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Direito das Obrigações Paulo Pichel 2009

Direito das obrigaçoes

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Direito das Obrigações

Paulo Pichel 2009

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I – PARTE INTRODUTÓRIA.....................................................................................................................................................8

SECÇÃO I – PRELIMINARES ....................................................................................................................................................8 1. Objecto, significado teórico-prático e características dominantes do Direito das Obrigações. Fixação da terminologia (Bibliografia: ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 10ª ed,, Almedina, pps. 15 a 27; BRANDÃO PROENÇA, Direito das Obrigações – relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino da disciplina, Publicações Universidade Católica, 2007, pps. 123 a 127). .......................................................................8

A. Objecto do Direito das Obrigações........................................................................................................................8 B. Fim do Direito das Obrigações, enquanto ramo da doutrina ..............................................................................8 C. Importância prática das obrigações ......................................................................................................................9 D. importância doutrinária da Teoria das Obrigações ............................................................................................10 E. Características dominantes do Direito das Obrigações.....................................................................................10

2. As fontes do Direito das Obrigações: o Código Civil de 1966 (sobretudo o Livro II) com as alterações introduzidas por diplomas posteriores, a legislação avulsa (incluindo a resultante da transposição de Directivas), os regulamentos comunitário e as Convenções internacionais ratificadas. A sistematização adoptada pelo legislador no Livro II. (Bibliografia: ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 10ª ed,, Almedina, pps. 42 a 47) ....................................................................................................................................................................................12

A. Plano da sistematização do Código Civil, quanto ao Direito das Obrigações (critérios de sistematização).12 SECÇÃO II – NOÇÃO, ESTRUTURA, E FUNÇÃO DA OBRIGAÇÃO (RELAÇÃO OBRIGACIONAL).......................................................12

3. Noção de obrigação em sentido amplo (dever jurídico, estado de sujeição, ónus jurídico e poder-dever) e em sentido restrito ou técnico. Reservas à noção perfilhada pelo legislador no art. 397º do Código Civil. (Bibliografia: BRANDÃO PROENÇA, Direito das Obrigações – relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino da disciplina, Publicações Universidade Católica, 2007, pps. 127 a 140; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 10ª ed,, Almedina, pps.51 a 72 ) .....................................................................................12

A. Acepções do termo obrigação. Conceitos afins.................................................................................................12 A.1. Dever jurídico .................................................................................................................................................13 A.2. Estado de sujeição ........................................................................................................................................13 A.3. Ónus jurídico ..................................................................................................................................................14 A.4. Direitos-deveres (poderes funcionais)..........................................................................................................14

B. Obrigação em sentido técnico. Confronto com noções próximas ...................................................................15 B.1. Relações obrigacionais simples e complexas.............................................................................................15 B.2. As obrigações não autónomas.....................................................................................................................16

C. Noção de obrigação do art. 397º.........................................................................................................................17 4. Elementos constitutivos da obrigação: sujeitos, objecto e vínculo jurídico garantido coercivamente. O facto jurídico como elemento meramente causal da obrigação – reenvio para os Factos constitutivos de obrigações (III). ...................................................................................................................................................................................17

A. Os Sujeitos: o sujeito activo (credor/lesado) e o sujeito passivo (devedor/lesante). A singularidade e pluralidade subjectivas (ideias breves). Determinação do sujeito passivo e possível indeterminação (mas determinabilidade) do sujeito activo. Sujeitos da obrigação e legitimados para cumprir ou receber. Alusão sucinta à sucessão e à transmissão nas obrigações (remissão para IV). .............................................................17

A.1. Os sujeitos enquanto elemento da obrigação.............................................................................................17 B. O objecto: a prestação do devedor como objecto imediato da obrigação. O objecto mediato. ...................19

B.1. O possível conteúdo da prestação. As variantes da prestação: prestação de facto e de coisa; fungível, infungível e relativamente fungível; prestação instantânea e duradoura. Breve alusão a outras prestações (determinada e indeterminada, divisível e indivisível). ........................................................................................19 B.2. Deveres principais de prestação, deveres secundários de prestação e deveres laterais (de conduta) – a compreensão da relação obrigacional complexa. Outros conteúdos. Relações obrigacionais sem deveres primários de prestação. Tipologia, fontes e efeitos do incumprimento dos deveres laterais.........................23 B.3. O conteúdo negativo da prestação. Conexão deste conteúdo com os chamados requisitos da prestação (possibilidade, licitude, determinabilidade, conformidade à ordem pública e aos bons costumes). As normas especiais condicionantes dos requisitos. A dispensa legal e doutrinal dos requisitos da patrimonialidade e da autonomia. ..................................................................................................................24

C. O vínculo jurídico (o nexo direito à prestação-dever de prestar) como elemento verdadeiramente marcante da obrigação e com uma natureza essencialmente intersubjectiva. Ausência de vínculo jurídico nas relações de cortesia e nos acordos de cavalheiros e “vinculação específica” nas obrigações naturais. .........................25

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C.1. A relatividade obrigacional face à natureza absoluta (e solitária) dos direitos reais e outras diferenças menores. Os atributos (pacíficos?) da eficácia erga omnes dos direitos reais (prevalência e sequela) e a sua normal ausência nas obrigações. Desvios à relatividade obrigacional. Enunciação do problema da chamada “eficácia externa” dos direitos de crédito...........................................................................................26 C.2. Visão global da activação da garantia do vínculo jurídico pela responsabilidade patrimonial do devedor, por diversos meios de tutela pública, de tutela privada (preventiva e compulsiva, complementar e necessitada) e por certas consequências legais. ...............................................................................................26

5. A função da obrigação e a satisfação prioritária do credor. Secundarização dos interesses do devedor e âmbito legal do chamado favor debitoris. O valor patrimonial da obrigação e as faculdades dispositivas do credor. .............................................................................................................................................................................26

II – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES............................................................................26

6. O princípios da autonomia privada na sua ligação com a liberdade contratual. A dupla direcção desta liberdade justificada com a genérica supletividade das normas do Direito das Obrigações e as limitações decorrentes da publicização do direito privado ou da necessidade de uma justiça contratual. Os contratos negociados livremente e a magna questão dos contratos com cláusulas contratuais gerais ou pré-formuladas (sobretudo nas relações entre o profissional e o consumidor). A falsa “crise do contrato” e a alusão aos novos contratos. (Bibliografia: BRANDÃO PROENÇA, Direito das Obrigações – relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino da disciplina, Publicações Universidade Católica, 2007, pps. 140 a 142; HEINRICH EWALD

HORSTER, A parte Geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, pp. 52 a 54). .....................................................26 A. O Princípio da autonomia privada........................................................................................................................26 B. Limites à autonomia privada – publicização do direito privado e necessidade de justiça contratual ...........26

As vantagens do recurso à contratação “standardizada” (cláusulas gerais) ...................................................27 Os problemas específicos das cláusulas contratuais gerais: ............................................................................27

7. O princípio da boa fé. A boa fé como princípio normativo ou objectivo. Confronto com a boa fé subjectiva ou psicológica. O ideário do princípio e a sua transversalidade. A projecção principal do abuso do direito e dos seus tipos mais importantes: proibição do venire contra factum proprium, neutralização do direito, aquisição do direito e a conduta anterior indevida. O papel da jurisprudência na aplicação do princípio. Boa fé e responsabilidade pré-contratual..................................................................................................................................................................28

A. Distinção entre boa-fé objectiva e subjectiva .....................................................................................................28 B. O abuso do Direito ................................................................................................................................................28 C. Responsabilidade pré-contratual – remissão. ....................................................................................................30

8. O princípio da tutela do contraente mais débil. A projecção maior do princípio aos contratos de consumo, sobretudo ao consumidor de bens e serviços e ao que recorre a instrumentos de crédito. Os principais direitos dos consumidores (entre eles o direito de livre resolução) e a sua natureza injuntiva. .............................................31 9. O princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade como princípio que rege a actuação dos sujeitos obrigacionais na ligação à manutenção do equilíbrio das prestações, aos exercício ponderado e escalonado dos direitos, ao cumprimento dos deveres e à moderação da regulação convencional. A proporcionalidade concebida como reacção (legal) adequada à gravidade da culpa e ao tipo de dano causado. Exemplificações. .32 10. O princípio da responsabilidade patrimonial. O património do devedor como garantia do cumprimento das obrigações. A prioridade da tutela por execução específica (real) e residualidade da execução por equivalente indemnizatório.................................................................................................................................................................32 11. O princípio da heterorresponsabilidade. A responsabilidade perante os outros ou a imputação danosa por facto livre responsabilizante. O critério geral da responsabilidade civil subjectiva, a progressiva extensão do círculo da responsabilidade sem culpa e o menor relevo da responsabilidade por factos lícitos. ..........................32 12. O princípio da auto-responsabilidade. A “responsabilidade” perante si mesmo na sua articulação coma culpa do lesado, a assunção do risco, as condutas voluntárias com o risco de dano e as predisposições para o dano ou para o maior dano. ....................................................................................................................................................33

III – OS FACTOS CONSTITUTIVOS DE OBRIGAÇÕES.....................................................................................................33

SECÇÃO I – NOÇÃO E EVOLUÇÃO DOS FACTOS CONSTITUTIVOS ...............................................................................................33 13. A noção de factos constitutivos de obrigações .....................................................................................................33

13.1 A classificação dos factos constitutivos de obrigações antes da entrada em vigor do Código Civil ........33

SECÇÃO II – FACTOS VOLUNTÁRIOS GERADORES DE OBRIGAÇÕES ...........................................................................................34 14. O contrato .................................................................................................................................................................34

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14.1 Noção, objecto e conteúdo do contrato. Contratação negociada e contratação não negociada. O âmbito do clausulado convencionado. .................................................................................................................................34 14.2 Conclusão imediata ou definitiva do contrato, acordos pré-contratuais (cartas de intenção, acordos de negociação, acordo base, acordo-quadro) e contratos preliminares (remissão). Pré-formação do contrato e responsabilidade pré-contratual: fundamento, âmbito e conteúdo indemnizatório. ...........................................34 14.3 Contratos típicos (tipicidade legal e tipicidade social), atípicos, mistos, coligados e derivados. O subcontrato como exemplo principal de contrato derivado. .................................................................................35

Tipicidade legal e tipicidade social ......................................................................................................................35 Contratos atípicos .................................................................................................................................................36 Novas figuras contratuais .....................................................................................................................................36 Contratos mistos ...................................................................................................................................................37 Contratos coligados ..............................................................................................................................................37

14.4 A eficácia do contrato inter partes: eficácia obrigacional (unilateral ou bilateral) e eficácia real (consensus parit proprietatem – sistema do título). Os contratos com eficácia real diferida e provisória. A cláusula de reserva de propriedade: âmbito típico, características e funções. ........................................................................38 14.5 O contrato-promessa (estudo da primeira parte do seu regime). Noção, modalidades e interesses subjacentes. A conformação legal como resultado da conjugação das normas originais do Código Civil com as alterações introduzidas em 1980 e 1986. As modificações formais feitas nos arts. 410º e 413º pelo DL 116/08, de 4 de Julho. Equiparação entre o contrato-promessa e contrato-prometido e as excepções formais (maxime as do art. 410º,3) – a importância dos Assentos de 29 de Novembro de 1989, de 28 de Junho de 1994 e de 1 de Fevereiro de 1995 – e substanciais. Transmissão dos direitos e das obrigações dos promitentes. A onerosidade e as vantagens do contrato-promessa dotado de características reais. O clausulado típico do contrato-promessa: cláusula de sinal (em regra, confirmatório e, por vezes, penitencial) e cláusula de tradição do bem prometido-transmitir. ................................................................................................39

Noção .....................................................................................................................................................................39 Modalidades ..........................................................................................................................................................39 Interesses subjacentes (razões e finalidades) .....................................................................................................40 Regime aplicável. Princípio da equiparação .......................................................................................................40 Forma do contrato-promessa...............................................................................................................................41 Transmissão dos direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa ...................................................43 A execução específica ..........................................................................................................................................43 Articulação com o regime de sinal .......................................................................................................................45

14.6 O pacto de preferência. Noção, modalidades e requisitos formais. Distinção do contrato-promessa e do pacto de opção. Efeitos de preferência pactícia (com e sem eficácia real). A natureza pessoal do direito e da obrigação de preferência. Os direitos legais de preferência: razão de ser e casos mais importantes. O exercício do direito de preferência: comunicação do “projecto de venda e das cláusulas do respectiva contrato”. As diferentes “respostas” do preferente e a questão da validade da renúncia (prévia ou posterior) ao exercício do direito. Consequências da violação do direito de preferência: indemnização e acção de preferência. Os problemas colocados por esta acção: legitimidade passiva, quantia a depositar e simulação do preço. Venda da coisa por um preço global e pluralidade de preferentes (exercício conjunto e disjunto). .51 14.7 O contrato a favor de terceiro: noção, admissão tardia e distinção dos contratos com eficácia de protecção para terceiro, dos contratos com prestação de facto de terceiro e dos contratos autorizativos de prestação a terceiro. A tripla relação do contrato a favor de terceiro: a relação promitente-promissário (relação de cobertura ou de provisão), a relação promissário-terceiro (relação de valuta) e a relação promitente-terceiro (relação de cumprimento). A amplitude das obrigações do promitente, a rejeição e a consolidação do direito do terceiro e o conjunto dos meios de defesa do promitente.......................................55

Noção e estrutura ..................................................................................................................................................55 O regime normal dos contratos a favor de terceiros ..........................................................................................56 Distinção dos contratos com eficácia de protecção para terceiro, dos contratos com prestação de facto de terceiro e dos contratos autorizativos de prestação a terceiro .........................................................................57

14.8 O contrato para pessoa a nomear. Noção, época de surgimento, funções e regime.................................57 14.9 A extinção do contrato activada ou não por vontade das partes: resolução, denúncia, revogação e caducidade. O fundamento, o âmbito e os efeitos desses instrumentos de cessação contratual. O direito de livre resolução próprio dos contratos de consumo. A responsabilidade pós-contratual (posterior à execução contratual). ..................................................................................................................................................................58

A extinção do contrato..........................................................................................................................................58 O direito de livre resolução próprio dos contratos de consumo .......................................................................58

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A responsabilidade pós-contratual ......................................................................................................................58 15. Os negócio unilaterais. Os diversos actos unilaterais e os negócios unilaterais instrumentais. A posição do legislador quanto ao reconhecimento dos negócios unilaterais como fonte de obrigações. A interpretação do artigo 458º no tocante ao valor da promessa de cumprimento e do reconhecimento de dívida. As promessas e os concursos públicos. ..................................................................................................................................................59

SECÇÃO III – FACTOS NÃO VOLUNTÁRIOS GERADORES DE OBRIGAÇÕES...................................................................................59 16. O enriquecimento sem causa. Noção, requisitos e tipos de enriquecimento (exemplificação). Enriquecimento real e enriquecimento patrimonial. Explicitações da natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. A questão do objecto da restituição nos casos de enriquecimento por intervenção – alusão à chamada doutrina da afectação dos bens. Agravamento do objecto da restituição e prescrição do direito à restituição. .......................59

16.1 Noção e pressupostos ......................................................................................................................................59 16.2 Requisitos do enriquecimento sem causa (positivos e negativos) ................................................................59

16.2.1 Requisitos positivos...................................................................................................................................59 16.2.2 Requisitos negativos..................................................................................................................................62 16.2.3 O problema da capacidade do enriquecido e do que suporta o enriquecimento................................63

16.3 Hipóteses especiais de enriquecimento injustificado.....................................................................................63 16.3.1 Repetição do indevido...............................................................................................................................63 16.3.2 Enriquecimento por virtude de uma causa que deixou de existir..........................................................64 16.3.3 Enriquecimento por falta do resultado previsto ......................................................................................64

16.4 Obrigação derivada do enriquecimento sem causa .......................................................................................65 16.5 Prescrição – arts. 482º e 309º ..........................................................................................................................66

17. A gestão de negócios. Noção, função e requisitos. Gestão de negócios, dever geral de auxílio e actuação em estado de necessidade. Gestão de negócios mista, regular, imprópria e com desconhecimento da alienidade do negócio. As obrigações do gestor de negócio. Avaliação da culpa do gestor e efeitos da aprovação ou não aprovação da gestão. A prática de actos jurídicos negociais por parte do gestor: gestão representativa e não representativa. Gestão de negócios e direito de preferência......................................................................................67

17.1 Noção, função e requisitos ...............................................................................................................................67 17.2 Relações entre o gestor e o dono do negócio ................................................................................................69

17.2.1 Deveres do gestor para com o dono do negócio (actio negotiorum gestorum directa) ......................69 17.2.2 Direitos e deveres do dono do negócio perante o gestor (actio negotiorum gestorum contraria) .....71 17.2.3 Efeitos quanto a terceiros .........................................................................................................................72

18. A responsabilidade civil ...........................................................................................................................................72 18.1 Noção e modalidades principais: responsabilidade extracontratual (delitual) e contratual (obrigacional). Diluição de diferenças entre as suas modalidades e referência ao concurso de responsabilidades.................72 18.2 A tríade clássica da responsabilidade extracontratual: objectiva (em especial, pelo risco) e responsabilidade por factos lícitos (ou pelo sacrifício). ..........................................................................................73 18.3 A evolução, potenciação, modernização e socialização (directa e indirecta) da responsabilidade civil. A crescente obrigatoriedade do seguro de responsabilidade e o papel dos Fundos de Garantia. .......................73 18.4 A função primária e a função secundária da responsabilidade civil. ...........................................................74 18.5 A responsabilidade civil subjectiva ou por factos ilícitos e os pressupostos previstos na Grundnorm do art. 483º. .....................................................................................................................................................................74

18.5.1 O facto voluntário (activo ou omissivo do lesante) .................................................................................74 18.5.2 A ilicitude ....................................................................................................................................................74 18.5.3 o nexo de imputação do facto ao lesante: imputabilidade e culpa .......................................................76 18.5.4 O dano ........................................................................................................................................................79 18.5.5 o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Referências às teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e do escopo de protecção da norma. A opção pelo critério da causalidade adequada: caracterização, variantes principais e resolução dos casos de causalidade mediata...................................................................................................................................................................81

18.6 A responsabilidade objectiva (em especial pelo risco)...................................................................................81 18.6.1 Fundamentação e aspectos comuns da responsabilidade objectiva. Tendência para a diluição da sua excepcionalidade e relatividade. Alusão aos novos tipos de responsabilidade objectiva.......................81 18.6.2 Os casos codificados da responsabilidade objectiva.............................................................................82 18.6.3 Análise de algumas hipóteses não codificadas de responsabilidade objectiva...................................88

18.7 A responsabilidade civil por factos lícitos: fundamento, ausência de um quadro sistemático e heterogeneidade (quanto ao âmbito e aos critérios de indemnização).................................................................88 18.8 O direito à indemnização como efeito da responsabilidade civil ..................................................................88

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18.8.1 A titularidade activa e passiva do direito à indemnização. A titularidade activa não individual ou difusa. .....................................................................................................................................................................88 18.8.2 A prescrição do direito à indemnização e articulação com as normas gerais da prescrição. ............89 18.8.3 As formas da indemnização: reconstituição natural e indemnização em dinheiro. A primazia da reconstituição natural e os seus limites – o caso particular da destruição ou danificação de coisas usadas e os critérios jurisprudenciais relativos à excessiva onerosidade. Cálculo da indemnização em dinheiro e “teoria da diferença”. A importância do preceituado nos arts. 805º,3 e 806º,3 – o acórdão uniformizador nº 4/2002. Indemnização provisória, indemnização definitiva, indemnização em capital e indemnização sob a forma de renda. O princípio da compensação do dano com o lucro ou a da compensação das vantagens.................................................................................................................................................................................89

19. Factos modificativos das obrigações......................................................................................................................92 19.1 Modificações subjectivas: por transmissão e por sucessão mortis causa ...................................................92 19.2 Modificações objectivas: voluntárias (do título, do objecto ou conteúdo) e não voluntárias......................92

20. Factos transmissivos das obrigações .....................................................................................................................92 20.1 Visão geral das modificações subjectivas com indicações históricas..........................................................92

20.1.1 Transmissão pelo credor: cessão de créditos e sub-rogação...............................................................93 20.1.2 Transmissão pelo devedor: transmissão singular de dívidas. Noção, formas de transmissão, assunção liberatória e assunção cumulativa e efeitos. ......................................................................................95 20.1.3 Transmissão por parte dos contraentes: cessão da posição contratual. Noção, consagração legal, requisitos (a estrutura triangular da cessão), confronto com o subcontrato e a sub-rogação legal no contrato e efeitos (nas relações cedente-cessionário, cedente-contraente cedido e cessionário-contraente cedido) ....................................................................................................................................................................95

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I – PARTE INTRODUTÓRIA

SECÇÃO I – Preliminares

1. Objecto, significado teórico-prático e características dominantes do Direito das Obrigações. Fixação da

terminologia (Bibliografia: ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 10ª ed,, Almedina, pps. 15 a 27; BRANDÃO

PROENÇA, Direito das Obrigações – relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino da disciplina,

Publicações Universidade Católica, 2007, pps. 123 a 127).

A. Objecto do Direito das Obrigações

• Conjunto de normas jurídicas reguladoras das relações de crédito (relações jurídicas em que ao direito

subjectivo atribuído a um dos sujeitos corresponde um dever de prestar especificamente imposto a

determinada pessoa).

• É o dever de prestar a que uma pessoa fica adstrita, no interesse de outra, que distingue a relação

obrigacional de outros tipos próximos de relação (direitos reais, direitos de autor, direitos de personalidade),

pelo que se pode dizer (tomando a parte pelo todo) que o objecto fundamental do direito das obrigações

consiste nos deveres de prestação.

B. Fim do Direito das Obrigações, enquanto ramo da doutrina

• Elaboração sistemática, feita com espírito científico, de todas as soluções facultadas pelas normas

reguladoras das relações de crédito. Para tal, importa a rigorosa delimitação das relações creditórias

(apurando-se o conceito de obrigação), conhecer as fontes da obrigação e as modalidades da obrigação.

• Apuramento do conceito de obrigação:

o Mediante o confronto com as figuras mais próximas.

o Analisando os elementos em que a relação creditória se decompõe e a forma como estes se

articulam entre si.

o Determinando a função do dever de prestar e a influência que ela exerce na vida da obrigação.

o Estabelecendo os pontos de contacto e as diferenças existentes entre as obrigações e as outras

espécies de relações pertencentes ao foro do direito privado.

• As fontes da obrigação:

o É o facto onde nasce o vínculo, que lhe confere existência real, é um elemento estranho à obrigação.

No entanto, convém que o estudo do regime jurídico das obrigações seja precedido do

conhecimento das suas fontes, não só por ser esta a sede própria da matéria, mas para assinalar

também a influência que o facto gerador da obrigação pode exercer na sua disciplina.

o É no capítulo das fontes das obrigações que têm assento, quer os princípios gerais privativos dos

contratos, quer a teoria dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo certo que os contratos e a

responsabilidade civil constituem, na fenomenologia da vida social, os dois grandes caudais das

relações de crédito.

• O fim natural da obrigação, seja qual for a modalidade que a prestação revista, é o cumprimento, que

representa o meio normal de satisfação do interesse do titular activo da relação.

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C. Importância prática das obrigações

• São as obrigações que constituem o conjunto mais numeroso e, sob vários aspectos, o complexo mais

importante das relações submetidas ao império do direito privado. É através delas que se desenvolve e opera

na vida real o importantíssimo fenómeno da colaboração económica entre os homens. Esta cooperação, em

regra assente na autonomia privada, mas também imposta pelo Estado, pode revestir múltiplos aspectos:

o A circulação dos bens – através dos negócios de alienação ou de oneração de coisas móveis,

imóveis ou imateriais [nota: a circulação dos bens constituía a principal função prática das relações de crédito durante

o longo período em que, tanto antes como depois da revolução industrial, o instrumento básico da vida económica consistia

na permuta de bens].

o A colaboração dos Homens e das empresas, na organização e funcionamento das sociedades, nos

contratos de trabalho ou empreitada ou na prestação de serviços. [nota: a cooperação entre os sujeitos da

relação creditória pode ir desde a ténue coordenação em que assenta a empreitada ou a prestação de serviços no exercício

de profissão liberal até ao empenho profundo de personalidade dos associados, que envolve certos contratos de sociedade,

passando pelo vínculo intermédio do contrato de trabalho, que pressupõe a subordinação do trabalhador a autoridade e

direcção da entidade patronal. A profunda revolução tecnológica operada em vários ramos da actividade económica trouxe,

por seu turno, uma deslocação cada vez maior dos sectores primário e secundário (indústria) para o sector terciário (dos

serviços), no que respeita à mão-de-obra e ao volume das relações contratuais].

o A prevenção dos riscos individuais, capazes de afectarem a economia pessoal, familiar ou da

empresa (contrato de seguro, renda perpétua, renda vitalícia).

o A reparação patrimonial dos danos sofrido, quer como consequência da violação dos contratos, dos

direitos absolutos ou das normas destinadas a proteger interesses de outrem, quer por virtude do

exercício de certas actividades que envolvem riscos, cada vez mais graves, nas sociedades

tecnicamente evoluídas (acidentes de viação e de trabalho).

• Pelo seu lado funcional, as relações de crédito constituem um domínio particularmente dinâmico da realidade

jurídica (enquanto os direitos reais, tendentes a garantir situações duradouras de uso, fruição ou eventual

aquisição das coisas têm uma função essencialmente estática). Analisando qualquer relação obrigacional

isolada, verifica-se que a obrigação se traduz, pelo seu resultado prático, no sacrifício imposto a uma das

partes, com o fim de proporcionar uma vantagem à outra parte, sob a cominação de sanções próprias da

disciplina jurídica. São, por conseguinte, as normas jurídicas (reguladoras das obrigações) que, mediante a

cominação de providências coercitivas adequadas, estabelecem uma relação de subordinação entre os

interesses dos titulares da relação. Tendo por base o princípio da autonomia privada, a função das normas

legais limita-se, essencialmente, a um duplo objectivo:

o Fixar, de acordo com a vontade presuntiva das partes, o regime aplicável aos numerosos aspectos

em que falha constantemente a declaração negocial, ou porque os interessados o não previram

(lacuna de omissão), ou porque os regularam em termos obscuros, equívocos ou contraditórios

(lacuna de colisão) – neste caso, as normas procuram estabelecer a equilibrada conciliação dos

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interesses opostos do devedor e do credor, através da interpretação ou da integração das

respectivas declarações de vontade.

o Estabelecer preceitos basilares que devem ser observados nas relações onde não pontifica a

vontade das partes, ou nos pontos em que a estipulação dos particulares, como sucede em

múltiplos aspectos dos contratos de locação e de trabalho, tem de subordinar-se a certos interesses

(públicos) de nível superior – a missão da lei consiste em definir a mais criteriosa coordenação entre

o interesse particular dos sujeitos da relação, ou de um deles, e as exigências ditadas por fins de

plano mais elevado ou pela defesa de legítimos interesses de terceiros.

D. importância doutrinária da Teoria das Obrigações

• Por não estarem tão expostas à influência dos factores políticos, morais e religiosos que caracterizam, em

determinadas épocas, as instituições de cada comunidade, as obrigações tornaram-se um campo de fácil

convergência e de mais fecunda cooperação entre os juristas dos diversos países, tal prende-se não só pelo

influxo comum, mais ou menos forte, recebido do direito romano e do direito canónico, mas também por

uma série de componentes tiradas da evolução paralela de muitos institutos e da identidade da natureza

humana que facilitam o diálogo universal num domínio da vida social em que são mais lassos os factores de

inspiração local, nacional ou territorial.

• A riqueza da teoria geral das obrigações provém, por seu turno, da extrema variedade dos deveres de

prestação, da complexidade dos deveres secundário que guarnecem os diversos deveres de prestar, e da

multiplicidade de fenómenos que pode inserir-se no processo de formação e desenvolvimento da relação

obrigacional (modificação, transmissão, garantia, extinção, etc.).

• O direito das obrigações constitui deste modo o capítulo do direito civil de técnica mais apurada, na fixação

e na fundamentação das soluções, na sistematização metódica das matérias e, principalmente, na

transposição dos elementos facultados pela interpretação e integração das leis para o plano dogmático da

aparelhagem. Influencia com os seus quadros lógico-categoriais outros sectores do direito civil e do

comercial e sectores do direito público como o direito fiscal e o direito administrativo.

E. Características dominantes do Direito das Obrigações

• Ramo do Direito privado civil de natureza tendencialmente patrimonial e com um largo espectro de

convivência normativa (Direitos reais, Direito do Consumo, Direito do Ambiente, Direito Comercial, Direito dos

Valores Mobiliários, etc).

o Não é, no entanto, um puro direito de autonomia privada, bastando pensar na publicização dos

últimos decénios (protecção de determinados contraentes) de normas protectoras dos consumidores

e dos que contratam por adesão seguros obrigatórios, do arrendatário, do trabalhador...

• É um direito da dinâmica negocial - dá suporte jurídico à vida económica (funcionalizando para a circulação

de bens e a prestação de serviços, mas sem esquecer a prevenção de riscos e a reparação dos danos).

o Esta característica permite-lhe demarcar-se dos direitos reais, conjunto normativo ao serviço da

estática patrimonial.

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o “é possível comparar as obrigações (enquanto relações jurídicas) “ao sangue e ao tecido muscular e

nervoso, ficando os direitos reais (os direitos de família) reduzidos ao papel de esqueleto”.

• Sector normativo heterogéneo – estuda realidades tão diferentes como o contrato, o enriquecimento sem

causa e a responsabilidade civil.

• Domínio relativamente estável – é um direito menos receptivo às mudanças sócio-económicas, mas sem

receio de responder aos novos desafios, sendo susceptível de codificação supranacional (como foi tentado

entre 1925 e 1930) [ANTUNES VARELA refere a relativa uniformidade nas diferentes áreas do globo e a notória

estabilidade ou a mais lenta evolução no tempo].

o Esta estabilidade não deixa, no entanto de ser afectada pelas constantes mutações sociais,

geradoras de tensões e de capacidade de adaptação por parte do direito ao qual são pedidas

respostas:

Protecção e segurança dos consumidores.

Desenvolvimento da sociedade de informação – comercio electrónico, tutela de dados

pessoais, ilícitos informáticos.

Avanços da medicina, da ciência e da técnica – engenharia genética e a criação de bens de

perigosidade desconhecida (discussão sobre a criação de um ramo de Direito da

Biomedicina).

Natureza cada vez mais colectiva do dano – danos ambientais, danos das colisões em

cadeia, danos de fármacos defeituosos (ex. Talidomida).

A intervenção dos poderes públicos na disciplina das relações do direito privado e a

consequente limitação da autonomia privada assumiram durante algum tempo nas legislações

modernas, uma expressão bastante significativa:

• Alargamento do domínio da responsabilidade civil fundada no risco.

• Visível empolamento do ius cogens na disciplina daqueles contratos onde a

igualdade económico-jurídica dos contraentes é mais precária ou há interesses

públicos a salvaguardar (arrendamento, contratos de seguro, contrato de trabalho e

os contratos bancários).

• Sente-se tanto na doutrina como na jurisprudência dos vários países uma forte

corrente no sentido de moralizar o regime da relação obrigacional, sacrificando aos

ditames da justiça comutativa as puras conveniências da segurança do comercio

jurídico e, por maioria de razão, a obediência ao puro texto das convenções.

• (Em Portugal verificou-se uma reacção aos chamados arrendamentos vinculísticos

como modo de reabilitar o mercado de arrendamento, de construção e para garantir

a renda justa – relativa liberalização do regime).

o Relativamente à aludida potenciação da unidade espacial, para lá da natural importância do direito

privado comunitário, refira-se todo o trabalho que tem sido levado a cabo no sentido da

harmonização europeia do direito contratual, e mesmo extracontratual, com o objectivo de

surgimento de um Código Europeu dos Contratos.

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• Forte ideologia ética – tal é patente nas figuras do abuso de direito, da responsabilidade pré-contratual e

pós-contratual, e nas emanações da pedra angular que é o princípio da boa fé.

2. As fontes do Direito das Obrigações: o Código Civil de 1966 (sobretudo o Livro II) com as alterações introduzidas

por diplomas posteriores, a legislação avulsa (incluindo a resultante da transposição de Directivas), os regulamentos

comunitário e as Convenções internacionais ratificadas. A sistematização adoptada pelo legislador no Livro II.

(Bibliografia: ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 10ª ed,, Almedina, pps. 42 a 47)

A. Plano da sistematização do Código Civil, quanto ao Direito das Obrigações (critérios de sistematização)

• Definição, com rigor, do lugar do contrato na génese da obrigação, fazendo dos contratos o objecto de uma

das quatro secções em que se subdivide o capítulo que trata das fontes das obrigações (arts. 405º e ss).

• Fixação noutros capítulos do título que trata das obrigações em geral, uma disciplina comum das obrigações

(independentemente da fonte destas) – modalidades das obrigações, garantia geral das obrigações, garantias

especiais das obrigações, cumprimento e não cumprimento das obrigações, etc.

• A disciplina privativa dos contratos constante nos arts. 405º a 456º deve ser complementada, com as

necessárias adaptações, com as regras fixadas na Parte Geral para o negócio jurídico (arts. 217º e ss).

• Para se não ser vítima dos critérios de ordenação sistemática adoptados pelo novo Código, convém precisar

devidamente a regra prática da consulta da lei. Sempre que surja qualquer problema de regime de contratos,

a sua solução deve ser procurada nas disposições reguladoras do contrato nominado a que a convenção

corresponde, se porventura se tratar de contrato típico ou nominado. Na falta de disposição directa ou

indirectamente aplicável, haverá que recorrer, em primeiro lugar, às regras gerais privativas dos contratos, e

em seguida, na falta ou insuficiência destas, aos princípios válidos para os negócios jurídicos em geral. Só

não encontrando resposta na consulta sucessiva aos vários lugares da lei, se poderá concluir pela existência

de uma lacuna, cujo o preenchimento há-de ser tentado de acordo com o disposto no art. 10º.

SECÇÃO II – Noção, estrutura, e função da obrigação (relação obrigacional)

3. Noção de obrigação em sentido amplo (dever jurídico, estado de sujeição, ónus jurídico e poder-dever) e em

sentido restrito ou técnico. Reservas à noção perfilhada pelo legislador no art. 397º do Código Civil. (Bibliografia:

BRANDÃO PROENÇA, Direito das Obrigações – relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino da disciplina, Publicações

Universidade Católica, 2007, pps. 127 a 140; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 10ª ed,, Almedina, pps.51 a 72 )

A. Acepções do termo obrigação. Conceitos afins.

O termo obrigação é usado tanto na linguagem corrente como na própria literatura jurídica em sentidos

diversos. Nas frases de uso quotidiano o termo obrigação é usado indistintamente, confundindo-se diversas figuras.

A maior parte das obrigações arranca na sua origem de conceitos ou sentimentos éticos (o dever de respeitar a vida

e a fazenda alheia, o bom nome de outrem, o dever de cumprir o contratos livremente celebrados, etc.). Mas só

quando se transpõe o limiar da consciência individual norteada pela moral para se entrar na área da conduta externa

exigida pela convivência social se pisa o terreno específico das obrigações e dos deveres jurídicos.

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A.1. Dever jurídico

• É a necessidade imposta pelo direito objectivo a uma pessoa de observar determinado comportamento. É

uma ordem, um comando, uma injunção dirigida à inteligência e à vontade dos indivíduos, que só no domínio

dos factos podem cumprir ou deixar de o fazer.

• A exigência da conduta imposta é normalmente acompanhada da cominação de algum ou alguns dos meios

coercitivos (sanções) próprios da disciplina jurídica, mais ou menos fortes consoante o grau de exigibilidade

social da conduta prescrita.

• O dever tutelado pela sanção pode ser ditado no interesse da colectividade ou do Estado, de uma

generalidade de pessoas, ou de pessoas determinadas.

• Quando o funcionamento da tutela do interesse depende da vontade do titular deste, diz-se que o dever

corresponde a um DIREITO SUBJECTIVO (poder conferido pela ordem jurídica a certa pessoa de exigir

determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse próprio ou alheio. O titular

do direito subjectivo é o arbitro ou o juiz da vantagem do funcionamento, em cada caso concreto, da tutela

jurídica do dever, mesmo quando dela não possa dispor livremente).

• Ao dever jurídico podem contrapor-se no lado activo da relação: (I) os direitos públicos, (II) direitos de

crédito, (III) direitos reais, (IV) direitos de personalidade, (V) direitos conjugais e (VI) os direitos de pais e filhos.

• Trata-se, portanto, de uma categoria mais ampla do que os deveres de prestação correspondentes às

obrigações. O dever jurídico abrange não só as situações de vinculação de uma pessoa a uma conduta

específica (como sucede nas obrigações), mas também as situações de vinculação de uma pessoa a um

comportamento genérico (como sucede com os deveres gerais de abstenção, correspondentes aos direitos

reais).

• [Nota: O modo (enquanto prestação acessória enxertada ao negócio jurídico a título gratuito) é um verdadeiro dever jurídico, o que nele

há de típico é o vínculo externo que o prende ao acto de liberalidade, proveniente da função que a cláusula modal exerce junto da

doação ou da disposição testamentária. O modo funciona como uma limitação ou restrição da liberalidade, e não como um

correspectivo ou contraprestação da atribuição patrimonial proveniente da outra parte.]

A.2. Estado de sujeição

• Consiste exactamente nesta situação inelutável de uma pessoa ter de suportar na sua própria esfera jurídica

a modificação de a que tende o exercício do poder conferido a uma outra pessoa. Constitui o contrapolo dos

direitos potestativos (=poder conferido a uma pessoa, mediante um acto unilateral (isolado ou apoiado em

outro acto de uma entidade pública), criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica com outra pessoa).

o O direito potestativo tem-se caracterizado por uma dupla nota: (I) é inerente a uma relação jurídica

pré-constituída entre sujeitos determinados e (II) esgota-se com o acto do seu exercício.

• Não há necessidade do consentimento ou da autorização da pessoa colocada em estado de sujeição, para

que na sua esfera jurídica se produza o efeito pretendido (a revogação ou a denúncia do contrato) e, por isso

mesmo, não há qualquer comando dirigido a tal fim.

• A contraparte está apenas sujeita, quer queira, quer não, a que determinados efeitos se produzam na sua

esfera jurídica, por simples vontade de outra pessoa, actuando estas umas vezes por si só, outras mediante

recurso forçoso a órgãos judiciários.

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o Constituição de um direito – direito de aquisição de comunhão em paredes ou muros divisórios (art.

1370º e ss), ratificação do negocio celebrado sem poderes de representação (art. 268º,2), a servidão

legal de passagem (art. 1550º), de presa (1559º), de aqueduto (1561º), de escoamento (art. 1563º),

etc.

o Modificação de um direito – direito de escolha nas obrigações genéricas ou alternativas, a

constituição do devedor em mora, redução das hipotecas ou das doações, etc.

o Extinção de um direito – Direito de anulação, de resolução ou de revogação do negócio, direito de

denúncia de certas relações duradouras, direito de dissolução da sociedade, o direito de divisão da

coisa comum, renúncia à herança.

A.3. Ónus jurídico

• Situação em que a ordem jurídica se limita a atribuir à prática de uma acto, uma certa vantagem, sendo este

um requisito indispensável para a obtenção daquela, mas deixando à inteira discrição do interessado a

opção pela conduta que mais lhe convenha.

• Consiste na necessidade de observância de certo comportamento, não por imposição da lei, mas como meio

de obtenção ou de manutenção de uma vantagem para o próprio onerado.

• São duas as notas típicas do ónus jurídico:

o O acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever (dever livre, obrigação potestativa,

incumbência ou encargo1).

o O acto não visa satisfazer o interesse de outrem, sendo estabelecido, pelo contrario, no interesse

exclusivo ou também no interesse do próprio onerado; é um meio de alcançar uma vantagem ou

evitar uma desvantagem.

• Os exemplos mais típicos de ónus encontram-se no direito adjectivo: ónus de contestar (art. 484º CPC), ónus

de impugnação especificada…

• Aproximam-se, em certo aspecto, da figura do ónus certas limitações ou restrições ao princípio da liberdade

da forma, impostas no interesse de uma das partes e não em nome da segurança do comercio jurídico

(628º,1 ou 947º,2).

• Definição de BRANDÃO PROENÇA – “ónus (ou encargos) são “deveres” necessários para adquirir ou conservar

uma determinada vantagem jurídica, gerando a sua “inobservância” a “violação” dos interesses do onerado,

mas sem que haja nessa desvantagem qualquer ideia de sanção-censura (como parece suceder igualmente

com a figura da culpa do lesado ou com a mora do credor)… a função primária do ónus é tutelar o interesse

do sujeito titular dessa situação passiva (podendo um terceiro ser atingido reflexamente). Este interesse

defendido pelo poder de disposição do onerado, sofrendo este naturalmente os efeitos de um

comportamento desconforme com os seus interesses – daí a afirmação de uma ideia de auto-

responsabilidade (sibi imputet).

A.4. Direitos-deveres (poderes funcionais)

1 MENEZES CORDEIRO, estabelece uma diferença entre ónus e encargos ou incumbências, considerando que ónus satisfaz apenas o interesse dos onerados.

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• São direitos conferidos no interesse, não do titular ou não apenas do titular, mas também de outra ou outras

pessoas e que só são legitimamente exercido quando se mantenham fieis à função a que se encontram

adstritos.

• Distinguem-se dos direitos subjectivos patrimoniais porque o titular não é livre no seu exercício, tendo

obrigatoriamente que exercê-los, por um lado, e tendo de fazê-lo, por outro, em obediência à função social a

que o direito se encontra adstrito.

• Exemplos: deveres recíprocos dos cônjuges, poder paternal, tutela, curatela e outros institutos análogos.

B. Obrigação em sentido técnico. Confronto com noções próximas

• Diz-se obrigação a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais) pessoa pode exigir de outra (ou outras)

a realização de uma prestação.

• Trata-se de relações em que ao direito subjectivo de um dos sujeitos corresponde o dever jurídico de prestar,

imposto ao outro:

o Distingue-se de direitos potestativos ou com ónus jurídicos pois nestes não existe um dever jurídico.

o Distingue-se de direitos reais na medida em que o dever jurídico correspondente a estes (dever

jurídico genérico)2 se traduz numa omissão generalizadamente imposta a quem quer que não seja o

titular do direito.

o O dever jurídico correspondente às obrigações tem de característico o facto de ser imposto no

interesse de determinada pessoa e de o seu objecto consistir numa prestação.

• O termo obrigação abrange a relação no seu conjunto e não apenas, como sucede na linguagem comum, o

seu lado passivo, compreende:

o O dever de prestar que recai sobre uma das partes (débito ou dívida) – devedor.

o Poder de exigir a prestação conferida à outra (crédito ou direito de crédito) – credor.

o (A prestação consiste numa acção ou em certa actividade do devedor, sendo mais correcto afirmar

que se traduz em certo comportamento ou conduta (activa ou omissiva) do obrigado).

B.1. Relações obrigacionais simples e complexas

• Relação obrigacional simples/una:

o Relação jurídica que compreende o direito subjectivo atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou

estado de sujeição correspondente, que recai sobre a outra.

o Extinguem-se pelo cumprimento ou por qualquer outras das causas que põem termo às obrigações

em geral.

o A doutrina tem chamado à atenção para a complexidade das próprias obrigações unas ou simples. A

complexidade, reflecte-se no vínculo obrigacional em geral e traduz-se na série de deveres,

secundários e de deveres acessórios de conduta que gravitam as mais das vezes em torno do dever

principal de prestar e até do direito à prestação (principal).

o Exemplos: estudante que empresta o livro, pessoa que é atropelada e tem direito a indemnização...

• Relação obrigacional complexa/ múltipla:

2 Em contraposição com o dever jurídico específico, das obrigações, que recai sobre determinadas pessoas e pesa sobre o seu património.

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o Relação jurídica que abrange o conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição nascidos do

mesmo facto jurídico.

o Pode cessar não só pelo cumprimento ou por qualquer outra causa que põe termo às obrigações

em geral como por qualquer causa que extingue directamente o facto jurídico de onde a obrigação

emerge (ex. Declaração de nulidade, anulação, resolução, denúncia, caducidade do contrato).

o Exemplos: contrato de compra e venda, locação, sociedade, contrato de trabalho, empreitada,

mandato remunerado…

• A propósito da correlação existente entre obrigações simples e relação obrigacional complexa, escreve DIEZ-

PICAZO “deve… observar-se que os créditos e as dívidas, isoladamente considerados, não passam de

entidades ideais e abstractas, que na realidade social aparecem sempre como parte apenas de relações

jurídicas mais amplas, através das quais se trata de tornar possíveis determinadas funções ou finalidades de

natureza económica ou económico-social e de realizar interesses individuais que se consideram dignos de

tutela jurídica (ex. Compra e venda, empréstimo, seguro, etc.). Chama-se então “obrigação” ou, talvez melhor

“relação obrigacional”, não tanto à simples correlação restrita e ideal entre um crédito e uma dívida, como

toda a relação jurídica existente entre as partes e criada para preencher aquela função ou finalidade e dar

satisfação àqueles interesses”. As considerações do autor são pertinentes relativamente às relações

contratuais sinalagmáticas3 e onerosas4; já não tanto, relativamente aos negócios unilaterais,

responsabilidade civil e enriquecimento sem causa…

• Às duas ou mais obrigações que se criam entre as partes no momento da perfeição do contrato acrescem

ainda as que se vão constituindo entre elas à medida que a relação contratual se desenvolve no tempo. A

ideia de que a obrigação, na sua acepção mais ampla, compreende todos os poderes e deveres que se vão

constituindo no seio da relação permitiu a concepção de obrigação como uma estrutura ou processo. A

obrigação será não só complexa mas essencialmente mutável no tempo e orientada para determinado fim.

B.2. As obrigações não autónomas

• São obrigações que não assentam num vínculo jurídico preexistente (como as que nascem de um contrato

não precedido de contrato-promessa) ou que pressupõem, na sua constituição, um simples vínculo de

carácter genérico (como a que recai sobre quem danificou coisa alheia ou usurpou o nome de outrem).

• A obrigação carece de autonomia quando pressupõe a existência prévia entre as partes de um vínculo

especial de outra natureza (relação de compropriedade, de condomínio, de posse de parentesco, de

sucessão hereditária ou de ocupação de coisa).

• Coloca-se a questão de saber se a obrigação autónoma deve ser incluída no conceito estrito de obrigação. A

resposta será afirmativa, considerando que:

o O regime geral das obrigações fixado pelo Código prescinde deliberadamente do nexo que as

prende ao facto jurídico donde provieram.

3 Sinalagmáticos/ bilaterais perfeitos – aqueles (negócios jurídicos) em que existe uma reciprocidade entre as obrigações das partes. A prestação de uma parte é realizada em virtude e por causa da prestação de outra, Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.428. 4 Onerosos – “cada uma das partes envolvidas faz uma atribuição patrimonial à outra como contrapartida ou contraprestação.” Cit. HEINRICH

HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.428.

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o A questão da autonomia foi suscitada nos trabalhos preparatórios, mas o Código não faz qualquer

alusão a esse requisito no art. 397º, onde é dada a noção de vínculo obrigacional.

• As disposições reguladoras das obrigações devem, em princípio, considerar-se aplicáveis às obrigações não

autónomas5. Faça-se, no entanto, a seguinte reserva: o regime geral das obrigações não pode deixar de

considerar-se sujeito aos desvios impostos pela natureza especial dos vínculos que precedem as obrigações

não autónomas, à semelhança do que sucede, aliás, em vários aspectos, com as obrigações derivadas dos

contratos em especial. Alguns desses desvios encontram-se expressamente consagrados na lei:

o Possibilidade do comproprietário se eximir à obrigação de participar nas despesas da coisa comum,

renunciando ao seu direito a favor dos credores (art. 1411º,1).

o Possibilidade de o dono da coisa se liberar da obrigação que sobre ele recai na qualidade de titular

de um direito real, mediante renúncia unilateral ao seu direito em benefício do credor (abandono

liberatório ou renúncia liberatória) – art. 1428º,3.

o Variabilidade da obrigação alimentícia (art. 2012º).

o Indisponibilidade e impenhorabilidade do direito a alimentos (art. 2008º, 1 e 2).

o Separação de patrimónios ligada à satisfação dos encargos da herança (art. 2070º e 2071º).

• Fora dos casos previstos na lei, o regime geral das obrigações poderá ainda sofrer outras derrogações,

sempre que se demonstre que a origem da obrigação não autónoma ou fim a que ela se encontra adstrita

não se coadunam com a solução prescrita para o comum das obrigações.

C. Noção de obrigação do art. 397º

• “Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de

uma prestação”

• É demasiado simples, não captando a singeleza da definição a maior complexidade das relações contratuais,

nem a possível existência da pluralidade subjectiva.

4. Elementos constitutivos da obrigação: sujeitos, objecto e vínculo jurídico garantido coercivamente. O facto jurídico

como elemento meramente causal da obrigação – reenvio para os Factos constitutivos de obrigações (III).

A. Os Sujeitos: o sujeito activo (credor/lesado) e o sujeito passivo (devedor/lesante). A singularidade e pluralidade

subjectivas (ideias breves). Determinação do sujeito passivo e possível indeterminação (mas determinabilidade) do

sujeito activo. Sujeitos da obrigação e legitimados para cumprir ou receber. Alusão sucinta à sucessão e à

transmissão nas obrigações (remissão para IV).

A.1. Os sujeitos enquanto elemento da obrigação

• São os titulares activos da relação, composta por credor (pessoa a quem se proporciona a vantagem

resultante da prestação, o titular do interesse patrimonial, espiritual ou moral que o dever de prestar visa

satisfazer) e devedor (pessoa sobre a qual recai o dever específico de efectuar a prestação).

5 A título de exemplo: disposições relativas ao momento e ao lugar do cumprimento, aos efeitos do não cumprimento, aos meios de conservação da garantia patrimonial…

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• Características do credor enquanto titular do interesse protegido (sujeito activo na relação de crédito):

o Portador de uma carência ou de uma necessidade.

o Haver bens (coisas, serviços) capazes de preencherem tal necessidade.

o Haver uma apetência ou desejo de obter estes bens para o suprimento da necessidade ou satisfação

da carência.

o O credor é amo e senhor da tutela do seu interesse – a tutela do seu interesse depende da sua

vontade, estando o seu funcionamento subordinado à iniciativa do titular activo da relação. O credor

é titular de um direito subjectivo, podendo dispor, das mais variadas formas, dos meios coercitivos

predispostos pela ordem jurídica para o governo da relação (exigir o cumprimento voluntário ou

judicial da obrigação ou não o exigir, sem que de tal facto lhe advenha uma sanção, remitir a dívida

em todo ou em parte, ceder o crédito, fazer dele objecto de doação a terceiro, convencionar com o

devedor a sua modificação, dá-lo em usufruto, constituir com ele uma garantia, dando-o em

penhor...)

o A pessoa do credor pode não ser determinada, no momento em que a obrigação se constitui (art.

511º), como sucede nas promessas públicas (arts. 459º e ss), nos contratos para pessoa a nomear

(arts. 452 e ss), nos títulos ao portador e na herança deixada a nascituro (art. 2033º). Mas tem que

ser determinável sob pena de nulidade.

• Características do devedor enquanto sujeito passivo da relação:

o Ocupa uma posição de subordinação jurídica.

o Se não cumprir pontualmente, é sobre o devedor que recaem as sanções estabelecidas na lei.

o É sobre o património do devedor que recai a execução destinada a indemnizar o dano causado ao

credor, quando a obrigação não seja voluntária ou judicialmente cumprida (art. 817º CCiv).

• Características das obrigação

o Tem carácter relativo, pois vincula apenas determinadas pessoas (ao contrário dos direitos reais e

direitos de personalidade que são absolutos).

o Pode ser singular ou plural:

Singular – de cada lado da relação obrigacional há apenas uma pessoa.

Plural – quer do lado activo quer do lado passivo poderá haver mais que uma pessoa. Nestes

casos, as relações entre os sujeitos da obrigação variam de acordo com o regime da

contitularidade ou da responsabilidade que a lei ou os próprios interessados estabeleçam.

o Persistência, não obstante a alteração dos sujeitos:

A existência de dois (ou mais sujeitos) é essencial à obrigação enquanto relação inter-

subjectiva. Embora se admita que a pessoa de um dos sujeitos da relação (o credor) não

esteja determinada no momento em que a obrigação se constitui, a lei (art. 511º) exige que

ela seja determinável, sob pena de nulidade do negocio do qual a obrigação resultaria.

No entanto, a permanência dos sujeitos originários do vínculo, não é condição essencial à

persistência da obrigação. Esta pode persistir com todos os atributos fundamentais, apesar

de mudar um dos sujeitos da relação ou mudarem os dois.

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A lei fala em transmissão das obrigações, a propósito da cessão de créditos, da sub-rogação

e da assunção da dívida (art. 577º e ss). É a própria obrigação, não obstante a natureza

espiritual do vínculo, que materialmente se desloca do património de uma para outra pessoa

[nota: diferente do que sucede na novação (arts. 877º e ss) que implica a constituição de uma nova obrigação em

substituição da antiga]. A ideia de que, em fenómenos como a cessão e a sub-rogação, a

obrigação persiste, a despeito da mudança operada nos seus sujeitos, provém não só do

facto de se mater o objecto da obrigação e os seus atributos fundamentais (data e lugar do

cumprimento, cláusulas penais, garantias, privilégios, etc...) mas também da circunstância de

a lei considerar oponíveis ao cessionário todos os meios de defesa que o devedor pudesse

invocar contra o cedente (art. 585º).

Um outro fenómeno é a sucessão, designação dada à substituição de sujeitos determinada

pela morte de um deles. Aqui, a relação nem sequer se desloca, permanecendo idêntica a si

própria, sendo o herdeiro quem vai ocupar a posição jurídica que pertencia ao antigo titular.

A doutrina tem designado esta característica da obrigação mudar de sujeitos, sem perda da

sua identidade como ambulatoriedade da obrigação.

B. O objecto: a prestação do devedor como objecto imediato da obrigação. O objecto mediato.

• O objecto da obrigação é a prestação devida ao credor. É o meio que satisfaz o interesse do credor, que lhe

proporciona a vantagem a que ele tem direito.

• A prestação consiste em regra numa acção do devedor, mas pode também consistir na abstenção,

permissão ou omissão. É o fulcro da obrigação, o seu alvo prático, distinguindo-se do dever geral de

abstenção próprio dos direitos reais porque o dever jurídico de prestar é um dever específico ao contrário

daqueloutro que é um dever genérico.

• Distinção entre objecto mediato e objecto imediato:

o Objecto mediato – consiste na própria coisa, em si mesma considerada.

o Objecto imediato – consiste na actividade devida.

B.1. O possível conteúdo da prestação. As variantes da prestação: prestação de facto e de coisa; fungível, infungível e relativamente fungível; prestação instantânea e duradoura. Breve alusão a outras prestações (determinada e indeterminada, divisível e indivisível).

Prestação de facto e prestação de coisa

• Prestações de facto – o seu objecto esgota-se num facto.

o Corresponde, no processo executivo à execução para a prestação de facto.

o Pode ser positiva ou negativa:

Positiva – quando se traduz numa acção (ex. Mandatário, trabalhador).

• Neste campo, assumem especial configuração obrigações que resultam de duas

figuras negociais típicas: contratos-promessa e pactos de preferência (ver arts. 410º

e ss e 414º e ss, respectivamente) onde a prestação debitória consiste na emissão

de uma declaração negocial.

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Negativa – quando se traduz numa omissão, abstenção ou mera tolerância.

• Nestas, podem ainda distinguir-se:

o Dever de non facere – o devedor compromete-se a não praticar certo tipo de

actos (ex. Não abrir estabelecimentos de determinado ramo de comércio).

o Dever de consentir ou tolerar que outrem pratique alguns actos a que, de

contrário, não teria direito.

o Pode ser um facto material ou um facto jurídico (ex. Realização de certa obra ou um mandato,

respectivamente).

o Prestação de facto de terceiro. Obrigação de meios e obrigação de resultado.

A prestação de facto, refere-se, em regra, a um facto do devedor (é o depositário que se

obriga a guardar e restituir a coisa ou o mandatário que se compromete a realizar

determinados actos jurídicos, no interesse do mandante). Mas pode o facto devido reportar-

se a factos de terceiro (exemplos: A, dono de um posto de venda de combustíveis promete

que os futuros adquirentes do posto manterão o direito de exclusivo concedido à companhia

fornecedora; B, casado, obriga-se a vender certo prédio a C, prometendo que a mulher dará

o consentimento necessário à validade da venda; D promete que os seu herdeiros renovarão

a procuração passada a E no interesse do procurador).

A prestação de facto de terceiro não se contestará desde que a prestação do promitente

corresponda a um interesse do promissário, digno de protecção legal (art. 398º,2).

A prestação de facto terceiro não vincula o terceiro a quem ela se refere (art. 406º,2),

reduzindo-se a promessa de facto de terceiro a uma promessa de facto próprio: conseguir o

obrigado a prestação de facto de terceiro.

Obrigação de meios e obrigação de resultado:

• Obrigação de meios – o promitente obriga-se apenas a despender os esforços

razoavelmente necessários para que o terceiro pratique o facto, sem assumir

qualquer responsabilidade na hipótese de este não querer ou não poder cumprir.

• Obrigação de resultado – é garantida a verificação do facto, o promitente obriga-se a

indemnizar a outra parte, se o terceiro, por qualquer razão, não quiser ou não puder

praticá-lo.

• Prestação de coisa – o seu objecto refere-se a uma coisa.

o Se não tiverem por objecto uma quantia em dinheiro, corresponde no processo executivo, à

execução para entrega de coisa certa.

o Corresponde à prestação de dare.

o Pode integrar, no direito vigente, uma de três modalidades:

Obrigação de dar, quando a prestação visa constituir ou transferir um direito real definitivo

sobre a coisa (arts. 1144º, 1181º,1 e 2251º,2).

Obrigação de entregar, quando visa apenas transferir a posse ou detenção dela, para

permitir o seu uso, guarda ou fruição (art. 1031º, al. a)).

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Obrigação de restituir, quando através dela o credor recupera a posse ou detenção da coisa

ou o domínio sobre coisa equivalente do mesmo género e qualidade (arts. 1038º, al. i); 1129º;

1142º; 1185º, etc).

o Prestação de coisa futura:

Art. 399º - “é admitida a prestação de coisa futura, sempre que a lei não a proíba”.

É usada numa acepção ampla, abrangendo não só as coisas que ainda carecem de

existência como as próprias coisas já existentes, a que o disponente ainda não tem direito ao

tempo da declaração negocial (mas conta vir a ter em momento posterior).

O objectivo é sujeitar os actos de disposição relativos a coisas não pertencentes ao

disponente mas que este conta vir a adquirir em momento posterior ao regime de negócios

sobre bens futuros e não às regras da venda de coisa alheia.

Ver art. 880º CCiv [nota: hipótese de emptio sei tratada no nº2 do artigo, em lugar de uma simples emptio rei

speratae].

• Prestações instantâneas e prestações duradouras

o Prestações instantâneas – prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num

só momento ou num período de tempo de duração praticamente irrelevante.

o Prestações duradoura – a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação

creditória influência decisiva na conformação global da prestação. A prestação devida tem influência

no factor tempo, que tem influência decisiva na fixação do objecto [nota: dentro das obrigações duradouras,

surgem a cada passo obrigações de prestação instantânea, ao lado daquelas obrigações de prestação continuada ou

periódica que imprimem carácter à relação global – ver arts. 307º e 310º].

Prestações de execução continuada – são aquelas cujo cumprimento se prolonga

ininterruptamente no tempo (ex. Locador, fornecedor de gás, electricidade, dados

informáticos, depositário, comodante, e, de um modo geral, prestações negativas).

Prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo – são a que se renovam em

prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos (exemplos:

locatário, consumidor de água, gás, electricidade...)

Neste tipo de contratos, a resolução, embora gozando de eficácia retroactiva, não abrange

as prestações já efectuadas (arts. 434º,2 e 277º,1). Ela opera somente quanto às futuras

prestações ou quanto à duração futura da prestação em curso, pois este tipo de prestação

encontra-se idealmente ligada ou adstrita às diversas fracções de tempo em que já é

possível dividir a sua duração, gozando assim as prestações já efectuadas e as que devem

ser realizadas no futuro de certa independência entre si.

A falta de cumprimento de uma das prestações não pode provocar o vencimento imediato

das restantes dada a estreita conexão entre a prestação e o decurso do tempo (exemplo: a

falta de pagamento da renda no mês de Janeiro poderá dar ao senhorio o direito à

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indemnização especial prescrita no art. 1041º,1 mas não lhe confere o direito de exigir

imediatamente o pagamento das rendas correspondentes aos meses futuros).

o Prestações fraccionadas ou repartidas – obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através

de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado,

sem dependência da duração da relação contratual (exemplos: preço pago a prestações,

fornecimento de certa quantidade de mercadorias ou de géneros a efectuar em várias partidas). Aqui,

ao contrário do que acontece numa prestação duradoura, o tempo não influi no objecto,

relacionando-se apenas com o modo da sua execução.

Nestes contratos, a resolução atinge, em princípio, todas as parcelas da prestação, incluindo

as já efectuadas. Por outro lado, a falta de cumprimento de uma das fracções da prestação

dividida ou fraccionada, provoca, em regra, o vencimento imediato das restantes (arts. 781º e

934º), pois a formação ou constituição destas não está dependente do decurso do tempo.

Ver art. 1058º CCiv.

• Prestações fungíveis e não fungíveis. Sanção pecuniária compulsória.

o Prestação fungível – pode ser realizada por pessoas diferentes do devedor, sem prejuízo do interesse

do credor.

o Prestação não fungível – o devedor não pode ser substituído no cumprimento por terceiro. São

obrigações em que a habilidade, o saber, a destreza, a força, o bom nome, ou outras qualidades

pessoais do devedor interessam paralelamente ao objecto da obrigação.

A circunstância de a prestação não ser fungível não impede que o devedor possa ser

coadjuvado no cumprimento por auxiliares (arts. 264º,4; 165º,1; 198º,1; 213º,2).

o Ver art. 767º,2.

o A distinção entre prestação fungível ou não fungível reflecte-se no regime da acção executiva:

Se a prestação tem por objecto um facto fungível – o credor pode requerer no processo de

execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor (art. 828º).

Se a prestação tem por objecto um facto não fungível – o credor apenas poderá exigir o

cumprimento do devedor (art. 817º) e, na hipótese de este não cumprir, terá de contentar-se

com a indemnização do prejuízo resultante do não cumprimento e a garantia eventualmente

devida a título de sanção pecuniária compulsória.

A fungibilidade da prestação e a impossibilidade relativa à pessoa do devedor só é

equiparada à impossibilidade objectiva, levando à extinção da obrigação (art. 791º), se o

devedor não se puder fazer substituir por terceiro no cumprimento da obrigação.

• Sanção pecuniária compulsória

o Limita-se às prestações de facto não fungíveis.

o Visa forçar o devedor, ao cumprimento (é meio compulsório de cumprimento, mas não uma forma de

execução).

o Ver art. 829º-A.

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B.2. Deveres principais de prestação, deveres secundários de prestação e deveres laterais (de conduta) – a compreensão da relação obrigacional complexa. Outros conteúdos. Relações obrigacionais sem deveres primários de prestação. Tipologia, fontes e efeitos do incumprimento dos deveres laterais.

• Deveres principais/típicos – são as prestações que integram as relações obrigacionais derivadas de contratos

típicos (ou nominados), que definem o tipo ou o módulo da prestação (exemplo: na compra-e-venda, são

deveres principais o dever de entrega da coisa e o dever da pagar o preço).

• Deveres secundários/ acidentais:

o Deveres acessórios da prestação principal – destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a

perfeita execução das prestação.

o Deveres relativos às prestações substitutivas ou complementares da prestação principal – exemplo:

dever de indemnizar os danos moratórios ou o prejuízo resultante do cumprimento defeituoso da

obrigação.

o Deveres compreendidos nas operações de liquidação das relações obrigacionais duradouras.

• Deveres acessórios de conduta6

o São deveres essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se

integra. Trata-se de um dever que não respeita directamente, nem à preparação, nem à perfeita

realização da prestação debitória (principal). Mas interessa ao regular desenvolvimento da relação

obrigacional, entre contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas.

o De um modo geral, pode dizer-se que, nas relações obrigacionais bilaterais (onde os deveres

acessórios de conduta mais avultam), cada um dos contraentes tem o dever de tomar todas as

providências necessárias (razoavelmente exigíveis) para que a obrigação a seu cargo satisfaça o

interesse do credor na prestação.

o Art. 762º CCiv – “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente,

devem as partes proceder de boa fé”.

o Distinção entre deveres primários de prestação e deveres acessórios de conduta:

Possibilidade de os deveres acessórios de conduta surgirem antes de se ter constituído a

relação obrigacional de onde decorre (ou viria a decorrer) o dever de prestação (art. 227º

CCiv).

Possibilidade de os deveres acessórios de conduta terem como titular activo pessoas

estranhas à relação donde nasce o dever de prestação (exemplo: art. 76º regime do

arrendamento urbano).

A generalidade dos deveres acessórios de conduta não dá lugar à acção judicial de

cumprimento, própria dos deveres de prestação. Mas a sua violação pode obrigar à

indemnização dos danos causados à outra parte ou mesmo origem à resolução do contrato

ou sanção análoga.

Os deveres acessórios de conduta recaem sobre o devedor, como afectam o credor, a quem

incumbe evitar que a prestação se torne desnecessariamente mais onerosa para o obrigado

6 Estes deveres têm também a designação de “deveres laterais”, mas o A. considera que esta fórmula “tem o inconveniente de abranger os deveres de prestação que se enxertam na relação obrigacional ao lado da prestação principal” cfr. pp.124.

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e proporcionar ao devedor a cooperação de que ele razoavelmente necessite, em face da

relação obrigacional, para realizar a prestação devida.

o Consistem em:

Deveres de aviso/ comunicação – o cliente deverá avisar o banco do extravio do cheque.

Deveres de informação – informação técnica, jurídica, médica...

Deveres de cooperação – a agência organizadora da viagem deve prestar assistência no

decurso da mesma...

Deveres de cuidado – evitar a criação de condições perigosas durante a execução do

contrato.

Deveres de fidelidade/ lealdade – dever de não concorrência, sigilo, discrição do gestor

bancário (ver arts. 990º e 1003º, al. a)).

• Efeitos do incumprimento de deveres laterais

o Art. 5º e ss DL 446/85 – comunicação e dever de informação sobre as cláusulas contratuais gerais,

sob pena de nulidade das mesmas (art. 8º).

o Art. 4º da Lei nº 24/96 – “Direito à qualidade dos bens e serviços – os bens e serviços destinados ao

consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes

atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às

legítimas expectativas do consumidor.

o Poderá resolver os contratos de que decorre uma relação particularmente estreita de confiança

mútua e de leal colaboração se houver um comportamento que afecte gravemente a relação, mesmo

que o dever de lealdade/ fidelidade não seja considerado o dever principal.

B.3. O conteúdo negativo da prestação. Conexão deste conteúdo com os chamados requisitos da prestação (possibilidade, licitude, determinabilidade, conformidade à ordem pública e aos bons costumes). As normas especiais condicionantes dos requisitos. A dispensa legal e doutrinal dos requisitos da patrimonialidade e da autonomia.

• Conteúdo negativo da prestação – o conteúdo da obrigação é delimitado negativamente pela necessidade

de observância dos requisitos que condicionam a própria validade do objecto obrigacional. A prestação,

tendo em consideração os arts. 280º, 400º e 401º, deve obedecer aos seguintes requisitos:

o Possibilidade originária – material e legal.

o Licitude.

o Determinabilidade.

o Conformidade à ordem pública e aos bons costumes.

• A dispensa dos requisitos da patrimonialidade

o A questão da patrimonialidade tem suscitado alguma controvérsia na doutrina:

Uns consideram que é necessário que o interesse do credor seja de carácter patrimonial,

susceptível de avaliação económica ou pecuniária para que haja verdadeira obrigação

jurídica.

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Outros afirmam que o interesse do credor pode não revestir natureza económica ou

patrimonial, necessitando a prestação de possuir valor económico susceptível de avaliação

pecuniária.

o A mais qualificada doutrina responde hoje em sentido afirmativo à questão da validade das

obrigações de prestação não patrimonial, baseando-se na protecção que merecem alguns deveres

de conteúdo não patrimonial estipulados entre as partes e na função disciplinadora da vida social

atribuída ao direito, que não se confina aos valores de pura expressão económica.

o Art. 398º,2 – “a prestação não necessita de ter valor pecuniário, mas deve corresponder a um

interesse do credor, digno de protecção legal”.

Não é necessário que a prestação enriqueça o património do credor ou evite o seu

empobrecimento, nem é forçoso que se trate daqueles actos ou omissões que têm no

comercio jurídico um preço, independentemente da natureza dos benefícios ou vantagens

que proporcionam. Não é sequer indispensável que os interessados, mediante a estipulação

de uma cláusula penal ou a fixação de um contraprestação, hajam atribuído valor pecuniário

à prestação ou ao interesse que o credor tem nela.

Assim, faz-se duas exigência: a) que a prestação corresponda a um interesse real do credo;

b) que interesse do credor seja digno de protecção legal (necessidade séria e razoável do

credor).

• A dispensa de autonomia

o Exemplos: art. 1411º,1424º,2009º,2265º.

C. O vínculo jurídico (o nexo direito à prestação-dever de prestar) como elemento verdadeiramente marcante da

obrigação e com uma natureza essencialmente intersubjectiva. Ausência de vínculo jurídico nas relações de cortesia

e nos acordos de cavalheiros e “vinculação específica” nas obrigações naturais.

• O vínculo jurídico é o núcleo central da relação obrigacional, constituído pelo enlace dos poderes conferidos

ao credor com os correlativos deveres impostos ao titular passivo da ralação. Nele reside o cerne do direito

de crédito.

• Art. 397º CCiv – Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à

realização de uma prestação.

• A estrutura dogmática da obrigação corresponde: a) direito à prestação [credor tem direito de exigir a

prestação], b) dever de prestar [necessidade imposta ao devedor de realizar a prestação, sob cominação das

sanções aplicáveis à inadimplência] e c) garantia.

• As existência ou não de uma relação obrigacional nas relações de cortesia estará dependente da intenção ou

da presença e interpretação de certos sinais de juridicidade, como uma contrapartida pecuniária, uma

cláusula penal...

• Os acordos de cavalheiros, assentes na palavra ou na honra, sendo acordos colocados fora do direito, não

estão afastados de toda a intervenção jurídica, podendo, por exemplo, ser aplicado ao normativo relativo os

requisitos do objecto negocial e o regime das obrigações cum potuerit.

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C.1. A relatividade obrigacional face à natureza absoluta (e solitária) dos direitos reais e outras diferenças menores. Os atributos (pacíficos?) da eficácia erga omnes dos direitos reais (prevalência e sequela) e a sua normal ausência nas obrigações. Desvios à relatividade obrigacional. Enunciação do problema da chamada “eficácia externa” dos direitos de crédito.

C.2. Visão global da activação da garantia do vínculo jurídico pela responsabilidade patrimonial do devedor, por diversos meios de tutela pública, de tutela privada (preventiva e compulsiva, complementar e necessitada) e por certas consequências legais.

5. A função da obrigação e a satisfação prioritária do credor. Secundarização dos interesses do devedor e âmbito

legal do chamado favor debitoris. O valor patrimonial da obrigação e as faculdades dispositivas do credor.

II – Princípios Fundamentais do Direito das Obrigações

6. O princípios da autonomia privada na sua ligação com a liberdade contratual. A dupla direcção desta liberdade

justificada com a genérica supletividade das normas do Direito das Obrigações e as limitações decorrentes da

publicização do direito privado ou da necessidade de uma justiça contratual. Os contratos negociados livremente e a

magna questão dos contratos com cláusulas contratuais gerais ou pré-formuladas (sobretudo nas relações entre o

profissional e o consumidor). A falsa “crise do contrato” e a alusão aos novos contratos. (Bibliografia: BRANDÃO PROENÇA,

Direito das Obrigações – relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino da disciplina, Publicações Universidade Católica, 2007,

pps. 140 a 142; HEINRICH EWALD HORSTER, A parte Geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, pp. 52 a 54).

A. O Princípio da autonomia privada

• É o princípio da conformação autónoma das relações jurídicas por parte do indivíduo segundo a sua vontade

geral, decorrendo do princípio geral da autodeterminação do homem.

• A ordem jurídica reconhece que cada homem possui, dentro dos limites por ela traçados, a faculdade de

estabelecer livremente as suas relações jurídicas como ele o entender por bem.

• O direito privado respeita os interesses individuais e as desigualdades naturais entre os homens e garante a

capacidade de agir ordinária do indivíduo, não integrado em estruturas de dominação e obediência. Por isso,

O direito privado corresponde ao princípio da organização individualista da nossa sociedade.

B. Limites à autonomia privada – publicização do direito privado e necessidade de justiça contratual

• Após as revoluções liberais e um certo “endeusamento” da autonomia privada, seguiu-se a constatação de

que o contrato não assentava numa igualdade jurídico-económica, mas era a distorção entre a teoria e a

realidade. Chegou-se à conclusão de que o Estado, no interesse colectivo, não podia permitir que a

liberdade contratual se traduzisse num jogo desleal em proveito exclusivo do mais forte.

• Passou, então, a verificar-se a intervenção do Estado na contenção da liberdade contratual. O contrato

deixou, assim, de traduzir um jogo desleal, em proveito do mais forte, passando os poderes públicos, num

movimento de “socialização” do direito privado, a intervir na esfera contratual em nome da chamada “ordem

pública económica do protecção”.

C. As cláusulas contratuais gerais

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• “A negociação de um contrato nem sempre é feita de uma maneira individual, com cláusulas ponderadas e

acordadas uma por uma … este modo de contratar não é adequado em inúmeras situações, à vida

económica de hoje”.7

• “Assim, no tráfico jurídico actual desempenha uma função cada vez mais importante as chamadas cláusulas

contratuais gerais, elaboradas de antemão por uma das partes e destinadas a serem aceites, sem mais, pela

outra”8 (existe uma limitação da possibilidade de negociação de uma das partes).

As vantagens do recurso à contratação “standardizada” (cláusulas gerais)

• Por um lado, as regras legais do código civil nem sempre contemplas os interesses e os condicionalismos

específicos das diversas áreas contratuais.

• Conveniência prática de pré-formular as respectivas cláusulas para determinados negócios de massa ou que

têm grande complexidade técnica ou são muito sofisticados.

• Permite reduzir custos.

• “Em todo o caso, também as declarações feitas por meio de cláusulas contratuais gerais … são declarações

negociais nos termos dos arts. 217º,219º e ss, 224º e ss, 228º e ss”.9

• “Apenas o modo de travar negociações é diferente e racionalizado”.10

Os problemas específicos das cláusulas contratuais gerais:

• O conhecimento objectivo – é necessário que aqueles que assinam os “contratos de adesão” percebam

aquilo que estão a assinar. (Não se deverá permitir cláusulas disfarçadas ou que não se conseguem ver

bem).

• Cláusulas abusivas – poderá acontecer que quem utiliza as cláusulas contratuais gerais abuse do seu poder

negocial.

• Sempre que uma cláusula seja considerada nula é necessário conseguir ampliar os efeitos do caso julgado.

“O efeito de racionalização pretendido com recurso a cláusulas gerais pode ser desvirtuado, porém, e muitas

vezes assim sucede, para afastar a liberdade contratual, na medida exacta em que aparecem cláusulas concebidas

unilateralmente no interesse do contratante determinado, que as formulou, sem hipótese de alteração por parte do

aderente que ficou sujeito a elas”.11

Para evitar os efeitos indesejados das CCG, o DL 446/85 de 25 de Outubro, estabelece o regime a que estas

estão sujeitas:

Artigo 1º,1 (âmbito de aplicação) – “as cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual, que

proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo

presente diploma” [note-se que tanto vale para o proponente como para o destinatário. Tal deve-se ao facto de

muitas vezes se assinar “propostas de adesão” em que é a entidade que recebe a proposta que a pré-elabora].

7 Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.468. 8 Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.468. 9 Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.469. 10 Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.469. 11 Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.469.

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Artigo 4º - as cláusulas contratuais inseridas em propostas contratuais ficam incluídas nos contratos pela aceitação,

mas apenas desde que sejam observados determinadas disposições legais.

Artigo 5º,1 – as cláusulas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes sob pena de não serem incluídas no

contrato e o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as

cláusulas contratuais gerais (art. 5º,3).

Artigo 6º - dever de informação por parte do contraente que usa CCG (ónus).

Artigo 7º - caso haja cláusulas especificamente acordadas elas prevalecem sobre as CCG.

Artigo 8º/9º - as cláusulas não comunicadas ficam excluídas dos contratos individuais.

Artigo 15º - são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé (novidade face ao CCiv, art, 280º).

Artigo 16º a 19º - concretização do art. 15º.

Artigo 20º a 22º - proibição de cláusulas que possam prejudicar consumidores finais.

Artigo 25º (acção inibitória) – as cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o

disposto nos arts. 15, 16, 18, 19, 21 e 22 podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua

inclusão efectiva em contratos singulares.

Artigo 26º - legitimidade de acção inibitória.

Em princípio, a exclusão ou nulidade de uma CCG não arrasta consigo todo o negócio, mas leva apenas à

não aplicação da respectiva cláusula (art. 9º, 13º, 14º).

Em vez de cláusulas contratuais gerais aplicam-se as normas dispositivas comuns, com recurso, se

necessário às regras de integração dos negócios jurídicos (art. 239º).

7. O princípio da boa fé. A boa fé como princípio normativo ou objectivo. Confronto com a boa fé subjectiva ou

psicológica. O ideário do princípio e a sua transversalidade. A projecção principal do abuso do direito e dos seus

tipos mais importantes: proibição do venire contra factum proprium, neutralização do direito, aquisição do direito e a

conduta anterior indevida. O papel da jurisprudência na aplicação do princípio. Boa fé e responsabilidade pré-

contratual.

A. Distinção entre boa-fé objectiva e subjectiva

• Boa-fé subjectiva – traduz-se num estado de espírito (desculpável) de alguém que, em certo momento,

estava convencido da conformidade ao direito de certo acto ou posição jurídica, sendo essa convicção

desconforme com a realidade.

• Boa-fé objectiva – norma de conduta ou de comportamento, de natureza ética, que exige que as partes

tenham um comportamento leal, correcto, honesto, cooperante (solidariedade negocial) sendo um critério de

controlo sobre o clausulado contratual (no sentido expansivo ou de compressão).

B. O abuso do Direito

• Vem regulado no art. 334º.

• Tem em vista, tendencialmente, as vinculações imanentes aos direitos subjectivos (limitações internas).

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• A lei considera que a moderação voluntária no exercício de poderes é uma virtude na qual não se pode

confiar em demasia. Aliás, uma característica do abuso de direito é a aparência que este de facto não existe.

Quem age em abuso de direito invoca um poder que formal ou aparentemente lhe pertence.

• A aparente concordância com a lei, dificulta a defesa do lesado por abuso de direito. Como tal, o art. 334º

parte nas 3 hipóteses de uma concepção objectiva. Não se exigindo a quem abusa do direito a consciência

de que o fez (“manifestamente”).

• O excesso tem que ser manifesto: ofensa da justiça ou uma afronta ao sentimento jurídico dominante.

• No entanto, o art. 334º não ignora considerações de ordem subjectiva: limites impostos pela boa fé e pelos

bons costumes.

• No caso em que se vai para alem do “fim social ou económico do direito” estamos perante critérios

puramente objectivos.

• O abuso de direito poderá aparecer sobre duas formas básicas:

o Abuso institucional:

É o abuso que o artigo refere quando se fala do “fim social ou económico” do direito.

O direito subjectivo é invocado para fins que estão fora dos objectivos ou funções para os

quais ele foi atribuído pela norma.

Contraria a ordem pública ou contradiz os princípios fundamentais da ordem jurídica,

económica ou social ou desvirtua os objectivos do instituto jurídico.

Este tipo de abuso tem de ser apreciado oficiosamente pelo tribunal.

o Abuso individual:

Neste caso, o exercício do direito estaria, em princípio, a coberto da norma. No caso

concreto, existem circunstâncias ou relações especiais em virtude das quais o exercício do

direito incorre em contradição coma ideia de justiça.

Refere-se aos limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes. Exemplos:

1. A falta de interesse protegido que justifique o exercício do direito (ex. art. 1380º,1 ⇒ direito de preferência de

um proprietário que tem o terreno ao abandono). [Também pode ser considerado um abuso institucional].

2. “Venire contra factum próprio”, quando é adoptado um comportamento positivo por parte do titular do direito

subjectivo, comportamento este que vai no sentido de não querer exercer o seu direito, criando esta atitude

como consequência a correspondente disposição da outra parte (aumento da renda sem respeitar a forma

legal e o inquilino paga durante o tempo e só depois alega a nulidade do aumento). Chega-se a uma situação

de confiança em que a outra parte faz fé, devido à estabilidade da conduta da outra parte durante um certo

período, que o titular não fará uso do seu direito, perdendo assim, esse mesmo direito.

3. A perda de direito – o titular do direito não invoca o direito durante bastante tempo no decorrer do prazo e

observar-se simultaneamente, um comportamento através do qual o devedor podia legitimamente pensar

que o direito já não seria exercido. Mesmo que o titular do direito o venha exercer dentro do prazo, dada a

sua conduta, este perde a legitimidade para o fazer.

4. Exigência injustificada – dá-se quando um titular invoca o direito a uma prestação apesar de uma obrigação

sua de devolver imediatamente esta mesma prestação (ver art. 764º).

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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5. Existência de um comportamento desleal que resulta do aproveitamento de uma posição jurídica, ela própria

adquiria por dolo ou abuso de direito, se daí provir um prejuízo que doutra maneira não seria verificado

(exemplo de alguém que tem uma conduta enganadora de modo a obstar que o titular do direito intentasse a

tempo a acção indicada para evitar o decurso do prazo.

6. Inobservância dos princípios gerais do cumprimento das obrigações (art. 762º,2).

• Nesta disciplina o abuso de direito, enquanto violador do princípio da boa-fé, é visto na forma de venire contra

factum proprium tendo a característica de ser um comportamento abusivo por ser contraditório. Trata-se de uma

situação em que alguém acredita numa atitude que posteriormente é alterada, contradizendo uma expectativa

que foi criada. Este abuso pode assumir três formas:

o Neutralização do direito (Verwirkung) – uma determinada pessoa que não exerce o direito durante um período

de tempo considerável e, de repente, o direito é exercido.

o Aquisição (Erwirkung) – alguém faz querer a outra que lhe vai transmitir um bem e esta pessoa começa a criar

uma expectativa legítima, devendo poder adquirir aquilo que lhe é permitido.

o Conduta anterior indevida – começa por haver uma conduta que já em si é reprovável, para depois, num

segundo momento, a mesma pessoa vir tentar retirar vantagens desse comportamento reprovável.

Exemplo: situação em que uma das partes convence a outra de que não é necessária a observância

de forma para a celebração de um determinado negócio e depois vem alegar a sua nulidade (art.

220º CCiv).

• 1ª solução – declaração de nulidade + responsabilidade pré-contratual. Esta solução

favorece a parte que prevaricou.

• 2ª solução – verificando-se as seguintes condições: a) uma das partes confiou em que

adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) adoptou disposições que agora são

irreversíveis; c) a contraparte teve culpa na não adopção da forma ou o contrato foi

executado e a situação manteve-se por largo período de tempo sem hajam surgido

quaisquer dificuldades, então deverá aplicar-se a figura do direito, não podendo ser alegados

os vícios formais (inalegabilidade formal). Trata-se, portanto, de uma situação em que normas

de conduta vêm interferir com normas de validade por questões de ordem pública.

• Trata-se de um comportamento anti-jurídico capaz de determinar a obrigação de indemnizar.

C. Responsabilidade pré-contratual – remissão.

⇒ “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação

dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra

parte”.

⇒ A lei estipula, deste modo, uma obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo.

⇒ A obrigação de indemnizar existe independentemente da formação posterior do contrato ou não (o art. 227º visa

proteger o próprio processo de formação do contrato em todas as suas fases). A celebração do contrato ou a sua

posterior anulação ou declaração de nulidade não afectam a aplicação do preceito em causa.

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⇒ A aplicação do art. 227º pressupõe culpa (não basta a simples rotura de negociações), pois não é lícito a uma das

partes romper arbitrariamente as negociações depois destas terem alcançado um tal desenvolvimento que a outra

parte podia julgar-se autorizada a confiar na realização do contrato e, assim, a fazer despesas, a abster-se de outros

negócios, etc...

⇒ Mas, por outro lado, pode observar-se que as negociações se destinam precisamente a dar às partes

oportunidades de apreciarem se o contrato deve ser feito e em que termos, portanto, enquanto o contrato não é

celebrado, devem elas ter a liberdade de romper as negociações.

O comportamento adoptado deve coincidir com:

• O dever de cada um dos contraentes se exprimir claramente, a fim de evitar falsas interpretações do seu

comportamento.

• Dever de não começar negociações que se saiba de antemão condenadas ao malogro ou à celebração de

um negócio inválido.

• Dever de não abandonar arbitrariamente as negociações.

• Dever de comunicar à outra parte algum motivo da nulidade do negócio.

• Necessidade de sigilo quando se justifica.

⇒ O art. 227º deve ser enquadrado no âmbito da responsabilidade civil extracontratual (obrigação resultante da lei e

não da autonomia privada).

⇒ A responsabilidade prescreve nos termos do art. 498º.

⇒ Ao calculo da indemnização serão aplicáveis os arts. 489º e 494.

Comparação entre art. 227º e art. 229º,1 (2ª parte):

• O art. 227º não exclui a aplicação do art. 229º,1 (2ª parte), aplicando-se independentemente.

• O art. 229º, 1 (2ª parte) não exige a culpa, estabelece uma obrigação de avisar como contrapartida de

atribuir ao proponente a possibilidade de, unilateralmente, impedir a conclusão do contrato (direito

potestativo – outra parte está num estado de sujeição).

8. O princípio da tutela do contraente mais débil. A projecção maior do princípio aos contratos de consumo,

sobretudo ao consumidor de bens e serviços e ao que recorre a instrumentos de crédito. Os principais direitos dos

consumidores (entre eles o direito de livre resolução) e a sua natureza injuntiva.

• Tenta criar equilíbrio em situações em que uma das partes é muito mais forte do que a outra, o que poderia

pôr em causa o princípio da igualdade jurídica (que é assim temperado por um princípio material) ou da

autonomia privada.

• Lei 24/ 96 - art. 4º - os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se

destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou , na

falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.

• Proibição de cláusulas abusivas no domínio dos contratos de consumo e no sector da prestação de serviços

públicos essenciais.

• Trata-se de um regime imperativo, limitativo da autonomia privada mas que tem como finalidade a protecção

dos mais fracos.

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9. O princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade como princípio que rege a actuação dos sujeitos

obrigacionais na ligação à manutenção do equilíbrio das prestações, aos exercício ponderado e escalonado dos

direitos, ao cumprimento dos deveres e à moderação da regulação convencional. A proporcionalidade concebida

como reacção (legal) adequada à gravidade da culpa e ao tipo de dano causado. Exemplificações.

• Começa por ter a ver com a existência e a manutenção do equilíbrio das prestações, logo, com o princípio

contratual da equivalência objectiva. Exemplos:

o Art. 437º - condições de admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração

anormal das circunstâncias.

A resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos

para que em cada caso o tribunal possa conceder ou não a resolução ou modificação tendo

por base o princípio da boa fé, a base do negócio e o princípio da proporcionalidade.

Implica uma (a) modificação das circunstâncias existentes à data do contrato tanto

relativamente à base negocial objectiva como subjectiva e (b) é necessário que essa

alteração seja anormal. Por outro lado, é necessário que a obrigação afecta à parte lesada

viole gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do

negócio.

o Inclui também disposições relativas à regulação convencional ou por adesão.

• Pode ainda ser perspectivada em ligação com o “mínimo de gravidade” da violação contratual, da lesão de

direitos ou do dano e como reacção adequado à intensidade do ilícito culposo cometido. Exemplos:

o A escassa importância do interesse afectado, a perda subjectiva de interesse por parte do credor ou

a simples contrariedade, a adequação social visível.

o Art. 494º - limitação de indemnização no caso de mera culpa.

Os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, devendo guiar-se pela equidade (=

proporcionalidade) e tendo em consideração o grau de culpabilidade, a situação económica

do agente e do lesado, e demais circunstâncias do caso.

10. O princípio da responsabilidade patrimonial. O património do devedor como garantia do cumprimento das

obrigações. A prioridade da tutela por execução específica (real) e residualidade da execução por equivalente

indemnizatório.

• Traduz-se fundamentalmente na prioridade do conjunto acção de cumprimento:

o Execução específica – o devedor responde, em primeira linha, pelo cumprimento das obrigações,

estando os credores comuns num plano de igualdade.

o Secundarização da tutela por mero equivalente indemnizatório.

11. O princípio da heterorresponsabilidade. A responsabilidade perante os outros ou a imputação danosa por facto

livre responsabilizante. O critério geral da responsabilidade civil subjectiva, a progressiva extensão do círculo da

responsabilidade sem culpa e o menor relevo da responsabilidade por factos lícitos.

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• O lesante pode responder por uma conduta ilícita e culposa, por uma actuação lícita mas geradora de riscos

ou ainda por actos danosos legalmente justificados.

• Hoje há quem defenda um princípio da precaução que determina que, em situações de incerteza, se deverá

adoptar uma postura preventiva que poderá levar no limite à omissão de actividades potencialmente lesivas

(exemplo: alimentos geneticamente modificados).

12. O princípio da auto-responsabilidade. A “responsabilidade” perante si mesmo na sua articulação coma culpa do

lesado, a assunção do risco, as condutas voluntárias com o risco de dano e as predisposições para o dano ou para o

maior dano.

• Culpa do lesado – art. 570º e 505º:

o Condutas descuidadas ou negligentes daqueles que sofreram ou agravaram o dano.

III – Os factos constitutivos de obrigações

Secção I – Noção e evolução dos factos constitutivos

13. A noção de factos constitutivos de obrigações

• Fonte da obrigação – facto jurídico de onde nasce o vínculo obrigacional. Trata-se da realidade sub specie

iuris que dá vida à relação creditória.

• A fonte tem uma importância especial na vida da obrigação, por virtude da atipicidade da relação creditória,

pois o conteúdo é variável consoante a fonte donde procede.

13.1 A classificação dos factos constitutivos de obrigações antes da entrada em vigor do Código Civil

• A sistematização que preponderou na doutrina, durante todo o período medieval e ainda nas primeiras

codificações do séc.XIX, era quadripartida:

o Contratos – eram a fonte mais importante das obrigações, embora deles possam nascer também

relações jurídicas de outro tipo.

o Quase-contratos – compreendia os factos voluntários lícitos, que não eram contratos por lhes faltar

um elemento essencial (a vontade de constituir uma obrigação), mas que criavam obrigações para o

respectivo autor ou para terceiro.

o Delitos – constituídos por factos ilícitos extracontratuais, de carácter intencional.

o Quase-delitos – factos ilícitos praticados com mera culpa ou negligência.

• Criticas:

o Na categoria dos quase-contratos incluiu a doutrina, por mera exclusão de partes, como figuras

residuais, uma série heterogénea de situações, muitas das quais pouco ou quase nada têm em

comum com os contratos.

o Distinção entre delitos e quase-delitos pouco interesse oferece no campo normativo da tutela dos

valores jurídicos, tendo hoje muito maior interesse, no domínio da responsabilidade extracontratual, a

distinção entre responsabilidade por factos ilícitos e responsabilidade pelo risco.

o O aditamento de um novo elemento – a lei – parece esquecer que a lei é a causa, pelo menos

mediata, de todas as obrigações.

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13.2 O elenco dos factos no actual sistema codificado12

• Faz uma distinção dos factos constitutivos de obrigações entre factos constitutivos voluntários e factos

constitutivos não voluntários:

o Factos constitutivos voluntários – onde tem especial importância o contrato, mas contempla ainda

negócios unilaterais, gestão de negócios...

o Factos constitutivos não voluntários – responsabilidade civil (binómio: culpa-risco), enriquecimento

sem causa.

Secção II – Factos voluntários geradores de obrigações

14. O contrato

14.1 Noção, objecto e conteúdo do contrato. Contratação negociada e contratação não negociada. O âmbito do

clausulado convencionado.

Contrato – acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade, contrapostos mas perfeitamente

harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses. Pode ser fonte de obrigações

mas também de direitos reais, familiares e sucessórios.

Objecto e conteúdo do contrato – são delimitados em função daquilo é o objecto da relação obrigacional.

Contratação negociada e contratação não negociada

• O desenvolvimento das relações de massa de das tecnologias da informação e comunicação tem conduzido

a formas de contratação por adesão, por meios electrónicos ou por comportamento fáctico (exemplo:

modelos concebidos unilateralmente, ofertas ao público, vendas à distancia, vendas automáticas, contratos

sem intervenção humana e outros).

• É importante perceber se estamos perante um contrato negociado, um contrato de adesão ou contrato de

consumo para sabermos qual o regime legal aplicável.

14.2 Conclusão imediata ou definitiva do contrato, acordos pré-contratuais (cartas de intenção, acordos de

negociação, acordo base, acordo-quadro) e contratos preliminares (remissão). Pré-formação do contrato e

responsabilidade pré-contratual: fundamento, âmbito e conteúdo indemnizatório.

• Mecanismos pré-contratuais (cartas de intenção, acordos de negociação, acordo base e acordo-quadro) –

acordos intermédios, de natureza precária, relativos às próprias negociações e ao desejo de uma possível

contratação. Os juristas têm-se ocupado do relevo jurídico-negocial, com a sua possível eficácia jurídica ou

vinculativa. É, para este efeito, ser possível extrair tal “sentido” da interpretação da vontade manifestado no

instrumento utilizado.

Responsabilidade pré-contratual, culpa in contahendo e o princípio da boa-fé

• Art. 227º CCiv – Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares

com na formação dele, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que

culposamente causar à outra parte.

12 Art. 1173 do código civil italiano - Fonti delle obbligazioni -Le obbligazioni derivano da contratto (Cod. Civ. 1321 e seguenti), da fatto illecito (Cod. Civ. 2043 e seguenti), o da ogni altro atto o fatto idoneo a produrle (Cod. Civ. 433 e seguenti, 651, 2028 e seguenti, 2033 e seguenti, 2041 e seguenti) in conformità dell'ordinamento giuridico.

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A – Fundamento da responsabilidade pré-contratual

• Baseia-se na ideia de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de

informação e de esclarecimento, dignos de tutela do direito.

• Apesar de ainda não haver nenhum vínculo contratual entre as pessoas que iniciam negociações para a

realização do contrato, a verdade é que a relação criada entre essas pessoas determinadas está muito mais

próxima da relação contratual do que da existente entre o titular do direito absoluto e o autor da violação

ilícita dele.

B – Âmbito da responsabilidade pré-contratual

• A lei consagra a tese da responsabilidade civil pré-contratual pelos danos culposamente causados à

contraparte tanto no período das negociações como no momento decisivo da conclusão do contrato,

abrangendo por conseguinte a fase crucial da redacção final das cláusulas do contrato celebrado por escrito.

• A responsabilidade das partes não se circunscreve à cobertura dos danos culposamente causados à

contraparte pela invalidade do negócio. A responsabilidade pré-contratual abrange os danos provenientes da

violação de todos os deveres de informação, esclarecimento e lealdade em que se desdobra a boa fé.

C – Consequências jurídicas, em especial, o conteúdo indemnizatório

• Além de indicar o critério pelo qual se dever pautar a conduta das partes, a lei portuguesa aponta

concretamente para a sanção aplicável à parte que, sob qualquer forma, se afasta da conduta exigível: a

reparação dos danos causados à contraparte.

• A lei não se limita a proteger a parte contra o malogro da expectativa da conclusão do negocio, cobrindo-a

de igual modo contra outros danos que ela sofra no iter negotii.

• Embora uma das vertentes da boa fé abranja a cobertura das legítimas expectativas criadas no espírito da

outra parte, o artigo 227º não aponta deliberadamente para a execução específica do contrato, no caso de a

conduta ilícita da parte ter consistido na frustração inesperada da conclusão do contrato (a menos que haja

contrato-promessa – art. 830º - a lei respeita o valor fundamental e transcendente da liberdade contratual).

• O interesse que o faltoso terá que, à partida, ressarcir será o interesse contratual negativo – a perda

patrimonial que não teria tido se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustado ou a vantagem

que não alcançou por causa da mesma expectativa gorada. Pode, excepcionalmente, se a conduta culposa

da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio, a sua responsabilidade tender para a

cobertura do interesse positivo (ou de cumprimento) [vd. VAZ SERRA em anotação ao acórdão do STJ, de 7 de

Outubro de 1976].

14.3 Contratos típicos (tipicidade legal e tipicidade social), atípicos, mistos, coligados e derivados. O subcontrato

como exemplo principal de contrato derivado.

Tipicidade legal e tipicidade social

• A tipicidade, para lá de traduzir a adequação entre o contrato em concreto e aquilo a que alguns chamam

“contrato hipotético normativo”, radica na causa do contrato, ou seja, na função que desempenha ou no fim

que as partes procuram.

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• Tipicidade legal – refere os contratos que têm uma qualificação técnico-legislativa (compra e venda, locação

financeira, mediação imobiliária ou agência).

• Tipicidade social – refere os contratos que, embora desprovidos de disciplina legal, são de tal formas

frequentes que foram autonomizados pela doutrina (exemplo: contrato de instalação de lojistas em centros

comerciais).

Contratos atípicos

• Art. 405º,1 CCiv – admite que as partes celebrem contratos diferentes dos previstos no código, fugindo aos

rígidos tipos legais.

• No que toca aos seu regime, há que atender ao estatuído pelos contraentes sendo ainda de aplicar os

princípios gerais que regem toda e qualquer contratação e as normas dos contratos típicos que mais se

aproximem do contrato em causa.

o Exemplo: art. 1156º CCiv.

o Exemplo 2: recolha de veículos – há que procurar o elemento preponderante (guarda/ vigilância de

veículos) e fazê-la corresponder com o elemento essencial do contrato típico.

• Exemplos: armazenagem, instalação em parque de campismo, internamento em clínica médica, recolha de

automóveis, aluguer de longa duração, distribuição de filmes, instalação do lojista em centro comercial).

Novas figuras contratuais

• Leasing/ contrato de locação financeira – DL 149/95 – contrato pelo qual uma das partes se obriga, contra

retribuição, a conceder a outra o gozo temporário de uma coisa adquirida ou constituída por indicação desta

e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, mediante o pagamento de um preço determinado ou

determinável, nos termos do próprio contrato.

• Franchising – operação pela qual o empresário concede a outro o direito de usar a marca de produto seu

com assistência técnica para a sua comercialização, recebendo, em troca, determinada remuneração.

• Factoring – contrato em que uma entidade parabancária que adquire os créditos corre o risco de os não

receber, em troca do pagamento de certa comissão por parte do cedente; comissão que, parcialmente se

destina a remunerar a sua actividade de cobrança e risco que corre da tentativa infrutífera de realização do

crédito.

• Join Venture – é uma espécie de associação de duas ou mais empresas, por tempo limitado, para a

consecução de um fim lucrativo comum, em que as associadas não querem imolar a sua personalidade

jurídica na ara do objectivo comunitário.

• Know-how – acordo pelo qual uma pessoa se obriga a transmitir a outra, para que esta os aproveite, os

processos de fabrico ou outros conhecimentos especiais que só ela possui.

• Engineering – contrato em que uma empresa de engenharia se obriga, perante uma outra empresa

interessada em instalar um novo projecto industrial, a estudar e a implantar no local todo o equipamento dele

e a acompanhar o início do seu funcionamento.

• Garantia autónoma – promessa feita por um terceiro de que pagará a contraprestação devida pelo

destinatário de certa mercadoria, logo que o expedido prove a expedição da mercadoria.

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Contratos mistos

• Contratos que congregam elementos de contratos típicos.

• Tipos de contratos mistos:

o Combinado/múltiplo – vinculação de uma das partes a várias prestações essenciais correspondentes

a tipos contratuais diferentes e vinculação de outra a uma contraprestação unitária.

• Exemplo – contrato de hospedagem ou albergaria (arrendamento de quarto + aluguer de

mobília + prestação de serviços e encargo de quantia única).

o Contrato de tipo duplo/geminado – os tipos contratuais apresentam-se em termos contrastantes, de

tal modo que uma das partes se obriga à prestação típica de outro contrato.

• Exemplo – contrato de portaria – concede-se a fruição de uma habitação com o encarfo de

uma prestação de serviços ou de trabalho a cargo do contratado.

o Contrato misto em sentido estrito/indirecto – o tipo contratual adoptado pelas partes destina-se

precipuamente a um objectivo correspondente a um outro contrato.

• Exemplo – doação mista – venda com preço de favor.

o Contrato complementar - composto por uma prestação principal e por prestações secundárias

próprias de outro tipo contratual.

• Exemplo – o senhorio vincula-se a fornecer serviços de portaria ou o vendedor obriga-se a

dar assistência periódica.

• Regime dos contratos mistos:

o Critério da absorção [Lotmar] – a aplicação do regime do tipo contratual que corresponda aos

elementos predominantes do contrato pode marginalizar elementos contratuais que correspondam a

um interesse económico relevante – a doutrina nacional tende a aplicar este critério aos contratos

complementares e indirectos.

• Há situações em que o legislador manifestou preferência por este critério – arrendamento

com pluralidade de fins (art. 1028º), no regime do arrendamento urbano com parte urbana e

rústica, arrendamento de casa mobilada.

o Critério da combinação [Rumelin e Hoeniger] – aplicação das normas correspondentes aos diferentes

tipos contratuais desagrega o que é essencialmente uno – a doutrina nacional tende a aplicar este

critério aos contratos combinados e de tipo duplo.

o Parece mais correcta uma atitude de compromisso no sentido da aplicação da doutrina que melhor

satisfaça os interesses dos contraentes.

Contratos coligados

• Demarca-se da contratação mista pela circunstância de os diferentes contratos observarem a sua autonomia

apesar da existência de um nexo intercorrente.

• Estamos perante uma dualidade ou pluralidade contratual, que só assume verdadeiro significado quando a

“ligação” é interna – A coligação intrínseca objectiva ou subjectiva pode traduzir uma dependência:

o Unilateral – um dos contratos está subordinado ao outro, o que significa que as vicissitudes de um

são repercutidas no outro.

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o Bilateral – os contratos dependem reciprocamente um do outro, sendo ambos causa e efeito de

possíveis eventos.

• Pode revelar uma união genética (um dos contrato determina a formação do outro) ou funcional (um dos

contratos influi no desenvolvimento da relação jurídica que deriva do outro).

• Exemplos:

o Contrato-promessa e o contrato prometido.

o Contrato de trabalho e o contrato de arrendamento.

o Aluguer de longa duração (conexão entre o contrato de aluguer, a compra-e-venda, e um contrato-

promessa de compra e venda do bem alugado).

o Contrato de depósito acoplado a um contrato de emissão de cheques.

o Crédito ao consumo conectado com uma aquisição de bens.

o Subcontrato.

A. O subcontrato como exemplo principal do contrato derivado

• Caracteriza-se pela existência de um contrato principal apto a reproduzir e a gera um outro contrato

semelhante (contrato-filho/ derivado). Um dos contraentes, com base no direito que resulta do contrato

inicial, e sem perder essa posição, celebra um outro contrato (do mesmo teor) de forma a dispor total ou

parcialmente, daquela posição originária.

• Art. 1060º sublocação.

• A coexistência de dois contratos desencadeia um fenómeno de acessoriedade, já que a existência, a

validade e a eficácia do contrato-filho dependem da vida do contrato-mãe.

• Subempreitada – o empreiteiro passa a ser o dono da obra, continuando adstrito para com o dono da obra

principal em todas as obrigações emergentes do contrato de empreitada e vinculando-se o subempreiteiro a

uma obrigação relacionada com a obra principal.

14.4 A eficácia do contrato inter partes: eficácia obrigacional (unilateral ou bilateral) e eficácia real (consensus parit

proprietatem – sistema do título). Os contratos com eficácia real diferida e provisória. A cláusula de reserva de

propriedade: âmbito típico, características e funções.

Contratos com eficácia real (sistema de título)

• Para além da eficácia obrigacional (possibilidade de constituição, modificação ou extinção de relações de

obrigação), do contrato podem emergir direitos reais.

• Art. 408º - princípio da consensualidade/causalidade segundo o qual a transferência do direito real se faz por

mero efeito do contrato de alienação ou de oneração da coisa.

• Sistema de translação imediata:

o O risco de perecimento da coisa passa a correr por conta do adquirente, antes mesmo de o alienante

efectuar a entrega (art. 796º,2 + 408º CCiv).

o A nulidade ou anulação do contrato tem como consequência a restauração do domínio da

titularidade do alienante (ver art. 291º).

• Há que distinguir a eficácia real do contrato da exigência do registo na hipoteca, da entrega do bem como

elemento formal (doação de móveis) ou constitutivo de certos contratos e garantias (comodato, mútuo,

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depósito, penhor de coisas, penhor financeiro) e da tradição do título (ao portador) como requisito do

exercício de certos direitos.

Contratos de eficácia real diferida – a cláusula de reserva de propriedade (art. 409º)

• Art. 409º,1 CCiv – no caso previsto neste artigo, o negocio é realizado sob condição suspensiva, quanto à

transferência da propriedade.

• A reserva, quando incida sobre coisas imóveis ou sobre coisas móveis sujeitas a registo, carece de ser

registada, sem o que não produz efeitos em relação a terceiros. Ver CRPred.

• Tratando-se de uma coisa móvel não sujeita a registo, o pacto vale em relação a terceiros, sem necessidade

de qualquer formalidade especial, uma vez que não vigora, quanto às próprias coisas móveis, o princípio

segundo o qual a posse vale título.

• A reserva da propriedade é estabelecida, frequentemente, nas vendas a prestações e nas vendas com

espera de preço. Esta cláusula representa uma valiosa defesa do vendedor contra o incumprimento e a

insolvência do comprador, tendo-se em vista que, a respeito da resolução do contrato (art. 801º,2) existe,

para a compra e venda, a forte restrição do art. 886º.

14.5 O contrato-promessa (estudo da primeira parte do seu regime). Noção, modalidades e interesses subjacentes. A

conformação legal como resultado da conjugação das normas originais do Código Civil com as alterações

introduzidas em 1980 e 1986. As modificações formais feitas nos arts. 410º e 413º pelo DL 116/08, de 4 de Julho.

Equiparação entre o contrato-promessa e contrato-prometido e as excepções formais (maxime as do art. 410º,3) – a

importância dos Assentos de 29 de Novembro de 1989, de 28 de Junho de 1994 e de 1 de Fevereiro de 1995 – e

substanciais. Transmissão dos direitos e das obrigações dos promitentes. A onerosidade e as vantagens do

contrato-promessa dotado de características reais. O clausulado típico do contrato-promessa: cláusula de sinal (em

regra, confirmatório e, por vezes, penitencial) e cláusula de tradição do bem prometido-transmitir.

Noção

• Trata-se de um contrato que integra a categoria ampla dos contratos preliminares, sendo um contrato cujos

efeitos não se produzem em globo mas de forma progressiva.

• Art. 410º,1 CCiv – convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato.

• Estamos perante um contrato que se caracteriza especificamente pelo seu objecto: uma obrigação de

contratar, a qual pode ser relativa a qualquer outro contrato. É um contrato que vincula ambos os

contraentes ou apenas um deles à celebração posterior do contrato individualizado nesse acordo. Os

contraentes auto-vinculam-se a um facere pessoal e jurídico, surgindo para os promitentes (ou para um

deles) o direito de exigir esse comportamento declarativo.

Modalidades

• O contrato-promessa pode ter uma natureza obrigacional, mas também pode ter eficácia real (art. 413º),

enquanto promessa particularmente protegida.

• Pode ser unilateral ou bilateral se apenas um dos contraentes assumir a obrigações de estipular ou contrato

prometido ou se os dois o fizerem (art. 411º).

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• Exemplos: contrato-promessa de compra-e-venda, locação, sociedade, de trabalho, de transmissão de

direitos reais de habitação periódica ou de direitos de habitação turística...)

Interesses subjacentes (razões e finalidades)

• Finalidade típica - as razões para a celebração de um contrato-promessa estão essencialmente ligadas à

existência de uma vontade séria de vinculação e um conjunto de obstáculos materiais e jurídicos impeditivos

de uma imediata contratação definitiva.

o Esta vontade definitiva é adiada:

Por motivos materiais – o andar, o objecto mediato do contrato, está a ser construído ou foi

apenas projectado, o promitente-comprador não tem disponível todo o capital necessário.

Por motivos jurídicos – a escritura pública não pode ser outorgada por ausência de certos

documentos, por razões de ordem sucessórias, pela não constituição da propriedade

horizontal ou pelo facto do bem prometido-vender estar ainda no património de um terceiro.

Mera conveniência.

• Finalidade atípica – abrange o grupo de hipóteses em que os promitentes conservam a possibilidade legítima

de um arrependimento posterior. Pode ser estipulado, em certas promessas, um exercício de resolução não

fundamentado em qualquer facto concreto ou qualquer “causa justa”, tendo por base razões discricionárias.

No entanto note-se que a existência de cláusulas de sinal com papel penitencial através da sua

perda/devolução em dolo e cláusulas de tradição e de execução específica, atribuição de eficácia real à

promessa dotam o contrato de um sentido não provisório que o afasta da zona de “reserva desvinculativa”.

Regime aplicável. Princípio da equiparação

• Princípio da equiparação – o contrato-promessa, em princípio, está sujeito ao mesmo regime do contrato

prometido (ver art. 410º,1).

o Assim, por exemplo, se a lei proíbe a venda de filhos e netos, também tem de proibir o contrato-

promessa nos mesmos termos (cfr. Art. 877º). O mesmo acontece relativamente à proibição de um

critério supletivo para a determinação do preço na compra e venda (Art. 883º)13.

• O princípio da equiparação é objecto de duas importantes excepções:

o Disposições relativas à forma – a forma do contrato-promessa não tem necessariamente a mesma

do contrato definitivo, o que permite que ao contrato-promessa seja atribuída uma forma menos

solene do que a que seria exigida para o contrato definitivo.

o Disposições que pela sua razão de ser não devam considerar-se extensivas ao contrato-promessa.

Exemplos:

• Na compra e venda, nenhum dos efeitos regulados no art. 879º se aplica ao

contrato-promessa.

• Também na compra e venda, o regime das perturbações da prestação no contrato

não se estende ao contrato-promessa. Daí que, embora a venda de bens alheios seja

nula sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar (art. 892º), o

13 Cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol.I, Editora Almedina, 5ª ed. pp. 217

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contrato-promessa de venda de bens alheios é válido já que, estando em causa uma

mera obrigação de contratar, não se exige em relação ao promitente-vendedor

qualquer requisito de legitimidade.

• O art. 1628º-A, nº1 al. a) não impede que um dos cônjuges celebre contratos-

promessa relativos aos mesmos imóveis, uma vez que estes se limitam a constituir

obrigações e cada um dos cônjuges não está impedido de contrair dívidas sem

consentimento do outro (art. 1690º,1).

• Ver art. 604º,1.

Forma do contrato-promessa

• A forma do contrato-promessa é precisamente um dos campos não abrangidos pelo princípio da

equiparação de regime com o contrato definitivo (art. 410º,1). Assim, relativamente à forma, o contrato-

promessa segue o regime geral da liberdade de forma (art. 219º).

• Art. 410º,2 – mesmo que o contrato-prometido deva ser celebrado por escritura pública, é suficiente para a

existência da promessa um documento escrito. Apenas se exigem, neste caso, as assinaturas dos dois

outorgantes, se o contrato é bilateral ou de um deles se é unilateral.

• Uma questão que divide a doutrina é a de saber se um contrato-promessa bilateral, que seja assinado

apenas por um dos promitentes pode ser válido como promessa unilateral, permitindo a subsistência da

obrigação por parte de quem assinou o documento. Podem referir-se as seguintes posições:

o A tese da transmutação automática desse contrato em promessa unilateral – esta tese foi defendida

inicialmente pelo STJ sendo exemplo disso os acórdãos 25/4/1972 e 3/1/1975.

o A tese da nulidade total do contrato – a partir de 1977 o STJ passou a defender que a falta de

assinatura de uma das partes é um elemento essencial para a forma do contrato-promessa bilateral e

que atenta a natureza sinalagmática deste contrato, a invalidade de uma das obrigações tem que

afectar igualmente a outra, uma vez que o sinalagma genético não pode ser válido apenas em

metade.

o A tese da conversão – esta tese foi defendida por Antunes Varela e por Galvão Telles. Os seus

argumentos (I) partem do pressuposto de que se apresentaria como iníquo não permitir o

aproveitamento do negocio , mas que este deve ser realizado através do mecanismo da conversão e

não da redução, já que a redução pressupõe uma invalidade parcial (ver 292º) e o contrato-promessa

bilateral a que falte uma das assinaturas e se apresenta como totalmente nulo, por falta da forma

exigida por lei. (II) Por outro lado, a natureza bilateral torná-lo-ia radicalmente diferente do contrato-

promessa unilateral, que não reveste essa natureza. Não se estaria, assim, perante um

aproveitamento parcial do negocio, mas perante a sua transformação num negócio de tipo ou

conteúdo diferente, situação sujeita ao art. 293º. (III) Em face do regime da redução, cabe à parte

interessada na invalidade total do negocio alegar e provar que este não teria sido concluído sem a

parte viciada, quando o correcto seria antes que este ónus recaísse sobre a parte interessada no

aproveitamento do negócio.

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o A tese da redução – defendida por Almeida Costa, Ribeiro de Faria e Calvão da Silva, entendendo

que no contrato-promessa a lei só exige a assinatura para a declaração negocial do contraente que

se vincule à promessa, a nulidade por falta de forma no contrato-promessa bilateral será parcial se

apenas um dos contraente não assinar o contrato, o que justifica a aplicação do regime da redução

(art. 292º). Para além disso, esse regime é o que melhor tutela os interesses da parte que pretende o

aproveitamento do negocio, uma vez que estabelece em princípio essa solução, apenas a afastando

quando se demonstre que a vontade hipotética das partes iria em sentido contrário.

o Em 1989, o Supremo emite um assento onde estabelece a propósito do nº2 do art. 410º - “o

contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel, exarado em documento assinado apenas

por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral,

desde que essa tivesse sido a vontade das partes.” – a formulação, manifestamente infeliz, só

permitiu afastar a tese da convolação automática.

o A tese defendida pela maioria da doutrina é a da redução:

Uma vez aceite a ideia de que se deve procurar aproveitar como contrato-promessa

unilateral um contrato-promessa bilateral a que falta uma das assinaturas, então deve

adoptar-se a solução que ofereça mais possibilidades – nesta é ao interessado na nulidade

total do negocio que caberá alegar e provar que o contrato não teria sido concluído sem a

parte viciada (art. 292º).

Permite a manutenção da sanção do sinal em relação à parte que permanecesse vinculada à

celebração do contrato definitivo, o que está em concordância com o art. 442º. [nota: A tese

da conversão tem muitas dificuldades na articulação com o regime de sinal – esta tese não salvaguarda a

manutenção do sinal, caso este tenha sido constituído já que, considerando-se totalmente nulo o contrato-

promessa bilateral, então essa conversão não poderia abranger a convenção de sinal bilateral, considerada nula].

Do ponto de vista conceptual, parece correcto configurar esta situação como de invalidade

parcial, uma vez que, apesar de se tratar de uma invalidade formal, esta é cindível em relação

às duas partes. Saber se essa invalidade parcial se deve comunicar ou não a todo o contrato

dependerá da aplicação do art. 292º e não de uma posição conceptualista sobre a natureza

sinalagmática do contrato.

• Art. 410º,3:

o Não se está perante uma exigência de forma, uma vez que não se revela por esta via qualquer

vontade negocial, tratando-se antes de formalidades, exigidas para a validade plena do negocio.

o A exigência destas formalidades prendeu-se com a intenção de estabelecer um controle notarial dos

contratos-promessa relativos a edifícios ou suas fracções autónomas, por forma a evitar a sua

celebração em casos de construção clandestina, impondo-se por isso, no interesse do promitente

adquirente, o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação pelo notário, no próprio

documento, da existência de licença de utilização ou construção. Caso estes requisitos não sejam

cumpridos, ocorrerá a invalidade do contrato-promessa que, no entanto, só poderá ser invocada

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pelo promitente adquirente, a menos que seja provocada por sua culpa exclusiva, caso em que o

promitente alienante também a poderá invocar.

Daqui resulta que a referida invalidade não pode ser invocada por terceiros nem conhecida

oficiosamente pelo tribunal – assento 15/94 STJ.

A omissão destas formalidades não constitui uma verdadeira nulidade, sujeita ao regime do

art. 286º, mas antes uma situação de invalidade mista, estabelecida no interesse do

promitente adquirente em evitar a aquisição de um imóvel clandestino. Assim, o promitente-

adquirente pode invocar a invalidade a todo o tempo, admitindo-se, porém que essa

invocação possa ser restringida com base no abuso do direito14.

Transmissão dos direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa

• Art. 412º.

• Em princípio a lei não reconhece ao contrato-promessa um cariz intuitu personae, pelo que nada impede

que, em caso de morte de uma das partes, o cumprimento da obrigação respectiva seja exigido dos

herdeiros ou seja requerido pelos herdeiros do defunto. Caso, no entanto, as partes tenham celebrado o

contrato-promessa tomando em consideração especificamente a pessoa do outro contraente, a própria

natureza da relação impedirá a transmissão por morte, ao abrigo do art. 2025º.

A execução específica

• Consiste em o devedor ser substituído no cumprimento, obtendo o credor a satisfação do seu direito por via

judicial, neste caso, a execução específica consistirá em o tribunal emitir uma sentença que produza os

mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi realizada, operando-se assim a constituição do

contrato definitivo15.

• Art. 830º CCiv – o não cumprimento da promessa atribui à outra parte o direito de recorrer à execução

específicica.

A. Situações em que é excluída a execução específica do contrato-promessa:

• Impossibilidade definitiva do cumprimento – exemplo do caso em que o bem que se prometeu vender já foi

alienado a um terceiro. Efectivamente, nesse caso, a sentença judicial não poderia produzir os efeitos de um

contrato definitivo válido, mas antes os efeitos de uma venda de bens alheios nula, o que não é admissível.

[Essa solução é aplicável mesmo que o registo da venda somente ocorra após o registo da acção de

execução específica, uma vez que até à decisão da acção de execução específica continua a haver apenas

um direito de crédito, que não adquire prevalência sobre os direitos reais, mesmo que registado16].

• Existência de convenção em contrário

o A possibilidade de execução específica da obrigação de contratar não se apresenta como um regime

imperativo, pelo que as partes podem derrogá-lo através de convenção.

14 Considerando-se nulo o contrato nos termos do art. 220º, poder-se-á considerar a existência de responsabilidade civil pré-contratual. 15 Ao contrário das outras hipóteses de execução específica previstas nos arts. 827º e ss, a execução específica da obrigação de contratar não resulta de um processo executivo, mas antes se opera mediante uma acção declarativa constitutiva. Esta acção reveste, porém, funcionalmente uma natureza simultaneamente executiva, na medida em que realiza o interesse do credor à prestação prometida. 16 Esta solução não é defendida por GALVÃO TELLES cuja solução proposta levaria a atribuir a todos os contratos-promessa sujeitos a execução específica em que a acção fosse registada, derrogando expressamente o regime do art. 413º.

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o Presunção, no caso de estipulação de um sinal ou de uma penalização para o incumprimento de que

as partes pretendem em caso de incumprimento é unicamente a obtenção da indemnização

convencionada e não a execução específica (art. 830º,2).

Esta presunção é ilídivel mediante prova em contrário, nada impedindo que as partes

convencionem a aplicação dos dois regimes, cabendo nesse caso ao credor aquele que

considerar mais conveniente (art. 350º,2).

Nos termos do art. 830º,3 + 410º,3 – o regime que permite a execução específica relativas à

constituição ou transmissão de direito real sobre o edifício ou fracção autónoma dele, já

construído, em construção ou a construir não pode ser afastado pelas partes, assumindo

carácter imperativo. Nestas promessas, não podem as partes estipular convenções

contrárias à execução específica, pelo que nunca será atribuído esse efeito à convenção de

sinal ou cláusula penal.

• Execução específica ser incompatível com a natureza da obrigação assumida

o Existem casos em que a execução específica se apresenta como incompatível com a obrigação

assumida por a índole específica do processo de formação do contrato prometido ou a sua natureza

pessoal não se apresentar como compatível com a su constituição por sentença judicial.

o Contratos-promessa relativos a contratos reais quod constitutionem (penhor de coisas, mútuo,

comodato e depósito) – são contratos em que se exige a tradição da coisa para se poder operar a

constituição do contrato definitivo, não é possível decretar-se a execução específica, uma vez que o

tribunal não pode substituir-se ao promitente na tradição da coisa, acto cuja espontaneidade a lei

pressupõe17.

o O contrato-promessa de contrato de trabalho é insusceptível de execução específica, atento o

carácter pessoal da prestação de trabalho (art. 90º,3 CT). Nestes casos, o incumprimento do

contrato-promessa apenas poderá gerar indemnização por responsabilidade contratual, não se

admitindo a produção dos seus efeitos através de sentença judicial.

• A lei procura ainda resolver dois problemas que a execução específica pode desencadear:

o Hipótese de o bem ter sido prometido vender livre de ónus ou encargos, mas se encontrar

presentemente hipotecado – nesta caso, a execução específica não protegeria adequadamente os

interesses do adquirente, que ficaria sujeito a ver o bem posteriormente executado para pagamento

da dívida ao credor hipotecário.

Admite-se que na execução específica seja simultaneamente pedida a condenação do

promitente faltoso na quantia necessária para expurgar a hipoteca, assim se conseguindo a

sua extinção sem prejuízo para o beneficiário da hipoteca (art. 830º,4).

o Hipótese de o promitente faltoso poder invocar a excepção de não cumprimento do contrato, caso

em que acção improcede se ele não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for

fixado pelo tribunal (art. 830º,5).

17 Contra esta posição ver ANA PRATA, o contrato-promessa, pp. 926 e ss.

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Pretende-se, com esta norma, evitar que quando o promitente faltoso beneficie da excepção

de não cumprimento do contrato – art. 428º - como acontece quando as partes

convencionam que o pagamento do preço ocorra previamente ou simultaneamente com a

celebração do contrato definitivo – viesse o tribunal a emitir a sentença de execução

específica – a qual determina a transmissão da propriedade da coisa a que se refere o

contrato-prometido – sem assegurar que o promitente faltoso viesse a receber a prestação a

que tem direito. A consignação em depósito da prestação assegura que o promitente faltoso

continua a beneficiar da protecção conferida pelo sinalgma funcional, caso a acção de

execução específica seja julgada procedente.

Articulação com o regime de sinal

A – Sinal e antecipação do cumprimento

• O sinal consiste numa cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à

outra, por ocasião da celebração do contrato, uma coisa fungível, que pode ter natureza diversa da

obrigação contraída ou a contrair.

• O sinal funciona como fixação das consequências do incumprimento, uma vez que se a parte que constituiu

o sinal deixou de cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue. Se o não

cumprimento partiu de quem recebeu o sinal, tem este que o devolver em dobro (art. 442º,2 primeira parte).

• Caso se verifique o cumprimento do contrato, a coisa entregue será imputada na prestação devida –

princípio do pagamento – ou restituída, caso essa imputação não seja possível (art. 442º,1).

• Uma vez que envolve uma estipulação da indemnização em caso de incumprimento, o sinal aproxima-se da

cláusula penal, desta se distinguindo apenas pelo facto de pressupor a entrega prévia de uma coisa fungível

(art. 810º,1).

• Art. 440º (antecipação do cumprimento):

o Distingue-se, neste artigo e nos seguintes, aquilo que é havido como antecipação do cumprimento

do que é considerado como sinal. A simples entrega de uma parte da prestação no momento da

celebração do contrato, ou posteriormente só é considerada como sinal se houver a intenção de lhe

atribuir esse carácter. Em princípio, portanto, a entrega de uma parte da prestação funciona apenas

como começo do cumprimento.

o A doutrina deste artigo é inaplicável aos contratos-promessa, pois não pode supor-se um começo de

cumprimento na entrega de qualquer coisa por um dos promitentes ao outro. A obrigação emergente

do contrato-promessa tem por objecto a realização dum negocio jurídico e não pode haver nele

entrega de coisa que coincida com a prestação a que se fica adstrito. O que se pode ter em vista é o

cumprimento de um contrato futuro – o prometido – mas não o cumprimento do contrato-promessa,

pois este só se cumpre pela celebração do negócio jurídico. De resto, é expresso o artigo em exigir

que a coisa seja entregue no momento da celebração do contrato, ou posteriormente, e, no caso do

contrato-promessa, o que pode fazer-se é um cumprimento antecipado, visto o contrato prometido

só se celebrar depois.

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o A distinção entre os casos de constituição de sinal e os de mera antecipação do cumprimento

envolve, pois, um problema de pura interpretação da vontade dos contraentes. Problema que nem

sempre será de fácil solução, antes se prevendo que ele levante a cada passo as maiores dúvidas e

hesitações, tanto mais que o sinal não deixa de ser tratado também como uma antecipação do

cumprimento (art. 442º,1). Entre os elementos de que o julgador pode socorrer-se para qualificar os

desvendar a intenção das partes, assume especial relevo o que se tiver convencionado acerca das

consequências da falta de cumprimento por parte de alguma delas, dado do disposto no art. 442º, 2

e 3.

• Art. 441º (contrato-promessa de compra e venda)

o Presume-se nos contratos-promessa de compra e venda que há intenção de constituir um sinal.

o Trata-se de uma simples presunção (ilídivel – art. 350º,2), já que nada impede que as partes

convencionem o cumprimento antecipado de uma obrigação futura – a que emerge não do contrato-

promessa, mas do contrato prometido. Simplesmente, a mera declaração da antecipação não tira à

quantia entregue o carácter de sinal.

Trata-se, porém, de uma prova difícil de efectuar, uma vez que a não estipulação de sinal

constitui um facto negativo, de demonstração complicada, e a indicação de um título distinto

para a prestação não é suficiente para afastar a presunção. Caso, porém, as partes venham

a efectuar essa demonstração, a quantia entregue valerá como antecipação do cumprimento

de uma obrigação futura, devendo a quantia entregue ser imputada na prestação devida,

após a constituição dessa obrigação ou restituída em singelo quando a obrigação não se

venha a constituir18.

o Note-se ainda, que a venda definitiva, quando nula, pode converter-se numa promessa, nos termos

do art. 293º. Esta conversão não tira, porém, ao cumprimento antecipado a sua especial natureza,

transformando-o num sinal.

B – Funcionamento do sinal. O regime do art. 442º

• Art. 442º,1

o Refere-se ao regime do sinal em geral, indicando o seu funcionamento em caso de cumprimento da

obrigação. Em caso de cumprimento o sinal é imputado na prestação devida, quando coincida com

esta. Se for impossível a imputação, por a coisa entregue não coincidir com a prestação devida,

deve o sinal ser restituído em singelo.

o A restituição em singelo ocorrerá igualmente nos casos em que se verifique a impossibilidade da

prestação por facto não imputável a qualquer das partes. Efectivamente, em ambas as situações, a

parte deixa de ter causa justificativa para a conservação do sinal, pelo que terá de o restituir19.

• Art. 442º,2

o 1ª parte:

Explica o funcionamento do regime do sinal em geral, quando se verifica o incumprimento.

18 Este último caso representará uma situação de enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473º,2. 19 Caso contrário, estaríamos numa situação de enriquecimento sem causa.

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Incumprimento de quem constitui o sinal – este será perdido a favor da contraparte.

Incumprimento de quem recebe o sinal – obrigação de restituição em dobro.

A lei não refere a hipótese de o incumprimento ser imputável a ambas as partes, mas parece

que neste caso a solução deverá ser a da restituição do sinal em singelo. Efectivamente,

ambas as partes teriam nessa situação direito à indemnização da contraparte, pelo que

essas obrigações se extinguiriam por compensação (art. 847º), ficando apenas subsistente a

restituição do sinal em singelo.

A perda do sinal ou a sua restituição em dobro pressupõe o incumprimento definitivo.

o 2ª parte:

Aqui fala-se em concreto do funcionamento do sinal no contrato-promessa.

A lei prevê duas hipóteses no caso de haver tradição da coisa a que se refere o contrato-

prometido:

• O promitente adquirente pode pedir a restituição do sinal em dobro.

• O promitente adquirente pode receber o valor actual da coisa, ao tempo do

incumprimento, com dedução do preço convencionado, acrescido do sinal (em

singelo) e da parte do preço que tenha sido paga20/21.

o O princípio que serve de fundamento a este regime não é o do

ressarcimento de danos, mas antes o da restituição do enriquecimento

injustificado. Efectivamente, perante uma situação em que o promitente-

vendedor, tendo antecipadamente realizado a tradição da coisa, se

enriqueceria à custa do promitente comprador através da restituição do

sinal em dobro, atenta a valorização entretanto verificada na coisa entregue,

a lei vem determinar que essa valorização possa ser atribuída ao promitente-

comprador, em alternativa à indemnização convencionada.

Uma questão que tem sido controvertida em face desta norma é saber se a exigência do

aumento do valor da coisa ou do direito, a que se refere o contrato-prometido, pressupõe

que tenha sido constituído sinal ou basta-se apenas com a tradição da coisa:

20 Esta norma tem uma explicação histórica: na década de 1980 verificou-se um período de forte inflação e especulação imobiliária, com inerente desvalorização das quantias em dinheiro e valorização dos bens imóveis. Neste caso, a demora na execução dos contratos-promessa levava naturalmente a que deixasse de haver correspondência económica entre o preço estipulado para o contrato definitivo e a coisa prometida vender. Por outro lado, a desvalorização pecuniária acabava por tornar platónica a sanção da restituição do sinal em dobro, uma vez que geralmente a valorização da coisa compensava o pagamento dessa indemnização à contraparte. Por todos esses motivos, os promitentes vendedores sentiam –se tentados a incumprir os contratos-promessa, já que os ganhos obtidos com uma venda do imóvel, a preços de mercado, seriam sempre muito superiores à indemnização por incumprimento da promessa. Esta solução era particularmente injusta no caso de já se ter verificado a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido. Efectivamente, quando o promitente vendedor procede à entrega ao promitente comprador da coisa que será objecto do contrato definitivo, este contrato já estará total ou pelo menos parcialmente executado antes da sua celebração efectiva, funcionando esta como uma mera formalização de uma situação já consolidada no plano dos factos. O promitente adquirente sofreria por isso graves danos, se visse posteriormente frustrada a aquisição de um bem, que já tinha recebido, e que por vezes pagara integralmente, sem conseguir receber uma indemnização adequada, em virtude da desvalorização do sinal. Neste caso, o promitente vendedor obteria um autêntico enriquecimento injustificado beneficiando com um facto ilícito seu, o incumprimento do contrato-promessa. 21 A aplicação deste regime poderá ser esclarecida através de um exemplo. Imagine-se que A promete vender a B, e B promete compra-lhe, uma casa pelo preço de 50.000 EUR, pagando B logo 25.000 EUR como sinal, e sendo efectuada a tradição da coisa. Posteriormente, no entanto, o valor real da casa sobe para 200.000 EUR. Se A apenas tivesse que restituir o sinal em dobro entregaria a B 50.000 EUR, e iria ganhar 150.000 EUR através da alienação da casa a terceiro, o que tornaria o incumprimento do contrato mais vantajoso do que o cumprimento. Havendo a possibilidade de B optar pela valorização da coisa, A teria que pagar-lhe o seu valor actual, com a dedução do preço convencionado (200.000 – 50.000 = 150.000 EUR) e restituir-lhe o sinal em singelo (25.000 EUR), o que torna desvantajosa a opção pelo incumprimento.

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• MENEZES CORDEIRO – deve ser exigida a constituição de sinal, uma vez que, quando

este não é estipulado, a tradição da coisa para o promitente comprador apresenta-

se como um acto de mera tolerância do promitente vendedor, não havendo razão

para que seja prejudicado por esse acto – esta parece ser a opção correcta uma vez

que se trata de uma disposição excepcional, destinada a corrigir um funcionamento

desvirtuado do sinal, que não pode ser aplicada fora deste campo.

• GALVÃO TELLES e JANUÁRIO GOMES – o aumento do valor da coisa ou do direito tem

lugar mesmo que não tenha sido estipulado sinal, já que não haveria motivo para só

se aplicar este regime quando o sinal exista, em alternativa a este. Esta opção não

parece tão correcta, pois, caso não haja estipulação de um sinal, os dados da

questão alteram-se totalmente:

o O promitente comprador não dica limitado a uma indemnização pré-

convencionada, podendo exigir: a) execução específica do contrato (art.

830º1) e b) uma indemnização por todos os prejuízos causados com o

incumprimento (art. 798º); não se vê, portanto, por que razão lhe deveria ser

atribuída ainda em alternativa o direito ao aumento do valor da coisa.

o Neste caso, a tradição da coisa, por parte do promitente vendedor, não se

apresentou como contrapartida da constituição do sinal pelo promitente

comprador, tendo antes a natureza de um acto gratuito, de favor ou de mera

tolerância. Não se vê, por isso, que um acto desta natureza constitua

justificação para atribuir esse direito ao promitente comprador.

A opção pelo aumento do valor da coisa, na medida em que admita ainda um posterior

cumprimento, pode ocorrer em caso de simples mora (aliás, esta opção vem referida no art.

442º,3 onde também se prevê a execução específica, cujo pressuposto é, como se sabe, a

mora e não o incumprimento definitivo.

• Art. 442º,3

o 1ª parte:

Trata-se de uma disposição igualmente exclusiva dos contratos-promessa.

Pela redacção do artigo parece resultar que o contraente não faltoso teria sempre a

possibilidade de optar pela execução específica em alternativa ao sinal. No entanto, tal não

é assim, pois, havendo sinal, presume-se que as partes efectuam uma estipulação contrária

à execução específica (art. 830º,2), só podendo esta funcionar em alternativa, caso as partes

ilidam esta presunção, ou se trate da hipótese prevista no art. 830º,3, onde a execução

específica é imperativa.

o 2ª parte

A atribuição do aumento do valor da coisa ou do direito destina-se a evitar que o promitente

faltoso venha obter um enriquecimento injustificado, em virtude do facto ilícito que í o

incumprimento da obrigação a contratar. Deve, porém, admitir-se que o cumprimento, ainda

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que tardio, da sua obrigação possa paralisar esse direito, uma vez que então já não se

justifica atribuir-lhe essa sanção e o direito do promitente comprador nunca deixou de ser o

direito à celebração do contrato-prometido.

• 442º, 4:

o Desta norma resulta que o sinal funciona como fixação antecipada da indemnização devida, em

caso de não cumprimento, pelo que a parte não poderá reclamar outras indemnizações, para além

das previstas nesta disposição.

o Admite-se, porém, estipulação em contrário. Neste caso, a convenção de sinal funcionará como

limite mínimo da indemnização, que não impedirá a parte lesada de reclamar uma quantia superior

se demonstrar que sofreu danos mais elevados.

o Note-se que esta norma apenas exclui outras indemnizações resultantes do não cumprimento do

contrato-promessa e não a aplicação genérica à obrigação emergente do sinal do regime do não

cumprimento das obrigações.

C – Funções do sinal

• Função confirmatória – situação em que o sinal traduz uma inequívoca vontade de vinculação. Aqui, a

faculdade de “desdizer” não existe, mesmo quando a parte não faltosa o faça valer no pedido de

indemnização abstracta é sempre como efeito de um incumprimento culposo da outra parte.

• Função penitencial – possibilita que os promitentes voltem atrás embora sujeitando-se um deles à sanção

limitada que o sinal constitua. Temos, portanto, uma desvinculação legítima que a lei admite (art. 830º,3 a

contrario) permitindo a existência de uma cláusula de arrependimento.

D- Cláusula de tradição

• Cláusula de cedência imediata do uso do bem prometido vender. Esta cláusula é de contornos duvidosos

quer no que se refere à sua fonte quer no que se refere à sua eficácia e tempo de vigência.

• É discutível se o promitente é considerado mero detentor ou um possuidor. A melhor opção parece ser

aquela que se baseia na presença ou ausência do animus possidendi aferida pela acutação do promitente

como dono do bem ou como simples usuário precário.

o Só será admitida a qualidade de possuidor esporadicamente, por exemplo, quando seja feita a

entrega da totalidade do preço.

• Atribuição do direito de retenção ao promitente que obteve a tradição da coisa

o Ver art. 755º, al. f).

o O direito de retenção aqui consagrado deve ser interpretado de forma restrita, pressupondo, além da

tradição da coisa a estipulação de sinal.

o Por outro lado, a aplicação deste instituto só se justifica com o direito ao aumento do valor da coisa

ou do direito, que é o único crédito resultante do não cumprimento que tem uma relação directa com

a coisa a reter. Assim, a retenção não dever poder ser exercida em relação ao aumento do valor da

coisa, se credor optar por essa alternativa. E, mesmo no caso de exercer essa opção, não devem

ficar garantidos pelo direito de retenção os créditos relativos à restituição do sinal e do preço pago,

uma vez que em relação a estes falta também a conexão directa com a coisa. Só assim é possível

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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harmonizar os direitos do credor hipotecário que obteve a sua garantia quando o bem tinha

determinado valor. Tendo este obtido uma valorização enquanto se encontrava na posse do

promitente comprador, este pode exercer a retenção para obter, em primeiro lugar o pagamento do

aumento desse valor, após o que o bem poderá continuar a ser executado pelo credor hipotecário

em relação ao valor remanescente.

E – A eficácia real do contrato-promessa

• Art. 413º

o A lei permite a atribuição de eficácia real ao contrato-promessa no caso de a promessa respeitar a

bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e as partes declararem, expressamente a atribuição de

eficácia real e procederem ao seu registo.

• Quando o contrato-promessa adquire eficácia real, o direito à celebração do contrato definitivo prevalecerá

sobre todos os direitos reais que não tenham registo anterior ao registo da promessa com eficácia real.

Neste caso, parece que o direito à celebração do contrato definitivo pode ser sempre exercido, mesmo que

as partes decidam constituir sinal ou estabelecer penalizações para o incumprimento ou inclusivamente

celebrar convenção contrária à execução específica.

• A lei não esclarece de que forma se deve obter o cumprimento da promessa com eficácia real, em caso de

ocorrer efectivamente a venda do prédio a terceiros:

o ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA e RIBEIRO DE FARIA – deverá estabelecer-se da mesma forma a

execução específica contra o obrigado, aplicando-se em relação ao terceiro o regime da venda de

bens alheios (art. 892º), o que permitiria exigir imediatamente dele a restituição com base na nulidade

da venda. Crítica – a execução específica contra o obrigado faz pouco sentido quando ele já não é o

dono do bem, sendo também de rejeitar a qualificação da alienação como venda de bens alheios, já

que ele era proprietário no momento da venda, a qual é plenamente válida e só posta em causa se a

eficácia real for exercida.

o DIAS MARQUES e OLIVEIRA ASCENSÃO – deverá interpor-se uma acção de execução específica contra o

terceiro. Critica - coloca o problema dele não se ter obrigado a celebrar qualquer contrato com o

beneficiário da promessa, faltando por isso o pressuposto essencial da sua aplicação. Mais tarde,

OLIVEIRA ASCENSÃO veio propor que se instaura-se a acção de execução específica simultaneamente

contra o obrigado e contra o terceiro adquirente.

o MENEZES CORDEIRO – propõe uma acção de reivindicação adaptada contra o terceiro (art. 1315º).

Critica – suscita a dificuldade de a reivindicação ser uma acção destinada a reconhecer um direito

real e reclamar a restituição da coisa que é o seu objecto (art. 1311º,1), não tendo assim natureza

constitutiva, enquanto o exercício da eficácia real teria que revestir essa natureza, uma vez que

através dela se procede a uma aquisição potestativa do direito real.

o MENEZES LEITÃO – O exercício da eficácia real não corresponde a uma acção judicial típica, devendo

considerar-se como uma acção declarativa constitutiva, eventualmente cumulável com um pedido de

restituição, a instaura em litisconsórcio necessário contra o promitente e o terceiro adquirente,

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destinada a fazer prevalecer o direito de aquisição do promitente comprador sobre a aquisição desse

terceiro.

14.6 O pacto de preferência. Noção, modalidades e requisitos formais. Distinção do contrato-promessa e do pacto

de opção. Efeitos de preferência pactícia (com e sem eficácia real). A natureza pessoal do direito e da obrigação de

preferência. Os direitos legais de preferência: razão de ser e casos mais importantes. O exercício do direito de

preferência: comunicação do “projecto de venda e das cláusulas do respectiva contrato”. As diferentes “respostas”

do preferente e a questão da validade da renúncia (prévia ou posterior) ao exercício do direito. Consequências da

violação do direito de preferência: indemnização e acção de preferência. Os problemas colocados por esta acção:

legitimidade passiva, quantia a depositar e simulação do preço. Venda da coisa por um preço global e pluralidade de

preferentes (exercício conjunto e disjunto).

Conceito, distinção com figuras próximas e requisitos formais

• Pactos de preferência - contratos pelos quais alguém assume a obrigação de, em igualdade de condições,

escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro) como seu contraente, no caso de se decidir a

celebrar determinado negócio.

o Exemplos de contratos que podem ser objecto de um pacto de preferência: compra e venda (pactos

de prelacção), contrato de fornecimento, sociedade, parceria pecuária...

• Ao lado da preferência fundada na estipulação das partes (convenção negocial ou disposição testamentária),

há direitos legais de preferência (a preferência resultante da lei), destinados em regra a facilitar a extinção de

situações jurídicas que não são as mais consentâneas com a boa exploração económica dos bens ou

proporcionar o aceso à propriedade a quem está usando ou fruindo os bens no exercício de um direito

pessoal de gozo tendencialmente duradouro.

o Exemplos: arrendamento, comproprietário, co-herdeiro, proprietário do prédio serviente no caso de

alienação do prédio encravado, proprietário do solo no caso de alienação do direito de superfície,

proprietários de prédios confinantes, de área inferior à unidade de cultura, em relação a quem não

seja proprietário confinante.

A – Distinção com outras figuras

• Contrato-promessa – na promessa bilateral há uma obrigação recíproca de contratar, enquanto no pacto de

preferência só um dos contraentes se vincula. Na promessa unilateral, o promitente compromete-se a

contratar, enquanto no pacto de preferência a obrigação é diferente: o vinculado não se obriga a contratar,

promete apenas, se contratar, preferir certa pessoa a qualquer outro interessado.

• Venda a retro (arts. 927º e ss) – assenta sobre uma cláusula resolutiva. A venda a retro implica a faculdade de

resolução da venda anterior por simples declaração de vontade do vendedor, obrigando por isso à entrega

do preço primitivo e determinado, a caducidade dos direito entretanto constituídos sobre a coisa. O pacto de

preferência prevê a realização eventual de um futuro contrato de venda, sobre o qual se exerce então o

direito conferido ao titular da preferência, tendo este de pagar o preço que o terceiro deu ou estaria disposto

a dar.

• Pacto de opção – neste há já a declaração contratual de uma das partes num contrato em formação.

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B – Requisitos formais

• Em matéria de forma, o pacto de preferência encontra-se sujeito aos mesmo regime que o contrato-

promessa (art. 415º CCiv), o que significa que regra geral a sua validade não depende de forma especial,

apenas se exigindo que o pacto de preferência conste de documento particular, se para a celebração do

contrato preferível for exigido documento autêntico ou particular (art. 410º,2). Uma vez que o pacto de

preferência consiste num contrato unilateral, apenas terá que ser assinado pelo obrigado à preferência. Não

se aplica ao pacto de preferência o regime do art. 410º,3, pelo que esse documento não estará em caso

algum sujeito a mais formalidades.

o Na hipótese de preferências recíprocas, estas recaem necessariamente sobre objectos diferentes,

pelo que teremos dois pactos de preferência. Se estes constarem do mesmo documento, e for

exigida forma especial para o contrato preferível, ambos devem assinar o documento, mas a falta de

assinatura de um, não afectará a constituição da obrigação do outro.

C – direitos de preferência com eficácia real

• Normalmente, a estipulação do pacto de preferência atribui apenas ao seu beneficiário um direito de crédito

contra a outra parte. Ora, esse direito está sujeito às características comuns dos direitos de crédito, entre as

quais se inclui a relatividade, pelo que, em princípio não pode ser oposto a terceiros.

• Art. 421º

o A lei admite que ao direito de preferência seja atribuída eficácia real, desde que, respeitando a bens

imóveis ou móveis sujeitos a registo, as partes explicitamente o estipulem, celebrem o pacto de

preferência por escritura pública ou, quando não seja exigida essa forma para o contrato prometido,

por documento particular com assinatura do obrigado, referindo a entidade emitente, data e número

do seu documento de identificação e respectiva inscrição no registo (ver art. 413º,2).

o A atribuição de eficácia real ao pacto de preferência coloca o problema do seu eventual conflito com

os direitos legais de preferência. A lei esclarece este problema no art. 422º, estabelecendo que o

direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos legais de preferência.

A obrigação de preferência

• A lei regula genericamente o regime da obrigação de preferência nos arts. 416º a 418º. É de notar que esse

regime é também aplicável em relação aos direito legais de preferência, atentas as sucessivas remissões

que, na sede própria, são efectuadas para essas disposições (cfr. Arts. 1409º,2; 1091º,4; 1535º,2).

A – forma do cumprimento da obrigação (art. 416º)

1. Comunicação para preferência:

A lei não exige forma, mas por uma questão de segurança e facilidade de prova deve ser

usada a forma escrita (ex. Carta registada).

Não pode ser realizada logo que o obrigado se encontre na situação de “querer vender”, ao

contrário do que parece resultar do art. 416º,1. Exigir-se-á antes uma negociação com

terceiro, com o qual sejam acordadas as cláusulas a comunicar designadamente o preço e

condições de pagamento.

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Terá que ser efectuada antes da celebração de um contrato definitivo com o referido terceiro,

pois no caso contrário já teria ocorrido o incumprimento da obrigação de preferência.

Conteúdo da comunicação de preferência:

• Não basta indicar os elementos gerais do negócio, tendo que ser comunicadas todas

as estipulações particulares acordadas, que sejam relevantes para a decisão de

exercício de preferência.

• A lei não esclarece se a comunicação deve conter o nome do terceiro com o qual

foram negociadas as condições comunicadas:

o OLIVEIRA ASCENSÃO – não é necessária a comunicação do nome do terceiro.

o GALVÃO TELLES E MENEZES CORDEIRO – o princípio da boa fé impõe que o

nome de terceiro tenha que ser obrigatoriamente indicado na comunicação

para preferência.

o PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA – o nome de terceiro não tem genericamente

que ser indicado na comunicação para preferência, devendo sê-lo nas

situações em que o não exercício da preferência implique que fiquem a

subsistir relações jurídicas entre o terceiro e o titular da preferência (ex.

Situação do comproprietário e do arrendatário).

o MENEZES LEITÃO – o nome do terceiro adquirente, desde que esteja

determinado, tem que ser sempre indicado na comunicação de preferência,

havendo que mencionar a situação de indeterminação no caso contrário.

2. Efectuada a comunicação de preferência, o titular tem que exercer o seu direito no prazo de 8 dias

(menos caso assim tenha convencionado ou mais se obrigado lhe assinalar um prazo mais longo)

Com a comunicação e exercício de preferência, ambas as partes formulam uma proposta de

contrato e respectiva aceitação, que em princípio deveria implicar sem mais a celebração do

contrato definitivo, desde que preenchidos os requisitos de forma.

• Quando tal não suceda, essas declarações podem ainda valer como promessas de

contratar susceptíveis de execução específica nos termos do art. 830º.

• Se mesmo esta promessa não obedecer a forma, então haverá responsabilidade civil

nos termos do art. 227º, subsistindo a obrigação de preferência que só é

definitivamente incumprida com a celebração de contrato incompatível com terceiro.

Caso a notificação para preferência seja feita nos termos dos arts. 1458º e ss CPC, a solução

é mais simples:

• A lei exige que o contrato seja celebrado no prazo de 20 dias após o exercício da

preferência.

• Se tal não acontecer, deve o preferente, sob pena de perda do seu direito, requerer,

nos 10 dias subsequentes, que se designe dia e hora para a parte contrária receber o

preço, por termo no processo, sob pena de ele ser depositado, podendo o

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preferente depositá-lo no dia seguinte, se a parte contrária, devidamente notificada,

não comparecer ou se recusar a receber o preço.

• Efectuado o pagamento ou depositado o preço, os bens são adjudicados pelo

tribunal ao preferente, com eficácia retroactiva à data do pagamento ou depósito.

B – Venda de coisa juntamente com outras e prestação acessória (arts. 417º e 418º)

• O direito de preferência só surge caso o obrigado tome a decisão de celebrar o contrato em relação ao qual

tenha concedido a preferência, não havendo naturalmente incumprimento da obrigação de preferência se o

obrigado celebrar um contrato de natureza diferente do contrato preferível, mesmo que esse contrato

implique a não celebração em definitivo do contrato preferível. Há, no entanto duas hipóteses que a lei

considerou poderem ainda justificar a manutenção de preferência, que são os casos da união de contratos e

contratos mistos.

• União de contrato (art. 417º)

o Hipótese da venda da coisa juntamente com outras por um preço global.

o Deve ter-se em consideração se se trata de uma união interna ou externa:

União interna – existe dependência entre os diversos contratos, pelo que o exercício da

preferência pelo titular afectaria toda a união de contratos, o que justifica que se permita ao

obrigado exigir que a preferência se faça em relação a todas as coisas vendidas. Exige-se,

porém, que a quebra da união interna acarrete prejuízos objectivamente apreciáveis para

uma das partes.

União externa – há apenas uma estipulação comum do preço, sem qualquer dependência

entre os vários contratos, pelo que nada impede o titular de exercer a preferência pelo preço

que for atribuído proporcionalmente à coisa.

• Contrato misto (art. 418º)

o Contratos complementares em que ao contrato típico se acrescenta uma prestação típica de outra

contrato (Ex. Compra e venda com obrigação acessória de prestação de serviços pelo comprador) –

o art. 418º permite o exercício de preferência, determinado que essa prestação acessória deva ser

compensada em dinheiro. Caso, porém, essa prestação acessória não seja avaliável em dinheiro, é

excluída a preferência, a menos que seja lícito presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, o

contrato não deixasse de ser celebrado.

C – a violação da obrigação de preferência

C.1. A indemnização por incumprimento em caso de simples eficácia obrigacional

• Uma vez definitivamente incumprida a obrigação de preferência, a celebração do contrato com terceiro

implica que o titular da preferência adquira o direito a um indemnização por incumprimento (art.798º). Em

virtude de os direito de crédito não prevalecerem contra direitos reais, estará vedado ao obrigado reclamar a

coisa do terceiro adquirente.

C.2. A acção de preferência em caso de haver eficácia real

• Há eficácia real quando estamos perante um direito legal de preferência ou quando as partes atribuem esta

característica ao pacto de preferência.

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• Nestes casos, o titular da preferência não possui apenas um direito de crédito à preferência, mas também

um direito real de aquisição, que pode opor erga omnes, mesmo a posteriores adquirentes da propriedade.

• Nestes casos, o processo adequado para o exercício do direito de preferência é a acção de preferência:

o Art. 1410º - vem prevista em relação ao comproprietário mas é extensível a qualquer titular de

direitos reais de preferência (cfr. arts. 421º,2; 1091º,4; 1535º,2).

o Esta acção deve ser intentada no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular da preferência

teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tendo como condição de procedência

que ocorra o depósito do preço devido nos quinze dias posteriores à propositura da acção.

Contra quem é intentada a acção?

• Doutrina maioritária – a parte legítima para a acção de preferência é o terceiro e não

o obrigado à preferência, a menos que se decida, simultaneamente, exigir uma

indemnização.

• ANTUNES VARELA – pronunciou-se no sentido de que o obrigado à preferência tinha

necessariamente que ser demandado para a acção de preferência, existindo assim

um litisconsórcio necessário passivo entre ele e o terceiro adquirente.

• Portanto, o melhor será demandar tanto o obrigado à preferência como o terceiro

adquirente.

Qual o valor do depósito?

• Apenas é exigido o depósito do preço propriamente dito (não outras despesas que

por lei ficam a cargo do comprador como IMT e emolumentos notariais).

• Em caso de simulação do preço, deverá ser depositado o preço real22.

D – A caducidade e a validade da renúncia ao direito de preferência

• Caducidade – o direito de preferência pode caducar por falta de resposta ou por resposta negativa.

• Renúncia antecipada – será permitida se for formulada de tal modo que o preferente, além de declarar que

não pretende comprar o imóvel, acrescente que não quer preferir na venda que o dono venha a fazer, seja

qual for o preço, seja quem for o comprador e quaisquer que sejam as condições de pagamento.

14.7 O contrato a favor de terceiro: noção, admissão tardia e distinção dos contratos com eficácia de protecção para

terceiro, dos contratos com prestação de facto de terceiro e dos contratos autorizativos de prestação a terceiro. A

tripla relação do contrato a favor de terceiro: a relação promitente-promissário (relação de cobertura ou de provisão),

a relação promissário-terceiro (relação de valuta) e a relação promitente-terceiro (relação de cumprimento). A

amplitude das obrigações do promitente, a rejeição e a consolidação do direito do terceiro e o conjunto dos meios de

defesa do promitente.

Noção e estrutura

• Previsto nos arts. 443º e ss, o contrato a favor de terceiro pode ser definido como o contrato em que uma

das partes (o promitente) se compromete perante outra (o promissário) a efectuar uma atribuição patrimonial

em benefício de outrem, estranho ao negócio (o terceiro). Essa atribuição patrimonial consiste normalmente

22 Esta posição não é isenta de crítica, note-se por exemplo, havendo simulação, como é que o preferente pode depositar o preço devido dentro do prazo legal?

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na realização de uma prestação (art. 443º,1), mas pode igualmente consistir na liberação de uma obrigação,

ou na cessão de um crédito, bem como na constituição, modificação, transmissão ou extinção de um direito

real (art. 443º,2).

o Essa atribuição patrimonial é, no entanto, realizada pelo promissário, que tem que ter em relação a

ela um interesse digno de protecção (art. 443º,1).

o O terceiro não é interveniente no contrato, embora adquira um direito contra o promitente, em virtude

do compromisso deste para com o promissário.

• O contrato a facto de terceiro institui uma situação jurídica complexa, de natureza triangular, que pode ser

analiticamente decomposta em 3 relações:

o Uma relação de cobertura (relação de provisão) – consiste numa relação contratual entre o

promitente e o promissário, no âmbito da qual se estabelecem direitos e obrigações entre as partes,

podendo inclusivamente a estipulação a favor de terceiro ser, em relação a elas, uma mera cláusula

acessória.

Esta relação é fundamental para a definição da posição jurídica do promitente, uma vez que

é em face dela que se definem os direitos e deveres do promitente em face do promissário,

sendo os meios de defesa dela resultantes oponíveis ao terceiro (art. 449º).

o Uma relação de atribuição (relação de valuta) – é aquela que se estabelece entre o promissário e o

terceiro e justifica a outorga desse direito ao terceiro, tendo por base um interesse do promissário

nessa concessão (art. 443º,1).

Determina que a prestação do promitente ao terceiro seja vista como uma atribuição

patrimonial indirecta do promissário em relação ao terceiro.

o Uma relação de execução – consiste na relação entre o promitente e o terceiro, no âmbito da qual ele

vem a executar a determinação do promissário.

O regime normal dos contratos a favor de terceiros

• O contrato a favor de terceiro faz nascer automaticamente um direito para o terceiro, o qual se constitui

independentemente da aceitação deste (art. 444º,1), sendo uma excepção ao regime da ineficácia dos

contratos em relação a terceiros (art. 406º,2) – teoria do incremento – a aquisição do terceiro verifica-se

imediatamente em virtude do contrato celebrado entre promitente e promissário, dispensando-se qualquer

outra declaração negocial para esse efeito.

• O terceiro pode rejeitar a promessa, mediante declaração ao promitente, que a deve comunicar ao

comissário (art. 447º,1), caso em que se extinguirá o direito por si adquirido.

o A lei prevê ainda a possibilidade de o terceiro aderir à promessa (art. 447º,1). Neste caso, a adesão

não se destina a permitir ao terceiro a aquisição do direito, uma vez que, conforme se referiu, este é

adquirido logo com a celebração do contrato. A função é antes impedir a revogação da promessa, a

qual pode ser efectuada enquanto a adesão não for manifestada (art. 448º,1). Em princípio essa

revogação compete ao promissário, mas necessita de acordo do promitente, quando a promessa

tenha sido efectuada no interesse de ambos (art. 448º,2).

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Mesmo quando o terceiro manifesta a sua adesão a promessa poderá ainda ser revogada no

caso de só dever ser cumprida após a morte do promissário (art. 448º,1 in fine), ou, em se

tratando de liberalidade se se verificarem os pressupostos da revogação por ingratidão do

donatário (art. 450º,2 e 970º).

• Nos termos do art. 444º, o terceiro não se limita a ser apenas o receptor material da prestação, possuindo

face ao promitente um direito de crédito a essa mesma prestação. No entanto, normalmente também o

promissário pode exigir do promitente a sua obrigação, o que se explica em virtude de ter sido ele a acordar

com o promitente a realização da prestação a terceiro e possuir interesse jurídico no seu cumprimento.

Distinção dos contratos com eficácia de protecção para terceiro, dos contratos com prestação de facto de terceiro e dos contratos autorizativos de prestação a terceiro

• Contrato com eficácia de protecção para terceiro – permite que aqueles terceiros ligados a um dos

contraentes sejam protegidos se forem lesados, podendo recorrer às normas da responsabilidade contratual.

• Contratos com prestação de facto de terceiro – contrato em que há uma prestação de facto de terceiro, em

que alguém se obriga a “conseguir” ou “tentar” uma prestação de terceiro.

• Contratos autorizativos de prestação a terceiro – acordo entre credor e devedor, em que o devedor cumpre

junto de um terceiro (ex. Banco do credor).

14.8 O contrato para pessoa a nomear. Noção, época de surgimento, funções e regime.

• Verifica-se quando um dos intervenientes no contrato se reserva a faculdade de designar outrem para

adquirir os direitos ou assumir as obrigações resultantes desse contrato (art. 452º,1).

• Efectuada a designação, os efeitos do contrato vão repercutir-se directamente na esfera do nomeado. Dá-se

um fenómeno de substituição de substituição de contraentes, uma vez que, após a nomeação, o contraente

nomeado adquiro os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir do momento da

celebração dele (art. 455º,1). A nomeação tem assim eficácia retroactiva, tudo de passando como se o

nomeado fosse parte no contrato desde o seu início.

• Na sua modalidade mais comum, a reserva de nomeação do terceiro é colocada em alternativa com a

subsistência do contraente originário no contrato. Daí que a lei preveja que, se não for efectuada a nomeação

nos termos legais, o contrato irá produzir os seus efeitos em relação ao contraente originário (art. 455º,2).

Admite-se, porém, estipulação em contrário, pelo que as partes podem acordar que, em caso algum, o

contrato virá a produzir efeitos em relação ao contraente originário. Nessa hipótese, a não verificação da

nomeação acarretará a ineficácia do contrato23.

• Ver art. 453º e 454º.

• O facto de o contrato estar sujeito a registo não é obstáculo à introdução de uma cláusula para pessoa a

nomear, podendo nesse caso o registo ser realizado provisoriamente, em nome do contraente originário,

com indicação da cláusula para pessoa a nomear, registando-se por averbamento a posterior nomeação do

terceiro ou ausência dela.

23 Esta situação é idêntica à da representação sem poderes (art. 268º), dela se distinguindo, no entanto, pelo facto de o contrato para pessoa a nomear ser celebrado em nome próprio e não em nome alheio.

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14.9 A extinção do contrato activada ou não por vontade das partes: resolução, denúncia, revogação e caducidade.

O fundamento, o âmbito e os efeitos desses instrumentos de cessação contratual. O direito de livre resolução próprio

dos contratos de consumo. A responsabilidade pós-contratual (posterior à execução contratual).

A extinção do contrato

• Tendo em conta o estatuído no art. 406º,1 (pacta sunt servanda) e exceptuando os casos de mútuo acordo e

da existência de uma cláusula resolutiva expressa, é preciso encontrar na lei o fundamento que permita a

cessação dessa fonte obrigacional.

• Resolução – e o poder unilateral de extinguir, com eficácia retroactiva, um contrato válido por circunstâncias,

legais ou convencionais, posteriores à sua conclusão e, em regra, frustrantes do interesse de execução

contratual.

o A hipótese típica resolutiva é a que se prendo com o incumprimento de obrigações integradas em

contratos bilaterais.

• Denúncia – é o poder, exercido por normal declaração unilateral receptícia, livre ou vinculado, de extinguir

para futuro e dentro de certos prazos um contrato duradouro (ver art. 1054º).

• Revogação – tem por objecto principal declarações negociais de eficácia contida (revogação de um proposta

contratual) e certos contratos (ex. Mandato nos termos do art. 1170º), operando com base num normal

funcionamento discricionário, sem eficácia retroactiva, e sem provocar, em geral, qualquer obrigação de

indemnização.

• Caducidade – opera automaticamente por estar tendencialmente ligada ao decurso de um prazo ou outro

evento objectivo (impossibilidade superveniente), não tendo força indemnizatória nem sendo, em princípio,

retroactiva.

O direito de livre resolução próprio dos contratos de consumo

• Ver arts. 6º e 18º DL 143/2001 e 16º,19º e 49º DL 275/93.

• Dá a faculdade ao consumidor de desistir do contrato sem invocar um motivo perante uma melhor reflexão,

impedindo o surgir de uma eficácia definitiva.

• Não se pode esquecer o conjunto de limitações colocadas à cessação dos contratos de adesão e que tem a

ver, fundamentalmente, com as cláusulas absolutamente proibidas do art. 18º f) e j) e com as cláusulas

relativamente proibidas dos arts. 19º f) e 21º a),b),f),h),i) do DL 446/85.

A responsabilidade pós-contratual

• A extinção do contrato não afasta a possibilidade de uma das partes poder ser responsabilizada pela

violação de deveres laterais (lealdade, fidelidade e cooperação) que, em nome da boa-fé devem permanecer

para satisfação plena dos interesses envolvidos na relação contratual.

• O art. 239º tem sido apontado como fundamento legal para a sua concreto invocação, apresentando-se a

violação da obrigação de segredo do agente (art. 8º DL 178/86).

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15. Os negócio unilaterais. Os diversos actos unilaterais e os negócios unilaterais instrumentais. A posição do

legislador quanto ao reconhecimento dos negócios unilaterais como fonte de obrigações. A interpretação do artigo

458º no tocante ao valor da promessa de cumprimento e do reconhecimento de dívida. As promessas e os

concursos públicos.

• Princípio do contrato ou invito non datur beneficium - Art. 457º - a promessa unilateral de prestação só

obriga nos casos previstos na lei. Demonstra a intenção do legislador consagrar eficácia obrigacional a

determinados negócios jurídicos unilateais.

• São constituídos pelas promessas públicas e pelos concursos públicos. Não se trata de um negócio

abstracto mas de um “simples acto jurídico”. A existência presumida de uma causa debendi dispensa o

credor de a provar – abstracção processual da causa, cabendo sempre ao devedor (ou seus herdeiros) o

ónus de provar a inexistência, invalidade, extinção ou a carência de fundamento da relação fundamental (ex.

O devedor prova o cumprimento da dívida ou o lesante prova a culpa exclusiva do lesado).

• Distingue-se de um conjunto amplo de manifestações unilaterais de vontade, com eficácia constitutiva

(interpelação do devedor, ratificação do contrato de gestão) ou extintiva (resolução, renúncia, compensação).

• A promessa de cumprimento e o reconhecimento da dívida são condutas declarativas que não geram

obrigações, mas criam apenas a presunção da existência de uma fonte causal – relação fundamental

subjacente de natureza contratual ou extracontratual (mútuo, reconhecimento da culpa no atropelamento).

Secção III – Factos não voluntários geradores de obrigações

16. O enriquecimento sem causa. Noção, requisitos e tipos de enriquecimento (exemplificação). Enriquecimento real

e enriquecimento patrimonial. Explicitações da natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. A questão do

objecto da restituição nos casos de enriquecimento por intervenção – alusão à chamada doutrina da afectação dos

bens. Agravamento do objecto da restituição e prescrição do direito à restituição.

16.1 Noção e pressupostos

• Art. 473º,1 CCiv – aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir

aquilo com que injustamente se locupletou.

• Para que haja uma pretensão de enriquecimento, quer dizer, uma obrigação em que é devedor o enriquecido

e credor aquele que suporta o enriquecimento, mostra-se necessária a verificação cumulativa de três

requisitos:

o Existência de um enriquecimento.

o Enriquecimento obtido à custa de outrem.

o Falta de causa justificativa.

16.2 Requisitos do enriquecimento sem causa (positivos e negativos)

16.2.1 Requisitos positivos

A – Enriquecimento

• É necessário que se produza um enriquecimento da pessoa obrigada à restituição. Há-de traduzir-se numa

melhoria da sua situação patrimonial, que se apura segundo as circunstâncias.

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• Tanto pode derivar da aquisição de um novo direito como do acréscimo de valor de um direito que já lhe

pertencia, sendo realizado não só através do aumento do activo como da diminuição do passivo.

• A vantagem em que o enriquecimento consiste é susceptível de ser encarada por dois ângulos:

o Enriquecimento real – corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida.

o Enriquecimento patrimonial – reflecte a diferença produzida na esfera económica do enriquecido e

que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (real) e aquela em que se encontraria se a

deslocação se não houvesse verificado.

o (nota: o art. 479º,1 declara apenas a obrigação de restituir o “obtido”. Daí que não imponha

forçosamente qualquer das soluções. Mas deve entender-se, que a obrigação de restituir se pauta

pelo efectivo alcance das vantagens do património do enriquecido)24.

• O enriquecimento poderá consistir em vantagens não patrimoniais, destituídas de valor económico, sempre

que a vantagem obtida produza consequências apreciáveis em dinheiro, quer dizer, quando se converta

numa vantagem patrimonial indirecta.

o Não é sustentável a aplicação das regras do enriquecimento sem causa à hipótese de uma pura e

simples vantagem moral ou ideal conseguida à custa alheia:

O enriquecido não patrimonialmente, que de nenhum aumento económico beneficiou,

poderia ter dificuldade em satisfazer o empobrecido na quantia representativa do seu

enriquecimento.

Um tal princípio conduziria a excessos, dado que os meros enriquecimentos não patrimoniais

são muito frequentes e variados.

Aceita a doutrina, faltaria motivo para não se admitir uma paralela pretensão de

enriquecimento quando o empobrecido tivesse apenas um empobrecimento não patrimonial.

B – Suporte do enriquecimento por outrem

• À vantagem patrimonial obtida por uma pessoa corresponde, via de regra, uma perda, também avaliável em

dinheiro, sofrida por outra pessoa: um enriquecimento à custa de um empobrecimento.

• Este requisito não significa necessariamente que a diminuição suportada pelo empobrecido tenha de ser

igual à vantagem conseguida pelo enriquecido. Pode até não se verificar qualquer efectivo empobrecimento.

Na verdade, o instituto abrange situações em que a vantagem adquirida por uma pessoa não resulta de um

correspondente sacrifício económico sofrido por outra – diminuição patrimonial ou privação de aumento.25

24 Alguns autores (MENEZES LEITÃO, JÚLIO GOMES), partem do enriquecimento real só cabendo atender ao enriquecimento patrimonial quando o enriquecido esteja de boa fé. Afigura-se, porém, que a má fé pode deslocar o problema para o âmbito de outros institutos, designadamente o da responsabilidade civil e o da gestão imprópria de negócio. 25 Por exemplo, certos casos de uso de coisa alheia sem prejuízo para algum proprietário. Vem a propósito o problema do lucro por intervenção. Os termos intervenção, ingerência ou intromissão significam aqui o uso ilícito de bens ou direitos alheios. Duas hipóteses se podem considerar: a de a intervenção causa ao titular do bem ou direito um dano que excede o mencionado lucro, ou a de a intervenção causar ao mesmo titular um dano inferior a esse lucro, ou até não lhe causar dano algum. Na primeira hipótese, se a intervenção é culposa e preenche os demais requisitos da responsabilidade civil, o interventor será obrigado a indemnizar o titular no termos gerais ; se a intervenção não é culposa e, portanto, não constitui o interventor em obrigação de indemnizar o titular do direito, do mesmo modo não suscitará dúvidas a aplicação ao caso do princípio do enriquecimento sem causa. Todavia, o problema do lucro por intervenção levanta-se também na segunda das hipóteses consideradas, ou seja, quando o interventor usa ilicitamente bens ou outros direitos sem dano algum para o respectivo titular, ou com um dano menor do que o lucro. Neste caso, quaisquer direitos que o titular tenha advêm-lhe necessariamente de responsabilidade civil ou enriquecimento sem causa (art. 473º CCiv). Exemplo: A instala à beira da estrada, numa parte inculta de um prédio de B, sem consentimento deste, uma tenda para venda de fruta e com isso aufere um lucro de 1500, não havendo prejuízo para B ou cifrando-se ao prejuízo na perda de plantas silvestres no valor de 7. Aplicando a doutrina de Pereira Coelho, A (fora o aspecto criminal do caso) deve apenas satisfazer a B o valor objectivo do uso ou fruição do prédio, de

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Decorre do exposto que só numa visão restrita se torna possível aludir ao empobrecimento ou sacrifício

económico. A inteira compreensão do instituto leva, em vez disso, a considera apenas, como seu requisito

indispensável, a necessidade de que haja um suporte de enriquecimento por outrem, que se produza um

locupletamento à custa alheia, ou seja, com bens jurídicos pertencentes a pessoa diversa.

o Nem sempre a obtenção de uma vantagem de alguém à custa de outrem se exprime no

empobrecimento correlativo do património lesado (exemplo: instalação em casa alheia ou uso de

coisa alheia).

o Doutrina da destinação ou da afectação - os direitos reais bem como a propriedade intelectual, não

constituem simples direitos de exclusão, assentes sobre o dever geral de não ingerência (de

terceiros) na ligação do titular com a coisa, a obra, patente, invento, etc. Mais do que isso, os direito

reais e direito absolutos afins reservam para o respectivo titular o aproveitamento económico dos

bens correspondentes, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição, consumo ou

alienação. Tudo quanto estes bens sejam capazes de render ou produzir pertence, em princípio, ao

respectivo titular.

Não é uniforme o entendimento dado pelos autores quanto ao conteúdo ou teor da

destinação dos direitos reais e da propriedade intelectual:

• JAKOBS – entende que ao proprietário cabe, não o valor objectivo do uso da coisa, os

rendimentos ou proventos dela, como objecto do património, mas a utilização dela

como acção, sendo a ilicitude Ada intromissão de terceiro que gera a obrigação de

restituir.

• VON CAEMMERER – sustenta a tese oposta, repudiando o requisito da ilicitude e

limitando o objecto da restituição ao valor obtido, escorado na ideia de que a

essência dos direitos absolutos consiste em destinarem certos bens ao seu titular.

• P. COELHO – “quem sem autorização do titular do respectivo direito, edita obra

literária ou explora patente ou modelo de outrem, quem utiliza o nome ou imagem de

alguém para fins de publicidade, quem para os mesmos fins afixa ou coloca em

prédio alheio um cartaz ou anúncio, só terá assim que restituir, dentro dos limites do

seu enriquecimento, o valor objectivo do respectivo bem – o preço por que

normalmente pagaria os direitos de autor, a utilização do modelo ou patente, da

imagem ou da parede da casa do titular do direito -, e face ao conteúdo ou teor de

destinação do respectivo direito.

• LARENZ – limita o montante da restituição a cargo do intrometido nos mesmo termos,

embora subscreva a ideia de que a aquisição do obrigado a restituir não necessita de

ter sido obtida à custa do património do credor, bastando que o tenha sido em

detrimento da protecção absoluta da sua esfera jurídica.

acordo com o art. 473º (nessa medida o lucro foi conseguido à custa de B), e os 7 euros a título de responsabilidade civil. A solução parece certa. Mas, então, o lucro por intervenção enquanto tal, só é ressarcível como enriquecimento sem causa.

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O ponto tem uma importância prática decisiva na fixação do objecto da restituição. E não

parece que a solução exposta seja inteiramente satisfatória para todos os casos. Exemplo do

cavalo abusivamente utilizado por terceiro cujo o aluguer era de 20 e que o prémio por ele

obtido é 20 000. Obrigá-lo a pagar apenas 20 parece extremamente injusto, colocando o

proprietário do cavalo em que é quase forçado a alugar o animal.

C – correlação entre o enriquecimento e o suporte deste

• Não se exige uma correspondência objectiva, quer dizer, no sentido já mencionado de os dois elementos se

apresentarem de igual valor ou se produzirem através de algo da mesma espécie.

• A interposição de um terceiro património pode levantar dificuldades, pois há que definir as relações entre o

seu titular, empobrecido e o enriquecido. A doutrina e a jurisprudência estrangeiras não mostram

unanimidade quanto à solução do problema, apresentando-se mais seguida a corrente que exige o carácter

directo ou imediato da deslocação patrimonial. O art. 481º restringindo o dever de restituição aos casos em

que o terceiro tenha adquirido gratuitamente, mostra que, em princípio, a pretensão de enriquecimento só

vale contra os casos de enriquecimento imediato, não valendo, por conseguinte, para os casos de duas

aquisições sucessivas. Vd. 289º,2 e 616º,3.

• Embora a doutrina exija que o carácter imediato do enriquecimento pareça ser, em princípio de aceitar, a

jurisprudência terá os movimentos livres para atender a uma ou outra situação em que essa exigência da

deslocação patrimonial directa se mostre porventura excessiva, conduzindo a soluções que choquem o

comum sentimento de justiça.

o Caso do empreiteiro que tenta fazer uso do instituto do enriquecimento sem causa, para que lhe seja

restituído o valor das obras contratadas com o arrendatário que entretanto entra em processo de

insolvência.

Pereira Coelho – não é procedente o pedido pois não está preenchido o requisito do

enriquecimento imediato (art. 481º).

Júlio Gomes – rejeita a necessidade de enriquecimento imediato.

16.2.2 Requisitos negativos

A – ausência de causa legítima

• É necessário que não haja uma causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial. Vaz Serra agrupa-as

em três categorias:

o O enriquecido conseguiu o obtido pela vontade do empobrecido (prestação deste);

o O enriquecido conseguiu o obtido sem a vontade do empobrecido e sem o acto de uma pessoa.

o Conseguiu-o sem a vontade do empobrecido e sem o acto de outra pessoa, apenas em virtude de

uma disposição legal.

• O problema consiste em distinguir, entre as vantagens patrimoniais que uma pessoa pode obter na vida de

relação, aquelas que determinam, todavia, uma obrigação de restituição, visto não se encontrarem dotadas

de justificação suficiente em face do direito. Reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o

direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os

princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial. Sempre que aproveita, em suma, a pessoa

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diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar. Mas ele é apenas ajurídico, no sentido de

substancialmente ilegítima ou injusto, e não formalmente antijurídico.

• O enriquecimento pode também encontrar uma causa de justificação na lei (exemplo: art. 2003º e ss, 300º e

ss ou 1287º e ss).

• O art. 473º,1 CCiv. enuncia um simples princípio geral que, pela amplitude e elasticidade dos seus termos,

permite à jurisprudência contemplar adequadamente, sob o instituto do enriquecimento injustificado, muitos

casos práticos que o legislador não poderia prever de modo expresso.

B – ausência de um meio jurídico (subsidiariedade)

• Art. 474º CCiv – não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro

meio de ser indemnizado ou restituído. Assim, a pretensão do enriquecimento constitui uma acção

subsidiária ou que apresenta carácter residual.

• O empobrecido não pode ser restituído pelas regras do enriquecimento sem causa quando a lei lhe faculte

outro meio para cobrir os prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou

anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve

dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então,

só apurando-se por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela

jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa

(exemplo: hipóteses de responsabilidade civil).

• Note-se que a falta de outro meio jurídico pode ser originária ou superveniente. Por exemplo, se o

enriquecimento resultar de um facto ilícito praticado pelo enriquecido, o empobrecido deve basear-se nesse

facto ilícito para obter a reparação dos prejuízos sofridos. Mas, logo que a acção de indemnização prescreva,

desaparecerá o obstáculo da primeira parte do art. 474º ao exercício da acção de enriquecimento sem

causa.

C – ausência do preceito legal que negue o direito à restituição ou atribua outros efeitos ao enriquecimento

• Estamos perante situações em que não existe contrariedade ou fraude ao modo como a lei ordena as

atribuições patrimoniais (vd. arts. 300º; 1287º; 1270º,1; 2007º,1; 1323º,2).

• “sempre que a lei atribua outros efeitos ao enriquecimento” – trata-se dos casos em que a ordem jurídica

normal regula as consequências económicas de uma atribuição patrimonial impondo ao beneficiado uma

obrigação com objecto diverso da fundada no enriquecimento sem causa (Arts. 437º; 1273º,1; 1337º).

16.2.3 O problema da capacidade do enriquecido e do que suporta o enriquecimento

Não constitui requisito ou pressuposto do instituto a capacidade do enriquecido ou do empobrecido. A lei contenta-

se com o facto objectivo do enriquecimento. Note-se que o enriquecimento pode produzir-se independentemente da

vontade.

16.3 Hipóteses especiais de enriquecimento injustificado

16.3.1 Repetição do indevido

A – Casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente (art. 476º)

• É necessário o preenchimento de 3 pressupostos:

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o Que se efectue uma prestação com a finalidade de cumprir uma obrigação – obrigação surge no

sentido de todo o vínculo jurídico, autónomo ou não autónomo, pelo qual uma pessoa fica adstrita a

outra ao cumprimento de uma prestação.

o Que essa obrigação não exista na data da prestação.

Note-se que a obrigação existe mas com conteúdo inferior ao da prestação efectuada.

Ver 476º, 2 e 3.

o Que a prestação efectuada nem mesmo se relacione com um dos deveres de ordem moral ou social,

impostos pela justiça, que originam obrigações naturais.

B – Casos de cumprimento de obrigação alheia, mas na convicção errónea, ou de que se trata de dívida própria, ou

de que se está vinculado para com o devedor a esse cumprimento

B.1 Convicção errónea de que se trata de dívida própria – art. 477º, 1 e 2.

B.2 Convicção errónea de que se está vinculado para com o devedor ao cumprimento

o Dever-se-á considerar duas hipóteses:

O credor conhecia o erro ao receber a prestação – existe direito de repetição.

O credo estava de boa fé – é necessário recorrer ao enriquecimento sem causa (art. 478º).

16.3.2 Enriquecimento por virtude de uma causa que deixou de existir

• Pode suceder que, embora no momento da realização de uma prestação exista a causa jurídica que a

fundamenta, esta venha posteriormente a desaparecer.

• É o que ocorre com a antecipação da prestação devida por efeito de uma relação contratual duradoura,

extinguindo-se o contrato antes da data fixada para o cumprimento dessa prestação ou relativamente à

recuperação de uma coisa cujo desaparecimento levou à indemnização relativa do seu titular.

• Hipótese de restituição de atribuições patrimoniais excessivas, realizadas durante o casamento por um dos

cônjuges ao outro, após a extinção da sociedade conjugal, se aquelas não assumirem natureza de doação.

16.3.3 Enriquecimento por falta do resultado previsto

• Art. 473º,2; uma prestação efectuada em vista de um resultado futuro que não se verificou pode fundar uma

pretensão de enriquecimento.

• Implica o preenchimento de 3 requisitos:

o Que se haja realizado uma prestação para obter, de harmonia com o conteúdo do respectivo negócio

jurídico, um especial resultado futuro.

o Que se depreenda do conteúdo do negócio jurídico a fixação do fim da prestação.

o Que o resultado não se produza.

O art. 475º admite dois casos em que a acção de enriquecimento não procedente:

• Se o autor, quando realizou a prestação já sabia que o previsto era impossível (note-

se que é necessário que tenha a certeza).

• O autor impediu de má fé a verificação do resultado.

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16.4 Obrigação derivada do enriquecimento sem causa

• Sobre a pessoa que se locupletou injustamente recai a obrigação de restituir ao empobrecido tudo quanto

haja obtido à sua custa; deve proceder-se a uma restituição em espécie, mas, não sendo esta possível,

entregar-se-á o valor correspondente (art. 479º,1). Acrescente-se que a obrigação de restituir não pode

exceder a medida do locupletamento (art. 470º,2).

o Restituir tudo quanto adquiriu sem causa: além da coisa ou direito obtido, os frutos da coisa ou

outras vantagens alcançadas com ela, aquilo que se adquiriu por virtude do direito obtido, o que se

tiver adquirido como indemnização ou compensação pela perda, destruição ou deterioração da

coisa.

• O objecto da obrigação de restituição encontra-se submetido a um duplo limite:

o O beneficiado deve entregar, em princípio, na medida do locupletamento, isto é, atendendo-se ao

seu enriquecimento patrimonial ou efectivo e não real.

É necessário ter em consideração:

• Momento da deslocação patrimonial operada – é necessário determinar o montante

efectivo de enriquecimento que proporciona ao beneficiário.

• Determinar o enriquecimento actual – os bens podem ter diminuído o valor, pode a

vantagem trazida para o beneficiário não ter enriquecido o seu património e é ainda

necessário ter em consideração as despesas que o enriquecido porventura tenha

suportado por causa da aquisição que fez ou seja forçado a realizar para cumprir a

sua obrigação de restituir.

o Nunca mais do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior

àquele – este entendimento não está expresso na lei, mas resulta da própria letra do art. 479º, que

fala em restituir “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido” e “a obrigação de restituir

não pode exceder a medida do locupletamento”.

• Critério do dano real:

o Note-se no entanto que é possível verificar-se um enriquecimento sem que se verifique um

empobrecimento. Aqui, a aplicação pura do critério do duplo limite para definir o montante da

restituição, levaria a isentar desta o enriquecido. É necessário fazer intervir a ideia do dano real do

lesado, que, no caso de intromissão em bens alheios ou direitos alheios, corresponde, para certa

corrente, ao valor objectivo do uso ou dos bens consumidos ou alienados.

o A solução a dar a estas situações não pode desconhecer que o art. 479º,1 se refere à restituição de

quanto tenha sido obtido à custa de outrem. Assim: por um lado, a restituição abrangerá tudo o que

se conseguiu a expensas do titular que pode não coincidir com o valor objectivo; mas por outro lado,

deverá descontar o que resultou de factores diferentes e pessoais do beneficiado, como o seu

trabalho, espírito de iniciativa, experiência, perícia.

o Antunes Varela – não é este, porém, o limite que a lei fixa, nem essa é a solução que melhor

corresponde ao pensamento específico do instituto do enriquecimento sem causa. A lei manda

restituir tudo quanto tenha sido obtido à custa de outrem (proventos ou produtos do uso da coisa

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alheia). De contrário, tudo se passaria como se ao intrometido fosse lícito expropriar os bens alheios,

alugá-los ou arrendá-los por mera força e iniciativa, embora pagando o seu preço justo ou a sua justa

renda ou aluguer. A solução apresenta-se ainda menos razoável quando o autor da intromissão tenha

agido de má fé.

• Agravamento da obrigação de indemnizar

o O tratamento favorável do indemnizado – expresso no duplo limite – cessa logo que o enriquecido

seja citado para a restituição ou a partir do momento em que reconheça a falta de causa do

enriquecimento ou a falta do efeito que se pretendia obter com a prestação (art. 480º).

o O devedor passa a responder pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos

percipiendos que por sua culpa deixarem de ser produzidos e pelos juros legais das quantias a que o

lesado tiver direito. Se alienar a coisa gratuitamente depois da verificação de qualquer dos factos que

determinam ex vi legis a cessação da sua boa fé, responderá pela restituição do valor da coisa

alienada, em termo agravados; estando o adquirente de má fé, o lesado poderá exigir também dele a

restituição da coisa ou valor devido nos mesmo termos.

o O agravamento imposto no art. 480º mostra que também no direito português a limitação do objecto

da restituição ao enriquecimento actual do beneficiário constitui, não uma nota essencial do instituto

do enriquecimento sem causa, mas o tratamento excepcional de que é merecedor o enriquecido de

boa fé.

• Momento a que se deve reportar a avaliação do enriquecimento à custa de outrem – art. 479º,2

o Citação judicial do enriquecido para a restituição.

o Conhecimento pelo enriquecido, da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que

se pretendia conseguir com a prestação.

o Deve, portanto, atender-se ao enriquecimento actual, ou seja, ao que se apura à data de algum dos

factos supra descritos.

o Art. 480º - desde o momento em que o enriquecido conheça o carácter injustificado do respectivo

locupletamento, o objecto da restituição deixa de se restringir àquilo com que se enriqueceu sem

causa, abrangendo ainda as diminuições e os não aumentos posteriores devidos a sua culpa.

o Vd. art. 481º

16.5 Prescrição – arts. 482º e 309º

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17. A gestão de negócios. Noção, função e requisitos. Gestão de negócios, dever geral de auxílio e actuação em

estado de necessidade. Gestão de negócios mista, regular, imprópria e com desconhecimento da alienidade do

negócio. As obrigações do gestor de negócio. Avaliação da culpa do gestor e efeitos da aprovação ou não

aprovação da gestão. A prática de actos jurídicos negociais por parte do gestor: gestão representativa e não

representativa. Gestão de negócios e direito de preferência.

17.1 Noção, função e requisitos

• Gestão de negócios – intervenção, não autorizada, das pessoas na direcção de negócio alheio, feita no

interesse e por conta do respectivo dono.

o Distingue-se:

Mandato – pressupõe, desde logo, a falta de autorização do dono do negócio.

Contrato a favor de terceiro – a gestão cria direitos para o gestor em relação ao beneficiário e

o benefício deste obtém-se de forma diferente

• Deve ser encarada no duplo aspecto que a reveste:

o Intervenção de um gestor, quase sempre numa atitude de altruísmo moralmente louvável.

o Nasce de um facto em princípio ilícito, constituindo uma intromissão não autorizada na esfera jurídica

alheia, que além de constituir um abuso, pode causar prejuízo sério ao dono do negócio e que, por

estas razões, nem sempre será do agrado deste.

• A principal dificuldade da disciplina jurídica da actividade do gestor reside no tratamento dos casos em que a

gestão não é frutuosa. O dono do negócio não receberá então de bom grado a ideia de saldar despesas que

não autorizou, de indemnizar danos que não causou, de ratificar actos que não praticaria, enquanto o gestor,

baseado na intenção com que agiu, reclamará por certo a ratificação dos actos que praticou, a aprovação da

sua intervenção e a indemnização dos prejuízos que porventura haja sofrido.

• Requisitos (art. 464º):

o Direcção do negócio alheio:

A palavra não assume aqui a acepção técnico-jurídica, podendo consistir na realização de

um negócio jurídico como na prática de actos jurídicos não negociais ou até simples factos

materiais (serão, em regras, actos de mera administração, mas nada obsta a que sejam actos

de verdadeira disposição).

Negócio alheio = interesse alheio – tanto pode ser um interesse material como de ordem

moral ou espiritual. Terão, necessariamente que ser actos susceptíveis de serem levados a

cabo por outrem.

Cabem não só os actos relativos a bens pertencentes a outrem como a actos que a ele

incumba realizar, embora referentes a bens de uma outra pessoa.

Implica a consciência e a vontade de dirigir negócio alheio.

Alienidade (objectiva) – implica que a gestão de negócios se traduza em efectiva invasão da

esfera alheia.

• Alienidade subjectiva – o gestor, ao assumir a gestão, fá-lo com o conhecimento de

estar a gerir negócio alheio. Não é requisito da gestão (de acordo com MENEZES

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CORDEIRO, ao contrário do que afirma ANTUNES VARELA, e que explica a contradição

com o que supra é referido como requisito).

o No interesse e por conta do respectivo dono:

A sua intervenção tem de decorrer intencionalmente em proveito alheio e não em exclusivo

proveito próprio.

• A actividade da gestão deve iniciar-se por forma objectivamente útil ao dominus: é

apreciada segundo o sentir geral da comunidade e no respeito pelos ditames da boa

fé.

• Caso a actividade surja como manifestamente inútil, do ponto de vista objectivo ou

até nociva, não há gestão de negócios.

Se agir no seu exclusivo interesse, falta um requisito essencial ao espírito do instituto, que é

o de estimular a intervenção útil nos negócios alheios carecidos de direcção.

Art. 471º26:

• Gestor actua em nome próprio – gestão não representativa.

• Gestor actua em nome do dono do negócio – gestão representativa.

É necessário que haja por conta de outrem, ou seja, na intenção de transferir (imediata ou

posteriormente) para a esfera jurídica de outrem os proveitos e encargos da sua intervenção,

imputando-lhe os meios de que se serviu ou, pelo menos, os resultados obtidos.

o Sem estar autorizada:

A gestão pressupõe a falta de autorização, ou seja, a inexistência de qualquer relação

jurídica entre o dono do negócio e o agente, que confira a este o direito ou lhe imponha o

dever legal de se intrometer nos negócios daquele.

O termo deve ser amplamente entendido. O gestor não pode:

• Estar habilitado, por contrato, a proceder à gestão (exemplo: não pode haver

mandato27).

Estar autorizado por acto unilateral, a dirigir o negócio (exemplo: não deve haver

procuração).

Estar obrigado, por norma jurídica, a gerir (exemplo: não deve ter a administração legal dos

bens do dominus nem estar, por lei, decisão judicial ou decisão administrativa, adstrito a

zelar por eles.

Não deve agir no âmbito da acção directa, estado de necessidade ou legítima defesa.

Quando assim for, aplica-se o regime próprio destes institutos.

26 Pode ainda distinguir-se:

• Gestão material e gestão jurídica, consoante a actividade desenvolvida pelo gestor se traduza em meros actos materiais ou em actos jurídicos.

• Gestão de lucro capiendo ou de damno evitando conforme vise obter um lucro suplementar para o dominus ou, tão só, evitar-lhe um prejuízo que, de outra forma ocorreria.

• Gestão simples (quando vise uma utilidade exclusiva para o gestor) e conexa (quando prossiga um utilidade incindivelmente comum ao dominus e ao gestor).

27 À falta de mandato deve equiparar-se a declaração da sua nulidade ou a anulação dele, a sua revogação ou caducidade, e bem assim o excesso dos poderes do mandatário, quando a actuação deste não seja coberta pela vontade presumível do mandante (vd. art. 1162º).

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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o Quanto ao dominus negotii, verifica-se que este deve estar impedido de actuar e não tenha proibido

a gestão.

A ideia de impedimento do dono tem de ser aferida de acordo com as condições de cada

caso concreto. É, contudo, claro que, não havendo qualquer impedimento, ainda que ligeiro

do dominus a sua vontade de nada fazer deve ser respeitada.

A proibição da gestão é um requisito negativo: se ela tiver ocorrido, antes ou durante o

impedimento do dominus, qualquer acto de gestão releva não da gestão de negócios mas

dos actos ilícitos.

17.2 Relações entre o gestor e o dono do negócio

17.2.1 Deveres do gestor para com o dono do negócio (actio negotiorum gestorum directa)

• Continuação da gestão, uma vez iniciada

o A lei vigente não impõe ao gestor, de modo directo e indiscriminado, o dever de prosseguir na gestão

iniciada, mas responsabiliza-o pelos dano que resultarem da injustificada interrupção dela (art.

466º,1); o que pressupõe, em certos termos, o dever de a continuar até que o negócio chegue a bom

termo ou o dono possa prover por si mesmo.

o Tem ainda a vantagem de afastar as intromissões fáceis, precipitadas em assuntos alheios.

• Dever de fidelidade ao interesse e à vontade (real ou presumível) do dono do negócio

o Art. 466º - o gestor responde pelos danos que causar, por culpa sua, no exercício da gestão e a sua

actuação considera-se culposa sempre que agir em desconformidade com o interesse ou a vontade,

real ou presumível do dono do negócio.

o O interesse28 consiste na aptidão objectiva do acto levado a cabo pelo gestor para satisfazer

qualquer necessidade real do dono do negócio. O gestor deve gerir de modo que convenha aos

interesses, do dono de negócio e, havendo vários modos de gerir favoravelmente esses interesses,

escolher aquele que melhor concordar com a vontade real ou presumível do dono do negócio.

o Padrão da actividade do gestor:

Padrão da diligência do bom pai de família – adoptado pelos códigos francês e italiano.

Ter como referência a actuação do dono do negócio, e não aquilo que provavelmente faria

um proprietário diligente.

• Critério objectivo – baseado em considerações de normalidade, inspirado na

diligência exigível quanto à administração de bens alheio (art. 466º - fixação da culpa

in abstracto).

o Fundamentado em deveres acessórios de conduta nomeadamente os

deveres de protecção.

• Critério subjectivo – inspirado no grau de capacidade e diligência revelado pelo

gestor na administração dos seus interesses (art. 466º - fixação da culpa in concreto).

28 É de acordo com o critério do interesse que se faz a distinção entre gestão de negócio regular e irregular.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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o Fundamentado na gratuitidade e no espírito altruísta que está na base do

instituto e que pode resultar em soluções injustas.

o Conflito entre o interesse e a vontade do dominus - como deve o gestor agir no caso do interesse do

dono do negócio não coincidir com a solução a que conduziria a vontade deste?

A actuação do gestor será regular (isenta de culpa), se ele praticar um acto contrário à

vontade do dono do negócio, mas conforme ao interesse deste, desde que a conduta

(omissão) desejada pelo dominus seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos

bons costumes.

• Contra esta posição, MENEZES CORDEIRO considera que o gestor não deve actuar

respeitando a vontade contrária à lei, ordem pública ou bons costumes; mas deve

abster-se de actuar quando assim respeite uma qualquer vontade do dominus.

Quando a lei diz “o gestor deve conformar-se”, entende, naturalmente, que este já o

é, o que só é possível mediante uma actuação positiva. Se o gestor pura e

simplesmente nada fizer não pode conformar-se ou deixar de se conformar com

qualquer vontade. Propõe, assim, uma limitação da isenção de respeitar a vontade

do dominus, quando esta for contrária à lei, bons costumes ou ordem pública, às

hipóteses de actuação positiva. Doutra forma, chegar-se-ia a situações insólitas:

sempre que alguém entendesse violar normas jurídicas, por omissão, não seria

necessário o recurso aos tribunais: bastava iniciar uma “gestão correctiva”. [nota:

são rejeitados os exemplos de ANTUNES VARELA relativos ao não pagamento do

imposto, salvar a vida do suicida, apagar o fogo lançado pelo proprietário].

A conduta do gestor será igualmente regular, se ele omitir acto ilícito que o dono praticaria e

optar pelo acto lícito que mais favorece os seus interesses.

Resumindo: 1) abstenção dos actos que, com pleno conhecimento de causa, o dono do

negócio não praticaria, por mais favoráveis que sejam aos seus interesses; 2) abstenção por

actos que o dono praticari, mas que sejam condenados por uma judiciosa ponderação dos

seus interesses; 3) prática dos actos favoráveis que o dominus só não queria realizar por

ignorância de certos factos conhecidos do gestor.

• Entrega dos valores detidos e prestação de contas (art. 465º, al. c))

o Entrega do produto de todas as prestações devidas e todos os lucros que o gestor tenha arrecadado

ao dono do negócio, quer através dos actos celebrados em nome daquele, quer mediante os actos

realizados em nome próprio.

o Quanto às quantias em dinheiro, prevendo que haja somas pagas e recebidas, manda-se entregar o

saldo das respectivas contas, mas com os juros legais do momento em que a entrega haja de ser

efectuada, para assim se estimular o cumprimento pontual do dever de entregar.

o As contas devem ser prestadas, logo que a gestão finda ou é interrompida, ou quando o dono as

exigir, podendo a prestação ser feita coactiva ou espontaneamente.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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• Aviso e informação do dono do negócio

o Impõe-se ao gestor o dever de avisar o dono do negócio, logo que tenha possibilidade de fazê-lo, de

que assumiu a gestão, para que ele possa prover como melhor entender.

o Obrigação de lhe prestar todas as informações relativas à gestão, para que o interessado possa

acompanhar a evolução desta e tomar oportunamente as providências que o caso requeira.

17.2.2 Direitos e deveres do dono do negócio perante o gestor (actio negotiorum gestorum contraria)

A- Direitos do dominus

• Ser indemnizado por todos os danos causados pelo gestor, com culpa, ou pela injustificada interrupção da

gestão.

o O direito a indemnização requer a culpa do gestor e, naturalmente, danos (vd.art 466º,2 onde é

considerado culpado o gestor que não tenha actuado de acordo com os interesses objectivo e

subjectivo do dominus).

• Aprovar, ou não, a gestão.

o A aprovação consiste no juízo global, genérico, indiscriminado de concordância com a actuação do

gestor emitido pelo dono do negócio. É um acto equivalente, nos seus efeitos práticos, à declaração

de vontade (art. 469º). Generalidade dos actos praticados pelo gestor.

o Se a aprovar, renuncia, automaticamente, ao direito a quaisquer indemnizações, nos termos do

artigo 469º.

• Ratificar, ou não, os actos praticados em nome dele

o Declaração de vontade pela qual alguém faz seu ou chama a si o acto jurídico realizado por outrem

em seu nome, mas sem poderes de representação (art. 268º)29.

o Refere-se somente a actos jurídicos praticados em nome do dono do negócio.

• Exigir a transferência dos direitos adquiridos pelo gestor, pelo actos praticados em nome deste.

B – Deveres do dominus

B.1 – Caso tenha aprovado a gestão (art. 469º e 468º)

• Reembolsar o gestor das despesas por ele fundadamente julgadas indispensáveis, com juros legais.

• Indemnizá-lo por prejuízos que haja sofrido.

B.2 – caso a gestão não seja aprovada

• Acatar as adstrições atrás referidas, se o gestor tiver actuado de acordo com os seus interesses objectivo e

subjectivo – art. 468º,1.

• Responder, para com o gestor, nos termos das regras do enriquecimento sem causa, caso o gestor tenha

prevaricado – art. 468º,2.

B.3 – nos termos do art. 470º, o gestor deve ser remunerado quando a gestão corresponda ao exercício da

actividade profissional deste.

29 Pode haver aprovação sem existir ratificação, caso o dono não queira contestar os direitos atribuídos por lei ao gestor, mas não se dispuser a chamar a si alguns negócios que este celebrou em seu nome; tal como, inversamente, pode haver ratificação sem aprovação, se o dono quiser chamar a si os negócios que o gestor realizou em seu nome, mas entender que este não respeitou a sua vontade ou não agiu em conformidade com os seus interesses.

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• A remuneração só se justifica quando tenha havido aprovação da gestão ou quando o gestor tenha actuado

de acordo com os interesses objectivo e subjectivo do dono do negócio (quando a gestão for regular).

17.2.3 Efeitos quanto a terceiros

• Consideram-se terceiros todas as pessoas com que o gestor tenha contratado, durante a gestão.

A – Gestão representativa

• Aplica-se o regime da representação sem poderes (art. 268º):

o O contrato é ineficaz em relação ao dominus, se ele não o ratificar, na forma devida, no prazo fixado

pelo terceiro ou se negar a ratificação.

o O terceiro tem a faculdade de revogar, até à ratificação, o acto do terceiro, ou de o rejeitar, excepto

se conhecesse a situação e, não obstante, tivesse contratado.

• Havendo ratificação, esta tem eficácia retroactiva, desde que isso se não prejudique a posição de terceiro.

B – Gestão não representativa

• Se o gestor actuar em nome próprio, aplicam-se as disposições relativas ao mandato sem representação

(art. 1180º e ss).

• O gestor adquire os direitos e assume as obrigações dos actos que pratique.

• Deve transferi-los para o dominus.

C – Em qualquer das situações, o terceiro tem sempre o direito a ser indemnizado por qualquer prejuízo que

culposamente lhe tenha sido causado com a gestão. No entanto, a fonte deste direito é o delito e não a gestão.

18. A responsabilidade civil

18.1 Noção e modalidades principais: responsabilidade extracontratual (delitual) e contratual (obrigacional). Diluição

de diferenças entre as suas modalidades e referência ao concurso de responsabilidades.

A – Responsabilidade contratual

• Responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de

negócio unilaterais ou da lei.

• Presunção de culpa do lesante (art.799º).

• Prazo de prescrição ordinário: 20 anos.

B – Responsabilidade extracontratual

• Violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem.

• À partida, o ónus de prova da culpa, cabe ao lesado (ver. Art. 483º).

• Prazo de prescrição ordinário: 2 anos.

• A indemnização pode ser reduzida (art. 494º).

C – Diluição das diferenças entre as duas modalidades

• As duas variantes são comuns no que respeita à determinação dos danos indemnizáveis (nexo de

causalidade entre facto e dano), às formas de indemnização e ao cálculo do montante desta.

• Elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma delas para a esfera

normativa própria de outra.

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• É possível que o mesmo acto envolva para o agente, simultaneamente, responsabilidade contratual (por

violar obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de

abstenção ou direito absoluto correspondente).

• Actualmente, a doutrina e a jurisprudência admitem a aplicação do art. 496º às duas modalidades,

permitindo-se, assim, compensação por danos não patrimoniais.

• O art. 805º,3 e 806º,3 podem ser aplicados à responsabilidade extracontratual.

• Art. 500º, a responsabilidade extracontratual é fundamentada numa relação contratual entre comissário e

comitente.

D – o problema do concurso de responsabilidades

• O lesante responde perante o mesmo lesado com base num duplo fundamento conexionado com um

mesmo evento30.

• Consiste basicamente na opção entre o sistema de cúmulo ou do não cúmulo:

o Almeida Costa – prevalência do regime da responsabilidade contratual (adesão na jurisprudência).

o Antunes Varela, Pinto Monteiro, Menezes Cordeiro.. – aplicação do sistema de cúmulo, que tem,

também duas variantes:

Opção – escolha de um dos sistemas.

Acção híbrida – o lesado poderá escolher, na falta de norma legal em contrário, as normas

mais vantajosas, embora com outras limitações (quando a responsabilidade contratual for

atenuada pela lei ou quando do contrato se concluir terem querido as partes excluir a

responsabilidade extracontratual, salvo se esta convenção for nula).

18.2 A tríade clássica da responsabilidade extracontratual: objectiva (em especial, pelo risco) e responsabilidade por

factos lícitos (ou pelo sacrifício).

• Progressiva perda de protagonismo da responsabilidade assente na liberdade individual (não há

responsabilidade sem culpa), fruto, em grande medida, da revolução industrial.

• A expansão das responsabilidades profissionais e da necessidade de tutela de bens e direitos ligados ao

ambiente, à saúde, à sociedade de informação e à perigosidade de certos maquinismos, contribuíram,

também, para este fenómeno.

18.3 A evolução, potenciação, modernização e socialização (directa e indirecta) da responsabilidade civil. A

crescente obrigatoriedade do seguro de responsabilidade e o papel dos Fundos de Garantia.

• Perda de centralidade do código civil no tocante a uma responsabilidade objectiva cada vez menos

excepcional e cada vez mais protectora (em função da obrigatoriedade da contratação do seguro).

• Novas responsabilidades:

o Responsabilidade do Estado por omissão do exercício da função legislativa e por morosidade nas

decisões judiciárias – lei 89/2001 que prevê uma reparação equitativa em caso de violação do prazo

razoável de duração do processo e pela não transposição de Directivas.

30 Diferente de concurso real, em que o mesmo evento gera duas responsabilidades perante lesados diferentes.

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o O Estado assume, com fundamento legal, a reparação dos danos em algumas situações (lesões

corporais graves resultantes de actos intencionais de violência – DL 423/91.

• Possibilidade da precaução poder funcionar como fundamento responsabilizantes apesar de não haver

lesado, nem dano efectivo (perante actividades eventualmente danosas, não será possível uma

responsabilização caso não sejam eliminados os factores condicionantes dessa potenciação?)

18.4 A função primária e a função secundária da responsabilidade civil.

• Função principal: reparar danos.

• Função secundário: papel preventivo/repressivo/ sancionatório que será tanto mais conseguida quanto mais

facilitada estiver a prova da culpa e o nexo de causalidade (vd. art. 494º).

18.5 A responsabilidade civil subjectiva ou por factos ilícitos e os pressupostos previstos na Grundnorm do art. 483º.

18.5.1 O facto voluntário (activo ou omissivo do lesante)

• Facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade, basta a possibilidade de controlar o acto ou

omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma acção ou omissão orientada para certo fim.

• Fora dos domínios da responsabilidade civil ficam apenas os danos provocados por causas de força maior,

ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas (pessoa impedida pela força do vento, efeito da vaga

do mar, explosão, descarga eléctrica e outras forças naturais invencíveis).

18.5.2 A ilicitude

A – Noção e variantes principais: lesão de bens ou de interesses particulares protegidos.

• Traduz a reprovação da conduta do agente, embora no plano geral e abstracto em que a lei se coloca, numa

primeira aproximação da realidade.

• Lesão de bens/ violação de um direito de outrem – os direitos subjectivos aqui abrangidos são,

principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas, os direitos reais, os direitos

de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual.

• Violação da lei que protege interesses alheios – trata-se da infracção de leis que, embora protejam interesses

particulares, não conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela; e de leis que, tendo

também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender aos

interesses particulares subjacentes. A previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam

prevenir o simples perigo de dano, em abstracto. Apresenta 3 requisitos31:

o A lesão dos interesses particulares tem de corresponder à violação de uma norma legal.

o A tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada.

Verifica-se na generalidade das leis que tutelam valores ligados à personalidade física ou

moral dos indivíduos.

o Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.

31 Exemplos: art. 1391º em que a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, só um outro interesse particular mais forte se lhe sobrepõe; casos em que o dano resulta não da prática de um crime, mas de uma simples contravenção ou de um transgressão de carácter administrativo, sempre que a norma violada vise proteger interesses dos particulares, sem lhes conferir um verdadeiro direito subjectivo (violação das regras da concorrência, infracção de regras de saúde pública, delitos anti-económicos...)

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B – Os factos antijurídicos previstos. O caso particular das omissões e análise do art. 486º em articulação com o

dever geral de auxílio, previsto no Código Penal, e os chamados “deveres de prevenção perigo”

• Factos antijurídicos especialmente previstos na lei:

o Factos ofensivo do crédito ou bom nome das pessoas (art.484º) – considera-se expressamente

antijurídica a conduta que ameace lesar o crédito ou bom nome de uma pessoa, independentemente

do facto afirmado ou divulgado ser ou não verdadeiro – contanto que seja susceptível, ponderadas

as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para

cumpri as suas obrigações ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que

ela seja tida no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.

o Conselhos, recomendações ou informações geradoras de danos - são, excepcionalmente,

geradoras de responsabilidade quando:

Se tenha assumido a responsabilidade pelos danos.

Haja o dever jurídico de os dar e tenha agido com culpa.

O procedimento do agente seja criminalmente punível

o Omissões – constituem formas de comportamento antijurídico apenas quando haja o dever (imposto

por lei ou decorrente de negócio jurídico) de praticar o acto omitido e este pudesse normalmente ter

evitado a verificação do dano.

Omissão pura – norma preceptiva que impõe uma certa acção.

Comissão por omissão – em que se imputa um resultado ao agente pela sua não actuação.

O art. 200º do Código Penal prevê os crimes de omissão pura, em que recai sobre o agente

um dever geral de auxílio.

O art. 486º parece referir-se a um dever jurídico de garante, que resulta de uma especial

relação entre o agente e o lesado (contrato, ingerência, lei, relação de autoridade...) que lhe

impunha uma determinada acção (comissão por omissão).

C – As causas de exclusão de ilicitude: gerais (exercício de um direito e cumprimento de um dever) e especiais

(acção directa, legítima defesa, estado de necessidade e consentimento do lesado).

C.1 – Causas gerais

• O facto, embora prejudicial aos interesses de outrem ou violando o direito alheio, considera-se justificado e,

por conseguinte, lícito, sempre que é praticado no exercício regular de um direito (exemplo: actos dos

funcionários da justiça que, em cumprimento de uma ordem legítima, sacrificam certos direitos do ré ou do

presuntivo delinquente) ou no cumprimento de um dever (exemplo: caçador, munido da respectiva licença,

entra a caçar em terreno alheio, dono da água que priva o proprietário do prédio inderior ao aproveitamento

que dela vinha fazendo).

C.2 – Causas especiais

C.2.1 Acção directa (art. 336º)

• É necessária a verificação dos seguintes requisitos:

o Fundamento real – é necessário que o agente seja titular dum direito, que procura realizar ou

assegurar.

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o Necessidade – o recurso à força tem de ser indispensável, pela impossibilidade de recorrer em

tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática do direito do agente.

o Adequação – o agente não pode exceder o estritamente necessário para evitar o prejuízo.

o Proporcionalidade – os interesses sacrificados não podem ser superiores aos que se visam realizar

ou salvaguardar.

C.2.2 Legítima defesa (art. 337º)

• É necessária a verificação dos seguintes requisitos:

o Que os bens lesados por quem se defende pertençam ao agressor.

o Agressão: ofensa da pessoa ou dos bens de alguém (legítima defesa alheia).

o Actualidade e ilicitude da agressão: tem de ser presente ou eminente, mas não forçosamente

efectiva. Tem de ser contrária à lei mas não é necessário que haja culpa do agressor, sendo

perfeitamente cabida a legítima defesa contra a agressão do demente ou contra o condutor o

condutor que por desfalecimento repentino, ameaça atropelar uma pessoa ou destruir uma coisa.

o Necessidade da reacção: não seja viável nem eficaz o recurso a outros meios normais.

o Não manifesta desproporcionalidade.

C.2.3 Estado de necessidade (art. 339º)

• Consiste na situação de constrangimento em que age quem sacrifica coisa alheia, com o fim de afstar o

perigo actual de um prejuízo manifestamente superior.

• Há obrigação de indemnizar sempre que a situação de perigo foi provocada por culpa exclusiva do autor da

destruição, danificação ou uso da coisa alheia.

C.2.4 Consentimento do lesado (art. 340º)

• Consiste na aquiescência do titular do direito à prática do acto que, sem ela, constituiria uma violação desse

direito ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo interesse.

18.5.3 o nexo de imputação do facto ao lesante: imputabilidade e culpa

A – Questão da imputabilidade civil. A inimputabilidade presumida, transitória e culposa. A responsabilidade

subsidiária dos inimputáveis – ratio e âmbito de aplicação do art. 489º.

• Diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que

pratica e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca deles.

• Implica a posse de certo discernimento (capacidade intelectual e emocional) e certa liberdade de

determinação (capacidade volitiva). Vd art. 488º,1.

• Nos casos em que não há imputabilidade do autor material do facto, o lesado poderá ressarcir-se, no

entanto, à custa da pessoa obrigada à vigilância do agente. Caso essa pessoa não exista ou se verifique

alguma das circunstâncias previstas no art. 491º, a lesão tende a ficar sem reparação, por falta de quem

responda por ela. VER, no entanto, art. 489º. Assim, para haver responsabilidade da pessoa inimputável é

necessária a verificação dos seguintes requisitos:

o Que haja um facto ilícito.

o Que esse facto tenha causado danos a alguém.

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o Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo, se nas mesmas

condições tivesse sido praticado por pessoa imputável.

o Que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade.

o Que a reparação do dano não possa ser obtida por vigilantes do inimputável.

o Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor.

B – A culpa: noção, modalidades (dolo e negligência) e graus da culpa (culpa grave, leve e mera culpa). Critérios de

apreciação da culpa (concreto e abstracto) e culpa como deficiência da vontade e como conduta deficiente.

• É necessária a existência de um nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante.

B.1 Modalidades da culpa

• Dolo

o Tipos de dolo:

• Directo – o agente quis directamente realizar o facto ilícito; representa no seu espírito

determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua actuação.

• Indirecto – o agente não quer directamente o facto ilícito mas, todavia, previu-o como uma

consequência necessária e segura da sua conduta.

• Eventual – o agente prevê a possibilidade de ocorrência do facto ilícito e conforma-se com

essa possibilidade.

o Elemento intelectual do dolo:

• Para que haja dolo é essencial o conhecimento das circunstâncias de facto que integram a

violação do direito ou da norma tuteladora de interesses alheios e a consciência da ilicitude

do facto.

o Elemento volitivo do dolo:

• Nexo estabelecido entre o facto ilícito e a vontade do lesante.

• Negligência/ mera culpa:

o Omissão da diligência exigível do agente.

o Tipos de negligência:

• Consciente – o agente prevê a possibilidade de ocorrência do resultado ilícito mas confia na

sua não realização.

• Inconsciente – o agente não concebe a possibilidade de o facto se verificar.

B.2 Critérios de apreciação da culpa

• Culpa em abstracto (objectiva) – a culpa é medida pelo padrão do homem médio (art. 487º,2).

• Culpa em concreto (subjectiva) – a culpa é medida pelo figurino real do próprio figurante.

B.3 Culpa como deficiência da vontade e como conduta deficiente

• A melhor orientação de iure constituendo a que mais fielmente se coaduna com opção da lei pelo critério da

culpa em abstracto, é a que, dando à diligência exigível do homem o conteúdo mais amplo, define a mera

culpa como uma conduta deficiente e a não restringe à condição de uma simples deficiência do factor

vontade no acto.

o Parece mais justo que suporte o dano aquele que actua ilicitamente e não o lesado.

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o Trata-se de uma solução mais educativa e pedagógica, do ponto de vista individual e a que mais

favorece as exigências de segurança social.

o É necessário respeitar o princípio da confiança.

C – Causas que excluem ou diminuem a culpa

• Inimputabilidade, erro de facto essencial, medo invencível e a desculpabilidade.

D – O ónus da prova da culpa e situações de presunção legal de culpa. Explicitação das hipóteses descritas nos arts.

491º, 492º,3 e 493º.

• O legislador cometeu ao lesado o ónus da prova da culpa por influência do disposto na norma geral do art.

342º,1.

• Casos de responsabilidade subjectiva agravada em que o legislador presume a culpa (retira de factos

conhecidos um facto desconhecido) de modo a favorecer o lesado contra o risco de não provar ou de não

conseguir provar plenamente os factos que levou à causa de pedir.

D.1. Pessoas obrigadas à vigilância de outras (art. 491º)

• No caso de danos causados por incapazes a terceiros, presume-se que houve culpa das pessoas obrigadas

a vigiá-los (pais, tutores, mestres de oficinas, professores, preceptores, enfermeiros, guardas…)

• As pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem por facto de outrem, mas por facto

próprio, visto a lei presumir que houve falta de vigilância adequada. Esta presunção baseia-se:

o Num dado da experiência – grande parte dos actos ilícitos praticados pelos incapazes procede de

uma falta de vigilância adequada.

o Necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra o risco da irresponsabilidade

ou de insolvabilidade do autor directo da lesão.

o Conveniência de estimular o cumprimento dos deveres que recaiem sobre aqueles a cuja guarda o

incapaz esteja entregue.

• Como a incapacidade natural nem sempre corresponde a inimputabilidade, pode cumular-se a

responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada a vigiá-lo: nesse caso, responderão solidariamente nos

termos do art. 497º.

D.2 Danos causados por edifícios ou outras obras (art. 492º)

• A derrocada ou queda do edifício tem que dever-se a um vicio da construção ou defeito de conservação.

• Devem considerar-se obras todas as construções ligadas ao solo ou unidas ao prédio, mas não coisas

moveis sem tal ligação, nem os produtos naturais ligados ao solo.

• A responsabilidade abrange o proprietário ou o possuidor. Mas se o dano provier apenas de defeitos de

conservação e esta competir a outra pessoa, sobre esta recairá, exclusivamente, a presunção legal de culpa,

desde que não haja ao mesmo tempo culpa do proprietário ou do possuidor (caso em que respondem

solidariamente).

• Vd. Art. 1348º,2.

D.3 Danos causados por coisas ou animais ou por actividades perigosas (art. 493º)

• O lesante só poderá exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providências

exigidas pelas circunstâncias para os evitar.

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• Não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre.

D.4 Danos provocados pelo condutor de veiculo por conta de outrem (art. 503º,3)-.

D.5 Ver ainda art. 149º do Código dos Valores Mobiliários, art. 5º,1 DL 384/99.

18.5.4 O dano

A. Noção de dano

• Noção corrente – alteração desfavorável que a pessoa sofre em virtude de um certo evento.

• Noção normativa – lesão de bens ou interesses, patrimoniais ou não patrimoniais, juridicamente tutelados.

B. Categorias principais do dano

B.1 Danos individuais e colectivos

B.2 Dano real e dano patrimonial

• Dano real – é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado.

• Dano patrimonial – é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado. Este dano é medido

tendo a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria,

senão fosse o facto lesivo. Considera:

o Dano emergente/ perda patrimonial – prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na

titularidade do lesado à data da lesão.

o Lucro cessante/ frustrado – benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a

que ainda não tinha direito à data da lesão.

• Modos de avaliação do dano:

o Dano de cálculo – diminuição patrimonial causada pela lesão.

o Avaliação concreta do dano – avaliação do dano tendo em consideração o valor da coisa no

património do lesado.

o Avaliação abstracta do dano – valor objectivo da coisa atingida.

B.3 Danos patrimoniais e não patrimoniais

• Danos patrimoniais – prejuízos que podem ser reparados ou indemnizados directamente (restauração natural

ou reconstituição específica da situação anterior à lesão) ou indirectamente (meio equivalente ou

indemnização pecuniária).

• Danos morais (não patrimoniais) – não são susceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que

não integram o património do lesado, podendo apenas ser compensados com uma obrigação pecuniária

imposta ao agente.

B.4 Danos corporais e danos materiais

B.5 Danos presentes e danos futuros

B.6 Danos directos e danos indirectos

• Danos directos – prejuízos que decorrem directamente do ilícito.

• Danos indirectos (prejuízos reflexamente sofridos) – danos que decorrem dos efeitos do dano directo. Inclui

os danos sofridos pelos familiares do lesado, pelos seus credores, pela sua entidade patronal... (vd. art. 495º

e 496º).

B.7 Danos positivos e danos negativos – importa na responsabilidade contratual.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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C. Os danos mais modernos da privação de uso e da perda de chance

• Dano da privação de uso.

• Dano de perda de chance – perda actual de uma melhoria patrimonial/futura e possível (pessoa que é

impedida de participar num concurso ou de fazer um exame, advogado que não interpõe recurso, médico

que faz um diagnóstico errado, impedindo a possibilidade da cura). A chance é um valor patrimonial

autónomo, cuja perda constitui um dano, caso se demonstre que havia a possibilidade de um evento

vantajoso. Note-se que não se faz valer o dano da não obtenção do resultado final mas só a perda de uma

determinada probabilidade (mais de 50%) de conseguir o resultado vantajoso ou de evitar a desvantagem.

D. A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais: escopo, critérios de fixação da compensação pecuniária e alusão a

certos danos mais importantes (dano à saúde ou biológico, dano estético, dano da perda da alegria de viver, dano da

privação sexual e outros). O problema do dano da privação da vida (dano não patrimonial central).

• Escopo – a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista:

visa reparar os danos sofridos pela pessoa lesada e, por outro lado, reprovar ou castigar, no plano civilístico,

a conduta do agente.

• Critérios de fixação da compensação pecuniária:

o A gravidade do dano tem que ser medida à luz de parâmetros objectivos.

o Dano suficientemente grave que justifique a tutela do direito.

o A reparação obedecerá a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada

caso (arts. 496º,3 e 494º):

Deve atender-se ao grau de culpabilidade do lesado, à sua situação económica e às do

lesado e do titular da indemnização, aos padrões de indemnização geralmente adoptados, às

flutuações do valor da moeda, etc.

• Danos não patrimoniais graves – são desdobramentos de uma mesma realidade, fruto da exaltação do ego e

da tutela crescente dos direitos de personalidade.

D.1 O dano da privação da vida

• O dano da perda da vida (compensada com um quantitativo que se situa entre os 40.000 e 70.000 €) coloca

questões importantes:

o É um dano superior ao dano da vida vegetativa ou do tetraplégico?

o Valorado por igual, independentemente do valor da vida que se perdeu? Ou tem em consideração a

função excepcional ou a função específica?

• Titular do dano:

o Próprio lesado – tese de Menezes Leitão e da doutrina e jurisprudência dominantes – sendo que o

valor da indemnização se transmite aos herdeiros.

Funda-se os danos patrimoniais no art. 496º,2 e não patrimoniais sofridos pela vítima e pelos

parentes mais chegados no período que antecedeu a morte no art. 496º,3.

o Herdeiros/ Familiares – tese de Leite de Campos – tendo por base o art. 496º,2.

o Cônjuge e parentes mais próximos – tese de Antunes Varela.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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Art. 496º,3 referência aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de morrer e os

danos não patrimoniais especiais sofridos pelas pessoas referidas no nº2 (depressão

psíquica, incapacidade para o trabalho).

E. A prova do dano

18.5.5 o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Referências às teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e do escopo de protecção da norma. A opção pelo critério da causalidade adequada: caracterização, variantes principais e resolução dos casos de causalidade mediata.

A. Nexo de causalidade entre o facto e o dano

• Relação de “connexidade”.

• Numa perspectiva fáctica, deverá ter-se em consideração:

o Causalidade exclusiva.

o Causalidade concorrente.

o Causalidade cumulativa - o dano X é resultante de várias causas.

o Causalidade alternativa – o dano X é provocado por uma causa de autoria incerta.

o Causalidade indirecta – uma causa anterior favorece ou eleva o risco do surgimento de uma causa

posterior. O responsável pela causa indirecta terá de suportar os danos secundários provocados

pela causa directa tenha ela a ver com actos do lesado, de terceiros ou de circunstâncias fortuitas.

B. Teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e do escopo de protecção da norma

• Teoria da equivalência das condições – considera como causa todo e qualquer antecedente humano sem a

verificação do qual o dano não teria ocorrido.

• Teoria da causalidade adequada – juízo de prognose póstuma tendo por base um critério de razoabilidade

objectiva e de normalidade do acontecer.

o Formulação negativa (Vaz Serra) – a obrigação de indemnização não existe quando o facto que a

determinaria era, segundo a sua natureza geral e as regras da vida corrente, indiferente para que

surgissem danos da espécie dos produzidos, de sorte que, apenas por circunstâncias

extraordinárias, se tornou tal facto uma condição dos mesmo danos”.

• Teoria do escopo de protecção da norma (causalidade teleológica ou normativa) – responsabiliza o lesante

ou autoresponsabiliza o lesado pelos danos que o fim da norma procurava afastar.

18.6 A responsabilidade objectiva (em especial pelo risco)

18.6.1 Fundamentação e aspectos comuns da responsabilidade objectiva. Tendência para a diluição da sua excepcionalidade e relatividade. Alusão aos novos tipos de responsabilidade objectiva

• Estamos perante um tipo de responsabilidade que visa reforçar a tutela dos lesados, prescindindo da ilicitude

e da culpa, fundamentando-se no domínio da fonte de fontes de risco ou na utilização interessada de

pessoas.

• Características:

o As normas que regulam este tipo de responsabilidade têm por missão delimitar a esfera de risco ou

protecção, o que significa, mesmo numa perspectiva de conexão causal, afastar o critério objectivo

da probabilidade e ver se a lesão resultou ou não do desenvolvimento do perigo específico que

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constitui a razão de ser normativa (por exemplo, um condutor não pode ser responsabilizado pela

poluição do seu veículo, nem pelos danos sofridos pelo transeunte que vá contra um automóvel

estacionado, nem a CP pode ser responsabilizada pelos roubos que ocorram numa das carruagens).

o Responsabilidade tipificada – está sujeita a um numerus clausus (ver art. 483º,2). No entanto, tem-se

verificado, desde a década de 80, um aumento significativo de actos legislativos criadores de novas

responsabilidades objectivas.

o Responsabilidade ancorada no seguro de responsabilidade, atendendo à possibilidade das

indemnizações a pagar serem muito elevadas (maxime nos danos colectivos).

o Responsabilidade relativa – na medida em que admite algumas causas de exclusão previstas no art.

505º:

Actuações de lesados ou de terceiros – para que o acidente deva considerar-se imputável ao

próprio lesado ou a terceiro, não é necessário que o facto por estes praticado seja

censurável ou reprovável. A lei quer abranger todos os casos em que o acidente é devido a

facto do lesado ou de terceiro, ainda que qualquer deles seja inimputável ou tenha agido sem

culpa; basta, noutros termos, que o acidente tenha sido causado por facto de autoria de um

ou outro, posto que sem culpa do autor.

Causa de força maior – defeito mecânico, derrapagem por virtude de via defeituosa...

Qualquer das ocorrências cabe na esfera dos riscos normais que a lei lança sobre quem tem

a direcção efectiva da viatura e a utiliza no seu interesse.

Note-se que o que está aqui em causa não é um problema de culpa mas um problema de

causalidade: trata-se de saber se os danos verificados nos acidentes devem ser

juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como

uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro.

18.6.2 Os casos codificados da responsabilidade objectiva

A – A responsabilidade do comitente pelos actos dos seus comissários: fundamento e pressupostos. As dificuldades

de certos pressupostos e o direito de regresso.

• Art. 500º - Responsabilidade puramente objectiva.

• Pressupostos:

o Vínculo entre comitente e comissário – actividade realizada por conta e sob direcção de outrem,

podendo essa actividade traduzir-se tanto num acto isolado como numa função duradoura, ter

carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc.

Pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize

aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de

justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo.

o Prática do facto ilícito no exercício da função – com a fórmula restritiva adoptada, a lei quis afastar

da responsabilidade do comitente os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com a

comissão.

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Serão da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissário com abuso de

funções, ou seja, actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados

com um fim estranho a ela.

o Responsabilidade do comissário

AV/ML – o comitente só responde havendo culpa (mesmo presumida) do comissário.

AC/MP/HH – a responsabilidade do comitente abarca também os casos em que o

comissário responda pelo risco e por factos lícitos.

Nota: em caso de insolvência do comissário, não parece que o comitente possa beneficiar

de uma redução da indemnização.

B – A responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas pelos actos derivados da gestão privada.

• Ver lei 67/2007.

C – A responsabilidade por danos causados por animais: fundamento, articulação com o regime da presunção de

culpa, casos especiais e exclusão da responsabilidade

• Estamos perante uma responsabilidade (verdadeiramente) pelo risco.

• Círculo de detentores: o proprietário do animal doméstico ou não doméstico, comodatários, locatários,

usufrutuários, deficientes visuais. [Já não recai sobre o vigilante, o veterinário, o ferrador, a pessoa que

experimenta o animal antes de comprar ou o depositário].

o A circunstância do cavalo puxar um veículo poderá não afastar a aplicação do art. 502º, se

pensarmos que o veículo pode ter um papel passivo na verificação dos danos.

o A aplicação analógica do art. 506º relativamente à colisão entre um animal e um veículo de

circulação terrestre é bastante discutível.

o Não é possível imputar a este tipo de responsabilidade os casos em que o animal seja utilizado como

instrumento material do dano ou esteja ausente uma relação etiológica relevante entre o

comportamento do animal e o evento lesivo (por exemplo, lesado tropeçou num cão que dormia).

• Factores que podem excluir a responsabilidade:

o Comportamento negligente do lesado – conduta culposa daquele que provocou, libertou, acariciou

ou tentou deter (imprudentemente) o animal.

O vigilante pode ser lesado sem que o detentor possa beneficiar da presunção de culpa do

art. 493º,1. Assim sendo, o detentor terá de provar a culpa do vigilante, no sentido de não

responder ou só responder em parte.

o Lesões que decorrem de forma imediata de uma conduta necessária a evitar ou fazer cessar os

danos decorrentes do comportamento do animal.

• Já o comportamento de terceiros não é suficiente para excluir a responsabilidade do detentor (Antunes

Varela).

• A causa de força maior não constitui uma forma de exclusão da responsabilidade, pois a imprevisibilidade do

animal, é precisamente o que aumenta a sua perigosidade (e, em alguma medida, fundamenta a existência

de uma responsabilidade pelo risco).

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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D – A responsabilidade por danos causados por veículos de circulação terrestre: inaplicabilidade do regime

respeitante às actividades perigosas (referência ao Assento de 21 de Novembro de 1979). Delimitação do risco,

pessoas responsáveis (análise especial do nº3 do art. 503º em conexão com os Assentos de 14 de Abril de 1983, 26

de Janeiro de 1994 e 2 de Março de 1994), beneficiários da responsabilidade (a actual quase equiparação entre os

transportados a título oneroso e a título gratuito), causas de exclusão da responsabilidade (análise crítica da norma

do art. 505º e conexão com o art. 570º), colisão de veículos, pluralidade de responsáveis, limites de indemnização (o

acórdão uniformizador nº 3/2004 e a actual articulação do art. 508º com o seguro obrigatório) e acidente

simultaneamente de viação e de trabalho.

• Pessoas responsáveis – aqueles que têm a direcção efectiva do veículo ou a utilização deste no próprio

interesse (art. 503º,1 CCiv).

o Pessoas que detêm a direcção efectiva do veículo (detentor) – trata-se das pessoas a quem incumbe

especialmente, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências

adequadas para que o veículo funcione sem causar danos a terceiros. Tem a direcção efectiva do

veículo a pessoa que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão,

especialmente cabe controlar o seu funcionamento (vigiar a direcção e as luzes do carro, afinar

travões, verificar os pneus, controlar a sua pressão, etc).

o Utilização no seu próprio interesse – visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o

comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem

(o comitente).

O requisito não deve ser entendido no sentido de que o detentor do veículo só responde se,

no momento do facto danoso, o veículo estiver a ser utilizado no interesse (imediato ou

exclusivo) dele.

O interesse tanto pode ser material ou económico como moral ou espiritual, não tendo

sequer que ser digno de protecção legal.

O problema da responsabilidade do comissário:

• Assentos 14-04-1983/ 26-01-1994/ 2-03-1994 – ao lado da responsabilidade

(objectiva) do detentor, há que contar ainda coma responsabilidade do condutor, se

este conduzir o veículo por conta de outrem. O condutor, porém, não responde, se

provar que não houve culpa da sua parte.

o Havendo culpa do condutor (art. 503º,3), responderão solidariamente,

perante o terceiro lesado, o condutor e o detentor do veículo, tendo este, se

pagar, direito de regresso contra aquele, nos termos do art. 503º,3.

o “A primeira parte do nº3 do art. 503º CCiv, estabelece uma presunção de

culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar,

aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito

a indemnização” (STJ).

Quanto ao condutor de veículo por conta de outrem verifica-se a

existência de uma verdadeira presunção de culpa.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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Aplica-se a presunção de culpa entre o lesado e o comissário.

o “A responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do art.

503º,3 CCiv, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no art.

506º,1” (STJ).

o “A responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do art.

503º,3 CCiv não tem os limites fixados no art. 508º,1”.

• Sendo o veículo conduzido por comissário, presume-se ser dele a culpa no acidente

que cause dano a terceiro, ao invés do que sucede no caso de a viatura ser

conduzida pelo próprio dono, em que a prova da culpa incumbe ao lesado,

requerente da indemnização.

• Beneficiários da responsabilidade (art. 504º)

o Aproveita a terceiros bem como a pessoa transportada.

o A dicotomia entre transportado a título oneroso – transportado a título gratuito, deve ser analisada

tendo por base o critério do interesse do transportado.

o Pessoa transportada a título oneroso – limitação da responsabilidade aos danos que atinjam a

própria pessoa e as coisas por ela transportadas.

o Pessoa transportada gratuitamente – limitação da responsabilidade aos danos que atinjam a própria

pessoa.

Articulação com o regime do art. 506º - se na colisão não culposa de veículos com danos

pessoais para um transportado gratuito não pode deixar de ser afirmado um regime de

solidariedade entre os detentores, é mais complexa a resposta no tocante ao tratamento dos

danos materiais sofridos nas mesmas condições. Não podendo fugir-se à contribuição

efectiva do risco de ambos os veículos, parece mais adequada a solução de fazer responder

parcialmente o detentor do veículo não transportador, libertando-o do peso de suportar

plenamente o privilégio concedido pelo legislador ao transportador. Assim, quanto aos danos

pessoais do passageiros transportado gratuitamente, ambos os condutores respondem

objectivamente. E quanto aos danos nas coisas transportadas por ele, nenhuma culpa

havendo da parte dos dois condutores, nenhuma responsabilidade haverá de qualquer deles.

• Exclusão da responsabilidade (art. 505º):

o Acidente imputável ao próprio lesado – é necessário que aquilo que aqui está em causa é um

problema de causalidade, que consiste em saber quando é que os danos verificados no acidente não

devem ser juridicamente considerados como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como

uma consequência do facto praticado pela vítima.

AV – se o acidente tiver simultaneamente como causa um facto culposo do condutor e um

facto da vítima, cabe ao tribunal determinar com base na sua gravidade relativa e nas

consequências que deles resultaram, se a indemnização deve ser concedida, reduzida ou

excluída – art. 570º.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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Tendo em conta certos dados do nosso sistema positivo mais recente, onde é afirmada a

necessidade de uma culpa exclusiva do lesado para afastar a responsabilidade objectiva do

transportador, proprietário e explorador de aeronaves (...) defendemos não só uma

interpretação restritiva do art. 505, de forma a sintonizá-la com a redacção dada às normas

equivalentes dos outros sectores específicos da responsabilidade pelo risco mas também

entendemos ser necessário repensar a filosofia do preceito.

o Acidente imputável a terceiro – a circunstância de o acidente ter como causa o facto de terceiro

exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, não admitindo a lei a concorrência do

risco com a culpa do terceiro. Se o acidente for devido a facto de terceiro (e não houver culpa do

condutor), é porque o terceiro não adoptou as medidas de cautela ou de precaução adequadas ao

perigo especial dos veículos.

A concorrência apenas pode dar-se entre a culpa do terceiro e a culpa do condutor,

aplicando-se o art. 570º.

Haverá ainda acidente imputável a terceiro no caso de ele ter sido provocado por animal, em

termo de responsabilizar quem o utiliza no seu interesse (art. 505º) ou quem assumiu o

encargo da sua vigilância (art. 493º,1).

o Causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo – tem de estar conexionada com

eventos externos e inevitáveis (exemplo: vento ciclónico, veículo explode devido a um raio que o

atinge).

• Colisão de veículos (art. 506º)

o Inexistência de culpa dos condutores

Apenas um dos veículos é causador de danos – só o detentor desse veículo é obrigado a

indemnizar com base na teoria do risco.

Os dois veículos são causadores de danos – repartição da responsabilidade na proporção

em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos.

o O preceito deve ser entendido em sentido amplo de modo a abranger todos os prejuízos que tenham

tido como causas concorrentes os riscos próprios dos dois veículos.

• Pluralidade de responsáveis (art. 507º)

o Há que ter em consideração as relações em relação a terceiros e as relações internas:

Em relação a terceiros – a responsabilidade solidária mantém-se, mesmo que haja culpa de

um ou alguns responsáveis. Temos concorrência entre culpa e risco, para que a culpa de

alguns não prejudique os lesados.

Nas relações internas:

• Não havendo culpa de ninguém (apenas concorrência de risco) – a obrigação de

indemnizar reparte-se entre todos, de harmónica com o interesse da cada um na

utilização do veículo (exemplo: compropriedade – repartição de acordo com a

proporção de cada um dos consortes).

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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• Há responsáveis culpados – só gozam de direito de regresso os responsáveis pelo

risco em relação aos culpados (ver art. 497º,2).

• Limites da indemnização (art. 508º CCiv)

o O segmento do artigo 508.º, n.º 1, do Código Civil, em que se fixam os limites máximos da

indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime

do seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente

revogado pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo

Decreto-Lei n.º 3/96, de 25 de Janeiro

«Artigo 6.o

Capital seguro 1 —O capital mínimo obrigatoriamente seguro, nos termos e para os efeitos das alíneas a) e c) do artigo

anterior, é de 120 000 000$ por sinistro, para danos corporais e materiais, seja qual for o número de vítimas

ou a natureza dos danos. 2 —O capital mínimo obrigatoriamente seguro nos

seguros que se reportam a transportes colectivos e provas

• Acidentes simultaneamente de viação e de trabalho:

o No domínio das relações internas, há uma assinalável diferença de plano entre as duas

responsabilidades. Se é o detentor do veículo quem, espontaneamente ou a requerimento do lesado,

paga a indemnização devida, nenhum direito lhe competirá em relação à entidade patronal (a menos

que haja culpa da entidade patronal). Se, pelo contrário, a indemnização for paga, no todo ou em

parte, pela entidade patronal, ficará esta, sub-rogada nos direitos do sinistrado.

o A diversidade de tratamento, que acaba de ser apontada, mostra que a lei não coloca no mesmo

plano os dois riscos com os quais o dano se relaciona. O risco próprio do veículo causador do

acidente funciona como uma causa mais próxima do dano do que o perigo inerente à laboração da

entidade patronal.

D.1 – O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel: análise do DL 291/2007 de 21 de Agosto. O papel do

Fundo de Garantia Automóvel e direito de regresso das Seguradoras (alusão ao acórdão uniformizador nº 6/2002). A

Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio.

• Ac. Uniformizador 6/2002 - A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige

para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da

prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o

acidente.

• Portaria 377/2008 - Pela presente portaria fixam-se os critérios e valores orientadores para efeitos de

apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano

corporal, nos termos do disposto no capítulo II do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. 2 —

As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos

termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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E – A responsabilidade por danos causados por instalações de energia eléctrica e gás. A responsabilidade ligada à

produção de energia no DL nº 172/2006, de 23 de Agosto. A responsabilidade pelas estruturas de produção de

electricidade a partir da energia das ondas (DL nº 5/2008 de 8 de Janeiro) – ver art. 509º e 510º.

18.6.3 Análise de algumas hipóteses não codificadas de responsabilidade objectiva.

A - Visão sumária da responsabilidade civil relacionada com as aeronaves, os ultraleves, as aeronaves de voo livre e

as embarcações de recreio.

B – A responsabilidade civil por produtos defeituosos e por certas actividades perigosas.

18.7 A responsabilidade civil por factos lícitos: fundamento, ausência de um quadro sistemático e heterogeneidade

(quanto ao âmbito e aos critérios de indemnização)

• O acto lesivo pode ser lícito, porque visa satisfazer um interesse colectivo ou interesse qualificado de uma

pessoa de direito privado. Mas pode, ao mesmo tempo, não ser justo (no plano da justiça comutativa ou no

da justiça distributiva) que ao interesse colectivo, ou a interesse colectivo qualificado da pessoa colectiva ou

singular, se sacrifique, sem nenhuma compensação, os direito de um ou mais particulares, ou os bens de um

outra pessoa, que sejam atingidos pela prática do acto.

• Exemplo: Estado de necessidade (art. 339º).

• Em lugar de estabelecer um regime comum aplicável à generalidade das situações deste tipo, a lei preferiu

deixar a disciplina de cada uma delas entregue ao seu condicionalismo específico. Elas terão, portanto, o

regime que mais lhes convém, de acordo com as normas aplicáveis a cada caso.

18.8 O direito à indemnização como efeito da responsabilidade civil

18.8.1 A titularidade activa e passiva do direito à indemnização. A titularidade activa não individual ou difusa.

A. Titularidade activa

• São titulares activos do direito de indemnização aqueles que tiverem sofrido danos jurídicos, isto ém pessoas

lesadas nos seus direitos absolutos ou em interesses legalmente tutelados.

• Exclusão dos lesados reflexos ou que sofrem perdas puramente patrimoniais (exemplo: os prejuízos da

entidade patronal em virtude do atropelamento de um seu trabalhador por terceiro).

o Excepções (ver arts. 495º e 496º):

Lesados mediatos na medida em que prestaram auxílio ao lesado imediato.

Lesados mediatos que sofreram com a morte do lesado imediato.

• Possibilidade do Estado ou outras entidades públicas serem indemnizadas pela violação de interesses

protegidos insusceptíveis de apropriação individual.

B. Titularidade passiva

• A indemnização nem sempre é paga pelo responsável civil (exemplos: seguro de responsabilidade ou casos

de socialização directa).

• Poderão existir vários responsáveis solidários (arts. 497º e 507º).

• A titularidade pode caber a pessoas que respondem simultaneamente por factos próprios e factos alheios

(Exemplo: vigilantes de inimputáveis).

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Direito das Obrigações – 4º Sem. | Paulo Pichel

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18.8.2 A prescrição do direito à indemnização e articulação com as normas gerais da prescrição.

• Ver arts. 498º e 323º e ss.

• Nota: art. 498º,3 – não se aplica aos responsáveis civis, sinal de que começa a diluir-se a separação marcada

entre os prazos de prescrição, face à presença contingente de um contrato (que será um ano).

18.8.3 As formas da indemnização: reconstituição natural e indemnização em dinheiro. A primazia da reconstituição natural e os seus limites – o caso particular da destruição ou danificação de coisas usadas e os critérios jurisprudenciais relativos à excessiva onerosidade. Cálculo da indemnização em dinheiro e “teoria da diferença”. A importância do preceituado nos arts. 805º,3 e 806º,3 – o acórdão uniformizador nº 4/2002. Indemnização provisória, indemnização definitiva, indemnização em capital e indemnização sob a forma de renda. O princípio da compensação do dano com o lucro ou a da compensação das vantagens.

A. Reconstituição natural (art. 562º)

• Princípio de reposição natural – dever de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição

das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.

o Dano real (pessoal, material ou ambiental) – reparação, substituição, tratamento do bem lesado.

o Dano não patrimonial – exemplo: lesado pede para que se retire um fotográfica ofensiva da honra ou

decoro, apreensão de uma revista que pôs em causa o seu bom nome ou a retratação do autor da

calúnia…

• É o modo de indemnização preferido pelo legislador – este impôs como primeira via a restauração natural e

só abriu a segunda via na presença de condicionalismos previstos no art. 566º,1.

B. Indemnização em dinheiro (art. 566º)

• Tem carácter subsidiário, sendo aplicada apenas quando:

o A reparação natural não seja possível - a impossibilidade pode ser material (morte da pessoa

atropelada, consumo, destruição ou perecimento da coisa) ou pode ser jurídica (alienação sucessiva

de um imóvel a duas pessoas, a última das quais registou a aquisição a seu favor).

o Insuficiência da restauração natural – dá-se quando a reconstituição não cobre todos os danos (a

reparação da viatura não compensa o utente quanto à privação do seu uso durante o período de

conserto) ou quando não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra (o tratamento

clínico do atropelado ou agredido não compensa as dores físicas que teve).

o Excessiva onerosidade da restauração natural – quando houver manifesta desproporção entre o

interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o

responsável.

Nestes casos de excessiva onerosidade será naturalmente a requerimento do devedor que a

obrigação de restauração natural se converterá em obrigação pecuniária. Tal como será a

requerimento do credor ou por decisão do tribunal que a conversão se dará, quando a

restauração natural não cobrir todos os danos.

Substituição de coisas usadas (exemplo de anos sobre veículos) – se a substituição do

veículo acidentado não puder ser feita em veículo novo (por beneficiar excessivamente o

lesado), a nossa jurisprudência mais recente tem entendido, com acerto, que deve ser

outorgada ao lesado uma indemnização (mesmo que superior ao puro valor venal) que lhe

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permita adquirir um veículo semelhante ao sinistrado e que lhe proporcione as mesmas

condições de uso.

Quanto aos danos pessoais e danos causados em animais, o limite da excessiva

onerosidade não tem o mesmo relevo, embora haja que analisar cada situação à luz da boa

ou má fé do lesado.

• É possível que o lesado não aplique na restauração natural o dinheiro que receba para tal.

• É pacífica a ideia de que a reparação do veículo deve ser efectuada pelo responsável, com salvaguarda de

reparação urgente ou agravamento do dano por conduta negligente.

C. Cálculo da indemnização do dano

C.1 Teoria da diferença (critério geral)

• Arts.566º,2; 805º,3;806º,3.

• O montante de indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação real em que lesado se

encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.

C.2 Acórdãos STJ

• 13/96 - O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando

condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do

pedido do autor. • 4/2002 -Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo

actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto

nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da

decisão actualizadora, e não a partir da citação.

C.3 Princípio da compensação das vantagens

• Princípio (?) já presente no art. 568º que permite que o responsável tenha, em determinados termos, o direito

de exigir que ao montante dos danos causados pelo facto lesivo se deduza o valor das vantagens que este

mesmo facto haja eventualmente proporcionado à pessoa lesada.

• Concretiza-se como corolário da teoria da diferença, e implica que na possibilidade do dano indemnizável

resultar, com justiça, da valoração dos efeitos negativos e positivos (vantagens e benefícios) do facto lesivo

(por exemplo: lesado poupa a despesa do hotel onde estava hospedado).

• A doutrina tem exigido que haja uma conexão substancial entre os danos e os lucros, que esses benefícios

estejam numa relação directa e imediata com o ilícito danoso (exemplo: lavrador que leve os animais a pastar

no terreno do vizinho, vindo este a aproveitar-se do estrume aí deixado), ou que tal imputação se mostre

exigível ou correspondente a um sentimento de justiça.

D – Críticas à teoria da diferença e excepções-limitações à sua aplicação

D.1 – Os casos de indemnização equitativa, sujeita a certos máximos ou pré-fixada

• A indemnização pode ser fixada de forma equitativa por imposição legal ou por impossibilidade de

averiguação do valor exacto dos danos (art. 566º,3, art. 494º, 442º, 2 e 4; 806º).

• A indemnização pode estar submetida a limites máximos (responsabilidade pelo risco).

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D.2 – O relevo das convenções limitativas e de exclusão da responsabilidade e os seus limites

• Convenções disciplinadoras da responsabilidade civil extracontratual (art. 504º,4) desde que não violem

normas imperativas ou de ordem pública, os bons costumes, e não estejam em causa actuações dolosas ou

gravemente culposas dos responsáveis.

o Exemplos: jogador que não se responsabilize pelos vidros que partir, proprietário que acorda com

outro a indemnização taxativa a pagar em caso de danos causados pelos seus animais.

o Tocam sobretudo o domínio das relações de vizinhança.

• Art. 810º - permite às partes fixar por acordo, através de uma cláusula penal, o montante da indemnização

exigível.

D.3 – A vigência do princípio geral da irrelevância negativa da causa virtual : ideias breves

• Implica o afastamento de resultados irrazoáveis ligados à aplicação do critério global da teoria da diferença.

• É possível distinguir:

o Casualidade interrompida – embora o primeiro facto fosse adequado a produzir o dano, um segundo

facto autónomo exclui ou impede essa relação (A é gravemente ferido, mas vem a falecer de uma

doença entretanto surgida; A começa a demolir um prédio e B incendeia-o).

Não há responsabilidade do autor desse facto, a não ser relativamente ao possível efeito

parcial provocado.

o Causalidade antecipada ou ultrapassante – um facto provoca um dano que seria provocado mais

tarde em consequência de outro (A destrói o quadro de B, quadro este que seria destruído num

incêndio ocorrido dias depois).

A sua relevância só é aceite a título excepcional (arts. 491º, 492º, 493º,1; 807º,2; 1136º,2), já

que por razões sancionatórias o autor da causa real não pode ver excluída a sua

responsabilidade alegando a verificação da causa virtual.

Maiores dúvidas ocorrem quando a causa virtual é uma conduta hipotética do lesado.

D.4 – O concurso (para o dano ou para o seu agravamento) da conduta culposa do lesado: culpa do lesado e culpa

do lesante, presunção de culpa e culpa do lesado, imputação ao lesado da conduta alheia, ponderação das culpas e

prova da culpa do lesado.

• Art. 570º - permite a redução ou mesmo a exclusão da indemnização, quando um facto culposo do lesado

tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos.

o Pressupõe a existência de duas condutas necessárias, providas de esferas diferentes e não do

mesmo círculo de actuação como sucede com os responsáveis solidários.

o Pode a culpa do lesado revelar-se através de uma conduta activa ou passiva.

o Nº2 – previsão de que a prova da culpa (exclusiva) do lesado exclui a responsabilidade do presumido

culpado.

• A culpa do lesante é uma culpa própria (tem por base um ilícito cometido), já a culpa do lesado é imprópria

(por não violar direitos ou interesses alheios, sendo uma espécie de culpa contra si mesmo, isto é, uma

censura dirigida à pessoa imputável, por ter colocado em perigo, dolosa ou negligentemente, a sua pessoa

ou seus bens.

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• A culpa do lesado é apreciada segundo um critério objectivo flexibilidade, que tenha em consideração

algumas debilidade de certos lesado (exemplo: cegueira, idade, pouca instrução...)

• Art. 571º - a culpa do lesado tem a ver com a actuação de pessoas ligadas ao próprio lesado, sejam

auxiliares ou representantes legais. Quem concorre com a culpa não é o lesado, mas sim as pessoa que

trazendo benefícios para ele, também podem provocar danos em vens a ele pertencentes. Pode dizer-se que

esta norma está para a desprotecção do lesado assim como os arts. 500º e 800º estão para a

responsabilização do comitente e do devedor.

19. Factos modificativos das obrigações

19.1 Modificações subjectivas: por transmissão e por sucessão mortis causa

• Não alteram o núcleo obrigacional e conexionam-se com a transmissão dos créditos, das dívidas e da

posição contratual, com a mudança da titularidade do direito real (obrigação propter rem), com a entrega do

título ao portador e com a sucessão mortis causa.

19.2 Modificações objectivas: voluntárias (do título, do objecto ou conteúdo) e não voluntárias

• São modificações que conduzem a uma transformação da obrigação, a uma alteração do título obrigacional

da própria prestação ou do seu conteúdo.

o Transformação – invocação da prescrição, que converte uma obrigação civil numa obrigação natural.

o Alteração do título obrigacional (por transacção ou decisão judicial):

Da prestação – prestação cumprida parcialmente, dação em cumprimento e em função do

pagamento, prestação com faculdade alternativa, prestação não cumprida definitivamente,

prestação impossibilitada após a mora do devedor).

Do conteúdo – trata-se sobretudo de alterar cláusulas acessórias do contrato.

• Os contraentes, ao abrigo da autonomia privada podem alterar um prazo, fixar um

prazo e o lugar de cumprimento, modificar o preço ou o objecto do contrato, fixar

uma moratória, estipular novas garantias, estabelecer uma cláusula de tradição e de

exclusividade ou agravar uma cláusula penal.

• Relativamente aos contratos de adesão, é necessário ter em consideração os arts.

19º al.h) e 22º,1 al.c) e e) DL 446/85.

• Alteração anormal das circunstâncias (hardship clause) – art. 437º.

• Art. 812º - redução da cláusula penal manifestamente excessiva.

• Art. 777º,3 – papel interventor do julgador quando alguma das partes se demita de exercer certa faculdade.

20. Factos transmissivos das obrigações

20.1 Visão geral das modificações subjectivas com indicações históricas.

• Não se trata aqui de modificações que contendam com o conteúdo da obrigação, mas de possibilitar ao

credor transmitir o valor patrimonial do seu crédito – o que não envolve o prejuízo para o devedor – e permitir

ao devedor, em termos não prejudiciais ao credor, colocar perante este outro devedor e outro património ou

possibilitar a qualquer dos contraentes a cedência global da posição contratual.

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20.1.1 Transmissão pelo credor: cessão de créditos e sub-rogação.

A. Cessão de créditos:

• Art. 577º - transmissão do direito de crédito, no todo ou em parte, feita pelo credor a um terceiro.

• Requisitos:

o Negócio policausal/ causa variável – pode ter por base uma venda, uma doação, uma dação em

cumprimento, negócio de garantia em benefício de outro crédito...

o Pode ter por objecto créditos futuros (ver arts. 211º e 399º) [Quanto à doação, ver art. 942º,1], não se

exigindo, à partida, consentimento do devedor.

o Há 3 casos em que a cessão não é permitida32:

Proibida por lei – arts. 579º e ss e art. 2008º.

Cessão estar interdita por convenção das partes (podendo ser contemporânea da

constituição do crédito ou posterior a ela).

• Mas pacto de non cedendo realizado no interesse exclusivo das partes, não é

razoável que possa afectar os do cessionário de boa fé. Se o cessionário adquire o

crédito desconhecendo tal pacto, não é admissível que o devedor possa recusar-lhe

o pagamento só porque esse pacto existia: o que o devedor poderá é, nos termos

gerais, exigir do cedente a reparação do dano que lhe causou com a cessão.

Não é admitida a cessão do crédito se encontrar ligado, pela própria natureza da prestação,

à pessoa do credor.

• Procedimentos financeiros associados à cessão de créditos:

o Factoring – processo financeiro, em que uma entidade (o aderente) cede a uma instituição

especializada, o factor ou cessionário, todos os créditos de curto prazo, mediante o pagamento de

uma comissão e o débito de uma taxa de juro pagos ao aderentes no vencimento ou por

antecipação, os montantes correspondentes aos créditos cedidos.

o Titularização.

• Relações entre cedente, cessionário e devedor cedido

o Efeitos entre cedente e cessionário (art. 426º):

O cedente assegura ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição

transmitida, mas não lhe garante o cumprimento das obrigações de que este fica sendo

credor.

Desde que a posição contratual tenha sido validamente transmitida (dupla garantia legal:

porque a posição contratual existia, pertencia ao cedente e este podia dispor validamente

dela), cessa, em princípio, a responsabilidade do transmitente, mesmo que o contraente

cedido não cumpra as obrigações a seu cargo, porque não possa ou não queria fazê-lo, ao

cessionário não será lícito recusar com esse fundamento a contraprestação eventualmente

devida ao cedente, nem resolver o contrato de cessão.

32 Se a cessão do crédito importar, conjuntamente, a cessão duma obrigação, o regime aplicável já não é o deste artigo, pois então já é necessário o consentimento ou ratificação do devedor-credor, quer pela aplicação das regras da cessão da posição contratual (art. 424º), quer pela disciplina própria da transmissão singular de dívidas (art. 595º).

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O cedente da posição contratual pode, no entanto, responder pelo cumprimento das

obrigações do contraente cedido, se tiver prestado essa garantia.

o Relação entre o contraente cedido e o cessionário (art. 427º)

A regra deste artigo harmoniza-se com o princípio de que se transmite apenas a posição

contratual, e não quaisquer outros direitos ou obrigações que não derivem do contrato. São,

portanto, apenas oponíveis ao cessionário os meios de defesa integrados na posição cedida

ou resultantes dela, sem prejuízo da reserva contratual de quaisquer outros.

o Relação entre o cessionário e o devedor

Art. 583º.

O direito de crédito transmite-se imediatamente com o negócio de alienação, passando o

cessionário a titular do direito e perdendo os credores do cedente esse elemento patrimonial.

Está salvaguardada a posição do devedor de boa-fé, que pague ao credor aparente, isto é,

do devedor que não tenha sido notificado ou aceita a cessão, nem tenha tido conhecimento

dela.

• Dupla alienação – ver art. 584º.

B – Sub-rogação (art. 589º e ss)

• Art. 589º - tem na sua base o pagamento ou cumprimento da obrigação, feito por terceiro.

• Não se verifica em relação a prestações futuras.

• Variantes da sub-rogação:

o Sub-rogação voluntária – proveniente de um contrato realizado entre credor e terceiro, ou entre o

devedor e terceiro (arts. 589º, 590º, 591º).

Acordo entre credor e terceiro.

Acordo entre devedor e terceiro, não havendo interferência do credor.

o Sub-rogação legal – resultante do pagamento feito por terceiro interessado na satisfação do crédito

(art. 592º).

• Efeitos translativos da sub-rogação – o principal efeito da sub-rogação é a transmissão do crédito, que

pertencia ao credor satisfeito, para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor ou à custa de

quem a obrigação foi cumprida. Como a aquisição do sub-rogado se funda substancialmente no acto de

cumprimento, só lhe será lícito, porém, exigir do devedor uma prestação igual ou equivalente àquela com

que tiver sido satisfeito o interesse do credor.

C. Comparação entre cessão de crédito e sub-rogação

• A cessão de crédito é mais vantajosa pois, apesar de formalmente mais pesada, o cessionário tem direito a

receber o montante nominal do crédito, goza de uma dupla garantia e concorre, em igualdade de condições,

ao lado do cedente na hipótese de uma cessão parcial.

• Enquanto o cessionário realiza uma operação especulativa, procurando uma diferença favorável entre o

preço da cessão e o montante do crédito, o sub-rogado efectua um mero pagamento que pretende ver

satisfeito pelo devedor.

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20.1.2 Transmissão pelo devedor: transmissão singular de dívidas. Noção, formas de transmissão, assunção liberatória e assunção cumulativa e efeitos.

• Art. 595º - Estamos perante a possibilidade de um devedor transferir a sua obrigação:

o Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;

o Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.

o Em qualquer dos casos, é necessária a ratificação do credor para que a transmissão exonere o

antigo devedor. Caso contrário, os devedores (novo e antigo) respondem solidariamente.

• Assunção liberatória e assunção cumulativa:

o Assunção liberatória – existe no caso de o antigo devedor ser exonerado e ficar apenas vinculado o

novo devedor (exoneração expressa do credor).

o Assunção cumulativa – o antigo devedor não fica exonerado, podendo o credor exigir o cumprimento

de qualquer deles (responsabilidade solidária, assemelhando-se à figura da fiança).

20.1.3 Transmissão por parte dos contraentes: cessão da posição contratual. Noção, consagração legal, requisitos (a estrutura triangular da cessão), confronto com o subcontrato e a sub-rogação legal no contrato e efeitos (nas relações cedente-cessionário, cedente-contraente cedido e cessionário-contraente cedido)

A – Noção e estrutura trilateral

• Art. 424º e ss.

• A cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato

bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos

direitos e obrigações que lhe advierem desse contrato.

o A cessão da posição contratual implica a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-

instrumento da cessão, que é o realizado para a transmissão de uma das posições derivadas do

contrato-base

• São três os protagonistas da operação:

o O contraente que transmite a sua posição (cedente).

o O terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário).

o A contraparte do cedente no contrato originário que passa a contraparte do cessionário (contraente

cedido) – a substituição não pode consumar-se sem o consentimento do contraente cedido.

B – Distinção entre cessão da posição contratual com subcontrato e sub-rogação legal

• Subcontrato – na cessão, o cedente desliga-se da sua posição de contraente, entrando o cessionário para o

lugar dele, ao passo que o constituinte do subcontrato mantém a sua posição contratual anterior e limita-se a

constituir uma outra relação contratual, à custa daquela posição.

o Na cessão verifica-se uma operação de modificação subjectiva na relação contratual básica.

o O subcontrato envolve a criação de uma segunda relação contratual, que vive em paralelo com a

primeira, tendo a característica de uma depender da outra e de existir um contraente em comum.

• Sub-rogação legal – a transmissão não procede neste caso, da vontade dos contraentes, mas da

determinação imperativa da lei, que a impõe. (Exemplo: relação entre o locatário e o novo adquirente do

prédio – art. 1057º CCiv).

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C. Regime restritivo dos contratos de adesão

• Art. 18º,1 DL 446/85 – considera absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que consagrem a

favor de quem as predisponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas

ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato

incial.

• Ver ainda – art. 318º CT, art. 24º DL 209/97, art. 15º DL 270/2001, 10º e 11º DL 149/95.