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Ambiental Dilemas Ambientais em áreas urbanas: Uma nova face da “Tragédia dos Comuns” Ana C. Passuello, Celmar Corrêa de Oliveira, Carlos A. B. Mendes Resumo: Considerando que as pessoas não podem ser excluídas de desfrutar os benefícios produzidos por um bem público (ou um recurso comum), alguns indivíduos (os “caronistas”) evitarão pagar por este bem, esperando que outros financiem o mesmo. Na exploração de recursos comuns, isto conduz a “tragédia dos comuns”. A existência de uma norma social pode proporcionar para um indivíduo informação sobre a extensão de custos externos associada com o seu comportamento e, assim, prover meios eficientes de internalizar estes custos externos. Neste contexto, o impacto da norma social em política pública associado à externalidades é examinado. O presente texto objetiva criar as bases para estudos sobre regimes de propriedade, com ênfase nos recursos comuns, apresentando o quadro conceitual da “tragédia dos comuns” e exemplificando este fato com a concepção e os impactos ambientais associados de dois condomínios de grande porte, localizados em uma bacia hidrográfica, na cidade de Porto Alegre. Palavras‐chave: Tragédia dos Comuns, Externalidades, Normas Sociais, Economia, Bacia Hidrográfica, Gestão Ambiental Urbana . Abstract: Considering that the people cannot be excluded of enjoying the benefits produced by a public good (or common resource), some individuals (the "free‐riders") will avoid paying this, hoping others finance their own use. In the exploitation of common resources, this would lead to the “tragedy of the commons”. The existence of a social norm may provide an individual with information on the extent of external costs associated with his behavior, and thus provides an perfect means of internalizing the external costs. In this context, the impact of the social norm on public policy towards externalities is examined. The present text objectifies to create the bases for studies on property regimes, with emphasis in the common resources, presenting the conceptual picture of the tragedy of the common and exemplifying this fact with the conception of two condominiums of great demand, and the associated environmental impacts, located in a watershed, in the city of Porto Alegre. Key‐words: Tragedy of the Commons, Externalities, Social Norms, Economics, Watershed, Urban Environmental Management. 1.Introdução A maioria dos bens econômicos em uma economia de mercado, como a brasileira, é alocada por mercados econômicos, constituídos por agentes econômicos. Para estes bens, uma sinalização que guia os vendedores e compradores são os preços. Porém, quando alguns bens são disponíveis de forma gratuita, observa‐se uma ausência das forças de mercado que normalmente permitiriam uma alocação através dos preços. Quando um bem não possui um preço associado a ele, os mercados econômicos privados não podem garantir que este bem seja produzido e/ou consumido em quantidades adequadas. Em tais casos, políticas de governo podem remediar potencialmente as falhas de mercado, incrementando o bem‐estar socio‐econômico. Neste quadro, vários bens de nossa economia podem ser agrupados em função de duas características: 1) Exclusão e 2) Rivalidade. No caso da exclusão, as pessoas podem ser impedidas de desfrutar o bem econômico, por seu acesso ser regulado. Na propriedade da excludabilidade, as leis reconhecem e obrigam os regimes de propriedade privada. No caso da rivalidade, o uso de um bem econômico por uma pessoa reduz os benefícios para outras. Os bens públicos ‐ tais como a defesa ou o conhecimento nacional ‐ não são excludentes nem rivais. No caso dos recursos comuns, os bens são rivais, mas não excludentes, como peixes em um rio ou o meio ambiente de qualidade. Estes bens (públicos e recursos comuns) contêm um elemento de externalidade[1], por não possuírem nenhum preço associado. Neste contexto dos bens públicos (e recursos comuns), surge a figura do “caronista” (Free‐rider em Pindyck and Rubinfeld, 2002), que se define como uma pessoa que recebe o benefício de um bem, mas evita pagar por isto. Considerando que as pessoas não podem ser excluídas de desfrutar os benefícios produzidos por um bem público (ou um recurso comum), alguns indivíduos (os “caronistas”) evitarão pagar por este bem, esperando que outros (a comunidade) financiem o mesmo. O presente texto objetiva criar as bases para estudos sobre regimes de propriedade, com ênfase nos recursos comuns, apresentando o quadro conceitual da “tragédia dos comuns” e exemplificando este fato com a concepção e os impactos ambientais associados de dois condomínios de grande porte, localizados na mesma bacia hidrográfica, na cidade de Porto Alegre. 2.Marco conceitual da Tragédia dos Comuns A Tragédia dos Comuns (Hardin, 1968) é uma história com uma lição geral: quando uma pessoa usa um recurso comum, ela diminui os benefícios decorrentes da utilização por outra pessoa, pois: ‐ Recursos comuns tendem a ser usados excessivamente quando os indivíduos não são cobrados pelo uso destes. ‐ Isto cria uma externalidade negativa. No trabalho de Hardin (1968), a “tragédia dos comuns” é exemplificada na Inglaterra medieval, onde vários fazendeiros criadores de gado possuem o direito a acesso e uso de uma pastagem (recurso comum). É de se esperar que cada fazendeiro tente manter tantos animais quanto possíveis na área comum (pastagem), maximizando o seu ganho individual (com a venda do leite e/ou da carne). Mas esta é a mesma conclusão a que chega todo e qualquer fazendeiro racional que divide uma área comum. Neste contexto, quando se adiciona mais um animal ao pasto, cada fazendeiro tem um componente positivo e outro negativo: 1) O componente positivo decorre do incremento de um animal, pois o fazendeiro recebe todos os bônus adicionais da venda de um animal (e seus produtos); 2) A componente negativa é derivada do desgaste adicional do pasto, criado por mais um animal. Esta é a tragédia descrita no artigo: “The Tragedy of the Commons”, de Garrett Hardin (1968). A motivação de tal comportamento é que os indivíduos usam um recurso comum disponível, mas limitado, somente com base nas necessidades individuais. Inicialmente, cada indivíduo é recompensado por usar isto; e eventualmente, eles percebem uma diminuição dos benefícios decorrentes deste uso, causando uma intensificação dos esforços de utilização. O recurso ou é esvaziado significativamente, corroído, ou completamente usado. A utilização de modelos matemáticos fornece um meio de aprendizagem dos padrões que evoluem ao longo do tempo como resultado de uso de um recurso comum. As figuras 1 e 2 apresentam um diagrama de relações causais[2] e os resultados da exploração de uma área de recursos comuns por dois fazendeiros “A” e “B” com acesso a uma pastagem (recurso comum) que suporta um número máximo de 100 cabeças de gado. Inicialmente, o fazendeiro “A” possui 20 cabeças e “B”, 15 cabeças de gado. Observa‐se, no gráfico da figura 2, a evolução temporal do número de vacas que são somadas à área, causando inicialmente um aumento do benefício individual ‐ com a maximização do número de vacas entre os meses de fevereiro e março ‐ e, por exaustão do pasto, a diminuição de vacas ao longo do tempo, caracterizando o desdobramento da “tragédia dos comuns”. Usando‐se modelos semelhantes, pode‐se observar as mudanças e investigar a efetividade de várias soluções propostas para a “tragédia dos comuns”. Você está aqui: Página Inicial Revista Revista Âmbito Jurídico Ambiental

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    Ambiental

    Dilemas Ambientais em reas urbanas: Uma nova face da Tragdia dos ComunsAna C. Passuello, Celmar Corra de Oliveira, Carlos A. B. Mendes

    Resumo: Considerando que as pessoas no podem ser excludas de desfrutar os benefcios produzidos por um bem pblico (ou um recurso comum), alguns indivduos (oscaronistas) evitaro pagar por este bem, esperando que outros financiem o mesmo. Na explorao de recursos comuns, isto conduz a tragdia dos comuns. Aexistncia de uma norma social pode proporcionar para um indivduo informao sobre a extenso de custos externos associada com o seu comportamento e, assim,prover meios eficientes de internalizar estes custos externos. Neste contexto, o impacto da norma social em poltica pblica associado externalidades examinado. Opresente texto objetiva criar as bases para estudos sobre regimes de propriedade, com nfase nos recursos comuns, apresentando o quadro conceitual da tragdia doscomuns e exemplificando este fato com a concepo e os impactos ambientais associados de dois condomnios de grande porte, localizados em uma bacia hidrogrfica, nacidade de Porto Alegre.

    Palavraschave: Tragdia dos Comuns, Externalidades, Normas Sociais, Economia, Bacia Hidrogrfica, Gesto Ambiental Urbana .

    Abstract: Considering that the people cannot be excluded of enjoying the benefits produced by a public good (or common resource), some individuals (the "freeriders")will avoid paying this, hoping others finance their own use. In the exploitation of common resources, this would lead to the tragedy of the commons. The existence ofa social norm may provide an individual with information on the extent of external costs associated with his behavior, and thus provides an perfect means of internalizingthe external costs. In this context, the impact of the social norm on public policy towards externalities is examined. The present text objectifies to create the bases forstudies on property regimes, with emphasis in the common resources, presenting the conceptual picture of the tragedy of the common and exemplifying this fact withthe conception of two condominiums of great demand, and the associated environmental impacts, located in a watershed, in the city of Porto Alegre.

    Keywords: Tragedy of the Commons, Externalities, Social Norms, Economics, Watershed, Urban Environmental Management.

    1.Introduo

    A maioria dos bens econmicos em uma economia de mercado, como a brasileira, alocada por mercados econmicos, constitudos por agentes econmicos. Para estesbens, uma sinalizao que guia os vendedores e compradores so os preos. Porm, quando alguns bens so disponveis de forma gratuita, observase uma ausncia dasforas de mercado que normalmente permitiriam uma alocao atravs dos preos.

    Quando um bem no possui um preo associado a ele, os mercados econmicos privados no podem garantir que este bem seja produzido e/ou consumido emquantidades adequadas. Em tais casos, polticas de governo podem remediar potencialmente as falhas de mercado, incrementando o bemestar socioeconmico.

    Neste quadro, vrios bens de nossa economia podem ser agrupados em funo de duas caractersticas: 1) Excluso e 2) Rivalidade. No caso da excluso, as pessoas podemser impedidas de desfrutar o bem econmico, por seu acesso ser regulado. Na propriedade da excludabilidade, as leis reconhecem e obrigam os regimes de propriedadeprivada. No caso da rivalidade, o uso de um bem econmico por uma pessoa reduz os benefcios para outras. Os bens pblicos tais como a defesa ou o conhecimentonacional no so excludentes nem rivais. No caso dos recursos comuns, os bens so rivais, mas no excludentes, como peixes em um rio ou o meio ambiente dequalidade. Estes bens (pblicos e recursos comuns) contm um elemento de externalidade[1], por no possurem nenhum preo associado.

    Neste contexto dos bens pblicos (e recursos comuns), surge a figura do caronista (Freerider em Pindyck and Rubinfeld, 2002), que se define como uma pessoa querecebe o benefcio de um bem, mas evita pagar por isto. Considerando que as pessoas no podem ser excludas de desfrutar os benefcios produzidos por um bem pblico(ou um recurso comum), alguns indivduos (os caronistas) evitaro pagar por este bem, esperando que outros (a comunidade) financiem o mesmo.

    O presente texto objetiva criar as bases para estudos sobre regimes de propriedade, com nfase nos recursos comuns, apresentando o quadro conceitual da tragdiados comuns e exemplificando este fato com a concepo e os impactos ambientais associados de dois condomnios de grande porte, localizados na mesma baciahidrogrfica, na cidade de Porto Alegre.

    2.Marco conceitual da Tragdia dos Comuns

    A Tragdia dos Comuns (Hardin, 1968) uma histria com uma lio geral: quando uma pessoa usa um recurso comum, ela diminui os benefcios decorrentes da utilizaopor outra pessoa, pois:

    Recursos comuns tendem a ser usados excessivamente quando os indivduos no so cobrados pelo uso destes.

    Isto cria uma externalidade negativa.

    No trabalho de Hardin (1968), a tragdia dos comuns exemplificada na Inglaterra medieval, onde vrios fazendeiros criadores de gado possuem o direito a acesso euso de uma pastagem (recurso comum). de se esperar que cada fazendeiro tente manter tantos animais quanto possveis na rea comum (pastagem), maximizando oseu ganho individual (com a venda do leite e/ou da carne). Mas esta a mesma concluso a que chega todo e qualquer fazendeiro racional que divide uma rea comum.Neste contexto, quando se adiciona mais um animal ao pasto, cada fazendeiro tem um componente positivo e outro negativo:

    1) O componente positivo decorre do incremento de um animal, pois o fazendeiro recebe todos os bnus adicionais da venda de um animal (e seus produtos);

    2) A componente negativa derivada do desgaste adicional do pasto, criado por mais um animal.

    Esta a tragdia descrita no artigo: The Tragedy of the Commons, de Garrett Hardin (1968). A motivao de tal comportamento que os indivduos usam um recursocomum disponvel, mas limitado, somente com base nas necessidades individuais. Inicialmente, cada indivduo recompensado por usar isto; e eventualmente, elespercebem uma diminuio dos benefcios decorrentes deste uso, causando uma intensificao dos esforos de utilizao. O recurso ou esvaziado significativamente,corrodo, ou completamente usado.

    A utilizao de modelos matemticos fornece um meio de aprendizagem dos padres que evoluem ao longo do tempo como resultado de uso de um recurso comum. Asfiguras 1 e 2 apresentam um diagrama de relaes causais[2] e os resultados da explorao de uma rea de recursos comuns por dois fazendeiros A e B com acesso auma pastagem (recurso comum) que suporta um nmero mximo de 100 cabeas de gado. Inicialmente, o fazendeiro A possui 20 cabeas e B, 15 cabeas de gado.Observase, no grfico da figura 2, a evoluo temporal do nmero de vacas que so somadas rea, causando inicialmente um aumento do benefcio individual com amaximizao do nmero de vacas entre os meses de fevereiro e maro e, por exausto do pasto, a diminuio de vacas ao longo do tempo, caracterizando odesdobramento da tragdia dos comuns. Usandose modelos semelhantes, podese observar as mudanas e investigar a efetividade de vrias solues propostas para atragdia dos comuns.

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    Feeny et al., (1990), defendem que o maior legado do texto de Hardin (1968) a metfora do gerenciamento dos recursos comuns, destacando as diferenas entre opensamento individual e coletivo a liberdade dos comuns leva runa de todos (Hardin, 1968). Esta concluso ganhou o status de lei cientfica e foi utilizada naformulao de polticas de gerenciamento de recursos (Matthews, 1988 apud Feeny et al, 1990). Hardin (1968) cita mais alguns exemplos de tragdia dos comuns:

    Os oceanos do mundo continuam a sofrer com a sobrevivncia da filosofia dos comuns. Naes martimas ainda respondem automaticamente com a senha liberdade nosmares. Considerando inesgotveis os recursos dos oceanos, cada vez mais espcies de peixes e baleias estaro se extinguindo.

    Os parques nacionais apresentam um outro exemplo da tragdia das reas comuns. Atualmente, eles esto abertos a todos, sem limites. Os parques por si mesmos solimitados em extenso. Os valores que os visitantes buscam nos parques esto inevitavelmente ruindo.

    Em decorrncia da livre utilizao, criada uma externalidade na qual o excesso de usufruto do recurso prejudica aqueles que poderiam utilizlo no futuro (Pindyck eRubinfeld, 2002). Segundo Berkes (1989), apud Feeny et al (1990), os recursos de propriedade comum constituem a classe de recursos para os quais a excluso difcil e ouso conjunto envolve possibilidade de subtrao ou rivalidade. Feeny et al., (1990) salientam que uma teoria nova e ampliada para os recursos de propriedade comumdeve ser capaz de considerar a capacidade de autoorganizao e sua ausncia.

    importante salientar, nesse contexto, o discernimento entre regime de propriedade comum e recurso de propriedade comum. Um recurso de propriedade comumpode ser um bem do governo nacional, regional ou local, de grupos comunitrios, de indivduos ou corporaes, ou utilizado como um recurso de acesso livre. Arranjos depropriedade comum so contratos divididos e possuem problemas similares de comportamento oportunista potencial. (Ostrom, 2000).

    A variedade de recursos de uso comum enorme e leva em considerao atributos relacionados a incentivos proporcionados aos usurios dos recursos e disposio dealcanar resultados melhores. A dificuldade e o preo para desenvolver meios de excluir nobeneficirios dependem da viabilidade e do custo das solues do problemade excluso e da relao entre este custo e os benefcios esperados para o recurso em particular. Os sistemas de propriedade comum no existem isoladamente e so,usualmente, utilizados em conjuno com propriedades individuais. Os benefcios obtidos neste sistema so proporcionais aos custos de investimento e de manuteno dapropriedade comum. Muitos problemas locais so resolvidos com baixos custos, pela relao entre os indivduos da comunidade (Schlager, 2002).

    Diversos benefcios coletivos e ganhos ambientais so observados em propriedades comuns bem administradas, como por exemplo, o uso de melhores prticas deirrigao, menor incidncia de abandono do campo, ausncia de problemas de potabilidade, suprimento de gua confivel mesmo nos anos de seca, elevada gerao deimpostos, provendo pequenas indstrias baseadas na produo da propriedade comum, manuteno do gado e melhorias nas escolas locais, com menor dependncia depolticas governamentais. (Jodha, 1995).

    Hardin (1968) faz tambm uma incurso no problema da poluio, colocandoo como um reaparecimento da tragdia das reas comuns e identificandoo comoconseqncia do crescimento populacional, que acaba por sobrecarregar os processos qumicos e biolgicos da reciclagem natural e exigir uma redistribuio dos direitosde propriedade. Os clculos da utilidade so os mesmos de antes. O homem acha que sua parte nos custos de gerenciamento dos resduos descartados por ele nas reascomuns menor do que os custos de reciclagem. Desde que isso seja verdade para todo mundo, ns ficamos presos em um sistema de sujar nosso prprio ninho. O ar ea gua que nos rodeiam no podem ser prontamente cercados e, assim, a tragdia das reas comuns tem que ser prevenida atravs de leis coercitivas ou mecanismos detaxao que tornam mais barato para o poluidor tratar seus poluentes do que descartlos sem tratamento. O proprietrio de uma fbrica s margens de um rio cujapropriedade se estende at o meio do rio geralmente tem dificuldade em ver o porque no seu direito natural sujar as guas que correm pela sua porta. A lei sempreatrasada requer costuras e ajustes elaborados para se adaptar a estes aspectos, recentemente percebidos nas reas comuns. Segundo Pindyck e Rubinfeld (2002), apoluio um exemplo comum de externalidade que resulta em ineficincia de mercado; e pode ser corrigida por meio de padres ou taxas de emisses de poluentes,ou permisses transferveis de emisses de poluentes.

    O modelo jurdico contemporneo mostrase pouco adequado a um mundo complexo, superlotado e mutvel. Luhmann, jurista e socilogo, com apoio na teoria sistmicae na teoria da autoorganizao, procura dar uma nova compreenso ao direito, cuja sntese da epistemologia atual pode ser expressa na funo de reduzir acomplexidade do ambiente em uma sociedade globalizada. A sociedade contempornea um lugar de conflitos com problemas que no so isolados e que no existiamanteriormente. Visando anteciparse a estas contingncias, o direito, ligado sociedade, usa a estratgia de no passado, dar interpretao ao futuro, constituindose emum controle do tempo. Diz antes o significado do que pode ocorrer no futuro, criando expectativas normativas o que trs uma noo de contingncia e cria mecanismosa priori que permitem uma programao. Tornase necessrio estudar e entender a sociologia, em uma perspectiva dinmica, e que tenha como objeto as pessoas agindona sociedade (Luhmann, 1983).

    Salientese ainda que Hardin (1968) associa a tragdia dos comuns densidade populacional, revelando um princpio no freqentemente reconhecido, de moralidade,a saber: a moralidade de um ato uma funo do Estado, do sistema, no tempo em que ele executado. H um sculo atrs um campons na Amaznia podia matar umaona, usar somente sua lngua para o jantar e descartar o resto do animal. Ele no estava em nenhum sentido sendo esbanjador. Hoje, s com alguns milhares de onassobrando, ficase espantado com tal comportamento.

    Hardin (1968) tambm analisa os chamados efeitos patognicos da conscincia ao questionar: Se pedirmos a um homem que est explorando uma rea de recursoscomuns, para que ele desista em nome da conscincia, o que diramos a ele? O contraditrio estabelecese de duas formas: 1 (comunicao pretendida) Se voc nofizer como se pede, iremos abertamente condenlo por no agir conforme um cidado responsvel; 2 (a comunicao no pretendida) Se voc se comportar como

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    pede, iremos secretamente condenlo por ser um ingnuo que pode se envergonhar de ficar de lado enquanto que o resto de ns explora as reas de recursoscomuns. Invocar a conscincia nos outros tentador para qualquer um que deseje estender seu controle alm dos limites legais. Prossegue na reflexo, em defesa dacoero mtua, mutuamente consentida como arranjos sociais que produzam responsabilidade, que criem coero, de algum tipo. H a necessidade de arranjos sociaisdefinidos. A regulao do acesso tambm se constitui em um bom mecanismo de coero. Tomese como exemplo parqumetros de uma cidade. No se precisanecessariamente proibir um cidado de estacionar, necessitase simplesmente tornar isso caro para ele.

    Em suas consideraes finais, Hardin (1968) desenvolve as seguintes reflexes ao analisar os problemas populacionais do homem:

    As reas comuns so justificveis s sob condies de baixa densidade populacional.

    O que significa liberdade? Quando os homens mutuamente consentiram em passar leis contra o roubo, a humanidade se tornou mais livre.

    A partir da publicao da Tragdia dos Comuns, apareceram vrias crticas s solues dadas por Hardin. Mostrouse (Jodha, 1995; Schlager, 2002) que havia muitosexemplos de reas comuns que eram geridas de forma sustentvel durante sculos, e no eram nem privatizados nem sofriam um controle estatal rigoroso. Ascomunidades criaram regras de gesto comum para estes recursos e desta forma conseguiram seu bom manejo. Tambm h casos em que a gesto privada ou estatal nodeu os resultados esperados, como inmeros exemplos de estatizao de recursos na antiga Unio Sovitica ou o problema da degradao dos lenis subterrneosprivatizados em Los Angeles. Experincias ao redor do mundo (Jodha, 1995; OToole, 1998) mostram que existem recursos ambientais sendo tratados de forma sustentvelcom uma gesto feita de diversas formas, e no s atravs da propriedade privada ou estatal, at mesmo pelas caractersticas de alguns recursos ambientais, como nocaso do ar, onde os recursos so de difcil privatizao ou estatizao (Schlager, 2002). Da a necessidade de ver os recursos ambientais como recursos comuns que devemser geridos com regras de uso, mas podem ter diferentes tipos de direitos de propriedade.

    A Tragdia dos Comuns (Hardin, 1968) prev uma explorao excessiva ou degradao dos recursos de uso comum. Porm, Feeny et al., (1990), comprovaram a existnciade um grande nmero de casos onde os usurios restringiram o acesso ao recurso e estabeleceram regras prprias para o seu uso sustentvel. Feeny et al (1990)sustentam que o modelo de Hardin visionrio, mas incompleto. A concluso de tragdia inevitvel s se aplica propriedade de livre acesso, com falta de coerono comportamento individual, condies nas quais a demanda excede ao fornecimento e os usurios de recursos so incapazes de alterar as regras sem responsabilidadesindividuais. Os autores discordam da atribuio de notas entre o regime de direito e propriedade e os postulados de Hardin, que no consideraram o papel dos arranjosinstitucionais provendo a excluso e regulao dos usos. Ainda, destacam que o atual interesse na propriedade comum est relacionado ao ressurgimento das razes dademocracia, participao pblica e planejamento a nvel local.

    Em sntese, a publicao da Tragdia dos Comuns permitiu o aparecimento de diversos questionamentos em torno do direito de propriedade e suas externalidades,inclusive com estudos para concepo de instrumentos legais com a finalidade de dirimir este problema.

    3.Distores do crescimento urbano associados a Tragdia dos Comuns

    A vida e o meio ambiente abitico constituem um sistema acoplado, sendo que uma mudana em qualquer um deles acarretar conseqncias sobre o outro. Nos ltimosduzentos anos, o meio ambiente global passou a ser afetado significativamente pelo ser humano. Nas ltimas dcadas, com o surgimento de novas tecnologias, o impactodesta ao tornouse grave, a ponto dessas influncias humanas acarretarem srios riscos ao nosso ambiente, evidenciados pelas enchentes, furaces, poluio das guas,ondas de calor, depleo da camada de oznio. A conservao dos grandes equilbrios naturais e o uso adequado das novas tecnologias disponveis em diversas reas seapresentam como desafios a serem equacionados, uma vez que esto ligados prpria sobrevivncia da espcie humana (Oliveira, 2006). Nas reas urbanas, os efeitos douso inadequado dos recursos ambientais so potencializados, em decorrncia da concentrao populacional existente.

    Segundo Mendes e Grehs (2006), a poluio e degradao dos recursos ambientais representam externalidades negativas decorrentes da economia de mercado e quecomprometem a sustentabilidade no espao geogrfico envolvido. A crescente incidncia de alagamentos, congestionamento de veculos e demais impactos ambientaisnegativos nas cidades, especialmente em reas metropolitanas, constitui dilema que no tem sido adequadamente enfrentado pelas polticas governamentais. As foraseconmicas, que num primeiro momento representam benefcios e bem estar ao cidado urbano, intensificam alteraes do uso do solo com modificaesgeomorfolgicas, impermeabilizao do solo e modificaes do ciclo hidrolgico local; que se expressam como degradao ambiental, pelo fato de no ser considerada abacia hidrogrfica como unidade de planejamento territorial (Mendes e Grehs, 2006). Este fato pode ocasionar o esgotamento da capacidade de suporte do meio natural,onde as estruturas esto inseridas, bem como da infraestrutura disponibilizada pelo poder pblico municipal, o que acarreta em prejuzos a todos os usurios da baciahidrogrfica.

    Os mesmos autores afirmam que a alocao de terras pelo mercado, nos dias atuais, ineficiente, uma vez que os preos da terra no refletem seu custo deoportunidade. A utilizao de terras urbanas gera custos e benefcios que no so captados no sistema de mercado. Este fato, associado elevada densificao de reascom a infraestrutura saturada, acaba ocasionando impactos negativos, considerados de responsabilidade do rgo governamental, como o aumento da incidncia decheias em reas urbanas, devidas principalmente impermeabilizao das superfcies e ao rpido sistema de drenagem implantado em novos loteamentos e condomnios.Citam como exemplo desta problemtica a bacia do Arroio da Areia na cidade de Porto Alegre, onde esto localizados os loteamentos Projeto Hermes e Parque Germnia,ambos prximos do divisor da bacia, como mostra a Figura 3. fcil imaginar que a implementao destes grandes projetos pode encadear a ocorrncia de uma tragdiados comuns aos futuros moradores e aos usurios da regio, uma vez que com a concepo destas reas de uso comum as vazes pluviais e de esgotos domsticos seroincrementadas em diversas ordens de grandeza, promovendo a ocorrncia de cheias em pontos da bacia relacionados ao acesso dos usurios. Somado a isso, a infraestrutura de comrcio e servios existente se tornar saturada pela excessiva demanda de consumidores, que tero o acesso compra de bens, relacionados sua rotinadificultado, alm de um maior tempo de viagem at seus destinos.

    No caso do Projeto Hermes, estimouse aumento de vazes geradas pelo Projeto da ordem de 3,5 (trs vezes e meia) em considerao s vazes originais (atuais),decorrentes nica e exclusivamente das guas pluviais. Acrescentese a estes volumes parcela da vazo dos esgotos, da ordem de 450 m3/dia, gerados a partir dos 12edifcios a serem implantados. Face s peculiaridades geolgicas desta rea, onde incidem diversas fraturas e falhas geolgicas, que polarizam e controlam o fluxo dasguas subterrneas, aflorando sob a forma de olhos dgua deve ser ressaltada uma contribuio extra s tubulaes da drenagem pluvial mesmo na ausncia dechuvas. A atual rede de guas na Bacia do Arroio da Areia deficiente em vrias posies. Em conseqncia disto os canais, bueiros e poos de visita extravasam causandoinundaes em vrios pontos da bacia.

    No mesmo trabalho simulado um congestionamento na Av. Assis Brasil, uma via expressa que liga o centro de Porto Alegre a vrios bairros perifricos e que estparcialmente situada na bacia hidrogrfica em questo. Nos dias chuvosos a estrutura de drenagem no suporta a vazo acarretando em extravasamento de guas dasgalerias pluviais, constituindo as inundaes urbanas. Essas incidncias implicam diminuio da velocidade do trfego e, conseqentemente, um maior tempo de viagem.Como se observa na Figura 4, at um determinado volume de trfego (no caso do exemplo, de 400 veculos por hora), o aumento do volume de trfego no interfere notempo e no custo de viagem. A partir desse volume, considerado um custo de oportunidade, ou seja, o custo causado pela renncia do ente econmico, e os benefciosque poderiam ser obtidos a partir da oportunidade renunciada ou a renda gerada em uma aplicao alternativa. Tambm so considerados os custos de depreciao eutilizao do veculo. Ao somatrio desses dois custos se denomina custo social de viagens que aumentado em mais de 500 % quando o volume de trfego sobe de 400para 2000 veculos por hora. Os autores ainda fazem referncia a uma curva de demanda onde para cada volume de trfego apresentase a disposio a pagar dosmotoristas para transitar na via. Este acrscimo nos custos representa as externalidades econmicas causadas por enchentes urbanas e seus efeitos no custo dos temposde viagem. Esse exemplo permite que se vislumbre a ocorrncia da tragdia dos comuns nos dias atuais em grandes centros urbanos.

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    4.Consideraes Finais

    A Tragdia dos Comuns descreve problemas reais no mundo contemporneo. Nossa gua, ar, paisagem, solos e muitos outros recursos comuns esto sentindo a presso dodesenvolvimento devido racionalidade da psicologia do curto prazo que explorada neste modelo de desenvolvimento. Entender o modo como a Tragdia dosComuns funciona e investigar as formas de gesto sustentvel vital para se manter a sade e longevidade de recursos comuns.

    Mesmo nos dias atuais temse problema em definir os regimes de propriedade e suas regras de utilizao, por isso a ocorrncia da tragdia dos comuns em vrias reas.No h uma clara definio de at aonde vo os direitos e as obrigaes de cada um nesse processo.

    Enfatizese que a abordagem simplificada deste artigo deixa muitos caminhos abertos investigao adicional. Como elementos basilares para pesquisas futuras na reade gesto de reas comuns poderse incluir:

    Necessidade de participao multidisciplinar, com abordagem sistmica e utilizao de instrumental jurdico e econmico no ambiente urbano.

    A tendncia dos agentes econmicos de maximizar o lucro das atividades atravs de uma superexplorao de recursos crnica, o que limita o manejo de recursoscomuns, de forma sustentvel. Neste contexto, sugerese a adoo de bacias hidrogrficas como unidades territoriais de planejamento, compatibilizando a atividadeeconmica com a manuteno dos recursos comuns.

    Como concluso, podemos assinalar que a tragdia dos comuns, to bem comentada por Hardin, longe de ter sido minorada no decorrer dos tempos, cada vez mais seamplia.

    BibliografiaFEENY, D.; BERKES, F.; MCCAY, B.J.; ACHESON, JM. The Tragedy of the commons: TwentyTwo years later. Human Ecology, 18(1): 119, 1990.HARDIN, G. The Tragedy of the Commons. Science, 162: 12431248, 1968.JODHA, N.S. Common Property Resources: A Missing Dimension of Development Strategies. World Bank Discussion Papers, WDP 16, 1995. 149 pp.LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.MENDES, C.A.B.; GREHS, S.A. Enfoques Econmicos para Dilemas Ambientais de Cidades: Anlise em Bacias Hidrogrficas. Submetido a Revista de DesenvolvimentoEconmico, 2006. 22 pp.OLIVEIRA, Celmar C. Gesto das guas no Estado Federal. Porto Alegre: Srgio Fabris Editor, 2006.OTOOLE, R. The Tragedy Of The Scenic Commons. P. 181187 in J.A. Baden and Noonan, D.S., eds. Managing The Commons. 2nd edition. Indiana University Press,Bloomington, 1998.OSTROM, E. Private and Common Property Rights. In: BOUCKAERT, B., DE GEEST. Encyclopedia of Law and Economics: Volume II. Civil Law and Economics. Cheltenham,Edward Elgar, 2000. 807 p.PINDYCK, R.S.; RUBINFELD, D.L. Microeconomia. 5a. Edio. So Paulo: Prentice Hall, 2002.SCHLAGER, E. Rationality, Cooperation and Common Pool Resources. American Behavioral Scientist 45: 801819, 2002.Notas:[1] Uma externalidade ocorre em economia quando o impacto de uma deciso no se restringe aos participantes desta deciso. A externalidade pode ser negativa,quando prejudica os outros, por exemplo, uma fbrica que polue o ar, afetando uma comunidade prxima. Ou pode ser benfica, quando os outros, involuntariamente, sebeneficiam, por exemplo, com a melhora da eficincia em um determinado mercado.[2] O diagrama de Relaes Causais (Causal Loop Diagram) mostra a interdependncia de todos os componentes de um problema.

    Ana C. PassuelloEngenheira Civil, Aluna do Programa de PsGraduao do Instituto de Pesquisas Hidrulicas IPH/UFRGS Porto Alegre, RS

    Celmar Corra de OliveiraDoutorando em Recursos Hdricos e Saneamento Ambiental no Instituto de Pesquisas Hidrulicas da UFRGS. Possui mestrado em Direito, linha de pesquisa: DireitoAmbiental e Biodireito pela Universidade de Caxias do Sul (2002), especialista em Direito e em Educao, graduao em Cincias Jurdicas e Sociais pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (1992), graduao em Educao Fsica pela Escola de Educao Fsica do Exrcito (1977); professor concursado da Universidade Estadual doRio Grande do Sul, na rea de Gesto Pblica. Tem experincia na rea de Direito Pblico Gesto Pblica, Gesto de Recursos Hdricos e Sade Coletiva, atuandoprincipalmente nos seguintes temas: direito constitucional, direito ambiental, gesto ambiental, gesto pblica, gesto de recursos hdricos direitos sociais, sociedade derisco, democracia.

    Carlos A. B. MendesEngenheiro Civil, M.Sc., Ph.D., Professor no Instituto de Pesquisas Hidrulicas IPH/UFRGS

    Informaes Bibliogrficas

    PASSUELLO, Ana C.; OLIVEIRA, Celmar Corra de; MENDES, Carlos A. B.. Dilemas Ambientais em reas urbanas: Uma nova face da Tragdia dos Comuns. In: mbitoJurdico, Rio Grande, XII, n. 63, abr 2009. Disponvel em: . Acesso em jun 2015.

    O mbito Jurdico no se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidria, pelas opinies, idias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).