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DIREITO AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: PROPOSTA E EFETIVIDADE CUSTODY HEARING: PROPOSAL AND EFFECTIVENESS UBIRATAN CASADO ANA CECÍLIA PEREIRA MELO Resumo Este trabalho tem por objeto principal demonstrar se a Audiência de Custódia, como um instrumento legal garantido pela Constituição, por tratados internacionais e pela legislação infraconstitucional, se mostra eficaz para mitigar os problemas do sistema carcerário brasileiro. Assim, foi relatado um breve histórico do instituto, com propostas de leis e até um Provimento Conjunto dos Tribunais de Justiça para aplicá-lo. Dissertou-se sobre os princípios constitucionais e processuais penais, abordando as críticas ao atual paradigma do sistema prisional brasileiro, relacionando-o aos grandes números de prisões cautelares, especialmente as prisões em flagrante. De forma que a Audiência de Custódia foi conceituada, fundamentada legalmente e, com a demonstração dos números carcerários no Brasil, houve propostas de projeto até culminar na Resolução 213/2015 do CNJ, que teve um impacto significativo nos índices de prisões, diminuindo os gastos públicos na manutenção de pessoas presas desnecessariamente e na revisão da manutenção de prisão. Palavras-chave: Audiência de custódia; Conselho Nacional de Justiça; impacto no sistema prisional brasileiro. Abstract The main purpose of this work is demonstrate if the Hearing of Custody, as a legal instrument guaranteed by the Constitution, by international treaties and by infraconstitutional legislation proves effective to mitigate the problems of the Brazilian prison system. Thus, a brief history of the institute was made, w ith proposals of laws and even a Joint Provision of the Courts of Justice to apply it. The constitutional and procedural principles of criminal law were developed, criticizing the current paradigm of the Brazilian prison system, relating it to large numbers of precautionary prisons, especially prisons in flagrante. Therefore, the Hearing of Custody was conceptualized, legally grounded and, with the demonstration of prison numbers in Brazil, there were project proposals until culminating in CNJ Resolution 213/2015, w hich had a significant impact on prison rates, reducing public expenditures In the maintenance of unnecessarily arrested persons and in the review of prison maintenance. Keyword: Custody hearing; National Council of Justice; Impact on the Brazilian prison system. INTRODUÇÃO Recentemente o Brasil atendendo uma previsão do Pacto de San José da Costa Rica, do qual é signatário, adotou medidas para colocar em prática as Audiências de Custódia. O Projeto Audiência de Custódia funda-se na criação de uma estrutura dentro dos Tribunais de Justiça para receber o indivíduo preso em flagrante, oportunidade na qual será feita uma primeira análise sobre o cabimento e a conveniência de manutenção dessa prisão ou para a aplicação de medidas alternativas à prisão. 1 Oportuno dizer que a audiência de custodia não visa suprimir a punição e as prisões, o intuito é assegurar os direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição e em Tratados Internacionais, aplicando a devida sanção de forma mais humana. O presente estudo tem o objetivo de esclarecer se a Audiência de Custódia, na forma como foi instituída no Brasil é o meio hábil para atingir os objetivos que ensejaram sua criação. Dent re os objetivos podemos citar a possibilidade de reduzir o núm ero de encarceramento provisório, diminuir o déficit de vagas no sistema prisional, bem como refrear as prisões ilegais e garantir o respeito aos direitos e garantias individuais do sujeito. Além disso, sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro tem 1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Audiência de custódia. 2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao- penal/audiencia-de-custodia.> Acesso em 26 de abr. de 2016 a finalidade de assegurar a efetividade dos direitos humanos abordados nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Não há dúvidas de que o Estado tem permissão para subtrair a liberdade do indivíduo, porém não poderá fazê-lo à custa de sua dignidade. Nesse sentido a aplicação da audiência de custódia objetiva asseverar a eficácia do direito à liberdade e à integridade física, impedindo as prisões ilegais e arbitrárias, além de humanizar o processo penal. Salienta-se que o progresso da política criminal no Brasil depende de uma mudança cultural, que abrange desde a promoção do respeito à dignidade humana até a aplicação das medidas alternativas, na qual se insere a audiência de custódia. O primeiro Estado a aderir ao novo procedimento foi São Paulo, através da parceria entre seu Tribunal de Justiça, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o Ministério da Justiça. Essa iniciativa gerou acirradas discussões no âmbito jurídico, vez que para alguns operadores do direito seu procedimento ainda não estava positivado de forma clara no ordenamento jurídico pátrio. Entretanto o STF, julgando a ADI 5240/SP, afastou qualquer dúvida sobre a legitimidade da medida ratificando sua natureza supralegal. 2 O estudo do tema tornou-se extremamente importante, pois a inserção da audiência de 2 STF. ADI 5240/SP: ação direta de inconstitucionalidade. Relator Min . Luiz Fu x. Publicado em 01-02-2016. Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1059

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DIREITO AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: PROPOSTA E EFETIVIDADE CUSTODY HEARING: PROPOSAL AND EFFECTIVENESS

UBIRATAN CASADO ANA CECÍLIA PEREIRA MELO

Resumo Este trabalho tem por objeto principal demonstrar se a Audiência de Custódia, como um instrumento legal garantido pela Constituição, por tratados internacionais e pela legislação infraconstitucional, se mostra eficaz para mitigar os problemas do sistema carcerário brasileiro. Assim, foi relatado um breve histórico do instituto, com propostas de leis e até um Provimento Conjunto dos Tribunais de Justiça para aplicá-lo. Dissertou-se sobre os princípios constitucionais e processuais penais, abordando as críticas ao atual paradigma do sistema prisional brasileiro, relacionando-o aos grandes números de prisões cautelares, especialmente as prisões em flagrante. De forma que a Audiência de Custódia foi conceituada, fundamentada legalmente e, com a demonstração dos números carcerários no Brasil, houve propostas de projeto até culminar na Resolução 213/2015 do CNJ, que teve um impacto signif icativo nos índices de prisões, diminuindo os gastos públicos na manutenção de pessoas presas desnecessariamente e na revisão da manutenção de prisão. Palavras-chave: Audiência de custódia; Conselho Nacional de Justiça; impacto no sistema prisional brasileiro. Abstract The main purpose of this work is demonstrate if the Hearing of Custody, as a legal instrument guaranteed by the Constitution, by international treaties and by infraconstitutional legislation proves effective to mitigate the problems of the Brazilian prison system. Thus, a brief history of the institute was made, w ith proposals of laws and even a Joint Provision of the Courts of Justice to apply it. The constitutional and procedural principles of criminal law were developed, criticizing the current paradigm of the Brazilian prison system, relating it to large numbers of precautionary prisons, especially prisons in f lagrante. Therefore, the Hearing of Custody was conceptualized, legally grounded and, with the demonstration of prison numbers in Brazil, there were project proposals until culminating in CNJ Resolution 213/2015, w hich had a signif icant impact on prison rates, reducing public expenditures In the maintenance of unnecessarily arrested persons and in the review of prison maintenance. Keyword: Custody hearing; National Council of Justice; Impact on the Brazilian prison system. INTRODUÇÃO

Recentemente o Brasil atendendo uma previsão do Pacto de San José da Costa Rica, do qual é signatário, adotou medidas para colocar em prática as Audiências de Custódia.

O Projeto Audiência de Custódia funda-se na criação de uma estrutura dentro dos Tribunais de Justiça para receber o indivíduo preso em flagrante, oportunidade na qual será feita uma primeira análise sobre o cabimento e a conveniência de manutenção dessa prisão ou para a aplicação de medidas alternativas à prisão. 1

Oportuno dizer que a audiência de custodia não visa suprimir a punição e as prisões, o intuito é assegurar os direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição e em Tratados Internacionais, aplicando a devida sanção de forma mais humana.

O presente estudo tem o objetivo de esclarecer se a Audiência de Custódia, na forma como foi instituída no Brasil é o meio hábil para atingir os objetivos que ensejaram sua criação.

Dentre os objetivos podemos citar a possibilidade de reduzir o número de encarceramento provisório, diminuir o déficit de vagas no sistema prisional, bem como refrear as prisões ilegais e garantir o respeito aos direitos e garantias individuais do sujeito. Além disso, sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro tem

1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Audiência de custódia. 2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia.> Acesso em 26 de abr. de 2016

a finalidade de assegurar a efetividade dos direitos humanos abordados nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Não há dúvidas de que o Estado tem permissão para subtrair a liberdade do indivíduo, porém não poderá fazê-lo à custa de sua dignidade.

Nesse sentido a aplicação da audiência de custódia objetiva asseverar a eficácia do direito à liberdade e à integridade física, impedindo as prisões ilegais e arbitrárias, além de humanizar o processo penal.

Salienta-se que o progresso da política criminal no Brasil depende de uma mudança cultural, que abrange desde a promoção do respeito à dignidade humana até a aplicação das medidas alternativas, na qual se insere a audiência de custódia.

O primeiro Estado a aderir ao novo procedimento foi São Paulo, através da parceria entre seu Tribunal de Justiça, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o Ministério da Justiça.

Essa iniciativa gerou acirradas discussões no âmbito jurídico, vez que para alguns operadores do direito seu procedimento ainda não estava positivado de forma clara no ordenamento jurídico pátrio.

Entretanto o STF, julgando a ADI 5240/SP, afastou qualquer dúvida sobre a legitimidade da medida ratificando sua natureza supralegal. 2

O estudo do tema tornou-se extremamente importante, pois a inserção da audiência de

2 STF. ADI 5240/SP: ação direta de inconstitucionalidade. Relator Min . Luiz Fux. Publicado em 01-02-2016.

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custódia pode ser considerada como um instrumento capaz de promover a redução da população carcerária no país.

Nesse sentido a instituição das audiências de custódia reforça a possibilidade de reduzir o número de encarceramento provisório, diminuir o déficit de vagas no sistema prisional, bem como refrear as prisões ilegais e garantir o respeito aos direitos e garantias individuais do sujeito.

Além disso, sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro assegura a efetividade dos direitos humanos abordados nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Com o intuito de demonstrar a efetividade das audiências de custódia, far-se-á uma revisão literária. Para tanto, escolheu-se como metodologia de abordagem o método indutivo que segundo Lakatos, caracteriza-se como um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal. 3

E como método de procedimento a forma explicativa que, segundo Antônio Carlos Gil, se preocupa em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. 4 Breve histórico

A Audiência de Custódia, em suma, se trata

de uma ferramenta processual que visa garantir a qualquer pessoa que foi presa em flagrante o direito de ser apresentada a uma autoridade judicial para a verificação legal da prisão e da manutenção desta, dentro do prazo de 24 horas.

Numa brevíssima retrospectiva histórica pode-se destacar o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos – PIDCP – que foi aprovado em 16 de dezembro de 1966, porém entrou em vigor somente em 23 de março de 1976, após ratificações.

O Brasil somente se tornou signatário do PIDCP em 6 de julho de 1992, quando ratificou sua assinatura com a promulgação pelo Decreto 592/92. Um dos instrumentos processuais humanitários contidos neste tratado que diz respeito à Audiência de Custódia é contido em seu artigo 9°, item 3, que expõe: ARTIGO 9 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura

3 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2ª ed. 2000, p. 35. 4 GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pes quisa. – 4ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2007, p. 35.

poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. 5

Nesse sentido, há uma proposta humanitária

de salvaguardar os direitos do cidadão, apresentando-o a autoridade judicial numa audiência para a conferência das causas de prisão e sua manutenção é resguardada pela lei.

Além disso, pode-se evocar o Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969, onde foi a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Brasil somente se tornou signatário deste Pacto em 6 de novembro de 1992, quando o ratificou pelo Decreto n° 678/92.

No que tange aos direitos dos cidadãos, especificamente à liberdade pessoal, a Audiência de Custódia se fundamenta no artigo 7°, item 5 deste Pacto, o qual contém: ARTIGO 7 Direito à Liberdade Pessoal 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem o direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6

O acesso do cidadão à justiça é um dos direitos fundamentais num Estado de Direito. Nessa esteira as prisões arbitrárias são inaceitáveis por não respeitarem os procedimentos sugeridos pelos acordos internacionais e pela legislação vigente. O Brasil se tornando signatário desses Pactos e Convenções internacionais, demonstra sua natureza democrática e legal, respeitando os direitos humanos.

Ressalta-se que a Carta Magna brasileira consignou esse direito fundamental, quando determinou em seu artigo 5°, inciso LXII: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País

5 BRASIL. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: Decreto n° 592 de julho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em: 18 de setembro de 2016. 6 BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): Decreto n° 678 de 6 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and678-92.pdf> Acesso em: 18 de setembro de 2016.

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a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; 7

Através do Projeto de Lei do Senado n° 554

de 2011, proposto pelo senador Antônio Carlos Valadares, se buscou alterar o artigo 306, §1°, do Código de Processo Penal de 1941, que hoje consta com a redação alterada pela Lei n° 12.403 de 4 de maio de 2011:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. § 1° Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. 8

A proposta de alteração tem como meta mudar o texto legal para: § 1° No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. 9

Para a justificação do PLS utilizou-se como fundamento legal o já comentado artigo 5°, inciso LXII da Constituição Federal Brasileira; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário e que foi promulgado pelo Decreto 592 em 6 de julho de 1992, destacando o item 3 do artigo 9° do referido Pacto; e o Pacto de São José da Costa Rica, que se refere à Convenção Americana sobre Direitos

7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: Acesso em: 18 de setembro de 2016. 8 BRASIL. Código de Processo Penal: Decreto-Lei n° 3.689 de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em: 18 de setembro de 2016. 9 BRASIL. Projeto de Lei do Senado n° 554 de 2011. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=95848&tp=1> Acesso em: 18 de setembro de 2016.

Humanos, que foi promulgado pelo Decreto n° 678 de 6 de novembro de 1992, destacando o item 5 de seu artigo 7°.

A força desse Projeto de Lei resultou na adoção das Audiências de Custódia no Estado de São Paulo desde 2014, por determinação do Tribunal de Justiça o qual regulamentou o assunto com o Provimento Conjunto n° 03/2015. 10

Esse esforço acabou influenciando a adoção da Audiência de Custódia por outros Estados da federação, como no Piauí, 11 no Pará,12 e outros em vias de aprovação, como Minas Gerais, Distrito Federal, Tocantins, Paraíba, Mato Grosso, Pernambuco, Ceará, Paraná e Rio de Janeiro, que também acabaram por adotar o Provimento Conjunto paulista.

Atualmente a Audiência de Custódia já é um instrumento processual aplicado em todo Brasil, mesmo sem uma lei específica para gerir o assunto. Princípios

Com a evolução do Estado moderno, o Direito Natural foi perdendo força em detrimento do Direito Positivo. Nesse sentido, o Professor Paulo Nader defende: Enquanto as leis positivas ordenam a sociedade, o Direito Natural influencia as fontes geradoras de normas jurídicas, que devem ser receptivas àqueles princ ípios maiores. Importante, todavia, é que o papel do Direito Natural não se esgota em sua função indicativa. É opinião prevalente na Filosofia do Direito que o sistema de legalidade, por si só, não é suficiente, pois pressupões ainda legitimidade e entre as fontes de legitimidade encontra-se o Direito Natural. 13 (NADER, 1994, pp. 162-163)

Ainda que o Direito Positivo tenha enorme força num Estado de Direito, o Direito Natural é uma importante fonte de Direito, o que nos fornece o embasamento dos chamados Princípios de Direito.

10 BRASIL; TJSP. Provimento Conjunto 03/2015. Disponível em: <ttp://www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=65062> Acesso em: 18 de setembro de 2016. 11 BRASIL; TJPI. Provimento Conjunto 03/2015. http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/12/081f8b6c43349c62cce031a77ac6dd78.pdf> Acesso em: 18 de setembro de 2016. 12 BRASIL; TJPA. Provimento Conjunto 03/2015. <https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/68/Provimento%20Conjunto%2003-15-FUNDACOES-%20DOE%2004_03_15.pdf> Acesso em: 18 de setembro de 2016. 13 NADER, Paulo. Filosofia do direito. – 3ª edição –. Rio de Janeiro : Ed itora Forense, 1994, pp. 162-163.

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Conceitualmente, pode-se utilizar da definição de De Plácido e Silva: PRINCÍPIO. Derivado do latim principium (orgiem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. 14 (SILVA, 1988, p. 447)

No que diz respeito ao campo do estudo do Direito os Princ ípios detém outra acepção. Utilizando-os no plural, estes traduzem-se como requisitos, normas elementares, fundamentos. De Plácido e Silva expõe que os Princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Assim, nem sempre os princ ípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos. 15

Em nosso ordenamento jurídico podemos identificar os Princípios Constitucionais orientadores de todos os demais infraconstitucionais. No que tange ao tema estudado, destacar-se-á os Princípios Constitucionais que atrelam-se às Audiências de Custódia. Princípios constitucionais e processuais penais

No evoluir dos direitos fundamentais, que

entende-se ter uma divisão tripartite – de 1ª, 2ª e 3ª gerações –, pode-se dar um destaque nos direitos de primeira geração, que tem por principal característica a limitação do poder do Estado em face dos direitos e garantias individuais. Assim, especificamente, há um limite estatal no que diz respeito a religião e escolhas políticas, comumente reconhecida como direito à liberdade pública.

Nesse sentido, dentre os Princípios Constitucionais, podemos destacar os mais generalistas, como o Princ ípio da Legalidade, Princípio da Liberdade, Princípio da Igualdade; Princípio da Ampla Defesa, Princ ípio da Isonomia, Princípio do Contraditório, Princípio da Simetria, dentre vários.

No que diz respeito à Audiência de Custódia, pode-se destacar o Princípio da Liberdade como basilar no âmbito do processo penal acerca do Princípio da Presunção de Inocência. Contido no artigo 5°, inciso LVII da Constituição brasileira, este princípio defende que: “LVII - ninguém será

14 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. – 9ª edição – Rio de Janeiro: Ed itora Forense, 4v., 1986, p. 447. 15 Idem.

considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;” 16

Nessa vereda, numa definição doutrinária de Fernando Capez, entende-se que: O princ ípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-se em favor do acusado quando houver dúvida: c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. 17

No mesmo sentido, o Princ ípio da Liberdade é o fundamento que abarca o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, disposto no artigo 5°, inciso LV: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 18

Segundo o entendimento de Lopes Júnior: O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado [e da sociedade] em ficar livre das acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas). 19

Portanto, os Princípios Constitucionais corroboram com os princ ípios processuais penais da presunção de inocência e do contraditório e da ampla defesa. As Audiências de Custódia evocam tais princ ípios para fundamentar o recurso de se exigir que o detido tenha acesso a autoridade judicial de forma célere. Sistema prisional brasileiro

O Sistema prisional brasileiro faz parte da política pública de segurança. Pode-se entender que política pública é um conjugado de decisões e atitudes estabelecidas por um governo para mitigar problemas sociais que são tidos como

16 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Op. Cit. 17 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. – 22ª. ed. – São Paulo : Saraiva, 2015, p. 85. 18 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Op. Cit. 19 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. – 11ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2014, p. 145.

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prioridade para a harmonia social e para o interesse público.

Dessa forma trata-se de um compromisso público para realizar certas demandas sociais. No caso da segurança pública no Brasil, esta é vista como dever primordial do Estado. Desde que o Estado moderno se constituiu e assumiu o monopólio do uso da violência, não permitindo mais que a vingança privada pairasse sob seu território, assumiu a total responsabilidade pela segurança individual e coletiva de seus cidadãos.

Inclusive, este é o único com legitimidade legal para tal, e suas políticas públicas de segurança se debruçam sobre a ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio. Segundo o artigo 144 da Constituição Federal, em seu caput, os órgãos responsáveis pela preservação são a polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. 20

Apesar de todas essas estruturas estatais estarem direcionadas para a segurança pública é notável que há a falência das políticas públicas de segurança na coibição e na aplicação das penas aos condenados.

O sistema carcerário que deveria ressocializar os condenados, porém diversamente disso oferece a superlotação, exclusão, precariedade sanitária, má alimentação, sedentarismo, em suma, desrespeito aos direitos humanos.

Mas esse tipo de prisão penal é resultado de todo um processo. Antes mesmo de o sujeito se tornar culpado pelo crime e ser penalizado, passa-se por um processo penal, o qual pode-se aplicar a prisão temporárias – cautelares – ou não. Prisões cautelares

Processualmente, há algumas formalidades

para a realização de prisões. Doutrinariamente há algumas espécies de prisão: a prisão penal e a prisão processual – cautelar ou provisória.

A prisão penal ocorre após o juiz decretar a sentença condenatória transitada em julgado. Já as prisões processuais são realizadas antes da formação da culpa. Em linhas gerais, as prisões processuais são aquelas que restringem a liberdade de ir e vir de uma pessoa, temporariamente, durante o inquérito policial, e/ou no decorrer da ação penal, a fim de investigar a ocorrência de crimes graves, indícios de crime, para impedir a obstrução do processo ou à execução da sentença. Neste ponto é que este trabalho se debruça.

Dentre as prisões cautelares, ou prisões processuais, pode-se identificar, no Código de Processo Penal, a prisão em flagrante, em seus artigos n° 301 a 310; a prisão preventiva, ao

20 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Op. Cit.

longo dos artigos 311 a 316; a prisão domiciliar, nos artigos n° 317 e 318; 21 e a prisão temporária, conforme a Lei n° 7.960/89. 22

As Audiências de Custódia ocorrem na hipótese das prisões em flagrante, em que o juiz deve ser acionado para avaliar a prisão em flagrante delito e avaliar a necessidade da manutenção da prisão. Prisão em flagrante

A prisão em flagrante é prevista no capítulo II

do Código de Processo Penal. A prisão em flagrante delito dá direito, por imposição legal, a qualquer cidadão e as autoridades policiais de prender quem estiver em flagrante delito, segundo o art. 301. 23

Conforme o art. 302 considera-se que esteja em flagrante delito quem: está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; e é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 24

Em sequência, há a hipótese de infrações permanentes, e que considera-se em flagrante delito o agente enquanto não acabar a permanência da ação. Ainda, considera-se que a falta de testemunhas da infração penal não impede o auto de prisão em flagrante, mas se precisa da assinatura de ao menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade policial. Em caso de recusa de o acusado a assinar ou não puder assinar, o auto de prisão será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido a leitura na presença do acusado.

O art. 306, §1° dispõe que: § 1° Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. 25

Após receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente relaxar a prisão ilegal; converter a prisão em flagrante em preventiva; ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança – art. 310.

21 BRASIL. Código de Processo Penal: Decreto-Lei n° 3.689 de 3 de outubro de 1941. Op. Cit. 22BRASIL. Prisão Temporária: Lei n° 7.960 de 21 de dezembro de 1989. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7960.htm> Acesso em: 08 de outubro de 2016. 23 BRASIL. Código de Processo Penal: Decreto-Lei n° 3.689 de 3 de outubro de 1941. Op. Cit. 24 Loc. Cit. 25 Idem.

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Portanto, até mesmo previsto no art. 310, há a necessidade de o juiz receber o auto de prisão em flagrante. Todavia, a Audiência de Custódia acaba por melhorar tal prática, pois tem o escopo de levar a pessoa presa à presença do juiz para que este avalie a necessidade da manutenção da prisão.

É um claro esforço de se humanizar o Processo Penal, no qual outrora o juiz analisava friamente os documentos e apresentava sua fundamentação de forma burocrática, impessoal, institucionalizada e desumanizada.

Já com a presença do indivíduo, há forte influência humanista no que tange à análise do caso em concreto, resultando na avaliação do descrito nos autos fornecidos pela polícia e na própria sustentação oral do indivíduo. Dados estatísticos do sistema prisional

A utilização de dados estat ísticos se mostra

significativa para este estudo. Ao usá-los é

possível demonstrar de forma comparativa, tanto a evolução quanto a equiparação dos dados entre os diversos entes federativos.

De início, demonstrar-se-á evolutivamente os números da população carcerária ao longo dos anos iniciais do século XXI. Esse tópico se fundamenta na demonstração de como são os atuais índices carcerários no Brasil, assim, a Audiência de Custódia se propõe a revisar a necessidade de alguns tipos de prisão e, consequentemente, diminuir os índices de prisões, especialmente as carceragens equivocadas.

Com efeito, abaixo, estão expostos os dados oficiais fornecidos pelo Ministério da Justiça para demonstrar a evolução do aumento da população carcerária no âmbito dos diversos Estados federativos brasileiros, entre os anos de 2000 e 2014.

Gráfico 1 - Evolução da população prisional no Brasil

Fonte: Relatórios Estatísticos Sintéticos do Sistema Prisional Brasileiro - 2000 a 2014. http://www.justica.gov.br/seus direitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-prisional/relatorios-estatisticos-sinteticos

Como se observa a partir de 2000 a população do sistema prisional no Brasil aumentou mais de 150%, isto é, bem acima do crescimento populacional. De fato as prisões vêm aumentando significativamente, por outro lado, a construção de novos complexos carcerários não aumentam na mesma proporção.

Isso acaba por demonstrar a ineficácia do sistema prisional, tanto no tratamento das

pessoas presas, como na ressocialização evidenciando que a crise da sociedade não está sendo solucionado.

Doravante, ao adentrarmos nos dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, ver-se-á que a prisão provisória também tem um peso significativo, pois acabam por acarretar a superlotação do número de vagas disponíveis.

Gráfico 2 - Evolução comparativa do número de presos no sistema prisional, de vagas e de presos provisórios entre 2000 - 2014

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1064

Fonte: Relatórios Estatísticos Sintéticos do Sistema Prisional Brasileiro - 2000 a 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seusdireitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-prisional/relatorios-estatisticos-sinteticos>

Constata-se que a quantidade de presos

provisórios representam, até 2014, 40% do total de pessoas presas. E, na lógica da evolução, esse número certamente não diminuiu até o ano de 2016.

É óbvio, que os dados fornecidos não são homogenios entre os diversos Estados analisados. As informações individuais dos vários Estados federativos, de forma comparada,

demonstram que as prisões provisórias acarretam um acréscimo significativo no número total de pessoas presas.

Dessa forma, se levarmos em conta os dados individuais dos Estados da federação, utilizando o método comparativo, é bastante significativa a porcentagem de pessoas que são mantidas presas provisioriamente. Conforme o gráfico abaixo:

Gráfico 3 – Principais indicadores carcerários por Unidade Federativa

Fonte: Infopen, dezembro/2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus direitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-prisional/relatorios-estatisticos-sinteticos>

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1065

Como se nota a quantidade de prisões provisórias é um tópico que exerce bastante influência no resultado de população prisional no Brasil. A prisão provisória se torna um dos principais fatores que incidem na superlotação, colocando em risco a segurança do sistema prisional e diminuindo os direitos humanos.

A par disso, é de suma importancia destacar, graficamente, a quantidade de presos sem condenação, já que o número de presos sem condenação com mais de 90 dias de aprisionamento, em porcentagem, demonstra esse descaso com os direitos humanos:

Gráfico 4 – Porcentagem de presos sem condenação com mais de 90 dias de aprisionamento

Fonte: Infopen, dezembro/2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus direitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-prisional/relatorios-estatisticos-sinteticos>

Pelo exposto, é indubitável que o sistema prisional brasileiro está em crise. Ademais, a manutenção de presos em prisão provisória indiscriminadamente é um dos fatores responsáveis pelo colapso do sistema. As Audiências de Custódias visam dar efetividade ao sistema de sorte que as prisões provisórias sejam mitigadas. Audiência de Custódia

A instituição e viabilidade das Audiências de Custódia foram temas muito debatidos em 2015 entre os operadores do Direito.

Hoje todos os estados brasileiros já implantaram a Audiência de Custódia, seguindo o preceito de respeito aos direitos humanos e a legislação.

Conceitualmente a Audiência de Custódia consiste no direito de a pessoa presa em

flagrante ser apresentada, sem demora, a um juiz competente, para que este juiz decida acerca da manutenção ou não de sua prisão.

Portanto, se trata de um direito da pessoa presa em flagrante de ter uma posição judicial pautada na autoridade do juiz, para julgar se a restrição de sua liberdade é necessária.

Assim, a Audiência de Custódia visa garantir um direito fundamental, que é o direito de a pessoa presa ter uma avaliação judicial acerca de sua prisão de forma célere.

Além disso, há uma clara defesa dos direitos humanos no que tange à prevenção da prática de coações ilegais, violência ou tortura, por autoridades policiais contra a pessoa presa, partindo-se da ideia de que se a pessoa presa tem direito a se apresentar a uma autoridade judicial, rapidamente, os agentes do Estado que

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1066

realizaram a prisão ficam inibidos de realizarem essa prática bastante comum no Estado brasileiro.

Todavia, existem ainda outras consequências resultantes da prática da Audiência de Custódia, como por exemplo, a diminuição da população carcerária, pois os casos de prisões arbitrárias, isto é, prisões sem fundamentos serão anuladas pelo juiz com base na lei.

Através da análise de um juiz, os índices de soltura das prisões em flagrante seriam aumentados, pois seria feita uma avaliação acerca da necessidade da manutenção da prisão por maiores períodos, o que não é realizado pela polícia. Conceito

Para uma precisa definição do que é a Audiência de Custódia é de suma importância verificar o significado dos termos em separado. Etimologicamente, ‘audiência’ provém do latim, “audīre ‘ouvir’, que se documenta em alguns vocábulos formados no próprio latim (como audiência) e em muitos outros introduzidos, já a partir do século XIV, na linguagem erudita. ” 26

Corroborando com antecedente, Washington dos Santos expõe em seu Dicionário Jurídico que “Audiência – (Lat. audientia.) S.f. Sessão solene por determinação de juízes ou tribunais, para a realização de atos processuais; julgamento.” 27

Já, o verbete ‘custódia’ é tido etimologicamente como: Custódia sf. ‘guarda, segurança, proteção’ ‘lugar onde se guarda alguma coisa em segurança’ XIV. Do lat. Custōdĭa ║ custodiar 1844 ║custódio adj. ‘que guarda, defende ou protege’ XIII. Do lat. Custos –ōdis ‘guarda, defensor’, com adaptação à terminação de custódia.

Portanto ‘custódia’ se trata de uma finalidade de preservação em segurança, de proteger algo ou alguém, prover segurança. No mundo jurídico, a custódia ganha novas facetas, como expõe Washington dos Santos: Custódia – S.f. Ato ou efeito de custodiar; ato de custodiar um preso, exercendo sobre ele guarda e vigilância, quando em sala livre, ou em um estabelecimento, que não é propriamente uma prisão, até a averiguação de algum delito; detenção de um delinquente, guardando-o, protegendo-o e vigiando-o constantemente, enquanto cumpre a sua pena determinada legalmente; ação de guardar coisa que pertença a uma pessoa ou a várias, que sob contrato, administrando, cuidando e conservando até a entrega, na data mencionada em contrato, aos seus legítimos proprietários; guarda de títulos e valores de que se incumbem bancos ou

26 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro : Lexikon Editora Digital, 2007, p. 83. 27 SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Ed itora Del Rey, 2001, p. 40.

sociedades especializadas e que tenham esta finalidade; lugar onde se guarda com segurança, alguém ou alguma coisa, dando-lhe proteção.

Há um forte apelo penal no sentido jurídico do que se entende por custódia. De algo a ser preservado, protegido ou guardado com segurança, em se tratando de pessoas estas são observadas e vigiadas para averiguação.

Doutrinariamente, ‘Audiência de Custódia’ é assim entendida na perspectiva de Lopes Júnior e Paiva: A denominada audiência de custódia consiste, basicamente, no direito de (todo) cidadão preso ser conduzido, sem demora, à presença de um juiz para que nesta ocasião, (i) se faça cessar eventuais atos de maus tratos ou de tortura e, também, (ii) para que se promova um espaço democrático de discussão acerca da legalidade e necessidade da prisão. 28

Nesse sentido, a Audiência de Custódia se trata da condução da pessoa presa, sem demora, à presença do juiz, ou de alguma autoridade judicial, 29 que deverá, respeitando o prévio contraditório estabelecido pelo Ministério Público e pela Defesa, exercer um controle imediato da legalidade, avaliando a necessidade da prisão. Além de ter o dever de observar as questões referentes à pessoa do cidadão que foi preso, apreciando se há indícios de prática de maus tratos e tortura. 30

A Audiência de Custódia também é conhecida como Audiência de Apresentação, sendo um instrumento processual penal que tem o intuito de proteger a liberdade pessoal do indivíduo, bem como defender a dignidade do acusado, garantindo a lisura do processo, resguardando o humanismo e defendendo os direitos fundamentais inerentes ao devido processo legal. 31

28 LOPES Jr, Aury & PAIVA, Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. In : Revista Liberdades. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n° 17 – setembro/dezembro de 2014. Disponível em: <http://www.revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/22/artigo01.pdf> Acesso em: 15 de outubro de 2015, p. 03. 29 A Constituição Federal autoriza o delegado de polícia a exercer funções tipicamente judiciais, conforme o Artigo 144, §4°: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Op. Cit. 30 PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o processo penal brasileiro. – 1ª ed. – Florianópolis: Empório do Direito, 2015, p. 31. 31 LIRA, Yulgan Tenno de Farias. Audiência de custódia e a tutela coletiva dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil. In: Lexmax: Revista do Advogado, omissão do Jovem

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Portanto, Audiência de Custódia se trata de um instrumento processual penal que visa resguardar os direitos individuais e fundamentais da pessoa acusada, garantindo sua integridade física, dignidade e o devido processo legal, com o contraditório.

Além disso, atribui ao juiz, a incumbência de avaliar a necessidade da manutenção da prisão e de verificar se há indícios de cometimento de maus tratos e tortura ao acusado por autoridades policiais. Previsão legal

No ordenamento jurídico brasileiro a Audiência de Custódia, como exposto anteriormente, foi incorporada através do Pacto de São José da Costa Rica e pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a Constituição Federal está acima das normas internacionais sobre direitos humanos. Sendo que essas normas internacionais estão acima das leis ordinárias, prevalecendo sobre estas.

Essa hipótese tem fundamento jurisprudencial. Do HC 96.967/MS o Superior Tribunal Federal se posicionou da seguinte maneira: Ementa DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in) admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos

Advogado da OAB/PB: João Pessoa. Ano 1, n. 3, 2015, Disponível em: <http://ojs.oabpb.org.br/index.php/lexmax/art icle/view/37/10> Acesso em: 15 de outubro de 2016, p. 07.

no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido. (Grifo nosso) 32

Nesse sentido, ainda que a Audiência de Custódia esteja em desacordo com normas infraconstitucionais, isto é, leis ordinárias, elas são admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, pois estão acima destas, porém abaixo da Constituição Federal. Audiências de Custódia: projeto e resolução

Com o intuito de mudar o paradigma da ‘cultura do encarceramento’ e, consequentemente, impactar positivamente o sistema carcerário, as Audiências de Custódia se demonstram como um norte, uma orientação concreta que comprova que a prisão não resolve tudo.

Além de proporcionar uma economia aos cofres públicos, os números da população carcerária tendem a ter uma baixa significativa, diminuindo os problemas de superlotação e, por conseguinte, o aumento da violência dentro do sistema carcerário.

Em dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski, que à época era presidente do CNJ, compôs e dirigiu o Projeto intitulado ‘Audiência de Custódia’, em 30 de abril de 2015. 33 Nesse sentido, o projeto das Audiências de Custódia se mostrou como uma importante ferramenta para impactar e diminuir as mazelas do atual sistema carcerário.

Dentre os principais objetivos da implantação das Audiências de Custódia, tem-se: a verificação da legalidade das prisões em flagrante delito; contemplar a necessidade da prisão, de forma democrática, por meio do Ministério Público e da Defesa; revelar com mais precisão o movimento criminal; instalar estruturas alternativas às prisões, monitoração eletrônica, mediação penal,

32 BRASIL; STF. HC 96.967/MS. Relatora Min. Ellen Gracie, Julgamento 11/11/2008, Órgão Julgador Segunda Turma, Publicação DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00407. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/ju risprudencia/2911117/habeas-corpus-hc-95967-ms> Acesso em: 15 de outubro de 2016. 33 BRASIL; CNJ. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2016, pp. 211-219. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/09/0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09b.pdf> Acesso em: 12 de novembro de 2016.

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assistência e serviços sociais; analisar impactos e resultados das Audiências de Custódia no ato processual; capacitação de autoridades judicial, policial, ministerial, defensorias, advogados e servidores; diminuir o encarceramento desnecessário com medidas judiciais e não judiciais previstas em lei; garantir os direitos fundamentais da pessoa presa pela autoridade judicial; dentre outras. 34

Através desse projeto do CNJ, chegou-se à Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015. A referida Resolução fundamenta-se em vários preceitos legais já estabelecidos, conforme exposto abaixo: CONSIDERANDO o art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, bem como o art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); CONSIDERANDO a decisão nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 do Supremo Tribunal Federal, consignando a obrigatoriedade da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente; CONSIDERANDO o que dispõe a letra "a" do inciso I do art. 96 da Constituição Federal, que defere aos tribunais a possibilidade de tratarem da competência e do funcionamento dos seus serviços e órgãos jurisdicionais e administrativos; CONSIDERANDO a decisão prolatada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240 do Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade da disciplina pelos Tribunais da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente; CONSIDERANDO o relatório produzido pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2011), pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU (A/HRC/27/48/Add.3, 2014) e o relatório sobre o uso da prisão provisória nas Américas da Organização dos Estados Americanos; CONSIDERANDO o diagnóstico de pessoas presas apresentado pelo CNJ e o INFOPEN do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN/MJ), publicados, respectivamente, nos anos de 2014 e 2015, revelando o contingente desproporcional de pessoas presas provisoriamente; CONSIDERANDO que a prisão, conforme previsão constitucional (CF, art. 5º, LXV, LXVI), é medida extrema que se aplica somente nos casos expressos em lei e quando a hipótese não comportar nenhuma das medidas cautelares alternativas; CONSIDERANDO que as inovações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, impuseram ao juiz a obrigação de converter em prisão preventiva a prisão em flagrante delito, somente quando

34 Idem, pp. 214-216.

apurada a impossibilidade de relaxamento ou concessão de liberdade provisória, com ou sem medida cautelar diversa da prisão; CONSIDERANDO que a condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal, previsto no art. 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; CONSIDERANDO o disposto na Recomendação CNJ 49 de 1º de abril de 2014; 35

Uma vez instituída, a Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015 entrou em vigor em 1° de fevereiro de 2016. E, a partir daí, já vem demonstrando significativas mudanças nos paradigmas carcerários.

Todos fundamentos legais supracitado são consoantes com o Protocolo de Istambul, um manual que orienta as investigações para se apurar a utilização da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Este manual foi produzido pela Organização das Nações Unidas – ONU –, sendo que o Brasil é signatário deste desde 18 de dezembro de 2002, porém sua ratificação somente ocorreu em 19 de abril de 2007, pelo Decreto n° 6.085. 36

O objetivo do Protocolo de Istambul foi de fornecer um manual para auxiliar os Estados signatários a precaver e fornecer dados sobre uma das exigências mais fundamentais dos cidadãos, a garantia da proteção da pessoa humana.

Assim, fornece parâmetros para a elaboração de documentação eficaz para o recolhimento de provas da prática da tortura e maus tratos. Com isso, há um aumento nas investigações e da responsabilização aos infratores pelos seus atos, garantindo à justiça subsídios.

Portanto, o Protocolo de Istambul t rata-se de um guia metodológico para o levantamento de documentação para atividades de investigação e supervisão em matéria de direitos humanos, podendo até incidir em situações de asilo político, defesa de indivíduos que confessam fatos tipificados sob a influência de tortura.

Registre-se que sob a orientação da Resolução n°213/15 do Conselho Nacional de Justiça, as Audiências de Custódia já vem sendo

35 BRASIL; CNJ. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2016, pp. 221-222. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/09/0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09b.pdf> Acesso em: 12 de novembro de 2016. 36 BRASIL. Decreto n° 6.085, de 19 de abril de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6085.htm> Acesso em: 29 de novembro de 2016.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1069

realizadas em diversos Estados da Federação como: São Paulo, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Amazonas, Tocantins, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Piauí, Santa Catarina, Bahia, Roraima, Acre, Rondônia, Rio de Janeiro, Pará, Amapá, Alagoas, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. 37

A partir de então, as Audiências de Custódia vem apresentando resultados surpreendentes. Pelo es forço do Conselho Nacional de Justiça, especialmente de seu então presidente Ricardo Lewandowski, todos Estados da Federação se propuseram a implantar as Audiências de Custódia. Abaixo segue o fluxograma de procedimento das Audiências de Custódia:

Fonte: CNJ, junho/2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/f iles/conteudo/arquivo/2016/09/ 0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09b.pdf> Dados estatísticos das Audiências de Custódia

Em âmbito nacional, o Conselho Nacional de Justiça disponibilizou em seu sítio os seguintes dados sobre o total de Audiências de Custódia já realizadas: Total no Brasil até setembro/16: Total de audiências de custódia realizadas: 140.383 Casos que resultaram em liberdade: 65.344 (46,55%) Casos que resultaram em prisão preventiva: 75.039 (53,45%) Casos em que houve alegação de violência no ato da prisão: 6.766 (4,82%)

37 BRASIL; CNJ. Audiência de custódia. Brasília: CNJ, 2016, pp. pp. 22-185. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/09/0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09b.pdf> Acesso em: 12 de novembro de 2016.

Casos em que houve encaminhamento social/assistencial: 12.762 (9,09%) 38

Como se pode notar fica evidente que após a implantação das Audiências de Custódia no Brasil os casos de liberdade alcançaram um patamar relevante, de quase 50%. Ou seja, quase metade das prisões, em âmbito nacional, foram analisadas por juízes ou autoridades judiciais e tiveram a convicção de que as prisões eram equivocadas.

Verifica-se ainda que quase 5% das prisões tiveram alegação de que houve violência, incidindo na utilização de tortura ou análogos por parte das autoridades policiais. Assim, com a exposição a um juiz, os crimes perpetrados pelas autoridades policiais tiveram inquéritos abertos, evitando que estes saíssem ilesos de crimes contra os direitos humanos.

As medidas alternativas à prisão, como o encaminhamento social e/ou assistencial, tiveram número importante, de mais de 9%. Isso demonstra que com base na legislação disposta, a colaboração de um profissional preparado pode ser relevante para reverter os quadros carcerários.

Pelo exposto podemos inferir que em um curto espaço de tempo já houve mudanças a respeito do paradigma da ‘cultura do encarceramento’, e na própria visão de que somente a prisão solucionaria os problemas.

Para melhor entender o processo de implantação e a eficácia das Audiências de Custódia, tomamos como base a Capital Federal, cujos dados estatísticos são sistematicamente analisados e expostos no sitio do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Os seguintes números foram apresentados recentemente: pessoas apresentadas às Audiências de Custódia, 839; número de Audiências de Custódia realizadas, 659; liberdades provisórias concedidas, 422; conversões em prisões preventivas, 417. 39

38 BRASIL; CNJ. Dados estatísticos/mapa de implantação: audiência de custódia. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil> Acesso em: 12 de novembro de 2016. 39 BRASIL; TJDFT. Estatísticas do núcleo de audiência de custódia-NAC. Outubro de 2016. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/corregedoria/produtividade/produtividade-nucleo-de-audiencias-de-custodia/EstatsticaNACOUTUBRO2016SITE.pdf/view> Acesso em: 31 de novembro de 2016.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1070

Abaixo segue o gráfico dos dados das Audiências de Custódia em Brasília: Gráfico 5 – Dados gerais das audiências de custódia em outubro/2016

Fonte: TJDFT, outubro/2016. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/corregedoria/produtividade/

produtividade-nucleo-de-audiencias-de-custodia/EstatsticaNACOUTUBRO2016SITE.pdf/view > O Núcleo de Audiências de Custódia – NAC apresenta vários dados sobre o tema, alguns bem

específicos como o gráfico por gênero. Em números absolutos foram apresentadas nas Audiências de Custódia 798 pessoas do sexo masculino e 41 do sexo feminino, demonstrando um alto índice de criminalidade dentre os indivíduos do gênero masculino.

Gráfico 6 – Gráfico por gênero

Fonte: TJDFT, outubro/2016. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/corregedoria/produtividade/

produtividade-nucleo-de-audiencias-de-custodia/EstatsticaNACOUTUBRO2016SITE.pdf/view >

No relatório do NAC apresentado no mês de abril, coletaram-se dados referentes aos principais tipos penais incidentes no Distrito Federal:

Gráfico 7 – Gráfico percentual dos principais tipos penais

TJDFT, abril/2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/f iles/conteudo/arquivo/2016/09/

0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09b.pdf>

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1071

Não há dúvida que os números apurados e essa visão setorizada podem servir de parâmetro para verificar a efetividade das Audiências de Custódia.

Posta assim a questão, pode-se afirmar que em menos de um ano de aplicação no âmbito nacional, as Audiências de Custódia vêm demonstrando significativas mudanças no paradigma prisional, já que a superlotação, as prisões ilegais, as prisões com uso de violência, dentre outras, acabam por passar por uma verificação mais acurada, por um juiz, conforme estabelece a legislação vigente. Conclusão

Este trabalho teve por objeto a análise da

proposta e da real efetividade das Audiências de Custódia no Brasil. Para tanto, foi apresentado um breve histórico do tema, evidenciando os Tratados Internacionais assinalados pelo Brasil, como consoantes à prática das Audiências de Custódia, as previsões legais constitucionais e infraconstitucionais, bem como a proposta de Projeto de Lei pelo TJSP, culminando no Provimento Conjunto n° 03/2015.

Depois foram apontados os princípios constitucionais e processuais penais que abarcam o tema, resultando na aproximação do objeto de estudo. Para isso, foi levantada uma crítica acerca do sistema prisional brasileiro, explanando sobre o impacto das prisões cautelares na superlotação do sistema carcerário. Além disso, foram detalhados os institutos da prisão em flagrante, como um dos requisitos para a Audiência de Custódia. E para demonstrar o impacto desta na realidade brasileira, foi desenvolvido um tópico sobre os dados estatísticos do sistema prisional.

Com efeito, dissertou-se sobre a definição conceitual da Audiência de Custódia, explicando sua previsão legal, assim como, sobre o impacto da proposta do projeto do CNJ, que culminou na Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015 do Conselho Nacional de Justiça, sob a orientação do então presidente Ricardo Lewandowski.

Vale lembrar que essa resolução incidiu na adoção das Audiências de Custódia em todos Estados da Federação, o que teve um impacto primordial nos índices de prisão. Em quase 50% dos casos, após serem analisados pelo juiz, determinou-se a soltura dos indivíduos por equívocos, ilegalidade ou uso da violência, maus tratos e tortura.

Destarte, foram destacados dados nacionais e, especificamente, os dados das Audiências de Custódia no Distrito Federal, onde é notável a efetividade e a mudança de paradigma quanto às prisões.

Cumpre ratificar que a Audiência de Custódia tem como objetivo que o indivíduo preso em flagrante seja levado à presença de um juiz, num prazo máximo de 24 horas após sua prisão, podendo ter a companhia de seu advogado, ou

defensor público, este deve ser ouvido pelo juiz, que decidirá pelo relaxamento ou pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. O juiz pode ainda substituir a prisão preventiva por liberdade provisória, adotando medidas cautelares, como a monitoração eletrônica ou a apresentação recorrente ao juizado.

As Audiências de Custódia têm igualmente o escopo de esclarecer se houve maus tratos ou tortura na abordagem policial com o intuito de preservar a integridade e dignidade do indivíduo preso, garantindo o respeito aos direitos fundamentais e aos direitos humanos, uma vez que a presença do juiz assegura o contraditório buscando evitar prisões equivocadas e desnecessárias.

Ademais esse instituto surge como uma potencial forma de desencarceramento reformulando o modo de fixar prisões e representando uma importante mudança de paradigma em todo sistema penal, diminuindo, inclusive, o impacto com a manutenção de presos provisórios nos pres ídios já superlotados, que resultam no aumento de gastos públicos.

Cumpre destacar que ainda há o que aprimorar na Audiência de Custódia de modo que as medidas adotadas devem ser associadas a uma sistemática gestão que contemple simultaneamente o investimento em recursos humanos, que haja o fortalecimento das defensorias públicas e demais instituições envolvidas no processo, garantindo a defesa do indivíduo, além disso, deve do mesmo modo existir uma fiscalização periódica quanto ao cumprimento das medidas alternativas.

Por todo exposto conclui-se que mesmo necessitando de maiores investimentos, a Audiência de Custódia da forma como foi proposta e instituída no Brasil, com base nos números que vêm sendo apresentados, corrobora com a esperada efetividade da justiça e com o cumprimento de preceitos legais vigentes na legislação pátria que visam assegurar direitos e garantias fundamentais. Bibliografia

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