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Pós-Graduação: Psicopedagogia (Clínica e Institucional) Didática e Psicopedagogia
Profª. Ddª. Adriana Monteiro Piromali Guarizo
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DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR
―O domínio de uma profissão não exclui o
seu aperfeiçoamento. Ao contrário, será
mestre quem continuar aprendendo‖.
Pierre Furter
Justificativa: A disciplina Didática do Ensino Superior pretende contribuir para a especialização
do profissional, mediante a compreensão das especificidades do trabalho docente, na situação
institucional formativa e curricular do ensino superior. Para tanto, propõe que este compreenda o
trabalho docente tanto em sua perspectiva da construção de saberes sociais, pedagógicos e docentes
tácitos, construídos nas diversas relações pedagógicas, no contexto da sociedade, quanto no sentido
da sua formalização, através da Didática. Espera-se, portanto, que esta disciplina ofereça elementos
teórico-práticos que possibilitem a (re)significação de práticas pedagógicas, no ensino superior,
capazes de mobilizar uma atuação docente que priorize a formação holística do homem, ou seja,
um profissional crítico (atuante), criativo (sensível) e comprometido ética e politicamente com as
mudanças da sociedade contemporânea.
Objetivos:
situar a Didática no contexto do ensino superior, tendo como referência alguns marcos
histórico-sociais, no âmbito das tendências do pensamento educacional e pedagógico;
analisar a prática pedagógica docente como uma prática social nas suas múltiplas
determinações, dimensões formativas e relações envolvidas;
(re)significar práticas pedagógicas docentes, com base num processo de reflexão/ação
coletiva, a partir de situações concretas observadas e/ou vividas no cotidiano do ensino
superior.
Ementa: Breve histórico da Didática na Educação. As principais correntes da Didática moderna.
Didática, metodologias e as Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (NTCIs) e a sala
de aula. Os Processos de Aprendizagem. Avaliação e acompanhamento do processo de
ensino/aprendizagem. Promoção e retenção no ensino Fundamental e Médio e os problemas de
aprendizagem.
Programação das temáticas/encontros:
1º Encontro (24/09/2011)
Sondagem para caracterização do grupo
Apresentação e discussão da proposta da disciplina
A formação do professor como intelectual e os desafios da sociedade contemporânea
A didática e o contexto do ensino superior
2° Encontro (08/10/2011)
Conhecimentos e habilidades pedagógicas
A didática e as tendências pedagógicas
Avaliação e os problemas de aprendizagem
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Formação, docência e currículo no ensino superior
Didática, as NTCIs e a sala de aula
Metodologia:
A metodologia do curso basear-se-á num processo de ação-reflexão-ação individual e
coletiva, tomando como foco a relação entre ensino e produção do conhecimento. Durante o curso
serão desenvolvidas as seguintes atividades:
exposição dialogada e
trabalhos individuais e em grupo.
1. A didática do ensino superior
Considerando a docência como fio condutor desta discussão, e por conseguinte, como
objeto de estudo da Didática, é imperativo resgatar o sentido etimológico desta palavra. Se
recorrermos à história, constataremos que as relações entre o ensinar e o aprender já eram
anunciadas no século XVII por Comênius. Gasparin (1994, p.70-72), estudioso das obras
Comenianas, afirma:
Comênio vai do ensino à aprendizagem, da ação do professor à ação do aluno, ou
seja, da docência à discência [...] As palavras docente e discente, que encerram o
sentido de que alguém está fazendo alguma coisa, referem-se à ação do professor e
do aluno, pois a origem delas atesta que docere significa ensinar, fazer aprender,
enquanto discere traduz o sentido de aprender. Seriam, pois, duas ações distintas,
mas complementares, interligadas e inseparáveis [...] A aquisição de
conhecimentos não pode se dar unicamente por uma das partes, isto é, ou só pelo
ensino ou só pela aprendizagem. Uma e outra constituem duas faces
intercambiáveis e inseparáveis do mesmo todo.
De fato, os grandes desafios que se impõem à prática docente no ensino superior
relacionam-se às possibilidades de articular as duas ações didáticas – ensinar e aprender –, no
contexto de sala de aula. Nem sempre quem domina conhecimentos para sua atuação profissional
sabe transpô-los para uma situação de aprendizagem. Sob esse prisma, entende-se que dificilmente
um professor consegue planejar, gerir e avaliar situações didáticas eficazes para o desenvolvimento
da autonomia dos acadêmicos se não compreender os conteúdos próprios de sua área de atuação,
que serão objeto de sua ação didática. Assim, se a docência é sua área de atuação, além das
especificidades inerentes aos diferentes campos de conhecimento, a Didática também compõe o
quadro como conteúdo próprio da prática pedagógica universitária.
No que diz respeito à articulação entre ensino e aprendizagem, Masetto (2003, p.82-83)
alerta para a necessidade atual de transposição de paradigmas na ação didática universitária: o autor
propõe a substituição da ênfase no ensino pela ênfase na aprendizagem. Para ele, não se trata
apenas da simplificação do ato de substituir palavras. Assim, nas ações desenvolvidas na prática
pedagógica universitária, é preciso transitar: a) da centralização do professor para o aluno, cabendo
a este o papel central de sujeito que exerce as ações necessárias para que ocorra sua aprendizagem,
adquirindo habilidades, enfim, produzindo conhecimento; b) do papel do professor enquanto agente
de transmissão de informações para a função de mediador pedagógico, ou mesmo de orientador do
processo de aprendizagem do aluno.
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O vigor das reflexões do autor ainda apontam para a visão de que faz parte dessa
aprendizagem o aluno universitário adquirir progressiva autonomia na aquisição de conhecimentos
ulteriores. Nesse esforço de articulação ensino-aprendizagem, a questão da construção da
autonomia do estudante universitário tem sido amplamente discutida. Para Teixeira (2002, p.161),
Transposição didática é o termo designado por Chevellard (apud PERRENOUD, 1993), para
expressar a relação entre a reconstrução de um conhecimento no processo de ensino, isto é, a
mediação didática para tornar um conhecimento ensinável. O papel do aluno, o aprendente, o
sujeito construtor do conhecimento, é de importância relevante na construção de sua autonomia,
pois deve mostrar-se co-responsável pela construção de resultados em todos os momentos de seu
percurso acadêmico.
É neste contexto de relações entre a construção da autonomia na aprendizagem universitária
que a Didática, campo de conhecimentos vinculado à Pedagogia, ganha força para dimensionar o
ensino, isto é, a docência no ensino superior. Esta, por sua vez, exige articulação de saberes
complementares.
Frente aos desafios postos para o ensinar, o domínio específico de uma área científica do
conhecimento não é suficiente. O professor universitário deve desenvolver também outros saberes:
pedagógico e político. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não concebe a
docência universitária como um processo de formação, mas sim de preparação para o exercício do
magistério superior (PIMENTA, 2002).
BIBLIOGRAFIA:
ANTUNES, Celso. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis: Vozes,
2000.
BORDENAVE, Juan Díaz; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de Ensino-Aprendizagem.
Petrópoliz: Vozes, 1989.
CORDEIRO, Jaime. Didática. São Paulo: Contexto, 2007.
CUNHA, Maria Isabel. O bom professor e sua prática. 16. ed. Campinas: Papirus, 2004.
GASPARIN, João Luiz. Comênio ou da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos. Campinas,
São Paulo: Papirus, 1994a. (Coleção magistério, formação e trabalho pedagógico).
______. Comênio ou da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos Totalmente. São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1994b.
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 7ª ed. Ática. São Paulo; SP. 2006.
JESUS, Alonso Tapia; FITA, Enrique Caturla. A motivação em sala de aula: o que é, como se
faz. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1999.
LIBANEO, José Carlos. A Didática como atividade pedagógica escolar. (p. 52 a 71). In:
LIBANEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1999. A Didática como atividade pedagógica escolar
MARTINS, Pura Lúcia Oliver. Didática Teórica e Didática Prática: para além do confronto. São
Paulo: Loyola, 1989.
MASETTO, Marcos (org.). Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998.
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U.
2005.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.
PERRENOUD, Phillipe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
2000.
PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no Ensino
Superior. São Paulo: Cortez, 2002.
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RAMOS, Cosete. Sala de aula de qualidade total. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1995.
VASCONCELOS, Maria Lúcia M. Carvalho. A formação do professor do Ensino Superior. 2.
ed. São Paulo: Pioneira, 2000.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto
Político-Pedagógico. São Paulo: Libertad, 1999.
VILARINHO, Lúcia Regina Goulart. Didática: Temas Selecionados. Rio de Janeiro: Livros
Técnicos e Científicos, 1985.
TEXTOS DE APOIO PARA O PRIMEIRO ENCONTRO:
Texto 01: A DIDÁTICA COMO ATIVIDADE PEDAGÓGICA ESCOLAR
A Pedagogia investiga a natureza das finalidades da educação como processo social, no seio
de uma determinada sociedade, bem como as metodologias apropriadas para a formação dos
indivíduos, tendo em vista o seu desenvolvimento humano para tarefas na vida em sociedade.
Quando falamos das finalidades da educação no seio de uma determinada sociedade,
queremos dizer que o entendimento dos objetivos, conteúdos e métodos da educação se modificam
conforme as concepções de homem e da sociedade que, em cada contexto econômico e social de
um momento da história humana, caracterizam o modo de pensar, o modo de agir e os interesses
das classes e grupos sociais. A Pedagogia, portanto, é sempre uma concepção da direção do
processo educativo subordinada a uma concepção político-social.
Sendo a educação escolar uma atividade social que, através de instituições próprias, visa a
assimilação dos conhecimentos e experiências humanas acumuladas no decorrer da história, tendo
em vista a formação dos indivíduos enquanto seres sociais, cabe à Pedagogia intervir nesse
processo de assimilação, orientando-o para finalidades sociais e políticas e criando um conjunto de
condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo no âmbito da escola. Nesse sentido, a
Didática assegura o fazer pedagógico na escola, na sua dimensão político-social e técnica; é, por
isso, uma disciplina eminentemente pedagógica.
A Didática é, pois, uma das disciplinas da Pedagogia que estuda o processo de ensino
através dos seus componentes - os conteúdos escolares, o ensino e a aprendizagem - para, com o
embasamento numa teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional
dos professores. É, ao mesmo tempo, uma matéria de estudo fundamental na formação profissional
dos professores e um meio de trabalho do qual os professores se servem para dirigir a atividade de
ensino, cujo resultado é a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos.
Definindo-se como mediação escolar dos objetivos e conteúdos do ensino, a Didática
investiga as condições e formas que vigoram no ensino e, ao mesmo tempo, os fatores reais
(sociais, políticos, culturais, psicossociais), condicionantes das relações entre a docência e a
aprendizagem. Ou seja, destacando a instrução e o ensino como elementos primordiais do processo
pedagógico escolar, traduz objetivos sociais e políticos em objetivos de ensino, seleciona e
organiza os conteúdos e métodos e, ao estabelecer as conexões entre ensino e aprendizagem, indica
princípios e diretrizes que irão regular a ação didática.
Por outro lado, esse conjunto de tarefas não visa outra coisa senão o desenvolvimento físico
e intelectual dos alunos, com vistas à sua preparação para a vida social. Em outras palavras, o
processo didático de transmissão/assimilação de conhecimentos e habilidades tem como
culminância o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos, de modo que assimilem
ativa e independentemente os conhecimentos sistematizados.
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Que significa teoria da instrução e do ensino? Qual a relação da Didática com o currículo,
metodologias específicas das matérias, procedimentos de ensino, técnicas de ensino?
A instrução se refere ao processo e ao resultado da assimilação sólida de conhecimentos
sistematizados e ao desenvolvimento de capacidades cognitivas. O núcleo da instrução são os
conteúdos das matérias. O ensino consiste no planejamento, organização, direção e avaliação da
atividade didática, concretizando as tarefas da instrução; o ensino inclui tanto o trabalho do
professor (magistério) como a direção da atividade de estudo dos alunos. Tanto a instrução como o
ensino se modifica em decorrência da sua necessária ligação com o desenvolvimento da sociedade
e com as condições reais em que ocorre o trabalho docente. Nessa ligação é que a Didática se
fundamenta para formular diretrizes orientadoras do processo de ensino. [...]
A Didática tem muitos pontos em comum com as metodologias específicas de ensino. Elas
são as fontes da investigação Didática, ao lado da Psicologia da Educação e da Sociologia da
Educação. Mas, ao se constituir como teoria da instrução e do ensino, abstrai das particularidades
de cada matéria para generalizar princípios e diretrizes para qualquer uma delas.
Em síntese, são temas fundamentais da Didática: os objetivos sócio-políticos e pedagógicos
da educação escolar, os conteúdos escolares, os princípios didáticos, os métodos de ensino e de
aprendizagem, as formas organizativas do ensino, o uso e aplicação de técnicas e recursos, o
controle e a avaliação da aprendizagem.
Objeto de estudo: o processo de ensino
O objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo principal da educação
escolar.
Na medida em que o ensino viabiliza as tarefas da instrução, ele contém a instrução.
Podemos, assim, delimitar como objeto da Didática o processo de ensino que, considerado no seu
conjunto, inclui: os conteúdos dos programas e dos livros didáticos, os métodos e formas
organizativas do ensino, as atividades do professor e dos alunos e as diretrizes que regulam e
orientam esse processo.
Por que estudar o processo de ensino? Vimos, anteriormente, que a educação escolar é uma
tarefa eminentemente social, pois a sociedade necessita prover as gerações mais novas daqueles
conhecimentos e habilidades que vão sendo acumulados pela experiência social da humanidade.
Ora, não é suficiente dizer que os alunos precisam dominar os conhecimentos; é necessário dizer
como fazê-lo, isto é, investigar objetivos e métodos seguros e eficazes para a assimilação dos
conhecimentos. Esta é a função da Didática, ao estudar o processo do ensino.
Podemos definir processo de ensino como uma seqüência de atividades do professor e dos
alunos, tendo em vista a assimilação de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, através
dos quais os alunos aprimoram capacidades cognitivas (pensamento independente, observação,
análise-síntese e outras).
Quando mencionamos que a finalidade do processo de ensino é proporcionar aos alunos os
meios para que assimilem ativamente os conhecimentos é porque a natureza do trabalho docente é
a mediação da relação cognoscitiva entre o aluno e as matérias de ensino. Isto quer dizer que o
ensino não é só transmissão de informações mas também o meio de organizar a atividade de estudo
dos alunos. O ensino somente é bem-sucedido, quando os objetivos do professor coincidem com os
objetivos de estudo do aluno e é praticado tendo em vista o desenvolvimento das suas forças
intelectuais.
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Ensinar e aprender, pois, são duas facetas do mesmo processo, e que se realizam em torno
das matérias de ensino, sob a direção do professor. [...]
Tendências pedagógicas do Brasil e a Didática
Nos últimos anos, diversos estudos têm sido dedicados à história da Didática no Brasil, suas
relações com as tendências pedagógicas e à investigação do seu campo de conhecimentos. Os
autores, em geral, concordam em classificar as tendências pedagógicas em dois grupos: as de
cunho liberal - Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e tecnicismo educacional; as de cunho
progressista - Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos. Certamente
existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendências, mas essas são as mais
conhecidas.
Na Pedagogia Tradicional, a Didática é uma disciplina normativa, um conjunto de
princípios e regras que regulam o ensino. A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe
e interpreta a matéria. Às vezes são utilizados meios como a apresentação de objetos, ilustrações,
exemplos, mas o meio principal é a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e fazendo
exercícios repetitivos, os alunos "gravam" a matéria para depois reproduzi-la, seja através das
interrogações do professor, seja através das provas. Para isso, é importante que o aluno "preste
atenção", porque ouvindo facilita-se o registro do que se transmite, na memória. O aluno é, assim,
um recebedor da matéria e sua tarefa é decorá-la. Os objetivos, explícitos ou implícitos, se referem
à formação de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar
os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A
matéria de ensino é tratada isoladamente, isto é, desvinculada dos interesses dos alunos e dos
problemas reais da sociedade e da vida. O método é dado pela lógica e seqüência da matéria, é o
meio utilizado pelo professor para comunicar a matéria e não dos alunos para aprendê-la. É ainda
forte a presença dos métodos intuitivos, que foram incorporados ao ensino tradicional. Baseiam-se
na apresentação de dados sensíveis, de modo que os alunos possam observá-los e formar imagens
deles em sua mente. Muitos professores ainda acham que "partir do concreto" é a chave do ensino
atualizado. Mas esta idéia já fazia parte da Pedagogia Tradicional porque o "concreto" (mostrar
objetos, ilustrações, gravuras etc) serve apenas para gravar na mente o que é captado pelos
sentidos. O material concreto é mostrado, demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida
mentalmente com ele, não o repensa, não o reelaboram o seu próprio pensamento. A aprendizagem,
assim, continua receptiva, automática, não mobilizando a atividade mental do aluno e o
desenvolvimento de suas capacidades intelectuais.
A Didática tradicional tem resistido ao tempo, continua prevalecendo na prática escolar. É
comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos,
sobrecarregar o aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar somente
exercícios repetitivos, impor externamente a disciplina e usar castigos. Trata-se de uma prática
escolar que empobrece até as boas intenções da Pedagogia Tradicional que pretendia, com seus
métodos, a transmissão da cultura geral, isto é, das grandes descobertas da humanidade, e a
formação do raciocínio, o treino da mente e da vontade. Os conhecimentos ficaram estereotipados,
insossos, sem valor educativo vital, desprovidos de significados sociais, inúteis para a formação
das capacidades intelectuais e para a compreensão crítica da realidade. O intento de formação
mental, de desenvolvimento do raciocínio, ficou reduzido a práticas de memorização.
A Pedagogia Renovada inclui várias correntes: a progressivista (que se baseia na teoria
educacional de John Dewey), a não-diretiva (principalmente inspirada em Carl Rogers), a ativista-
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espiritualista (de orientação católica), a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. Todas,
de alguma forma, estão ligadas ao movimento da pedagogia ativa que, surge no final do século
XIX como contraposição à Pedagogia Tradicional. Entretanto, segundo estudo feito por Castro
(1984), os conhecimentos e a experiência da Didática brasileira pautam-se, em boa parte, no
movimento da Escola Nova, inspirado principalmente na corrente progressivista. Destacaremos,
aqui, apenas a Didática ativa inspirada nessa corrente [...]
A Didática da Escola Nova ou Didática ativa é entendida como "direção da aprendizagem",
considerando o aluno como sujeito da aprendizagem. O que o professor tem a fazer é colocar o
aluno em condições propícias para que, partindo das suas necessidades e estimulando os seus
interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências. A idéia é a de que o aluno
aprende melhor o que faz por si próprio. Não se trata apenas de aprender fazendo, no sentido de
trabalho manual, ações de manipulação, de objetos. Trata-se de colocar o aluno em situações em
que seja mobilizada a sua atividade global e que se manifesta em atividade intelectual, atividade de
criação, de expressão verbal, escrita, plástica ou ' outro tipo. O centro da atividade escolar não é o
professor nem a matéria, é o aluno ativo e investigador. O professor incentiva, orienta, organiza as
situações de aprendizagem, adequando-as às capacidades de características individuais dos alunos.
Por isso, a Didática ativa dá grande importância aos métodos e técnicas como o trabalho de grupo,
atividades cooperativas, estudo individual, pesquisas, projetos, experimentações etc., bem como
aos métodos de reflexão e método científico de descobrir conhecimentos. Tanto na organização das
experiências de aprendizagem como na seleção de métodos, importa o processo de aprendizagem e
não diretamente o ensino. O melhor método é aquele que tende as exigências psicológicas do
aprender. Em síntese, a Didática ativa dá menos atenção aos conhecimentos sistematizados,
valorizando mais o processo da aprendizagem e os meios que possibilitam o desenvolvimento das
capacidades e habilidades intelectuais dos alunos. Por isso, os adeptos da Escola Nova costumam
dizer que o professor não ensina; antes, ajuda o aluno a aprender. Ou seja, a Didática não é a
direção do ensino, é a orientação da aprendizagem, uma vez que esta é uma experiência própria do
aluno através da pesquisa, da investigação.
Esse entendimento da Didática tem muitos aspectos positivos, principalmente quando
baseia a atividade escolar na atividade mental dos alunos, no estudo e na pesquisa, visando a
formação de um pensamento autônomo. Entretanto, é raro encontrar professores que apliquem
inteiramente o que propõe a Didática ativa. Por falta de conhecimento aprofundado das bases
teóricas da pedagogia ativa, falta de condições materiais, pelas exigências de cumprimento do
programa oficial e outras razões, o que fica são alguns métodos e técnicas. Assim, é muito comum
os professores utilizarem procedimentos e técnicas como trabalho de grupo, estudo dirigido,
discussões, estudo do meio etc., sem levar em conta seu objetivo principal que é levar o aluno a
pensar, a raciocinar cientificamente, a desenvolver sua capacidade de reflexão e a independência de
pensamento. Com isso, na hora de comprovar os resultados do ensino e da aprendizagem, pedem
matéria decorada, da mesma forma que se faz no ensino tradicional. [...]
A Pedagogia Tecnicista, desenvolveu-se no Brasil na década de 50, à sombra do
progressivismo, ganhando nos anos 60 autonomia quando se constituiu especificamente como
tendência, inspirada na teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino.
Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos oficiais ao longo de boa parte
das duas últimas décadas, por ser compatível com a orientação econômica, política e ideológica do
regime militar então vigente. Com isso, ainda hoje predomina nos cursos de formação de
professores o uso de manuais didáticos de cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. A
Didática instrumental está interessada na racionalização do ensino, no uso de meios e técnicas mais
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eficazes. O sistema de instrução se compõe das seguintes etapas: a) especificação de objetivos
instrucionais operacionalizados; b) avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-requisitos para
alcançar os objetivos; c) ensino ou organização das experiências de aprendizagem; d) avaliação dos
alunos relativa ao que se propôs nos objetivos iniciais. O arranjo mais simplificado dessa seqüência
resultou na fórmula: objetivos, conteúdos, estratégias, avaliação. O professor é um administrador e
executor do planejamento, o meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios
necessários para se atingir os objetivos. Boa parte dos livros didáticos em uso nas escolas são
elaborados com base na tecnologia da instrução.
As tendências de cunho progressista interessadas em propostas pedagógicas voltadas para
os interesses da maioria da população foram adquirindo maior solidez e sistematização por volta
dos anos 80. São também denominadas teorias críticas da educação. Não é que não tenham existido
antes esforços no sentido de formular propostas de educação popular. Já no começo do século
formaram-se movimentos de renovação educacional por iniciativa de militantes socialistas. Muitos
dos integrantes do movimento dos pioneiros da Escola Nova tinham real interesse em superar a
educação elitista e discriminadora da época. No início dos anos 60 surgiram os movimentos de
educação de adultos que geraram idéias pedagógicas e práticas educacionais de educação popular,
configurando a tendência que veio a ser denominada de Pedagogia Libertadora.
Na segunda metade da década de 70, com a incipiente modificação do quadro político
repressivo em decorrência de lutas sociais por maior democratização da sociedade, tornou-se
possível à discussão de questões educacionais e escolares numa perspectiva de crítica política das
instituições sociais do capitalismo. Muitos estudiosos e militantes políticos se interessaram apenas
pela crítica e pela denúncia do papel ideológico e discriminador da escola na sociedade capitalista.
Outros, no entanto, levando em conta essa crítica, preocuparam-se em formular propostas e
desenvolver estudos no sentido de tornar possível uma escola articulada com os interesses
concretos do povo. Entre essas tentativas destacam-se a Pedagogia Libertadora e a Pedagogia
Crítico-Social dos Conteúdos. A primeira retomou as propostas de educação popular dos anos 60,
refundindo seus princípios e práticas em função das possibilidades do seu emprego na educação
formal em escolas públicas, já que inicialmente tinham caráter extra-escolar, não-oficial e voltadas
para o atendimento de clientela adulta. A segunda [...] constituiu-se como movimento pedagógico
interessado na educação popular, na valorização da escola pública e do trabalho do professor, no
ensino de qualidade para o povo e, especificamente, na acentuação da importância do domínio
sólido por parte de professores e alunos dos conteúdos científicos do ensino como condição para"a
participação efetiva do povo nas lutas sociais (na política, na profissão, no sindicato, nos
movimentos sociais e culturais). Trata-se de duas tendências pedagógicas progressistas, propondo
uma educação escolar crítica a serviço das transformações sociais e econômicas, ou seja, de
superação das desigualdades sociais decorrentes das formas sociais capitalistas de organização da
sociedade. No entanto, diferem quanto a objetivos imediatos, meios e estratégias de atingir essas
metas gerais comuns.
A Pedagogia Libertadora não tem uma proposta explícita de Didática, e muitos dos seus
seguidores, entendendo que toda didática resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, instrumental,
meramente prescritivo, até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação dos professores.
No entanto, há uma didática implícita na orientação do trabalho escolar, pois, de alguma forma, o
professor se põe diante de uma classe com a tarefa de orientar a aprendizagem dos alunos. A
atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e políticos; poder-se-ia falar de um
ensino centrado na realidade social, em que professor e alunos analisam problemas e realidades do
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meio sócio-econômico e cultural, da comunidade local, com seus recursos e necessidades, tendo
em vista a ação coletiva frente a esses problemas e realidades.
O trabalho escolar não se assenta, prioritariamente, nos conteúdos de ensino já
sistematizados, mas no processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre
questões da realidade social imediata. Nesse processo em que se realiza a discussão, os relatos da
experiência vivida, a assembléia, a pesquisa participante, o trabalho de grupo etc., vão surgindo
temas geradores que podem vir a ser sistematizados para efeito de consolidação de conhecimentos.
É uma didática que busca desenvolver, o processo educativo como tarefa que se dá no interior dos
grupos sociais e por isso o professor é coordenador ou animador das atividades que se organizam
sempre pela ação conjunta dele e dos alunos.
A Pedagogia Libertadora tem sido empregada com muito êxito em vários setores dos
movimentos sociais, como sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas. Parte desse
êxito se deve ao fato de ser utilizada entre adultos que vivenciam uma prática política e onde o
debate sobre a problemática econômica, social e política pode ser aprofundado com a orientação de
intelectuais comprometidos com os interesses populares. Em relação à sua aplicação nas escolas
públicas, especialmente no ensino de 1° grau, os representantes dessa tendência não chegaram a
formular uma orientação pedagógico-didática especificamente escolar, compatível com a idade, o
desenvolvimento mental e as características de aprendizagem das crianças e jovens.
Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a escola pública cumpre a sua função social
e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos, como condição para a
efetiva participação do povo nas lutas sociais. Não considera suficiente colocar como conteúdo
escolar a problemática social cotidiana, pois somente com o domínio dos conhecimentos,
habilidades e capacidades mentais podem os alunos organizar, interpretar e reelaborar suas
experiências de vida em função dos interesses de classe. O que importa é que os conhecimentos
sistematizados sejam confrontados com as experiências sócio-culturais e a vida concreta dos
alunos, como meio de aprendizagem e melhor solidez na assimilação dos conteúdos. Do ponto de
vista didático, o ensino consiste na mediação de objetivos-conteúdos-métodos que assegure o
encontro formativo entre os alunos e as matérias escolares, que é o fator decisivo da aprendizagem.
A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos atribui grande importância à Didática, cujo objeto de
estudo é o processo de ensino nas suas relações e ligações com a aprendizagem. As ações de
ensinar e aprender formam uma unidade, mas cada uma tem a sua especificidade. A Didática tem
como objetivo a direção do processo de ensinar, tendo em vista finalidades sócio-políticas e
pedagógicas e as condições e meios formativos; tal direção, entretanto, converge para promover a
auto-atividade dos alunos, a aprendizagem. Com isso, a Pedagogia Crítico-Social busca uma
síntese superadora de traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova. Postula
para o ensino a tarefa de propiciar aos alunos o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades
intelectuais, mediante a transmissão e assimilação ativa dos conteúdos escolares articulando, no
mesmo processo, a aquisição de noções sistematizadas e as qualidades individuais dos alunos que
lhes possibilitam a auto-atividade e a busca independente e criativa das noções. Mas trata-se de
uma síntese superadora. Com efeito, se a Pedagogia define fins e meios da prática educativa a
partir dos seus vínculos com a dinâmica da prática social, importa um posicionamento dela em face
de interesses sociais em jogo no quadro das relações sociais vigentes na sociedade. Os
conhecimentos teóricos e práticos da Didática medeiam os vínculos entre o pedagógico e a
docência; fazem a ligação entre o "para quê" (opções político-pedagógicas) e o "como" da ação
educativa escolar (a prática docente). A Pedagogia Crítico-Social toma o partido dos interesses
majoritários da sociedade, atribuindo à instrução e ao ensino o papel de proporcionar aos alunos o
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domínio de conteúdos científicos, os métodos de estudo e habilidades e hábitos de raciocínio
científico, de modo a irem formando a consciência crítica face às realidades sociais e capacitando-
se a assumir no conjunto das lutas sociais a sua condição de agentes ativos de transformação da
sociedade e de si próprios. [...]
A Didática e as tarefas do professor
[...] A Didática é a disciplina que estuda o processo de ensino tomado em seu conjunto, isto
é, os objetivos educativos e os objetivos de ensino, os conteúdos científicos, os métodos e as
formas de organização do ensino, as condições e meios que mobilizam o aluno para o estudo ativo
e seu desenvolvimento intelectual. Para isso, investiga as leis e princípios gerais do ensino e da
aprendizagem, conforme as condições concretas em que se desenvolvem. Os conhecimentos
teóricos e metodológicos, assim como o domínio dos modos do fazer docente, propiciam uma
orientação mais segura para o trabalho profissional do professor. O trabalho docente, entendido
como atividade pedagógica do professor, busca os seguintes objetivos primordiais:
* assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível dos conhecimentos científicos;
* criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam capacidades e habilidades
intelectuais de modo que dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua
autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento;
* orientar as tarefas de ensino para objetivos educativos de formação da personalidade, isto é,
ajudar os alunos a escolherem um caminho na vida, a terem atitudes e convicções que norteiem
suas opções diante dos problemas e situações da vida real.
Esses objetivos se ligam uns aos outros, pois o processo de ensino é ao mesmo tempo um
processo de educação. A assimilação dos conhecimentos e o domínio de capacidades e habilidades
somente ganham sentido se levam os alunos a determinadas atitudes e convicções que orientem a
sua atividade na escola e na vida, que é o caráter educativo do ensino. A aquisição de
conhecimentos e habilidades implica a educação de traços da personalidade (como caráter,
vontade, sentimentos); estes, por sua vez, influenciam na disposição dos alunos para o estudo e
para a aquisição dos conhecimentos e desenvolvimento de capacidades.
Referência:
LIBANEO, J.C. A Didática como atividade pedagógica escolar. (p. 52 a 71). In: LIBANEO, J. C.
Didática. São Paulo: Cortez, 1999. A Didática como atividade pedagógica escolar
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Texto 2: OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO.
Edgar Morin.
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar
ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino
universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos
setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos
programas educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das
preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento.
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece
conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que
é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões.
Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o
mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou
espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no
fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados,
decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do
cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo,
podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As
pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à
distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as
pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que
estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja,
reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os
italianos ―tradotore/traditore‖.
Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma
alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me
diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos.
São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que
estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece.
Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam
de uma palavra para outra e reconstrói o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento,
é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos
neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do
acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em
ângulos diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um
exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial. Uma época em que a
França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que,
evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se
desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda,
cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos
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constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um
prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e
as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a
realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas
idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas.
Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas
como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das
grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências.
Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido
desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam
que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias
pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos
envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: ―Os fatos são teimosos, mas,
na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito
tempo‖. Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um
problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de
erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente.
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de
um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado
pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do
conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas
também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da
realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade
de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento
pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder
muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o
cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o
temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator
totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver
com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é
multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário
contextualizar todos os dados.
Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos,
cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como
o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não entenderemos nada.
Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o
espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino,
a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: ―Não se pode conhecer as
partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes‖.
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento,
atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações
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do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da
Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana.
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente
ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em
Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos
indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos
parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura
se nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós.
Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a
espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um
dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária. Eu acredito possível
a convergência entre todas as ciências e a identidade humana.
Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário
reconhecer que na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as
disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a
pré-história.
Tome-se como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a microfísica, os aceleradores
de partículas para imaginar os primeiros segundos do universo. Ela utiliza a observação e pratica uma
reflexão filosófica sobre o mundo, assim como fizeram Hubert Reeves, Hawkins, Michel Cassé e tantos
outros. Eles refletem sobre o universo incrível no qual vivemos. Mas o que é importante para a
identidade humana é saber que estamos neste minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não
é mais a de conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se
transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos
cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e
aglomerados puderam criar uma tal organização, uma autoorganização, para nos dar este planeta. É
necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida.
A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o
processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram
no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo
encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos
todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de
nossa cultura.
Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como
indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual
pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres
desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.
É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é
parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a
unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade
das culturas e não vemos a unidade do ser humano.
Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: ―Os
chineses são iguais a nós, têm paixões, choram‖. E Herbart, o pensador alemão, afirmou: ―Entre uma
cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes‖. Os dois tinham razão, mas na realidade
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essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e,
é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.
È preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são
inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem
surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria.
Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque
não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e
singularidade.
Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como
secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se
adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções,
paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio
social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária.
Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem;
o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses
elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a
literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível
de seus sonhos. Como James Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem, mostrava que uma
pessoa pode ter sentimentos totalmente diversos. Ou como o herói de Dostoievski, em O Idiota que não
sabe se a jovem está apaixonada por ele e ao fim da trama, depois de ter sofrido muito, encontra um
amigo que lhe diz: ―mas que imbecil você é, não entendeu que ela o ama‖.
Isto pode acontecer com qualquer pessoa, é a dificuldade de saber o que o outro pensa e sente.
Marcel Proust mostrou, em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitências do coração,
ou seja, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e voltar a amá-la. Neste
romance o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma mulher e quando ele já não está mais
apaixonado, diz: ―mas eu sofri tanto por uma mulher que não me amava e que nem era meu tipo‖.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos
ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como,
por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma
prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a
identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e
fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo
de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.
O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças,
como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens,
além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo
mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças.
Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: ―O homem habita poeticamente
na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia‖.
A Compreensão Humana.
O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender
uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa
compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os
elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a
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compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e
identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as
lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a
compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está
se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior.
Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade
individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a
autojustificação e a rejeição ao próximo.
A raiva leva à vontade de eliminar o outro e tudo aquilo que possa aborrecer. De certa maneira,
isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto é, mentir a si mesmo, pois o
egocentrismo vai tramando sempre o negativo e esquecendo dos outros elementos.
A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são
os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este
lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o
cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis
sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou
platéias inteiras com o personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os
chefes da Máfia com ―O Chefão‖. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare:
reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: ―Despertados, eles
dormem‖. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal
percebemos o que se passa ao nosso redor. Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não
só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o
mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os
seres humanos.
A Incerteza.
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a
gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados
elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências
humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do
inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: ―os deuses nos causam grandes
surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece‖. É a velha idéia de 2.500
anos, que nós esquecemos sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais
prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à
desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de
Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da
vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução
segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo
animal.
O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência,
mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade,
marcada por catástrofes.
No fim da era secundária, a queda do asteróide que matou os dinossauros e ressecou a
vegetação desses animais enormes, matando-os de fome deu oportunidade à proliferação dos
mamíferos. Assim também ocorreu com as sociedades humanas. Todas sofreram o colapso por uma
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razão ou outra. Nem mesmo o império romano, que parecia eterno, conseguiu sobreviver. As
sociedades andinas, que eram mais potentes que seus colonizadores espanhóis e cujas capitais eram
muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa, foram destruídas por espanhóis que chegaram com
cavalos e armas desconhecidas.
As duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século XX, depois da Primeira Guerra
Mundial. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romanootomano, o austro-húngaro e o
soviético, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que
se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou,
desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado.
A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século
XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética,
mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão.
Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá,
porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram
concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm que ser fortes e
armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem.
Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o
imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da
aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas
contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a
partir dos imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária.
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que
começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a
humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro
aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a
quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.
Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres
humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça
ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses
problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a
construção de uma consciência planetária.
Conhecer o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens – econômicos, ideológicos e
sociais – estão de tal maneira imbricados e são tão complexos, que compreendê-los é um verdadeiro
desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset dizia: ―não sabemos o que acontece, isto é o que
acontece‖.
É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E,
atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário
ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade
dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba
atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros.
Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a
ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos
acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino
comum.
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A Antropo-ética.
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética
diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro
genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética.
Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas
responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais),
ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a
democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e
responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto.
Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez
controlado, terá a chance de controlar.
Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle. Não existe, evidentemente,
democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão
democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, o é
importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo
possa exercer sua responsabilidade.
Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-
governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e
tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo
aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a
todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes
são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião,
não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo,
as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma
concepção sistêmica da terra.
Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se
transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa
visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para
muitos governantes.
E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver
uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a
civilizar a terra.
Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/Morin_1263223813.pdf.
acesso em: 05 de julho de 2011, às 17 horas.
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Texto 3: DEZ NOVAS COMPETÊNCIAS PARA UMA PROFISSÃO
Referência:
PERRENOUD, P. Dez novas competências para uma profissão. Pátio: Revista pedagógica, Porto Alegre, n. 17, p. 8-12, maio/jun. 2001.
Dez novas competências para uma nova profissão
Philippe Perrenoud
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Universidade de Genebra, Suíça
2001
Sommaire
1. Admitir que os professores têm competências profissionais
2. Novas competências: para que todos aprendam
3. Dez famílias de competências mais uma
Referências Bibliográficas
É preciso reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências
profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados, e aceitar a idéia
de que a evolução exige que todos os professores possuam competências antes reservadas aos
inovadores ou àqueles que precisavam lidar com públicos difíceis.
Existe hoje um referencial que identifica cerca de 50 competências cruciais na profissão de
educador. Algumas delas são novas ou adquiriram uma crescente importância nos dias de hoje em
função das transformações dos sistemas educativos, bem como da profissão e das condições de
trabalho dos professores.
Essas competências dividem-se em 10 grandes "famílias":
1. Organizar e estimular situações de aprendizagem.
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2. Gerar a progressão das aprendizagens.
3. Conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam.
4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e no trabalho.
5. Trabalhar em equipe.
6. Participar da gestão da escola.
7. Informar e envolver os pais.
8. Utilizar as novas tecnologias.
9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
10. Gerar sua própria formação contínua.
Será que essas competências são realmente "novas"? Elas definem a "nova profissão",
esboçada por Meirieu (1990) há mais de 10 anos? Representam uma ruptura ou são "eternas" no
seio da profissão de educador?
Em algumas profissões que dependem totalmente das tecnologias, a renovação das
competências é evidente. No entanto, isto não acontece na educação escolar: nem o vídeo, nem o
computador, nem a multimídia, até hoje, fizeram com que a profissão de professor mudasse. Desse
ponto de vista, a aparente continuidade provoca a ruptura. Se surgissem novas competências, não
seria para responder a novas possibilidades técnicas, mas devido à transformação da visão ou das
condições de exercício da profissão.
As representações e as novas práticas pedagógicas desenvolvem-se de forma progressiva.
Em primeiro lugar, são aplicadas em escolas e classes atípicas, muito antes de serem reconhecidas
e adotadas pela instituição e pela profissão, ainda que, em cada momento da história de um sistema
educativo, observe-se um amplo leque de práticas & endash; e, portanto, de competências &
endash; que vão das mais tradicionais às mais inovadoras.
Desse modo, seria exagerado falar de novas competências se isto sugerisse uma "mutação".
Assistimos mais a uma progressiva recomposição do leque de competências de que os professores
necessitam para exercer seu ofício de forma eficaz e equitativa. Algumas formas de "dar aula"
desaparecem lentamente, enquanto outras assumem uma crescente importância. Algumas delas,
que eram parte integrante da profissão, agora pertencem à tradição, ao passo que outras, reservadas
aos militantes, integram-se pouco a pouco à identidade e aos recursos do professor da base.
É bastante difícil perceber a novidade, pois as palavras utilizadas para designar as grandes
famílias de competências criam uma impressão de familiaridade e, por isso, diversos professores
podem, com boa-fé, afirmar que essas competências não lhes são estranhas, que já as possuem,
embora nem sempre as dominem bem nem as apliquem no dia-a-dia. Por exemplo, que professor
confessaria que não sabe organizar e estimular situações de aprendizagem?
Uma parte do sentimento de familiaridade nasce do fato de que essas questões estão
presentes no discurso "moderno" que acompanha as reformas escolares ou que está enraizado nos
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movimentos pedagógicos e nas ciências da educação. Assim, essas idéias fazem parte da "paisagem
pedagógica" e todos "vêem mais ou menos" o que é evocado quando se fala de avaliação formativa,
de contrato didático, de pedagogia diferenciada.
Se levarmos a sério todas essas competências, poderemos medir melhor o desvio existente
entre o fato de saber ministrar um curso frontal ou "lições" & endash; habilidade pedagógica muito
comum, porém bastante pobre & endash; e controlar uma ampla gama de situações e
procedimentos de aprendizagem, levando em conta a diversidade dos aprendizes. Essas últimas
práticas exigem competências muito mais apuradas, provenientes tanto da didática quanto da
gestão de classe.
Ante todas as listagens apresentadas como definitivas e fechadas, o movimento espontâneo de um
leitor é a resistência, o questionamento da incrível pretensão do autor à exaustividade e ao
ordenamento. No entanto, essa resistência, salutar, deixa de lado o mecanismo principal: pensar nas
principais evoluções da profissão.
Paradoxalmente, embora seja apresentado como uma ferramenta de análise, um referencial
também cumpre uma função de síntese. Considerado em seu conjunto, deixa entrever uma
profissão e talvez seu movimento histórico. É neste nível que se impõe o debate.
Para entrar na matéria, parece-me importante colocar e admitir duas considerações prévias,
que serão examinadas a seguir. É importante:
1. reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências
profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados;
2. aceitar a idéia de que a profissão muda e sua evolução exige atualmente que todos os professores
possuam novas competências, antes reservadas aos inovadores ou aos professores que precisavam
lidar com os públicos mais difíceis.
1. Admitir que os professores têm competências profissionais Ninguém duvida de que os professores têm saberes. Será que também têm competências? É
claro que tudo depende da definição que damos a esse conceito. Se entendermos por competência a
capacidade de agir de uma forma relativamente eficaz em uma família de situações, sem dúvida
aceitaremos que os professores possuem competências, mas acrescentaríamos com um pouco de
desdém: acalmar a classe, estabelecer uma certa ordem, corrigir provas, dar uma orientação, ajudar
um aluno em dificuldade, fazer com que os alunos trabalhem em grupos, explicar de novo uma
noção mal compreendida, planejar um curso, dialogar com os pais dos alunos, mobilizá-los em
torno de um projeto ou de um enigma, sancionar na medida adequada, conservar o sangue frio...
Sem dúvida, essas diversas habilidades parecem necessárias, mas numerosos professores
consideram-nas pouco "nobres" em função dos saberes disciplinares. Quanto mais avançamos no
ensino médio e superior, mais o saber a ser ensinado passa a constituir o cerne da identidade do
educador, mais os professores subestimam o saber para ensinar, reduzindo-o a uma mescla de bom
senso, coerência, arte de se comunicar claramente. Por isso, as habilidades são mais reconhecidas
se concebidas como a aplicação de saberes metodológicos, baseados nos saberes teóricos, como a
didática das disciplinas ou a psicologia cognitiva. Esses saberes procedimentais não têm o prestígio
das ciências ou da história, porém são saberes menos "vulgares" que as habilidades.
Se nos situarmos em outra perspectiva, a das habilidades sem nome nem bases teóricas bem
identificadas, entramos no domínio dos "ossos do ofício". Ora, o que caracteriza a profissão de
professor é que se fala muito pouco das maneiras de fazer, do savoir- faire, das habilidades
construídas no decorrer da experiência; enquanto isso, em outras profissões, sua diversidade e
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pertinência provocam a admiração dos colegas. Poderíamos dizer, exagerando um pouco, que os
professores têm vergonha das habilidades.
Poderíamos dar um status mais invejável a essas habilidades práticas se as tratássemos
como "competências"? Para isso, o corpo docente deveria ter uma visão positiva da noção de
"competência". Isto não é evidente, já que no mundo escolar muitas vezes a idéia de competências
é associada à tradição utilitarista (saber fazer seu imposto de renda, ler um manual ou trocar um
pneu) ou à característica neoliberal do mundo do trabalho.
A emergência da noção de competência no mundo das empresas está ligada, em parte, ao
movimento rumo à flexibilização, à precariedade do trabalho e ao enfraquecimento das escalas de
qualificação e, conseqüentemente, das solidariedades estatutárias. O mundo do ensino desconfia do
"enfoque por competências", suspeitando, assim, que a escola está a serviço da economia em
detrimento da cultura.
Uma parte do corpo docente resiste de uma maneira ainda mais viva e negativa a esses
enfoques, pois agora precisa lidar diretamente com eles. Com efeito, os sistemas educativos visam
ao mesmo tempo:
explicitar e avaliar de forma mais precisa as competências propriamente profissionais dos
professores (para além de sua cultura teórica);
reformular os programas escolares no sentido de referenciais de competências (Perrenoud,
1999c).
Assim, a denúncia da moda das competências parece uma luta simultânea contra a
racionalização da profissão e a asfixia dos saberes e da cultura. Se a noção de competências parece-
lhes empresarial, tecnocrática, utilitarista, se lhes parece contrária ao humanismo e ao
conhecimento, como é que os professores poderiam reconhecer que exercem numerosas
competências para realizar seu trabalho, para fazer aprender ou simplesmente permitir a
coexistência e a cooperação em uma classe e em uma instituição?
Felizmente, quando os professores têm formação universitária, mesmo se ela for muito
acadêmica, são capazes de aprender a partir da experiência, de refletir e de forjar na prática as
competências sem as quais não poderiam sobreviver em uma sala de aula. Embora não garanta uma
prática reflexiva, um elevado nível de formação predispõe a ela. O problema é que cada um
aprende por si mesmo, sem imaginar que muitas vezes chega, por meio de caminhos incertos e
difíceis, às aquisições das ciências sociais e humanas e às habilidades dos pedagogos.
Portanto, devemos enfrentar e analisar a realidade do trabalho educador (Tardif e Lessard,
1999), proceder a uma transposição didática a partir das práticas reais, reequilibrar nesse sentido
os programas de formação dos professores, articular as competências identificadas com uma
verdadeira cultura básica nas ciências da educação e desenvolvê-las em função de um
procedimento clínico e reflexivo de formação em alternância.
Ao nos preocuparmos com as competências, estaremos, acima de tudo, lutando por uma
formação profissional dos professores baseada na realidade das práticas. Contudo, isto também
significa ter meios para fazer a profissão evoluir por meio do desenvolvimento de novas
competências.
2. Novas competências: para que todos aprendam Na análise dos motivos para lutar pela profissionalização da profissão de professor,
deparamo-nos com dois tipos de fatores: por um lado, transformações das condições de exercício
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da profissão e, por outro, crescentes ambições dos sistemas educativos. O ensino nunca foi uma
profissão tranqüila. Sempre teve de confrontar o outro, sua resistência, sua opacidade, suas
ambivalências. Entretanto, devido às suas múltiplas transformações, parece cada vez mais difícil
ensinar e, sobretudo, fazer aprender.
Ao mesmo tempo, o nível de conhecimento e de competência das novas gerações torna-se
um mecanismo político e econômico da maior importância. Mecanismo econômico porque o
"capital humano" continua sendo um trunfo decisivo para o desenvolvimento e a sobrevivência na
concorrência internacional. E também um mecanismo político porque, embora sem garantir a
generosidade e o altruísmo, e menos ainda a liberdade, a igualdade e a fraternidade, a instrução é
uma condição necessária da democracia e da capacidade de construir uma ordem negociada, de
não aumentar a violência ou o fanatismo quando a sociedade é rompida por crises.
Logo, espera-se uma maior eficácia dos sistemas educativos, ao mesmo tempo em que os
orçamentos diminuem e as condições de trabalho e os públicos tornam-se mais difíceis. A escola
não tem mais direito ao fracasso, não pode mais rejeitar os que "não querem trabalhar". Não é mais
suficiente fazer progredir os que trabalham e compreendem de forma espontânea o sentido desse
investimento; é preciso aderir à causa da instrução dos alunos para os quais "a vida está em outro
lugar".
Por isso, as novas competências exigidas estão relacionadas tanto a didáticas pontuais,
baseadas nas ciências cognitivas, quanto a enfoques transversais que aliam a psicanálise e a
sociologia, que visam a criar ou a manter &endash; e, portanto, a explicar e a compreender
&endash; o desejo de aprender, o sentido dos saberes, o envolvimento do sujeito na relação
pedagógica e a construção de um projeto.
3. Dez famílias de competências mais uma Não podemos dissociar as competências da relação com a profissão. Para formar
professores mais competentes, aliando uma postura reflexiva e uma forte implicação crítica para o
desenvolvimento da sociedade, é necessário desenvolver a profissionalização do professor.
A palavra está na moda, mas a idéia assusta. Provavelmente, todos desejariam beneficiar-se
com o nível de especialização que é associado a uma profissão, ao prestígio, ao poder e a uma boa
remuneração. No entanto, os atores hesitam em assumir a parcela de autonomia e responsabilidade
que está ligada ao exercício de uma profissão. As autoridades querem conservar seu controle sobre
os professores e os estabelecimentos. Por outro lado, estes últimos não desejam prestar contas.
Daí a importância, para gerar a transição, de uma décima primeira família de competências,
da qual dependerão a outras. Essas competências não se relacionam ao trabalho com os alunos, mas
à capacidade de os professores agirem como um ator coletivo no sistema e de direcionar o
movimento rumo à profissionalização e à prática reflexiva, assim como para o domínio das
inovações.
Isto está relacionado à evolução do sindicalismo, aos projetos de estabelecimento e à
participação dos professores na elaboração das reformas escolares, desde que seja negociado.
Significa que a profissionalização exige uma vontade comum dos professores, dos diretores e dos
políticos.
Referências Meirieu, Ph. Enseigner, scénario pour un métier noveau. Paris: ESF, 1990.
Tardif, M.; Lessard, C. Le travail enseignant au quotidien: expérience, interactions humaines et
dilemmes profissionnels. Québec: Les presses de L’Université Laval et Bruxelles/De Boeck, 1999.
Pós-Graduação: Psicopedagogia (Clínica e Institucional) Didática e Psicopedagogia
Profª. Ddª. Adriana Monteiro Piromali Guarizo
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Para saber mais PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
______. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.
______. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
SUGESTÕES DE LEITURA
1. Pedagogia do Oprimido — Paulo Freire - 15ª edição - Ed. Paz e Terra, 1985.
2. Metodologia do Ensino Superior — Antonio Carlos Gil - 3ª edição - Ed. Atlas, 1997.
3. O Construtivismo na Sala de Aula — César Coll – 5ª edição – Ed. Ática, 1998.
4. Construindo o Saber — Maria Cecília M. de Carvalho – Ed. Papirus, 1988.
5. O Corpo Fala – Pierre Weil e Roland Tompakow – 49ª Edição – Ed. Vozes
6. PowerShift – As Mudanças do Poder – Alvin Tofler – Ed. Record.