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Pós-Graduação: Psicopedagogia (Clínica e Institucional) Didática e Psicopedagogia Profª. Ddª. Adriana Monteiro Piromali Guarizo 1 DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR ―O domínio de uma profissão não exclui o seu aperfeiçoamento. Ao contrário, será mestre quem continuar aprendendo‖. Pierre Furter Justificativa: A disciplina Didática do Ensino Superior pretende contribuir para a especialização do profissional, mediante a compreensão das especificidades do trabalho docente, na situação institucional formativa e curricular do ensino superior. Para tanto, propõe que este compreenda o trabalho docente tanto em sua perspectiva da construção de saberes sociais, pedagógicos e docentes tácitos, construídos nas diversas relações pedagógicas, no contexto da sociedade, quanto no sentido da sua formalização, através da Didática. Espera-se, portanto, que esta disciplina ofereça elementos teórico-práticos que possibilitem a (re)significação de práticas pedagógicas, no ensino superior, capazes de mobilizar uma atuação docente que priorize a formação holística do homem, ou seja, um profissional crítico (atuante), criativo (sensível) e comprometido ética e politicamente com as mudanças da sociedade contemporânea. Objetivos: situar a Didática no contexto do ensino superior, tendo como referência alguns marcos histórico-sociais, no âmbito das tendências do pensamento educacional e pedagógico; analisar a prática pedagógica docente como uma prática social nas suas múltiplas determinações, dimensões formativas e relações envolvidas; (re)significar práticas pedagógicas docentes, com base num processo de reflexão/ação coletiva, a partir de situações concretas observadas e/ou vividas no cotidiano do ensino superior. Ementa: Breve histórico da Didática na Educação. As principais correntes da Didática moderna. Didática, metodologias e as Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (NTCIs) e a sala de aula. Os Processos de Aprendizagem. Avaliação e acompanhamento do processo de ensino/aprendizagem. Promoção e retenção no ensino Fundamental e Médio e os problemas de aprendizagem. Programação das temáticas/encontros: 1º Encontro (24/09/2011) Sondagem para caracterização do grupo Apresentação e discussão da proposta da disciplina A formação do professor como intelectual e os desafios da sociedade contemporânea A didática e o contexto do ensino superior 2° Encontro (08/10/2011) Conhecimentos e habilidades pedagógicas A didática e as tendências pedagógicas Avaliação e os problemas de aprendizagem

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Profª. Ddª. Adriana Monteiro Piromali Guarizo

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DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR

―O domínio de uma profissão não exclui o

seu aperfeiçoamento. Ao contrário, será

mestre quem continuar aprendendo‖.

Pierre Furter

Justificativa: A disciplina Didática do Ensino Superior pretende contribuir para a especialização

do profissional, mediante a compreensão das especificidades do trabalho docente, na situação

institucional formativa e curricular do ensino superior. Para tanto, propõe que este compreenda o

trabalho docente tanto em sua perspectiva da construção de saberes sociais, pedagógicos e docentes

tácitos, construídos nas diversas relações pedagógicas, no contexto da sociedade, quanto no sentido

da sua formalização, através da Didática. Espera-se, portanto, que esta disciplina ofereça elementos

teórico-práticos que possibilitem a (re)significação de práticas pedagógicas, no ensino superior,

capazes de mobilizar uma atuação docente que priorize a formação holística do homem, ou seja,

um profissional crítico (atuante), criativo (sensível) e comprometido ética e politicamente com as

mudanças da sociedade contemporânea.

Objetivos:

situar a Didática no contexto do ensino superior, tendo como referência alguns marcos

histórico-sociais, no âmbito das tendências do pensamento educacional e pedagógico;

analisar a prática pedagógica docente como uma prática social nas suas múltiplas

determinações, dimensões formativas e relações envolvidas;

(re)significar práticas pedagógicas docentes, com base num processo de reflexão/ação

coletiva, a partir de situações concretas observadas e/ou vividas no cotidiano do ensino

superior.

Ementa: Breve histórico da Didática na Educação. As principais correntes da Didática moderna.

Didática, metodologias e as Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (NTCIs) e a sala

de aula. Os Processos de Aprendizagem. Avaliação e acompanhamento do processo de

ensino/aprendizagem. Promoção e retenção no ensino Fundamental e Médio e os problemas de

aprendizagem.

Programação das temáticas/encontros:

1º Encontro (24/09/2011)

Sondagem para caracterização do grupo

Apresentação e discussão da proposta da disciplina

A formação do professor como intelectual e os desafios da sociedade contemporânea

A didática e o contexto do ensino superior

2° Encontro (08/10/2011)

Conhecimentos e habilidades pedagógicas

A didática e as tendências pedagógicas

Avaliação e os problemas de aprendizagem

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Formação, docência e currículo no ensino superior

Didática, as NTCIs e a sala de aula

Metodologia:

A metodologia do curso basear-se-á num processo de ação-reflexão-ação individual e

coletiva, tomando como foco a relação entre ensino e produção do conhecimento. Durante o curso

serão desenvolvidas as seguintes atividades:

exposição dialogada e

trabalhos individuais e em grupo.

1. A didática do ensino superior

Considerando a docência como fio condutor desta discussão, e por conseguinte, como

objeto de estudo da Didática, é imperativo resgatar o sentido etimológico desta palavra. Se

recorrermos à história, constataremos que as relações entre o ensinar e o aprender já eram

anunciadas no século XVII por Comênius. Gasparin (1994, p.70-72), estudioso das obras

Comenianas, afirma:

Comênio vai do ensino à aprendizagem, da ação do professor à ação do aluno, ou

seja, da docência à discência [...] As palavras docente e discente, que encerram o

sentido de que alguém está fazendo alguma coisa, referem-se à ação do professor e

do aluno, pois a origem delas atesta que docere significa ensinar, fazer aprender,

enquanto discere traduz o sentido de aprender. Seriam, pois, duas ações distintas,

mas complementares, interligadas e inseparáveis [...] A aquisição de

conhecimentos não pode se dar unicamente por uma das partes, isto é, ou só pelo

ensino ou só pela aprendizagem. Uma e outra constituem duas faces

intercambiáveis e inseparáveis do mesmo todo.

De fato, os grandes desafios que se impõem à prática docente no ensino superior

relacionam-se às possibilidades de articular as duas ações didáticas – ensinar e aprender –, no

contexto de sala de aula. Nem sempre quem domina conhecimentos para sua atuação profissional

sabe transpô-los para uma situação de aprendizagem. Sob esse prisma, entende-se que dificilmente

um professor consegue planejar, gerir e avaliar situações didáticas eficazes para o desenvolvimento

da autonomia dos acadêmicos se não compreender os conteúdos próprios de sua área de atuação,

que serão objeto de sua ação didática. Assim, se a docência é sua área de atuação, além das

especificidades inerentes aos diferentes campos de conhecimento, a Didática também compõe o

quadro como conteúdo próprio da prática pedagógica universitária.

No que diz respeito à articulação entre ensino e aprendizagem, Masetto (2003, p.82-83)

alerta para a necessidade atual de transposição de paradigmas na ação didática universitária: o autor

propõe a substituição da ênfase no ensino pela ênfase na aprendizagem. Para ele, não se trata

apenas da simplificação do ato de substituir palavras. Assim, nas ações desenvolvidas na prática

pedagógica universitária, é preciso transitar: a) da centralização do professor para o aluno, cabendo

a este o papel central de sujeito que exerce as ações necessárias para que ocorra sua aprendizagem,

adquirindo habilidades, enfim, produzindo conhecimento; b) do papel do professor enquanto agente

de transmissão de informações para a função de mediador pedagógico, ou mesmo de orientador do

processo de aprendizagem do aluno.

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O vigor das reflexões do autor ainda apontam para a visão de que faz parte dessa

aprendizagem o aluno universitário adquirir progressiva autonomia na aquisição de conhecimentos

ulteriores. Nesse esforço de articulação ensino-aprendizagem, a questão da construção da

autonomia do estudante universitário tem sido amplamente discutida. Para Teixeira (2002, p.161),

Transposição didática é o termo designado por Chevellard (apud PERRENOUD, 1993), para

expressar a relação entre a reconstrução de um conhecimento no processo de ensino, isto é, a

mediação didática para tornar um conhecimento ensinável. O papel do aluno, o aprendente, o

sujeito construtor do conhecimento, é de importância relevante na construção de sua autonomia,

pois deve mostrar-se co-responsável pela construção de resultados em todos os momentos de seu

percurso acadêmico.

É neste contexto de relações entre a construção da autonomia na aprendizagem universitária

que a Didática, campo de conhecimentos vinculado à Pedagogia, ganha força para dimensionar o

ensino, isto é, a docência no ensino superior. Esta, por sua vez, exige articulação de saberes

complementares.

Frente aos desafios postos para o ensinar, o domínio específico de uma área científica do

conhecimento não é suficiente. O professor universitário deve desenvolver também outros saberes:

pedagógico e político. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não concebe a

docência universitária como um processo de formação, mas sim de preparação para o exercício do

magistério superior (PIMENTA, 2002).

BIBLIOGRAFIA:

ANTUNES, Celso. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis: Vozes,

2000.

BORDENAVE, Juan Díaz; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de Ensino-Aprendizagem.

Petrópoliz: Vozes, 1989.

CORDEIRO, Jaime. Didática. São Paulo: Contexto, 2007.

CUNHA, Maria Isabel. O bom professor e sua prática. 16. ed. Campinas: Papirus, 2004.

GASPARIN, João Luiz. Comênio ou da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos. Campinas,

São Paulo: Papirus, 1994a. (Coleção magistério, formação e trabalho pedagógico).

______. Comênio ou da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos Totalmente. São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1994b.

HAYDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 7ª ed. Ática. São Paulo; SP. 2006.

JESUS, Alonso Tapia; FITA, Enrique Caturla. A motivação em sala de aula: o que é, como se

faz. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1999.

LIBANEO, José Carlos. A Didática como atividade pedagógica escolar. (p. 52 a 71). In:

LIBANEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1999. A Didática como atividade pedagógica escolar

MARTINS, Pura Lúcia Oliver. Didática Teórica e Didática Prática: para além do confronto. São

Paulo: Loyola, 1989.

MASETTO, Marcos (org.). Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U.

2005.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.

PERRENOUD, Phillipe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,

2000.

PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no Ensino

Superior. São Paulo: Cortez, 2002.

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RAMOS, Cosete. Sala de aula de qualidade total. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1995.

VASCONCELOS, Maria Lúcia M. Carvalho. A formação do professor do Ensino Superior. 2.

ed. São Paulo: Pioneira, 2000.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto

Político-Pedagógico. São Paulo: Libertad, 1999.

VILARINHO, Lúcia Regina Goulart. Didática: Temas Selecionados. Rio de Janeiro: Livros

Técnicos e Científicos, 1985.

TEXTOS DE APOIO PARA O PRIMEIRO ENCONTRO:

Texto 01: A DIDÁTICA COMO ATIVIDADE PEDAGÓGICA ESCOLAR

A Pedagogia investiga a natureza das finalidades da educação como processo social, no seio

de uma determinada sociedade, bem como as metodologias apropriadas para a formação dos

indivíduos, tendo em vista o seu desenvolvimento humano para tarefas na vida em sociedade.

Quando falamos das finalidades da educação no seio de uma determinada sociedade,

queremos dizer que o entendimento dos objetivos, conteúdos e métodos da educação se modificam

conforme as concepções de homem e da sociedade que, em cada contexto econômico e social de

um momento da história humana, caracterizam o modo de pensar, o modo de agir e os interesses

das classes e grupos sociais. A Pedagogia, portanto, é sempre uma concepção da direção do

processo educativo subordinada a uma concepção político-social.

Sendo a educação escolar uma atividade social que, através de instituições próprias, visa a

assimilação dos conhecimentos e experiências humanas acumuladas no decorrer da história, tendo

em vista a formação dos indivíduos enquanto seres sociais, cabe à Pedagogia intervir nesse

processo de assimilação, orientando-o para finalidades sociais e políticas e criando um conjunto de

condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo no âmbito da escola. Nesse sentido, a

Didática assegura o fazer pedagógico na escola, na sua dimensão político-social e técnica; é, por

isso, uma disciplina eminentemente pedagógica.

A Didática é, pois, uma das disciplinas da Pedagogia que estuda o processo de ensino

através dos seus componentes - os conteúdos escolares, o ensino e a aprendizagem - para, com o

embasamento numa teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional

dos professores. É, ao mesmo tempo, uma matéria de estudo fundamental na formação profissional

dos professores e um meio de trabalho do qual os professores se servem para dirigir a atividade de

ensino, cujo resultado é a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos.

Definindo-se como mediação escolar dos objetivos e conteúdos do ensino, a Didática

investiga as condições e formas que vigoram no ensino e, ao mesmo tempo, os fatores reais

(sociais, políticos, culturais, psicossociais), condicionantes das relações entre a docência e a

aprendizagem. Ou seja, destacando a instrução e o ensino como elementos primordiais do processo

pedagógico escolar, traduz objetivos sociais e políticos em objetivos de ensino, seleciona e

organiza os conteúdos e métodos e, ao estabelecer as conexões entre ensino e aprendizagem, indica

princípios e diretrizes que irão regular a ação didática.

Por outro lado, esse conjunto de tarefas não visa outra coisa senão o desenvolvimento físico

e intelectual dos alunos, com vistas à sua preparação para a vida social. Em outras palavras, o

processo didático de transmissão/assimilação de conhecimentos e habilidades tem como

culminância o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos, de modo que assimilem

ativa e independentemente os conhecimentos sistematizados.

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Que significa teoria da instrução e do ensino? Qual a relação da Didática com o currículo,

metodologias específicas das matérias, procedimentos de ensino, técnicas de ensino?

A instrução se refere ao processo e ao resultado da assimilação sólida de conhecimentos

sistematizados e ao desenvolvimento de capacidades cognitivas. O núcleo da instrução são os

conteúdos das matérias. O ensino consiste no planejamento, organização, direção e avaliação da

atividade didática, concretizando as tarefas da instrução; o ensino inclui tanto o trabalho do

professor (magistério) como a direção da atividade de estudo dos alunos. Tanto a instrução como o

ensino se modifica em decorrência da sua necessária ligação com o desenvolvimento da sociedade

e com as condições reais em que ocorre o trabalho docente. Nessa ligação é que a Didática se

fundamenta para formular diretrizes orientadoras do processo de ensino. [...]

A Didática tem muitos pontos em comum com as metodologias específicas de ensino. Elas

são as fontes da investigação Didática, ao lado da Psicologia da Educação e da Sociologia da

Educação. Mas, ao se constituir como teoria da instrução e do ensino, abstrai das particularidades

de cada matéria para generalizar princípios e diretrizes para qualquer uma delas.

Em síntese, são temas fundamentais da Didática: os objetivos sócio-políticos e pedagógicos

da educação escolar, os conteúdos escolares, os princípios didáticos, os métodos de ensino e de

aprendizagem, as formas organizativas do ensino, o uso e aplicação de técnicas e recursos, o

controle e a avaliação da aprendizagem.

Objeto de estudo: o processo de ensino

O objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo principal da educação

escolar.

Na medida em que o ensino viabiliza as tarefas da instrução, ele contém a instrução.

Podemos, assim, delimitar como objeto da Didática o processo de ensino que, considerado no seu

conjunto, inclui: os conteúdos dos programas e dos livros didáticos, os métodos e formas

organizativas do ensino, as atividades do professor e dos alunos e as diretrizes que regulam e

orientam esse processo.

Por que estudar o processo de ensino? Vimos, anteriormente, que a educação escolar é uma

tarefa eminentemente social, pois a sociedade necessita prover as gerações mais novas daqueles

conhecimentos e habilidades que vão sendo acumulados pela experiência social da humanidade.

Ora, não é suficiente dizer que os alunos precisam dominar os conhecimentos; é necessário dizer

como fazê-lo, isto é, investigar objetivos e métodos seguros e eficazes para a assimilação dos

conhecimentos. Esta é a função da Didática, ao estudar o processo do ensino.

Podemos definir processo de ensino como uma seqüência de atividades do professor e dos

alunos, tendo em vista a assimilação de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, através

dos quais os alunos aprimoram capacidades cognitivas (pensamento independente, observação,

análise-síntese e outras).

Quando mencionamos que a finalidade do processo de ensino é proporcionar aos alunos os

meios para que assimilem ativamente os conhecimentos é porque a natureza do trabalho docente é

a mediação da relação cognoscitiva entre o aluno e as matérias de ensino. Isto quer dizer que o

ensino não é só transmissão de informações mas também o meio de organizar a atividade de estudo

dos alunos. O ensino somente é bem-sucedido, quando os objetivos do professor coincidem com os

objetivos de estudo do aluno e é praticado tendo em vista o desenvolvimento das suas forças

intelectuais.

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Ensinar e aprender, pois, são duas facetas do mesmo processo, e que se realizam em torno

das matérias de ensino, sob a direção do professor. [...]

Tendências pedagógicas do Brasil e a Didática

Nos últimos anos, diversos estudos têm sido dedicados à história da Didática no Brasil, suas

relações com as tendências pedagógicas e à investigação do seu campo de conhecimentos. Os

autores, em geral, concordam em classificar as tendências pedagógicas em dois grupos: as de

cunho liberal - Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e tecnicismo educacional; as de cunho

progressista - Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos. Certamente

existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendências, mas essas são as mais

conhecidas.

Na Pedagogia Tradicional, a Didática é uma disciplina normativa, um conjunto de

princípios e regras que regulam o ensino. A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe

e interpreta a matéria. Às vezes são utilizados meios como a apresentação de objetos, ilustrações,

exemplos, mas o meio principal é a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e fazendo

exercícios repetitivos, os alunos "gravam" a matéria para depois reproduzi-la, seja através das

interrogações do professor, seja através das provas. Para isso, é importante que o aluno "preste

atenção", porque ouvindo facilita-se o registro do que se transmite, na memória. O aluno é, assim,

um recebedor da matéria e sua tarefa é decorá-la. Os objetivos, explícitos ou implícitos, se referem

à formação de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar

os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A

matéria de ensino é tratada isoladamente, isto é, desvinculada dos interesses dos alunos e dos

problemas reais da sociedade e da vida. O método é dado pela lógica e seqüência da matéria, é o

meio utilizado pelo professor para comunicar a matéria e não dos alunos para aprendê-la. É ainda

forte a presença dos métodos intuitivos, que foram incorporados ao ensino tradicional. Baseiam-se

na apresentação de dados sensíveis, de modo que os alunos possam observá-los e formar imagens

deles em sua mente. Muitos professores ainda acham que "partir do concreto" é a chave do ensino

atualizado. Mas esta idéia já fazia parte da Pedagogia Tradicional porque o "concreto" (mostrar

objetos, ilustrações, gravuras etc) serve apenas para gravar na mente o que é captado pelos

sentidos. O material concreto é mostrado, demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida

mentalmente com ele, não o repensa, não o reelaboram o seu próprio pensamento. A aprendizagem,

assim, continua receptiva, automática, não mobilizando a atividade mental do aluno e o

desenvolvimento de suas capacidades intelectuais.

A Didática tradicional tem resistido ao tempo, continua prevalecendo na prática escolar. É

comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos,

sobrecarregar o aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar somente

exercícios repetitivos, impor externamente a disciplina e usar castigos. Trata-se de uma prática

escolar que empobrece até as boas intenções da Pedagogia Tradicional que pretendia, com seus

métodos, a transmissão da cultura geral, isto é, das grandes descobertas da humanidade, e a

formação do raciocínio, o treino da mente e da vontade. Os conhecimentos ficaram estereotipados,

insossos, sem valor educativo vital, desprovidos de significados sociais, inúteis para a formação

das capacidades intelectuais e para a compreensão crítica da realidade. O intento de formação

mental, de desenvolvimento do raciocínio, ficou reduzido a práticas de memorização.

A Pedagogia Renovada inclui várias correntes: a progressivista (que se baseia na teoria

educacional de John Dewey), a não-diretiva (principalmente inspirada em Carl Rogers), a ativista-

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espiritualista (de orientação católica), a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. Todas,

de alguma forma, estão ligadas ao movimento da pedagogia ativa que, surge no final do século

XIX como contraposição à Pedagogia Tradicional. Entretanto, segundo estudo feito por Castro

(1984), os conhecimentos e a experiência da Didática brasileira pautam-se, em boa parte, no

movimento da Escola Nova, inspirado principalmente na corrente progressivista. Destacaremos,

aqui, apenas a Didática ativa inspirada nessa corrente [...]

A Didática da Escola Nova ou Didática ativa é entendida como "direção da aprendizagem",

considerando o aluno como sujeito da aprendizagem. O que o professor tem a fazer é colocar o

aluno em condições propícias para que, partindo das suas necessidades e estimulando os seus

interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências. A idéia é a de que o aluno

aprende melhor o que faz por si próprio. Não se trata apenas de aprender fazendo, no sentido de

trabalho manual, ações de manipulação, de objetos. Trata-se de colocar o aluno em situações em

que seja mobilizada a sua atividade global e que se manifesta em atividade intelectual, atividade de

criação, de expressão verbal, escrita, plástica ou ' outro tipo. O centro da atividade escolar não é o

professor nem a matéria, é o aluno ativo e investigador. O professor incentiva, orienta, organiza as

situações de aprendizagem, adequando-as às capacidades de características individuais dos alunos.

Por isso, a Didática ativa dá grande importância aos métodos e técnicas como o trabalho de grupo,

atividades cooperativas, estudo individual, pesquisas, projetos, experimentações etc., bem como

aos métodos de reflexão e método científico de descobrir conhecimentos. Tanto na organização das

experiências de aprendizagem como na seleção de métodos, importa o processo de aprendizagem e

não diretamente o ensino. O melhor método é aquele que tende as exigências psicológicas do

aprender. Em síntese, a Didática ativa dá menos atenção aos conhecimentos sistematizados,

valorizando mais o processo da aprendizagem e os meios que possibilitam o desenvolvimento das

capacidades e habilidades intelectuais dos alunos. Por isso, os adeptos da Escola Nova costumam

dizer que o professor não ensina; antes, ajuda o aluno a aprender. Ou seja, a Didática não é a

direção do ensino, é a orientação da aprendizagem, uma vez que esta é uma experiência própria do

aluno através da pesquisa, da investigação.

Esse entendimento da Didática tem muitos aspectos positivos, principalmente quando

baseia a atividade escolar na atividade mental dos alunos, no estudo e na pesquisa, visando a

formação de um pensamento autônomo. Entretanto, é raro encontrar professores que apliquem

inteiramente o que propõe a Didática ativa. Por falta de conhecimento aprofundado das bases

teóricas da pedagogia ativa, falta de condições materiais, pelas exigências de cumprimento do

programa oficial e outras razões, o que fica são alguns métodos e técnicas. Assim, é muito comum

os professores utilizarem procedimentos e técnicas como trabalho de grupo, estudo dirigido,

discussões, estudo do meio etc., sem levar em conta seu objetivo principal que é levar o aluno a

pensar, a raciocinar cientificamente, a desenvolver sua capacidade de reflexão e a independência de

pensamento. Com isso, na hora de comprovar os resultados do ensino e da aprendizagem, pedem

matéria decorada, da mesma forma que se faz no ensino tradicional. [...]

A Pedagogia Tecnicista, desenvolveu-se no Brasil na década de 50, à sombra do

progressivismo, ganhando nos anos 60 autonomia quando se constituiu especificamente como

tendência, inspirada na teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino.

Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos oficiais ao longo de boa parte

das duas últimas décadas, por ser compatível com a orientação econômica, política e ideológica do

regime militar então vigente. Com isso, ainda hoje predomina nos cursos de formação de

professores o uso de manuais didáticos de cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. A

Didática instrumental está interessada na racionalização do ensino, no uso de meios e técnicas mais

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eficazes. O sistema de instrução se compõe das seguintes etapas: a) especificação de objetivos

instrucionais operacionalizados; b) avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-requisitos para

alcançar os objetivos; c) ensino ou organização das experiências de aprendizagem; d) avaliação dos

alunos relativa ao que se propôs nos objetivos iniciais. O arranjo mais simplificado dessa seqüência

resultou na fórmula: objetivos, conteúdos, estratégias, avaliação. O professor é um administrador e

executor do planejamento, o meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios

necessários para se atingir os objetivos. Boa parte dos livros didáticos em uso nas escolas são

elaborados com base na tecnologia da instrução.

As tendências de cunho progressista interessadas em propostas pedagógicas voltadas para

os interesses da maioria da população foram adquirindo maior solidez e sistematização por volta

dos anos 80. São também denominadas teorias críticas da educação. Não é que não tenham existido

antes esforços no sentido de formular propostas de educação popular. Já no começo do século

formaram-se movimentos de renovação educacional por iniciativa de militantes socialistas. Muitos

dos integrantes do movimento dos pioneiros da Escola Nova tinham real interesse em superar a

educação elitista e discriminadora da época. No início dos anos 60 surgiram os movimentos de

educação de adultos que geraram idéias pedagógicas e práticas educacionais de educação popular,

configurando a tendência que veio a ser denominada de Pedagogia Libertadora.

Na segunda metade da década de 70, com a incipiente modificação do quadro político

repressivo em decorrência de lutas sociais por maior democratização da sociedade, tornou-se

possível à discussão de questões educacionais e escolares numa perspectiva de crítica política das

instituições sociais do capitalismo. Muitos estudiosos e militantes políticos se interessaram apenas

pela crítica e pela denúncia do papel ideológico e discriminador da escola na sociedade capitalista.

Outros, no entanto, levando em conta essa crítica, preocuparam-se em formular propostas e

desenvolver estudos no sentido de tornar possível uma escola articulada com os interesses

concretos do povo. Entre essas tentativas destacam-se a Pedagogia Libertadora e a Pedagogia

Crítico-Social dos Conteúdos. A primeira retomou as propostas de educação popular dos anos 60,

refundindo seus princípios e práticas em função das possibilidades do seu emprego na educação

formal em escolas públicas, já que inicialmente tinham caráter extra-escolar, não-oficial e voltadas

para o atendimento de clientela adulta. A segunda [...] constituiu-se como movimento pedagógico

interessado na educação popular, na valorização da escola pública e do trabalho do professor, no

ensino de qualidade para o povo e, especificamente, na acentuação da importância do domínio

sólido por parte de professores e alunos dos conteúdos científicos do ensino como condição para"a

participação efetiva do povo nas lutas sociais (na política, na profissão, no sindicato, nos

movimentos sociais e culturais). Trata-se de duas tendências pedagógicas progressistas, propondo

uma educação escolar crítica a serviço das transformações sociais e econômicas, ou seja, de

superação das desigualdades sociais decorrentes das formas sociais capitalistas de organização da

sociedade. No entanto, diferem quanto a objetivos imediatos, meios e estratégias de atingir essas

metas gerais comuns.

A Pedagogia Libertadora não tem uma proposta explícita de Didática, e muitos dos seus

seguidores, entendendo que toda didática resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, instrumental,

meramente prescritivo, até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação dos professores.

No entanto, há uma didática implícita na orientação do trabalho escolar, pois, de alguma forma, o

professor se põe diante de uma classe com a tarefa de orientar a aprendizagem dos alunos. A

atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e políticos; poder-se-ia falar de um

ensino centrado na realidade social, em que professor e alunos analisam problemas e realidades do

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meio sócio-econômico e cultural, da comunidade local, com seus recursos e necessidades, tendo

em vista a ação coletiva frente a esses problemas e realidades.

O trabalho escolar não se assenta, prioritariamente, nos conteúdos de ensino já

sistematizados, mas no processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre

questões da realidade social imediata. Nesse processo em que se realiza a discussão, os relatos da

experiência vivida, a assembléia, a pesquisa participante, o trabalho de grupo etc., vão surgindo

temas geradores que podem vir a ser sistematizados para efeito de consolidação de conhecimentos.

É uma didática que busca desenvolver, o processo educativo como tarefa que se dá no interior dos

grupos sociais e por isso o professor é coordenador ou animador das atividades que se organizam

sempre pela ação conjunta dele e dos alunos.

A Pedagogia Libertadora tem sido empregada com muito êxito em vários setores dos

movimentos sociais, como sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas. Parte desse

êxito se deve ao fato de ser utilizada entre adultos que vivenciam uma prática política e onde o

debate sobre a problemática econômica, social e política pode ser aprofundado com a orientação de

intelectuais comprometidos com os interesses populares. Em relação à sua aplicação nas escolas

públicas, especialmente no ensino de 1° grau, os representantes dessa tendência não chegaram a

formular uma orientação pedagógico-didática especificamente escolar, compatível com a idade, o

desenvolvimento mental e as características de aprendizagem das crianças e jovens.

Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a escola pública cumpre a sua função social

e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos, como condição para a

efetiva participação do povo nas lutas sociais. Não considera suficiente colocar como conteúdo

escolar a problemática social cotidiana, pois somente com o domínio dos conhecimentos,

habilidades e capacidades mentais podem os alunos organizar, interpretar e reelaborar suas

experiências de vida em função dos interesses de classe. O que importa é que os conhecimentos

sistematizados sejam confrontados com as experiências sócio-culturais e a vida concreta dos

alunos, como meio de aprendizagem e melhor solidez na assimilação dos conteúdos. Do ponto de

vista didático, o ensino consiste na mediação de objetivos-conteúdos-métodos que assegure o

encontro formativo entre os alunos e as matérias escolares, que é o fator decisivo da aprendizagem.

A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos atribui grande importância à Didática, cujo objeto de

estudo é o processo de ensino nas suas relações e ligações com a aprendizagem. As ações de

ensinar e aprender formam uma unidade, mas cada uma tem a sua especificidade. A Didática tem

como objetivo a direção do processo de ensinar, tendo em vista finalidades sócio-políticas e

pedagógicas e as condições e meios formativos; tal direção, entretanto, converge para promover a

auto-atividade dos alunos, a aprendizagem. Com isso, a Pedagogia Crítico-Social busca uma

síntese superadora de traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova. Postula

para o ensino a tarefa de propiciar aos alunos o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades

intelectuais, mediante a transmissão e assimilação ativa dos conteúdos escolares articulando, no

mesmo processo, a aquisição de noções sistematizadas e as qualidades individuais dos alunos que

lhes possibilitam a auto-atividade e a busca independente e criativa das noções. Mas trata-se de

uma síntese superadora. Com efeito, se a Pedagogia define fins e meios da prática educativa a

partir dos seus vínculos com a dinâmica da prática social, importa um posicionamento dela em face

de interesses sociais em jogo no quadro das relações sociais vigentes na sociedade. Os

conhecimentos teóricos e práticos da Didática medeiam os vínculos entre o pedagógico e a

docência; fazem a ligação entre o "para quê" (opções político-pedagógicas) e o "como" da ação

educativa escolar (a prática docente). A Pedagogia Crítico-Social toma o partido dos interesses

majoritários da sociedade, atribuindo à instrução e ao ensino o papel de proporcionar aos alunos o

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domínio de conteúdos científicos, os métodos de estudo e habilidades e hábitos de raciocínio

científico, de modo a irem formando a consciência crítica face às realidades sociais e capacitando-

se a assumir no conjunto das lutas sociais a sua condição de agentes ativos de transformação da

sociedade e de si próprios. [...]

A Didática e as tarefas do professor

[...] A Didática é a disciplina que estuda o processo de ensino tomado em seu conjunto, isto

é, os objetivos educativos e os objetivos de ensino, os conteúdos científicos, os métodos e as

formas de organização do ensino, as condições e meios que mobilizam o aluno para o estudo ativo

e seu desenvolvimento intelectual. Para isso, investiga as leis e princípios gerais do ensino e da

aprendizagem, conforme as condições concretas em que se desenvolvem. Os conhecimentos

teóricos e metodológicos, assim como o domínio dos modos do fazer docente, propiciam uma

orientação mais segura para o trabalho profissional do professor. O trabalho docente, entendido

como atividade pedagógica do professor, busca os seguintes objetivos primordiais:

* assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível dos conhecimentos científicos;

* criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam capacidades e habilidades

intelectuais de modo que dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua

autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento;

* orientar as tarefas de ensino para objetivos educativos de formação da personalidade, isto é,

ajudar os alunos a escolherem um caminho na vida, a terem atitudes e convicções que norteiem

suas opções diante dos problemas e situações da vida real.

Esses objetivos se ligam uns aos outros, pois o processo de ensino é ao mesmo tempo um

processo de educação. A assimilação dos conhecimentos e o domínio de capacidades e habilidades

somente ganham sentido se levam os alunos a determinadas atitudes e convicções que orientem a

sua atividade na escola e na vida, que é o caráter educativo do ensino. A aquisição de

conhecimentos e habilidades implica a educação de traços da personalidade (como caráter,

vontade, sentimentos); estes, por sua vez, influenciam na disposição dos alunos para o estudo e

para a aquisição dos conhecimentos e desenvolvimento de capacidades.

Referência:

LIBANEO, J.C. A Didática como atividade pedagógica escolar. (p. 52 a 71). In: LIBANEO, J. C.

Didática. São Paulo: Cortez, 1999. A Didática como atividade pedagógica escolar

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Texto 2: OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO.

Edgar Morin.

Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar

ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino

universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos

setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos

programas educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das

preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.

O Conhecimento.

O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece

conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que

é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão.

Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões.

Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o

mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou

espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no

fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados,

decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do

cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo,

podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.

Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As

pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à

distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as

pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que

estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja,

reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os

italianos ―tradotore/traditore‖.

Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma

alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me

diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos.

São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que

estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece.

Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam

de uma palavra para outra e reconstrói o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento,

é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos

neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do

acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em

ângulos diferentes.

No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um

exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial. Uma época em que a

França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que,

evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se

desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda,

cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos

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constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um

prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.

Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e

as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a

realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno.

Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas

idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas.

Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas

como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das

grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências.

Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido

desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam

que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias

pudessem ser aceitas.

Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos

envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: ―Os fatos são teimosos, mas,

na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito

tempo‖. Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um

problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de

erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.

O Conhecimento Pertinente.

O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de

um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado

pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do

conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas

também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da

realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade

de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento

pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.

A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder

muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o

cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o

temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator

totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver

com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é

multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário

contextualizar todos os dados.

Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos,

cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como

o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não entenderemos nada.

Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o

espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino,

a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: ―Não se pode conhecer as

partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes‖.

O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento,

atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações

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do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da

Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.

A Identidade Humana.

O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente

ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em

Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos

indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos

parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura

se nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós.

Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a

espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um

dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária. Eu acredito possível

a convergência entre todas as ciências e a identidade humana.

Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário

reconhecer que na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as

disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a

pré-história.

Tome-se como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a microfísica, os aceleradores

de partículas para imaginar os primeiros segundos do universo. Ela utiliza a observação e pratica uma

reflexão filosófica sobre o mundo, assim como fizeram Hubert Reeves, Hawkins, Michel Cassé e tantos

outros. Eles refletem sobre o universo incrível no qual vivemos. Mas o que é importante para a

identidade humana é saber que estamos neste minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não

é mais a de conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se

transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.

Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos

cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e

aglomerados puderam criar uma tal organização, uma autoorganização, para nos dar este planeta. É

necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida.

A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o

processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.

Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram

no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo

encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos

todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de

nossa cultura.

Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como

indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual

pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres

desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.

É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é

parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a

unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade

das culturas e não vemos a unidade do ser humano.

Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: ―Os

chineses são iguais a nós, têm paixões, choram‖. E Herbart, o pensador alemão, afirmou: ―Entre uma

cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes‖. Os dois tinham razão, mas na realidade

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essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e,

é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.

È preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são

inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem

surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria.

Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque

não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e

singularidade.

Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como

secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se

adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções,

paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio

social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária.

Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem;

o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses

elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a

literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível

de seus sonhos. Como James Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem, mostrava que uma

pessoa pode ter sentimentos totalmente diversos. Ou como o herói de Dostoievski, em O Idiota que não

sabe se a jovem está apaixonada por ele e ao fim da trama, depois de ter sofrido muito, encontra um

amigo que lhe diz: ―mas que imbecil você é, não entendeu que ela o ama‖.

Isto pode acontecer com qualquer pessoa, é a dificuldade de saber o que o outro pensa e sente.

Marcel Proust mostrou, em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitências do coração,

ou seja, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e voltar a amá-la. Neste

romance o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma mulher e quando ele já não está mais

apaixonado, diz: ―mas eu sofri tanto por uma mulher que não me amava e que nem era meu tipo‖.

Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos

ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como,

por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma

prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.

Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a

identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e

fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo

de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.

O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças,

como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens,

além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo

mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças.

Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: ―O homem habita poeticamente

na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia‖.

A Compreensão Humana.

O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender

uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa

compreender?

A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os

elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a

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compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e

identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as

lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a

compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.

A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está

se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior.

Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade

individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a

autojustificação e a rejeição ao próximo.

A raiva leva à vontade de eliminar o outro e tudo aquilo que possa aborrecer. De certa maneira,

isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto é, mentir a si mesmo, pois o

egocentrismo vai tramando sempre o negativo e esquecendo dos outros elementos.

A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são

os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este

lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o

cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis

sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou

platéias inteiras com o personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os

chefes da Máfia com ―O Chefão‖. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare:

reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: ―Despertados, eles

dormem‖. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal

percebemos o que se passa ao nosso redor. Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não

só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o

mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os

seres humanos.

A Incerteza.

O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a

gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados

elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências

humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do

inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: ―os deuses nos causam grandes

surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece‖. É a velha idéia de 2.500

anos, que nós esquecemos sempre.

As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais

prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à

desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de

Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da

vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução

segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo

animal.

O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência,

mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade,

marcada por catástrofes.

No fim da era secundária, a queda do asteróide que matou os dinossauros e ressecou a

vegetação desses animais enormes, matando-os de fome deu oportunidade à proliferação dos

mamíferos. Assim também ocorreu com as sociedades humanas. Todas sofreram o colapso por uma

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razão ou outra. Nem mesmo o império romano, que parecia eterno, conseguiu sobreviver. As

sociedades andinas, que eram mais potentes que seus colonizadores espanhóis e cujas capitais eram

muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa, foram destruídas por espanhóis que chegaram com

cavalos e armas desconhecidas.

As duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século XX, depois da Primeira Guerra

Mundial. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romanootomano, o austro-húngaro e o

soviético, desapareceram.

Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que

se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou,

desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado.

A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século

XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética,

mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão.

Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá,

porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram

concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm que ser fortes e

armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem.

Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o

imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da

aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas

contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a

partir dos imprevistos e das informações que se tem.

A Condição Planetária.

O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que

começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a

humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro

aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a

quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.

Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres

humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça

ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses

problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a

construção de uma consciência planetária.

Conhecer o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens – econômicos, ideológicos e

sociais – estão de tal maneira imbricados e são tão complexos, que compreendê-los é um verdadeiro

desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset dizia: ―não sabemos o que acontece, isto é o que

acontece‖.

É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E,

atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário

ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade

dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba

atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros.

Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a

ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos

acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino

comum.

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A Antropo-ética.

O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética

diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro

genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética.

Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas

responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais),

ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.

A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a

democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e

responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto.

Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez

controlado, terá a chance de controlar.

Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle. Não existe, evidentemente,

democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão

democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, o é

importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo

possa exercer sua responsabilidade.

Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-

governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e

tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo

aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a

todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.

Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes

são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião,

não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo,

as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma

concepção sistêmica da terra.

Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se

transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa

visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para

muitos governantes.

E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver

uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a

civilizar a terra.

Disponível em:

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/Morin_1263223813.pdf.

acesso em: 05 de julho de 2011, às 17 horas.

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Texto 3: DEZ NOVAS COMPETÊNCIAS PARA UMA PROFISSÃO

Referência:

PERRENOUD, P. Dez novas competências para uma profissão. Pátio: Revista pedagógica, Porto Alegre, n. 17, p. 8-12, maio/jun. 2001.

Dez novas competências para uma nova profissão

Philippe Perrenoud

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Universidade de Genebra, Suíça

2001

Sommaire

1. Admitir que os professores têm competências profissionais

2. Novas competências: para que todos aprendam

3. Dez famílias de competências mais uma

Referências Bibliográficas

É preciso reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências

profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados, e aceitar a idéia

de que a evolução exige que todos os professores possuam competências antes reservadas aos

inovadores ou àqueles que precisavam lidar com públicos difíceis.

Existe hoje um referencial que identifica cerca de 50 competências cruciais na profissão de

educador. Algumas delas são novas ou adquiriram uma crescente importância nos dias de hoje em

função das transformações dos sistemas educativos, bem como da profissão e das condições de

trabalho dos professores.

Essas competências dividem-se em 10 grandes "famílias":

1. Organizar e estimular situações de aprendizagem.

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2. Gerar a progressão das aprendizagens.

3. Conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam.

4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e no trabalho.

5. Trabalhar em equipe.

6. Participar da gestão da escola.

7. Informar e envolver os pais.

8. Utilizar as novas tecnologias.

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.

10. Gerar sua própria formação contínua.

Será que essas competências são realmente "novas"? Elas definem a "nova profissão",

esboçada por Meirieu (1990) há mais de 10 anos? Representam uma ruptura ou são "eternas" no

seio da profissão de educador?

Em algumas profissões que dependem totalmente das tecnologias, a renovação das

competências é evidente. No entanto, isto não acontece na educação escolar: nem o vídeo, nem o

computador, nem a multimídia, até hoje, fizeram com que a profissão de professor mudasse. Desse

ponto de vista, a aparente continuidade provoca a ruptura. Se surgissem novas competências, não

seria para responder a novas possibilidades técnicas, mas devido à transformação da visão ou das

condições de exercício da profissão.

As representações e as novas práticas pedagógicas desenvolvem-se de forma progressiva.

Em primeiro lugar, são aplicadas em escolas e classes atípicas, muito antes de serem reconhecidas

e adotadas pela instituição e pela profissão, ainda que, em cada momento da história de um sistema

educativo, observe-se um amplo leque de práticas & endash; e, portanto, de competências &

endash; que vão das mais tradicionais às mais inovadoras.

Desse modo, seria exagerado falar de novas competências se isto sugerisse uma "mutação".

Assistimos mais a uma progressiva recomposição do leque de competências de que os professores

necessitam para exercer seu ofício de forma eficaz e equitativa. Algumas formas de "dar aula"

desaparecem lentamente, enquanto outras assumem uma crescente importância. Algumas delas,

que eram parte integrante da profissão, agora pertencem à tradição, ao passo que outras, reservadas

aos militantes, integram-se pouco a pouco à identidade e aos recursos do professor da base.

É bastante difícil perceber a novidade, pois as palavras utilizadas para designar as grandes

famílias de competências criam uma impressão de familiaridade e, por isso, diversos professores

podem, com boa-fé, afirmar que essas competências não lhes são estranhas, que já as possuem,

embora nem sempre as dominem bem nem as apliquem no dia-a-dia. Por exemplo, que professor

confessaria que não sabe organizar e estimular situações de aprendizagem?

Uma parte do sentimento de familiaridade nasce do fato de que essas questões estão

presentes no discurso "moderno" que acompanha as reformas escolares ou que está enraizado nos

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movimentos pedagógicos e nas ciências da educação. Assim, essas idéias fazem parte da "paisagem

pedagógica" e todos "vêem mais ou menos" o que é evocado quando se fala de avaliação formativa,

de contrato didático, de pedagogia diferenciada.

Se levarmos a sério todas essas competências, poderemos medir melhor o desvio existente

entre o fato de saber ministrar um curso frontal ou "lições" & endash; habilidade pedagógica muito

comum, porém bastante pobre & endash; e controlar uma ampla gama de situações e

procedimentos de aprendizagem, levando em conta a diversidade dos aprendizes. Essas últimas

práticas exigem competências muito mais apuradas, provenientes tanto da didática quanto da

gestão de classe.

Ante todas as listagens apresentadas como definitivas e fechadas, o movimento espontâneo de um

leitor é a resistência, o questionamento da incrível pretensão do autor à exaustividade e ao

ordenamento. No entanto, essa resistência, salutar, deixa de lado o mecanismo principal: pensar nas

principais evoluções da profissão.

Paradoxalmente, embora seja apresentado como uma ferramenta de análise, um referencial

também cumpre uma função de síntese. Considerado em seu conjunto, deixa entrever uma

profissão e talvez seu movimento histórico. É neste nível que se impõe o debate.

Para entrar na matéria, parece-me importante colocar e admitir duas considerações prévias,

que serão examinadas a seguir. É importante:

1. reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências

profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados;

2. aceitar a idéia de que a profissão muda e sua evolução exige atualmente que todos os professores

possuam novas competências, antes reservadas aos inovadores ou aos professores que precisavam

lidar com os públicos mais difíceis.

1. Admitir que os professores têm competências profissionais Ninguém duvida de que os professores têm saberes. Será que também têm competências? É

claro que tudo depende da definição que damos a esse conceito. Se entendermos por competência a

capacidade de agir de uma forma relativamente eficaz em uma família de situações, sem dúvida

aceitaremos que os professores possuem competências, mas acrescentaríamos com um pouco de

desdém: acalmar a classe, estabelecer uma certa ordem, corrigir provas, dar uma orientação, ajudar

um aluno em dificuldade, fazer com que os alunos trabalhem em grupos, explicar de novo uma

noção mal compreendida, planejar um curso, dialogar com os pais dos alunos, mobilizá-los em

torno de um projeto ou de um enigma, sancionar na medida adequada, conservar o sangue frio...

Sem dúvida, essas diversas habilidades parecem necessárias, mas numerosos professores

consideram-nas pouco "nobres" em função dos saberes disciplinares. Quanto mais avançamos no

ensino médio e superior, mais o saber a ser ensinado passa a constituir o cerne da identidade do

educador, mais os professores subestimam o saber para ensinar, reduzindo-o a uma mescla de bom

senso, coerência, arte de se comunicar claramente. Por isso, as habilidades são mais reconhecidas

se concebidas como a aplicação de saberes metodológicos, baseados nos saberes teóricos, como a

didática das disciplinas ou a psicologia cognitiva. Esses saberes procedimentais não têm o prestígio

das ciências ou da história, porém são saberes menos "vulgares" que as habilidades.

Se nos situarmos em outra perspectiva, a das habilidades sem nome nem bases teóricas bem

identificadas, entramos no domínio dos "ossos do ofício". Ora, o que caracteriza a profissão de

professor é que se fala muito pouco das maneiras de fazer, do savoir- faire, das habilidades

construídas no decorrer da experiência; enquanto isso, em outras profissões, sua diversidade e

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pertinência provocam a admiração dos colegas. Poderíamos dizer, exagerando um pouco, que os

professores têm vergonha das habilidades.

Poderíamos dar um status mais invejável a essas habilidades práticas se as tratássemos

como "competências"? Para isso, o corpo docente deveria ter uma visão positiva da noção de

"competência". Isto não é evidente, já que no mundo escolar muitas vezes a idéia de competências

é associada à tradição utilitarista (saber fazer seu imposto de renda, ler um manual ou trocar um

pneu) ou à característica neoliberal do mundo do trabalho.

A emergência da noção de competência no mundo das empresas está ligada, em parte, ao

movimento rumo à flexibilização, à precariedade do trabalho e ao enfraquecimento das escalas de

qualificação e, conseqüentemente, das solidariedades estatutárias. O mundo do ensino desconfia do

"enfoque por competências", suspeitando, assim, que a escola está a serviço da economia em

detrimento da cultura.

Uma parte do corpo docente resiste de uma maneira ainda mais viva e negativa a esses

enfoques, pois agora precisa lidar diretamente com eles. Com efeito, os sistemas educativos visam

ao mesmo tempo:

explicitar e avaliar de forma mais precisa as competências propriamente profissionais dos

professores (para além de sua cultura teórica);

reformular os programas escolares no sentido de referenciais de competências (Perrenoud,

1999c).

Assim, a denúncia da moda das competências parece uma luta simultânea contra a

racionalização da profissão e a asfixia dos saberes e da cultura. Se a noção de competências parece-

lhes empresarial, tecnocrática, utilitarista, se lhes parece contrária ao humanismo e ao

conhecimento, como é que os professores poderiam reconhecer que exercem numerosas

competências para realizar seu trabalho, para fazer aprender ou simplesmente permitir a

coexistência e a cooperação em uma classe e em uma instituição?

Felizmente, quando os professores têm formação universitária, mesmo se ela for muito

acadêmica, são capazes de aprender a partir da experiência, de refletir e de forjar na prática as

competências sem as quais não poderiam sobreviver em uma sala de aula. Embora não garanta uma

prática reflexiva, um elevado nível de formação predispõe a ela. O problema é que cada um

aprende por si mesmo, sem imaginar que muitas vezes chega, por meio de caminhos incertos e

difíceis, às aquisições das ciências sociais e humanas e às habilidades dos pedagogos.

Portanto, devemos enfrentar e analisar a realidade do trabalho educador (Tardif e Lessard,

1999), proceder a uma transposição didática a partir das práticas reais, reequilibrar nesse sentido

os programas de formação dos professores, articular as competências identificadas com uma

verdadeira cultura básica nas ciências da educação e desenvolvê-las em função de um

procedimento clínico e reflexivo de formação em alternância.

Ao nos preocuparmos com as competências, estaremos, acima de tudo, lutando por uma

formação profissional dos professores baseada na realidade das práticas. Contudo, isto também

significa ter meios para fazer a profissão evoluir por meio do desenvolvimento de novas

competências.

2. Novas competências: para que todos aprendam Na análise dos motivos para lutar pela profissionalização da profissão de professor,

deparamo-nos com dois tipos de fatores: por um lado, transformações das condições de exercício

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da profissão e, por outro, crescentes ambições dos sistemas educativos. O ensino nunca foi uma

profissão tranqüila. Sempre teve de confrontar o outro, sua resistência, sua opacidade, suas

ambivalências. Entretanto, devido às suas múltiplas transformações, parece cada vez mais difícil

ensinar e, sobretudo, fazer aprender.

Ao mesmo tempo, o nível de conhecimento e de competência das novas gerações torna-se

um mecanismo político e econômico da maior importância. Mecanismo econômico porque o

"capital humano" continua sendo um trunfo decisivo para o desenvolvimento e a sobrevivência na

concorrência internacional. E também um mecanismo político porque, embora sem garantir a

generosidade e o altruísmo, e menos ainda a liberdade, a igualdade e a fraternidade, a instrução é

uma condição necessária da democracia e da capacidade de construir uma ordem negociada, de

não aumentar a violência ou o fanatismo quando a sociedade é rompida por crises.

Logo, espera-se uma maior eficácia dos sistemas educativos, ao mesmo tempo em que os

orçamentos diminuem e as condições de trabalho e os públicos tornam-se mais difíceis. A escola

não tem mais direito ao fracasso, não pode mais rejeitar os que "não querem trabalhar". Não é mais

suficiente fazer progredir os que trabalham e compreendem de forma espontânea o sentido desse

investimento; é preciso aderir à causa da instrução dos alunos para os quais "a vida está em outro

lugar".

Por isso, as novas competências exigidas estão relacionadas tanto a didáticas pontuais,

baseadas nas ciências cognitivas, quanto a enfoques transversais que aliam a psicanálise e a

sociologia, que visam a criar ou a manter &endash; e, portanto, a explicar e a compreender

&endash; o desejo de aprender, o sentido dos saberes, o envolvimento do sujeito na relação

pedagógica e a construção de um projeto.

3. Dez famílias de competências mais uma Não podemos dissociar as competências da relação com a profissão. Para formar

professores mais competentes, aliando uma postura reflexiva e uma forte implicação crítica para o

desenvolvimento da sociedade, é necessário desenvolver a profissionalização do professor.

A palavra está na moda, mas a idéia assusta. Provavelmente, todos desejariam beneficiar-se

com o nível de especialização que é associado a uma profissão, ao prestígio, ao poder e a uma boa

remuneração. No entanto, os atores hesitam em assumir a parcela de autonomia e responsabilidade

que está ligada ao exercício de uma profissão. As autoridades querem conservar seu controle sobre

os professores e os estabelecimentos. Por outro lado, estes últimos não desejam prestar contas.

Daí a importância, para gerar a transição, de uma décima primeira família de competências,

da qual dependerão a outras. Essas competências não se relacionam ao trabalho com os alunos, mas

à capacidade de os professores agirem como um ator coletivo no sistema e de direcionar o

movimento rumo à profissionalização e à prática reflexiva, assim como para o domínio das

inovações.

Isto está relacionado à evolução do sindicalismo, aos projetos de estabelecimento e à

participação dos professores na elaboração das reformas escolares, desde que seja negociado.

Significa que a profissionalização exige uma vontade comum dos professores, dos diretores e dos

políticos.

Referências Meirieu, Ph. Enseigner, scénario pour un métier noveau. Paris: ESF, 1990.

Tardif, M.; Lessard, C. Le travail enseignant au quotidien: expérience, interactions humaines et

dilemmes profissionnels. Québec: Les presses de L’Université Laval et Bruxelles/De Boeck, 1999.

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Para saber mais PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

______. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.

______. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre:

Artmed, 1999.

SUGESTÕES DE LEITURA

1. Pedagogia do Oprimido — Paulo Freire - 15ª edição - Ed. Paz e Terra, 1985.

2. Metodologia do Ensino Superior — Antonio Carlos Gil - 3ª edição - Ed. Atlas, 1997.

3. O Construtivismo na Sala de Aula — César Coll – 5ª edição – Ed. Ática, 1998.

4. Construindo o Saber — Maria Cecília M. de Carvalho – Ed. Papirus, 1988.

5. O Corpo Fala – Pierre Weil e Roland Tompakow – 49ª Edição – Ed. Vozes

6. PowerShift – As Mudanças do Poder – Alvin Tofler – Ed. Record.