Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou

um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com

o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os

predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da

reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125

Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais

Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como

explicados a seguir

Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν

εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa

Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua

diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um

animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem

definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica

Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas

natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo

conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128

O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente

uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira

conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute

homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem

Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender

125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New

York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20

33

gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem

pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129

O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias

coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem

boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do

objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de

essecircncia (τὸ τί ἐστι)132

Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa

sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem

proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor

modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133

Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao

gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles

poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser

destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o

atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um

proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim

quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente

Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido

Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles

Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes

firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo

para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e

organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem

foco em um dos predicaacuteveis

O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas

e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute

129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39

34

possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam

na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de

ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma

proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo

pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se

predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo

abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem

que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do

gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito

Categorias

Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de

predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma

das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute

divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de

coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre

esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as

seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo

posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138

135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo

Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos

de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais

probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem

disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a

foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma

coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-

10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias

ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)

ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou

ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs

categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas

pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma

classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia

expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que

ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a

tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto

Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas

categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)

de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois

35

Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das

Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que

eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139

Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois

termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos

Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua

essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere

tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso

trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no

livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo

entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer

em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por

exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia

ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo

e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de

substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de

categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes

em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo

vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica

bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o

que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142

evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma

substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I

9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou

ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor

branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia

(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma

grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute

descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros

casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o

seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada

de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras

espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006

apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq

36

A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as

definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem

como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as

diferenccedilas se expressam em categorias

Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a

qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a

qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem

ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo

basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por

alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas

acima143

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados

dos termos

Espeacutecies de argumentos

Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio

(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas

estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute

considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos

sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez

eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144

Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo

eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto

ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das

duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no

iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse

mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por

premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se

relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio

143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se

que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que

de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69

37

natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos

inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita

coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo

clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da

linguagem vulgarrdquo147

Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos

homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos

leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio

A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de

argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo

de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves

Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo

caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos

de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais

utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios

universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os

princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica

linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso

segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151

Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento

de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se

emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as

semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar

proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas

147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b

18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo

fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes

manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos

apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)

Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30

38

e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser

inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila

Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees

sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro

lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos

em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou

geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa

soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo

mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo

ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute

o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O

segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute

capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do

acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A

identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma

espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a

identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem

e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o

estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos

predicaacuteveis

Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser

estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila

difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do

conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da

153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma

proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso

como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser

recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a

sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo

em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13

105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35

39

mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que

pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157

O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa

particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela

observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil

para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O

argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do

estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais

semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das

semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos

semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees

o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada

caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a

essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto

em uma definiccedilatildeo158

Significado dos termos

Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece

reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele

apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um

termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos

algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios

significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como

exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de

ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo

Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra

ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios

tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o

que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor

A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da

157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37

40

sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso

ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como

por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas

natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160

Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter

sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido

conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das

palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado

o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado

ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe

de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a

uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade

apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias

definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161

Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos

significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se

argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado

dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo

perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita

em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao

se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens

Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto

no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que

afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a

coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso

raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas

aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos

sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que

interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao

160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que

corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos

exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de

fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one

or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated

by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a

competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx

41

passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados

e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua

asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus

argumentos a esse ponto163

O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das

palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com

falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos

nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem

possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados

apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos

sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um

tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que

se vecirc no seguinte trecho

Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham

diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles

que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo

logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo

familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de

falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando

ouvem outros raciocinar165

Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo

encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos

apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os

raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente

ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos

Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se

segue166

163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios

porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar

por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus

argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso

adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre

possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos

Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se

por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de

discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES

Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35

42

II Os toacutepicos

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)

Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido

por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho

essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em

dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer

uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles

designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor

uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale

que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles

sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor

atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo

procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que

Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em

competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas

consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a

etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir

O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito

provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista

de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas

localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente

recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees

dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em

Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169

167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations

Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these

he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what

a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith

1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of

Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a

great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street

one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items

Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad

43

Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo

que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no

mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante

entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie

Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta

os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de

apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o

dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o

argumento para a conclusatildeo desejada171

Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute

associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles

sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber

vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem

selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173

ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se

apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque

de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por

meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma

premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a

atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos

Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das

proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo

dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza

Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems

to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly

makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined

premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On

Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA

Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002

Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a

variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in

stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo

then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo

SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151

44

para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos

olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177

J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo

do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o

termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser

usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou

uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo

como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte

Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica

e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um

argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o

nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos

poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179

Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega

τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente

ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes

entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que

podem ser gerais ou especiacuteficos

Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo

Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas

argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees

argumentativosrdquo182

Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou

premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o

177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo

aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de

direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico

do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees

de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram

em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera

toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo

diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas

(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa

45

seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como

acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse

tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos

quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185

Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos

natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz

que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da

aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como

premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι

especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()

regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso

em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186

A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a

funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος

aristoteacutelico o seguinte

Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este

pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se

o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser

impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave

mesma coisa187

Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι

aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema

toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados

em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente

conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais

frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos

e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no

grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem

nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e

conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera

referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do

mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc

as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada

do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese

pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep

163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33

46

argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao

sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou

regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos

muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os

esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos

toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188

Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro

deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser

uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que

queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou

refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para

apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de

uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que

selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso

dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo

deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se

por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos

selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado

para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o

esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo

o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar

a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa

capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da

espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate

dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo

pretendida189

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica

Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios

dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os

livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo

188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid

47

eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados

nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos

mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees

que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos

De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se

as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A

Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten

que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191

1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S

2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S

3) S eacute P = P eacute gecircnero de S

4) S eacute P = P eacute acidente de S

Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III

dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute

bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo

ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser

usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios

particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo

dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de

modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer

ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas

em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que

afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um

erro193

190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos

menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162

Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30

48

Toacutepicos sobre o acidente

O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se

haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente

pertence ao sujeito de outra maneira

Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que

pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais

comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo

se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma

cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194

Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente

que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo

ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo

correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo

O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se

afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico

serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o

predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que

o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente

encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a

proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente

se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa

posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam

uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um

procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado

Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar

os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o

ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195

O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do

acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute

alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo

dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de

194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30

49

ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o

invejoso natildeo eacute bom196

Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou

destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos

quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser

usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute

objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro

significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos

termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que

comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos

Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu

que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento

pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos

Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de

significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente

o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi

discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel

tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por

terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos

que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos

demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma

afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo

corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os

sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade

de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que

seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente

porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence

ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo

se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido

a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio

teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel

num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa

pretensatildeo seja razoaacutevel198

Toacutepicos sobre o preferiacutevel

O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a

um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o

mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas

ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre

196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28

50

o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute

necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que

identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas

Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo

segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo

Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel

agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais

probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo

homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo

qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em

determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos

eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo

mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou

carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a

maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas

as coisas tendem para o bem199

Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas

acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de

modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por

exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais

desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que

pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa

melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio

de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente

a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o

vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel

que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio

Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio

Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das

investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem

partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201

199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15

51

O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero

atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem

agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute

indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o

gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar

se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)

Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma

nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro

toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada

pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma

espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203

Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o

oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre

manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo

propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de

ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute

formoso204

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo

Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para

verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve

linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre

a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de

identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir

na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo

de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o

erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero

Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas

diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar

ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar

202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15

52

o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute

correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer

O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um

objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave

definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206

Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre

a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave

obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro

o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale

para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute

ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se

o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade

em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem

para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e

friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo

que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se

refere207

Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter

apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos

construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa

discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre

a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e

como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo

consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta

que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo

desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para

a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo

e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que

Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado

um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos

205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20

53

De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza

os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a

partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando

que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam

meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos

adequadamente enumeradosrdquo210

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto

capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia

(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas

coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a

combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas

seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma

sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que

dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212

Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados

no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como

sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou

deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser

obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de

sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema

definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo

nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para

aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo

para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que

escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que

210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have

now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior

Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London

Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159

54

parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem

chama de toacutepicos214

Toacutepicos na Retoacuterica

A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη

ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum

e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O

que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir

em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de

demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo

que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma

espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em

geral partem de ἔνδοξα221

Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo

no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa

para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou

213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o

tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel

portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)

de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-

33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173

Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois

que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo

vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg

Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos

produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais

haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela

induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos

nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas

satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo

Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior

parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que

cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que

geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem

ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o

particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237

55

comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns

ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser

aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica

Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos

ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial

e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica

Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o

exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula

argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se

uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que

seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os

homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o

menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos

inclusive atualmente

Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem

eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses

nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees

eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225

Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade

dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um

exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre

a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A

primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio

de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se

vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis

escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando

natildeo houver puniccedilatildeo226

Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees

que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a

223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20

56

praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir

acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute

conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos

para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227

Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na

argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde

com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como

ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As

maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima

ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado

saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a

causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil

do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar

determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da

mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de

encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa

que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel

do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso

pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231

227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15

57

III O debate dialeacutetico

Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente

uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas

ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia

um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo

Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do

respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder

Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua

proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente

concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse

ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233

Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de

praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a

dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas

codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa

praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos

Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir

para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa

conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de

Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo

diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer

tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a

funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a

dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao

tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese

por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E

acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se

232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm

158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press

1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7

58

refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que

recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII

o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas

dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da

competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o

antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo

pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o

respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua

defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular

algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso

se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que

Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo

e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e

apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo

correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o

comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo

de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio

Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo

geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico

se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do

raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por

meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de

demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute

possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e

examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de

estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois

sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem

utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador

236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40

59

individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas

em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da

afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242

1 Estrateacutegias do questionador

O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de

propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente

e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave

construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro

tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute

concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o

argumento mais evidente244

Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se

possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas

alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute

confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo

(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes

uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a

concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que

eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu

as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247

Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter

distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel

possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos

chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por

Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com

atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos

posteriormente

242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30

60

As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se

na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente

e tambeacutem em sugestotildees de psicologia

As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma

expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por

exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute

podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a

oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica

nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que

se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o

mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois

disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando

uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo

forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo

expliacutecito250

Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas

para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para

dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o

argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se

pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o

desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se

despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter

inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que

realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees

dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de

defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute

uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem

natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a

outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias

tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma

249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5

61

conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos

nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251

Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando

possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os

termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a

concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a

concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem

uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem

irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso

desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos

baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra

estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes

desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255

Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate

oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de

imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada

eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma

objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a

premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais

facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os

pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas

que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em

primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou

impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256

251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo

coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II

9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39

62

Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para

proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem

que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257

Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme

jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com

os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a

questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas

usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas

satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que

abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o

adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule

uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em

questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida

Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir

tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se

natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute

vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo

contra elardquo258

Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente

o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse

fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade

seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel

Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio

sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque

muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a

nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees

que foram feitas259

257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15

63

Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas

hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do

ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel

ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-

se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas

intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261

As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do

questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom

questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se

seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom

respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas

apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo

a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262

2 Estrateacutegias do respondedor

O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou

respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou

geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila

no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas

O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese

assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a

conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais

familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar

Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do

mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263

O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter

geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia

para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para

evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante

260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner

should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses

that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20

64

e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa

natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande

maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees

muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o

ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o

respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo

se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente

deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e

natildeo da sua incompetecircncia pessoal264

O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de

clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e

simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes

significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro

sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente

natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio

do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra

alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve

o verbo ldquopertencerrdquo

Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos

ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem

o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o

homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois

dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um

animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos

espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa

proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266

O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador

tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve

evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo

absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por

dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do

264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180

65

que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que

a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267

3 Diferentes objetivos no debate

Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode

ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute

regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute

influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo

influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem

tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo

(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a

respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme

falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em

que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras

e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas

de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em

mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma

proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para

toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos

O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos

conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando

Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e

natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro

mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende

que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute

possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade

Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que

deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por

meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios

267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the

conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139

66

a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos

posteriormente 270

Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o

paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que

satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma

intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com

necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de

ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige

compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles

distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as

proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico

nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271

Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que

essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio

investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute

apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos

Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica

dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma

que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos

proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida

para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar

construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores

o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas

tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os

aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo

conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou

procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas

para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos

270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do

exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para

estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro

como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro

foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII

11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363

67

extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel

identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo

sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele

estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um

dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise

cuidadosa

Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada

que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento

em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos

independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando

ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o

argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de

premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o

argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora

verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e

falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem

apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute

contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a

verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer

afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles

e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos

272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de

estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado

conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos

o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o

dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez

que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas

pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo

do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais

facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito

de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo

sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a

ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)

terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a

partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos

diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o

68

Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode

ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou

natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia

Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc

quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem

na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e

que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio

dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque

parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as

circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita

a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo

No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio

dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles

inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si

mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos

proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos

debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles

comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280

Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma

que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o

respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer

corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo

desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser

uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o

mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o

conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como

predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a

conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente

rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais

coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p

143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10

69

argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda

tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando

um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um

ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento

eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos

O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento

comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave

argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo

comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com

efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que

haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria

como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que

faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a

admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro

pergunta283

Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma

disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as

estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo

muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute

pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma

premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a

proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos

casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter

Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda

seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285

Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do

questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute

fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um

grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um

raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas

281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10

70

perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade

chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286

A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme

mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da

argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de

xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas

estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles

caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o

com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288

Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do

debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a

cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles

reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e

moral

Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo

com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por

forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua

diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar

todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas

isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr

levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute

resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289

A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute

presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro

da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria

aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar

essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela

291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre

ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos

Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos

anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que

286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367

71

usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de

descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema

proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser

utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom

suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e

como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos

relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima

linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema

especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc

Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre

qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais

geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte

da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela

devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas

o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com

uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do

nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir

uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de

assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender

nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas

quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo

que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las

confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que

precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos

materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as

fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos

Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo

e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar

contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os

problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta

investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do

assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar

acima292

292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196

72

IV Viacutecios de raciociacutenio

As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos

debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz

respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles

Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um

sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo

como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste

capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto

pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a

certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a

seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na

argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral

Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos

exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal

silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser

definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos

Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e

Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo

a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos

antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da

Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras

silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o

escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro

de Aristoacuteteles sobre loacutegica

Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que

em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco

293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45

73

possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes

As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia

inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo

reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas

quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em

X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia

se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296

As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no

uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio

ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos

silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos

Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo

justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de

viacutecios de raciociacutenio

Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII

dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que

a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do

sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio

dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que

parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de

falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com

exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente

beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de

coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o

satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute

Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν

ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que

aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como

296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso

quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo

tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse

que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento

de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute

igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25

74

tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao

sujeito (assunto) em pauta298

Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso

silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou

um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter

muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O

exemplo apresentado eacute

Quem estaacute sentado escreve

Soacutecrates estaacute sentado

Soacutecrates estaacute escrevendo

A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles

sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave

conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre

o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo

ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve

ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve

e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo

seria possiacutevel300

Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em

si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a

conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as

premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem

adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute

irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de

premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como

perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre

quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves

vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas

que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo

298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39

75

menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas

satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto

Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema

proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte

de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo

leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que

conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por

meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio

(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que

demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por

um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302

Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No

primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o

caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No

segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o

caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma

conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute

eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao

assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina

ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou

falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada

por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes

verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo

verdadeira seja inferida de premissas falsas 304

Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer

em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que

conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute

postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se

301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma

demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a

conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16

76

expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e

expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar

para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento

dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um

soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de

modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar

que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas

da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia

da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se

incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de

afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular

que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute

incomensuraacutevel com o lado306

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos

Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em

contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um

raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser

geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso

ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma

competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois

o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o

sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e

enriquecer307

A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata

de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da

adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa

inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um

paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de

um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de

um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do

Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o

306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35

77

argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento

apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto

dialeacutetico308

Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de

preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o

solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a

aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309

As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que

independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento

em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para

as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia

(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e

a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje

de falaacutecias de ambiguidade311

Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute

bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que

pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo

por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo

quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um

exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo

As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis

porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das

palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que

estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e

Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do

mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais

adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras

308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou

1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10

78

o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas

possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem

tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute

sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute

teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo

ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de

palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado

com aquilo com que foi espancadordquo315

Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas

discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois

exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No

entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e

facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase

na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia

Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel

As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da

mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que

abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar

fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar

vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318

As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as

relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo

em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou

relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas

ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias

questotildees em uma soacute319

314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30

79

As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma

que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como

uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos

pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo

ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute

ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de

Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem

pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320

Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem

ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido

absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por

exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo

eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente

como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca

aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321

As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido

definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado

de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente

delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do

desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso

elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo

que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322

A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a

conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor

que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O

Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a

percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos

Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar

molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323

320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10

80

Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo

modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram

apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324

A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para

fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse

tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa

que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave

impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos

Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a

mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a

ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que

ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute

o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de

ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de

perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e

ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da

impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a

ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de

ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo

satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa

causa da impossibilidade desse argumento325

A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada

de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa

despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra

que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela

aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso

acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que

324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161

81

aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo

ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327

Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a

segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo

(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem

os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e

a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves

opiniotildees aceitas329

A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma

expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade

aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra

masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um

lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331

Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa

repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos

relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo

e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele

seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente

ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade

da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo

de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta

pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado

ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334

As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em

torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico

estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme

327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8

82

a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende

uma sabedoria aparente

Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que

possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele

proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo

tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos

capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para

dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio

apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute

indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos

Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma

faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e

esse eacute o fim que eles tecircm em vista336

336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156

83

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica

Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de

estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo

do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso

reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da

ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos

especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base

soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337

Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de

proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo

apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a

partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos

condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra

oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e

exemplificativos

A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo

proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta

dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do

conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das

opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios

(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem

a nenhum campo de saber especiacutefico

Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico

Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas

parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que

337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57

84

queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram

como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico

() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como

um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma

como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico

natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338

De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito

dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas

parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um

raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz

mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute

enganoso e desleal339

Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece

nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas

pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave

dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como

questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico

do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais

os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser

aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem

alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses

princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio

da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral

O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica

de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de

conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado

fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do

conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos

nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual

tentaremos resolver a partir de agora

338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte

desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo

portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor

ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op

cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso

capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos

85

A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de

Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o

que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero

de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute

proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o

fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos

destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta

ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a

felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As

opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no

discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo

retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as

confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara

distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho

Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que

a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou

natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou

injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao

juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes

Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo

com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos

juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens

que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar

muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa

experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo

imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se

retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344

Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas

teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os

testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que

temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos

que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma

categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado

341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

86

uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345

No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica

equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou

argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca

de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de

certo modo

Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o

Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo

podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito

do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral

como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o

Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou

ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e

assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns

a todas as artes347

Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da

classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou

o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as

praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de

produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348

345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo

da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei

jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas

se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para

o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar

o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir

e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos

Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos

juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo

do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica

que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias

juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau

de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros

podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do

retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela

jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que

logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ

Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20

87

Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas

mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia

do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa

Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as

normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso

pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas

sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica

isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se

se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade

que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum

Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos

alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de

fatos

Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas

certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um

corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do

tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem

com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois

de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais

estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral

segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa

sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os

349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da

Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria

sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por

seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade

formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de

transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova

era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada

aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo

inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o

aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees

que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo

permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL

Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio

27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt

Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

88

sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como

premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato

concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351

Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um

raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em

vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352

Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute

de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu

domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o

status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη

temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim

concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de

dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre

Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa

sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no

discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A

falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser

levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado

indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353

Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do

Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes

nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos

ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria

adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido

amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com

menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a

351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo

em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo

na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela

expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9

170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito

bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um

τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140

89

jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos

tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes

sobre os casos judiciais

Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a

presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos

legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes

longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave

ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se

transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos

que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees

da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na

doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da

sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem

eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem

discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em

discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica

no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes

de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos

particulares

Casos particulares

Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas

foi revogada e a outra alterada

A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada

pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo

Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou

fraude para fim libidinoso

Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355

A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude

Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha

a seguinte redaccedilatildeo

355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt

httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017

90

Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude

Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356

Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio

geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla

poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo

Federal como uma garantia fundamental neste inciso

XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem

preacutevia cominaccedilatildeo legal357

Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com

base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria

O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio

da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei

deve ser clara e precisa358

Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos

costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo

chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da

expressatildeo ldquomulher honestardquo

O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas

nas normas e interpretadas pelos costumes

As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam

conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra

subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras

Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome

de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre

que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz

quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do

costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a

validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu

conteuacutedo359

Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar

seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se

356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo

Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em

lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71

91

expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma

constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos

da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o

que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de

forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem

consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar

algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo

Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees

geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher

honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos

ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio

Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de

jurisprudecircncia que mostraremos agora

Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro

Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal

Federal em 06 de agosto de 2002

Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute

da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do

crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a

mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores

elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou

o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher

seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual

por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das

viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode

ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes

consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de

Jesus360

Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do

Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees

geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo

Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por

ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo

Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram

360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson

Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em

24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

92

diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave

liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios

constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo

para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361

Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente

aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de

Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para

ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que

reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos

A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou

constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios

subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo

A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da

igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios

admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade

suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda

a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos

As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no

serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a

efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito

fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia

Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si

mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual

respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos

indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a

neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem

como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a

igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a

igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de

privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que

corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-

estar social e a igualdade como reconhecimento significando o

361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p

148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito

Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt

httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

93

respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam

raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364

Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que

podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um

direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees

geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as

injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente

aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem

parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave

proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave

igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365

Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas

raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou

natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o

acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente

podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias

estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-

se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de

verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que

orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo

pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva

A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do

Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a

ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele

menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns

paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por

Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida

em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre

364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14

94

o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute

hoje Assim redigiu o Ministro

Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna

relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e

preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que

atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm

129902014) destacando-se em tal contexto como elementos

fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade

humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave

igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e

efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela

alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da

felicidade368

Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da

leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo

dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo

ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima

e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo

fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em

determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas

tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito

Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo

valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata

dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra

e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso

agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a

honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370

368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF

Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto

a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou

secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera

apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a

necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria

desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode

ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo

LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois

devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito

Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o

inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar

95

Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel

entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que

ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal

restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel

agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos

do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o

que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes

ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em

siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho

Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio

da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos

no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os

problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas

juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a

populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das

cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais

Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da

igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem

tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares

Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de

evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute

um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um

fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera

criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de

indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo

239 do Coacutedigo de Processo Penal

os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma

reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo

do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e

presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160

96

Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada

que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a

existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373

A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou

verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de

raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos

Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de

um exemplo

A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime

que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime

pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes

Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-

se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute

a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor

do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso

particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim

a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo

Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a

apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa

e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios

comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo

da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos

indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam

com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees

geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas

373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao

abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a

uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E

outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo

eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com

todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20

97

provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376

Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos

julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis

justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo

a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)

que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave

plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada

A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um

contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja

porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras

palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute

possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em

debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas

oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o

ocircnus da prova dos fatos alegados

Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente

aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e

elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio

dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico

Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute

entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por

possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de

percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal

Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da

contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos

a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir

que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se

apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 138 e 167

98

conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos

alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica

Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou

seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente

aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a

partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o

conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos

satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as

premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o

primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como

acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador

pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos

τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as

relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees

Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os

entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois

servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι

dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer

de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um

exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o

conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento

retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam

o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental

Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os

entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que

representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme

expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por

si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico

tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e

interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de

argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o

estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que

99

o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam

e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar

instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais

e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto

Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em

funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito

significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute

possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou

acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre

elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios

gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria

dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do

mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na

esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo

pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o

objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas

no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees

diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar

os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou

desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa

dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas

algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral

consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e

histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo

juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de

argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito

e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou

se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos

Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de

linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no

378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18

100

sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do

termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do

que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de

raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo

de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza

precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem

de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico

literaacuterio ou comum

3 Linguagem loacutegica e eacutetica

Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem

Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio

apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O

jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo

juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre

os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei

natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas

pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute

a imprecisatildeo da linguagem do Direito386

Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para

Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na

existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos

decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os

sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para

evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo

382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que

as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que

significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit

p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro

101

Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre

identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que

envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos

utilizados durante a discussatildeo389

A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a

linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem

comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que

Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as

ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia

antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O

que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e

esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e

coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos

Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo

conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que

buscar uma linguagem perfeita

Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo

enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito

principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias

Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo

histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme

temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito

De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos

Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por

seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e

linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de

389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge

como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e

cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas

redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica

ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica

juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas

sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo

extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo

102

debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio

de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual

que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um

contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado

Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem

os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e

como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que

estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte

para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais

seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes

Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo

muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como

sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o

debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista

que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees

como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram

descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como

empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe

um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo

Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391

mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim

como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda

argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute

uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e

disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que

torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo

homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de

adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito

essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos

Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio

qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio

391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15

103

servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo

Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo

dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados

testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por

parte dos debatedores

4 Taacuteticas de debate

As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos

nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais

no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as

sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o

interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento

Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo

A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia

T Sim mas o que exatamente

A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de

madrugada no dia X

T Sim eacute verdade

A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos

T Sim

A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu

T Natildeo sei acho que por volta de uma hora

A Antes ou depois de uma hora

T Natildeo sei

A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta

de meia noite

T Sim

A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo

T Natildeo sei

A A senhora ouviu ele chegar

T Natildeo

A A senhora estava dormindo

104

T Sim

A A senhora tem insocircnia

T Sim

A A senhora toma remeacutedios para dormir

T Agraves vezes sim

A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir

T Natildeo lembro

A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo

T Estava dormindo e acordei com os barulhos

A A senhora tem pesadelos agraves vezes

T Agraves vezes sim

A Obrigado

O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato

que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de

que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a

conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a

alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que

ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato

ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a

afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As

premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O

advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo

do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave

conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que

dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a

chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade

de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava

dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo

A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o

auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o

testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-

se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo

105

dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo

mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado

remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para

dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel

que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez

servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos

pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos

natildeo eacute fidedigno

O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum

na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas

premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu

os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que

levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos

O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para

um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por

induccedilatildeo

Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de

debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre

os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos

de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor

isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na

condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha

promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia

entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante

discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre

por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor

a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a

dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual

oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na

discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz

106

CONCLUSAtildeO

Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as

quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que

a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois

suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de

premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos

do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de

forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo

especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo

ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que

essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito

o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de

Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do

Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o

treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a

finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a

investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto

acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais

aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e

outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para

os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva

para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma

393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30

107

ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados

nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo

A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa

dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra

usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se

formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido

feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e

aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas

loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de

Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos

que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas

anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na

praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos

a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute

fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica

natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer

uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos

suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica

aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica

juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes

de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica

os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos

para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das

ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser

enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que

ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em

geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje

Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum

tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do

seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa

filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso

estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na

108

obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da

correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos

como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma

compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como

um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo

da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta

dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar

as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos

da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica

que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e

se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-

contradiccedilatildeo

No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam

concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de

linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas

em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as

habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional

de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem

exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso

seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico

Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e

o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente

aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico

dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese

satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos

dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito

mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel

enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade

maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um

meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma

397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246

109

aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao

dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo

pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos

cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos

Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo

dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios

Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou

modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo

de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da

dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um

discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas

trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral

dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos

retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees

diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele

retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham

a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte

satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da

linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer

aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos

Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da

sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica

Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles

menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente

tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias

entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue

de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma

habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas

398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida

quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2

157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees

possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou

faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16

110

comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica

para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas

De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve

como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso

como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do

assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo

requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das

questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos

Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e

psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de

vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees

reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento

para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo

apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo

essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um

pouco estranha a de que nem tudo se discute

Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo

juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples

meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas

Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos

argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e

linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O

principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre

acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas

respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente

dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos

que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito

uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas

111

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Departamento de Imprensa Nacional 1979

117

VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim

Gavagai - Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

VON ARNIN H Das Ethische in Aristoteles Topica Viena Holder-Pischler-Tempsky 1927

WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5

p19-24 jul 2003

iii

RESUMO

A toacutepica juriacutedica proposta metodoloacutegica criada pelo alematildeo Theodor Viehweg

na deacutecada de 1950 manteacutem sua influecircncia ateacute hoje entre juristas brasileiros Viehweg

declara ter embasado a sua obra Toacutepica e Jurisprudecircncia nas toacutepicas de Aristoacuteteles e

Ciacutecero Segundo grande parte dos criacuteticos desse jurista as noccedilotildees sobre toacutepica

apresentadas em sua obra satildeo confusas e imprecisas Reconhecendo o valor da

redescoberta da dialeacutetica e da retoacuterica na esfera juriacutedica nosso objetivo eacute apresentar um

esboccedilo da obra Toacutepicos de Aristoacuteteles com uma noccedilatildeo clara sobre o meacutetodo dialeacutetico que

o Estagirita apresenta nesse tratado Esse esboccedilo eacute teoacuterico e compreende noccedilotildees

introdutoacuterias agrave dialeacutetica e seus instrumentos uma discussatildeo sobre o que satildeo toacutepicos uma

ideia geral sobre o debate dialeacutetico e sobre os viacutecios de raciociacutenio A partir dessa

descriccedilatildeo fazemos algumas anaacutelises em nosso uacuteltimo capiacutetulo sobre o que poderia ser

aplicado da metodologia dos Toacutepicos ao Direito A metodologia empregada nesta

dissertaccedilatildeo consiste na maior parte em inventariar e apresentar os conteuacutedos dos Toacutepicos

conforme expostos nesse tratado explicando-os agrave luz dos conteuacutedos de outras partes da

mesma obra e de outras obras de Aristoacuteteles aleacutem de comentaacuterios de especialistas A

anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico ao Direito parte da siacutentese do esboccedilo teoacuterico

apresentado e sua comparaccedilatildeo com noccedilotildees baacutesicas sobre Direito e exemplos juriacutedicos

particulares

Palavras-chave Aristoacuteteles dialeacutetica retoacuterica Direito

iv

ABSTRACT

The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor

Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists

Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and

Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his

work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of

dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo

Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise

This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a

discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices

of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what

could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present

thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth

in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the

work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists

The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the

presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific

legal examples

Key words Aristotle dialectic rhetoric Law

v

SUMAacuteRIO

AGRADECIMENTOSii

RESUMOiii

SUMAacuteRIOv

ABREVIATURASvii

INTRODUCcedilAtildeO1

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12

1 Consideraccedilotildees iniciais12

Noccedilotildees preliminares 12

Objetivo dos Toacutepicos15

Raciociacutenio dialeacutetico 20

2 A utilidade dos Toacutepicos23

3 Os instrumentos da dialeacutetica28

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28

Predicaacuteveis32

Categorias 34

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos

termos36

Espeacutecies de argumentos36

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38

Significados dos termos39

II Os toacutepicos 42

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46

vi

Toacutepicos sobre o acidente48

Toacutepicos sobre o preferiacutevel49

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53

Toacutepicos na Retoacuterica54

III O debate dialeacutetico57

1 Estrateacutegias do questionador59

2 Estrateacutegias do respondedor63

3 Diferentes objetivos no debate65

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68

IV Viacutecios de raciociacutenio72

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83

Casos particulares89

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97

3 Linguagem loacutegica e eacutetica100

4 Taacuteticas de debate103

CONCLUSAtildeO106

REFEREcircNCIAS111

vii

LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Aristoacuteteles

Toacutep Toacutepicos

Cat Categorias

Met Metafiacutesica

Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco

Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos

An Pr Analiacuteticos Primeiros

An Post Analiacuteticos Segundos

Ret Retoacuterica

Fiacutes Fiacutesica

Da Int Da Interpretaccedilatildeo

1

INTRODUCcedilAtildeO

O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o

estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado

pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo

entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da

evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as

demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase

como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado

Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao

contingente3

Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em

vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de

prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi

desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo

Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o

Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo

as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4

Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais

de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva

alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5

Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma

ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou

para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da

1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo

G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000

p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26

2

matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo

cientificamente irrespondiacutevel6

Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na

primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor

Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia

(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se

alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na

Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de

resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por

problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o

autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9

A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)

surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na

Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos

de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que

mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de

habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias

publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as

pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se

durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas

da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar

dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica

e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de

Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande

6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina

Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia

Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e

Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995

p 343

3

codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela

dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar

as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a

princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos

XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica

escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas

juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e

fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos

particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14

A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da

dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da

repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros

devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de

Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo

extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do

respeitado jurista alematildeo Karl Larenz

Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue

depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico

juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer

ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises

juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de

empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores

que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma

representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo

das opiniotildees expendidas17

13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171

Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz

Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)

as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente

um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para

julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar

por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar

topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida

em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo

abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver

constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse

puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar

proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago

que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute

4

Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico

pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns

argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam

de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios

conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica

standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19

Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como

disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se

pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas

compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel

natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel

O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico

poreacutem um toacutepico muito importante21

No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul

Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22

Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da

argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950

poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de

Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de

Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de

Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo

distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a

uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a

jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a

pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas

verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e

introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy

2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia

ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte

de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de

procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo

ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras

palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor

do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo

introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189

5

categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de

trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)

Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente

ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu

um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen

(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em

1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu

a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente

aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio

Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados

desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em

artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo

dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais

recentemente R Bolton e R Smith24

Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles

funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo

desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto

apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma

situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer

clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25

A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como

funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial

entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos

e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e

dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees

proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os

23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski

para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica

formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de

PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em

httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and

Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004

Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese

do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3

6

problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos

termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de

acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria

sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa

opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as

regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio

fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou

se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27

A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas

teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral

eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente

mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos

Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que

apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas

garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria

Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no

Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido

desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas

Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda

as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas

analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia

opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso

Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus

textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo

atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que

as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir

e apresentar argumentos soacutelidos28

No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a

dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos

26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997

p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo

Argumentation v 19 n 4 2005

7

primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o

meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por

sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins

Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades

mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer

habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32

As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de

Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter

argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao

positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como

pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de

invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua

toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus

proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica

de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da

Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo

Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre

partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de

vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz

pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade

respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade

isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar

na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria

regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial

tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo

29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29

2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24

jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na

codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar

por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116

8

incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo

exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos

estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos

Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por

necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em

consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir

para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero

considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg

natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no

decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica

claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A

toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor

Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento

desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas

apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo

da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso

interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves

metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar

o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza

segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40

Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise

sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera

juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do

Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que

Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para

a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica

juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de

37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em

httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica

ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel

em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set

2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57

9

uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso

objetivo de longo prazo

De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz

nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila

quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica

Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para

formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador

da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e

outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate

regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um

elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio

entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras

tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da

leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos

Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o

objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente

aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias

filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42

Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso

propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel

possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que

chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para

apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor

Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em

conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que

empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo

aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias

de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem

descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e

interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da

proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude

mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender

antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido

premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem

41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5

10

preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-

nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores

acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica

na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de

suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos

tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo

tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito

sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que

liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43

Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como

base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o

conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias

pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos

que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a

questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como

pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de

difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico

especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e

Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar

por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que

pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a

melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente

e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se

apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute

imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de

Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica

Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem

disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura

do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso

esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo

definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a

VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito

Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice

dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho

seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo

43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30

11

apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos

objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos

propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos

de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo

apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos

para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os

diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das

quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como

Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos

Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares

agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence

ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente

aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas

Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e

diaacutelogos

12

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos

1 Consideraccedilotildees iniciais

Noccedilotildees preliminares

O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles

sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido

moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de

Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados

sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44

O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de

modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos

Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)

5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos

O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir

uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo

divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos

Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral

eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e

Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois

como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa

elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado

tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores

do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o

Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos

44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro

e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos

Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas

palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema

que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo

essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos

Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A

Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196

13

natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo

denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem

subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse

argumento48

Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos

Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e

como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas

merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas

noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto

de estudo

Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)

da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas

a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a

sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a

conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49

Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo

ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade

estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute

Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que

a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo

no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute

contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52

A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que

entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute

48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e

Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo

livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii

1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10

14

mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica

e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins

de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico

(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico

nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento

cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute

destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois

como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa

razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem

nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para

se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar

Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo

para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as

afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra

ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso

de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser

investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal

caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos

Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais

especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade

de saacutebios a depender do contexto

Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O

conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra

forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam

Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e

pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais

natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53

Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de

53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133

15

ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a

Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua

natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada

Trataremos disso em seguida

A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de

contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura

sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e

passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos

Objetivo dos Toacutepicos

O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra

Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas

ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos

tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer

alguma coisa que nos cause embaraccedilos56

Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se

percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57

Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)

com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por

todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos

para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58

54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -

Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que

deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja

de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao

passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic

Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para

comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de

opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na

sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1

100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25

16

Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema

proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma

teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de

assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus

princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)

comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos

Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das

ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte

Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos

de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito

algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria

e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios

da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees

tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a

prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a

falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por

diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo

com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos

dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute

aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda

arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se

efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην

ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular

julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual

eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a

refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem

no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60

Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute

ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a

Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees

geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao

conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma

discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos

ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento

59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo

demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos

na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem

poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos

arg Op cit p 171

ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37

Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18

17

associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio

provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos

saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento

que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que

acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo

Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)

e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a

verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que

satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da

mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas

Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos

pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza

do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um

raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir

demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico

Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute

bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom

juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas

as coisas eacute bom juiz em geral62

Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir

a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo

legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo

admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do

contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de

investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos

Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios

sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo

62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a

25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo

em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o

ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes

maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o

segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade

A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo

fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito

citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade

aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados

(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de

todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior

nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees

correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES

Eacutetica a N Op cit p 146

18

geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63

Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado

sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio

portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria

culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos

na introduccedilatildeo deste trabalho

Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a

Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e

ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura

superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas

entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos

Toacutepicos que define ἔνδοξα

Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os

homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade

e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem

divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a

mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata

de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras

embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem

a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com

a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar

todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta

considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais

razoaacuteveis64

Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais

proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees

e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos

segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos

[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que

o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade

como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as

caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem

incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam

a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras

com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a

identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou

sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade

exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos

defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas

mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja

63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20

19

inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos

em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65

Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por

uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees

ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo

entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho

ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o

indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que

parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz

a dialeacuteticardquo66

Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas

de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio

Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um

senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado

o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente

aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo

ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67

Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto

de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como

dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem

ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo

aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees

e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar

Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo

Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma

proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou

para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo

devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo

(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se

65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico

ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10

20

muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que

merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A

esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de

puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de

percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser

castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente

e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se

por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma

investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico

Raciociacutenio dialeacutetico

Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de

raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de

raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz

necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio

(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71

Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς

συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O

raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e

verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras

e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser

descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua

verdade por si mesmos72

Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das

cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que

intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os

70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem

necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6

ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente

pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10

21

primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso

satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode

ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute

demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que

seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos

Analiacuteticos

Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber

(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja

inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o

conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute

necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν

ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas

mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas

satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do

demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode

haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma

demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem

ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a

comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e

indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para

serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de

um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua

demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do

que ela e a ela anteriores 75

A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o

fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros

Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo

74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo

sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo

(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave

intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os

princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico

(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia

(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que

apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de

o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma

ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento

verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do

proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se

comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores

Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um

par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma

pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira

Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-

30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O

desenvolvimento Op cit p 4

22

estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos

observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se

mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser

verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite

alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos

Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na

afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito

tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e

obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa

dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das

duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee

uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute

indicamos nos Toacutepicos78

O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e

uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa

anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo

e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica

assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa

supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79

Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas

com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde

Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a

demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma

prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de

perguntas80

O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio

apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem

ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas

parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente

aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas

que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser

77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-

255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam

friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17

23

claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as

opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa

falsidade deve ser um pouco oacutebvia82

O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade

no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e

mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se

enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas

de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas

apenas parecem secirc-los84

O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo

(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo

O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo

Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que

natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se

fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do

semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma

desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se

classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele

apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado

em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos

complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito

do raciociacutenio eriacutestico

2 A utilidade dos Toacutepicos

Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se

raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na

sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro

lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo

82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5

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bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla

possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para

a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as

disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O

treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram

praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a

conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em

suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a

identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado

meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases

uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave

luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica

que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de

todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89

Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A

primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos

contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o

raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e

o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na

discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das

87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade

de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais

facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo

agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute

completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante

de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as

questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais

apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as

investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como

contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma

e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher

acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151

25

proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se

a verdade (ἀλήθεια)91

No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios

(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica

mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos

anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os

princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos

Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a

partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta

debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94

Citamos um trecho

Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou

natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele

estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da

realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o

detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma

natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo

verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto

dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar

qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto

natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa

indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas

Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que

professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash

coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem

caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando

em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira

de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de

francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que

natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio

que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95

Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o

qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo

(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do

princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas

91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua

verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119

26

eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o

Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode

ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos

ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo

de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios

pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute

uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela

inteligecircncia97

Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se

aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois

esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro

mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas

Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da

Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99

Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa

obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a

impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao

debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()

declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas

de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme

era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores

tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute

possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como

divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da

dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos

exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles

96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um

jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34

27

nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas

Disputationes104

Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de

disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota

da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a

ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer

aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um

descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o

comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa

complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105

O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um

meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo

se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara

demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os

Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos

considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento

principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma

outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as

ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos

Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas

e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos

sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus

nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees

individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que

abordaremos agora

103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar

tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos

quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a

constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-

se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto

deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15

28

3 Os instrumentos da dialeacutetica

Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o

eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar

dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o

que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees

necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de

argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de

coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim

de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e

os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute

composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado

do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para

a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na

construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute

ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem

natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo

apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de

proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final

se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada

a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo

Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por

todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema

(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a

escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela

107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo

e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na

construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13

29

anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos

que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O

problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113

Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados

como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo

ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em

se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute

evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o

que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem

se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se

estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados

satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115

Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις

ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos

quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que

satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais

de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma

ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das

opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve

fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)

acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em

questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os

pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem

ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra

observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como

113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to

different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem

is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle

tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20

30

no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas

contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam

os debates

ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal

como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou

ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica

deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso

das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta

espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila

distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem

significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie

eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-

nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118

Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)

que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o

conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo

tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada

em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos

homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave

opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios

divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees

em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra

e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por

exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a

diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos

fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que

resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos

das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e

dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica

essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo

sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo

θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo

intelectual120

118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81

31

Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que

Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito

com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo

denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas

entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo

eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em

movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121

Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar

proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As

proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute

deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles

pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias

agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que

estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que

parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas

como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo

Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser

extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa

vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades

reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica

sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser

tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees

Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo

conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos

relativos eacute o mesmordquo124

121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca

a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute

indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute

possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis

quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo

eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o

universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35

32

Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)

e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos

partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as

categorias

Predicaacuteveis

Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou

um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com

o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os

predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da

reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125

Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais

Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como

explicados a seguir

Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν

εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa

Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua

diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um

animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem

definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica

Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas

natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo

conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128

O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente

uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira

conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute

homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem

Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender

125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New

York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20

33

gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem

pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129

O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias

coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem

boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do

objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de

essecircncia (τὸ τί ἐστι)132

Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa

sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem

proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor

modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133

Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao

gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles

poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser

destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o

atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um

proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim

quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente

Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido

Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles

Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes

firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo

para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e

organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem

foco em um dos predicaacuteveis

O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas

e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute

129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39

34

possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam

na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de

ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma

proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo

pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se

predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo

abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem

que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do

gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito

Categorias

Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de

predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma

das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute

divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de

coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre

esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as

seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo

posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138

135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo

Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos

de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais

probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem

disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a

foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma

coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-

10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias

ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)

ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou

ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs

categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas

pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma

classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia

expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que

ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a

tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto

Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas

categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)

de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois

35

Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das

Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que

eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139

Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois

termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos

Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua

essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere

tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso

trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no

livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo

entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer

em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por

exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia

ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo

e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de

substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de

categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes

em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo

vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica

bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o

que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142

evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma

substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I

9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou

ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor

branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia

(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma

grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute

descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros

casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o

seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada

de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras

espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006

apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq

36

A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as

definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem

como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as

diferenccedilas se expressam em categorias

Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a

qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a

qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem

ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo

basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por

alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas

acima143

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados

dos termos

Espeacutecies de argumentos

Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio

(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas

estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute

considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos

sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez

eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144

Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo

eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto

ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das

duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no

iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse

mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por

premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se

relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio

143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se

que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que

de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69

37

natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos

inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita

coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo

clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da

linguagem vulgarrdquo147

Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos

homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos

leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio

A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de

argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo

de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves

Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo

caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos

de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais

utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios

universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os

princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica

linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso

segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151

Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento

de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se

emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as

semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar

proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas

147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b

18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo

fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes

manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos

apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)

Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30

38

e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser

inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila

Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees

sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro

lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos

em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou

geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa

soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo

mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo

ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute

o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O

segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute

capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do

acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A

identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma

espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a

identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem

e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o

estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos

predicaacuteveis

Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser

estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila

difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do

conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da

153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma

proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso

como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser

recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a

sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo

em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13

105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35

39

mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que

pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157

O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa

particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela

observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil

para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O

argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do

estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais

semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das

semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos

semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees

o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada

caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a

essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto

em uma definiccedilatildeo158

Significado dos termos

Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece

reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele

apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um

termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos

algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios

significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como

exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de

ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo

Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra

ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios

tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o

que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor

A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da

157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37

40

sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso

ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como

por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas

natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160

Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter

sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido

conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das

palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado

o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado

ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe

de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a

uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade

apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias

definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161

Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos

significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se

argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado

dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo

perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita

em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao

se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens

Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto

no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que

afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a

coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso

raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas

aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos

sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que

interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao

160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que

corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos

exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de

fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one

or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated

by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a

competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx

41

passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados

e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua

asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus

argumentos a esse ponto163

O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das

palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com

falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos

nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem

possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados

apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos

sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um

tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que

se vecirc no seguinte trecho

Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham

diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles

que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo

logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo

familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de

falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando

ouvem outros raciocinar165

Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo

encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos

apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os

raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente

ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos

Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se

segue166

163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios

porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar

por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus

argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso

adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre

possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos

Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se

por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de

discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES

Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35

42

II Os toacutepicos

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)

Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido

por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho

essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em

dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer

uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles

designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor

uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale

que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles

sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor

atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo

procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que

Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em

competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas

consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a

etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir

O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito

provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista

de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas

localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente

recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees

dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em

Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169

167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations

Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these

he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what

a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith

1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of

Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a

great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street

one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items

Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad

43

Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo

que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no

mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante

entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie

Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta

os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de

apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o

dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o

argumento para a conclusatildeo desejada171

Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute

associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles

sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber

vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem

selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173

ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se

apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque

de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por

meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma

premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a

atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos

Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das

proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo

dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza

Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems

to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly

makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined

premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On

Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA

Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002

Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a

variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in

stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo

then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo

SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151

44

para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos

olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177

J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo

do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o

termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser

usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou

uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo

como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte

Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica

e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um

argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o

nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos

poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179

Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega

τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente

ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes

entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que

podem ser gerais ou especiacuteficos

Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo

Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas

argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees

argumentativosrdquo182

Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou

premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o

177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo

aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de

direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico

do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees

de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram

em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera

toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo

diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas

(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa

45

seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como

acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse

tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos

quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185

Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos

natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz

que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da

aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como

premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι

especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()

regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso

em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186

A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a

funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος

aristoteacutelico o seguinte

Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este

pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se

o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser

impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave

mesma coisa187

Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι

aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema

toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados

em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente

conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais

frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos

e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no

grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem

nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e

conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera

referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do

mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc

as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada

do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese

pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep

163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33

46

argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao

sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou

regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos

muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os

esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos

toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188

Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro

deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser

uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que

queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou

refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para

apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de

uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que

selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso

dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo

deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se

por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos

selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado

para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o

esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo

o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar

a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa

capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da

espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate

dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo

pretendida189

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica

Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios

dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os

livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo

188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid

47

eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados

nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos

mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees

que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos

De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se

as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A

Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten

que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191

1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S

2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S

3) S eacute P = P eacute gecircnero de S

4) S eacute P = P eacute acidente de S

Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III

dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute

bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo

ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser

usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios

particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo

dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de

modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer

ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas

em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que

afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um

erro193

190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos

menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162

Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30

48

Toacutepicos sobre o acidente

O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se

haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente

pertence ao sujeito de outra maneira

Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que

pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais

comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo

se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma

cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194

Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente

que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo

ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo

correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo

O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se

afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico

serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o

predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que

o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente

encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a

proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente

se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa

posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam

uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um

procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado

Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar

os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o

ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195

O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do

acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute

alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo

dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de

194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30

49

ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o

invejoso natildeo eacute bom196

Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou

destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos

quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser

usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute

objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro

significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos

termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que

comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos

Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu

que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento

pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos

Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de

significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente

o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi

discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel

tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por

terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos

que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos

demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma

afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo

corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os

sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade

de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que

seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente

porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence

ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo

se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido

a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio

teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel

num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa

pretensatildeo seja razoaacutevel198

Toacutepicos sobre o preferiacutevel

O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a

um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o

mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas

ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre

196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28

50

o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute

necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que

identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas

Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo

segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo

Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel

agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais

probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo

homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo

qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em

determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos

eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo

mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou

carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a

maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas

as coisas tendem para o bem199

Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas

acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de

modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por

exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais

desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que

pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa

melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio

de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente

a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o

vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel

que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio

Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio

Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das

investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem

partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201

199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15

51

O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero

atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem

agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute

indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o

gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar

se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)

Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma

nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro

toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada

pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma

espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203

Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o

oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre

manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo

propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de

ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute

formoso204

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo

Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para

verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve

linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre

a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de

identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir

na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo

de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o

erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero

Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas

diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar

ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar

202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15

52

o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute

correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer

O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um

objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave

definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206

Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre

a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave

obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro

o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale

para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute

ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se

o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade

em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem

para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e

friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo

que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se

refere207

Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter

apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos

construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa

discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre

a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e

como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo

consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta

que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo

desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para

a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo

e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que

Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado

um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos

205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20

53

De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza

os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a

partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando

que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam

meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos

adequadamente enumeradosrdquo210

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto

capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia

(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas

coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a

combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas

seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma

sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que

dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212

Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados

no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como

sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou

deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser

obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de

sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema

definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo

nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para

aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo

para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que

escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que

210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have

now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior

Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London

Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159

54

parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem

chama de toacutepicos214

Toacutepicos na Retoacuterica

A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη

ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum

e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O

que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir

em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de

demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo

que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma

espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em

geral partem de ἔνδοξα221

Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo

no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa

para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou

213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o

tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel

portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)

de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-

33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173

Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois

que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo

vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg

Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos

produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais

haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela

induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos

nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas

satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo

Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior

parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que

cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que

geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem

ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o

particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237

55

comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns

ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser

aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica

Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos

ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial

e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica

Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o

exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula

argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se

uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que

seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os

homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o

menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos

inclusive atualmente

Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem

eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses

nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees

eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225

Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade

dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um

exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre

a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A

primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio

de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se

vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis

escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando

natildeo houver puniccedilatildeo226

Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees

que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a

223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20

56

praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir

acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute

conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos

para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227

Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na

argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde

com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como

ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As

maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima

ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado

saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a

causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil

do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar

determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da

mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de

encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa

que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel

do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso

pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231

227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15

57

III O debate dialeacutetico

Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente

uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas

ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia

um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo

Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do

respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder

Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua

proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente

concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse

ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233

Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de

praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a

dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas

codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa

praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos

Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir

para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa

conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de

Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo

diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer

tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a

funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a

dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao

tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese

por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E

acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se

232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm

158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press

1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7

58

refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que

recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII

o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas

dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da

competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o

antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo

pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o

respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua

defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular

algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso

se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que

Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo

e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e

apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo

correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o

comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo

de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio

Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo

geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico

se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do

raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por

meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de

demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute

possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e

examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de

estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois

sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem

utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador

236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40

59

individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas

em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da

afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242

1 Estrateacutegias do questionador

O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de

propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente

e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave

construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro

tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute

concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o

argumento mais evidente244

Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se

possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas

alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute

confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo

(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes

uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a

concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que

eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu

as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247

Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter

distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel

possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos

chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por

Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com

atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos

posteriormente

242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30

60

As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se

na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente

e tambeacutem em sugestotildees de psicologia

As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma

expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por

exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute

podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a

oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica

nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que

se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o

mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois

disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando

uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo

forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo

expliacutecito250

Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas

para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para

dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o

argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se

pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o

desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se

despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter

inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que

realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees

dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de

defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute

uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem

natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a

outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias

tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma

249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5

61

conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos

nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251

Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando

possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os

termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a

concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a

concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem

uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem

irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso

desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos

baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra

estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes

desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255

Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate

oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de

imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada

eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma

objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a

premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais

facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os

pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas

que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em

primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou

impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256

251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo

coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II

9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39

62

Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para

proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem

que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257

Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme

jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com

os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a

questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas

usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas

satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que

abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o

adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule

uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em

questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida

Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir

tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se

natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute

vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo

contra elardquo258

Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente

o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse

fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade

seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel

Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio

sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque

muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a

nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees

que foram feitas259

257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15

63

Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas

hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do

ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel

ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-

se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas

intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261

As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do

questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom

questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se

seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom

respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas

apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo

a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262

2 Estrateacutegias do respondedor

O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou

respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou

geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila

no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas

O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese

assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a

conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais

familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar

Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do

mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263

O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter

geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia

para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para

evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante

260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner

should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses

that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20

64

e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa

natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande

maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees

muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o

ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o

respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo

se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente

deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e

natildeo da sua incompetecircncia pessoal264

O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de

clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e

simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes

significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro

sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente

natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio

do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra

alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve

o verbo ldquopertencerrdquo

Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos

ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem

o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o

homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois

dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um

animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos

espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa

proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266

O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador

tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve

evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo

absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por

dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do

264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180

65

que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que

a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267

3 Diferentes objetivos no debate

Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode

ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute

regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute

influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo

influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem

tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo

(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a

respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme

falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em

que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras

e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas

de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em

mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma

proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para

toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos

O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos

conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando

Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e

natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro

mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende

que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute

possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade

Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que

deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por

meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios

267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the

conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139

66

a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos

posteriormente 270

Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o

paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que

satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma

intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com

necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de

ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige

compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles

distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as

proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico

nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271

Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que

essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio

investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute

apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos

Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica

dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma

que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos

proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida

para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar

construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores

o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas

tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os

aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo

conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou

procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas

para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos

270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do

exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para

estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro

como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro

foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII

11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363

67

extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel

identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo

sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele

estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um

dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise

cuidadosa

Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada

que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento

em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos

independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando

ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o

argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de

premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o

argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora

verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e

falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem

apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute

contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a

verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer

afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles

e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos

272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de

estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado

conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos

o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o

dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez

que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas

pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo

do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais

facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito

de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo

sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a

ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)

terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a

partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos

diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o

68

Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode

ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou

natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia

Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc

quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem

na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e

que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio

dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque

parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as

circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita

a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo

No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio

dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles

inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si

mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos

proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos

debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles

comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280

Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma

que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o

respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer

corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo

desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser

uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o

mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o

conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como

predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a

conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente

rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais

coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p

143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10

69

argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda

tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando

um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um

ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento

eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos

O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento

comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave

argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo

comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com

efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que

haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria

como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que

faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a

admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro

pergunta283

Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma

disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as

estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo

muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute

pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma

premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a

proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos

casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter

Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda

seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285

Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do

questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute

fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um

grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um

raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas

281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10

70

perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade

chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286

A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme

mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da

argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de

xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas

estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles

caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o

com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288

Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do

debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a

cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles

reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e

moral

Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo

com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por

forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua

diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar

todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas

isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr

levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute

resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289

A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute

presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro

da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria

aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar

essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela

291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre

ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos

Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos

anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que

286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367

71

usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de

descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema

proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser

utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom

suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e

como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos

relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima

linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema

especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc

Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre

qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais

geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte

da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela

devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas

o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com

uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do

nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir

uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de

assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender

nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas

quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo

que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las

confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que

precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos

materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as

fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos

Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo

e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar

contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os

problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta

investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do

assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar

acima292

292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196

72

IV Viacutecios de raciociacutenio

As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos

debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz

respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles

Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um

sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo

como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste

capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto

pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a

certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a

seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na

argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral

Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos

exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal

silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser

definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos

Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e

Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo

a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos

antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da

Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras

silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o

escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro

de Aristoacuteteles sobre loacutegica

Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que

em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco

293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45

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possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes

As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia

inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo

reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas

quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em

X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia

se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296

As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no

uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio

ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos

silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos

Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo

justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de

viacutecios de raciociacutenio

Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII

dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que

a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do

sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio

dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que

parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de

falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com

exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente

beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de

coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o

satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute

Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν

ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que

aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como

296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso

quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo

tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse

que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento

de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute

igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25

74

tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao

sujeito (assunto) em pauta298

Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso

silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou

um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter

muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O

exemplo apresentado eacute

Quem estaacute sentado escreve

Soacutecrates estaacute sentado

Soacutecrates estaacute escrevendo

A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles

sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave

conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre

o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo

ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve

ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve

e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo

seria possiacutevel300

Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em

si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a

conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as

premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem

adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute

irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de

premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como

perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre

quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves

vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas

que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo

298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39

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menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas

satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto

Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema

proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte

de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo

leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que

conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por

meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio

(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que

demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por

um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302

Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No

primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o

caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No

segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o

caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma

conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute

eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao

assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina

ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou

falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada

por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes

verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo

verdadeira seja inferida de premissas falsas 304

Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer

em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que

conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute

postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se

301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma

demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a

conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16

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expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e

expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar

para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento

dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um

soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de

modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar

que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas

da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia

da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se

incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de

afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular

que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute

incomensuraacutevel com o lado306

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos

Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em

contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um

raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser

geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso

ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma

competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois

o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o

sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e

enriquecer307

A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata

de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da

adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa

inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um

paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de

um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de

um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do

Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o

306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35

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argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento

apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto

dialeacutetico308

Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de

preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o

solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a

aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309

As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que

independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento

em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para

as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia

(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e

a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje

de falaacutecias de ambiguidade311

Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute

bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que

pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo

por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo

quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um

exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo

As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis

porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das

palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que

estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e

Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do

mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais

adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras

308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou

1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10

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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas

possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem

tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute

sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute

teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo

ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de

palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado

com aquilo com que foi espancadordquo315

Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas

discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois

exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No

entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e

facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase

na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia

Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel

As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da

mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que

abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar

fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar

vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318

As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as

relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo

em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou

relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas

ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias

questotildees em uma soacute319

314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30

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As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma

que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como

uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos

pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo

ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute

ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de

Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem

pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320

Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem

ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido

absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por

exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo

eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente

como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca

aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321

As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido

definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado

de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente

delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do

desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso

elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo

que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322

A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a

conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor

que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O

Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a

percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos

Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar

molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323

320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10

80

Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo

modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram

apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324

A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para

fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse

tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa

que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave

impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos

Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a

mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a

ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que

ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute

o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de

ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de

perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e

ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da

impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a

ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de

ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo

satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa

causa da impossibilidade desse argumento325

A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada

de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa

despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra

que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela

aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso

acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que

324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161

81

aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo

ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327

Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a

segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo

(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem

os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e

a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves

opiniotildees aceitas329

A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma

expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade

aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra

masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um

lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331

Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa

repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos

relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo

e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele

seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente

ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade

da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo

de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta

pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado

ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334

As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em

torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico

estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme

327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8

82

a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende

uma sabedoria aparente

Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que

possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele

proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo

tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos

capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para

dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio

apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute

indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos

Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma

faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e

esse eacute o fim que eles tecircm em vista336

336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156

83

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica

Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de

estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo

do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso

reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da

ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos

especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base

soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337

Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de

proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo

apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a

partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos

condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra

oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e

exemplificativos

A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo

proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta

dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do

conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das

opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios

(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem

a nenhum campo de saber especiacutefico

Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico

Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas

parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que

337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57

84

queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram

como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico

() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como

um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma

como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico

natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338

De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito

dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas

parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um

raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz

mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute

enganoso e desleal339

Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece

nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas

pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave

dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como

questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico

do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais

os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser

aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem

alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses

princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio

da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral

O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica

de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de

conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado

fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do

conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos

nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual

tentaremos resolver a partir de agora

338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte

desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo

portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor

ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op

cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso

capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos

85

A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de

Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o

que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero

de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute

proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o

fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos

destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta

ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a

felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As

opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no

discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo

retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as

confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara

distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho

Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que

a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou

natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou

injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao

juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes

Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo

com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos

juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens

que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar

muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa

experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo

imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se

retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344

Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas

teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os

testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que

temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos

que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma

categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado

341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

86

uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345

No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica

equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou

argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca

de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de

certo modo

Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o

Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo

podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito

do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral

como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o

Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou

ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e

assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns

a todas as artes347

Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da

classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou

o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as

praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de

produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348

345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo

da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei

jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas

se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para

o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar

o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir

e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos

Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos

juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo

do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica

que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias

juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau

de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros

podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do

retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela

jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que

logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ

Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20

87

Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas

mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia

do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa

Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as

normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso

pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas

sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica

isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se

se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade

que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum

Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos

alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de

fatos

Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas

certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um

corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do

tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem

com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois

de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais

estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral

segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa

sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os

349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da

Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria

sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por

seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade

formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de

transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova

era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada

aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo

inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o

aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees

que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo

permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL

Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio

27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt

Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

88

sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como

premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato

concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351

Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um

raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em

vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352

Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute

de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu

domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o

status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη

temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim

concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de

dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre

Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa

sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no

discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A

falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser

levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado

indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353

Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do

Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes

nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos

ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria

adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido

amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com

menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a

351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo

em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo

na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela

expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9

170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito

bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um

τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140

89

jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos

tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes

sobre os casos judiciais

Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a

presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos

legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes

longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave

ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se

transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos

que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees

da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na

doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da

sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem

eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem

discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em

discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica

no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes

de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos

particulares

Casos particulares

Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas

foi revogada e a outra alterada

A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada

pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo

Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou

fraude para fim libidinoso

Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355

A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude

Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha

a seguinte redaccedilatildeo

355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt

httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017

90

Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude

Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356

Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio

geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla

poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo

Federal como uma garantia fundamental neste inciso

XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem

preacutevia cominaccedilatildeo legal357

Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com

base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria

O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio

da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei

deve ser clara e precisa358

Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos

costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo

chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da

expressatildeo ldquomulher honestardquo

O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas

nas normas e interpretadas pelos costumes

As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam

conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra

subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras

Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome

de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre

que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz

quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do

costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a

validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu

conteuacutedo359

Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar

seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se

356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo

Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em

lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71

91

expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma

constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos

da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o

que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de

forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem

consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar

algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo

Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees

geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher

honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos

ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio

Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de

jurisprudecircncia que mostraremos agora

Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro

Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal

Federal em 06 de agosto de 2002

Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute

da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do

crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a

mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores

elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou

o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher

seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual

por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das

viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode

ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes

consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de

Jesus360

Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do

Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees

geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo

Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por

ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo

Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram

360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson

Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em

24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

92

diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave

liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios

constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo

para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361

Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente

aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de

Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para

ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que

reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos

A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou

constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios

subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo

A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da

igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios

admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade

suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda

a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos

As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no

serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a

efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito

fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia

Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si

mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual

respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos

indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a

neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem

como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a

igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a

igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de

privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que

corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-

estar social e a igualdade como reconhecimento significando o

361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p

148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito

Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt

httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

93

respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam

raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364

Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que

podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um

direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees

geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as

injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente

aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem

parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave

proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave

igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365

Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas

raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou

natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o

acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente

podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias

estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-

se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de

verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que

orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo

pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva

A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do

Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a

ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele

menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns

paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por

Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida

em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre

364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14

94

o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute

hoje Assim redigiu o Ministro

Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna

relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e

preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que

atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm

129902014) destacando-se em tal contexto como elementos

fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade

humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave

igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e

efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela

alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da

felicidade368

Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da

leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo

dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo

ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima

e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo

fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em

determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas

tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito

Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo

valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata

dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra

e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso

agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a

honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370

368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF

Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto

a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou

secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera

apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a

necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria

desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode

ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo

LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois

devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito

Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o

inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar

95

Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel

entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que

ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal

restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel

agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos

do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o

que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes

ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em

siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho

Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio

da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos

no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os

problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas

juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a

populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das

cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais

Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da

igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem

tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares

Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de

evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute

um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um

fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera

criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de

indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo

239 do Coacutedigo de Processo Penal

os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma

reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo

do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e

presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160

96

Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada

que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a

existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373

A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou

verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de

raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos

Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de

um exemplo

A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime

que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime

pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes

Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-

se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute

a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor

do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso

particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim

a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo

Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a

apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa

e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios

comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo

da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos

indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam

com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees

geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas

373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao

abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a

uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E

outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo

eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com

todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20

97

provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376

Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos

julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis

justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo

a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)

que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave

plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada

A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um

contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja

porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras

palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute

possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em

debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas

oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o

ocircnus da prova dos fatos alegados

Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente

aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e

elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio

dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico

Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute

entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por

possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de

percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal

Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da

contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos

a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir

que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se

apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 138 e 167

98

conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos

alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica

Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou

seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente

aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a

partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o

conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos

satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as

premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o

primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como

acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador

pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos

τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as

relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees

Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os

entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois

servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι

dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer

de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um

exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o

conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento

retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam

o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental

Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os

entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que

representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme

expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por

si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico

tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e

interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de

argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o

estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que

99

o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam

e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar

instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais

e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto

Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em

funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito

significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute

possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou

acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre

elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios

gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria

dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do

mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na

esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo

pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o

objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas

no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees

diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar

os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou

desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa

dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas

algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral

consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e

histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo

juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de

argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito

e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou

se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos

Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de

linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no

378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18

100

sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do

termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do

que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de

raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo

de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza

precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem

de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico

literaacuterio ou comum

3 Linguagem loacutegica e eacutetica

Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem

Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio

apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O

jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo

juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre

os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei

natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas

pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute

a imprecisatildeo da linguagem do Direito386

Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para

Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na

existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos

decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os

sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para

evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo

382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que

as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que

significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit

p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro

101

Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre

identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que

envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos

utilizados durante a discussatildeo389

A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a

linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem

comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que

Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as

ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia

antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O

que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e

esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e

coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos

Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo

conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que

buscar uma linguagem perfeita

Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo

enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito

principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias

Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo

histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme

temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito

De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos

Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por

seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e

linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de

389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge

como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e

cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas

redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica

ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica

juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas

sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo

extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo

102

debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio

de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual

que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um

contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado

Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem

os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e

como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que

estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte

para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais

seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes

Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo

muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como

sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o

debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista

que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees

como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram

descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como

empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe

um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo

Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391

mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim

como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda

argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute

uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e

disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que

torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo

homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de

adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito

essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos

Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio

qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio

391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15

103

servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo

Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo

dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados

testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por

parte dos debatedores

4 Taacuteticas de debate

As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos

nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais

no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as

sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o

interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento

Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo

A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia

T Sim mas o que exatamente

A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de

madrugada no dia X

T Sim eacute verdade

A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos

T Sim

A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu

T Natildeo sei acho que por volta de uma hora

A Antes ou depois de uma hora

T Natildeo sei

A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta

de meia noite

T Sim

A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo

T Natildeo sei

A A senhora ouviu ele chegar

T Natildeo

A A senhora estava dormindo

104

T Sim

A A senhora tem insocircnia

T Sim

A A senhora toma remeacutedios para dormir

T Agraves vezes sim

A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir

T Natildeo lembro

A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo

T Estava dormindo e acordei com os barulhos

A A senhora tem pesadelos agraves vezes

T Agraves vezes sim

A Obrigado

O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato

que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de

que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a

conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a

alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que

ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato

ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a

afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As

premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O

advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo

do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave

conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que

dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a

chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade

de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava

dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo

A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o

auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o

testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-

se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo

105

dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo

mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado

remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para

dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel

que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez

servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos

pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos

natildeo eacute fidedigno

O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum

na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas

premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu

os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que

levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos

O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para

um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por

induccedilatildeo

Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de

debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre

os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos

de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor

isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na

condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha

promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia

entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante

discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre

por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor

a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a

dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual

oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na

discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz

106

CONCLUSAtildeO

Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as

quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que

a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois

suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de

premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos

do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de

forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo

especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo

ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que

essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito

o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de

Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do

Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o

treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a

finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a

investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto

acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais

aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e

outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para

os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva

para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma

393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30

107

ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados

nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo

A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa

dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra

usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se

formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido

feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e

aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas

loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de

Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos

que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas

anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na

praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos

a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute

fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica

natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer

uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos

suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica

aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica

juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes

de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica

os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos

para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das

ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser

enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que

ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em

geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje

Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum

tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do

seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa

filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso

estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na

108

obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da

correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos

como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma

compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como

um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo

da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta

dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar

as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos

da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica

que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e

se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-

contradiccedilatildeo

No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam

concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de

linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas

em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as

habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional

de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem

exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso

seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico

Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e

o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente

aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico

dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese

satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos

dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito

mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel

enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade

maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um

meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma

397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246

109

aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao

dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo

pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos

cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos

Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo

dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios

Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou

modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo

de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da

dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um

discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas

trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral

dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos

retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees

diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele

retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham

a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte

satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da

linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer

aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos

Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da

sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica

Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles

menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente

tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias

entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue

de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma

habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas

398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida

quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2

157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees

possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou

faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16

110

comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica

para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas

De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve

como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso

como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do

assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo

requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das

questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos

Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e

psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de

vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees

reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento

para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo

apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo

essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um

pouco estranha a de que nem tudo se discute

Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo

juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples

meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas

Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos

argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e

linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O

principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre

acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas

respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente

dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos

que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito

uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas

111

REFEREcircNCIAS

Obras antigas

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto

Codex Porto Editora 1995

ARISTOacuteTELES Eacutetica agrave Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002

ARISTOacuteTELES I Topici Traduzione introduzione e commento di A Zadro Naacutepoles Loffredo

Ed1974

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Traduccedilatildeo de Edson Bini 2 ed Satildeo Paulo Edipro 2012

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Ediccedilatildeo triliacutengue de Valentiacuten Garciacutea Yebra Madri Editorial Gredos

1982

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F

Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de

Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005

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iv

ABSTRACT

The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor

Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists

Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and

Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his

work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of

dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo

Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise

This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a

discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices

of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what

could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present

thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth

in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the

work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists

The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the

presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific

legal examples

Key words Aristotle dialectic rhetoric Law

v

SUMAacuteRIO

AGRADECIMENTOSii

RESUMOiii

SUMAacuteRIOv

ABREVIATURASvii

INTRODUCcedilAtildeO1

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12

1 Consideraccedilotildees iniciais12

Noccedilotildees preliminares 12

Objetivo dos Toacutepicos15

Raciociacutenio dialeacutetico 20

2 A utilidade dos Toacutepicos23

3 Os instrumentos da dialeacutetica28

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28

Predicaacuteveis32

Categorias 34

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos

termos36

Espeacutecies de argumentos36

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38

Significados dos termos39

II Os toacutepicos 42

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46

vi

Toacutepicos sobre o acidente48

Toacutepicos sobre o preferiacutevel49

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53

Toacutepicos na Retoacuterica54

III O debate dialeacutetico57

1 Estrateacutegias do questionador59

2 Estrateacutegias do respondedor63

3 Diferentes objetivos no debate65

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68

IV Viacutecios de raciociacutenio72

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83

Casos particulares89

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97

3 Linguagem loacutegica e eacutetica100

4 Taacuteticas de debate103

CONCLUSAtildeO106

REFEREcircNCIAS111

vii

LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Aristoacuteteles

Toacutep Toacutepicos

Cat Categorias

Met Metafiacutesica

Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco

Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos

An Pr Analiacuteticos Primeiros

An Post Analiacuteticos Segundos

Ret Retoacuterica

Fiacutes Fiacutesica

Da Int Da Interpretaccedilatildeo

1

INTRODUCcedilAtildeO

O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o

estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado

pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo

entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da

evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as

demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase

como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado

Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao

contingente3

Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em

vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de

prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi

desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo

Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o

Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo

as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4

Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais

de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva

alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5

Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma

ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou

para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da

1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo

G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000

p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26

2

matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo

cientificamente irrespondiacutevel6

Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na

primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor

Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia

(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se

alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na

Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de

resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por

problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o

autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9

A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)

surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na

Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos

de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que

mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de

habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias

publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as

pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se

durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas

da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar

dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica

e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de

Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande

6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina

Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia

Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e

Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995

p 343

3

codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela

dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar

as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a

princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos

XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica

escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas

juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e

fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos

particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14

A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da

dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da

repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros

devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de

Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo

extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do

respeitado jurista alematildeo Karl Larenz

Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue

depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico

juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer

ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises

juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de

empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores

que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma

representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo

das opiniotildees expendidas17

13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171

Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz

Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)

as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente

um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para

julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar

por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar

topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida

em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo

abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver

constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse

puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar

proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago

que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute

4

Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico

pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns

argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam

de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios

conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica

standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19

Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como

disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se

pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas

compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel

natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel

O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico

poreacutem um toacutepico muito importante21

No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul

Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22

Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da

argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950

poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de

Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de

Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de

Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo

distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a

uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a

jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a

pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas

verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e

introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy

2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia

ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte

de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de

procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo

ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras

palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor

do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo

introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189

5

categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de

trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)

Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente

ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu

um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen

(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em

1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu

a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente

aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio

Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados

desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em

artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo

dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais

recentemente R Bolton e R Smith24

Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles

funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo

desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto

apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma

situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer

clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25

A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como

funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial

entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos

e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e

dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees

proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os

23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski

para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica

formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de

PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em

httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and

Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004

Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese

do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3

6

problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos

termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de

acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria

sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa

opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as

regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio

fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou

se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27

A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas

teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral

eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente

mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos

Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que

apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas

garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria

Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no

Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido

desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas

Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda

as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas

analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia

opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso

Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus

textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo

atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que

as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir

e apresentar argumentos soacutelidos28

No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a

dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos

26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997

p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo

Argumentation v 19 n 4 2005

7

primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o

meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por

sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins

Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades

mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer

habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32

As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de

Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter

argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao

positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como

pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de

invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua

toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus

proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica

de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da

Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo

Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre

partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de

vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz

pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade

respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade

isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar

na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria

regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial

tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo

29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29

2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24

jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na

codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar

por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116

8

incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo

exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos

estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos

Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por

necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em

consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir

para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero

considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg

natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no

decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica

claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A

toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor

Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento

desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas

apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo

da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso

interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves

metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar

o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza

segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40

Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise

sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera

juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do

Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que

Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para

a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica

juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de

37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em

httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica

ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel

em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set

2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57

9

uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso

objetivo de longo prazo

De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz

nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila

quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica

Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para

formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador

da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e

outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate

regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um

elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio

entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras

tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da

leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos

Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o

objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente

aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias

filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42

Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso

propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel

possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que

chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para

apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor

Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em

conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que

empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo

aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias

de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem

descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e

interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da

proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude

mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender

antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido

premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem

41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5

10

preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-

nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores

acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica

na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de

suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos

tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo

tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito

sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que

liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43

Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como

base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o

conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias

pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos

que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a

questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como

pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de

difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico

especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e

Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar

por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que

pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a

melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente

e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se

apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute

imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de

Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica

Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem

disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura

do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso

esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo

definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a

VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito

Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice

dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho

seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo

43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30

11

apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos

objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos

propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos

de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo

apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos

para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os

diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das

quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como

Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos

Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares

agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence

ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente

aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas

Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e

diaacutelogos

12

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos

1 Consideraccedilotildees iniciais

Noccedilotildees preliminares

O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles

sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido

moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de

Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados

sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44

O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de

modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos

Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)

5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos

O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir

uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo

divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos

Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral

eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e

Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois

como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa

elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado

tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores

do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o

Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos

44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro

e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos

Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas

palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema

que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo

essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos

Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A

Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196

13

natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo

denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem

subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse

argumento48

Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos

Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e

como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas

merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas

noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto

de estudo

Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)

da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas

a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a

sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a

conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49

Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo

ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade

estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute

Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que

a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo

no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute

contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52

A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que

entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute

48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e

Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo

livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii

1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10

14

mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica

e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins

de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico

(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico

nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento

cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute

destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois

como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa

razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem

nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para

se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar

Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo

para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as

afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra

ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso

de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser

investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal

caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos

Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais

especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade

de saacutebios a depender do contexto

Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O

conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra

forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam

Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e

pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais

natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53

Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de

53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133

15

ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a

Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua

natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada

Trataremos disso em seguida

A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de

contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura

sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e

passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos

Objetivo dos Toacutepicos

O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra

Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas

ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos

tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer

alguma coisa que nos cause embaraccedilos56

Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se

percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57

Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)

com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por

todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos

para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58

54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -

Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que

deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja

de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao

passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic

Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para

comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de

opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na

sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1

100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25

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Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema

proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma

teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de

assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus

princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)

comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos

Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das

ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte

Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos

de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito

algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria

e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios

da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees

tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a

prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a

falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por

diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo

com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos

dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute

aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda

arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se

efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην

ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular

julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual

eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a

refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem

no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60

Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute

ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a

Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees

geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao

conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma

discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos

ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento

59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo

demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos

na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem

poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos

arg Op cit p 171

ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37

Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18

17

associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio

provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos

saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento

que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que

acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo

Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)

e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a

verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que

satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da

mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas

Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos

pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza

do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um

raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir

demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico

Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute

bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom

juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas

as coisas eacute bom juiz em geral62

Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir

a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo

legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo

admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do

contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de

investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos

Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios

sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo

62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a

25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo

em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o

ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes

maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o

segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade

A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo

fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito

citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade

aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados

(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de

todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior

nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees

correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES

Eacutetica a N Op cit p 146

18

geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63

Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado

sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio

portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria

culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos

na introduccedilatildeo deste trabalho

Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a

Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e

ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura

superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas

entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos

Toacutepicos que define ἔνδοξα

Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os

homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade

e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem

divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a

mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata

de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras

embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem

a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com

a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar

todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta

considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais

razoaacuteveis64

Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais

proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees

e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos

segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos

[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que

o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade

como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as

caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem

incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam

a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras

com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a

identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou

sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade

exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos

defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas

mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja

63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20

19

inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos

em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65

Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por

uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees

ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo

entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho

ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o

indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que

parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz

a dialeacuteticardquo66

Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas

de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio

Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um

senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado

o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente

aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo

ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67

Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto

de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como

dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem

ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo

aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees

e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar

Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo

Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma

proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou

para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo

devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo

(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se

65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico

ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10

20

muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que

merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A

esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de

puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de

percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser

castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente

e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se

por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma

investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico

Raciociacutenio dialeacutetico

Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de

raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de

raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz

necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio

(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71

Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς

συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O

raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e

verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras

e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser

descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua

verdade por si mesmos72

Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das

cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que

intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os

70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem

necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6

ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente

pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10

21

primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso

satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode

ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute

demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que

seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos

Analiacuteticos

Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber

(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja

inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o

conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute

necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν

ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas

mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas

satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do

demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode

haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma

demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem

ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a

comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e

indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para

serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de

um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua

demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do

que ela e a ela anteriores 75

A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o

fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros

Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo

74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo

sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo

(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave

intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os

princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico

(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia

(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que

apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de

o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma

ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento

verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do

proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se

comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores

Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um

par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma

pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira

Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-

30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O

desenvolvimento Op cit p 4

22

estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos

observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se

mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser

verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite

alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos

Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na

afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito

tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e

obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa

dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das

duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee

uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute

indicamos nos Toacutepicos78

O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e

uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa

anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo

e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica

assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa

supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79

Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas

com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde

Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a

demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma

prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de

perguntas80

O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio

apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem

ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas

parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente

aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas

que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser

77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-

255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam

friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17

23

claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as

opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa

falsidade deve ser um pouco oacutebvia82

O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade

no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e

mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se

enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas

de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas

apenas parecem secirc-los84

O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo

(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo

O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo

Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que

natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se

fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do

semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma

desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se

classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele

apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado

em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos

complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito

do raciociacutenio eriacutestico

2 A utilidade dos Toacutepicos

Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se

raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na

sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro

lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo

82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5

24

bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla

possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para

a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as

disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O

treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram

praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a

conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em

suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a

identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado

meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases

uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave

luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica

que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de

todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89

Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A

primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos

contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o

raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e

o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na

discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das

87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade

de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais

facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo

agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute

completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante

de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as

questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais

apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as

investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como

contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma

e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher

acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151

25

proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se

a verdade (ἀλήθεια)91

No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios

(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica

mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos

anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os

princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos

Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a

partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta

debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94

Citamos um trecho

Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou

natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele

estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da

realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o

detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma

natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo

verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto

dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar

qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto

natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa

indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas

Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que

professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash

coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem

caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando

em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira

de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de

francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que

natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio

que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95

Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o

qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo

(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do

princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas

91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua

verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119

26

eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o

Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode

ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos

ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo

de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios

pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute

uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela

inteligecircncia97

Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se

aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois

esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro

mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas

Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da

Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99

Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa

obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a

impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao

debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()

declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas

de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme

era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores

tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute

possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como

divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da

dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos

exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles

96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um

jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34

27

nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas

Disputationes104

Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de

disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota

da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a

ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer

aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um

descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o

comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa

complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105

O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um

meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo

se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara

demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os

Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos

considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento

principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma

outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as

ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos

Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas

e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos

sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus

nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees

individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que

abordaremos agora

103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar

tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos

quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a

constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-

se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto

deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15

28

3 Os instrumentos da dialeacutetica

Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o

eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar

dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o

que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees

necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de

argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de

coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim

de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e

os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute

composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado

do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para

a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na

construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute

ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem

natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo

apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de

proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final

se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada

a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo

Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por

todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema

(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a

escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela

107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo

e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na

construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13

29

anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos

que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O

problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113

Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados

como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo

ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em

se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute

evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o

que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem

se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se

estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados

satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115

Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις

ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos

quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que

satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais

de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma

ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das

opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve

fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)

acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em

questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os

pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem

ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra

observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como

113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to

different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem

is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle

tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20

30

no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas

contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam

os debates

ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal

como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou

ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica

deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso

das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta

espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila

distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem

significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie

eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-

nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118

Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)

que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o

conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo

tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada

em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos

homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave

opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios

divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees

em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra

e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por

exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a

diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos

fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que

resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos

das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e

dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica

essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo

sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo

θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo

intelectual120

118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81

31

Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que

Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito

com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo

denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas

entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo

eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em

movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121

Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar

proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As

proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute

deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles

pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias

agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que

estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que

parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas

como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo

Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser

extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa

vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades

reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica

sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser

tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees

Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo

conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos

relativos eacute o mesmordquo124

121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca

a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute

indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute

possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis

quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo

eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o

universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35

32

Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)

e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos

partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as

categorias

Predicaacuteveis

Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou

um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com

o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os

predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da

reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125

Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais

Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como

explicados a seguir

Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν

εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa

Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua

diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um

animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem

definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica

Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas

natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo

conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128

O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente

uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira

conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute

homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem

Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender

125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New

York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20

33

gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem

pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129

O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias

coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem

boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do

objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de

essecircncia (τὸ τί ἐστι)132

Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa

sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem

proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor

modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133

Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao

gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles

poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser

destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o

atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um

proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim

quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente

Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido

Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles

Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes

firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo

para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e

organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem

foco em um dos predicaacuteveis

O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas

e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute

129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39

34

possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam

na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de

ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma

proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo

pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se

predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo

abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem

que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do

gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito

Categorias

Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de

predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma

das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute

divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de

coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre

esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as

seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo

posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138

135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo

Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos

de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais

probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem

disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a

foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma

coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-

10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias

ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)

ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou

ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs

categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas

pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma

classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia

expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que

ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a

tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto

Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas

categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)

de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois

35

Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das

Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que

eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139

Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois

termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos

Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua

essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere

tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso

trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no

livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo

entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer

em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por

exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia

ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo

e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de

substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de

categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes

em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo

vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica

bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o

que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142

evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma

substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I

9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou

ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor

branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia

(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma

grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute

descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros

casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o

seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada

de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras

espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006

apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq

36

A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as

definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem

como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as

diferenccedilas se expressam em categorias

Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a

qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a

qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem

ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo

basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por

alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas

acima143

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados

dos termos

Espeacutecies de argumentos

Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio

(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas

estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute

considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos

sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez

eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144

Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo

eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto

ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das

duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no

iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse

mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por

premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se

relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio

143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se

que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que

de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69

37

natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos

inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita

coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo

clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da

linguagem vulgarrdquo147

Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos

homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos

leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio

A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de

argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo

de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves

Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo

caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos

de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais

utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios

universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os

princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica

linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso

segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151

Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento

de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se

emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as

semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar

proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas

147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b

18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo

fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes

manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos

apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)

Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30

38

e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser

inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila

Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees

sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro

lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos

em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou

geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa

soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo

mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo

ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute

o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O

segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute

capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do

acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A

identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma

espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a

identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem

e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o

estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos

predicaacuteveis

Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser

estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila

difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do

conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da

153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma

proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso

como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser

recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a

sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo

em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13

105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35

39

mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que

pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157

O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa

particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela

observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil

para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O

argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do

estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais

semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das

semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos

semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees

o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada

caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a

essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto

em uma definiccedilatildeo158

Significado dos termos

Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece

reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele

apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um

termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos

algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios

significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como

exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de

ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo

Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra

ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios

tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o

que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor

A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da

157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37

40

sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso

ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como

por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas

natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160

Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter

sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido

conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das

palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado

o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado

ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe

de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a

uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade

apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias

definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161

Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos

significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se

argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado

dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo

perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita

em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao

se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens

Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto

no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que

afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a

coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso

raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas

aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos

sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que

interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao

160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que

corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos

exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de

fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one

or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated

by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a

competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx

41

passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados

e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua

asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus

argumentos a esse ponto163

O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das

palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com

falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos

nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem

possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados

apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos

sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um

tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que

se vecirc no seguinte trecho

Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham

diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles

que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo

logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo

familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de

falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando

ouvem outros raciocinar165

Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo

encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos

apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os

raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente

ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos

Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se

segue166

163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios

porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar

por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus

argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso

adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre

possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos

Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se

por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de

discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES

Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35

42

II Os toacutepicos

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)

Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido

por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho

essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em

dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer

uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles

designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor

uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale

que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles

sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor

atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo

procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que

Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em

competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas

consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a

etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir

O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito

provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista

de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas

localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente

recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees

dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em

Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169

167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations

Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these

he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what

a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith

1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of

Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a

great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street

one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items

Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad

43

Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo

que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no

mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante

entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie

Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta

os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de

apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o

dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o

argumento para a conclusatildeo desejada171

Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute

associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles

sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber

vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem

selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173

ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se

apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque

de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por

meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma

premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a

atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos

Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das

proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo

dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza

Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems

to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly

makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined

premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On

Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA

Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002

Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a

variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in

stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo

then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo

SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151

44

para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos

olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177

J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo

do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o

termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser

usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou

uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo

como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte

Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica

e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um

argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o

nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos

poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179

Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega

τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente

ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes

entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que

podem ser gerais ou especiacuteficos

Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo

Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas

argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees

argumentativosrdquo182

Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou

premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o

177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo

aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de

direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico

do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees

de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram

em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera

toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo

diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas

(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa

45

seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como

acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse

tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos

quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185

Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos

natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz

que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da

aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como

premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι

especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()

regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso

em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186

A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a

funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος

aristoteacutelico o seguinte

Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este

pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se

o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser

impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave

mesma coisa187

Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι

aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema

toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados

em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente

conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais

frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos

e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no

grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem

nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e

conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera

referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do

mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc

as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada

do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese

pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep

163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33

46

argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao

sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou

regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos

muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os

esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos

toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188

Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro

deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser

uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que

queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou

refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para

apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de

uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que

selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso

dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo

deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se

por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos

selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado

para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o

esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo

o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar

a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa

capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da

espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate

dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo

pretendida189

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica

Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios

dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os

livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo

188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid

47

eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados

nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos

mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees

que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos

De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se

as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A

Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten

que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191

1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S

2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S

3) S eacute P = P eacute gecircnero de S

4) S eacute P = P eacute acidente de S

Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III

dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute

bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo

ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser

usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios

particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo

dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de

modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer

ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas

em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que

afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um

erro193

190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos

menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162

Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30

48

Toacutepicos sobre o acidente

O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se

haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente

pertence ao sujeito de outra maneira

Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que

pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais

comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo

se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma

cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194

Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente

que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo

ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo

correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo

O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se

afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico

serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o

predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que

o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente

encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a

proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente

se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa

posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam

uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um

procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado

Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar

os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o

ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195

O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do

acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute

alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo

dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de

194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30

49

ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o

invejoso natildeo eacute bom196

Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou

destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos

quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser

usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute

objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro

significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos

termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que

comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos

Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu

que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento

pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos

Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de

significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente

o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi

discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel

tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por

terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos

que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos

demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma

afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo

corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os

sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade

de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que

seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente

porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence

ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo

se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido

a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio

teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel

num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa

pretensatildeo seja razoaacutevel198

Toacutepicos sobre o preferiacutevel

O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a

um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o

mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas

ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre

196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28

50

o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute

necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que

identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas

Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo

segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo

Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel

agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais

probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo

homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo

qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em

determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos

eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo

mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou

carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a

maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas

as coisas tendem para o bem199

Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas

acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de

modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por

exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais

desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que

pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa

melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio

de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente

a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o

vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel

que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio

Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio

Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das

investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem

partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201

199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15

51

O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero

atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem

agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute

indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o

gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar

se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)

Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma

nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro

toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada

pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma

espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203

Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o

oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre

manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo

propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de

ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute

formoso204

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo

Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para

verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve

linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre

a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de

identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir

na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo

de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o

erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero

Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas

diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar

ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar

202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15

52

o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute

correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer

O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um

objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave

definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206

Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre

a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave

obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro

o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale

para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute

ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se

o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade

em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem

para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e

friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo

que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se

refere207

Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter

apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos

construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa

discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre

a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e

como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo

consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta

que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo

desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para

a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo

e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que

Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado

um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos

205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20

53

De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza

os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a

partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando

que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam

meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos

adequadamente enumeradosrdquo210

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto

capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia

(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas

coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a

combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas

seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma

sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que

dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212

Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados

no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como

sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou

deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser

obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de

sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema

definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo

nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para

aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo

para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que

escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que

210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have

now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior

Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London

Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159

54

parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem

chama de toacutepicos214

Toacutepicos na Retoacuterica

A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη

ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum

e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O

que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir

em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de

demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo

que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma

espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em

geral partem de ἔνδοξα221

Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo

no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa

para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou

213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o

tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel

portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)

de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-

33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173

Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois

que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo

vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg

Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos

produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais

haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela

induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos

nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas

satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo

Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior

parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que

cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que

geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem

ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o

particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237

55

comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns

ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser

aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica

Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos

ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial

e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica

Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o

exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula

argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se

uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que

seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os

homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o

menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos

inclusive atualmente

Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem

eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses

nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees

eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225

Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade

dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um

exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre

a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A

primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio

de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se

vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis

escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando

natildeo houver puniccedilatildeo226

Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees

que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a

223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20

56

praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir

acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute

conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos

para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227

Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na

argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde

com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como

ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As

maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima

ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado

saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a

causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil

do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar

determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da

mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de

encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa

que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel

do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso

pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231

227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15

57

III O debate dialeacutetico

Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente

uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas

ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia

um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo

Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do

respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder

Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua

proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente

concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse

ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233

Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de

praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a

dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas

codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa

praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos

Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir

para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa

conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de

Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo

diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer

tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a

funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a

dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao

tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese

por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E

acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se

232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm

158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press

1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7

58

refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que

recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII

o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas

dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da

competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o

antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo

pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o

respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua

defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular

algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso

se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que

Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo

e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e

apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo

correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o

comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo

de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio

Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo

geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico

se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do

raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por

meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de

demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute

possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e

examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de

estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois

sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem

utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador

236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40

59

individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas

em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da

afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242

1 Estrateacutegias do questionador

O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de

propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente

e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave

construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro

tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute

concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o

argumento mais evidente244

Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se

possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas

alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute

confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo

(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes

uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a

concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que

eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu

as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247

Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter

distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel

possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos

chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por

Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com

atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos

posteriormente

242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30

60

As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se

na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente

e tambeacutem em sugestotildees de psicologia

As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma

expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por

exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute

podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a

oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica

nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que

se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o

mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois

disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando

uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo

forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo

expliacutecito250

Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas

para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para

dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o

argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se

pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o

desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se

despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter

inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que

realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees

dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de

defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute

uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem

natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a

outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias

tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma

249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5

61

conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos

nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251

Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando

possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os

termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a

concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a

concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem

uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem

irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso

desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos

baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra

estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes

desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255

Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate

oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de

imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada

eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma

objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a

premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais

facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os

pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas

que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em

primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou

impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256

251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo

coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II

9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39

62

Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para

proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem

que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257

Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme

jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com

os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a

questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas

usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas

satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que

abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o

adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule

uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em

questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida

Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir

tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se

natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute

vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo

contra elardquo258

Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente

o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse

fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade

seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel

Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio

sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque

muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a

nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees

que foram feitas259

257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15

63

Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas

hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do

ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel

ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-

se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas

intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261

As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do

questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom

questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se

seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom

respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas

apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo

a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262

2 Estrateacutegias do respondedor

O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou

respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou

geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila

no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas

O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese

assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a

conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais

familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar

Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do

mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263

O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter

geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia

para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para

evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante

260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner

should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses

that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20

64

e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa

natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande

maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees

muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o

ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o

respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo

se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente

deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e

natildeo da sua incompetecircncia pessoal264

O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de

clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e

simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes

significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro

sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente

natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio

do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra

alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve

o verbo ldquopertencerrdquo

Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos

ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem

o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o

homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois

dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um

animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos

espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa

proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266

O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador

tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve

evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo

absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por

dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do

264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180

65

que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que

a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267

3 Diferentes objetivos no debate

Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode

ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute

regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute

influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo

influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem

tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo

(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a

respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme

falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em

que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras

e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas

de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em

mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma

proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para

toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos

O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos

conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando

Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e

natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro

mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende

que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute

possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade

Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que

deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por

meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios

267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the

conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139

66

a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos

posteriormente 270

Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o

paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que

satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma

intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com

necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de

ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige

compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles

distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as

proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico

nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271

Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que

essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio

investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute

apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos

Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica

dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma

que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos

proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida

para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar

construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores

o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas

tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os

aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo

conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou

procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas

para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos

270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do

exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para

estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro

como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro

foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII

11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363

67

extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel

identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo

sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele

estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um

dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise

cuidadosa

Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada

que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento

em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos

independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando

ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o

argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de

premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o

argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora

verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e

falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem

apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute

contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a

verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer

afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles

e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos

272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de

estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado

conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos

o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o

dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez

que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas

pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo

do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais

facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito

de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo

sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a

ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)

terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a

partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos

diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o

68

Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode

ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou

natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia

Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc

quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem

na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e

que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio

dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque

parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as

circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita

a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo

No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio

dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles

inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si

mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos

proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos

debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles

comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280

Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma

que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o

respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer

corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo

desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser

uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o

mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o

conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como

predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a

conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente

rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais

coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p

143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10

69

argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda

tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando

um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um

ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento

eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos

O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento

comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave

argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo

comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com

efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que

haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria

como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que

faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a

admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro

pergunta283

Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma

disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as

estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo

muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute

pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma

premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a

proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos

casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter

Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda

seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285

Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do

questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute

fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um

grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um

raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas

281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10

70

perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade

chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286

A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme

mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da

argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de

xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas

estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles

caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o

com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288

Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do

debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a

cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles

reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e

moral

Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo

com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por

forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua

diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar

todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas

isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr

levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute

resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289

A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute

presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro

da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria

aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar

essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela

291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre

ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos

Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos

anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que

286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367

71

usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de

descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema

proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser

utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom

suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e

como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos

relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima

linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema

especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc

Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre

qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais

geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte

da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela

devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas

o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com

uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do

nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir

uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de

assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender

nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas

quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo

que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las

confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que

precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos

materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as

fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos

Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo

e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar

contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os

problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta

investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do

assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar

acima292

292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196

72

IV Viacutecios de raciociacutenio

As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos

debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz

respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles

Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um

sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo

como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste

capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto

pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a

certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a

seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na

argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral

Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos

exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal

silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser

definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos

Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e

Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo

a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos

antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da

Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras

silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o

escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro

de Aristoacuteteles sobre loacutegica

Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que

em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco

293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45

73

possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes

As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia

inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo

reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas

quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em

X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia

se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296

As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no

uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio

ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos

silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos

Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo

justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de

viacutecios de raciociacutenio

Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII

dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que

a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do

sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio

dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que

parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de

falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com

exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente

beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de

coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o

satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute

Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν

ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que

aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como

296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso

quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo

tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse

que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento

de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute

igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25

74

tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao

sujeito (assunto) em pauta298

Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso

silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou

um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter

muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O

exemplo apresentado eacute

Quem estaacute sentado escreve

Soacutecrates estaacute sentado

Soacutecrates estaacute escrevendo

A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles

sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave

conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre

o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo

ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve

ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve

e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo

seria possiacutevel300

Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em

si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a

conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as

premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem

adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute

irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de

premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como

perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre

quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves

vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas

que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo

298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39

75

menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas

satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto

Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema

proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte

de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo

leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que

conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por

meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio

(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que

demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por

um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302

Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No

primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o

caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No

segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o

caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma

conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute

eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao

assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina

ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou

falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada

por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes

verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo

verdadeira seja inferida de premissas falsas 304

Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer

em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que

conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute

postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se

301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma

demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a

conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16

76

expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e

expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar

para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento

dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um

soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de

modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar

que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas

da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia

da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se

incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de

afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular

que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute

incomensuraacutevel com o lado306

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos

Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em

contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um

raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser

geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso

ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma

competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois

o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o

sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e

enriquecer307

A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata

de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da

adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa

inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um

paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de

um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de

um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do

Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o

306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35

77

argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento

apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto

dialeacutetico308

Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de

preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o

solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a

aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309

As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que

independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento

em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para

as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia

(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e

a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje

de falaacutecias de ambiguidade311

Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute

bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que

pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo

por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo

quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um

exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo

As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis

porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das

palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que

estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e

Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do

mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais

adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras

308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou

1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10

78

o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas

possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem

tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute

sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute

teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo

ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de

palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado

com aquilo com que foi espancadordquo315

Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas

discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois

exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No

entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e

facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase

na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia

Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel

As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da

mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que

abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar

fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar

vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318

As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as

relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo

em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou

relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas

ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias

questotildees em uma soacute319

314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30

79

As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma

que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como

uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos

pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo

ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute

ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de

Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem

pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320

Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem

ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido

absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por

exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo

eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente

como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca

aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321

As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido

definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado

de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente

delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do

desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso

elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo

que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322

A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a

conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor

que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O

Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a

percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos

Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar

molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323

320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10

80

Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo

modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram

apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324

A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para

fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse

tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa

que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave

impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos

Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a

mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a

ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que

ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute

o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de

ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de

perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e

ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da

impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a

ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de

ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo

satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa

causa da impossibilidade desse argumento325

A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada

de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa

despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra

que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela

aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso

acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que

324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161

81

aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo

ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327

Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a

segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo

(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem

os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e

a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves

opiniotildees aceitas329

A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma

expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade

aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra

masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um

lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331

Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa

repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos

relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo

e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele

seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente

ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade

da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo

de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta

pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado

ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334

As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em

torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico

estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme

327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8

82

a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende

uma sabedoria aparente

Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que

possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele

proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo

tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos

capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para

dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio

apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute

indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos

Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma

faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e

esse eacute o fim que eles tecircm em vista336

336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156

83

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica

Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de

estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo

do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso

reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da

ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos

especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base

soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337

Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de

proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo

apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a

partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos

condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra

oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e

exemplificativos

A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo

proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta

dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do

conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das

opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios

(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem

a nenhum campo de saber especiacutefico

Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico

Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas

parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que

337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57

84

queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram

como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico

() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como

um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma

como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico

natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338

De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito

dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas

parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um

raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz

mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute

enganoso e desleal339

Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece

nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas

pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave

dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como

questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico

do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais

os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser

aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem

alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses

princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio

da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral

O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica

de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de

conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado

fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do

conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos

nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual

tentaremos resolver a partir de agora

338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte

desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo

portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor

ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op

cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso

capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos

85

A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de

Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o

que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero

de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute

proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o

fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos

destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta

ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a

felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As

opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no

discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo

retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as

confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara

distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho

Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que

a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou

natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou

injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao

juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes

Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo

com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos

juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens

que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar

muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa

experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo

imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se

retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344

Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas

teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os

testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que

temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos

que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma

categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado

341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

86

uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345

No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica

equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou

argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca

de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de

certo modo

Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o

Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo

podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito

do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral

como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o

Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou

ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e

assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns

a todas as artes347

Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da

classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou

o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as

praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de

produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348

345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo

da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei

jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas

se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para

o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar

o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir

e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos

Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos

juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo

do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica

que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias

juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau

de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros

podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do

retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela

jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que

logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ

Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20

87

Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas

mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia

do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa

Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as

normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso

pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas

sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica

isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se

se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade

que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum

Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos

alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de

fatos

Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas

certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um

corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do

tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem

com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois

de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais

estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral

segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa

sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os

349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da

Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria

sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por

seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade

formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de

transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova

era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada

aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo

inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o

aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees

que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo

permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL

Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio

27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt

Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

88

sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como

premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato

concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351

Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um

raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em

vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352

Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute

de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu

domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o

status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη

temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim

concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de

dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre

Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa

sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no

discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A

falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser

levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado

indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353

Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do

Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes

nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos

ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria

adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido

amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com

menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a

351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo

em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo

na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela

expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9

170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito

bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um

τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140

89

jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos

tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes

sobre os casos judiciais

Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a

presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos

legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes

longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave

ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se

transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos

que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees

da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na

doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da

sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem

eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem

discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em

discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica

no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes

de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos

particulares

Casos particulares

Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas

foi revogada e a outra alterada

A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada

pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo

Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou

fraude para fim libidinoso

Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355

A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude

Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha

a seguinte redaccedilatildeo

355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt

httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017

90

Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude

Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356

Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio

geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla

poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo

Federal como uma garantia fundamental neste inciso

XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem

preacutevia cominaccedilatildeo legal357

Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com

base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria

O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio

da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei

deve ser clara e precisa358

Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos

costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo

chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da

expressatildeo ldquomulher honestardquo

O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas

nas normas e interpretadas pelos costumes

As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam

conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra

subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras

Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome

de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre

que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz

quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do

costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a

validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu

conteuacutedo359

Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar

seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se

356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo

Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em

lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71

91

expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma

constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos

da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o

que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de

forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem

consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar

algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo

Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees

geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher

honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos

ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio

Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de

jurisprudecircncia que mostraremos agora

Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro

Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal

Federal em 06 de agosto de 2002

Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute

da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do

crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a

mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores

elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou

o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher

seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual

por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das

viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode

ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes

consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de

Jesus360

Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do

Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees

geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo

Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por

ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo

Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram

360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson

Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em

24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

92

diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave

liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios

constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo

para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361

Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente

aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de

Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para

ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que

reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos

A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou

constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios

subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo

A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da

igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios

admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade

suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda

a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos

As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no

serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a

efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito

fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia

Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si

mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual

respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos

indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a

neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem

como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a

igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a

igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de

privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que

corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-

estar social e a igualdade como reconhecimento significando o

361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p

148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito

Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt

httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

93

respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam

raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364

Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que

podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um

direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees

geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as

injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente

aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem

parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave

proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave

igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365

Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas

raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou

natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o

acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente

podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias

estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-

se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de

verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que

orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo

pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva

A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do

Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a

ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele

menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns

paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por

Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida

em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre

364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14

94

o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute

hoje Assim redigiu o Ministro

Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna

relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e

preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que

atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm

129902014) destacando-se em tal contexto como elementos

fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade

humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave

igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e

efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela

alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da

felicidade368

Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da

leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo

dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo

ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima

e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo

fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em

determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas

tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito

Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo

valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata

dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra

e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso

agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a

honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370

368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF

Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto

a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou

secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera

apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a

necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria

desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode

ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo

LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois

devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito

Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o

inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar

95

Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel

entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que

ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal

restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel

agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos

do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o

que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes

ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em

siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho

Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio

da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos

no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os

problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas

juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a

populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das

cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais

Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da

igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem

tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares

Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de

evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute

um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um

fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera

criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de

indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo

239 do Coacutedigo de Processo Penal

os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma

reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo

do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e

presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160

96

Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada

que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a

existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373

A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou

verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de

raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos

Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de

um exemplo

A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime

que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime

pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes

Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-

se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute

a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor

do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso

particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim

a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo

Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a

apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa

e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios

comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo

da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos

indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam

com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees

geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas

373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao

abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a

uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E

outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo

eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com

todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20

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provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376

Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos

julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis

justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo

a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)

que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave

plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada

A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um

contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja

porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras

palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute

possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em

debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas

oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o

ocircnus da prova dos fatos alegados

Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente

aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e

elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio

dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico

Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute

entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por

possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de

percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal

Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da

contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos

a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir

que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se

apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 138 e 167

98

conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos

alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica

Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou

seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente

aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a

partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o

conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos

satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as

premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o

primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como

acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador

pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos

τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as

relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees

Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os

entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois

servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι

dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer

de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um

exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o

conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento

retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam

o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental

Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os

entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que

representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme

expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por

si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico

tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e

interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de

argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o

estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que

99

o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam

e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar

instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais

e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto

Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em

funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito

significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute

possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou

acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre

elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios

gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria

dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do

mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na

esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo

pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o

objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas

no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees

diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar

os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou

desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa

dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas

algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral

consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e

histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo

juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de

argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito

e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou

se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos

Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de

linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no

378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18

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sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do

termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do

que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de

raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo

de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza

precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem

de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico

literaacuterio ou comum

3 Linguagem loacutegica e eacutetica

Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem

Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio

apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O

jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo

juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre

os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei

natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas

pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute

a imprecisatildeo da linguagem do Direito386

Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para

Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na

existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos

decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os

sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para

evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo

382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que

as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que

significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit

p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro

101

Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre

identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que

envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos

utilizados durante a discussatildeo389

A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a

linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem

comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que

Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as

ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia

antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O

que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e

esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e

coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos

Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo

conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que

buscar uma linguagem perfeita

Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo

enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito

principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias

Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo

histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme

temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito

De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos

Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por

seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e

linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de

389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge

como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e

cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas

redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica

ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica

juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas

sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo

extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo

102

debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio

de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual

que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um

contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado

Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem

os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e

como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que

estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte

para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais

seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes

Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo

muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como

sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o

debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista

que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees

como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram

descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como

empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe

um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo

Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391

mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim

como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda

argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute

uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e

disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que

torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo

homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de

adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito

essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos

Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio

qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio

391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15

103

servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo

Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo

dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados

testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por

parte dos debatedores

4 Taacuteticas de debate

As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos

nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais

no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as

sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o

interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento

Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo

A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia

T Sim mas o que exatamente

A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de

madrugada no dia X

T Sim eacute verdade

A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos

T Sim

A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu

T Natildeo sei acho que por volta de uma hora

A Antes ou depois de uma hora

T Natildeo sei

A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta

de meia noite

T Sim

A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo

T Natildeo sei

A A senhora ouviu ele chegar

T Natildeo

A A senhora estava dormindo

104

T Sim

A A senhora tem insocircnia

T Sim

A A senhora toma remeacutedios para dormir

T Agraves vezes sim

A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir

T Natildeo lembro

A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo

T Estava dormindo e acordei com os barulhos

A A senhora tem pesadelos agraves vezes

T Agraves vezes sim

A Obrigado

O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato

que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de

que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a

conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a

alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que

ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato

ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a

afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As

premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O

advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo

do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave

conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que

dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a

chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade

de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava

dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo

A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o

auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o

testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-

se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo

105

dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo

mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado

remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para

dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel

que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez

servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos

pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos

natildeo eacute fidedigno

O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum

na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas

premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu

os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que

levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos

O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para

um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por

induccedilatildeo

Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de

debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre

os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos

de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor

isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na

condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha

promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia

entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante

discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre

por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor

a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a

dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual

oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na

discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz

106

CONCLUSAtildeO

Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as

quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que

a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois

suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de

premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos

do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de

forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo

especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo

ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que

essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito

o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de

Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do

Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o

treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a

finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a

investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto

acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais

aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e

outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para

os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva

para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma

393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30

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ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados

nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo

A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa

dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra

usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se

formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido

feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e

aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas

loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de

Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos

que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas

anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na

praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos

a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute

fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica

natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer

uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos

suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica

aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica

juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes

de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica

os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos

para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das

ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser

enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que

ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em

geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje

Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum

tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do

seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa

filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso

estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na

108

obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da

correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos

como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma

compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como

um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo

da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta

dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar

as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos

da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica

que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e

se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-

contradiccedilatildeo

No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam

concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de

linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas

em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as

habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional

de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem

exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso

seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico

Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e

o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente

aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico

dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese

satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos

dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito

mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel

enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade

maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um

meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma

397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246

109

aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao

dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo

pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos

cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos

Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo

dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios

Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou

modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo

de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da

dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um

discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas

trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral

dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos

retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees

diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele

retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham

a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte

satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da

linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer

aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos

Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da

sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica

Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles

menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente

tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias

entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue

de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma

habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas

398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida

quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2

157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees

possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou

faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16

110

comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica

para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas

De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve

como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso

como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do

assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo

requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das

questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos

Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e

psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de

vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees

reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento

para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo

apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo

essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um

pouco estranha a de que nem tudo se discute

Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo

juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples

meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas

Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos

argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e

linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O

principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre

acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas

respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente

dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos

que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito

uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas

111

REFEREcircNCIAS

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Codex Porto Editora 1995

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ARISTOacuteTELES I Topici Traduzione introduzione e commento di A Zadro Naacutepoles Loffredo

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ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Traduccedilatildeo de Edson Bini 2 ed Satildeo Paulo Edipro 2012

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1982

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F

Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de

Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005

ARISTOacuteTELES Obras Completas Toacutepicos Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e

Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da

Moeda 2007

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb

Classical Library nordm 391 London Heinemann 1960

112

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Bornheim da versatildeo inglesa de W A Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores

4)

[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra

Satildeo Paulo Hedra 2005

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

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v

SUMAacuteRIO

AGRADECIMENTOSii

RESUMOiii

SUMAacuteRIOv

ABREVIATURASvii

INTRODUCcedilAtildeO1

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12

1 Consideraccedilotildees iniciais12

Noccedilotildees preliminares 12

Objetivo dos Toacutepicos15

Raciociacutenio dialeacutetico 20

2 A utilidade dos Toacutepicos23

3 Os instrumentos da dialeacutetica28

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28

Predicaacuteveis32

Categorias 34

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos

termos36

Espeacutecies de argumentos36

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38

Significados dos termos39

II Os toacutepicos 42

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46

vi

Toacutepicos sobre o acidente48

Toacutepicos sobre o preferiacutevel49

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53

Toacutepicos na Retoacuterica54

III O debate dialeacutetico57

1 Estrateacutegias do questionador59

2 Estrateacutegias do respondedor63

3 Diferentes objetivos no debate65

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68

IV Viacutecios de raciociacutenio72

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83

Casos particulares89

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97

3 Linguagem loacutegica e eacutetica100

4 Taacuteticas de debate103

CONCLUSAtildeO106

REFEREcircNCIAS111

vii

LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Aristoacuteteles

Toacutep Toacutepicos

Cat Categorias

Met Metafiacutesica

Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco

Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos

An Pr Analiacuteticos Primeiros

An Post Analiacuteticos Segundos

Ret Retoacuterica

Fiacutes Fiacutesica

Da Int Da Interpretaccedilatildeo

1

INTRODUCcedilAtildeO

O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o

estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado

pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo

entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da

evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as

demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase

como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado

Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao

contingente3

Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em

vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de

prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi

desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo

Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o

Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo

as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4

Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais

de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva

alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5

Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma

ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou

para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da

1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo

G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000

p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26

2

matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo

cientificamente irrespondiacutevel6

Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na

primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor

Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia

(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se

alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na

Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de

resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por

problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o

autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9

A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)

surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na

Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos

de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que

mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de

habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias

publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as

pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se

durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas

da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar

dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica

e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de

Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande

6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina

Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia

Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e

Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995

p 343

3

codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela

dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar

as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a

princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos

XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica

escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas

juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e

fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos

particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14

A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da

dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da

repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros

devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de

Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo

extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do

respeitado jurista alematildeo Karl Larenz

Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue

depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico

juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer

ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises

juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de

empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores

que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma

representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo

das opiniotildees expendidas17

13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171

Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz

Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)

as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente

um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para

julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar

por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar

topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida

em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo

abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver

constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse

puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar

proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago

que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute

4

Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico

pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns

argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam

de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios

conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica

standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19

Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como

disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se

pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas

compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel

natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel

O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico

poreacutem um toacutepico muito importante21

No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul

Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22

Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da

argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950

poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de

Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de

Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de

Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo

distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a

uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a

jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a

pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas

verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e

introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy

2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia

ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte

de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de

procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo

ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras

palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor

do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo

introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189

5

categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de

trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)

Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente

ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu

um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen

(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em

1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu

a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente

aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio

Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados

desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em

artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo

dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais

recentemente R Bolton e R Smith24

Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles

funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo

desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto

apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma

situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer

clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25

A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como

funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial

entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos

e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e

dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees

proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os

23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski

para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica

formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de

PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em

httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and

Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004

Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese

do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3

6

problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos

termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de

acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria

sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa

opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as

regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio

fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou

se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27

A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas

teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral

eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente

mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos

Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que

apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas

garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria

Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no

Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido

desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas

Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda

as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas

analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia

opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso

Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus

textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo

atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que

as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir

e apresentar argumentos soacutelidos28

No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a

dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos

26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997

p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo

Argumentation v 19 n 4 2005

7

primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o

meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por

sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins

Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades

mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer

habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32

As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de

Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter

argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao

positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como

pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de

invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua

toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus

proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica

de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da

Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo

Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre

partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de

vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz

pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade

respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade

isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar

na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria

regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial

tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo

29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29

2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24

jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na

codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar

por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116

8

incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo

exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos

estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos

Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por

necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em

consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir

para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero

considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg

natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no

decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica

claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A

toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor

Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento

desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas

apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo

da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso

interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves

metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar

o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza

segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40

Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise

sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera

juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do

Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que

Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para

a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica

juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de

37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em

httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica

ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel

em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set

2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57

9

uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso

objetivo de longo prazo

De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz

nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila

quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica

Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para

formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador

da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e

outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate

regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um

elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio

entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras

tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da

leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos

Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o

objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente

aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias

filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42

Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso

propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel

possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que

chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para

apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor

Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em

conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que

empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo

aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias

de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem

descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e

interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da

proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude

mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender

antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido

premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem

41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5

10

preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-

nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores

acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica

na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de

suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos

tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo

tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito

sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que

liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43

Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como

base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o

conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias

pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos

que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a

questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como

pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de

difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico

especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e

Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar

por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que

pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a

melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente

e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se

apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute

imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de

Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica

Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem

disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura

do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso

esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo

definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a

VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito

Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice

dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho

seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo

43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30

11

apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos

objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos

propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos

de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo

apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos

para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os

diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das

quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como

Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos

Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares

agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence

ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente

aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas

Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e

diaacutelogos

12

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos

1 Consideraccedilotildees iniciais

Noccedilotildees preliminares

O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles

sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido

moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de

Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados

sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44

O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de

modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos

Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)

5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos

O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir

uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo

divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos

Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral

eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e

Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois

como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa

elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado

tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores

do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o

Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos

44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro

e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos

Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas

palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema

que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo

essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos

Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A

Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196

13

natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo

denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem

subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse

argumento48

Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos

Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e

como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas

merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas

noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto

de estudo

Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)

da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas

a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a

sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a

conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49

Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo

ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade

estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute

Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que

a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo

no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute

contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52

A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que

entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute

48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e

Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo

livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii

1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10

14

mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica

e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins

de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico

(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico

nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento

cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute

destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois

como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa

razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem

nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para

se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar

Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo

para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as

afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra

ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso

de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser

investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal

caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos

Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais

especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade

de saacutebios a depender do contexto

Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O

conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra

forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam

Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e

pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais

natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53

Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de

53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133

15

ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a

Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua

natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada

Trataremos disso em seguida

A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de

contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura

sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e

passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos

Objetivo dos Toacutepicos

O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra

Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas

ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos

tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer

alguma coisa que nos cause embaraccedilos56

Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se

percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57

Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)

com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por

todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos

para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58

54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -

Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que

deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja

de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao

passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic

Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para

comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de

opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na

sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1

100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25

16

Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema

proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma

teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de

assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus

princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)

comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos

Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das

ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte

Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos

de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito

algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria

e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios

da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees

tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a

prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a

falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por

diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo

com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos

dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute

aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda

arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se

efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην

ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular

julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual

eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a

refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem

no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60

Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute

ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a

Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees

geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao

conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma

discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos

ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento

59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo

demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos

na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem

poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos

arg Op cit p 171

ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37

Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18

17

associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio

provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos

saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento

que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que

acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo

Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)

e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a

verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que

satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da

mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas

Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos

pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza

do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um

raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir

demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico

Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute

bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom

juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas

as coisas eacute bom juiz em geral62

Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir

a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo

legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo

admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do

contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de

investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos

Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios

sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo

62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a

25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo

em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o

ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes

maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o

segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade

A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo

fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito

citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade

aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados

(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de

todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior

nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees

correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES

Eacutetica a N Op cit p 146

18

geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63

Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado

sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio

portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria

culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos

na introduccedilatildeo deste trabalho

Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a

Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e

ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura

superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas

entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos

Toacutepicos que define ἔνδοξα

Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os

homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade

e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem

divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a

mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata

de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras

embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem

a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com

a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar

todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta

considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais

razoaacuteveis64

Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais

proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees

e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos

segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos

[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que

o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade

como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as

caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem

incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam

a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras

com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a

identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou

sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade

exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos

defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas

mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja

63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20

19

inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos

em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65

Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por

uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees

ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo

entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho

ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o

indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que

parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz

a dialeacuteticardquo66

Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas

de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio

Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um

senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado

o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente

aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo

ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67

Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto

de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como

dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem

ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo

aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees

e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar

Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo

Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma

proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou

para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo

devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo

(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se

65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico

ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10

20

muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que

merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A

esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de

puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de

percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser

castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente

e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se

por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma

investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico

Raciociacutenio dialeacutetico

Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de

raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de

raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz

necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio

(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71

Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς

συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O

raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e

verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras

e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser

descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua

verdade por si mesmos72

Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das

cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que

intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os

70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem

necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6

ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente

pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10

21

primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso

satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode

ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute

demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que

seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos

Analiacuteticos

Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber

(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja

inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o

conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute

necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν

ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas

mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas

satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do

demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode

haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma

demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem

ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a

comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e

indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para

serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de

um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua

demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do

que ela e a ela anteriores 75

A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o

fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros

Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo

74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo

sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo

(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave

intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os

princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico

(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia

(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que

apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de

o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma

ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento

verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do

proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se

comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores

Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um

par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma

pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira

Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-

30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O

desenvolvimento Op cit p 4

22

estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos

observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se

mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser

verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite

alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos

Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na

afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito

tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e

obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa

dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das

duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee

uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute

indicamos nos Toacutepicos78

O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e

uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa

anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo

e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica

assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa

supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79

Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas

com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde

Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a

demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma

prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de

perguntas80

O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio

apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem

ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas

parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente

aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas

que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser

77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-

255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam

friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17

23

claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as

opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa

falsidade deve ser um pouco oacutebvia82

O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade

no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e

mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se

enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas

de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas

apenas parecem secirc-los84

O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo

(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo

O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo

Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que

natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se

fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do

semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma

desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se

classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele

apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado

em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos

complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito

do raciociacutenio eriacutestico

2 A utilidade dos Toacutepicos

Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se

raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na

sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro

lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo

82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5

24

bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla

possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para

a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as

disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O

treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram

praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a

conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em

suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a

identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado

meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases

uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave

luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica

que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de

todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89

Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A

primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos

contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o

raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e

o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na

discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das

87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade

de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais

facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo

agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute

completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante

de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as

questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais

apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as

investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como

contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma

e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher

acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151

25

proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se

a verdade (ἀλήθεια)91

No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios

(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica

mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos

anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os

princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos

Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a

partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta

debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94

Citamos um trecho

Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou

natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele

estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da

realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o

detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma

natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo

verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto

dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar

qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto

natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa

indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas

Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que

professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash

coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem

caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando

em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira

de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de

francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que

natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio

que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95

Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o

qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo

(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do

princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas

91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua

verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119

26

eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o

Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode

ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos

ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo

de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios

pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute

uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela

inteligecircncia97

Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se

aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois

esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro

mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas

Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da

Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99

Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa

obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a

impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao

debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()

declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas

de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme

era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores

tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute

possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como

divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da

dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos

exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles

96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um

jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34

27

nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas

Disputationes104

Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de

disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota

da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a

ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer

aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um

descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o

comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa

complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105

O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um

meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo

se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara

demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os

Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos

considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento

principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma

outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as

ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos

Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas

e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos

sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus

nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees

individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que

abordaremos agora

103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar

tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos

quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a

constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-

se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto

deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15

28

3 Os instrumentos da dialeacutetica

Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o

eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar

dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o

que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees

necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de

argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de

coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim

de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e

os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute

composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado

do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para

a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na

construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute

ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem

natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo

apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de

proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final

se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada

a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo

Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por

todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema

(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a

escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela

107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo

e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na

construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13

29

anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos

que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O

problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113

Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados

como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo

ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em

se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute

evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o

que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem

se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se

estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados

satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115

Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις

ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos

quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que

satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais

de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma

ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das

opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve

fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)

acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em

questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os

pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem

ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra

observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como

113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to

different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem

is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle

tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20

30

no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas

contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam

os debates

ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal

como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou

ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica

deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso

das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta

espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila

distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem

significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie

eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-

nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118

Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)

que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o

conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo

tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada

em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos

homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave

opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios

divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees

em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra

e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por

exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a

diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos

fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que

resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos

das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e

dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica

essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo

sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo

θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo

intelectual120

118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81

31

Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que

Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito

com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo

denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas

entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo

eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em

movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121

Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar

proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As

proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute

deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles

pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias

agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que

estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que

parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas

como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo

Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser

extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa

vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades

reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica

sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser

tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees

Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo

conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos

relativos eacute o mesmordquo124

121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca

a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute

indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute

possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis

quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo

eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o

universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35

32

Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)

e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos

partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as

categorias

Predicaacuteveis

Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou

um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com

o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os

predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da

reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125

Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais

Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como

explicados a seguir

Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν

εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa

Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua

diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um

animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem

definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica

Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas

natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo

conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128

O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente

uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira

conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute

homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem

Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender

125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New

York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20

33

gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem

pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129

O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias

coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem

boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do

objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de

essecircncia (τὸ τί ἐστι)132

Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa

sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem

proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor

modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133

Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao

gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles

poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser

destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o

atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um

proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim

quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente

Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido

Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles

Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes

firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo

para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e

organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem

foco em um dos predicaacuteveis

O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas

e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute

129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39

34

possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam

na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de

ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma

proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo

pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se

predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo

abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem

que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do

gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito

Categorias

Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de

predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma

das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute

divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de

coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre

esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as

seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo

posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138

135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo

Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos

de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais

probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem

disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a

foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma

coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-

10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias

ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)

ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou

ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs

categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas

pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma

classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia

expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que

ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a

tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto

Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas

categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)

de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois

35

Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das

Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que

eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139

Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois

termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos

Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua

essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere

tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso

trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no

livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo

entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer

em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por

exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia

ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo

e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de

substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de

categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes

em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo

vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica

bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o

que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142

evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma

substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I

9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou

ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor

branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia

(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma

grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute

descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros

casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o

seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada

de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras

espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006

apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq

36

A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as

definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem

como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as

diferenccedilas se expressam em categorias

Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a

qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a

qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem

ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo

basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por

alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas

acima143

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados

dos termos

Espeacutecies de argumentos

Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio

(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas

estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute

considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos

sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez

eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144

Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo

eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto

ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das

duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no

iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse

mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por

premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se

relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio

143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se

que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que

de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69

37

natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos

inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita

coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo

clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da

linguagem vulgarrdquo147

Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos

homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos

leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio

A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de

argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo

de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves

Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo

caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos

de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais

utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios

universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os

princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica

linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso

segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151

Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento

de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se

emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as

semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar

proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas

147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b

18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo

fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes

manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos

apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)

Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30

38

e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser

inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila

Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees

sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro

lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos

em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou

geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa

soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo

mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo

ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute

o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O

segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute

capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do

acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A

identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma

espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a

identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem

e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o

estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos

predicaacuteveis

Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser

estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila

difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do

conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da

153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma

proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso

como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser

recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a

sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo

em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13

105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35

39

mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que

pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157

O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa

particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela

observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil

para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O

argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do

estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais

semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das

semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos

semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees

o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada

caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a

essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto

em uma definiccedilatildeo158

Significado dos termos

Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece

reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele

apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um

termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos

algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios

significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como

exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de

ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo

Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra

ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios

tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o

que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor

A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da

157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37

40

sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso

ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como

por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas

natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160

Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter

sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido

conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das

palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado

o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado

ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe

de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a

uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade

apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias

definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161

Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos

significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se

argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado

dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo

perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita

em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao

se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens

Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto

no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que

afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a

coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso

raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas

aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos

sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que

interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao

160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que

corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos

exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de

fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one

or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated

by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a

competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx

41

passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados

e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua

asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus

argumentos a esse ponto163

O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das

palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com

falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos

nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem

possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados

apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos

sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um

tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que

se vecirc no seguinte trecho

Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham

diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles

que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo

logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo

familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de

falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando

ouvem outros raciocinar165

Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo

encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos

apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os

raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente

ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos

Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se

segue166

163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios

porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar

por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus

argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso

adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre

possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos

Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se

por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de

discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES

Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35

42

II Os toacutepicos

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)

Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido

por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho

essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em

dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer

uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles

designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor

uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale

que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles

sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor

atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo

procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que

Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em

competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas

consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a

etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir

O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito

provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista

de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas

localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente

recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees

dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em

Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169

167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations

Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these

he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what

a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith

1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of

Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a

great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street

one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items

Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad

43

Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo

que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no

mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante

entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie

Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta

os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de

apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o

dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o

argumento para a conclusatildeo desejada171

Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute

associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles

sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber

vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem

selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173

ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se

apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque

de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por

meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma

premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a

atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos

Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das

proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo

dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza

Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems

to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly

makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined

premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On

Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA

Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002

Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a

variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in

stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo

then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo

SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151

44

para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos

olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177

J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo

do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o

termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser

usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou

uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo

como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte

Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica

e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um

argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o

nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos

poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179

Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega

τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente

ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes

entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que

podem ser gerais ou especiacuteficos

Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo

Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas

argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees

argumentativosrdquo182

Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou

premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o

177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo

aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de

direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico

do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees

de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram

em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera

toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo

diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas

(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa

45

seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como

acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse

tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos

quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185

Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos

natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz

que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da

aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como

premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι

especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()

regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso

em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186

A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a

funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος

aristoteacutelico o seguinte

Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este

pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se

o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser

impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave

mesma coisa187

Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι

aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema

toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados

em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente

conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais

frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos

e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no

grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem

nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e

conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera

referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do

mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc

as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada

do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese

pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep

163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33

46

argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao

sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou

regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos

muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os

esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos

toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188

Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro

deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser

uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que

queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou

refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para

apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de

uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que

selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso

dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo

deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se

por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos

selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado

para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o

esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo

o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar

a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa

capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da

espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate

dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo

pretendida189

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica

Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios

dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os

livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo

188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid

47

eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados

nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos

mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees

que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos

De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se

as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A

Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten

que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191

1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S

2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S

3) S eacute P = P eacute gecircnero de S

4) S eacute P = P eacute acidente de S

Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III

dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute

bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo

ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser

usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios

particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo

dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de

modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer

ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas

em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que

afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um

erro193

190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos

menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162

Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30

48

Toacutepicos sobre o acidente

O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se

haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente

pertence ao sujeito de outra maneira

Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que

pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais

comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo

se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma

cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194

Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente

que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo

ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo

correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo

O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se

afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico

serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o

predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que

o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente

encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a

proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente

se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa

posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam

uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um

procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado

Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar

os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o

ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195

O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do

acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute

alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo

dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de

194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30

49

ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o

invejoso natildeo eacute bom196

Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou

destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos

quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser

usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute

objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro

significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos

termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que

comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos

Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu

que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento

pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos

Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de

significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente

o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi

discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel

tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por

terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos

que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos

demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma

afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo

corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os

sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade

de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que

seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente

porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence

ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo

se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido

a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio

teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel

num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa

pretensatildeo seja razoaacutevel198

Toacutepicos sobre o preferiacutevel

O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a

um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o

mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas

ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre

196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28

50

o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute

necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que

identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas

Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo

segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo

Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel

agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais

probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo

homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo

qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em

determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos

eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo

mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou

carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a

maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas

as coisas tendem para o bem199

Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas

acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de

modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por

exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais

desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que

pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa

melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio

de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente

a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o

vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel

que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio

Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio

Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das

investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem

partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201

199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15

51

O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero

atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem

agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute

indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o

gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar

se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)

Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma

nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro

toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada

pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma

espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203

Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o

oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre

manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo

propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de

ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute

formoso204

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo

Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para

verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve

linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre

a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de

identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir

na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo

de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o

erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero

Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas

diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar

ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar

202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15

52

o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute

correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer

O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um

objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave

definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206

Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre

a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave

obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro

o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale

para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute

ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se

o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade

em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem

para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e

friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo

que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se

refere207

Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter

apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos

construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa

discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre

a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e

como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo

consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta

que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo

desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para

a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo

e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que

Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado

um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos

205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20

53

De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza

os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a

partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando

que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam

meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos

adequadamente enumeradosrdquo210

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto

capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia

(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas

coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a

combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas

seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma

sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que

dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212

Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados

no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como

sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou

deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser

obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de

sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema

definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo

nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para

aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo

para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que

escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que

210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have

now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior

Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London

Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159

54

parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem

chama de toacutepicos214

Toacutepicos na Retoacuterica

A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη

ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum

e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O

que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir

em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de

demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo

que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma

espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em

geral partem de ἔνδοξα221

Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo

no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa

para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou

213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o

tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel

portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)

de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-

33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173

Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois

que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo

vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg

Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos

produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais

haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela

induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos

nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas

satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo

Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior

parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que

cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que

geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem

ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o

particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237

55

comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns

ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser

aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica

Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos

ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial

e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica

Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o

exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula

argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se

uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que

seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os

homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o

menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos

inclusive atualmente

Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem

eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses

nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees

eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225

Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade

dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um

exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre

a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A

primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio

de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se

vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis

escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando

natildeo houver puniccedilatildeo226

Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees

que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a

223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20

56

praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir

acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute

conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos

para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227

Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na

argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde

com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como

ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As

maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima

ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado

saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a

causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil

do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar

determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da

mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de

encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa

que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel

do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso

pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231

227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15

57

III O debate dialeacutetico

Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente

uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas

ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia

um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo

Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do

respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder

Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua

proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente

concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse

ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233

Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de

praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a

dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas

codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa

praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos

Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir

para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa

conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de

Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo

diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer

tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a

funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a

dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao

tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese

por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E

acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se

232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm

158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press

1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7

58

refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que

recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII

o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas

dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da

competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o

antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo

pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o

respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua

defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular

algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso

se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que

Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo

e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e

apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo

correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o

comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo

de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio

Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo

geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico

se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do

raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por

meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de

demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute

possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e

examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de

estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois

sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem

utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador

236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40

59

individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas

em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da

afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242

1 Estrateacutegias do questionador

O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de

propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente

e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave

construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro

tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute

concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o

argumento mais evidente244

Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se

possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas

alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute

confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo

(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes

uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a

concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que

eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu

as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247

Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter

distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel

possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos

chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por

Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com

atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos

posteriormente

242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30

60

As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se

na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente

e tambeacutem em sugestotildees de psicologia

As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma

expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por

exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute

podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a

oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica

nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que

se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o

mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois

disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando

uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo

forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo

expliacutecito250

Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas

para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para

dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o

argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se

pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o

desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se

despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter

inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que

realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees

dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de

defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute

uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem

natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a

outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias

tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma

249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5

61

conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos

nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251

Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando

possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os

termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a

concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a

concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem

uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem

irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso

desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos

baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra

estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes

desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255

Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate

oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de

imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada

eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma

objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a

premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais

facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os

pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas

que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em

primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou

impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256

251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo

coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II

9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39

62

Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para

proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem

que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257

Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme

jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com

os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a

questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas

usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas

satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que

abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o

adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule

uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em

questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida

Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir

tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se

natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute

vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo

contra elardquo258

Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente

o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse

fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade

seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel

Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio

sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque

muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a

nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees

que foram feitas259

257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15

63

Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas

hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do

ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel

ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-

se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas

intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261

As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do

questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom

questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se

seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom

respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas

apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo

a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262

2 Estrateacutegias do respondedor

O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou

respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou

geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila

no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas

O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese

assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a

conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais

familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar

Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do

mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263

O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter

geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia

para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para

evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante

260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner

should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses

that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20

64

e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa

natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande

maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees

muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o

ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o

respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo

se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente

deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e

natildeo da sua incompetecircncia pessoal264

O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de

clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e

simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes

significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro

sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente

natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio

do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra

alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve

o verbo ldquopertencerrdquo

Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos

ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem

o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o

homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois

dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um

animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos

espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa

proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266

O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador

tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve

evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo

absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por

dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do

264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180

65

que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que

a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267

3 Diferentes objetivos no debate

Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode

ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute

regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute

influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo

influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem

tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo

(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a

respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme

falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em

que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras

e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas

de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em

mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma

proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para

toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos

O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos

conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando

Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e

natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro

mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende

que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute

possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade

Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que

deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por

meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios

267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the

conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139

66

a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos

posteriormente 270

Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o

paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que

satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma

intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com

necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de

ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige

compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles

distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as

proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico

nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271

Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que

essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio

investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute

apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos

Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica

dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma

que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos

proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida

para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar

construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores

o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas

tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os

aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo

conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou

procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas

para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos

270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do

exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para

estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro

como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro

foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII

11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363

67

extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel

identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo

sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele

estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um

dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise

cuidadosa

Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada

que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento

em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos

independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando

ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o

argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de

premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o

argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora

verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e

falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem

apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute

contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a

verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer

afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles

e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos

272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de

estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado

conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos

o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o

dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez

que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas

pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo

do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais

facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito

de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo

sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a

ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)

terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a

partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos

diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o

68

Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode

ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou

natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia

Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc

quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem

na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e

que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio

dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque

parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as

circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita

a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo

No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio

dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles

inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si

mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos

proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos

debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles

comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280

Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma

que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o

respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer

corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo

desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser

uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o

mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o

conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como

predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a

conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente

rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais

coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p

143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10

69

argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda

tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando

um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um

ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento

eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos

O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento

comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave

argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo

comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com

efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que

haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria

como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que

faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a

admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro

pergunta283

Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma

disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as

estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo

muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute

pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma

premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a

proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos

casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter

Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda

seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285

Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do

questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute

fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um

grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um

raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas

281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10

70

perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade

chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286

A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme

mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da

argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de

xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas

estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles

caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o

com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288

Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do

debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a

cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles

reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e

moral

Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo

com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por

forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua

diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar

todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas

isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr

levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute

resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289

A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute

presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro

da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria

aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar

essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela

291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre

ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos

Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos

anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que

286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367

71

usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de

descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema

proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser

utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom

suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e

como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos

relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima

linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema

especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc

Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre

qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais

geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte

da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela

devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas

o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com

uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do

nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir

uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de

assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender

nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas

quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo

que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las

confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que

precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos

materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as

fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos

Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo

e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar

contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os

problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta

investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do

assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar

acima292

292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196

72

IV Viacutecios de raciociacutenio

As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos

debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz

respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles

Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um

sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo

como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste

capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto

pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a

certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a

seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na

argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral

Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos

exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal

silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser

definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos

Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e

Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo

a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos

antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da

Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras

silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o

escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro

de Aristoacuteteles sobre loacutegica

Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que

em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco

293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45

73

possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes

As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia

inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo

reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas

quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em

X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia

se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296

As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no

uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio

ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos

silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos

Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo

justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de

viacutecios de raciociacutenio

Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII

dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que

a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do

sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio

dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que

parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de

falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com

exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente

beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de

coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o

satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute

Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν

ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que

aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como

296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso

quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo

tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse

que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento

de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute

igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25

74

tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao

sujeito (assunto) em pauta298

Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso

silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou

um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter

muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O

exemplo apresentado eacute

Quem estaacute sentado escreve

Soacutecrates estaacute sentado

Soacutecrates estaacute escrevendo

A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles

sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave

conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre

o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo

ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve

ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve

e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo

seria possiacutevel300

Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em

si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a

conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as

premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem

adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute

irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de

premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como

perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre

quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves

vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas

que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo

298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39

75

menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas

satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto

Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema

proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte

de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo

leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que

conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por

meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio

(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que

demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por

um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302

Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No

primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o

caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No

segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o

caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma

conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute

eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao

assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina

ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou

falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada

por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes

verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo

verdadeira seja inferida de premissas falsas 304

Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer

em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que

conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute

postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se

301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma

demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a

conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16

76

expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e

expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar

para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento

dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um

soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de

modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar

que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas

da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia

da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se

incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de

afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular

que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute

incomensuraacutevel com o lado306

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos

Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em

contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um

raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser

geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso

ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma

competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois

o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o

sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e

enriquecer307

A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata

de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da

adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa

inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um

paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de

um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de

um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do

Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o

306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35

77

argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento

apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto

dialeacutetico308

Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de

preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o

solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a

aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309

As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que

independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento

em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para

as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia

(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e

a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje

de falaacutecias de ambiguidade311

Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute

bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que

pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo

por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo

quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um

exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo

As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis

porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das

palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que

estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e

Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do

mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais

adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras

308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou

1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10

78

o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas

possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem

tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute

sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute

teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo

ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de

palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado

com aquilo com que foi espancadordquo315

Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas

discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois

exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No

entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e

facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase

na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia

Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel

As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da

mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que

abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar

fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar

vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318

As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as

relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo

em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou

relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas

ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias

questotildees em uma soacute319

314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30

79

As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma

que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como

uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos

pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo

ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute

ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de

Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem

pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320

Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem

ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido

absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por

exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo

eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente

como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca

aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321

As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido

definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado

de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente

delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do

desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso

elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo

que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322

A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a

conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor

que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O

Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a

percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos

Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar

molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323

320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10

80

Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo

modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram

apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324

A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para

fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse

tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa

que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave

impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos

Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a

mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a

ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que

ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute

o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de

ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de

perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e

ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da

impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a

ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de

ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo

satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa

causa da impossibilidade desse argumento325

A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada

de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa

despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra

que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela

aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso

acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que

324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161

81

aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo

ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327

Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a

segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo

(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem

os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e

a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves

opiniotildees aceitas329

A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma

expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade

aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra

masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um

lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331

Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa

repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos

relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo

e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele

seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente

ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade

da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo

de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta

pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado

ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334

As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em

torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico

estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme

327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8

82

a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende

uma sabedoria aparente

Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que

possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele

proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo

tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos

capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para

dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio

apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute

indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos

Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma

faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e

esse eacute o fim que eles tecircm em vista336

336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156

83

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica

Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de

estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo

do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso

reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da

ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos

especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base

soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337

Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de

proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo

apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a

partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos

condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra

oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e

exemplificativos

A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo

proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta

dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do

conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das

opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios

(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem

a nenhum campo de saber especiacutefico

Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico

Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas

parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que

337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57

84

queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram

como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico

() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como

um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma

como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico

natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338

De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito

dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas

parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um

raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz

mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute

enganoso e desleal339

Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece

nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas

pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave

dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como

questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico

do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais

os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser

aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem

alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses

princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio

da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral

O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica

de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de

conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado

fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do

conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos

nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual

tentaremos resolver a partir de agora

338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte

desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo

portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor

ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op

cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso

capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos

85

A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de

Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o

que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero

de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute

proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o

fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos

destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta

ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a

felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As

opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no

discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo

retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as

confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara

distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho

Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que

a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou

natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou

injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao

juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes

Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo

com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos

juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens

que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar

muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa

experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo

imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se

retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344

Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas

teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os

testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que

temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos

que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma

categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado

341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

86

uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345

No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica

equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou

argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca

de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de

certo modo

Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o

Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo

podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito

do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral

como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o

Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou

ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e

assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns

a todas as artes347

Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da

classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou

o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as

praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de

produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348

345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo

da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei

jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas

se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para

o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar

o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir

e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos

Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos

juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo

do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica

que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias

juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau

de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros

podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do

retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela

jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que

logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ

Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20

87

Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas

mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia

do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa

Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as

normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso

pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas

sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica

isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se

se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade

que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum

Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos

alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de

fatos

Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas

certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um

corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do

tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem

com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois

de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais

estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral

segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa

sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os

349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da

Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria

sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por

seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade

formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de

transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova

era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada

aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo

inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o

aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees

que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo

permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL

Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio

27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt

Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

88

sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como

premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato

concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351

Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um

raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em

vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352

Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute

de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu

domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o

status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη

temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim

concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de

dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre

Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa

sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no

discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A

falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser

levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado

indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353

Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do

Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes

nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos

ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria

adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido

amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com

menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a

351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo

em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo

na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela

expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9

170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito

bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um

τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140

89

jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos

tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes

sobre os casos judiciais

Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a

presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos

legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes

longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave

ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se

transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos

que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees

da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na

doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da

sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem

eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem

discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em

discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica

no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes

de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos

particulares

Casos particulares

Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas

foi revogada e a outra alterada

A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada

pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo

Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou

fraude para fim libidinoso

Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355

A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude

Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha

a seguinte redaccedilatildeo

355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt

httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017

90

Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude

Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356

Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio

geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla

poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo

Federal como uma garantia fundamental neste inciso

XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem

preacutevia cominaccedilatildeo legal357

Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com

base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria

O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio

da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei

deve ser clara e precisa358

Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos

costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo

chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da

expressatildeo ldquomulher honestardquo

O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas

nas normas e interpretadas pelos costumes

As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam

conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra

subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras

Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome

de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre

que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz

quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do

costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a

validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu

conteuacutedo359

Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar

seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se

356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo

Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em

lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71

91

expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma

constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos

da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o

que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de

forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem

consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar

algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo

Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees

geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher

honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos

ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio

Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de

jurisprudecircncia que mostraremos agora

Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro

Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal

Federal em 06 de agosto de 2002

Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute

da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do

crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a

mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores

elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou

o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher

seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual

por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das

viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode

ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes

consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de

Jesus360

Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do

Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees

geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo

Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por

ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo

Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram

360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson

Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em

24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

92

diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave

liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios

constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo

para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361

Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente

aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de

Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para

ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que

reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos

A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou

constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios

subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo

A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da

igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios

admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade

suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda

a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos

As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no

serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a

efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito

fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia

Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si

mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual

respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos

indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a

neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem

como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a

igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a

igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de

privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que

corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-

estar social e a igualdade como reconhecimento significando o

361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p

148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito

Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt

httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

93

respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam

raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364

Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que

podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um

direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees

geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as

injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente

aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem

parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave

proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave

igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365

Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas

raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou

natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o

acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente

podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias

estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-

se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de

verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que

orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo

pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva

A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do

Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a

ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele

menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns

paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por

Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida

em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre

364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14

94

o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute

hoje Assim redigiu o Ministro

Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna

relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e

preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que

atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm

129902014) destacando-se em tal contexto como elementos

fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade

humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave

igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e

efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela

alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da

felicidade368

Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da

leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo

dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo

ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima

e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo

fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em

determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas

tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito

Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo

valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata

dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra

e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso

agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a

honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370

368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF

Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto

a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou

secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera

apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a

necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria

desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode

ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo

LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois

devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito

Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o

inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar

95

Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel

entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que

ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal

restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel

agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos

do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o

que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes

ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em

siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho

Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio

da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos

no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os

problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas

juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a

populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das

cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais

Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da

igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem

tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares

Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de

evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute

um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um

fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera

criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de

indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo

239 do Coacutedigo de Processo Penal

os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma

reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo

do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e

presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160

96

Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada

que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a

existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373

A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou

verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de

raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos

Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de

um exemplo

A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime

que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime

pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes

Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-

se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute

a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor

do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso

particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim

a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo

Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a

apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa

e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios

comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo

da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos

indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam

com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees

geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas

373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao

abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a

uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E

outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo

eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com

todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20

97

provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376

Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos

julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis

justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo

a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)

que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave

plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada

A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um

contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja

porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras

palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute

possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em

debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas

oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o

ocircnus da prova dos fatos alegados

Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente

aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e

elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio

dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico

Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute

entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por

possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de

percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal

Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da

contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos

a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir

que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se

apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 138 e 167

98

conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos

alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica

Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou

seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente

aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a

partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o

conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos

satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as

premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o

primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como

acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador

pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos

τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as

relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees

Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os

entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois

servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι

dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer

de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um

exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o

conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento

retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam

o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental

Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os

entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que

representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme

expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por

si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico

tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e

interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de

argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o

estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que

99

o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam

e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar

instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais

e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto

Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em

funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito

significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute

possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou

acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre

elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios

gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria

dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do

mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na

esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo

pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o

objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas

no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees

diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar

os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou

desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa

dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas

algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral

consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e

histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo

juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de

argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito

e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou

se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos

Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de

linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no

378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18

100

sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do

termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do

que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de

raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo

de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza

precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem

de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico

literaacuterio ou comum

3 Linguagem loacutegica e eacutetica

Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem

Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio

apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O

jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo

juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre

os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei

natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas

pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute

a imprecisatildeo da linguagem do Direito386

Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para

Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na

existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos

decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os

sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para

evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo

382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que

as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que

significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit

p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro

101

Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre

identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que

envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos

utilizados durante a discussatildeo389

A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a

linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem

comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que

Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as

ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia

antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O

que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e

esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e

coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos

Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo

conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que

buscar uma linguagem perfeita

Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo

enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito

principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias

Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo

histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme

temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito

De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos

Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por

seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e

linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de

389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge

como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e

cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas

redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica

ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica

juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas

sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo

extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo

102

debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio

de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual

que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um

contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado

Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem

os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e

como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que

estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte

para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais

seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes

Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo

muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como

sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o

debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista

que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees

como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram

descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como

empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe

um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo

Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391

mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim

como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda

argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute

uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e

disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que

torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo

homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de

adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito

essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos

Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio

qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio

391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15

103

servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo

Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo

dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados

testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por

parte dos debatedores

4 Taacuteticas de debate

As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos

nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais

no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as

sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o

interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento

Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo

A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia

T Sim mas o que exatamente

A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de

madrugada no dia X

T Sim eacute verdade

A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos

T Sim

A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu

T Natildeo sei acho que por volta de uma hora

A Antes ou depois de uma hora

T Natildeo sei

A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta

de meia noite

T Sim

A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo

T Natildeo sei

A A senhora ouviu ele chegar

T Natildeo

A A senhora estava dormindo

104

T Sim

A A senhora tem insocircnia

T Sim

A A senhora toma remeacutedios para dormir

T Agraves vezes sim

A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir

T Natildeo lembro

A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo

T Estava dormindo e acordei com os barulhos

A A senhora tem pesadelos agraves vezes

T Agraves vezes sim

A Obrigado

O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato

que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de

que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a

conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a

alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que

ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato

ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a

afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As

premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O

advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo

do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave

conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que

dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a

chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade

de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava

dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo

A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o

auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o

testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-

se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo

105

dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo

mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado

remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para

dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel

que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez

servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos

pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos

natildeo eacute fidedigno

O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum

na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas

premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu

os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que

levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos

O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para

um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por

induccedilatildeo

Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de

debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre

os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos

de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor

isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na

condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha

promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia

entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante

discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre

por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor

a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a

dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual

oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na

discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz

106

CONCLUSAtildeO

Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as

quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que

a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois

suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de

premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos

do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de

forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo

especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo

ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que

essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito

o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de

Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do

Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o

treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a

finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a

investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto

acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais

aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e

outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para

os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva

para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma

393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30

107

ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados

nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo

A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa

dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra

usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se

formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido

feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e

aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas

loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de

Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos

que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas

anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na

praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos

a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute

fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica

natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer

uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos

suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica

aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica

juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes

de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica

os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos

para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das

ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser

enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que

ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em

geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje

Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum

tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do

seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa

filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso

estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na

108

obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da

correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos

como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma

compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como

um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo

da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta

dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar

as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos

da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica

que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e

se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-

contradiccedilatildeo

No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam

concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de

linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas

em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as

habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional

de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem

exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso

seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico

Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e

o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente

aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico

dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese

satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos

dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito

mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel

enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade

maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um

meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma

397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246

109

aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao

dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo

pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos

cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos

Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo

dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios

Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou

modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo

de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da

dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um

discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas

trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral

dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos

retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees

diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele

retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham

a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte

satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da

linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer

aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos

Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da

sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica

Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles

menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente

tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias

entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue

de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma

habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas

398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida

quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2

157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees

possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou

faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16

110

comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica

para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas

De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve

como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso

como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do

assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo

requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das

questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos

Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e

psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de

vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees

reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento

para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo

apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo

essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um

pouco estranha a de que nem tudo se discute

Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo

juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples

meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas

Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos

argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e

linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O

principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre

acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas

respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente

dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos

que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito

uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas

111

REFEREcircNCIAS

Obras antigas

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto

Codex Porto Editora 1995

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ARISTOacuteTELES I Topici Traduzione introduzione e commento di A Zadro Naacutepoles Loffredo

Ed1974

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Traduccedilatildeo de Edson Bini 2 ed Satildeo Paulo Edipro 2012

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Ediccedilatildeo triliacutengue de Valentiacuten Garciacutea Yebra Madri Editorial Gredos

1982

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F

Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de

Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005

ARISTOacuteTELES Obras Completas Toacutepicos Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e

Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da

Moeda 2007

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb

Classical Library nordm 391 London Heinemann 1960

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ARISTOacuteTELES Toacutepicos Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W A Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores

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[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra

Satildeo Paulo Hedra 2005

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

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Martins Fontes 2012

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Cristina Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006

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vi

Toacutepicos sobre o acidente48

Toacutepicos sobre o preferiacutevel49

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53

Toacutepicos na Retoacuterica54

III O debate dialeacutetico57

1 Estrateacutegias do questionador59

2 Estrateacutegias do respondedor63

3 Diferentes objetivos no debate65

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68

IV Viacutecios de raciociacutenio72

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83

Casos particulares89

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97

3 Linguagem loacutegica e eacutetica100

4 Taacuteticas de debate103

CONCLUSAtildeO106

REFEREcircNCIAS111

vii

LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Aristoacuteteles

Toacutep Toacutepicos

Cat Categorias

Met Metafiacutesica

Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco

Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos

An Pr Analiacuteticos Primeiros

An Post Analiacuteticos Segundos

Ret Retoacuterica

Fiacutes Fiacutesica

Da Int Da Interpretaccedilatildeo

1

INTRODUCcedilAtildeO

O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e

Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o

estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado

pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo

entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da

evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as

demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase

como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado

Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao

contingente3

Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em

vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de

prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi

desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo

Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o

Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo

as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4

Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais

de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva

alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5

Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma

ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou

para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da

1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo

G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000

p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26

2

matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo

cientificamente irrespondiacutevel6

Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na

primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor

Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia

(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se

alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na

Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de

resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por

problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o

autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9

A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)

surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na

Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos

de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que

mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de

habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias

publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as

pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se

durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas

da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar

dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica

e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de

Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande

6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina

Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia

Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e

Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995

p 343

3

codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela

dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar

as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a

princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos

XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica

escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas

juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e

fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos

particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14

A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da

dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da

repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros

devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de

Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo

extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do

respeitado jurista alematildeo Karl Larenz

Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue

depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico

juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer

ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises

juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de

empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores

que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma

representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo

das opiniotildees expendidas17

13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171

Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz

Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)

as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente

um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para

julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar

por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar

topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida

em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo

abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver

constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse

puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar

proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago

que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute

4

Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico

pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns

argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam

de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios

conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica

standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19

Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como

disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se

pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas

compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel

natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel

O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico

poreacutem um toacutepico muito importante21

No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul

Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22

Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da

argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950

poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de

Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de

Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de

Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo

distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a

uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a

jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a

pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas

verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e

introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy

2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia

ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte

de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de

procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo

ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras

palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor

do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo

introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa

Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189

5

categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de

trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)

Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente

ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu

um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen

(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em

1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu

a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente

aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio

Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados

desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em

artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo

dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais

recentemente R Bolton e R Smith24

Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles

funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo

desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto

apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma

situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer

clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25

A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como

funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial

entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos

e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e

dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees

proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os

23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski

para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica

formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de

PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em

httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and

Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004

Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese

do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3

6

problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos

termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de

acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria

sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa

opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as

regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio

fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou

se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27

A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas

teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral

eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente

mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos

Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que

apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas

garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria

Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no

Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido

desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas

Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda

as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas

analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia

opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso

Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus

textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo

atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que

as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir

e apresentar argumentos soacutelidos28

No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a

dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos

26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997

p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo

Argumentation v 19 n 4 2005

7

primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o

meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por

sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins

Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades

mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer

habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32

As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de

Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter

argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao

positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como

pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de

invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua

toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus

proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica

de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da

Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo

Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre

partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de

vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz

pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade

respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade

isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar

na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria

regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial

tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da

prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo

29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29

2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24

jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na

codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar

por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116

8

incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo

exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos

estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos

Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por

necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em

consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir

para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero

considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg

natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no

decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica

claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A

toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor

Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento

desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas

apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo

da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso

interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves

metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar

o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza

segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40

Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise

sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera

juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do

Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que

Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para

a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica

juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de

37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em

httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica

ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel

em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set

2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57

9

uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso

objetivo de longo prazo

De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz

nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila

quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica

Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para

formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador

da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e

outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate

regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um

elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio

entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras

tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da

leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos

Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o

objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente

aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias

filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42

Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso

propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel

possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que

chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para

apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor

Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em

conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que

empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo

aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias

de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem

descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e

interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da

proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude

mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender

antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido

premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem

41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5

10

preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-

nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores

acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica

na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de

suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos

tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo

tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito

sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que

liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43

Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como

base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o

conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias

pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos

que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a

questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como

pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de

difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico

especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e

Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar

por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que

pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a

melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente

e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se

apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute

imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de

Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica

Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem

disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura

do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso

esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo

definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a

VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito

Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice

dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho

seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo

43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30

11

apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos

objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos

propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos

de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo

apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos

para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os

diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das

quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como

Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos

Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares

agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence

ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente

aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas

Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e

diaacutelogos

12

I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos

1 Consideraccedilotildees iniciais

Noccedilotildees preliminares

O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles

sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido

moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de

Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados

sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44

O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de

modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos

Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)

5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos

O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir

uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo

divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos

Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral

eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e

Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois

como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa

elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado

tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores

do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o

Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos

44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a

ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro

e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos

Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas

palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema

que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo

essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos

Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A

Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196

13

natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo

denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem

subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse

argumento48

Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos

Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e

como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de

Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas

merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas

noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto

de estudo

Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)

da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas

a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a

sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a

conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49

Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo

ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade

estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute

Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que

a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo

no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute

contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52

A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que

entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute

48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e

Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo

livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii

1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10

14

mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica

e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins

de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico

(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico

nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento

cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute

destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois

como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa

razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem

nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para

se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar

Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo

para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as

afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra

ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso

de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser

investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal

caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos

Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais

especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade

de saacutebios a depender do contexto

Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O

conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra

forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam

Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e

pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais

natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53

Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de

53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133

15

ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a

Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua

natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada

Trataremos disso em seguida

A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de

contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura

sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e

passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos

Objetivo dos Toacutepicos

O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra

Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas

ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos

tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer

alguma coisa que nos cause embaraccedilos56

Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se

percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57

Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)

com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por

todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos

para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58

54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -

Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014

ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que

deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja

de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao

passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic

Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para

comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de

opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na

sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1

100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25

16

Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema

proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma

teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de

assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus

princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)

comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos

Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das

ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte

Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos

de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito

algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria

e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios

da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees

tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a

prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a

falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por

diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo

com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos

dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute

aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda

arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se

efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην

ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular

julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual

eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a

refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem

no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60

Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute

ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a

Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees

geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao

conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma

discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos

ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento

59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo

demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos

na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem

poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos

arg Op cit p 171

ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37

Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18

17

associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio

provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos

saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento

que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que

acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo

Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)

e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a

verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que

satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da

mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas

Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos

pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza

do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um

raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir

demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico

Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute

bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom

juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas

as coisas eacute bom juiz em geral62

Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir

a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo

legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo

admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do

contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de

investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos

Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios

sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo

62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a

25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo

em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o

ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes

maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o

segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade

A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo

fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito

citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade

aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados

(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de

todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior

nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees

correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES

Eacutetica a N Op cit p 146

18

geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63

Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado

sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio

portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria

culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos

na introduccedilatildeo deste trabalho

Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a

Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e

ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura

superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas

entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos

Toacutepicos que define ἔνδοξα

Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os

homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade

e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem

divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a

mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata

de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras

embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem

a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com

a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar

todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta

considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais

razoaacuteveis64

Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais

proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees

e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos

segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos

[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que

o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade

como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as

caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem

incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam

a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras

com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a

identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou

sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade

exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos

defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas

mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja

63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20

19

inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos

em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65

Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por

uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees

ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo

entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho

ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o

indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que

parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz

a dialeacuteticardquo66

Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas

de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio

Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um

senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado

o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente

aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo

ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67

Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto

de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como

dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem

ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo

aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees

e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar

Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo

Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma

proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou

para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo

devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo

(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se

65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico

ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10

20

muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que

merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A

esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de

puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de

percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser

castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente

e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se

por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma

investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico

Raciociacutenio dialeacutetico

Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de

raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de

raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz

necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio

(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71

Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς

συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O

raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e

verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras

e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser

descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua

verdade por si mesmos72

Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das

cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que

intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os

70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem

necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6

ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente

pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon

Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10

21

primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso

satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode

ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute

demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que

seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos

Analiacuteticos

Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber

(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja

inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o

conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute

necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν

ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas

mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas

satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do

demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode

haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma

demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem

ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a

comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e

indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para

serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de

um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua

demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do

que ela e a ela anteriores 75

A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o

fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros

Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo

74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo

sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo

(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave

intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os

princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico

(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia

(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que

apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de

o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma

ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento

verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do

proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se

comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores

Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um

par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma

pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira

Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-

30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O

desenvolvimento Op cit p 4

22

estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos

observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se

mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser

verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite

alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos

Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na

afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito

tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e

obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa

dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das

duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee

uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute

indicamos nos Toacutepicos78

O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e

uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa

anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo

e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica

assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa

supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79

Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas

com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde

Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a

demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma

prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de

perguntas80

O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio

apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem

ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas

parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente

aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas

que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser

77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-

255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam

friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17

23

claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as

opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa

falsidade deve ser um pouco oacutebvia82

O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade

no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e

mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se

enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas

de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas

apenas parecem secirc-los84

O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo

(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo

O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo

Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que

natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se

fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do

semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma

desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se

classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele

apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado

em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos

complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito

do raciociacutenio eriacutestico

2 A utilidade dos Toacutepicos

Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se

raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na

sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro

lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo

82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5

24

bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla

possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para

a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as

disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O

treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram

praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a

conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em

suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a

identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado

meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases

uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave

luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica

que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de

todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89

Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A

primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos

contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o

raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e

o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na

discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das

87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade

de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais

facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo

agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute

completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante

de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as

questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais

apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as

investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como

contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma

e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher

acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151

25

proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se

a verdade (ἀλήθεια)91

No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios

(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica

mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos

anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os

princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos

Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a

partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta

debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94

Citamos um trecho

Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou

natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele

estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da

realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o

detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma

natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo

verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto

dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar

qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto

natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa

indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas

Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que

professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash

coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem

caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando

em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira

de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de

francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que

natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio

que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95

Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o

qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo

(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do

princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas

91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua

verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119

26

eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o

Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode

ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos

ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo

de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios

pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute

uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela

inteligecircncia97

Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se

aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois

esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro

mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas

Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da

Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99

Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa

obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a

impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao

debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()

declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas

de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme

era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores

tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute

possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como

divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da

dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos

exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles

96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um

jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34

27

nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas

Disputationes104

Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de

disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota

da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a

ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer

aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um

descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o

comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa

complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105

O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um

meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo

se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara

demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os

Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos

considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento

principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma

outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as

ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos

Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas

e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos

sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus

nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees

individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que

abordaremos agora

103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar

tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos

quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a

constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-

se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto

deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007

p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15

28

3 Os instrumentos da dialeacutetica

Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o

eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar

dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o

que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees

necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e

problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de

argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora

Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos

Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de

coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim

de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e

os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute

composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado

do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para

a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na

construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute

ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem

natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo

apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de

proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final

se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada

a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo

Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por

todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema

(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a

escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela

107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo

e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na

construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13

29

anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos

que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O

problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113

Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados

como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo

ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em

se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute

evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o

que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem

se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se

estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados

satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115

Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις

ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos

quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que

satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais

de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma

ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das

opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve

fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)

acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em

questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os

pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem

ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra

observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo

dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como

113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to

different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem

is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle

tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20

30

no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas

contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam

os debates

ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal

como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou

ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica

deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso

das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta

espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila

distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem

significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie

eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-

nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118

Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)

que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o

conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo

tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada

em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos

homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave

opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios

divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees

em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra

e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por

exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a

diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos

fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que

resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos

das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e

dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica

essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo

sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo

θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo

intelectual120

118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81

31

Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que

Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito

com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo

denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas

entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo

eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em

movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121

Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar

proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As

proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute

deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles

pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias

agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que

estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que

parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas

como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo

Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser

extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa

vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades

reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica

sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser

tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees

Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo

conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos

relativos eacute o mesmordquo124

121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca

a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute

indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute

possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis

quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo

eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o

universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35

32

Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)

e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos

partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as

categorias

Predicaacuteveis

Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou

um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com

o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os

predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da

reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125

Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais

Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como

explicados a seguir

Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν

εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa

Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua

diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um

animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem

definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica

Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas

natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo

conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128

O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente

uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira

conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute

homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem

Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender

125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New

York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20

33

gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem

pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129

O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias

coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem

boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do

objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de

essecircncia (τὸ τί ἐστι)132

Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa

sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem

proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor

modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133

Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao

gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles

poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser

destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o

atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um

proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim

quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente

Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido

Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles

Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes

firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo

para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e

organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem

foco em um dos predicaacuteveis

O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas

e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute

129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39

34

possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam

na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de

ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma

proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo

pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se

predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo

abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem

que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do

gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito

Categorias

Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de

predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma

das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute

divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de

coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre

esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as

seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo

posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138

135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo

Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos

de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais

probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem

disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a

foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma

coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-

10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias

ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)

ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou

ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs

categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas

pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma

classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia

expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que

ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a

tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo

ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto

Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas

categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)

de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois

35

Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das

Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que

eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139

Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois

termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos

Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua

essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere

tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso

trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no

livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo

entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer

em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por

exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia

ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo

e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de

substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de

categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes

em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo

vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica

bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o

que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142

evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma

substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I

9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou

ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor

branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia

(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma

grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute

descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros

casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o

seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada

de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras

espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006

apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq

36

A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as

definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem

como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as

diferenccedilas se expressam em categorias

Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a

qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a

qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem

ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo

basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por

alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas

acima143

4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados

dos termos

Espeacutecies de argumentos

Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio

(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas

estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute

considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos

sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez

eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144

Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo

eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto

ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das

duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no

iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse

mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por

premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se

relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio

143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se

que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que

de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20

ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69

37

natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos

inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita

coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo

clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da

linguagem vulgarrdquo147

Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos

homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos

leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio

A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de

argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo

de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves

Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo

caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos

de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais

utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios

universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os

princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica

linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso

segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151

Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento

de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se

emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as

semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar

proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas

147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b

18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo

fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes

manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos

apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)

Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30

38

e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser

inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154

Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila

Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees

sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro

lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos

em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou

geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa

soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo

mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo

ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute

o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O

segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute

capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do

acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A

identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma

espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a

identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem

e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o

estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos

predicaacuteveis

Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser

estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila

difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do

conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da

153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma

proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso

como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser

recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a

sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo

em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13

105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35

39

mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que

pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157

O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa

particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela

observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil

para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O

argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do

estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais

semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das

semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos

semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees

o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada

caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a

essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto

em uma definiccedilatildeo158

Significado dos termos

Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece

reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele

apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um

termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos

algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios

significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como

exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de

ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo

Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra

ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios

tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o

que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor

A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da

157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37

40

sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso

ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como

por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas

natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160

Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter

sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido

conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das

palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado

o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado

ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe

de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a

uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade

apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias

definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161

Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos

significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se

argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado

dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo

perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita

em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao

se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens

Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto

no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que

afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a

coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso

raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas

aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos

sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que

interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao

160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que

corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos

exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de

fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one

or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated

by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a

competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx

41

passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados

e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua

asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus

argumentos a esse ponto163

O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das

palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com

falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos

nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem

possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados

apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos

sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um

tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que

se vecirc no seguinte trecho

Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham

diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles

que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo

logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo

familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de

falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando

ouvem outros raciocinar165

Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo

encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos

apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os

raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente

ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos

Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se

segue166

163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios

porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar

por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus

argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso

adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre

possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos

Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se

por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de

discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES

Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35

42

II Os toacutepicos

1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)

Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido

por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho

essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em

dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer

uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles

designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor

uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale

que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles

sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor

atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo

procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que

Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em

competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas

consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a

etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir

O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito

provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista

de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas

localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente

recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees

dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em

Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169

167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations

Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these

he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what

a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith

1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of

Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a

great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street

one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items

Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad

43

Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo

que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no

mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante

entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie

Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta

os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de

apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o

dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o

argumento para a conclusatildeo desejada171

Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute

associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles

sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber

vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem

selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173

ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se

apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque

de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por

meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma

premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a

atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos

Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das

proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo

dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza

Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems

to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly

makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined

premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On

Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA

Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002

Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a

variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in

stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo

then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo

SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151

44

para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos

olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177

J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo

do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o

termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser

usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou

uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo

como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte

Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica

e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um

argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o

nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos

poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179

Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega

τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente

ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes

entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que

podem ser gerais ou especiacuteficos

Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo

Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas

argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees

argumentativosrdquo182

Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou

premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o

177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo

aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de

direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico

do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees

de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram

em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera

toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo

diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas

(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa

45

seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como

acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse

tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos

quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185

Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos

natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz

que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da

aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como

premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι

especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()

regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso

em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186

A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a

funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος

aristoteacutelico o seguinte

Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este

pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se

o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser

impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave

mesma coisa187

Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι

aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema

toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados

em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente

conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais

frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos

e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no

grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem

nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e

conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera

referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do

mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc

as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada

do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese

pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep

163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33

46

argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao

sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou

regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos

muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os

esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos

toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188

Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro

deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser

uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que

queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou

refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para

apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de

uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que

selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso

dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo

deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se

por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos

selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado

para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o

esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo

o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar

a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa

capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da

espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate

dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo

pretendida189

2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica

Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios

dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os

livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo

188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid

47

eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados

nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos

mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees

que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos

De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se

as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A

Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten

que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191

1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S

2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S

3) S eacute P = P eacute gecircnero de S

4) S eacute P = P eacute acidente de S

Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III

dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute

bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo

ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser

usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios

particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo

dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de

modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer

ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas

em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que

afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um

erro193

190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos

menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162

Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30

48

Toacutepicos sobre o acidente

O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se

haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente

pertence ao sujeito de outra maneira

Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que

pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais

comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo

se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma

cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194

Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente

que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo

ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo

correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo

O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se

afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico

serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o

predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que

o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente

encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a

proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente

se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa

posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam

uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um

procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado

Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar

os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o

ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195

O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do

acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute

alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo

dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de

194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30

49

ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o

invejoso natildeo eacute bom196

Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou

destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos

quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser

usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute

objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro

significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos

termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que

comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos

Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu

que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento

pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos

Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de

significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente

o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi

discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel

tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por

terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos

que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos

demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma

afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo

corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os

sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade

de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que

seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente

porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence

ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo

se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido

a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio

teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel

num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa

pretensatildeo seja razoaacutevel198

Toacutepicos sobre o preferiacutevel

O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a

um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o

mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas

ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre

196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28

50

o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute

necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que

identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas

Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo

segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo

Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel

agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais

probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo

homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo

qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em

determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos

eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo

mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou

carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a

maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas

as coisas tendem para o bem199

Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas

acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de

modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por

exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais

desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que

pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa

melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio

de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente

a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o

vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel

que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200

Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio

Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio

Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das

investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem

partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201

199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15

51

O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero

atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem

agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute

indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o

gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar

se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)

Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma

nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro

toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada

pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma

espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203

Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o

oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre

manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo

propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de

ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute

formoso204

Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo

Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para

verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve

linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre

a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de

identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir

na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo

de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o

erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero

Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas

diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar

ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar

202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15

52

o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute

correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer

O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um

objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave

definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206

Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre

a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave

obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro

o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale

para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute

ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se

o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade

em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem

para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e

friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo

que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se

refere207

Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter

apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos

construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa

discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre

a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e

como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo

consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta

que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo

desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para

a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo

e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que

Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado

um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos

205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20

53

De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza

os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a

partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando

que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam

meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos

adequadamente enumeradosrdquo210

Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto

capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia

(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas

coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a

combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas

seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma

sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que

dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212

Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados

no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como

sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou

deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser

obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de

sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema

definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo

nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para

aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo

para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que

escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que

210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have

now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior

Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London

Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159

54

parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem

chama de toacutepicos214

Toacutepicos na Retoacuterica

A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη

ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum

e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O

que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir

em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de

demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo

que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma

espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em

geral partem de ἔνδοξα221

Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo

no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa

para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou

213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o

tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel

portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)

de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-

33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173

Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois

que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo

vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg

Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos

produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais

haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela

induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos

nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas

satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo

Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior

parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que

cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que

geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem

ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o

particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237

55

comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns

ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser

aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica

Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos

ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial

e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica

Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o

exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula

argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se

uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que

seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os

homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o

menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos

inclusive atualmente

Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem

eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses

nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees

eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225

Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade

dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um

exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre

a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A

primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio

de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se

vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis

escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando

natildeo houver puniccedilatildeo226

Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees

que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a

223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20

56

praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir

acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute

conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos

para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227

Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na

argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde

com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como

ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As

maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima

ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado

saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a

causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil

do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar

determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da

mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de

encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa

que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel

do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso

pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231

227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15

57

III O debate dialeacutetico

Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente

uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas

ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia

um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo

Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do

respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder

Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua

proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente

concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse

ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233

Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de

praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a

dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas

codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa

praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos

Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir

para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa

conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de

Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo

diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer

tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a

funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a

dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao

tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese

por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E

acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se

232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm

158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press

1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7

58

refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que

recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII

o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas

dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da

competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o

antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo

pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o

respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua

defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular

algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso

se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que

Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo

e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e

apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo

correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o

comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo

de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio

Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo

geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico

se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do

raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por

meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de

demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute

possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e

examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de

estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois

sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem

utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador

236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40

59

individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas

em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da

afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242

1 Estrateacutegias do questionador

O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de

propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente

e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave

construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro

tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute

concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o

argumento mais evidente244

Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se

possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas

alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute

confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo

(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes

uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a

concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que

eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu

as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247

Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter

distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel

possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos

chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por

Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com

atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos

posteriormente

242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30

60

As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se

na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente

e tambeacutem em sugestotildees de psicologia

As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma

expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por

exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute

podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a

oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica

nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que

se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o

mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois

disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando

uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo

forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo

expliacutecito250

Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas

para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para

dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o

argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se

pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o

desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se

despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter

inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que

realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees

dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de

defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute

uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem

natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a

outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias

tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma

249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5

61

conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos

nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251

Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando

possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os

termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a

concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a

concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem

uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem

irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso

desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos

baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra

estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes

desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255

Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate

oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de

imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada

eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma

objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a

premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais

facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os

pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas

que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em

primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou

impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256

251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo

coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II

9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39

62

Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para

proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem

que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257

Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme

jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com

os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a

questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas

usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas

satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que

abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o

adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule

uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em

questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida

Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir

tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se

natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute

vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo

contra elardquo258

Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente

o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse

fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade

seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel

Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio

sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque

muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a

nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees

que foram feitas259

257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15

63

Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas

hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do

ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel

ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-

se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas

intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261

As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do

questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom

questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se

seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom

respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas

apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo

a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262

2 Estrateacutegias do respondedor

O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou

respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou

geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila

no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas

O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese

assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a

conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais

familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar

Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do

mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263

O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter

geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia

para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para

evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante

260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner

should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses

that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20

64

e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa

natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande

maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees

muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o

ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o

respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo

se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente

deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e

natildeo da sua incompetecircncia pessoal264

O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de

clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e

simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes

significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro

sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente

natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio

do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra

alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve

o verbo ldquopertencerrdquo

Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos

ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem

o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o

homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois

dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um

animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos

espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa

proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266

O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador

tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve

evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo

absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por

dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do

264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180

65

que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que

a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267

3 Diferentes objetivos no debate

Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode

ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute

regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute

influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo

influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem

tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo

(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a

respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme

falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em

que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras

e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas

de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em

mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma

proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para

toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos

O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos

conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando

Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e

natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro

mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende

que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute

possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade

Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que

deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por

meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios

267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the

conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139

66

a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos

posteriormente 270

Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o

paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que

satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma

intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com

necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de

ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige

compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles

distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as

proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico

nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271

Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que

essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio

investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute

apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos

Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica

dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma

que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos

proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida

para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar

construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores

o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas

tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os

aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo

conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou

procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas

para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos

270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do

exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para

estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro

como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro

foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII

11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363

67

extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel

identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo

sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele

estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um

dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise

cuidadosa

Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada

que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento

em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos

independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando

ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o

argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de

premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o

argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora

verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e

falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem

apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute

contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a

verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer

afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles

e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos

272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de

estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado

conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos

o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o

dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez

que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas

pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo

do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais

facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito

de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo

sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a

ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)

terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a

partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos

diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o

68

Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode

ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou

natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia

Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc

quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem

na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e

que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio

dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque

parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as

circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita

a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278

4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo

No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio

dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles

inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si

mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos

proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos

debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles

comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280

Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma

que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o

respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer

corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo

desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser

uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o

mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o

conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como

predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a

conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente

rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais

coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p

143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10

69

argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda

tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando

um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um

ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento

eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos

O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento

comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave

argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo

comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com

efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que

haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria

como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que

faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a

admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro

pergunta283

Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma

disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as

estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo

muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute

pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma

premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a

proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos

casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter

Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda

seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285

Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do

questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute

fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um

grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um

raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas

281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10

70

perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade

chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286

A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme

mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da

argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de

xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas

estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles

caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o

com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288

Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do

debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a

cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles

reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e

moral

Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo

com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por

forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua

diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar

todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas

isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr

levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute

resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289

A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute

presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro

da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria

aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar

essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela

291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre

ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos

Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos

anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que

286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367

71

usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de

descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema

proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser

utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom

suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e

como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos

relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima

linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema

especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc

Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre

qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais

geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte

da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela

devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas

o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com

uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do

nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir

uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de

assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender

nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas

quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo

que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las

confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que

precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos

materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as

fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos

Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo

e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar

contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os

problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta

investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do

assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar

acima292

292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196

72

IV Viacutecios de raciociacutenio

As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos

debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz

respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles

Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um

sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo

como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste

capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto

pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a

certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a

seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na

argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral

Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos

exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal

silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser

definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros

Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos

Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e

Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo

a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos

antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da

Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras

silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o

escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro

de Aristoacuteteles sobre loacutegica

Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que

em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco

293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45

73

possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes

As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia

inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo

reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas

quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em

X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia

se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296

As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no

uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio

ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos

silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos

Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo

justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de

viacutecios de raciociacutenio

Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII

dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que

a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do

sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio

dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que

parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de

falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com

exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente

beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de

coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o

satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute

Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν

ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que

aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como

296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso

quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo

tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse

que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento

de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute

igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25

74

tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao

sujeito (assunto) em pauta298

Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso

silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou

um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299

No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter

muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O

exemplo apresentado eacute

Quem estaacute sentado escreve

Soacutecrates estaacute sentado

Soacutecrates estaacute escrevendo

A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles

sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave

conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre

o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo

ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve

ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve

e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo

seria possiacutevel300

Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em

si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a

conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as

premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem

adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute

irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de

premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como

perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre

quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves

vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas

que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo

298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39

75

menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas

satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto

Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema

proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte

de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo

leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que

conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por

meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio

(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que

demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por

um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302

Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No

primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o

caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No

segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o

caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma

conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute

eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao

assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina

ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou

falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada

por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes

verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo

verdadeira seja inferida de premissas falsas 304

Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer

em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que

conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute

postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se

301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma

demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a

conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16

76

expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e

expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar

para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento

dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um

soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de

modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar

que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas

da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia

da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se

incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de

afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular

que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute

incomensuraacutevel com o lado306

Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos

Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em

contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um

raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser

geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso

ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma

competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois

o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o

sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e

enriquecer307

A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata

de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da

adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa

inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um

paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de

um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de

um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do

Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o

306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35

77

argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento

apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto

dialeacutetico308

Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de

preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o

solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a

aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309

As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que

independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento

em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para

as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia

(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e

a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje

de falaacutecias de ambiguidade311

Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute

bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que

pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo

por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo

quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um

exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo

As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis

porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das

palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que

estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e

Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do

mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais

adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras

308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou

1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10

78

o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas

possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem

tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute

sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute

teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo

ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de

palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado

com aquilo com que foi espancadordquo315

Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas

discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois

exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No

entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e

facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase

na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia

Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel

As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da

mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que

abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar

fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar

vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318

As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as

relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo

em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou

relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas

ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias

questotildees em uma soacute319

314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30

79

As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma

que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como

uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos

pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo

ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute

ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de

Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem

pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320

Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem

ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido

absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por

exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo

eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente

como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca

aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321

As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido

definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado

de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente

delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do

desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso

elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo

que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322

A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a

conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor

que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O

Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a

percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos

Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar

molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323

320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10

80

Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser

demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo

modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram

apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324

A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para

fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse

tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa

que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave

impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos

Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a

mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a

ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que

ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute

o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de

ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de

perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e

ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da

impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a

ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de

ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo

satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa

causa da impossibilidade desse argumento325

A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada

de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa

despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra

que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela

aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso

acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que

324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161

81

aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo

ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327

Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a

segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo

(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem

os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e

a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves

opiniotildees aceitas329

A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma

expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade

aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra

masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um

lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331

Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa

repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos

relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo

e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele

seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente

ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade

da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo

de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta

pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado

ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334

As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em

torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico

estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme

327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8

82

a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende

uma sabedoria aparente

Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que

possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele

proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo

tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos

capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para

dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio

apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute

indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos

Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma

faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e

esse eacute o fim que eles tecircm em vista336

336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156

83

V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito

1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica

Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de

estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo

do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso

reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da

ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos

especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base

soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337

Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de

proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo

apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a

partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos

condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra

oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e

exemplificativos

A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo

proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta

dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do

conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das

opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios

(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem

a nenhum campo de saber especiacutefico

Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico

Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas

parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que

337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57

84

queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram

como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico

() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como

um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma

como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico

natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338

De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito

dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas

parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um

raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz

mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute

enganoso e desleal339

Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece

nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas

pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave

dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como

questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico

do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais

os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser

aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem

alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses

princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio

da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral

O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica

de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de

conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado

fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do

conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos

nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual

tentaremos resolver a partir de agora

338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte

desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo

portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor

ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op

cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso

capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos

85

A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de

Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o

que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero

de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute

proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o

fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos

destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta

ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a

felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As

opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no

discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo

retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as

confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara

distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho

Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que

a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou

natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou

injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao

juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes

Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo

com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos

juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens

que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar

muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa

experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo

imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se

retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344

Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas

teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os

testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que

temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos

que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma

categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado

341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

86

uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345

No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica

equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou

argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca

de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de

certo modo

Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o

Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo

podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito

do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral

como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o

Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou

ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e

assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns

a todas as artes347

Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da

classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou

o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as

praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de

produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348

345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo

da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei

jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas

se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para

o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar

o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir

e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos

Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos

juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo

do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica

que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias

juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau

de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros

podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do

retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela

jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que

logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ

Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20

87

Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas

mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia

do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa

Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as

normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso

pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas

sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica

isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se

se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade

que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum

Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos

alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de

fatos

Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas

certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um

corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do

tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem

com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois

de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais

estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral

segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa

sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os

349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da

Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria

sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por

seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade

formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como

correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de

transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova

era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada

aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo

inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o

aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees

que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo

permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL

Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio

27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt

Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91

88

sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como

premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato

concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351

Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um

raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em

vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352

Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute

de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu

domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o

status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη

temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim

concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de

dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre

Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa

sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no

discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A

falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser

levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado

indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353

Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do

Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes

nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos

ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria

adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido

amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com

menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a

351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo

em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo

na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela

expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9

170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito

bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um

τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140

89

jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos

tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes

sobre os casos judiciais

Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a

presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos

legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes

longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave

ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se

transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos

que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees

da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na

doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da

sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem

eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem

discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em

discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica

no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes

de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos

particulares

Casos particulares

Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas

foi revogada e a outra alterada

A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada

pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo

Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou

fraude para fim libidinoso

Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355

A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude

Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha

a seguinte redaccedilatildeo

355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt

httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017

90

Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude

Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356

Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio

geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla

poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo

Federal como uma garantia fundamental neste inciso

XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem

preacutevia cominaccedilatildeo legal357

Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com

base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria

O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio

da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei

deve ser clara e precisa358

Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos

costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo

chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da

expressatildeo ldquomulher honestardquo

O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas

nas normas e interpretadas pelos costumes

As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam

conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra

subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras

Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome

de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre

que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz

quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do

costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a

validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu

conteuacutedo359

Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar

seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se

356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo

Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em

lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71

91

expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma

constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos

da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o

que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de

forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem

consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar

algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo

Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees

geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher

honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos

ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio

Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de

jurisprudecircncia que mostraremos agora

Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro

Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal

Federal em 06 de agosto de 2002

Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute

da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do

crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a

mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores

elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou

o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher

seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual

por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das

viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode

ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes

consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de

Jesus360

Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do

Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees

geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo

Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por

ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo

Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram

360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson

Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em

24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

92

diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave

liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios

constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo

para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361

Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente

aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de

Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para

ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que

reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos

A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou

constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios

subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo

A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da

igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988

adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios

admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade

suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda

a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos

As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no

serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a

efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito

fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia

Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si

mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual

respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos

indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a

neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem

como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a

igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a

igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de

privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que

corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-

estar social e a igualdade como reconhecimento significando o

361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p

148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito

Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt

httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo

93

respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam

raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364

Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que

podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um

direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees

geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as

injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente

aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem

parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave

proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave

igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365

Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas

raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou

natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o

acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente

podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias

estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-

se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de

verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que

orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo

pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva

A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do

Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a

ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele

menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns

paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por

Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida

em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre

364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14

94

o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute

hoje Assim redigiu o Ministro

Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna

relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e

preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que

atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm

129902014) destacando-se em tal contexto como elementos

fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade

humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave

igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e

efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela

alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da

felicidade368

Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da

leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo

dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo

ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima

e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo

fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em

determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas

tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito

Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo

valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata

dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra

e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso

agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a

honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370

368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF

Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto

a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou

secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera

apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a

necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria

desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode

ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo

LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois

devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito

Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o

inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar

95

Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel

entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que

ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal

restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel

agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos

do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o

que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes

ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em

siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho

Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio

da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos

no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os

problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas

juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a

populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das

cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais

Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da

igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem

tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares

Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de

evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute

um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um

fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera

criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de

indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo

239 do Coacutedigo de Processo Penal

os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma

reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo

do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e

presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160

96

Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada

que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a

existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373

A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou

verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de

raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos

Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de

um exemplo

A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime

que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime

pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes

Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-

se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute

a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor

do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso

particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim

a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo

Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a

apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa

e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios

comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo

da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos

indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam

com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees

geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas

373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt

httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao

abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a

uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E

outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo

eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com

todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20

97

provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas

(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376

Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos

julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis

justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo

a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)

que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave

plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada

A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um

contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja

porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras

palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute

possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em

debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas

oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o

ocircnus da prova dos fatos alegados

Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente

aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e

elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio

dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental

2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico

Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute

entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por

possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de

percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal

Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da

contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos

a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir

que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se

apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit

p 138 e 167

98

conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos

alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica

Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou

seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente

aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a

partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com

ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o

conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos

satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as

premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o

primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como

acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador

pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos

τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as

relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees

Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os

entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois

servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι

dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer

de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um

exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o

conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento

retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam

o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental

Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os

entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que

representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme

expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por

si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico

tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e

interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de

argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o

estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que

99

o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam

e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar

instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais

e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto

Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em

funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito

significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute

possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou

acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre

elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios

gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria

dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do

mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na

esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo

pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o

objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas

no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees

diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar

os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou

desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa

dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas

algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral

consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e

histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo

juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de

argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito

e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou

se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos

Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de

linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no

378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18

100

sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do

termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do

que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de

raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo

de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza

precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem

de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico

literaacuterio ou comum

3 Linguagem loacutegica e eacutetica

Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem

Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a

precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio

apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O

jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo

juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre

os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei

natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas

pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute

a imprecisatildeo da linguagem do Direito386

Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para

Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na

existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos

decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os

sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para

evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo

382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que

as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que

significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit

p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro

101

Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre

identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que

envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos

utilizados durante a discussatildeo389

A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a

linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem

comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que

Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as

ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia

antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O

que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e

esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e

coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos

Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo

conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que

buscar uma linguagem perfeita

Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo

enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito

principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias

Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo

histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme

temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito

De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos

Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por

seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e

linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de

389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge

como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e

cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas

redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica

ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica

juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas

sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo

extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo

102

debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio

de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual

que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um

contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado

Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem

os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e

como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que

estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte

para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais

seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes

Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo

muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como

sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o

debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista

que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees

como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram

descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como

empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe

um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo

Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391

mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim

como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda

argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute

uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e

disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que

torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo

homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de

adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito

essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos

Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio

qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio

391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15

103

servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo

Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo

dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados

testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por

parte dos debatedores

4 Taacuteticas de debate

As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos

nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais

no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as

sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o

interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento

Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo

A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia

T Sim mas o que exatamente

A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de

madrugada no dia X

T Sim eacute verdade

A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos

T Sim

A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu

T Natildeo sei acho que por volta de uma hora

A Antes ou depois de uma hora

T Natildeo sei

A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta

de meia noite

T Sim

A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo

T Natildeo sei

A A senhora ouviu ele chegar

T Natildeo

A A senhora estava dormindo

104

T Sim

A A senhora tem insocircnia

T Sim

A A senhora toma remeacutedios para dormir

T Agraves vezes sim

A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir

T Natildeo lembro

A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo

T Estava dormindo e acordei com os barulhos

A A senhora tem pesadelos agraves vezes

T Agraves vezes sim

A Obrigado

O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato

que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de

que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a

conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a

alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que

ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato

ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a

afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As

premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O

advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo

do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave

conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que

dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a

chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade

de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava

dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo

A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o

auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o

testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-

se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo

105

dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo

mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado

remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para

dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel

que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez

servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos

pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos

natildeo eacute fidedigno

O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum

na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas

premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu

os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que

levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos

O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para

um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por

induccedilatildeo

Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de

debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre

os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos

de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor

isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na

condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha

promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia

entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante

discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre

por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor

a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a

dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual

oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na

discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz

106

CONCLUSAtildeO

Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo

διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees

geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as

quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que

a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois

suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de

premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos

do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de

forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo

especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo

ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que

essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito

o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de

Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do

Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o

treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a

finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a

investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto

acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais

aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e

outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para

os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva

para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma

393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30

107

ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados

nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo

A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa

dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra

usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se

formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido

feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e

aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas

loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de

Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos

que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas

anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na

praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos

a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute

fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica

natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer

uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos

suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica

aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica

juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes

de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica

os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos

para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das

ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser

enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que

ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em

geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje

Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum

tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do

seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa

filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso

estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na

108

obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da

correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos

como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma

compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como

um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo

da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta

dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar

as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos

da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica

que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e

se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-

contradiccedilatildeo

No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam

concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de

linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas

em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as

habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional

de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem

exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso

seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico

Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da

dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e

o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente

aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico

dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese

satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos

dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito

mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel

enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade

maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um

meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma

397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246

109

aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao

dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo

pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos

cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos

Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo

dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios

Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou

modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo

de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da

dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um

discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas

trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral

dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos

retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees

diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele

retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham

a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte

satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da

linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer

aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos

Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da

sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica

Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles

menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente

tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias

entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue

de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma

habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas

398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida

quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2

157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees

possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou

faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16

110

comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica

para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas

De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve

como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso

como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do

assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo

requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das

questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos

Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e

Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e

psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de

vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees

reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento

para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo

apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo

essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um

pouco estranha a de que nem tudo se discute

Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo

juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples

meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas

Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos

argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e

linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O

principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre

acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas

respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente

dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos

que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito

uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas

111

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Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de

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ARISTOacuteTELES Obras Completas Toacutepicos Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e

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Moeda 2007

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes

Lisboa Guimaratildees Editores 1986

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[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra

Satildeo Paulo Hedra 2005

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