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DIFUSÃO DE POLÍTICAS
E COOPERAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO Elementos norteadores
para a implementação de projetos de transferência de políticas públicas por
meio da cooperação internacional
POLICY DIFFUSION
AND DEVELOPMENT COOPERATION
Guiding Elements for the Implementation
of Public Policy Transfer Projects
Through International Cooperation
OSMANY PORTO DE OLIVEIRA | CAMILA SARAIVA | ROBERTA SAKAI
EDIÇÃO BILÍNGUE BILINGUAL EDITION
DIFUSÃO DE POLÍTICAS E COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
Elementos norteadores para a implementação de projetos de transferência de políticas
públicas por meio da cooperação internacional
AUTORESOSMANY PORTO DE OLIVEIRA
CAMILA SARAIVA
ROBERTA SAKAI
Assistentes de pesquisa Anna Ramalho
Douglas Moreira
Ivana Wu
Letícia Pires
Luana Dratovsky
Marina Vilas Boas Talietta
Apoio Cities Alliance
Parceiros Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, Laboppi – Laboratório de Políticas Públicas Internacionais, Enap – Escola Nacional de Administração Pública, Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Articulação Sul/South-South cooperation research and policy center, ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade
EditoraçãoBalão Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
O48d Oliveira, Osmany Porto de
Difusão de políticas e cooperação para o desenvolvimento: elementosnorteadores para a implementação de projetos de transferência de políticaspúblicas por meio da cooperação internacional / Osmany Porto de Oliveira,Camila Saraiva, Roberta Sakai. – São José do Rio Preto, SP: Balão Editorial, 2020.
80 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-86159-10-3
1. Políticas públicas. 2. Cooperação internacional. 3. Desenvolvimento. I. Saraiva, Camila. II. Sakai, Roberta. III. Título.
2020-1311 CDD 361 CDU 364
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático: 1. Políticas públicas 361 2. Políticas públicas 364
Apoio
Parceiros
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .................................................................................................... 7
SOBRE OS AUTORES E ASSISTENTES DE PESQUISA ..................................8
APRESENTAÇÃO ...........................................................................................................9
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................11
1. A DINÂMICA DO EVENTO .................................................................................13
2. TEORIAS E CONCEITOS PARA TRATAR DAS “VIAGENS” DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................................................................19
3. A COOPERAÇÃO BRASILEIRA PARA O DESENVOLVIMENTO ..........27
4. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DESCENTRALIZADA ..................32
5. APRESENTAÇÃO DOS EIXOS ..........................................................................38
EIXO 1: MECANISMOS DE FINANCIAMENTO ............................................................................ 38
EIXO 2: MECANISMOS (FORMAIS E INFORMAIS) DE INTERCÂMBIO ..................39EIXO 3: CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO PARA ATORES ............................................................................................ 41
EIXO 4: SOCIEDADE CIVIL E CIDADÃOS ............................................................................. 42
AGENDAS DE TRABALHO ........................................................................................................ 44
6. O BRASIL E A TROPICALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ..........47
GLOSSÁRIO CONCEITUAL .....................................................................................51
ACKNOWLEDGEMENT ............................................................................................55
ABOUT THE AUTHORS AND RESEARCH ASSISTANTS ...........................56
PRESENTATION ..........................................................................................................57
INTRODUCTION ..........................................................................................................59
1. THE DYNAMICS OF THE EVENT .....................................................................61
2. THEORIES AND CONCEPTS TO DEAL WITH PUBLIC POLICIES “TRIPS” .......................................................................................................67
3. BRAZILIAN DEVELOPMENT COOPERATION ............................................75
4. DECENTRALIZED INTERNATIONAL COOPERATION .............................80
5. AXES PRESENTATION .........................................................................................86AXIS 1: FUNDING MECHANISMS ........................................................................................... 86
AXIS 2: MECHANISMS OF (FORMAL AND INFORMAL) EXCHANGE ...................................................................................................................................... 87
AXIS 3: QUALIFICATION AND INFORMATION SYSTEMS FOR AGENTS ................................................................................................................................... 89
AXIS 4: CIVIL SOCIETY AND CITIZENS ................................................................................. 90
WORK AGENDAS ......................................................................................................................... 91
6. BRAZIL AND THE TROPICALIZATION OF PUBLIC POLICIES .............94
APÊNDICE/APPENDIX 1 – PROGRAMAÇÃO DO WORKSHOP/WORKSHOP SCHEDULE ........................................................................................98
APÊNDICE/APPENDIX 2 – PERFIL DOS PARTICIPANTES INSCRITOS NO WORKSHOP/WORKSHOP PARTICIPANT’S PROFILE ..................... 100
APÊNDICE/APPENDIX 3 – LISTA DE INSCRITOS NO WORKSHOP/WORKSHOP’S LIST OF REGISTERED PARTICIPANTS ........................... 102
REFERÊNCIAS/REFERENCES ............................................................................. 110
7
AGRADECIMENTOS
Esta publicação foi concebida a partir de muitas conversas a respeito
da necessidade de aproximar as pessoas que atuam na academia e na
prática da difusão de políticas públicas, por meio da cooperação inter-
nacional. Para concretizar o projeto, contamos com a colaboração de um
grupo de profissionais de distintas instituições, motivados para impulsio-
nar o diálogo e dispostos a dedicar tempo, empenho e energia para este
fim. Precisamos agradecer ao Fernando Filgueiras e à Natália Koga, por
terem “abraçado” a ideia inicial da organização do workshop e tê-la levado
para a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e ao Francisco
Gaetani, seu Presidente na época, que apoiou a iniciativa. O formato do
workshop foi elaborado por meio de diversas discussões, que ocorreram
entre o final de 2017 e o início de 2018 com Anaclaudia Rossbach, Rodrigo
Perpétuo, Melissa Pomeroy, Elisa Camarote e Luara Lopes. Agradecemos
ao apoio da Cities Alliance e do Cebrap para a produção do relatório e à
parceria do ICLEI e da Articulação Sul na organização do workshop. Por
fim, expressamos nossa gratidão a todas as pessoas que se interessaram
em participar do evento e fazer parte deste processo de reflexão coletiva,
especialmente aos funcionários do governo federal e demais participan-
tes, presentes durante o workshop e que se colocaram à disposição para
compartilhar seu valioso conhecimento e experiência. Esperamos que
este seja mais um passo para aprofundar nosso conhecimento e estimular
o diálogo e aprendizagem mútua sobre a difusão de políticas públicas por
meio da cooperação internacional.
8
SOBRE OS AUTORES E ASSISTENTES DE PESQUISA
Osmany Porto de Oliveira é professor do Departamento de Relações
Internacionais da Unifesp e coordenador do Laboratório de Políticas
Públicas Internacionais (Laboppi).
Camila Saraiva é pesquisadora de doutorado do Instituto de Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Roberta Sakai é pesquisadora de doutorado no Brazil Institute do King’s
College London, na Inglaterra.
Anna Ramalho é aluna de graduação do curso de Relações Internacionais
da Unifesp e pesquisadora do Laboppi.
Douglas Moreira é aluno de graduação do curso de Relações Internacionais
da Unifesp e pesquisadora do Laboppi.
Ivana Wu é aluna de graduação do curso de Relações Internacionais
da Unifesp e pesquisadora do Laboppi, com bolsa de extensão da
Unifesp/CNPq.
Letícia Pires é aluna de graduação do curso de Relações Internacionais da
Unifesp e pesquisadora do Laboppi.
Luana Dratovsky é aluna de graduação do curso de Relações Internacionais
da Unifesp, pesquisadora do Laboppi e estagiária na Prefeitura de São
Paulo.
Marina Vilas Boas é aluna de graduação do curso de Relações
Internacionais da Unifesp e pesquisadora do Laboppi.
9
APRESENTAÇÃO
Este relatório apresenta os resultados do Workshop “Difusão de
Políticas e Cooperação para o Desenvolvimento: Diálogos entre a
Academia e a Prática”, realizado na Escola Nacional de Administração
Pública (Enap), nos dias 21 e 22 de maio de 2018. O evento foi coorde-
nado por Osmany Porto de Oliveira, Fernando Filgueiras, Camila Saraiva
e Natália Koga. Durante o workshop, foram discutidos resultados de pes-
quisa, bem como realizadas apresentações sobre o tema por especialistas
de diversas áreas das políticas públicas.
Entre as principais atividades do encontro estavam as oficinas partici-
pativas e colaborativas com gestores públicos do governo, que atuavam
nas relações internacionais, de instituições subnacionais e nacionais, para
debater sobre oportunidades e desafios da difusão de políticas, por meio
da cooperação para o desenvolvimento. Esta publicação apresenta uma
síntese das principais discussões, aspirando estimular o debate na área,
de modo que possa auxiliar gestores no desenvolvimento de projetos de
difusão de políticas e cooperação para o desenvolvimento.
Este documento é uma produção do Laboratório de Políticas Públicas
Internacionais (Laboppi) da Universidade Federal de São Paulo. Criado em
2016 com o objetivo de expandir as fronteiras do conhecimento para além
da Universidade, o Laboppi é um programa de extensão, que envolve
estudantes de graduação, pesquisadores e professores do Departamento
de Relações Internacionais do Campus de Osasco. O programa se dedica
10
às questões relacionadas às políticas públicas internacionais, campo
emergente de pesquisa e de ação, relacionado aos temas de cooperação
internacional, política externa, paradiplomacia e outros. A partir de 2018,
o Laboppi começou a projetar também suas ações para fora do país, além
de desenvolver uma plataforma global para conectar pessoas interessa-
das no tema das políticas públicas internacionais, disponível no site .
Esta publicação dá continuidade a um conjunto de iniciativas desen-
volvidas por organizações, com atuação na área de cooperação Sul-Sul
no Brasil, como a Articulação Sul, o BRICS Policy Center e a Fundação
Friedrich Ebert, que produziram textos importantes para aumentar nossa
compreensão sobre o tema.1 O campo da difusão de políticas por meio da
cooperação para o desenvolvimento é uma agenda de pesquisa e ação
que tem ganhado autonomia e espaço (na academia e prática) nos últimos
anos e que tem se ampliado em relação ao número e aos tipos de ato-
res (governamentais, não governamentais) envolvidos. A proposta desta
publicação é de introduzir um conjunto de conceitos sobre o tema, que
possam servir para orientar gestores em seu dia a dia, enfatizar projetos
de transferência de políticas desenvolvidos pelo Brasil (no âmbito subna-
cional e nacional), situar o papel do país no plano mais amplo da “difu-
são global de políticas públicas” e apresentar os resultados das oficinas
participativas e colaborativas, que mapearam desafios e oportunidades
colocados por funcionários do governo e outros profissionais durante o
workshop.
1. Cf. Caminhos para a construção de sistemas e processos de monitoramento e avaliação da Cooperação Sul-Sul, BRICS Policy Center; À procura da Cooperação Sul-Sul no Orçamento Federal, Articulação Sul e Oxfam; Políticas de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento no Norte e no Sul: Que lições e desafios para o Brasil?, Carlos Milani, Bianca Suyama e Luara Lopes.
11
INTRODUÇÃO
É recorrente na atividade de desenvolvimento e gestão de políticas
públicas a busca por exemplos de outros lugares. A cooperação
internacional entre governos, seja no âmbito subnacional ou nacional,
é uma prática que tem se tornado cada vez mais frequente. Uma parte
importante dos projetos de cooperação que tem por objetivo transferir
ideias, modelos e tecnologias sociais de um governo, com expertise
reconhecida, para outro.
O Brasil tem uma vasta carteira de projetos no âmbito das coopera-
ções bilaterais e das cooperações multilaterais e triangulares, envolvendo
organismos internacionais como o BID, o Bird, Cepal, FAO, OEA, PNUD,
Unesco e Unicef, apenas para citar alguns; tais projetos têm impactado
os setores de meio ambiente, educação, agricultura, administração
pública, entre outros. No âmbito das cooperações bilaterais, destacam-
-se as Cooperações Sul-Sul, nas quais o Brasil tem assumido um papel
de “exportador de boas práticas” e promotor do desenvolvimento social,
sobretudo junto aos países da América Latina e os países africanos de
língua portuguesa.
As cooperações descentralizadas ou entre governos subnacionais
ganharam destaque nas últimas três décadas, com a reconfiguração e cria-
ção de um grande número de redes de cidades. Tais redes atuam em dife-
rentes esferas atreladas ao desenvolvimento municipal, social e urbano,
tanto no âmbito global, como as Cidades e Governos Locais Unidos
12
(CGLU), a Associação Mundial das Grandes Metrópoles (Metropolis), a
Associação Internacional das Cidades Educadoras (AICE) e os Governos
Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), quanto de modo regionalizado como
é o caso da rede Mercocidades ou da Federação Latinoamericana de
Cidades, Municípios e Associações de Governos Locais (FLACMA).
A despeito do movimento ter crescido, ainda são insuficientes os instru-
mentos para orientar e avaliar as cooperações. Com frequência, a realização
de projetos é dependente do acúmulo de experiências prévias dos propo-
nentes ou parceiros, uma prática que impede a otimização, e muitas vezes
também o aprofundamento dos projetos e o alcance de resultados de longa
duração. São comuns situações como visitas técnicas desacompanhadas
de registro institucional e cooperações enfraquecidas pela mudança de
governos, durante a vigência de projetos de parcerias internacionais.
Diante da lacuna presente na administração pública brasileira e dos
desafios contemporâneos que a cooperação internacional impõe aos
governos, a proposta do workshop “Difusão de Políticas e Cooperação
para o Desenvolvimento: Diálogos entre a Academia e a Prática” foi de
pensar, discutir e sistematizar, de forma conjunta, um grupo de diretrizes
e orientações para projetos futuros. Ao reunir estudiosos da academia e
profissionais ligados a organismos internacionais, órgãos de governo da
esfera nacional e subnacional, ONGs e think tanks, assim como sociedade
civil, o propósito do workshop foi refletir sobre a difusão de políticas e a
prática da cooperação a partir de abordagens distintas.
Este relatório está organizado em seis seções. A primeira apresenta a
dinâmica geral do evento, enquanto a segunda discute teorias e conceitos
acerca da difusão de políticas. A terceira e quarta seções debatem a coo-
peração centralizada e descentralizada, respectivamente. A quinta seção
sintetiza as discussões produzidas com os participantes em cada um dos
quatro eixos: 1) Mecanismos de financiamento; 2) Mecanismos (formais
e informais) de intercâmbio; 3) Construção de sistemas de informação
e capacitação para atores; 4) Sociedade civil e Cidadãos. Apresenta-se
nessa parte do relatório questões transversais às cooperações centrali-
zadas e descentralizadas que podem representar agendas de trabalho
para a academia e a prática. A última seção discute o papel do Brasil no
“mercado global” das políticas públicas. O relatório também conta com
um glossário e um conjunto de apêndices com detalhes sobre o evento.
13
1A DINÂMICA DO EVENTO
O workshop “Difusão de Políticas e Cooperação para o Desenvolvimento”
é um desdobramento de uma grande conferência acadêmica homônima
que ocorreu em São Paulo entre os dias 16 e 19 de maio de 2018. Esta foi
a segunda edição do evento de São Paulo, que se iniciou em 2016. Desde
a primeira versão, mantemos a preocupação de aproximar a academia do
mundo da prática das políticas públicas relacionada à difusão de políticas.
Em 2016, foram realizadas duas mesas na Unifesp para esta finalidade, em
um encontro de uma tarde, com cerca de quatro palestrantes por mesa,
sendo dois da academia e dois da prática, para falar aos nossos estudan-
tes. Já em 2018, decidiu-se aumentar a proposta e organizar um workshop
mais amplo, na Enap, em Brasília. Inscreveram-se no evento mais de cem
pessoas (conforme lista de participantes presente no Apêndice 3). E na
ocasião estudantes da Unifesp tornaram-se protagonistas, ajudando a
organizar o evento, acompanhar a oficina e produzir o relatório final. O
público-alvo era formado de profissionais que trabalham diretamente com
a difusão de políticas por meio da cooperação para o desenvolvimento.
Criar um ambiente para a aproximação entre a academia e as pes-
soas envolvidas com a prática das transferências de políticas públicas é
uma tarefa extremamente importante para o Brasil nos dias atuais, por ao
menos três razões. A primeira é pelo fato de a academia estar muito pre-
ocupada e envolvida em lógicas da área, que envolve obtenção de recur-
sos para pesquisa e processos de publicação em periódicos científicos.
14
Esta lógica faz com que, por um lado, os pesquisadores, em certos casos,
limitem suas atividades aos temas e problemas de pesquisa com os quais
trabalham e, por outro, a publicação de artigos, muitas vezes ocorre em
uma linguagem pouco acessível para uma comunidade mais ampla de
pessoas interessadas, restringindo a difusão do conhecimento e o alcance
de leitores. É importante que a academia, professores e pesquisadores
que estudam políticas públicas e relações internacionais, se aproximem
daquelas pessoas que produzem as relações internacionais do Brasil no
dia a dia. Este passo ajudaria a democratizar o conhecimento, de modo
que a pesquisa também possa colaborar exercendo sua função social de
forma mais ampla.
A segunda é que o Brasil se tornou um centro de produção de inova-
ções sociais, gestadas desde os anos 1990. Nas últimas décadas, o país
passou a ser amplamente reconhecido como referência em vários setores,
por exemplo, o das tecnologias agrícolas para plantio, segurança alimentar,
assistência social, participação cidadã, saúde, urbanização de assenta-
mentos informais etc. No plano municipal, o Orçamento Participativo (OP),
desenvolvido em Porto Alegre, já conta com cerca de 7 mil experiências
no mundo (SAPAGE, 2018), incluindo Nova Iorque, Paris, Maputo, Lima e
muitas outras cidades que adotaram o modelo. O programa Bolsa Família
virou uma “boa prática” recomendada pelo Banco Mundial, circulando do
Brasil para diversos países da América Latina, África e chegando até nas
Filipinas (HOWLETT; RAMESH; SAGUIN, 2018). Os diversos ministérios
recebiam regularmente delegações de outros governos interessados em
aprender com as experiências brasileiras (ver Quadro 3 sobre MDS e o
Bolsa Família). De forma semelhante, os servidores públicos dos ministé-
rios brasileiros também viajavam para outros países e oferecer assistência
técnica relacionada à transferência das políticas nacionais.
Essas atividades, todavia, muitas vezes ocorrem sem que os servidores
públicos tenham recebido preparo, organização, coordenação e estrutura-
ção prévia para implementar projetos de cooperação internacional destina-
dos à difusão de políticas. Nos dias atuais, já temos mais de conhecimento
e experiência, mas muitos dos projetos de difusão de política foram feitos
na “raça” ou de modo “intuitivo”. É fundamental produzir conhecimento,
organizar estratégias em escalas mais amplas e produzir as estruturas
necessárias para essas atividades, especialmente no âmbito subnacional.
15
A terceira razão diz respeito ao fato de a influência das relações interna-
cionais nas políticas internas ser cada vez mais intensa, direta e presente.
Os governos precisam cada vez mais se adaptar às agendas globais, como
é o caso dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), ou mais
especificamente, no âmbito das cidades, o da Nova Agenda Urbana. As
agendas, com princípios, temas e metas, são definidas nas deliberações
de cúpula das organizações internacionais e os governos em seus vários
níveis precisam implementá-las. A discussão sobre a localização da Nova
Agenda Urbana é uma questão sensível para os prefeitos. Nesse sentido,
a difusão de políticas ocorre em, ao menos, duas direções. Há movimentos
de internalização de ideias, modelos e instrumentos de políticas públicas
e movimentos de internacionalização de políticas produzidas domésticas.
Diante das dinâmicas expostas, a questão central que norteia este
documento é a seguinte:
Como podemos melhorar a implementação de projetos envolvendo a difusão de políticas por meio da cooperação
internacional (seja ela formal ou informal)?
Para responder a esta pergunta, o grupo reunido no workshop traba-
lhou com o princípio de que os elementos opostos são complementares,
com discussão orientada em torno das oportunidades e desafios a res-
peito de quatro eixos temáticos:
• EIXO 1: Mecanismos de financiamento
• EIXO 2: Mecanismos (formais e informais) de intercâmbio
• EIXO 3: Construção de sistemas de informação e capacitação para
atores
• EIXO 4: Sociedade civil e Cidadãos
O workshop envolveu dois dias de trabalho conjunto entre convidados
da academia, gestores, funcionários de ONGs e Organismos Internacionais
e ativistas, envolvidos com ações de cooperação internacional. A estrutura
do workshop foi organizada em torno de mesas-redondas pela manhã e
grupos de trabalho durante as tardes. O objetivo das mesas-redondas foi
16
lançar questões e perspectivas que seriam debatidas e aprofundadas nos
grupos de trabalho.
A metodologia empregada nos grupos de trabalho foi concebida e
facilitada pelo Articulação Sul, em colaboração com os organizadores do
evento. Por meio de dinâmicas específicas de trabalho em grupos, busca-
mos favorecer o diálogo, a escuta ativa, a participação e a troca horizontal
de ideias entre os participantes do workshop, de modo que as diferentes
perspectivas sobre a difusão de políticas e a cooperação internacional
existentes no campo pudessem emergir.
O carrossel foi o método eleito para dar inicio às discussões. Dois car-
rosséis foram organizados na sala de trabalho de modo a acomodar em
torno de 80 participantes. Um carrossel era constituído por quatro esta-
ções, cada uma dedicada a debater desafios e oportunidade de todo eixo
temático do workshop.
Assim, oito subgrupos de dez pessoas circularam ordenadamente,
por cada uma das quatro estações, durante quatro rodadas de meia hora,
aportando contribuições. Na última rodada, cada estação temática sis-
tematizou quatro principais oportunidades e quatro principais desafios
mencionados durante a passagem dos grupos por ali. O resultado dos
trabalhos em grupo, registrado nos painéis, gerou um grande mural de
conteúdo que chamamos de museu. Finalizada a dinâmica do carrossel,
os participantes foram convidados a visitar o espaço e conhecer a produ-
ção coletiva há pouco realizada.
Por fim, como forma de abrir um espaço de conversa com a totalidade
do grupo, montamos um aquário, método que favorece o debate aberto
em grandes grupos, permite a exposição de ideias e expande a compres-
são coletiva sobre determinado tema. O objetivo do aquário foi levantar,
entre a diversidade de atores presentes, recomendações que devem
ser consideradas na hora de difundir políticas por meio da cooperação
internacional, tendo em conta os desafios e oportunidades levantados
na atividade anterior. As contribuições realizadas ao longo dos trabalhos
em grupo estão sistematizados e fazem parte das reflexões desse rela-
tório como se pode ver na Seção 5, que trata dos eixos trabalhados no
workshop.
17
Imagens do Workshop
Discussão em grupo
Aquário
Museu
18
Museu: desafios colocados pelo Eixo 2
Público do workshop e relatoras do Laboppi (alunas de graduação da Unifesp)
Mesa 1. Da esquerda para a direita: Wófsi Yuri de Souza – ABC, João Brígido Bezerra Lima – Ipea, Osmany Porto de Oliveira – Unifesp, Júnia Santa Rosa – Fundação João
Pinheiro, Luara Lopes – ASUL, Anaclaudia Rossbach – Cities Alliance.
19
2TEORIAS E CONCEITOS
PARA TRATAR DAS “VIAGENS” DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A combinação de processos de globalização e “glocalização” tem con-
tribuído, por um lado, para que cada vez mais atores externos atuem no
âmbito das políticas públicas domésticas de distintos países, e facilitado
a expressão de governos (nacionais e subnacionais) no cenário interna-
cional, por outro. Nesses movimentos, a troca de ideias, conhecimento e
modelos de gestão pública entre governos passou a se tornar cada vez
mais frequente. As políticas públicas deixaram de ser um fenômeno den-
tro das fronteiras do Estado e passaram a se internacionalizar, ou seja, a
“viajar” e ganhar o mundo. Entender essa dinâmica, apesar de tratar-se
de debate teórico, ajuda a elucidar formas de sistematização importantes
para quem atua na concepção e implementação dos projetos.
ConceitosOs termos técnicos utilizados na academia para tratar das “viagens”
das políticas públicas são transferência, difusão e circulação (PORTO
DE OLIVEIRA; PIMENTA DE FARIA, 2017).2 O fenômeno consiste no des-
locamento, no tempo e no espaço, de objetos da natureza das políticas
públicas (ideias, conhecimentos, modelos de gestão, arranjos administra-
tivos, programas políticos, instituições públicas, boas práticas, tecnologias
2. Existem mais de cem termos utilizados para designar o fenômeno, mas para fins de simplificação, serão apresentados apenas estes conceitos.
20
sociais etc.). A distinção entre transferência, difusão e circulação pode
ser identificada em relação à abrangência do movimento, como mostra o
Quadro 1.
Quadro 1: Representação dos tipos de viagens das políticas públicas
Transferência
A B
Difusão B
A C
D
Circulação
A
B
D
C
Quando nos referimos a uma transferência, estamos tratando do des-
locamento pontual de uma política pública de um lugar para outro, de “A”
para “B”. A política tem origem em um governo, organização não governa-
mental ou organismo internacional e se desloca para outro ator de natu-
reza semelhante ou distinta. Trata-se, por exemplo, no caso da adoção nas
Filipinas de tecnologias de transferência de renda condicionada prove-
nientes do Brasil.
Um conjunto de adoções, mais ou menos simultâneas, de uma política
pública pode ser chamado de difusão. A difusão pode ocorrer em clusters
ou regiões. Por exemplo, quando os países da América Latina realizaram
ações destinadas a implementar reformas do Estado. Ou então em escala
global, como a difusão dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Já
a circulação é um movimento ainda mais amplo, pois pode envolver idas e
vindas das políticas públicas e processos de aprendizado mútuo. Podemos
21
considerar como exemplo uma política que tem origem no Brasil, é ado-
tada na África do Sul, onde recebe aperfeiçoamento, e que em seguida é
adotada em seu novo formato no Quênia ou cujos novos elementos são
incorporados no Brasil. Trata-se de um movimento mais amplo e que pode
envolver aprendizado mútuo em temporalidades diferentes.
Neste documento, iremos usar o termo “difusão de políticas” para tra-
tar de forma genérica o fenômeno. Para entender os processos de difusão
de políticas, é preciso reconhecer que as políticas públicas não são um
pacote coeso de medidas, mas consistem em uma composição de instru-
mentos. Os instrumentos das políticas públicas podem ser definidos como
aquele conjunto de elementos que ao serem combinados irão definir pro-
gramas, tecnologias, modelos etc. utilizados pelos governos para procurar
solucionar os problemas sociais. As políticas públicas podem ser, portanto,
fragmentadas em distintos componentes como o cadastro único, os meca-
nismos de condição para recebimento de renda, a compra de produtos da
agricultura familiar pelo governo, a metodologia de inclusão da sociedade
civil na implementação da política etc.
AdaptaçõesAlém disso, é preciso perceber que as políticas públicas não são neu-
tras, mas refletem os projetos políticos dos governos ou grupos da socie-
dade. Isto significa dizer que uma política de participação social, como o
OP, pode carregar ideias muito distintas. A mesma política implementada
em um determinado lugar, ao ser pensada apenas para ampliar o con-
trole social das ações do governo e a transparência, será muito distinta de
outro caso onde tenha por objetivo empoderar a sociedade e servir como
escola de democracia para os cidadãos. Em síntese, as políticas públicas
são compostas por instrumentos e carregam consigo elementos formais
que dizem respeito ao seu modo de funcionar, e elementos abstratos que
dizem respeito ao plano político e ideológico sobre como deve ser a vida
em sociedade.
Há um conjunto de, pelo menos, cinco tipos de adaptações que as polí-
ticas podem sofrer. Richard Rose (1991, p. 22) definiu que, ao aprender com
outros países os governos podem copiar, emular, produzir híbridos, sin-
tetizar e se inspirar de outros programas. Em outras palavras, há sempre
processos de “tradução” das políticas públicas quando se difundem para
22
outros lugares. O quadro a seguir apresenta de forma sucinta os tipos de
adaptação ou os distintos graus das transferências, que podem ser mais
ou menos intensas.
Quadro 2: Adaptações das políticas no processo de difusão3
Cópia Ocorre quando se adota uma política vigente em outro lugar sem alterações muito significativas.
Emulação Consiste na adoção de uma política vigente em outro lugar, com adaptações para que esta possa se adequar ao contexto local.
Hibridação Consiste na combinação de instrumentos de políticas de dois luga-res diferentes.
Síntese Consiste na combinação de instrumentos de políticas de três ou mais lugares diferentes, cujo resultado é um programa diferente.
Inspiração Trata-se do uso de instrumentos vigentes em outros lugares como fonte de inspiração para a elaboração de um programa completa-mente novo.
É importante considerar que, quando as políticas se difundem,
raramente ocorrem transplantes em que modelos são copiados de forma
idêntica em outros lugares. São apenas alguns instrumentos das políticas
que se deslocam e nem sempre são acompanhados das ideias e inten-
ções que estavam por trás, no momento de sua implementação em outros
países. O contexto social, econômico, político e cultural para o qual os
instrumentos são transferidos é fundamental para determinar as transfor-
mações e adaptações das políticas públicas. As políticas de Transferência
de Renda Condicionada, por exemplo, estão presentes nos dias atuais na
maior parte dos países da América Latina e foram implementadas seja por
governos de esquerda, como de direita (OSORIO GONNET, 2018).
Razões para difundir e transferir Para entender melhor o processo de difusão de políticas Dolowitz e
Marsh (2000, p. 8) elaboraram um quadro analítico composto por um con-
junto de perguntas cruciais para analisar o fenômeno. Duas são de inte-
resse para este documento: Por que os atores se engajam na transferência
3. Adaptado do original publicado por Richard Rose (1991, p. 22).
23
de política? Quais são os principais atores envolvidos no processo de
transferência de políticas? As perguntas colocadas por Dolowitz e Marsh
nos ajudam a entender melhor os processos de difusão de políticas e
podem servir também para orientar o desenvolvimento de projetos de
cooperação.
O primeiro passo consiste em entender quais são os motivos para
se envolver em projetos de transferência de política. Para os autores
as razões para a iniciativa estão em um eixo contínuo, que tem em um
extremo a liberdade completa para a transferência e no outro a imposição
por uma entidade externa. De fato, as motivações para os atores adota-
rem políticas de outros lugares podem variar desde a simples vontade
política para transferir ideias e conhecimento, passando pela afinidade de
projetos políticos entre governos até a imposição da parte de organismos
multilaterais, por meio de mecanismos de condicionalidade ou pela reco-
mendação, como será apresentada mais adiante. Por exemplo, durante os
anos 1980 as instituições de Bretton Woods, o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional, utilizaram mecanismos de condicionalidade para
induzir a reformas de Estado em diversos países em desenvolvimento
(WOODS, 2006). Distintas agências da ONU, por sua vez, aplicam estraté-
gias mais brandas ao recomendar modelos ou boas práticas.
Em seguida, é importante identificar os atores que participam ou aque-
les necessários para que a transferência ocorra. Os parceiros envolvidos
no processo podem ser distintos, tendo cada um seu papel. Podemos ter,
por exemplo, a necessidade da participação de especialistas ou univer-
sidades para a elaboração de metodologias ou diagnósticos, bem como
de ONGs e da sociedade civil, não só compartilhando conhecimento, mas
também para estimular a relação com seus pares no lugar de destino das
transferências. Além disso, pode ser importante envolver os cidadãos nos
processos, pois são eles que sofrerão os impactos da transferência e rece-
berão seus potenciais benefícios.
Mais recentemente, Porto de Oliveira (2016) observou que há atores e
atrizes cruciais para que os processos de difusão ocorram e se perpetuem,
denominados “embaixadores e embaixadoras de políticas públicas”. Os
“embaixadores de políticas públicas” trabalham continuamente durante
um longo período na promoção nacional e internacional de uma política,
podendo circular ao longo de sua trajetória profissional entre instituições
24
do governo, organizações não governamentais e organizações internacio-
nais. Tais atores e atrizes se identificam com uma causa e promovem os
instrumentos de políticas públicas para solucionar os problemas na área
que atuam, o que pode se tornar também sua missão de vida. Podem
ser “embaixadores da participação”, quando militam por mais democra-
cia e inclusão da sociedade civil nas políticas públicas, “embaixadores
da alimentação”, quando se dedicam a melhorar as condições de fome e
de segurança alimentar no mundo, “embaixadores da assistência social”,
quando promovem a igualdade de oportunidades e programas de transfe-
rência de renda condicionada e assim por diante.
MecanismosExiste um conjunto de mecanismos que dá suporte aos processos de
difusão de políticas, facilitando sua adoção por outros governos (PORTO
DE OLIVEIRA, 2016). De fato, quando observamos a realidade prática da
difusão de políticas há forças que podem ajudar a implementação dos
processos.
Quadro 3: Mecanismos de difusão das políticas4
Indução Institucional
Ocorre quando uma instituição (doméstica ou internacional) exerce qualquer forma de pressão sobre um governo ou organi-zação para adotar determinada política.
Cooperação Consiste no trabalho conjunto para definir objetos, parceiros, responsabilidades, prazos, recursos, finalidades e resultados esperados com a transferência.
Networking e Circulação dos Indivíduos
Trata-se da influência de relações interpessoais na identificação de diversos instrumentos de políticas existentes para lidar com um problema público.
Tradução Define a adaptação dos instrumentos formais ou das dimen-sões abstratas das políticas às distintas especificidades do con-texto local.
Renovação Política
Diz respeito à mudança de programa de governo, que pode tornar um órgão público mais aberto a adotar instrumentos de outros países.
4. Ver Porto de Oliveira, 2016 para uma apresentação mais detalhada dos mecanismos da difusão.
25
A indução institucional pode ocorrer quando uma instituição (domés-
tica ou internacional) exerce pressão, mais ou menos direta, sobre um
governo ou organização para adotar uma política. Por exemplo, quando
as organizações internacionais criam cláusulas de condicionalidades para
a concessão de créditos ou benefícios. A cooperação pode ser realizada
de maneira formal ou informal. Existem distintos tipos de cooperação for-
malizada, aquela que é estabelecida entre atores do governo federal ou
nacional, a cooperação descentralizada, que diz respeito aos governos
subnacionais e a cooperação triangular que prevê outros parceiros como
mediadores nos projetos, como organizações internacionais. A coopera-
ção pode ajudar nos processos ao definir os objetos, parceiros, respon-
sabilidades, prazos, recursos, finalidades e resultados esperados com a
transferência.
O networking consiste nas relações interpessoais entre indivíduos
(especialistas ou membros de uma comunidade de políticas públicas) que
podem ser estabelecidas em distintos espaços, como conferências inter-
nacionais, oficinas de capacitação e encontros de outras naturezas. A cir-
culação dos indivíduos, nos espaços mencionados e entre as instituições
governamentais, não governamentais e privadas (como consultorias téc-
nicas) e a troca de informações nesses espaços pode ajudar a identificar
práticas de sucesso e os diversos instrumentos de políticas existentes para
lidar com um problema público. Essa combinação de atividades permite a
formação de redes interessadas em um mesmo setor das políticas públicas.
A tradução consiste na habilidade dos atores que operam na difusão de
políticas, levando os modelos para fora do país ou trazendo-os do exterior,
em adaptar os instrumentos das políticas às distintas especificidades do
contexto local. As tentativas de “importar” políticas ipsis litteris pode levar à
implementação de programas incompletos, ineficientes, ineficazes e, sobre-
tudo, inapropriados. Considerando as diferenças na cultura e condições
políticas e na administração pública da Dinamarca e do Quênia, parece difí-
cil procurar copiar no país africano, um programa existente no país europeu.
É necessário que sejam realizadas adaptações e traduções para a realidade
local. As traduções podem se referir aos instrumentos formais das políticas
públicas e às suas dimensões abstratas, ou seja, as ideias.
A vontade política ou renovação política pode tornar um governo
mais aberto a adotar instrumentos de outros países. Um governo no
26
Moçambique interessado no bem-estar da sociedade pode ter maior pro-
pensão a querer adotar tecnologias sociais desenvolvidas no Brasil. A
capacidade estatal e dos quadros da administração pública no país ado-
tante pode ajudar na transferência de políticas. De fato, possuir especialis-
tas locais pode ajudar a reduzir a dependência de especialistas externos
de organizações internacionais ou provenientes dos países idealizadores
dos modelos.
Da mesma forma que existem mecanismos que promovam a difusão,
existem aqueles que constrangem ou dificultam os processos. Como a
carência ou limite de recursos, a ausência de capacidade estatal ou de
especialistas, a falta de vontade política, a dificuldade de comunicação
entre as culturas, entre outros. Além disso, há um conjunto de desafios
que podem surgir no processo de transferência, por meio de elementos
não previstos, como mudança política e ausência de interesse do novo
governo na política, cálculo inadequado dos recursos, alteração na equipe
dos projetos, entre outros.
Um último elemento que precisa ser colocado para entender os pro-
cessos de difusão é a dimensão do aprendizado. Ainda está presente na
prática da difusão de políticas por meio da cooperação para o desenvolvi-
mento que o aprendizado é unilateral. Em outras palavras, os atores que
transferem a política se comportam como “professores” de políticas públi-
cas e não aprendem com seus destinatários. De fato, nem sempre são pre-
vistos meios para que o aprendizado ocorra nas duas direções. Entretanto,
é importante que sejam estimuladas dinâmicas de “aprendizado mútuo”
nos processos de transferência de políticas.
O Brasil ao transferir seus modelos para países africanos, pode apren-
der com suas instituições, práticas e conhecimento; de modo a rever,
repensar e ressignificar suas próprias ações e modelos. Processos de
aprendizado mútuo têm sido liderados por atores não convencionais de
política externa e da cooperação para o desenvolvimento, como “embai-
xadores de políticas públicas”, “redes de mediadores” e “agentes das
transferências” (CONSTANTINE; SHANKLAND, 2017, p. 104).
Na próxima seção, serão apresentadas as questões colocadas durante
o workshop a respeito da discussão sobre a cooperação para o desenvol-
vimento entre países e organizações internacionais.
27
3A COOPERAÇÃO BRASILEIRA PARA O DESENVOLVIMENTO
A cooperação técnica internacional pode envolver, dependendo do
setor, distintos atores, como ministérios, agências do governo, organiza-
ções da sociedade civil, empresas entre outros. Em boa parte dos proje-
tos, o componente de transferência de políticas é um item importante. A
cooperação técnica internacional começou a se estruturar no Brasil ainda
nos anos 1930 e por muitos anos esteve restrita a projetos estabeleci-
dos com os países desenvolvidos (MILANI, 2017). Neste percurso de mais
de 80 anos de cooperação internacional, apenas mais recentemente o
Brasil saiu da posição de destinatário da assistência técnica internacio-
nal, passando a promover e difundir suas experiências e conhecimentos
para outros países. No período recente, o Brasil se aproximou sobretudo
da América Latina e da África Subsaariana, promovendo a cooperação
Sul-Sul.
A trajetória brasileira na cooperação internacional foi marcada por
algumas importantes conquistas e muitos desafios. A criação da Agência
Brasileira de Cooperação (ABC), em 1987, vinculada ao Ministério das
Relações Exteriores, por exemplo, foi um marco crucial, uma vez que per-
mitiu a centralização dos projetos de cooperação técnica em um único
órgão. A cooperação Sul-Sul, assim como a Norte-Sul, conta com distintas
possibilidades de arranjos (POMEROY e SUYAMA, no prelo): a bilateral
(entre países), trilaterais (quando incluem um organismo internacional ou
28
doador tradicional) e em blocos regionais ou inter-regionais (como é o
caso do Mercosul ou dos países da CPLP).
A cooperação Sul-Sul brasileira tem direcionado parte de seus projetos
para difundir conhecimentos técnicos sobre as políticas desenvolvidas no
país para outros países, na área da saúde, assistência social, agricultura,
educação e outras. Entre os instrumentos de ação pública que se difun-
dem para outros países estão os componentes do Programa Bolsa Família
(cf. o quadro ao final da seção), os programas de Segurança Alimentar
e Nutricional e os Bancos de Leite e outros. A despeito dos avanços na
cooperação Sul-Sul brasileira, ainda existem desafios a serem enfrentados
para a construção desses processos como um movimento de intercâmbio
e aprendizado mútuo entre países, que coloque em prática a colaboração
intersetorial e amplie a participação social na formulação e implementa-
ção dos projetos. É importante, neste sentido, que a cooperação não seja
reservada apenas para projetos setoriais, governamentais e de duração
limitada, por um lado, e que os projetos sejam construídos em diálogo com
os diferentes atores da sociedade civil, por outro.
São desafios que permeiam o debate mais amplo sobre a cooperação
técnica internacional e o fortalecimento da cooperação Sul-Sul. De fato,
a necessidade do envolvimento da sociedade no debate sobre a efetivi-
dade da cooperação para o desenvolvimento e seu respeito aos direitos
humanos ganhou proeminência no Fórum promovido pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizado em
Accra, em 2008. Esse debate culminou na criação da “Parceria Global
para a Cooperação Efetiva para o Desenvolvimento” (GPEDC, sigla em
inglês), em 2011, apoiada pela OCDE e pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) e com a participação de diferentes países
e organizações sociais.5
5. Para mais informações consultar o site da iniciativa: .
29
Considero como muito importante o papel de um sistema reconhecido e organizado que coordene a cooperação internacional para que esse espaço de atuação e de benefício mútuo seja cada vez mais garantido, consolidado e nós como parte desse sistema, a ABC se coloca como unidade impor-tante nesse processo, e temos reconhecidamente um grande desafio que é ampliar a capacidade das instituições brasileiras e de outros atores também a se inserirem nesse processo de cooperação.
Wófsi Yuri G. de Souza, Coordenador-Geral de Cooperação Técnica e Parcerias com Países Desenvolvidos,
Agência Brasileira de Cooperação (ABC)6
Durante as intervenções realizadas no workshop, uma das questões
apresentadas foi a respeito do papel que o Brasil tem ocupado no âmbito
da cooperação Sul-Sul. O Brasil está exercendo um papel central na coo-
peração Sul-Sul, deixando de ser exclusivamente um país recebedor de
cooperação, e se tornando um importante prestador de assistência téc-
nica para governos do Sul. A despeito dessa configuração contemporâ-
nea da cooperação Sul-Sul brasileira, os palestrantes apontaram para um
importante desafio para o país, que consiste na importância de atuar por
meio de dinâmicas que não reproduzam a lógica tradicional da coope-
ração Norte-Sul, de modo a promover, de fato, a horizontalidade efetiva
entre países ao fazer cooperar com outros países.
Tem uma diferença que ainda não está resolvida entre a cooperação Norte-Sul e a cooperação Sul-Sul. [...] Quais são as políticas que se difundem e como elas se difundem? [...] Se a gente está falando de países em desenvol-vimento, a eficiência de uma politica é muito importante, uma política que tenha pouco investimento como na cooperação técnica para banco de leite humano, é um investimento pequeno para um alto impacto, é a cara dos países do Sul. Essa cooperação e baixa tecnologia são ativos da cooperação Sul-Sul. E a forma como essas políticas se difundem, como a cooperação Sul-Sul pelo menos na sua dimensão normativa fala que difunde as políti-cas, privilegiando a horizontalidade, marcando uma diferença com a coope-ração Norte-Sul, então se esta era verticalizada e impositiva, a cooperação Sul-Sul é horizontal, não impositiva, mais participativa, mais adaptável.
Luara Lopes, Coordenadora de Pesquisa, Articulação Sul
6. Excerto da intervenção durante o Workshop Difusão de Políticas e Cooperação para o Desenvolvimento, bem como as próximas citações nesta seção e na seguinte.
30
Caminhar rumo à cooperação como um processo distinto e perma-
nente, norteada pela horizontalidade e participação, requer novos mar-
cos normativos que precisam ser construídos. Para que esse patamar
seja alcançado é imprescindível que se avance nos seguintes quesitos: (i)
avaliação das experiências existentes e seus resultados, a partir de ferra-
mentas de avaliação e monitoramento coerentes com os princípios norte-
adores da cooperação Sul-Sul; e (ii) construção de plataformas, sistemas
e bancos de dados que deem visibilidade e confiram transparência aos
recursos utilizados e resultados alcançados por experiências concretas
de práticas e políticas.
Uma forma de dar os primeiros passos nessa direção foram reali-
zados por meio dos levantamentos da Cooperação Brasileira para o
Desenvolvimento Internacional (Cobradi), produzidos pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em colaboração com a ABC, no qual a
totalidade dos recursos humanos investidos a fundo perdido pelo governo
federal brasileiro em outros países e organizações internacionais desde
2005 foi sistematizado.
Não existe este documento de política brasileira de cooperação internacio-nal, ele é uma agregação, você vai juntando e diz que isso é a cooperação brasileira, mas você não encontra essa politica definida em algum norma-tivo, não tem [...] acho que é um problema e uma oportunidade na área de financiamento.
João Brígido Bezerra Lima, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Editor Cobradi
Iniciativas como essa trazem um importante potencial para aprimorar
a leitura e o entendimento dos projetos de cooperação em andamento e
abrem espaço para um segundo passo, que diz respeito à avaliação da
cooperação Sul-Sul brasileira. Sem estes elementos, permanecerá sendo
um desafio entender o que o país está produzindo em termos de coope-
ração, de forma crítica e reflexiva, para aprimorar suas práticas e projetos
futuros.
Na próxima seção, serão apresentadas as questões colocadas durante
o workshop a respeito da discussão sobre a cooperação descentralizada
para o desenvolvimento.
31
Quadro 3: O Ministério do Desenvolvimento Social e a difusão do Programa Bolsa Família
O programa Bolsa Família é um programa de transferência de renda condicio-nada brasileiro dirigido para a população em situação de pobreza. Financiado pelo governo federal, o programa procura promover direitos fundamentais do ser humano, como acesso à alimentação, saúde e educação à uma parcela da popula-ção. O Bolsa Família também ajuda a monitorar crianças e adolescente na escola, já que as crianças frequentarem a escola é uma das condições do programa. De acordo com o Banco Mundial, 52 países utilizam a mesma estrutura do programa.7 A difusão internacional da política chamou a atenção de um grupo importante de acadêmicos, que se dedicaram a estudar este fenômeno, produzindo um denso volume de informação (confira na bibliografia: LEITE; PERES, 2014; MORAIS DE SÁ E SILVA, 2017; OLIVEIRA, 2018; OSORIO GONNET, 2018). Com a repercus-são internacional programa Bolsa Família e de outras políticas sociais desenvol-vidas no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social passou a receber uma grande quantidade de delegações internacionais para conhecer as experiências brasileiras. Entre os anos de 2011 e 2015, 406 delegações de 97 países foram recebidas.8 Uma das estratégias usadas para concentrar o recebimento de dele-gações e oferecer a informação necessária sobre os programas sociais foi a orga-nização de seminários internacionais. Nesses eventos, além de palestras, ocorriam também visitas de campo para entender na prática como funcionava a política.
7. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2018.
8. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2018.
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/01/modelo-do-bolsa-familia-foi-exportado-para-52-paiseshttp://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/01/modelo-do-bolsa-familia-foi-exportado-para-52-paiseshttp://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2016/maio/brasil-se-transforma-em-grande-exportador-de-politicas-sociaishttp://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2016/maio/brasil-se-transforma-em-grande-exportador-de-politicas-sociais
32
4A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
DESCENTRALIZADA
A variedade de atores, agendas e protocolos que caracteriza o campo
da Cooperação Internacional Descentralizada (CID) torna ainda mais com-
plexa a construção de elementos norteadores. Governos subnacionais,
organizações não governamentais, movimentos sociais e universidades
operam a cooperação para o desenvolvimento seguindo desenhos ins-
titucionais e práticas específicas, tanto em países doadores tradicionais
como no campo da cooperação Sul-Sul (MILANI et al. 2013). Para Hocking
(1993, p. 27), embora a localização da política externa por processos des-
centralizadores possa ocorrer tanto como “rejeição” quanto “expansão”
da política externa, é mais apropriado pensar a diplomacia como ação
em diferentes camadas. Podemos citar como exemplo o modelo chinês,
que combina a internacionalização das províncias com a forte orientação
do governo central, produzindo um sistema de política externa multinível
(Zhimin e Junbo 2009, p. 5).
Mas qual seria a vocação da CID brasileira? Após as discussões rea-
lizadas no workshop, foi possível perceber que o Brasil apresenta uma
trajetória singular de desenvolvimento de relações internacionais pelos
municípios e estados desde os anos 1990, com posterior articulação da
“cooperação descentralizada federativa” pela Subchefia de Assuntos
Federativos (SAF) do governo federal. Ainda que um número expres-
sivo de governos subnacionais tenha optado pela descontinuidade de
33
diversas ações, há espaço para reflexões acerca dos desafios e oportuni-
dades. Tarefa esta necessária considerando o estabelecimento de novos
fluxos de recursos com a Agenda 2030 e a estratégia de localização dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que favorecem a parti-
cipação das cidades e governos regionais na arena internacional.
Com a orientação que nos é dada pela Agenda 2030, temos um novo fôlego com a possibilidade de direcionamento de novos fluxos de financiamento e de organização de processos que passam por incluir também cidades, regiões e estados no debate sobre desenvolvimento sustentável.
Wófsi Yuri G. de Souza, Coordenador-Geral de Cooperação Técnica e Parcerias com Países
Desenvolvidos, Agência Brasileira de Cooperação (ABC)
Um dos maiores desafios para a CID brasileira é a ausência de marco
jurídico que oficialize os meios de coparticipação dos entes subnacionais
na política externa (ANTÔNIO RODRIGUES, 2011), além de definir o escopo
de atuação de entidades parceiras de forma a proteger os gestores públi-
cos de questionamentos de órgãos de controle (FONSECA E BUZZ, 2013,
p. 248). A significativa expansão da cooperação técnica internacional bra-
sileira nas últimas duas décadas ocorreu mesmo com a inexistência de lei
que tratasse diretamente do tema. As orientações da Controladoria Geral
da União (CGU) baseiam-se no Decreto nº 5.151/2004 e na Portaria MRE
nº 717/2006;9 enquanto outros ministérios, como o Ministério da Educação
(MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), desenvolveram as próprias
portarias em 2011.10
Durante as discussões no workshop, foi colocado que, além de permitir
melhor atuação da ABC, a definição de suporte legal pode incentivar o for-
talecimento e criação de estruturas de relações internacionais em todo o
país. No caso dos governos subnacionais, a estratégia é fundamental para
9. Cf.: ; .
10. Respectivamente para o MEC e MMA: MEC/CGCOP nº 01/2011; MMA nº 162/2011.
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/contratacaoconsultoria_maio2013.pdfhttp://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/contratacaoconsultoria_maio2013.pdfhttp://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/contratacaoconsultoria_maio2013.pdfhttp://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/viagensprojetoscooperacao.pdf
34
institucionalizar o trabalho de cidades, como São Paulo11 ou Belo Horizonte,
por exemplo, que têm trajetórias importantes de cooperação internacio-
nal. De acordo com Relatório publicado pela Confederação Nacional de
Municípios (2011), os órgãos de relações internacionais das cidades inicia-
ram a ser criados no Brasil a partir de 1993, tendo Porto Alegre e Rio de
Janeiro, como cidades pioneiras, que foram impulsionadas por forças dis-
tintas como a captação de recursos e os efeitos da ECO-1992. A partir dos
anos 2000, esses órgãos aumentaram também em função da participação
de cidades brasileiras em redes transnacionais (Mercocidades e CGLU),
projetos de cooperação internacional como o programa URB-AL da União
Europeia e outros fatores.
As discussões apresentadas durante o workshop levaram ao entendi-
mento de que a criação de um marco jurídico, que torne claras as diretrizes
para estabelecimento de projetos de cooperação técnica internacional,
também ajudaria a democratizar o debate nacionalmente, reduzindo as
diferentes capacidades de representação e aprendizado. Nesse sentido,
o fortalecimento da CID poderia amenizar as assimetrias de participação
internacional entre as próprias cidades brasileiras, abrindo espaço para
que municípios menores também possam se beneficiar.
Um marco que reconheça a cooperação como elemento fundamen-
tal da administração pública, pelo qual as práticas são aprimoradas, foi
apresentado como elemento importante para dinamizar o intercâmbio
de experiências com parceiros de outros países. Contudo, qual seria a
relevância da experiência de cidades brasileiras que não são capitais? A
implantação de políticas sociais de grande interesse internacional, como o
Bolsa Família e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, coloca ges-
tores públicos de todo o país como especialistas capazes de colaborar em
projetos de cooperação. A diversidade geográfica e de contextos sociais
no território brasileiro é potencial pouco explorado na cooperação para
o desenvolvimento. Unidas pelas políticas federais que articulam ações
locais, cidades de diferentes dimensões podem dar maior variedade às
parcerias onde o Brasil é visto como referência.
11. São Paulo incluiu na Lei orgânica de 1990 um tópico sobre a cooperação internacional de modo a legitimar sua atuação.
35
Embora o Brasil tenha um contexto de políticas descentralizadas, o governo federal tem um papel muito importante em estabelecer parâmetros de atu-ação. Com todos os programas nacionais que nós temos, há muitas similari-dades em várias áreas. Então muito o que une estados e municípios poderia potencializar uma cooperação internacional bastante orgânica.
Michele Morais de Sá e Silva, Professora,
Universidade de Oklahoma
O caso de cooperação Sul-Sul trilateral entre municípios brasileiros
e moçambicanos12 mostra que servidores públicos podem exercer papel
ativo em missões técnicas, compartilhando as mais diversas experiências
com municípios de países de urbanização recente. Entre 2013 e 2015, ser-
vidores concursados de Guarulhos, Maringá e Porto Alegre ajudaram as
cidades de Nampula, Lichinga e Inhambane a desenvolver sistemas de
cadastro para planejamento e gestão territorial (confira outro projeto entre
Guarulhos, Maputo e Matola, para a transferência de políticas de gestão
de resíduos sólidos, no quadro ao final da seção). Utilizando recursos pró-
prios, Inhambane e Nampula continuaram a enviar missões técnicas para
o Brasil mesmo após a conclusão do projeto.
O maior conhecimento pelos técnicos federais da experiência em
cooperação internacional de diversos governos subnacionais constitui-
-se como uma oportunidade para a elaboração de elementos norteado-
res. Ações como a do Banco de Projetos de Cooperação Internacional
Descentralizada,13 criado em 2016 no Portal Federativo, apontam para
caminhos que podem ser fortalecidos pela ABC a fim de promover a troca
de experiência sobre cooperação técnica entre os entes federativos e o
governo federal. O mapeamento das práticas descentralizadas existen-
tes no Brasil pode dar visibilidade a soluções de interesse da cooperação
centralizada, além de ajudar a construir conhecimento sobre a dimensão
do engajamento internacional de estados e municípios.
12. Cf. .
13. Cf. .
36
O Uruguai não tinha febre amarela há gerações, mas alguns anos atrás teve um caso. A prefeitura de Montevidéu então entrou em contato com Porto Alegre para conhecer os protocolos utilizados pela cidade. Assim como a divisão territorial da cidade de Porto Alegre se deu pelo Orçamento Participativo, Montevidéu também executa o OP há 20 anos. A divisão da saúde faz um sombreamento com a divisão do orçamento participativo, o que também torna a questão de gestão territorial similar. Então nós tive-mos a felicidade de, após duas viagens e trocas de e-mail de seis meses, Montevidéu conseguir executar protocolos similares aos de Porto Alegre. No município este tipo de coisa é possível.
Rodrigo de Souza Corradi, Coordenador da Gerência de Relações Internacionais,
Prefeitura de Porto Alegre
Nesse sentido, até que ponto os governos subnacionais podem ser
operadores da política externa brasileira? Como mostra Antônio Rodrigues
(2011, p.17), os impasses na consolidação da CID refletem as próprias
questões acerca da institucionalidade das relações intergovernamentais
no país. Sem definição da postura do Estado brasileiro sobre o tema da
cooperação internacional, limita-se o papel que a ABC pode ter na articu-
lação das cooperações centralizada e descentralizada. Ainda é necessário
que a sociedade brasileira reflita sobre como a “sensibilidade federativa”,
defendida por Vicente Trevas,14 desdobrar-se-á no campo da política
externa do país.
Enquanto aguarda-se um marco jurídico para a CID, governos locais
respondem a pedidos de transferência de políticas muitas vezes informal-
mente, compartilhando conhecimento de maneira rápida pela ausência de
trâmites burocráticos. Assim como no caso de Porto Alegre e Montevidéu,
que trocaram experiências sobre protocolos de saúde, o aprendizado
entre cidades tem sido efetivo na construção de soluções com impacto
imediato à população (ver BERSE, 2013; UN-Habitat e WACLAC, 2003).
Acompanhando o crescente reconhecimento da atuação dos pode-
res locais na localização de agendas globais, redes de cidades acabam
por exercer papel fundamental na articulação dos governos subnacionais
na arena internacional (ACUTO e RAYNER, 2016). O contexto favorável
abre oportunidades únicas de internacionalização, mas também desafia
14. Entrevista com Vicente Trevas (2005). Ponto de Vista: Vicente Trevas – Os desafios federativos. Disponível em: .
37
os atores brasileiros a continuar a formulação e negociação das próprias
agendas. O engajamento do país na CID é marcado pela intensa difusão
de inovações locais, que estabeleceram o Brasil como importante referên-
cia no âmbito da governança local. Como atividade futura cabe pensar de
que forma essa trajetória combina-se com o legado da cooperação cen-
tralizada Sul-Sul, apontando novos caminhos para a diplomacia brasileira.
Na próxima seção, serão apresentados os principais pontos discutidos
nas atividades colaborativas e participativas durante o workshop.
Quadro 4: Cooperação Triangular e Descentralizada
Guarulhos, Seine-Saint-Denis, Maputo e Matola e a política de gestão de resíduos sólidos
Em 2011, a ABC, em parceria com o Ministério Francês de Negócios Estrangeiros e Europeu, abriu um edital para promover projetos de cooperação técnica trilateral entre municípios brasileiros – com população superior a 100 mil habitantes – e com Haiti e cidades africanas, com as quais o Brasil e a França já possuíam projetos de cooperação. Com o amparo da Subchefia de Assuntos Federativos da Presidência da República, o edital aberto buscou projetos diversos de elaboração e implemen-tação em áreas como governança global, agricultura, infraestrutura e urbanização. Um dos projetos aprovados foi o de Gestão de Resíduos Sólidos entre Guarulhos (Brasil), Seine-Saint-Denis (França), Maputo e Matola (Moçambique). A cooperação franco-brasileira foi descentralizada e trilateral, ou seja, participaram o Brasil, por meio da prefeitura de Guarulhos, a França, por meio do departamento de Seine Saint-Denis e, como beneficiário, os governos de Matulo e Matola.
O financiamento do projeto foi dividido entre o governo brasileiro e o governo da França e Coletividades Territoriais francesas, incluindo custos de infraestrutura, logística, equipamentos, formação profissional e missões técnicas. A cooperação teve como objetivo a resolução de problemas relacionados ao desenvolvimento e ao fortalecimento de políticas públicas nas áreas de gestão de resíduos sólidos e de mobilidade urbana. Por meio da difusão de conhecimento para os gestores locais, auxiliou-se a gestão de resíduos sólidos na coleta de lixo, fomentando a interseto-rialidade das instituições municipais.
Respondendo às demandas locais, a política integrada de gestão de resíduos sólidos possibilitou a visita de técnicos municipais de Guarulhos e de Seine-Saint-Denis às cidades de Matola e Maputo a fim de intercambiar ideias com os funcioná-rios locais e construir um plano diretor conjunto acerca de resíduos sólidos. Tal plano diretor abrange as experiências francesas de planejamento regional e a experiência brasileira de incluir agências de reciclagem no processo de coleta do lixo.
38
5APRESENTAÇÃO DOS EIXOS
Nesta seção, serão apresentados os principais resultados da discussão
realizada em Brasília com distintas atrizes e atores da diplomacia setorial
(nacional e subnacional), que têm trabalhado diretamente com a transfe-
rência de políticas por meio da cooperação para o desenvolvimento. A
seção não apresenta as opiniões e posições do conjunto de autores e
autoras deste relatório; ela foi construída a partir da observação partici-
pante realizada pela equipe do relatório. O grupo de assistentes de pes-
quisa foi distribuído entre os eixos, participando como âncoras ao longo
dos dois dias de debate, tomando notas das discussões e registrando o
debate em áudio. Após o workshop, o grupo se reuniu para construir a
estratégia de síntese do debate e uma vez que o material, escrito e em
áudio, foi revisitado, esta seção foi construída. A apresentação das discus-
sões ilustra os principais pontos levantados pelos participantes durante o
evento.
Eixo 1: Mecanismos de financiamentoEm relação aos mecanismos de financiamento, os participantes apre-
sentaram um conjunto de desafios que constrangem a cooperação inter-
nacional e a difusão de políticas e sugeriram formas para superá-los. Foi
comentado, de forma geral, que a crise econômica internacional represen-
tou um elemento que surtiu efeitos na disponibilidade de recursos e nas
39
parcerias. Isto está induzindo novas formas de colaboração com parcei-
ros do setor privado, fundações e países com os quais tradicionalmente
não faziam cooperação com o Brasil. Durante as discussões, também foi
colocado que o excesso de procedimentos burocráticos e a centraliza-
ção dos acordos de cooperação na ABC, limita a negociação e implemen-
tação de projetos, tornando os processos mais lentos e “engessados”.
Adicionalmente, em certos governos, é difícil justificar gastos com assun-
tos externos e a cooperação internacional pode ficar prejudicada por não
ser priorizada.
De acordo com os participantes, há uma necessidade de um plano de
cooperação melhor delimitador das características das áreas de atuação
e os principais parceiros. Outros desafios apontados remetem ao tempo
escasso vinculado à agenda, à falta de capacitação de atores para desen-
volver e executar planos de cooperação – principalmente em cidades
pequenas –, ao “monopólio de agenda” dos doadores que impõem seus
interesses particulares e à dependência de organizações internacionais
para diversas etapas no processo da cooperação. Por fim, muitos partici-
pantes, apontaram fragilidades em relação ao funcionamento da Agência
Brasileira de Cooperação, ressaltando, por exemplo, a falta de um guia
e do mapeamento das oportunidades, por um lado, e dos sucessos dos
projetos já implementados, por outro.
Diversas oportunidades também foram apresentadas pelos membros
do workshop, como, por exemplo, o uso da Nova Agenda Urbana e da
Agenda 2030 para elaborar os projetos de cooperação, assim como a
utilização da lei de compensação ambiental como fonte de financiamento
para projetos subnacionais. Além disso, a possibilidade de maior institu-
cionalização da cooperação para o desenvolvimento poderia abrir novas
oportunidades e facilitar os procedimentos legais para cooperação. Por
fim, foram debatidas oportunidades de cooperação relacionadas à possi-
bilidade de usar e receber benefícios, para além do capital físico.
Eixo 2: Mecanismos (formais e informais) de intercâmbio A discussão sobre os mecanismos formais e informais de intercâm-
bio se concentrou em torno de um conjunto de questões sobre os diver-
sos processos de cooperação que já existem no contexto brasileiro. Em
primeiro lugar, ao se tratar da cooperação internacional centralizada,
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insistiu-se no fato da ausência de marco institucional legal produzir depen-
dência da intenção e do interesse dos agentes políticos. Neste sentido, a
ausência de normativa que defina e padronize os procedimentos e formas
de atuação dos servidores públicos que realizam a cooperação não escla-
rece as intenções da cooperação, o que pode gerar confusão e dispersar
o foco de atuação dos atores ao formularem, implementarem e avaliarem
seus projetos. Os participantes relataram, adicionalmente, que devido
a esta circunstância, há muitas ações relacionadas à transferência de
políticas por meio da cooperação para o desenvolvimento, que ocorrem
de maneira informal, bem como existe dificuldade para sistematizar as
informações, produzindo registros sobre as atividades. Isto torna não
somente mais complexo implementar os projetos, mas sobretudo avaliar e
divulgar as ações realizadas.
Diante disso, muitas agências e departamentos de cooperação dos
ministérios vêm criando projetos e ações internas para a divulgação das
ações de cooperação da instituição. Com intenção de multiplicar o conhe-
cimento desenvolvido a partir das experiências de cooperação, como
intercâmbios e visitas técnicas, ações como a criação da Câmara Técnica
de Cooperação Internacional, que foi criada pela Fiocruz para abrir o diá-
logo entre as áreas internas que lidam com a cooperação internacional.15
A necessidade de troca de experiências e vivências de forma institucio-
nalizada foi uma percepção generalizada durante o debate. Entendeu-se
que é importante a criação de registros sistematizados sobre as ações da
cooperação internacional para o desenvolvimento, tanto de uso interno,
para que os órgãos tenham registro do que já foi feito e do que está sendo
implementado, quanto externo, para que outras repartições possam ter
conhecimentos dos acordos de cooperação já estabelecidos e possam
procurar por auxílio no estabelecimento de novos acordos. A criação de
mecanismos institucionalizados de comunicação e diálogo entre as áreas
de cooperação internacional dentro dos ministérios e a Agência Brasileira
de Cooperação foi apresentada como elemento fundamental para o
desenvolvimento de planejamento conjunto. Além disso, trata-se de uma
15. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2018.
https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/portaria_ctci.pdf
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forma de reduzir gastos com projetos de cooperação repetidos e aumen-
tar a interação entre os diferentes órgãos e temáticas.
Ainda no âmbito da formalização e institucionalização, os participantes
destacaram que instrumentalizar as transferências de políticas por meio
da cooperação para o desenvolvimento ainda é um desafio. Entendeu-se
que pelo fato de a cooperação ser, muitas vezes, realizada de forma intui-
tiva pelos agentes do governo, ocorrem repetições de atividades pelas
distintas instituições, implicando ineficiência no uso dos recursos públicos.
A necessidade de capacitação foi outro desafio levantado durante
os debates.16 O fato de não existirem carreiras técnicas para servidores
públicos que trabalham diretamente com a cooperação para o desenvol-
vimento nos ministérios, torna a atividade atomizada, sem coordenação
intersetorial. A ausência de formação específica para tais servidores, bem
como a falta de conhecimento técnico sobre os mecanismos e processos
de cooperação internacional, faz com que em vários casos os processos
de transferências de políticas por meio da cooperação sigam a lógica do
“se aprende fazendo”.
Por fim, em relação à cooperação descentralizada, houve consenso a
respeito da ausência de regulamentação legal, que apoie as ações dos
governos subnacionais. Muito do que foi discutido remete ao fato de que
órgãos municipais não possuem competência legal, baseado na consti-
tuição nacional, para realizar acordos de cooperação formais, levando à
firmação de acordos sem institucionalização.
Eixo 3: Construção de sistemas de informação e capacitação para atores O grupo que refletiu sobre a construção de sistemas de informação e
capacitação para atrizes e atores em matéria de transferência de políticas
e cooperação para o desenvolvimento, centralizada ou descentralizada,
reconheceu o papel do Ipea e dos relatórios do Cobradi neste âmbito.
Todavia, foi colocado o fato de que muitas vezes a linguagem técnica não
é de fácil acesso para todas as pessoas envolvidas com o tema. A discus-
são apresentou uma constatação adicional, que diz respeito à inexistência
de um sistema de informação que integre as instituições do governo e não
16. Exemplos: Capacitação de Defensores Públicos (DPU) – Mercosul + CPLP (http://www.dpu.def.br/ cooperacao-internacional/capacitacao-de-defensores-publicos); Traineeship (ANTT) (http:// anttenado.antt.gov.br/2017/07/servidores-da-antt-viverao-experiencia-na-franca/). Acesso em: 13 dez. 2018.
http://www.dpu.def.br/cooperacao-internacional/capacitacao-de-defensores-publicoshttp://www.dpu.def.br/cooperacao-internacional/capacitacao-de-defensores-publicoshttp://anttenado.antt.gov.br/2017/07/servidores-da-antt-viverao-experiencia-na-franca/http://anttenado.antt.gov.br/2017/07/servidores-da-antt-viverao-experiencia-na-franca/
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governamentais, bem como os indivíduos aos projetos, técnicas e ações
em andamento. Notou-se, ainda, que há necessidade de capacitação das
atrizes e atores que trabalham diretamente com a diplomacia setorial.
Nesse sentido, insistiu-se na importância de construir uma plataforma
nacional com dados de cooperação para o desenvolvimento, centralizada
ou descentralizada, que organize e integre informações sobre as ativida-
des da área. Foi valorizado, adicionalmente, o compartilhamento de infor-
mações sobre lições aprendidas (positivas e negativas), “boas práticas”,
projetos em curso e dados de cooperações anteriores. Informações dessa
natureza, uma vez sistematizadas, seriam funcionais para capacitar os ato-
res nacionais e internacionais, produzir conhecimento e diagnósticos. Por
fim, a disponibilidade de informações de forma integrada ajudaria a divul-
gar as experiências brasileiras.
Após amplo debate, foi entendido que seria necessário ampliar os
espaços de discussão, como o workshop realizado na Enap, por um lado,
e a aproximação das universidades, por outro. As ações, além de man-
ter constante a interação entre os gestores, também poderiam servir para
realizar cursos de capacitação técnica.
Eixo 4: Sociedade Civil e CidadãoEm relação ao papel da sociedade civil e dos cidadãos, os participan-
tes apresentaram um conjunto de desafios que constrangem a participa-
ção desses atores na cooperação internacional e a difusão de políticas,
e foram sugeridas formas para superá-los. Os atores foram considerados
como fundamentais, uma vez que também são beneficiários dos efeitos da
cooperação internacional. Há muita dificuldade em incluir a sociedade civil
nos processos e um caminho identificado para superá-lo foi a formação de
líderes para atuar em nível internacional.
Foi de comum entendimento entre os participantes de que a atuação
destas atrizes e atores, apesar de fundamental, encontra-se limitada pela
ausência de mecanismos disponíveis para sua participação nos proces-
sos de transferência de políticas por meio da cooperação para o desen-
volvimento, por um lado, e pelo desconhecimento das estratégias de
intervenção.
As discussões procuraram identificar formas para ampliar a participa-
ção social, de modo que esta possa não apenas ser ouvida, mas também
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intervir de forma ativa nos processos. Ao tratar do papel do cidadão e da
sociedade na transferência de políticas públicas e da cooperação interna-
cional, entendeu-se que é importante considerar o conhecimento especí-
fico que a sociedade civil e os cidadãos possuem a respeito das políticas
e dos processos. A formação de líderes foi uma das estratégias mencio-
nadas como elemento que pode aumentar a qualidade das transferências.
Todavia, entendeu-se que há uma barreira do idioma, por um lado, bem
como a da linguagem técnica sobre o assunto, que dificultam uma atuação
mais qualificada da sociedade civil.
Foi posta em questão a dinâmica preponderante top-down das trans-
ferências de políticas e cooperação internacional, atentando para a neces-
sidade de inverter ou equilibrar essa lógica para uma criando mecanismos
que contemplem também processos bottom-up. Entre as formas apontadas
para solucionar essas fragilidades, estão o mapeamento dos movimentos
com potencial para incidir na transferência de políticas e cooperação para o
desenvolvimento e a criação de uma agenda de demandas civis, que tenha
ampla divulgação, por meio dos mecanismos de informação mencionados
na seção anterior. Nesse sentido, a transparência e a prestação de contas
da parte do governo em relação à sociedade civil foi tida como fundamental.
Já no âmbito da cooperação descentralizada os desafios foram per-
cebidos como ainda mais complicados, devido a diversos fatores: o des-
conhecimento da sociedade acerca das oportunidades da cooperação
descentralizada; o menor volume de recursos para implementar a coope-
ração descentralizada; o número de quadros especializados trabalhando
na área nos municípios; a dependência da vontade política e a descon-
tinuidade dos projetos diante de mudanças de governo. Foi destacado,
também, que cada um dos atores possui uma agenda específica, reflexo
dos interesses e contexto do governo local. Por esta razão faz-se neces-
sária a criação de mecanismos de coordenação, cooperação e apoio em
escala nacional das iniciativas.
Os grupos apontaram para soluções a estes desafios a criação de redes
de cidades para compartilhar conhecimento sobre “boas práticas”, por meio
de editais específicos que pudessem rastrear experiências destas nature-
zas. Outra frente de ação colocada foi a formação de conselhos municipais
que podem trazer formas eficientes de ouvir a população. Notou-se também
a necessidade de se estabelecer um instrumento de sistematização para se
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reunir as ações em desenvolvimento, uma vez que é muito comum encon-
trar situações em que várias entidades empresariais negociam com um
mesmo país de forma simultânea, sem necessariamente possuírem conhe-
cimento disso, o que afeta o encaminhamento das demandas e que gera
eventualmente uma duplicidade de esforços por parte dos atores.
Agendas de TrabalhoA partir das discussões nos eixos, o Laboppi identificou um conjunto de
questões transversais à cooperação internacional centralizada e descen-
tralizada. O quadro a seguir apresenta os desafios e oportunidades como
agendas de trabalho para quem está na academia e na prática.
Quadro: Desafios e Oportunidades
Financiamento dos projetos
Desafios Oportunidades
Vulnerabilidade e descontinuidade dos projetos por falta de recursos
Mecanismos de financiamento por parte da sociedade civil e do setor privado são fontes alternativas de recursos para o desenvolvi-mento de parcerias com instituições de outros países. Ampliar a participação para além dos órgãos governamentais permite legitimar ini-ciativas que já se colocam como demanda pela população, além de criar agendas de troca de conhecimento não limitadas a programas de governo. Projetos de pesquisa e