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DIREITO E ARBITRAGEM - pinheironeto.com.br · das cortes judiciais. 4. Conclusão. 5. ... capazes de distorcer o livre jogo da concorrência nos mercados" ... Os Fundamentos do Antitruste

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CLÁUDIO FINKELSTEIN (ORGANIZADOR)

DIREITO E ARBITRAGEM ESTUDOS ACADÊMICOS

SÉRIE "TRABALHOS PREMIADOS"

VOLUME II

ARRAES EDITORES

Belo Horizonte 2017

CLÁUDIO FINKELSTEIN (ORGANIZADOR)

DIREITO E ARBITRAGEM EsTuDos AcADÊMicos

SÉRIE "TRABALHos PREMIADos''

VOLUME II

EDITORES

Belo Horizonte 2017

SUMÁRIO

PREFÁCIO................................................................................................................. VIII

ARBITRAGEM COMERCIAL............................................................................... 1

CAPíTULO 1 CONFLITOS MULTICONTRATUAIS: ESTENDENDO OS EFEITOS DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM Camila Macedo Simão............................................................................................ 2

CAPÍTULO 2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ARBITRAGEM Manoela Pires ........................................................................................................... 43

CAPíTULO 3

A AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES NA PRODUÇÃO DE PROVAS EM ARBITRAGEM INTERNACIONAL Thiago Del Pozm Zanelato ................................................................................... 84

CAPÍTULO 4

ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A COMPATIBILIDADE, OS LIMITES E O PROCEDIMENTO ARBITRAL ENVOLVENDO O PODER PÚBLICO Marina Martins Martes. ........................................................................................ 130

CAPíTULO 5

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE EM ARBITRAGEM ENVOLVENDO ENTES ESTATAIS Clara Kneese de Moraes Bastos.. .......................................................................... 176 VI

SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................................................. VIII

ARBITRAGEM COMERCIAL............................................................................... 1

CAPÍTULO 1

CONFLITOS MULTICONTRATUAIS: ESTENDENDO OS EFEITOS DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM Camila Macedo Simão.. .......................................................................................... 2

CAPÍ1ULO 2

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ARBITRAGEM Manoela Pires ........................................................................................................... 43

CAPÍTULO 3

A AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES NA PRODUÇÃO DE PROVAS EM ARBITRAGEM INTERNACIONAL Thiago Del Pozzo Zanelato .......................................................... ......................... 84

CAPÍTULO 4

ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: A COMPATIBILIDADE, OS LIMITES E O PROCEDIMENTO ARBITRAL ENVOLVENDO O PODER PÚBLICO Marina Martins Martes.. ....................................................................................... 130

CAPÍTULO 5

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE EM ARBITRAGEM ENVOLVENDO ENTES ESTATAIS Clara Kneese de Moraes Bastos............................................................................. 176 VI

CAPíTULO 6

A APLICAÇÃO DO DIREITO CONCORRENCIAL NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL Lucas Moreira ]imenez ........................................................................................... 202

ARBITRAGEM DE INVESTIMENTO................................................................. 250

CAPÍTULO 7

VII. BILATERAL INVESTMENT TREATIES E A EXECUTORIEDADE DA SENTENÇA ARBITRAL CONDENATÓRIA CONTRA O ESTADO: ESTUDO DE EFICÁCIA Thaís Helena Valente Teixeira Lima.................................................................. 251

ARBITRAGEM E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CML.................... 261

CAPíTULO 8

O CONTROLE JUDICIAL DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CML Marina Coelho Reverendo Vida[......................................................................... 262

VII

CAPÍTULO 6

A APLICAÇÃO DO DIREITO CONCORRENCIAL

NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL 1

Lucas Moreira Jimenez2

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a intersecção entre o Direito Concor­rencial e a arbitragem internacional, e especialmente a aplicação deste ramo do direito pelo árbitro em procedimentos arbitrais internacionais. Para apresentar um panorama do tema, serão abordadas as questões da natureza jurídica do Direito Concorrencial, a arbitrabilidade objetiva desta matéria, bem como as fontes e limites dos poderes do árbitro em aplicá-lo. Também serão exploradas questões de ordem prática que podem se mostrar de extrema relevância no curso de um procedimento arbitral, como as maneiras pelas quais o Direito Concorrencial pode tornar­-se objeto de uma arbitragem, o poder ou dever do árbitro de aplicar o Direito Concorrencial, o parâmetro de revisão judicial de sentenças arbitrais aplicando este direito, entre outras questões. Ao final, será feita uma breve conclusão sumarizando as discussões apresentadas. PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem- Arbitragem Internacional- Direito Concorrencial- An­titruste - Direito Internacional Privado - Arbitrabilidade - Poderes e Deveres do árbitro -Doutrina dos efeitos - Extraterritorialidade- Conflito de leis

ABSTRACf: The present work aims at analyzing the interplay between Competition Law and internacional arbitration, and especially the application of this branch of the law by the arbitrator in international arbitral proceedings. In order to provide an overview of the subject, the study will explore issues such as the legal nature of Competition Law, the pro­blem of its objective arbitrability, as well as the sources and limits of the arbitrator's power in applying Competition Law. The study will also address matters of practical importance that may be of extreme relevance in the course of an arbitral proceeding, such as the ways in which Competition Law may arise in an arbitration, whether the application ofCompetition Law consists of a prerogative or an obligation of arbitrators, the standard for judicial review of an arbitral award applying Competition Law, among other subjects. By the end, a brief conclusion will be made summarizing the discussions presented. KEYWORDS: Arbitration - lnternational Arbitration - Competition Law - Antitrust - Pri­vate International Law- Arbitrability- Powers and duties o f the arbitrator - Effects Doctrine - Extraterritoriality - Conflict o f Laws.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Natureza e arbitrabilidade do Direito Concorrencial. 1.1. A na­tureza jurídica do Direito Concorrencial. 1.1.1. Ordem pública. 1.1.2. Normas imperativas. 1.1.3. A articulação dos conceitos de ordem pública e norma imperativa e a relação com o Direito Concorrencial. 1.2. A questão da arbitrabilidade do Direito Concorrencial. 1.2.1. Estados Unidos da América. 1.2.2. Europa. 1.2.3. BrasiL 1.2.4. Superação da questão da arbi­trabilidade e abertura de novas áreas de debate. 1.3. A aplicação privada do Direito Concor­rencial e as hipóteses de incidência na arbitragem. 1.3.1. Sistematização da aplicação privada do Direito Concorrencial. 1.3.2. Hipóteses de incidência do Direito Concorrencial em uma

Este artigo foi previamente apresentado na forma de Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Direito à Pon­

tificia Universidade Católica de São Paulo pelo qual o autor recebeu o Prêmio de Menção Honrosa de Monografia

após defesa promovida pelo Núcleo de Monografia Jurídica Prof. Paulo Freire da Faculdade de Direito em 2017.

Bacharel em Direito pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo. Advogado em São Paulo.

DIREITO E ARBITRAGEM- V OLUME 11 203 ~-------------------------------------------------+

arbitragem. 1.4. Aplicação do Direito Concorrencial: faculdade ou dever do árbitro? 2. O poder do árbitro de aplicar o D ireito Concorrencial. 2.1. A questão dos poderes do árbitro na arbitragem. internacional. 2.2. A fonte do dever do árbitro de aplicar o Direito Concorrencial. 2.2.1 Vontade das partes. 2.2.2. Lex arbitri. 2.2.3. Lex causae. 2.2.4. Dever de produzir uma sentença exequível. 3. Os limites do Poder do árbitro na aplicação do Direito Concorrencial. 3.1. ~ai Direito Concorrencial aplicar? 3.1.1. Doutrina dos efeitos. 3.1.2. O problema das múltiplas jurisdições. 3.2. Limites dos poderes do árbitro na aplicação do Direito Concor­rencial. 3.2.1. Os limites da atuação do árbitro em face das autoridades estatais de defesa da concorrência. 3.2.2. O grau de violação ao D ireito Concorrencial que autoriza a intervenção das cortes judiciais. 4. Conclusão. 5. Referências.

INTRODUÇÃO

A intersecção entre os campos do Direito Concorrencial, ou Direito Anti truste, 3 e a Arbitragem tem gerado considerável debate e produzido nu­merosos estudos nos últimos anos, diante da enorme variedade de questões e desafios que surgem do confronto entre essas duas disciplinas.

A palavra confronto, aqui, é significativa. Por muito tempo houve um amplo consenso de que características inerentes ao Direito Concorrencial e ao Direito Arbitral os tornariam inconciliáveis. Neste sentido, já se argumentou que a origem deste conflito estaria na natureza privada da arbitragem, que tem na autonomia privada seu princípio fundamental, contraposta ao interesse pú­blico que perrneia o Direito Concorrencial, instrumento restritivo de direitos e rnodulador de condutas privadas.4

No entanto, tal percepção tem mudado radicalmente nos últimos anos. Após um intenso debate, em um primeiro momento, acerca da questão da arbitrabilidade objetiva do Direito Concorrencial, passou a se reconhecer que ambas disciplinas tem muito a contribuir urna com a outra e, indo além, que é somente natural que seus caminhos se cruzem.

De fato, sabe-se que métodos alternativos de resolução de conflitos pre­dominam e florescem em economias de mercado, marcadas pela liberdade de

Em que pese a multiplicidade de expressões aplicadas à matéria de defesa da concorrência (tais como Direito Anti­

tntste, Direito Concorrencial e Direito da Concorrência, por exemplo), houve preferência da utilização da expressão

"Direito Concorrencial" no presente trabalho.

"They are contradictory because arbitration creates and enhances priva te autonomy while competition law is a meth­

od o f the state to restrain inappropriate private conduct in the market, with the aim o f maximising the benefits o f

economic activity for the public good" (T ALBOT, Conor C. An Introduction to Arbitration and Competition Law:

Troubled Waters on the way to a Brave New World. European Univcrsity Institute, 2014, p. 1. Disponível em: https://

papers.ssm.com/sol3/papers.cfm?abstract id= l577859. Acesso em: 03.02.2017). Neste mesmo sentido, ver Pedro

Paulo Cristofaro e Rafael de Moura Rangel Ney, para quem "enquanto em matéria de arbitragem o que há é a con­

sagração da liberdade de agir e o respeito à autonomia da vontade, o Direito Antitruste se caracteriza por uma série

de normas imperativas, que limitam a liberdade de atuação dos agentes econômicos, com vistas a impedir práticas

capazes de distorcer o livre jogo da concorrência nos mercados" (CRISTO F ARO, Pedro Paulo Salles; NEY, Rafael

de Moura Rangel. Possibilidade de Aplicação das Normas de Direito Anti truste pelo Juízo Arbitral. In ALMEIDA,

Ricardo Ramalho (org.). Arbitragem Interna e Internacional- Questões de Doutrina e da Prática. Rio de Janeiro,

Renovar, 2003, p . 391).

204 ;~-----------------------------------------------------C __ LA_·u_o_Jo __ F_JN_KE_·L_S_TE_·l_N~(~O_R_G~.) empreender e de competir, que são justamente as jurisdições nas quais sistemas de defesa da concorrência costumam ser robustos e bem estabelecidos. É este mesmo fato que explica um desenvolvimento paralelo do Direito Concorren­cial e da arbitragem em diversos países nos últimos tempos.

O exemplo do Brasil é representativo. Foi após o processo de democra­tização que se seguiu à promulgação da Constituição Federal de 1988 que o Direito Concorrencial passou a ocupar um papel de maior relevância na vida econômica e social do País.5 Nesse sentido, foi editada a Lei n2 8.158/1991, que procurou celerizar o procedimento administrativo de apuração de práticas em violação à ordem econômica, 6 seguida da Lei n2 8.884/1994, responsável pelo fortalecimento do sistema de defesa da concorrência brasileiro7 e, finalmente, da Lei n2 12.511/2011 ("Lei Brasileira de Defesa da Concorrência" ou "LBDC"), que remodelou este sistema8 e o tornou reconhecido internacionalmente.9

Paralelamente, foi a partir de meados da década de 1990 que o Brasil come­çou a se abrir para o mundo da arbitragem, com a edição da Lei n2 9.307/1996 ("Lei Brasileira de Arbitragem" ou "LBA"), 10 a declaração de sua constitucio­nalidade pelo Supremo Tribunal Federal ("STF") em 2001, a ratificação da Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras ("Convenção de Nova York"), em 2002, e a reforma da LBA em 2015Y Neste intervalo de pouco mais de vinte anos, o País viu o ins-

lO

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Como se sabe, a Constituição contém um capítulo inteiro dedicado à "ordem econômica c fmanccira", sendo um dos

princípios de tal ordem a "livre concorrência" (Constituição Federal, artigo 170, IV).

Esta Medida Provisória convertida em lei se insere em um momento no qual se alardeava a abertura do mercado bra­

sileiro e a liberalização da economia do País. Assim, como coloca Paula Forgioni, "a intenção declarada era deixar,

na medida do possível, que o mercado se autorrcgulasse, aplicando, para tanto as suas próprias leis" (FORGIONI,

Paula. Os Fundamentos do Antitruste. 6" Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013, p. 121).

A referida lei sistematizou a matéria concorrencial no País, aperfeiçoando seu tratamento legislativo, além de trans­

formar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ("CADE") em autarquia federal, beneficiando-lhe com

destinação orçamentária própria. A Lei n° 8.884/1994 implementou o denominado "Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência" ("SBDC"), que na época era formado pelo CADE, pela Secretaria de Acompanhamento Econômico

("SEAE"), vinculada ao Ministério da Fazenda, e pela Secretaria de Direito Econômico ("SDE"), vinculada ao Mi­

nistério da Justiça.

A Lei no 12.529/2011 promoveu a incorporação da SDE pelo CADE, que também se apropriou de algumas das com­

petências da SEAE. O CADE então passou a ser composto por três órgãos: (i) Tribunal Administrativo de Defesa

Econômica; (ii) Superintendência-Geral; e (iii) Departamento de Estudos Econômicos.

Atualmente, o CADE é considerado como uma das melhores agências governamentais antitrustc do mtmdo pela revis­

ta especializada britânica Global Competition Review, que lhe concedeu o prêmio de "Agência Antitmste das Amé­

ricas" em 2015 c 2017 (Informações disponíveis em http://www.cadc.gov.br/prcmiacocs. Acesso em: 12.05 .2017).

Antes disso, como se sabe, existia previsão legal referente ao instituto da arbitragem no ordenamento jurídico brasilei­

ro, que, porém, era praticamente inviável na prática em razão de entraves legais fundamentais, como (i) a necessidade

de se firmar um compromisso arbitral ex postfacto para se validar uma cláusula compromissória estabelecida ex ante;

(ii) a necessidade de homologação de sentenças arbitrais pelo Poder Judiciário; e (i i i) para sentenças arbitrais estran­

geiras, a necessidade de homologação da sentença no foro de origem para o reconhecimento c execução da mesma

pelos tribunais brasileiros (o chamado duplo exequatur).

Trata-se da Lei n° 13. 129/2015, que promoveu importantes mudanças no rcgramento do instituto no Br&sil, abordando

temas como a arbitragem envolvendo a Administração Pública e sociedades anônimas, o direito de escolha dos ár­

bitros, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos

casos de arbitragem, a carta arbitral c a sentença arbitr<~l , entre outros.

_D_I~ __ IT_O_E_A_~ __ IT_RA __ GE_M __ -_V_o_LU_ME_._l_I ______________________________________________ rl 205

tituto da arbitragem se disseminar e fortalecer exponencialmente, a ponto do Brasil se tornar referência no estudo e prática da arbitragem na América Latina· e no mundo.

Desta forma, como bem coloca Luca Radicati di Brozolo:

É quase inevitável que esse tema venha a ser corrente no Brasil, dada a combinação entre o entusiasmo com o qual o país abraçou a arbitragem e o papel crescente do direito da concorrência em transações privadas, tanto no Brasil quanto alhures.U

Com efeito, o entendimento atual é que métodos alternativos de resolução de disputas - e especialmente a arbitragem - têm um importante papel a desem­penhar na defesa da concorrência. Desta forma, vê-se que é do interesse geral das autoridades de defesa da concorrência promover uma cultura de enforce­ment privado do Direito Concorrencial, o que já é uma realidade estabelecida nos Estados Unidos da América,13 seguido por uma adesão cada vez maior da União Europeia. No Brasil, demandas reparatórias desta natureza ainda são raras, apesar de já existir incentivo legal para tanto.14

Neste sentido, se por um lado o aumento global do recurso à arbitragem como meio de resolução de conflitos empresariais complexos levou ao aumen­to de procedimentos arbitrais envolvendo matéria concorrencial, 15 também a promoção, por parte de autoridades de defesa da concorrência, do ajuizamento de demandas reparatórias colaborou para este mesmo resultado.

Em um primeiro momento, a discussão que ocupou a doutrina e a juris­prudência foi a da arbitrabilidade do Direito Concorrencial. Hoje, ainda que se entenda que esta questão está largamente superada, verifica-se que revisitar o debate traz esclarecimentos importantes para os problemas imediatamente se­guintes ao reconhecimento da arbitrabilidade, notadamente o de como proceder na aplicação deste direito em procedimentos arbitrais.

12

13

14

IS

DI BROZOLO, Luca Radica ti. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista Brasileira de Arbitragem, no 27,

2010, p. 177.

Como observam Daniela Monteiro Gabbay e Ricardo Ferreira Pastore, "em praticamente todos os casos em que

as autoridade antitruste americanas anunciam a investigação de um potencial cartel, ou que fizerem um acordo por

meio do qual as empresas confessaram terem participado de um cartel, há um movimento de ajuizamento de ações

buscando a reparação dos danos causados por estes cartéis." (GABBAY, Daniela Monteiro e PASTORE, Ricardo

Ferreira. Arbitragem e Outros Meios de Solução de Conflitos em Demandas Indenizatórias na Area de Direito da

Concorrência. Revista Brasileira de Arbitragem, n° 43,2014, pp. 16-17).

O art. 47 da LBDC dispõe que "os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de

11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais

homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de

indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será

suspenso em virtude do ajuizamento de ação".

Um dado interessante é que, atualmente, 111 países possuem um regime jurídico concorrencial específico, sendo que

a grande maioria foi instalada nos últimos 25 anos, período no qual houve um considerável aumento na utilização de

arbitragem e outras formas privadas de resolução de disputas (THEOBALD, Alexandra Mandatory Antitrust Law

and Multiparty International Arbitration. University of Pennsylvania Joumal of Intemational Law, V o!. 37, Iss. 3,

2016, p. 1060).

206 CLÁUDIO FINKELSTEIN (ÜRG.)

Aqui, várias são as questões que o árbitro pode se deparar: o árbitro tem o poder ou o dever de aplicar o Direito Concorrencial? Em que momento deve fazê-lo? De onde derivam tais prerrogativas? Pode aplicar o Direito Concorren­cial de oficio ou depende da provocação das partes? Como identificar os limites da atuação do árbitro em matéria concorrencial?

No contexto de procedimentos arbitrais internacionais, as dificuldades adquirem uma nova dimensão, impondo-se a questão de qual Direito Concor­rencial deve ser aplicado, e sob qual fundamento.

Assitn, no primeiro capítulo serão endereçados temas preliminares à apli­cação propriamente dita do Direito Concorrencial na arbitragem, como a na­tureza do Direito Concorrencial, o problema da sua arbitrabilidade e a questão do dever ou faculdade do árbitro de aplicar o Direito Concorrencial. Após, o segundo capítulo tratará da questão dos poderes e deveres do árbitro com rela­ção ao Direito Concorrencial e especialmente da fonte(s) de sua competência para julgar esta matéria.

O terceiro e último capítulo irá então abordar o problema das múltiplas jurisdições e o conflito de leis em matéria concorrencial, além da questão dos li­mites do poder ou competência do árbitro com relação ao Direito Concorrencial.

Por fim, um esclarecimento é devido. Como indicado, o presente trabalho se ocupará notadamente da arbitragem internacional, em oposição à arbitra­gem doméstica. 16 No entanto, ao passo que existe o que se pode identificar como uma ordem jurídica arbitral internacional, 17 não existe um 'Direito Con­correncial lnternacional'_IS Desta forma, será feita referência, quando cabível,

16

17

IR

Existem diversas teorias c correntes que buscam explicar a natureza da arbitragem internacional e distingui-la da

arbitragem doméstica. Em linhas gerais, pode-se identificar quatro critérios adotados por legislações e autores para

identificar o aspecto internacional de uma arbitragem: (i) o geográfico, que diz respeito à nacionalidade das partes

c ao país sede do procedimento arbitral; (ii) o econômico, relacionado à natureza da relação comercial subjacente

à arbitrdgcm; (iii) o geográfico-econômico, que conjuga os dois critérios anteriores; c (iv) a intcrnacionalidade da

relação jurídica, que se reporta à natureza jurídica do contrato no qual se insere a convenção de arbitrdgcm. O Brasil,

diferente do que ocorre em outros países, não diferencia a arbitragem em si entre doméstica c internacional, mas sim

distingue sentenças arbitrais nacionais de sentenças estrangeiras - todas aquclas proferidas fom do país, devendo ser

homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ") (BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem - Nos

Termos da Lei 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, p. 32).

No sentido de um sistema arbitral autônomo, que implica a desvinculação do árbitro internacional de qualquer jurisdi­

ção específica, ante a constatação de que árbitros que atuam no âmbito do comércio internacional não prestam uma tu­

tela jurisdicional em nome de um determinado país, mas exercem ftmção jurisdicional a serviço de toda a comunidade

internacional (GAILLARD, Emmanuel. Aspects philosophiques du droit de I 'arbitrage intemational. Lcidcn/Boston:

Les livres de poche de I'Académic de Droit Intcrnational de I'Hayc, Martinus NijhoffPublishcrs, 2008, p. 34). Deste

entendimento decorrem consequências importantes, como a de que o árbitro não possui foro (não existiria uma /ex

Jori arbitral) e de que árbitros não são vinculados a normas de conflito de leis de qualquer país. Sobre o tema, vale

transcrever o ensinamento de Thiago Marinho Nunes: "A ordem jurídica arbitral surge na medida em que, conforme

a teoria autonomista da arbitragem; há a prevalência das regras materiais, a não interferência das regras de conflito da

sede da arbitragem e a autonomia da sentença arbitral, que, por ser um resultado da justiça internacional, é executada

em qualquer território, independentemente de sua eventual anulação das jurisdições da sede da arbitrdgem" (NUNES,

Thiago Marinho. Arbitragem e Prescrição. Ia Ed. , São Paulo, Atlas, 2014, p. 47).

É possível imaginar um paralelo entre o Direito do Comércio Exterior c a ideia de um 'Direito Concorrcnciallntcr­

nacional', ao passo que ambos parecem resvalar nos mesmos temas c possuir áreas em comum. No entanto, não se

_)I_RE_I_lO __ E_~ ___ IT_RA_G_E_M __ -V __ o_LU_ME~I=I----------------------------------------------~1 207

)ra à legislação americana de direito da concorrência, ora à europeia e ora à )fasileira (as primeiras duas em razão de sua relevância tanto para o Direito :=oncorrencial quanto para o Direito Arbitral, e a terceira por motivos óbvios ie proximidade e conveniência).

1. NATUREZA E ARBITRABILIDADE DO DIREITO CONCORRENCIAL

1.1. A natureza jurídica do Direito Concorrencial

Antes de adentrar propriamente as discussões atinentes à intersecção entre :oncorrência e arbitragem, é de seminal importância a tarefa de conceituar o Jireito Concorrencial e enquadrar sua natureza jurídica. Como se verá, a ques­:ão da natureza do Direito Concorrencial tem implicações diretas em temas :orno a sua arbitrabilidade objetiva, a extensão dos poderes do árbitro em apli­:ar o Direito Concorrencial, os limites de revisão judicial de sentenças arbitrais 1ue envolvam matéria concorrencial, entre outros.

Neste momento, cabe analisar brevemente o propósito deste ramo do di­·eito. Em linhas gerais (que podem variar de acordo com a escola de pensamen­:o adotada ou a jurisdição considerada), 19 a defesa da concorrência tem como

pode confundir estes dois ramos do Direito, que não somente possuem objetivos diversos como também diferentes

destinatários -os destinatários da norma concorrencial são, via de regra, as pessoas jurídicas de direito interno (entes

privados, predominantemente), enquanto que o Direito do Comércio Exterior se insere no campo do Direito Interna­

cional Público c é dirigido, essenciahnentc, a Estados. Em que pese a inexistência de um sistema concorrencial inter­

nacional posto, bem como as evidentes dificuldades e desafios que tal empreendimento encontraria, discussões acerca

do tema ressurgem regularmente na doutrina, com propostas sendo lançadas por autores preocupados com a falta de

harmonia entre as ordens concorrenciais nacionais (para um exemplo, ver: GUZMAN, Andrcw. The Case for Inter­

national Antitrost, 22 Berkeley J. Int'l Law. 355, 2004, Disponível em: http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil!vol22/

iss3/2. Acesso em 19.04.2017). Vale notar, já houve inclusive um "Anteprojeto do Código Antitruste Internacional",

também conhecido como Código de Munique, elaborado em 1993 e que se tencionava integrar no arcabouço legal da

então embrionária Organização Mundial do Comércio ("OMC"). Para um relato deste episódio, ver: LIMA E SILVA,

Valéria Guimarães. Direito Antitrnste - Aspectos Internacionais. 1" Ed., Rio de Janeiro, Juruá, 2006, p. 475 e ss.

A maior divergência teórica sobre os objetivos do Direito Concorrcncial vem dos Estados Unidos da América e

opõe as chamadas Escola de Harvard e Escola de Chicago, sendo que as ideias e conceitos lançados neste embate

continuam a pautar a discussão referente aos rumos da disciplina. A primeira corrente, também chamada de "estnl­

turalista", tem como premissa que as empresas que detém poder econômico irão usá-lo para implementar condutas

anticompetitivas. Desta forma, mercados concentrados e restrições verticais são vistos com grande desconfiança, bus­

cando-se a pulverização de agentes econômicos e um controle rigoroso das estruturas do mercado. A partir de 1980,

passa a predominar a Escola de Chicago, que subverte o entendimento da disciplina antitruste de até então. Calcada

nas lições de Aaron Director e Ronald Coase, a corrente traz a análise econômica ao estudo do Direito Concorrencial

e passa a contestar diversos fundamentos da Escola de Harvard, como a ilicitude dos acordos verticais, a teoria tra­

dicional dos preços predatórios e a hostilidade às concentrações. De modo gemi, o pensamento chicagoano defende

o menor grau possível de regulamentação da economia pelo Estado, e propõe que o Direito Concorrencial como um

todo deve ser pensado em termos de "eficiência alocativa", a busca da qual sempre beneficiaria consumidores. Após

a crise de 2008, um movimento revisionista, ou "Pós-Chicago", ganhou força nos Estados Unidos, amealhando nomes

de peso entre os acadêmicos do país para criticar a "simplicidade enganosa" do primado da eficiência como concebido

originahnente pelos teóricos da Escola de Chicago, bem como os riscos advindos da regulação mínima da econo­

mia. Para uma visão gemi sobre a discussão e seus desdobramentos, ver: FORGIONI, Paula. Op. cit., pp. 165-179;

208 ~~---------------------------------------------------C_L_A_·u_o_Jo_F_m_KE __ L_srn __ m_(~O~R~G~.) função principal coibir abusos de poder econômico e promover um ambiente competitivo nos mercados por ela tutelados, buscando implementar uma polí­tica de concorrência que proteja interesses individuais e coletivos da sociedade, por meio de inovação tecnológica, redução de preços, melhoria na qualidade de produtos, etc.20

A consecução destes objetivos se dá através de três eixos fundamentais: o preventivo (controle de estruturas de mercado que possam levar à concentração econômica ou ao exercício abusivo de posição dominante), o promocional/ educativo (disseminação e fortalecimento da cultura da defesa da concorrência junto a consumidores, empresas e a sociedade em geral) e o repressivo (investi­gação e imposição de penalidades a agentes econômicos que pratiquem condu­tas anticoncorrenciais ). 21

A dimensão repressiva do Direito Concorrencial pode se dar nas esferas administrativa, criminal e civil. Nesta última se encontram as demandas repa­ratórias de danos causados por práticas anticoncorrenciais, como a formação de carteis,22 ou condutas unilaterais como a venda casada, abuso de posição dominante, imposição de preços de revenda, recusa de contratar, entre diversas outras. Trata-se do chamado "enforcement privado do Direito Concorrencial", contexto no qual se insere a arbitragem.

Conforme já dito, o Direito Concorrencial tem caráter eminentemente público, e é comumente associado à noção de ordem pública ou de norma imperativa. Especificamente no contexto da arbitragem, estas duas expressões costumam ser empregadas como sinônimos ou de maneira intercambiável pela doutrina e pela jurisprudência.

No entanto, em que pese a proximidade entre os conceitos, importa que sejam definidos e distinguidos, de maneira que o enquadramento da natureza jurídica do Direito Concorrencial seja realizado de forma precisa.

20

2 1

22

HOVENKAMP, Hcrbcrt. Fedem! Antitrust Policy, Thomson West, 3" Ed., 2005, p. 59 e ss. c SALOMÃO FILHO, Calixto.

Direito Concorrencial, 1" Ed., São Paulo, Malhciros, 20 I 3, p. 39 c ss. Já em tcnnos de política pública, pode-se dizer que os

Estados Urúdos da América, influenciado largamente pelo idcário da Escola de Chicago, Meia acima de tudo a eficiência

econômica, do que decorre uma postum menos intcrvenciorústa das autoridades anti truste c uma maior lcniência com relação

a cstrutums que poderiam ser considcmdas anticompctitivas em outms jurisdições, sem prejuízo de um vigoroso combate a

condutas anticoncorrenciais, especialmente cartéis. Na Urúão Europcia, por outro lado, entende-se que a disciplina da con­

corrência é instmmental, ou seja, não é um bem a ser tutelado em si mesmo, e sim um meio pam se atingir determinados fins

previstos na "constituição" europeia, notadamente a integmção entre mercados-membros e o equilíbrio econômico do bloco.

Em termos práticos, isto se tmduz em uma postum mais rigorosa dos reguladores europeus no controle de estruturas, bem como em uma defesa mais afirrnativa de empresas de menor porte (FORGIONI, Paula Op. cit., pp. 176-183).

GABBAY, Daniela Monteiro e PASTORE, Ricardo Fcrreird. Op. cit., p. 8.

lbid., p. 13.

Paula Forgioni, calcada na lição de Nelson de Azevedo Branco e Celso de Albuquerque Barreto, define a conduta

de cartel da seguinte forma: "O cartel representa um acordo, um ajuste, uma convenção, de empresas independentes,

que conservam, apesar desse acordo, sua independência administmtiva c financeira. ( ... )O cartel tem como precípuo

objetivo eliminar ou diminuir a concorrência e conseguir um monopólio em determinado setor da atividade econômi­

ca. Empresários agrupados em cartcl têm por fmalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja na

aquisição da matéria prima, seja a conquista dos mercados consumidores, operando-se, desta forma, a eliminação do

processo normal da concorrência" (FORGIONI, Paula. Op. cit., p. 338).

_D_I~--~~_o_E_~ ___ IT_RA_G_E_M_-_V __ oL_U_ME __ I_I ____________________________________________ -+, 209

1.1.1. Ordem pública

O conceito de ordem pública é de notória dificil definição. Ainda em 1824, o juiz inglês James Burrough comparava a noção de ordem pública a um "cavalo desgovernado", que pode levar o intérprete incauto a direções impre­visíveis ou indesejadas.23 Já para Jacob Dolinger, o princípio de ordem pública "é de natureza filosófica, moral, relativa, alterável e, portanto, indefinível."24

De todo modo, opiniões convergem no entendimento de que a ordem pública é um reflexo dos valores essenciais de um sistema político-jurídico, expressando a moral básica de um Estado através de um esquema normati­vo articulado por meio de preceitos, princípios e regras.25 Assim, na lição de Eros Grau "as normas de ordem pública estão voltadas à preservação das condições que asseguram e sobre as quais repousa a estrutura orgânica da sociedade" .26

A fluidez de conceitos como "moral básica" de uma nação implica uma dificuldade óbvia: o básico e fundamental para a moral sociopolítica de um Es­tado não é permanente, mas sim um produto do tempo e das circunstâncias em que se encontra determinada sociedade.27 Justamente por isso, cabe ao julgador no caso concreto verificar se há ou não violação à ordem pública, reservando­-se a ele a missão de precisar os contornos deste conceito no lugar e momento histórico em que profere sua decisão.

Neste sentido, há quem defenda que a ordem pública constitui a principal limitação à autonomia privada de partes contratantes.28 No contexto específico da arbitragem, sabe-se que a Convenção de Nova York atribui considerável peso à ordem pública (mais especificamente, à sua violação) como fator a ser levado em conta no reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras.29

23

24

zs

26

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!8

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"I, for one, protest, as my Lord has done, against arguing too strongly upon public policy. lt is a very unruly horse, and

once you get astride it you never know where it will carry you. It may lead from sound law." (Richardson v. Mellish,

Court o f Common Pleas, UK, 1824).

DOLINGER, J. A autonomia da vontade para a escolha da lei aplicável no direito internacional privado. In LEMES,

S.F.; CARMONA, C.A.; MARTINS, P.B. Arbitrdgem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva

Soares, São Paulo, Atlas, 2007.

VERA, E.P. "E/ concepto de orden pública en e/ derecho internacional" in XIII Congreso dei Instituto Hispano Luso

Americano de Derecho Internacional (IHLADI). Lima, 1982.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo, Malheiros, 15a Ed., 2012, p. 62.

Abordando a questão por outro ângulo, a civilista Maria Helena Diniz entende que a ordem pública constitui o "pa­

trimônio espiritual do povo, por refletir seus hábitos, suas tmdições, sua liberdade, suas ideias políticas, econômicas,

religiosas, morais, seus direitos fundamentais em determinada época c lugar." (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdu­

ção ao Código Civil Interpretada. 12a Ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 424).

FURLAN, M. A Autonomia da Vontade nos Contratos Internacionais e suas limitações. Dissertação de Mestrado

pela Faculdade de Direito da Pontificia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2004. p. 153.

MERCADAL, B . Ordre Public et Contrai International. Droit et Pratique du Commerce Intemational. Vol. 3, 1977.

pp. 457-468. "Artigo v( ... ) 2. O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral também poderão ser recusados caso a

autoridade competente do país em que se tenciona o reconhecimento e a execução constatar que:

( ... )

210 CLÁUDIO FINKELSTEIN (ÜRG

Da mesma forma, o artigo 36 da Lei Modelo de Arbitragem Internacionc: ("Lei Modelo") da Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comérci• Internacional ("UNCITRAL", na sigla em inglês) elenca hipóteses em que o n conhecimento e execução de uma sentença poderão ser negados a requeriment• de uma das partes em uma arbitragem e, quando se refere à hipótese de orden pública, permite às cortes estatais o reconhecimento de oficio de sua ofens para fins de indeferir o reconhecimento e a execução de determinada sentenç arbitral.3° Em todos os casos, a essência da proteção ao princípio de ordem pí blica é destinada às situações onde existe violação aos valores essenciais à mora e à justiça na potencial execução da sentença arbitral. 31

1.1.2. Normas imperativas

Em um plano menos abstrato, temos as normas imperativas. Também d~ nominadas "normas cogentes", "leis de polícia" (!ois de police), podem ser defi nidas como aquelas que reclamam aplicação imediata a determinado caso, nã' podendo ser afastadas pela vontade das partes. 32 Segundo Phocion Francescakü normas imperativas seriam aquelas que visam a preservação da organizaçã1 política, social ou econômica de um Estado.33

Assim como no caso da ordem pública, trata-se de um conceito abertc cujo conteúdo é usualmente determinado pelo julgador diante do caso concn to.34 No entanto, é possível buscar orientação em diplomas legais que tratan do tema, como o Regulamento da União Europeia nº 593/2008 sobre a Le Aplicável às Obrigações Contratuais, cujo artigo 92 dispõe que:

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As normas de aplicação imediata são disposições cujo respeito é considerado fundé mental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a su organização política, social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação en

b) o reconhecimento ou a execução da sentença seria contrário à ordem pública daquele país. .

"Artigo 36. Fundamentos de recusa do reconhecimento ou da execução.

(1) O reconhecimento ou a execução de uma sentença arbitral, independentemente do país em que tenha sido profe

rida, só pode ser recusado:

( ... ) (b) O tribunal estatal constatar:

( ... )

(ii) Que o reconhecimento ou a execução da sentença contrariam a ordem pública do presente Estado."

LJVINGSTONE, M.L. Party Autonomy in International Commercial Arbitration: Popular Fallacy or Proven Fact!

Journal oflntemational Arbitration, vol. 25, Issue 5, Kluwer Law International, 2008. pp 529-536.

MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. Regras imperativas e arbitragem internacional: por um direito transaciont"

privado? Revista de Arbitragem e Mediação, Vol 19, 2008, p. 13.

FRANCESCAKIS, Phocion. Quelques précisions sur les "/ois de application imédiate" et leurs raports avec /e

regles de conjlit des /ois. Rev. Crit. DIP, 1966, p. 1.

RACINE, Jean-Baptiste. Arbitrabilité et Lois de Police. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 23, 2009, p. 80.

_D_•~ __ ,TI) __ E_Puw ___ •T_RA __ GE_M __ -_V_o_Lu_ME __ I_I ______________________________________________ ~I 211

qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do presente regulamento.

O terceiro inciso do mesmo artigo também fornece esclarecimentos im­portantes sobre o tema, dispondo que poderá ser dada efetividade às normas imperativas do país no qual as obrigações decorrentes do contrato devem ser ou foram executadas, na medida em que tais normas imperativas tornariam ilegal a execução do contrato.35

Pode-se concluir, assim, que normas imperativas se definem menos por seu conteúdo do que pelos efeitos que produzem nas relações jurídicas, dois dos quais são de particular interesse para o presente estudo.

O primeiro seria a obrigatoriedade de sua observância e aplicação, o que, por sua vez, possui dois desdobramentos: a impossibilidade de disposição e transição do conteúdo de tais normas por particulares, e a subtração destas normas do campo de discricionariedade do julgador.

O segundo efeito advindo da ponderação de normas imperativas, espe­cificamente no contexto de uma relação jurídica processual, é a alteração da dinâmica "usual" das regras de conflito de leis,36 entendidas como as regras às quais se reportam juízes ou árbitros para determinar a lei aplicável ao mérito de uma disputa.37 Estas regras, que variam de um ordenamento jurídico ao outro, preveem fatores de conexão que atraem a aplicação de uma determinada legis­lação à relação jurídica material sub judice, como, por exemplo, a autonomia das partes (escolha de lei aplicável ao contrato), o critério da territorialidade, da especialidade da matéria, etc.

A "perturbação" do esquema tradicional de regras de conflito se dá na medi­da em que as normas imperativas, por serem de aplicação imediata e obrigatória, possuem a vocação de reivindicar sua competência segundo critérios próprios, ainda que não pertençam ao ordenamento jurídico designado pela regra de confli­to aplicáveP8 Este é o chamado princípio da "autoconexão" de normas cogentes

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"Artigo 9°. ( ... ) 3. Pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da le i do país em que as obriga­ções decorrentes do contrato devam ser ou tenham sido executadas, na medida em que, segundo essas normas

de aplicação imediata, a execução do contrato seja ilegal. Para decidir se deve ser dada prevalência a essas

normas, devem ser tidos em conta a sua natureza e o seu objecto, bem como as consequências da sua aplicação

ou não aplicação." "( ... ) les lois de police sont d' une imperativité tcllemcnt forte qu'elles sont aplicablcs dans l'ordre intemational quelle

que soit la loi normalement competente." (RACINE Jean-Baptiste. Droit économique etlois de police. Revue intcr­

nationale de droit économique, 112010, p. 8 1).

Na definição de Maria Helena Diniz, regras de conflito são "normas especiais ditadas por um ou mais estados (em

razão de tratado), nos limites de sua competência legislativa, para resolver conflito de lei interspacial, determinando a

lei aplicável à relação jurídica que contiver um ou alguns elementos estrangeiros" (DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p.

22). Neste sentido, a indicação da lei aplicável é feita mediante elementos de conexão, defmidos por Irineu Strenger

como "expressões legais de conteúdo variável, de efeito indicativo, capazes de permitir a determinação do direito que deve tutelar a relação jurídica em questão" (STRENGER, Irineu. Curso de Direito Internacional Privado. 2a Ed., Rio

de Janeiro, Forense, 1978, p. 386).

lbid. p. 81.

212 4~---------------------------------------------------C_L_Ã_u_o_Io_F_m_KE __ ·L_s~ __ m_(~O-~_G~.) (auto-rattachement des lois d'application immédiate), desenvolvido principalmen­te na doutrina francesa de Direito Internacional Privado.39

1.1.3. A articulação dos conceitos de ordem pública e norma imperativa e a relação com o Direito Concorrencial

Uma relação possível entre os conceitos de ordem pública e norma im­perativa, proposta por Jean-Baptiste Racine, é ver nas normas cogentes um instrumento de efetivação da tutela à ordem pública de determinado país.40

Analisando a questão por outro ângulo, o autor afirma em um diferente traba­lho que as normas imperativas seriam uma ilustração do princípio da ordem pública no plano internacional.41

Claire Debourg propõe que, ainda que tanto a ordem pública como as normas imperativas interfiram na aplicação da lei normalmente aplicável a uma dada relação jurídica, os dois conceitos atuam de modo e em momentos diferentes. Assim, a ordem pública seria invocada visando afastar lei ou decisão estrangeira contrária ao seu conteúdo, enquanto que a norma imperativa seria aplicada preventivamente, visando justamente resguardar a coerência da ordem pública à qual esteja associada.42

Qyanto às semelhanças, pode-se dizer que tanto regras com natureza de ordem pública como normas imperativas são tidos como limites à autonomia da vontade das partes no plano internacional43

De se indagar, neste momento, como se coloca o Direito Concorrencial nesta discussão eminentemente teórica.

Calixto Salomão Filho identifica a ordem concorrencial com o que chama de "Constituição Econômica"44 de um Estado, ou seja, o conjunto de direitos

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43

44

Neste sentido, ver: MA YER, Pierre. Le phénomene de la coordination des ordres juridiques étatiques en droit privé.

Cours general de droit intemational privé, em Colleeted Courses oflhe Hague Academy of Intcmational Law, VoL

327,2007, p. 180.

RAC1NE Jcan-Baptiste. Droil économique Op. cit., p. 81.

RACINE, Jean-Baptiste. Op. cit. , p. 81.

DEBOURG, Claire. Normas Imperativas e Arbitragem lntemacional. Revista de Arbitragem c Mediação, voL 40,

2014, p. 288.

No contexto da arbitragem internacional, Alan Redfcm c Martin Huntcr propõe que os limites à vontade das partes

poderiam ser encontrados nos seguintes elementos: tratamento igualitário entre as partes, ordem pública (public

policy), disposições inderrogáveis das regras escolhidas para a arbitragem, c interferência com relação a terceiros

(BLACKABY, Nigcl; PARTASIDES, Constantinc; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Redfem and Hunter on

Intemational Arbitration. 6'h Edition, Oxford Univcrsity Press, 2015, pp. 356-358). Interpretação semelhante é a de

Jane Jcnkins , que elcnca os seguintes elementos que não poderiam ser violados pelas partes no exercício da aludida

autonomia: princípios atinentes ao "devido processo legal", especialmente a independência c imparcialidade dos árbi­

tros, tratamento igualitário conferido às partes c oportunidade de ser ouvido; ordem pública (public policy) c normas

de aplicação imperativa na sede da arbitragem; regras institucionais aplicáveis; c o princípio de que o procedimento

arbitral não pode ter impacto sobre terceiros (JENKINS, Janc. Intemational Conslruction Arbitra/íon Law. zoo Edi­

tion. Arbitration in Contcxt Scrics, Volume 3, Kluwer Law 1ntemational, 2013. pp. 157-161).

Segundo o autor, o termo "Constituição" deve ser entendido como um indicativo do nível mínimo de regulamentação

para o funcionamento do sistema econômico escolhido, c não confundido com a idcia formal de "constituição" como

_D_I~ __ IT_O_E_A_~_I_T_RA_G_E_M_-_V_o_L_UME __ l_l ____________________________________________ +l 213

fundamentais e garantias institucionais que conformam o sistema econômico de um dado país.45 Eros Grau, por sua vez, traz o conceito de "ordem pública econômica", a qual compreenderia o conjunto de medidas, empreendidas pelo poder público, tendentes a organizar as relações econômicas.46

Tratando especificamente do caso brasileiro, Eros Grau destaca o caráter de "princípio constitucional impositivo" do princípio da livre concorrência previsto no art. 170, N da Constituição Federal de 1988, o qual, juntamente com os princípios da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder econômico, for­mariam a ideologia constitucional adotada pela Constituição brasileiraY

A importância da livre concorrência no ordenamento jurídico brasileiro é reforçada pelo caráter instrumental que possui o Direito Concorrencial no País. Segundo Paula Forgioni, isto quer dizer tanto o uso das regras concorren­ciais para servir à implementação de políticas econômicas, quanto a promoção, através dos princípios da livre concorrência e livre iniciativa, de fins maiores como a dignidade humana e a justiça social.48

A natureza constitucional (no sentido de "fundamental") econômica do Direito Concorrencial pode ser demonstrada de modo mais expressivo no caso europeu, mais especificamente no Tratado de Funcionamento da União Eu­ropeia ("TFUE"), instrumento fundador da ordem político-jurídica da União Europeia.49 As regras concorrenciais do TFUE constituem um dos eixos funda­mentais do sistema europeu, a ponto do Tribunal de Justiça da União Europeia já ter afirmado que a manutenção de concorrência efetiva é tão essencial que, sem ela, diversos dispositivos do Tratado perderiam o sentido.50

Como se vê, o Direito Concorrencial pode ser (e, via de regra, será) enten­dido como um componente da ordem pública de qualquer Estado que se queira uma economia de mercado, na medida em que traduz um valor essencial deste modelo de organização jurídico-econômica. 51 Na mesma linha, determinadas

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lei fundamental de um ordenamento juridico - neste particular, dá-se o exemplo do sistema norte-americano, no qual

as normas concorrenciais jamais fizeram parte da constituição (SALOMÃO FrLHO, Calixto. Direito Concorrencial.

Malheiros, la Ed. , 2013, p. 37).

SALOMÃO FILHO, Calixto. Op. cit., pp. 37-38. Deve-se ressaltar, porém, que, segundo o autor, esta identificação

não seria completa ou absoluta, na medida em que o Estado introduz, pelo menos em certas áreas, urna forma de

organização das relações econômicas que não se rege pela lógica concorrencial.

GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 60.

GRAU, Eros Roberto. Op. cit., pp. 208-209.

FORGIONI, Paula. Op. cit. , pp. 187-189.

SALOMÃO FILHO. Calixto. Op. cit., p. 37.

'The maintenance of effective competition isso esscntial that without it numerous provisions ofthe Treaty would be

pointless" (Caso 6/72, Europemballage and Continental Can v Commission, 1973. Citado em: ROTH, Peter e ROSE,

Vivien (Ed.), Bellamy & Child - European Community Law ofCompetition. 6a Ed, Oxford, Oxford University Prcss,

2008, p. 40). No mesmo sentido, Herbert Hovenkamp, um dos gr.mdes teóricos do Direito Concorrencial norte-americano atual­

mente, afirma categoricamente que "federal antitrust law represents thc public economic policy o f the United States"

(HOVENKAMP, Herbert. Op. cit., p. 766).

214 +'---------------------------------------------------C_L_A_u_oi_o_F_m_KE __ L_sru __ IN_(~O-~_G~.) normas que compõe o Direito Concorrencial podem ser (e, via de regra, serão) consideradas normas imperativas, na medida em que se mostrarem essenciais para a preservação da organização econômica do Estado que adote este valor.52

Desta constatação decorrem diversas consequências importantes no âm­bito da arbitragem envolvendo o Direito Concorrencial, que serão explorados nos próximos tópicos.

1.2. A questão da arbitrabilidade do Direito Concorrencial

Foi mencionado na introdução que a questão da arbitrabilidade do Di­reito Concorrencial estaria superada. Esta é, de fato, a posição dominante na maioria dos países habituados à realidade de procedimentos arbitrais envolven­do matéria concorrencial.53 Não obstante, a análise do assunto segue sendo de extrema relevância tanto teórica quanto prática, na medida em que se relaciona diretamente com a questão da definição dos limites da jurisdição do árbitro em matéria concorrencial.54

Antes, porém, cabe realizar uma breve introdução ao tema da arbitrabi­lidade em si, entendida como a possibilidade de que uma dada disputa seja submetida à arbitragem. Abordando o tema pelo ângulo negativo da "não arbi­trabilidade", Gary Born ensina que o conceito se aplica a "categories of subjects or disputes which are deemed by a particular national law to be incapable of resolution by arbitration, even if the parties have otherwise validly agreed to arbitrate such matters".55

Adotando viés oposto, Carlos Alberto Carmona aduz que:

São arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Es­tado não crie reserva específica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem.56

A doutrina estrangeira destaca que são dois os conjuntos de restrições que podem limitar a utilização do instituto da arbitragem. A primeira restrição diz

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SJ

S4

ss

S6

No entanto, é importante pontuar que nem sempre haverá uma identificação completa entre uma norma imperativa e

a ordem pública de um determinado Estado, o que será melhor explicado adiante.

CARA VACA, Alfonso-Luis Calvo e RODRIGO, Juliana Rodriguez. Arbitraje y Derecho Europeo de la Competen­

cia: Viejos Problemas y Nuevos Dilemas. Estudios de Deusto, vol. 53, 2005, p 320.

"In other words, arbitration is the mechanism by which the State, to whom the judicial ftmction pertains, delegates

part of its jurisdictional power to private parties. Accordingly, thcre is a need for clarity regarding the exact boundar­

ies within which an arbitrator may Icgitimatcly exercisc hisjurisdictional power in the light of thc fact that arbitmtion

constitutcs a parallel and from an cffccts-bascd approach an cquivalcnt proccdurc comparcd to the statc judicial con­

trol" (ROUSSOS, Antonis. Private antitrust enforcement in arbitration proceedings: theory and practice. Univcrsity

o f Amsterdam, 2012, p. I. Disponível em: filc:///C:/Uscrs/LJZJDownloads/roussos.pdf. Acesso em 07/04/20 17.).

BORN, Gary B.lnternational Arbitration: Law and Practice. 2nd cd., KJuwcr Law Intcmational, 2016, p. 943.

CARMO NA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário à lei nu 9.307196. 3" cd. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009. p. 39.

_D_I~ __ Ilú __ E_A_~ __ IT_RA_G_E_M_-_V_o_L_U_ME __ li ____________________________________________ 4-, 215

respeito à disposição de uma dada jurisdição em permitir tal forma privada de resolução de conflitos, ou seja, admitir a arbitrabilidade objetiva (referente à ma­téria ou objeto) e subjetiva (referente à qualificação das pessoas) de controvérsias. Já a segunda restrição diz respeito à vontade das partes, ou seja, a delimitação do escopo da matéria submetida à arbitragem pelas partes contratantes.57

Com relação a arbitrabilidade objetiva, a doutrina destaca que existem três critérios principais de arbitrabilidade, adotados de forma exclusiva ou cumu­lativa por diferentes países: a ordem pública, a disponibilidade do direito e a patrimonialidade.58 Há países, ainda, principalmente os de tradição anglo-saxô­nica, que não têm qualquer critério de arbitrabilidade previsto em lei, sendo este construído por via jurisprudencial.59

Em vista justamente disso, como bem destaca Laurence Idot, a questão da arbitrabilidade objetiva do Direito Concorrencial se manifestou de dife­rentes formas em diferentes países, recebendo soluções igualmente distintas.60

O presente capítulo será dividido, portanto, de forma a abordar o tratamento da questão nos Estados Unidos da América, na União Europeia e no Brasil. Finalmente, serão analisados os novos rumos do problema da arbitrabilidade objetiva do Direito Concorrencial e as consequências práticas que a questão pode ter no curso de um procedimento arbitral.

1.2.1. Estados Unidos da América

Um dos primeiros países a lidar com a questão da arbitrabilidade objeti­va do Direito Concorrencial foi, não surpreendentemente, os Estados Unidos da América. Até a década de 1980, o entendimento predominante no país era que litígios envolvendo matéria concorrencial (regulada primordialmente pelo Sherman Act de 1890) não poderiam ser submetidos à arbitragem, o que se fundava essencialmente em uma profunda desconfiança acerca dos métodos privados de solução de controvérsias.61

S7

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60

61

"Two sets o f constraints, tmder arbitration laws, may limit the use o f arbitration in compctition Iaw in the futurc. The

first constraint concems the willingness o f the jurisdiction to tolcratc and acccpt this priva te form o f judicial procecd­

ing, therefore admitting the arbitrability o f disputes in this regard. The sccond constraint concems the will o f the

partics: thc use of this private form oflegal proceeding is possiblc only because the partics wanted it, hence the need

for an arbitration agreement." IDOT, Laurence. Arbitration and competition law. In: Organização pam Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE). Arbitration and Competition (Hearings). Paris, 2010. pp. 55-56. Disponível

em: <http://www.oecd.orgldaf7competitionlabuse/49294392.pdt>. Acesso em: 17.04.2017.

CARAMELO, António Sampaio. Critérios de Arbitrabilidade dos Litígios: Revisitando o tema. Revista de Arbitra­

gem e Mediação, n. 27, 2010, pp. 129-161.

TRABUCO, Cláudia; GOUVEIA, Mariana França. A arbitrabilidade das questões de concorrência no direito por­

tuguês: the meeting oftwo black arts. In Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreim de Almeida

_ Volume 1. Oreganizadores: Rui Pinto Duarte, José Lebre de Freitas, Assunção Cristas, Marta Tavares de Almeida.

Coimbra: Almedina, 2011, pp. 451-452.

IDOT, Laurence. Op. cit., p. 52. 0 sentimento de hostilidade com relação à arbitragem pode ser constado nas razões apresentadas pela Suprema Corte

dos Estados Unidos ao decidir pela impossibilidade de se arbitrar disputas relativas ao Securities Act de 1933 (lei de

216 CLÁUDIO FINKELSTEIN (ÜRG.) +-----------------------------------------------------------~--~

Esta tendência, sintetizada na chamada "jurisprudência American Safoty",62 foi revertida com o julgamento do emblemático caso Mitsubishi pela Suprema Corte an1ericana em 1988.63 O caso envolvia, de um lado, Mitsubi­shi Motors Corp., uma joint-venture entre Mitsubishi Heavy Industries, Inc. e Chrysler International S.A. e, de outro, sua revendedora de veículos localizada em Porto Rico, Soler Chrysler-Plymouth Inc. As partes haviam firmado um contrato de distribuição aplicando a lei japonesa e contendo uma convenção de arbitragem determinando que esta deveria ser realizada no Japão a fim de diri­mir quaisquer controvérsias resultantes do contrato. No entanto, após o surgi­mento de uma disputa, a companhia porto-riquenha se recusou a participar de procedimentos arbitrais, o que motivou Mitsubishi a ajuizar uma ação perante as cortes americanas obrigando Soler a honrar a cláusula compromissória. Soler se defendeu argumentando não ser possível arbitrar a disputa entre as partes em razão da existência de reinvindicações contrapostas referentes à supostas violações ao Sherman Act americano.

Na Suprema Corte, contrariando os argumentos adotados até então,64

decidiu-se pela possibilidade de se submeter matérias afeitas ao Direito Concor­rencial à arbitragem, dando-se como fundamentos a necessidade de observância do princípio de comitas (deferência à jurisdição e julgamentos proferidos por outros países e autoridades soberanas), o respeito pelas capacidades de tribunais estrangeiros ou transnacionais, e a consideração pela necessidade de previsibili­dade na resolução de disputas no sistema comercial internacional.65

Além disso, o caso estabeleceu o standard por excelência de revisão judi­cial de sentenças arbitrais que aplicam o Direito Concorrencial, batizado de doutrina da "segunda revisão" (second look doctrine). Segundo este critério, tribunais deteriam a prerrogativa de proceder a um reexame mais aprofundado da sentença produzida pelo árbitro e que envolvesse matéria concorrencial, de forma a se certificar que as questões atinentes ao Direito Concorrencial foram suscitadas e lidadas de maneira apropriada, sem que isto implicasse em uma revisão do mérito ou dos fatos do caso.66

(o2

63

6S

66

valores mobiliários americana) no caso Wilko, que por muito tempo ditou a questão da arbitrabilidadc no país: "the

inadcquacy o f arbitrators to conceive the legal meaning o f the statutory requirements o f the said Act, the possibility

that their award may bc without explanation of their reasons and without a complete rccord of thcir procccdings, as

well as the limits ofthe judicial revicw under thc Federal Arbitration Act" (Wilko v. Swean, 346 U.S. 427, 1953).

Batizada a partir do caso American Safety Equipment Corp., v . . f P. Maguire & Co., inc. 391, U .S. 82, 1967.

Mitsubishi Corp. Solers v. Soler Chrysler Plymouth, 473 US 614, 1985.

Laurcnce Idot resume os três principais argumentos até então empregados pelas cortes: "nature ofpublic policy of

antitrust law; lhe fac! that the judicial system was bctter equipped to dcal with the complexity o f antitrust litiga­

tion; and the risk that arbitmtors would favour business interests at the ex pense general intcrcst" (IDOT, Laurcnce. Op. cit. , p. 56).

Mitsubishi Corp. Solers v. Soler Chrysler Plymouth.

DI BROZOLO. Luca Radicati, Op. cit. , p. 4. Como exemplo de outros casos aplicando este standard de revisão, pode­

se citar: Baxter lnt 'l vs. Abbott Laboratories, 315 F. 3d 716 (2003) e American Central Eastern Texas Gas Company

vs. Union Pacific Resources Group , 2004, U.S. App. Lcxis 1216 (5th Cir. 2004).

_0_I~ __ nu __ E_ARB ___ IT_RA_G_E_M_-_V_o_L_UME __ · l_l ____________________________________________ 4-, 217

A grande dificuldade aqui, como se vê, reside na natureza de ordem públi­ca do Direito Concorrencial e na necessidade de se compatibilizar a inviolabi­lidade desta ordem pública com os princípios de definitividade e neutralidade da arbitragem e a proibição de uma revisão do mérito de sentenças arbitrais.67

Assim, como coloca Luca Radicati di Brozolo, a aplicação do Direito Concorrencial pelo árbitro passou, após o caso Mitsubishi, a constituir verda­deiro corolário do reconhecimento da arbitrabilidade da matéria, sendo que "a arbitrabilidade do direito da concorrência é baseada largamente na suposição de que normas antitruste serão aplicadas pelo árbitro".68 Ao mesmo tempo, porém, se reconhece que esta "concessão" das cortes judiciais somente é feita na presunção de que o juiz estatal terá a última palavra acerca da aplicação do Direito Concorrencial, apenas na medida necessária para evitar o risco de "vio­lações sérias e evidentes de princípios fundamentais".69

Entretanto, apesar de ter significado um verdadeiro divisor de águas na ar­bitrabilidade do Direito Concorrencial, o caso Mitsubishi deixou aberta a ques­tão dos limites da atuação do árbitro no tratamento de matéria concorrencial.70

É neste ponto que a discussão é retomada na Europa, aonde se viu avanços interessantes na busca por respostas a indagações desta natureza.

1.2.2. Europa

Em que pese a questão da ordem pública ter sido tratada somente de for­ma tangencial nos Estados Unidos da América (tendo sido desenvolvida mais por acadêmicos discutindo as decisões do que pelas decisões em si), este foi o ponto nevrálgico da discussão acerca da arbitrabilidade objetiva do Direito Concorrencial na Europa, mais especificamente na França e na Bélgica.71

Após intensa discussão doutrinária sobre o assunto nas décadas de 1970 e 1980, o ponto de inflexão no debate veio com o caso Eco Swiss, julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE") em 1999.72 O caso envolvia um contrato de licenciamento de marca entre as empresas Bulova, Eco Swiss e

67

69

70

7 1

72

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 185.

lbid. p. 189. Este entendimento decorre diretamente dos fi.mdamcntos do caso Mitsubishi, no qual se determinou que

a seria reconhecida a arbitrabilidade de uma disputa "so long as the prospective litigant effectively may vindicate its

statutory cause o f action in the arbitml forum"" (GOMM SANTOS, Mauric io. Antitrust Claims in Arbitration: The

U.S. Perspecive. Revista Brasileira de Arbitmgem no 31, 2011 , p. 87).

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 181.

GOMM SANTOS, Mauricio. Op. cit., p. 87.

Por outro lado, em um outro grupo de países europeu, a questão da arbitrabilidade gira em torno da disponibilidade de

direitos (neste sentido, por exemplo, tem-se o art. 1025 código alemão de processo civil, art. 2.1 da lei espanhola de

arbitragem, o art. I 020 do código civil holandês, e o art. 177 da lei suíça de direito internacional privado, todos possuindo

conceitos similares de "disputas patrimoniais''). Nestes países, a arbitrabilidade do Direito Concorrencial foi aceita de

forma consideravelmente rápida e sem grandes entmves teóricos, reconhecendo-se a possibilidade de o árbitro apreciar

questões de fi.mdo concorrencial na medida em que se circunscrevessem à esfera privada dos interesses das partes, haven­

do notícia de decisões neste sentido já em 1969 por cortes alemãs (IDOT, Laurence. Op. cit., p. 57).

Eco Swiss China Time Ltd. v. Benetton lnternational NV, caso 126/ 1997, 1999.

218 +'-----------------------------------------------------C_L_A_·u_o_Io __ F~ __ KE_L_S_TE_·I_N~(~O_R_G~.) Benetton, e teve por objeto o pleito da segunda de anular procedimentos arbi­trais entre as partes sob o argumento de que o caso tratava de uma suposta vio­lação do artigo 81 do Tratado de Funcionamento da União Europeia ("TFUE") -atual art. 101 do TFUE, dispositivo que constitui, juntamente com o art. 102, o fundamento legal maior do Direito Concorrencial europeu - , sendo que tal dispositivo não poderia ser submetido à arbitragem. Em sua decisão, o TJUE reconheceu expressamente o caráter cogente e a natureza de ordem pública do Direito Concorrencial europeu73 e entendeu pela inexistência de violação ao dispositivo do TFUE sob análise, reconhecendo, ainda que de maneira implíci­ta, a possibilidade de se arbitrar disputas envolvendo o art. 81 do TFUE.74

Entretanto, entendeu-se que foi reconhecida a arbitrabilidade do Direito Concorrencial em princípio.75 Permanecia em aberto, portanto, uma definição mais concreta dos limites da jurisdição do árbitro neste campo. Neste particu­lar, poucas orientações práticas podem ser inferidas da jurisprudência europeia no âmbito comunitário, mas desenvolvimentos interessantes podem ser encon­trados na jurisprudência nacional dos países membros, com especial destaque para a França, e mais especificamente para a Corte de Apelação de Paris.76

Em um primeiro momento, a jurisprudência francesa considerava o con­ceito de ordem pública como o fator negativo determinante na definição da arbitrabilidade de qualquer matéria- incluindo-se o Direito Concorrencial. Tal interpretação baseava-se na linguagem bastante vaga do artigo 2.060 do Código Civil francês, que em tese levaria à impossibilidade de cláusulas compromissó­rias tratando de quaisquer disputas que pudessem impactar a ordem pública.77

73

74

15

76

77

A dimensão "comunitária" que se atribuiu no julgamento foi muito bem recebida pela doutrina especializada, tendo

sido vista como um impeditivo à situação defornm shopping no contexto da União Europeia (TALBOT, Conor C.

Op. cit., p. 4).

"[ ... ) However, according to Article 3(g) ofthe EC Treaty (now, after amendment, Article 3(1) (g) EC), Art-icle 85 ofthe

Treaty constitutes a ftmdamental provision which is esscntial for the accomplishment ofthe tasks entrusted to the Com­

munity anel, in particular, for the functioning ofthe internai market. The importance o f such a provision led the framers o f

the Treaty to provi de expressly, in Art-icle 85(2) o f the Treaty, that any agreemcnts or dccisions prohibited pursuant to that

article are to be automatically void. lt follows that whcre its domestic rulcs of procedure require a national court to gr.mt

an application for annulment o f an arbitmtion award wherc such an application is foundcd on failure to observe national

rules o f public policy, it must also gmnt such an application where it is founded on failure to comply with the prohibition

laid down in Article 85(1) ofthe Trcaty. The answer to be givcn to the sccond question must thcrefore bc that a national

court to which application is made for annulment of an arbitration award must gr.mt that application if it considers that the

award in question is in fact contrary to Article 85 o f lhe Trcaty, where its domestic rulcs o f procedure require it to grant

an application for annulment founded on failure to observe national rules ofpublic policy. [ ... ]".(Tribunal de Justiça da

União Europeia. Eco Swiss China Time Ltd v Benetton lntemational NV).

Apesar de não ter havido um pronunciamento expresso da corte superior europeia neste sentido, é unânime entre a

doutrina que o julgamento reconheceu a arbitrabilidadc, em princípio do Direito Concorrcncial europeu (ROGERS,

Catherine A.; LANDI, Niccolõ. Arhitration of Antitrust Claims in the United States and Europe. Bocconi Legal Stu­

dies Rescarch Papcr No. 07-01; Coreorrcnza c Mcrcato. Milão, 2007, p. 4).

"In F rance, the Couro f Appeal o f Paris has playcd a major role in allowing arbitrators to render civil sanctions rclated

to the rules o f public order" (IDOT, Laurence. Op. cit., p. 57).

Código Civil Francês, Artigo 2.060: "On ne peut compromettre sur les questions d>état et de capacité des personnes,

sur celles relativcs au divorce et à la séparation de corps ou sur les contestations intéressant les collectivités publiques

et les établissements publics et plus généralemcnt dans toutes les maticres qui intéressent hordre public."

DIREITO E ARBITRAGEM - VOLUME II 219 --------------------------------------------------------------+ Seguindo a tendência mundial de maior tolerância e aceitação da arbitragem, tal posição passou por um processo de reavaliação, que culminou no caso So­ciété Almira,78 no qual se determinou que o reconhecimento da natureza de ordem pública de uma determinada matéria não implicaria automaticamente a sua inarbitrabilidade, mas somente que árbitros estariam impedidos de aplicar as consequências estipuladas pela norma de ordem pública violada.79

Anos depois, a regra estabelecida no caso Société Almira80 foi refinada no caso Labinal, no qual se entendeu que tal regra deveria ser interpretada de forma a impedir árbitros de aplicarem somente as sanções administrativas e criminais relativas a dada norma do Direito Concorrencial aplicável.81

Mais recentemente, questões específicas têm surgido com relação a deman­das reparatórias propostas por partes prejudicadas por práticas anticompetiti­vas na esteira da investigação ou sanção de tais condutas por autoridades an­titruste (as chamadas demandas "follow-on"). Neste contexto, alguns tribunais europeus tem realizado uma interpretação restritiva de cláusulas compromissó­rias de forma a não abranger disputas desta natureza, por entenderem que tal hipótese não seria prevista à época da contratação da cláusula.

Na linha deste raciocínio, a solução estaria em se as partes, à época da contratação, poderiam ter previsto a conduta em questão em uma disputa sub­sequente, reconhecendo-se nestes casos a possibilidade de submissão da dis­puta à arbitragem.82 Este posicionamento tem origem no caso CDC v. Akzo Nobe/,83 de 2015, em que o 1JEU decidiu que uma cláusula de eleição de foro (o caso não envolvia arbitragem) redigida de forma abrangente não deveria ser interpretada de forma a incluir disputas propostas após a condenação de uma das partes em um caso de cartel, a menos que as partes tivessem concordado em incluir tais disputas no escopo da cláusula de maneira expressa, o que se justificou primordialmente pelo caráter "imprevisível" (unforeseeable) de ações indenizatórias em casos de cartel.

Pouco depois, a Corte de Apelação de Amsterdam na Holanda aplicou o entendimento de CDC v. Akzo Nobel em um caso envolvendo arbitragem, con­firmando uma decisão da instância inferior que recusou o afastamento de pro­cedimentos judiciais referentes a um caso de cartel quando confrontada com a existência de uma cláusula compromissória de redação abrangente.84 Críticos

7H

79

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8 1

H2

Kl

H4

Cour d'appcl de Paris, Sacie/e A/mira Films, RcvA 71, 1989.

ROUSSOS, Antonis. Op. cit., p. 5. Cour d' Appel de Paris, Sté Lahinal v. Sté Mors, 1993.

ROUSSOS, Antonis. Op. cit., p. 5. BELLINGHAUSEN, Rupert, GROTHAUS, Julia. The CJEU's decision in CDC v Akzo Nobel et a/: A Blessing ora

Curse f or Arbitrating Cartel Damage C/aims? Kluwer Arbitration Blog, 2015. Disponível em: http://kluwemrbitra­

tionb log.com/20 15/07 /3l/the-<:jeus-decision-in-cdc-v-akzo-nobel-et-a1-a-b1essing-or -a-curse-for -arbitrating-<:artel­

damage-claimsf.. Acesso em: 08.05.2017.

Caso no 352/13, 2014.

Caso n° C/ 13/500953/HAZA, 2015.

220 +~-------------------------------------------------C_L_Ã_u_oi_o_F_m_KE __ Ls_~_m~(O __ RG~.) desta tendência jurisprudencial afirmam que o fato de demandas baseadas em condutas anticoncorrenciais não serem "previsíveis" não altera a análise que deve ser realizada por árbitros e cortes judiciais para se apurar a extensão de uma cláusula compromissória no caso concreto, ressaltando-se que o propósito de se formular cláusulas abrangentes é justamente assegurar que sejam submetidas à arbitragem quaisquer tipos de disputa que surjam no âmbito daquela relação jurídica.85 Trata-se, contudo, de uma discussão ainda em aberto.

1.2.3. Brasil

A exemplo de alguns regimes jurídicos europeus, no Brasil a questão da arbitrabilidade objetiva se pauta pelos critérios de disponibilidade de direitos e patrimonialidade. Comentando o tema, Raquel Stein86 ensina que, "diferen­temente do que se vislumbra na França, o nosso ordenamento não previu de forma expressa a vedação de arbitragem envolvendo temas de ordem pública". Desta forma, segundo a autora, não há uma exclusão de matérias que interes­sem à ordem pública do litígio arbitral.87 De fato, nos termos do artigo l Q da LBA, "o campo da arbitrabilidade é definido no direito brasileiro em função da patrimonialidade e da disponibilidade dos direitos em discussão".

Neste sentido, pode-se definir os direitos patrimoniais como aqueles "ava­liáveis pecuniariamente, fazendo parte de uma relação jurídica mensurável economicamente".88 Já um direito disponível, seria aquele que pode ser "exer­cido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cum­primento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência".89

O problema da arbitrabilidade do Direito Concorrencial não chegou a ser objeto de grande debate na doutrina ou jurisprudência brasileira, talvez porque

HS

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87

89

Neste sentido Arcn Goldsmith faz precisas observações: "( ... ) there is no reason to assume, a priori, that parties

referriug to arbitration ali commcrcial disputes arising out of thcir contractual rclationship, intend to cxclude

antitrust follow-on damages claims ( ... ) In ordcr to asscss whethcr arbitration has bccn agrccd in any givcn case,

it is neccssary to analyzc the rclationship bctwccn thc claims asscrtcd and thc agrccment to arbitrate spccific to

thc parties' relationship. Thc fact that follow-on claims are based upon conduct that is not forcscen or cxpccted

at the time o f contracting does not change this analysis. Gcnerally, the purpose o f a broad agrccmcnt to arbitrate

is to refer to arbitration any type o f claim connccted to a specific legal relationship, irrespeetive o f whether any future claim can be anticipated at the time of eontracting." (GOLDSMITH, Aren. Arbitrating Antitrust Follow-on

Damages Claims: A European Perspective, Kluwer Arbitration Blog, 2015. Disponível em: http://kluwcrarbitra­tion blog.com/20 15/09/22/arbitra ting -antitrust-follow -on-damages-claims-a -europcan-pcrspecti vc-part -1 / . Aces­

so em 08/05/2017).). STEIN, Raquel. Arbitrabilidade no direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 108.

Ressalta-se que, no mesmo sentido da autora, Pedro Paulo Sallcs Cristofaro c Rafael de Moura Rangel Ney destacam

que "a lei brasileira não exclui as 'matérias de ordem pública' do objeto possível de um procedimento arbitral".

(CRISTOFARO, Pedro Paulo Sallcs e NEY, Rafael de Moura Rangel. Possibilidade de Aplicação das Normas de

Direito Anti truste pelo Juízo Arbitral. In: ALMEIDA, Ricardo Ramalho. ( org.). Arbitragem Interna c Internacional ­

Questões de Doutrina e da Prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2003)

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do direito civil, 20 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.

CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 38.

_D_IRE __ IT_O_E_A __ RB_IT_RA __ G_E_M_-_V_o_L_u_ME __ l_J ______________________________________________ ~I 221

o país se inseriu já com certo atraso na discussão, quando esta já se encontrava largamente superada alhures, ou porque o contencioso envolvendo matéria concorrencial ainda é incipiente no Brasil_9° Em todo o caso, o problema resi­diria no fato de que o Direito Concorrencial brasileiro é assumidamente de na­tureza coletiva/1 o que, em um primeiro momento, poderia levar a se concluir pela sua indisponibilidade.92

Entretanto, o art. 47 da LBDC prevê de forma expressa a aplicação privada (individual ou coletiva) da lei em questão, autorizando partes prejudicadas a "ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofri­dos, independentemente do inquérito ou processo administrativo".

Em vista disso, a doutrina brasileira é praticamente uníssona em reconhecer que, por maioria de razão, aqueles legitimados a pleitear reparação por infração à ordem econômica na esfera judicial estão igualmente legitimados a recorrer à esfera arbitral.93 Ainda que a discussão pouco tenha evoluído no âmbito judicial, os tribunais brasileiros dão sinais de estar adotando esse mesmo entendimento.94

1.2.4. Superação da questão da arbitrabilidade e abertura de novas áreas de debate

Como se viu, a possibilidade de submeter matérias afeitas ao Direito Con­correncial à arbitragem não é mais, em princípio, considerada um problema. De fato, em estudo presidido pela Organização para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico ("OCDE"), chegou-se à conclusão de que a arbitrabilidade

!lO

~ · 92

9]

94

Esta foi a conclusão alcançada no relatório sobre o Brasil que integrou outro estudo da OCDE sobre o enforcement

privado do Direito Concorrcncial- Working Party No. 3. Relationship Between Public and Priva te Antilnlst Enforce­

ment. Uma das razões apontadas pelo relatório é a falta de familiaridade de juízes com a matéria em questão, que

ainda impera no judiciário brasileiro: "Also, on the si de o f the judiciary itself, the prolongcd time that appeals can take

within the Br-dZilian judiciary and judges' lack o f familiarity with antitmst strongly contributc to discourage actions

for damages." (Organização para Cooperação c Desenvolvimento Econômico (OCDE). Dircctorate for Financiai and

Enterprise Affairs Compctition Committcc on Co-operation and Enforcement. Working Party No. 3. Relationship

Between Public and Priva te Antitrust Enf orcement - Brazil. Paris, 2015, p. 3. Disponível em: http://www.oecd.orgl

officialdocumcnts/publicdisplaydocumentpdf/?cotc=DAF/COMPIWP3/WD(201 5)2 3&docLanguage=En. Acesso

em 30/06/20 17).

LBDC: "Art. 1°. Parágrafo ímico. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei."

Neste sentido, faz-se referência à controvérsia acerca da arbitrabilidade do dano ambiental no Brasil (LIMA, Bernar­

do. Arbitrabilidade do Dano Ambiental. 1' Ed., São Paulo, Atlas, 201 O, p. 112 e ss. ).

Neste sentido se coloca Eduardo Damião Gonçalves, pard quem "o árbitro pode decretar a nulidade de um acordo

contrário às regras de ordem pública da concorrência, mas ele não pode determinar a aplicação de multas em razão da

violação da legislação antitruste" (GONÇALVES, Eduardo Damião. Arbitrabilidadc objetiva. Tese (Doutorado em

Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 153).

"( ... )em matéria eminentemente técnica, que envolve aspectos multidisciplinares (telecomLmicações, concorrência,

direito de usuários de serviços públicos), convém que o Judiciário atue com a maior cautela possível - cautela que

não se confunde com a insindicabilidade, covardia ou falta de arrojo" (STJ, REsp no 1.171.688/DF, 2~ Turma, Min.

Rei. Mauro Campbell Marques,j. 01/06/2010).

222 ~~------------------------------------------------C_LA_· u_o_Io_F_~_~ __ Ls_~_t_N~(O~R~G~.) de questões envolvendo disputas concorrenciais é a princípio possível, mas na exata medida em que cada legislação antitruste assim permitir.95 Neste sentido, Fouchard, Gaillard e Goldman, após conduzirem abrangente levantamento de casos envolvendo matéria concorrencial, concluem que um grande número de sentenças arbitrais têm reconhecido a arbitrabilidade de controvérsias envol­vendo questões de Direito Concorrencial.96

Na mesma linha, Luca Radica ti di Brozolo aponta que, em linhas gerais, desde o julgamento do caso Mitsubishi pela Suprema Corte dos Estados Uni­dos da América "tribunais e comentadores quase universalmente aceitam que a relevância· de uma questão de direito da concorrência para a solução de uma disputa não é um entrave à arbitrabilidade" .97 Antonis Roussos, traçando um panorama da questão, aponta que a tendência global em direção à arbitrabi­lidade do Direito Concorrencial foi impulsionada por dois fatores: primeiro, a exponencial popularização da arbitragem como meio de resolução de con­trovérsias, com a consequente mudança da atitude de Estados com relação ao instituto e, segundo, a revisão do papel da exceção de ordem pública na questão da arbitrabilidade.98

Com relação ao segundo fator, pode-se acrescentar que a consideração da questão da ordem pública não mais incide no contexto da convenção de arbitragem, e sim no contexto da revisão de sentenças arbitrais, e de forma mais contida.99

Entretanto, conforme já dito, a superação do problema inicial da com­petência do árbitro de aplicar o Direito Concorrencial somente deu espaço para discussões mais avançadas acerca dos contornos e limites deste poder, bem como do papel das cortes judiciais na confirmação ou reversão de uma decisão do juízo arbitral aplicando o Direito Concorrencial, discussões que serão reto­madas adiante neste trabalho.

1.3. A aplicação privada do Direito Concorrencial e as hipóteses de incidência na arbitragem

Tendo sido estabelecida a possibilidade do Direito Concorrencial ser invo­cado e aplicado em uma arbitragem, volta-se a atenção para duas questões cujo

9S

97

98

99

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Arbitration and Compctition (Hcarings).

Paris, 2010, p. I L Disponível em: <http://www.oecd.org/daf7compctition/abusc/49294392.pdf->. Acesso em:

17/04/201 7.

FOUCHARD, Philippc; GAILLARD, Emmanucl; GOLDMAN, Bcrthold; SA V AGE, John. Fouchard, Gaillard,

Goldman on international commercial arbitration. 2a Ed .. Haia, KJuwcr Law lnternational, 1999. p. 341.

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit. , p. 179.

ROUSSOS, Antonis. Op. cit, p. 3.

Esta é a observação de Jean-Baptiste Racine, que entende que "lcs licns entre arbitrailité ct !ois de policc se distcndcnl

à mesurc que les !ois de policc n' intervicnncnt plus au stadc de la convcntion d'arbitragc, mais à cclui de la scntcncc

arbitralc" (RACINE, Jean-Baptiste. Op. cit. , p. 86).

_DI_~_Iro __ E_ARB ___ IT_AA_G_EM __ -_V_oL_U_ME~ll~---------------------------------------+1 223

tratamento é necessário para que se avance na discussão proposta: a sistematiza­ção da aplicação privada do Direito Concorrencial e as hipóteses de incidência do Direito Concorrencial em um procedimento arbitral.

1.3.1. Sistematização da aplicação privada do Direito Concorrencial

A aplicação privada do Direito Concorrencial se dá de maneira autônoma ~m relação ao enforcement público da ordem concorrencial e possui requisitos próprios.100 Tais requisitos traduzem particularidades que decorrem da aplica­;ão deste ramo do direito, marcado pelo interesse público, na tutela de direitos 1e particulares, bem como da relação çom outras áreas do direito, como o Direito Civil, Direito Penal, Direito Administrativo, etc.

Evidentemente, todo esforço de sistematização da aplicação privada do Direito Concorrencial deve se ater a um ordenamento específico, sendo que 1uaisquer generalizações podem se mostrar problemáticas. Em vista disso, a 1nálise deste tópico será realizada do ponto de vista do direito brasileiro.

Como já foi visto, o parágrafo primeiro do art. 1 Q da LBDC estabelece que 1 "coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei". Da na­:ureza coletiva do Direito Concorrencial brasileiro decorrem duas conclusões ?teliminares: primeiro, que ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, ~ ao CADE especificamente, não cabe se ocupar de violações a direitos indivi­iuais (tutela-se a concorrência e não os concorrentes) e, segundo, que a lei brasi­eira prevê um standard de aplicação, na medida em que só existirá infração à :oncorrência, em regra, se os agentes envolvidos tem poder de mercado, é dizer, ;e a conduta analisada tem ao menos o potencial de atingir o bem jurídico tu­:elado101 (vale ressaltar, tal standard de aplicação é verificado em diversas outras egislações concorrenciais nacionais e é identificado como uma característica iistintiva do Direito Concorrencial em si, 102 conforme será visto adiante).

~o entanto, o já referido art. 47 da LBDC e a possibilidade de repressão Hivada de violações à ordem concorrencial revelam a natureza "polivalente" do Jireito Concorrencial brasileiro. Assim, em uma dimensão coletiva, a legisla­;ão brasileira protege a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 36, da LBDC), ·eprime o aumento arbitrário de lucros e o abuso de posição dominante (art. l73, §4Q, da Constituição Federal), protegendo o consumidor coletivamente :onsiderado contra tais abusos (art. 1 e 36, III, da LBDC). Porém, os mesmo empo, o art. 47 do mesmo diploma faculta entes privados - concorrentes, listribuidores, varejistas, consumidores, etc. - a instrumentalizarem as normas

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11

12

'

GOUVÊA, Marcus de Freitas. Aplicação Privada da Lei Antitruste no Brasil. Revista de Defesa da Concorrência,

V oi. 5, n• 1, maio de 2017, p. 211. Disponível em: http:/lrcvista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorren­

cia/article/view/294. Acesso em: 26/06/2017.

DE ALMEIDA, José Gabriel Assis. Op. cit., p. 202.

THEOBALD, Alexandra. Op. cit., p. 1.066.

224 +~-----------------------------------------------C __ LA_·u_o_to_F_m_~ __ Ls_~_m~(ü_R_G~.) concorrenciais de forma a buscar reparação em uma dimensão individual ou intersubjetiva - isto é, mantém-se o standard de aplicação, preserva-se a dimen­são coletiva do mandato do SBDC, mas cria-se uma via através da qual parti­culares podem buscar reparação pela lesão em seu direito individual, causada pela conduta que violou (ou poderia ter violado) o direito em sua dimensão coletiva. Assim, em resumo, a proteção individual é apenas e tão somente um derivado e um reflexo da proteção coletiva.103

Entretanto, observa-se que a LBDC não disciplina tais ações previstas no art. 47, que são, portanto, regidas pela legislação civil (material e processual). Assim, ações de indenização por perdas e danos em decorrência de ilícitos con­correnciais enquadram-se nas normas relativas a indenização previstas nos art. 944 e seguintes do Código Civil, enquanto que ações de cessação de conduta anticoncorrencial se regem pelas regras atinentes às obrigações de fazer ou não fazer- art. 247 a 251 do Código Civil -, a depender do meio utilizado na prá­tica infracional.104

Desta forma, os requisitos gerais para a aplicação privada do Direito Con­correncial brasileiro serão aqueles da responsabilidade civil: ato ilícito, dano e nexo causal. 105 Podem haver particularidades com relação a cada um destes elementos (ilícitos concorrenciais que possuem uma disciplina própria, mensu­ração do dano e ônus da prova que podem variar em razão do tipo da infração), mas todos devem estar presentes no caso concreto para viabilizar o enforcement privado, como bem observa Marcus de Freitas Gouvêa:

O ato ilícito é condição indispensável de qualquer sistema de aplicação do direito antitruste e o dano e o nexo causal são condições de legitimidade, pois a parte que não sofreu prejuízo em decorrência do ilícito concorrencial não faz jus à indenização nem tem interesse na cessação da conduta. De fato, ausentes estes elementos, não há que se falar em sistema privado de aplicação do direito antitruste, que depende do prejuízo do particular.106

No entanto, é preciso ter claro o tipo de ilícito em questão. Isto porque o ilícito concorrencial pode apresentar semelhanças com outros ilícitos, como por exemplo: o preço predatório (ilícito concorrencial) e a concorrência desleal (ilíci­to empresarial); a venda casada da LBDC e a venda casada do Código de Defesa do Consumidor; a utilização de meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros (ilícito concorrencial) e a manipulação do mercado de capitais

103

104

lOS

106

DE ALMEIDA, José Gabriel Assis. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In FERRAZ, Rafaella c MUNIZ,

Joaquim de Paiva (Org. ). Arbitragem Doméstica c Internacional: Estudos em Homenagem ao Professor Theóphilo de

Azeredo Santos, 1' Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 203.

GOUVÊA, Marcus de Freitas. Op. cit., p. 211.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito da concorrência e enforcement privado na legislação brasileira. RCD.

V oi. 1, n° 3, novembro de 2013, p. 19. Disponível em: http://www.cade.gov.br/revista/index.php/rcvistadedefesada­

concorrencialarticlclview/75. Acesso em 30/06/201 7.

GOUVÊA, Marcus de Freitas. Op. cit., p. 213.

DIREITO E ARBITRAGEM - VOLUME II

225

(art. 27-C, da. Lei n2 6.385/1976); a destruição e inutilização de matérias-primas, produtos e equipamentos de produção ou distribuição (ilícito concorrencial) e o crime de dano, do Código Penal.107 Além disso, naturalmente, uma mesma conduta pode configurar um ilícito em diferentes diplomas ao mesmo tempo. A correta identificação da natureza de cada ilícito é importante para que se saiba quais regras próprias de cada ramo do direito deverão ser observadas na ação cível, em linha com o que se viu acima.'"

1.3.2. Hipóteses de incidência do Direito Concorrencial em uma arbitragem

As ações reparatórias decorrentes de violações à legislação concorrencial costumam ser divididas em dois tipos, as chamadas demandas "follow-on" e demandas "stand-alone".'"

As primeiras, já referidas anteriormente, são ações propostas na esteira de uma condenação ou instauração de uma investigação de dada conduta anti-concorrencial, normalmente na esfera criminal ou administrativa. O exemplo clássico seria o caso de condenação de um grupo de empresas por prática de cartel que motiva a propositura de demandas indenizatórias por partes lesadas e que possuem uma relação contratual com empresas autoras do dano, conten-do uma cláusula arbitrai.

Já as segundas constituem ações autônomas, que não se apoiam no reconhe-cimento prévio de uma violação ao Direito Concorrencial pelas autoridades de um determinado país.' Nesta hipótese, a matéria concorrencial pode constituir o fundamento da demanda, traduzindo-se na alegação da parte requerente de que a conduta da parte requerida é ilegal ou ilícita, pois contrária ao Direito Concorrencial aplicável (por exemplo, a cobrança de perdas e danos oriundos de uma relação contratual no âmbito da qual teriam havido violações ao direito da concorrência, como a prática de preços abusivos, a venda casada, etc.).

Por outro lado, o Direito Concorrencial pode ser invocado como uma

defesa da parte requerida, tanto no sentido de afastar um compromisso ou anu-lar um procedimento arbitrai (o que é cada vez mais difícil de persuadir juizes ou árbitros conforme se consolida o entendimento pela arbitrabilidade do Di-reito Concorrencial, como será visto adiante), quanto no sentido de invalidar um contrato ou cláusula objeto da controvérsia." Um exemplo desta situação

usi Ibidem. 108 Ibidem. 109 PINTO, Débora. The Role of the Arbitrator in Applying EU Competition Law under lhe Modernisation Process. Tese

de Mestrado, Maastricht University, 2016, p. 11.

II° PINTO, Débora. Op. cit., pp. 12-13. 111 MOURRE, Alexis. Arbitraje y Derecho de la Competencia: un Panorama desde la Perspectiva Europea. Revista

Brasileira de Arbitragem, n° 10, 2006, p. 65.

~D_I~_I_TO_E_Nrn ___ IT_AA_G_E_M_-_V_O_LU_ME __ II ________________________________________ -+ 225

(art. 27-C, da· Lei nQ 6.385/1976); a destruição e inutilização de matérias-primas,

produtos e equipamentos de produção ou distribuição (ilícito concorrencial) e

o crime de dano, do Código Penal.107 Além disso, naturalmente, uma mesma

conduta pode configurar um ilícito em diferentes diplomas ao mesmo tempo. A

correta identificação da natureza de cada ilícito é importante para que se saiba

quais regras próprias de cada ramo do direito deverão ser observadas na ação cível, em linha com o que se viu acima.108

1.3.2. Hipóteses de incidência do Direito Concorrencial em uma arbitragem

As ações reparatórias decorrentes de violações à legislação concorrencial

costumam ser divididas em dois tipos, as chamadas demandas ''follow-on" e

demandas "stand-alone" .109

As primeiras, já referidas anteriormente, são ações propostas na esteira de

uma condenação ou instauração de uma investigação de dada conduta anti­

concorrencial, normalmente na esfera criminal ou administrativa. O exemplo

clássico seria o caso de condenação de um grupo de empresas por prática de

cartel que motiva a propositura de demandas indenizatórias por partes lesadas

e que possuem uma relação contratual com empresas autoras do dano, conten­

do uma cláusula arbitral.

Já as segundas constituem ações autônomas, que não se apoiam no reconhe­

cimento prévio de uma violação ao Direito Concorrencial pelas autoridades de

um determinado país.110 Nesta hipótese, a matéria concorrencial pode constituir

o fundamento da demanda, traduzindo-se na alegação da parte requerente de

que a conduta da parte requerida é ilegal ou ilícita, pois contrária ao Direito

Concorrencial aplicável (por exemplo, a cobrança de perdas e danos oriundos de

uma relação contratual no âmbito da qual teriam havido violações ao direito da

concorrência, como a prática de preços abusivos, a venda casada, etc.).

Por outro lado, o Direito Concorrencial pode ser invocado como uma

defesa da parte requerida, tanto no sentido de afastar um compromisso ou anu­

lar um procedimento arbitral (o que é cada vez mais diflcil de persuadir juízes

ou árbitros conforme se consolida o entendimento pela arbitrabilidade do Di­

reito Concorrencial, como será visto adiante), quanto no sentido de invalidar

um contrato ou cláusula objeto da controvérsia.111 Um exemplo desta situação

107

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111

Ibidem.

Ibidem.

PINTO, Débora. The Role ofthe Arbitrator in Applying EU Competition Law under the Modemisation Process. Tese

de Mestrado, Maastricht University, 2016, p. 11.

PINTO, Débora. Op. cit., pp. 12-13.

MOURRE, Alexis. Arbitraje y Derecho de la Competencia: un Panorama desde la Perspectiva Europea. Revista

Brasileira de Arbitragem, n° 10, 2006, p. 65.

226 ~~-------------------------------------------------C_L_Ã_u_ot_o_F_rn_KE __ Ls_~_t_N~(O __ RG~.) seria o caso de uma disputa em que se discute perdas e danos decorrentes de descumprimentos contratuais - tipicamente em um contrato de distribuição, licenciamento ou cooperação - e a parte requerida alega a nulidade ou invalidade de todo ou parte do contrato com base no Direito Concorrencial aplicável (a avença pode estipular uma cláusula de não concorrência em desacordo com as normas vigentes, prever a divisão de mercados ou combinação de preços, etc.).112

A título de ilustração, José Gabriel Assis de Almeida fornece o exemplo de uma disputa surgida entre duas empresas ("A" e "B") partes em um contrato de distribuição de determinado produto que prevê que quaisquer disputas deverão ser solucionadas por meio de arbitragem. Imagina-se que o contrato preveja que B terá exclusividade sobre a distribuição do produto em certo território, atribuindo-se à A o direito de fixar o preço de revenda deste produto. B po­deria então vir a considerar os preços fixados como desarrazoados e abusivos, acionando a cláusula compromissória para iniciar arbitragem contra A, reque­rendo (i) o reconhecimento do direito de B de fixar livremente seus preços e a contrariedade da disposição em questão com o Direito ConcorrenciaP13 e (ii) indenização pelos danos sofridos. 114

Especificamente com relação aos danos, observa-se que estes podem in­cluir a elevação de custos, a perda de parcela do mercado, receita de vendas, "perda de oportunidade", entre outros prejuízos.115

Alexis Mourre aponta sucintamente exemplos de como o Direito Concor­rencial pode se tornar objeto de um procedimento arbitral:

"Un acuerdo de distribución exclusiva puede provocar el excluir dei mercado a los competidores. Un acuerdo de aprovisionamiento puede distorsionar la estructura del mercado de precios. Un contrato de licencia puede restringir a los consumidores el acceso a bienes y servicios."116

De modo geral, como já se viu, procedimentos arbitrais envolvendo ma­téria concorrencial se inserem em um contexto de enforcement privado do Direito Concorrencial, o que é normalmente incentivado pelas autoridades de defesa de concorrência. De fato, entende-se que uma cultura disseminada de "litígio concorrencial" funciona como um importante desestímulo à prática ou tolerância de condutas anticompetitivas, colaborando para o fortalecimento da

112

113

114

115

116

KOMNINOS, Assimakis. Arbitration and EU Competition Law. 2009, p. 7. Disponível em: htlp://dx.doi.org/1 0.2139/

ssm.l520105. Acesso em: 05/0512017.

Vale ressaltar, a licitude da fixação de preço de revenda sob a perspectiva concorrcncial é um tema altamente contro­

verso do Direito Concorrencial, continuando a produzir desenvolvimentos jurispmdcnciais interessantes. Para uma

visão gcrdl desta questão, bem como do debate mais amplo acerca das restrições verticais, ver: MAR VEL, H. The

resale price maintenance controversy: beyond the conventíonal wisdom. Antitrust Law Joumal63/59, 1994.

DE ALMEIDA, José Gabriel Assis. Op. cit., p. 202.

GOUVÊA, Marcus de Freitas. Op. cit., p. 214.

MOURRE, Alexis. Op. cit. , p. 64.

_)I_~_IT_O_E_~ ___ IT_RA __ GE_M_-_V_o_L_~ ___ II ____________________________________________ +, 227

Hdem concorrencial como um todo, com os conhecidos beneficios resultantes nra a sociedade- diminuição de preços, melhoria na qualidade de bens e ser­riços, estímulo à inovação e ao desenvolvimento econômico, etc.

Este entendimento foi expressado pelo CADE no âmbito do Processo \dministrativo nQ 08012009888/2003-70, de relataria do Conselheiro Fernan­lo Magalhães Furlan, que apurou a existência de um cartel no setor de gases nedicinais e condenou as empresas envolvidas ao pagamento de multas que :otalizaram R$ 2,3 bilhões:

"Merece destaque ainda a ação privada, ajuizada pela vítima do cartel em busca de re­paração pelos danos causados. A utilidade de ações privadas para a promoção da con­corrência já foi comprovada em jurisdição estrangeiras. Nos Estados Unidos, onde a lei estabelece que os prejudicados por um cartel têm direito a um valor equivalente a três vezes a indenização ordinariamente cabível, a litigância privada já se transformou em peça chave de política de defesa da concorrência no país. Trata-se de mais um desestímulo à infração da lei. No Brasil, porém, quase não se tem notícia de ações privadas em razão de danos causados por cartéis. Perde-se, assim, um importante fator a desestimular a prática de conluio. E os prejudicados também deixam de ser ressarcidos pelos danos causados."117

Assim, tem-se que o fortalecimento de tal cultura é certamente de interesse le qualquer Estado que se identifique como uma economia de mercado. Se !m um primeiro momento fez-se uma distinção entre demandas arbitrais e udiciais no contexto do enforcement privado do Direito Concorrencial, a ten­lência generalizada é que ambas sejam consideradas como "duas faces de uma . nesma moeda" e incentivadas indiscriminadamente. Como demonstrativo des­:a evolução, pode-se citar a edição da Diretiva 2014/104 da União Europeia :obre danos em demandas indenizatórias envolvendo Direito Concorrencial, a 1ual faz expressa referência a "vias reparatórias alternativas, como a resolução :onsensual de disputas" .118

1.4. Aplicação do Direito Concorrencial: faculdade ou dever do árbitro?

Superada a problemática envolvendo a arbitrabilidade do Direito Con­:orrencial, surge uma questão de enorme importância prática: o árbitro tem o lever ou somente a faculdade de aplicar o Direito Concorrencial?

17

18

CADE, Processo Administrativo n• 08012.00988812003-70. Voto Conselheiro Fernando Furlan, 01/09/2010, p. 126.

Disponível em http://www.cade.gov.br. Traduç;io livre. No original: "alternative avenues of redress, such as consensual dispute resolution" (Directive

2014/1 04/EU o f the European Parliament and o f the Council o f 26 November 2014 on certain rules governing actions

for damages under nationallaw for infringements o f the competition law provisions o f the Member States and o f the

European Union. Disponível em: http://cur-lex.europa.eu/legal-content/ENITXT/?uri=CELEX:32014L0104. Acesso

em: 29.04.2017).

228 CLÁUDIO FINKELSTEIN (ÜRC

A dificuldade implicada no questionamento acima decorre de um possívc conflito entre o mandato do árbitro de julgar e decidir a lide à ele submetida ( sua função jurisdicional, por assim dizer) e os termos do mandato concebido concedido pelas partes que o indicaram (a função "contratual" do árbitro), ser do recorrente o entendimento de que o árbitro deve fidelidade primariament às partes.119 Diversos cenários podem ser imaginados para ilustrar a questão.

Uma situação possível - apesar de altamente improvável - é a das part<: estabelecerem, já no termo de arbitragem, a determinação para que o árb tro aplique o Direito Concorrencial. 120 Evidentemente, pouca dúvida haver quanto à possibilidade do árbitro apreciar e julgar matéria concorrencial nest caso, 121 em especial se o Direito Concorrencial apontado não for estrangeir' em relação à disputa.

O cenário oposto seria se as partes expressamente vedassem a aplicaçã' do Direito Concorrencial pelo árbitro. Em tal hipótese, parte considerável d doutrina entende que tal acordo das partes seria nulo, pois contrário à lei, e nã, vincularia o árbitro de forma alguma. 122 Este entendimento decorre da posiçã' de que o Direito Concorrencial, na qualidade de norma imperativa e integrant . da ordem pública, seria de aplicação obrigatória em uma arbitragem, insuscet vel de afastamento pelas partes - contanto que a cláusula compromissória em ~ fosse válida.123 Neste sentido, Luca Radicati di Brozolo vai além, afirmando qu um árbitro que concorda em deixar de aplicar o Direito Concorrencial ater dendo a pedidos das partes corre o risco de ser pessoalmente responsabilizad, por auxiliar e instigar uma conduta ilegaL 124

Alternativamente, existem autores que destacam situações em que não claro o dever do árbitro de aplicar o Direito Concorrencial, à medida que própria violação da lei antitruste não é evidente, e que fazê-lo seria arriscar cor trariar a autonomia das partes e extrapolar o mandato outorgado. por estas.125

Tais considerações, entretanto, devem ser ponderadas com reservas, e orientação mais prudente é tratar o Direito Concorrencial como sendo de apl: cação obrigatória pelos árbitros, sendo diflcil conceber que uma corte judicia

119

120

121

122

123

124

12S

No original: " the primary allegiance of arbitrators is to the parties" (Intcmational Bar Association Private Enforct

ment - Arbitration' , EU Private Litigation Order Civil Court, 23 September 2008).

Como se verá adiante, tal acordo não necessariamente estaria embutido na escolha de lei aplicável pelas partes a

mérito da disputa, à luz do entendimento de que o Direito Coneorrencial possui regras de conexão próprias.

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 192.

Neste sentido ver: PINTO, Débora. Op. cit., p. 14 e DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 192.

DE ALMEIDA, José Gabriel Assis. Op. cit., p. 200. Neste sentido, pertinente é a lição da doutrina dos professon

Lcw, Mistcllis e Kroll: 'lt is a feature o f public policy that it is not left to the disposition ofthc parties.' (LEW, Jona:

MISTELIS, Loukas; KROLL, Stefan. Comparative International Commercial Arbitration, Kluwer Law Intemati1

na!, 2003, p . 488).

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit. , p. 192. O autor adiciona que, segundo o Direito Coneorrencial europeu, p!

exemplo, árbitros em tais situações poderiam ser considerados "instrumentos de conduta anticoncorrencial", em linh com raciocínio seguido no caso Treuhand vs. Commission, de 2008 (caso T-99/04).

KURKELA, Matti S. Comp etition laws in international arbitration: the may, the must, the should and the should no

Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 4, 2005, p. 144.

_D_r~_r_ro_E_A_.~ __ IT_M_G_E_M_-_V~O~LU~ME~Il~----------------------------------------+1 229

anule uma sentença arbitral por ser ultra petita ou con~rária à vontade das partes neste contexto. Para tanto, basta lembrar que uma das justificativas na origem do reconhecimento da arbitrabilidade do Direito Concorrencial é a pre­sunção de que árbitros são tão capazes quanto juízes de lidar com esta matéria, e o farão imperativamente se necessário.126

Neste sentido, uma boa síntese do tema é fornecida nas conclusões do já citado relatório da OCDE sobre "Arbitragem e Concorrência":

"Arbitrators undoubtedly have a duty to apply competition law, and are expected to do so. In the past doubts have been raised about the duties of arbitrators, with the argument that arbitration is subject to party autonomy and arbitrators should there­fore not go beyond what parties want. However, if legal systems allow competition law matters to be arbitrated, this should come with the expectation that arbitrators will apply competition law." 127

Em todo caso, tal conclusão não altera o fato de que árbitros devem pro­ceder de forma cuidadosa e ponderada antes de invocar normas concorrenciais, especialmente diante da inércia das partes em fazê-lo. 128 Deve-se levar em conta que a posição dos árbitros é consideravelmente mais delicada do que aquela de juízes, órgãos do Estado com um dever inquestionável de aplicar o Direito Concorrencial de seus países e que não precisam se preocupar com a efetivação de seus julgamentos no exterior ou a efetivação de um Direito Concorrencial estrangeiro, temas que serão melhor desenvolvidos adiante.

Ainda, é ideal que a questão da aplicação do Direito Concorrencial seja levantada o quanto antes, e que, em qualquer caso, seja oportunizado às partes se manifestarem sobre o tema de maneira ampla, de forma a permitir uma fun­damentação cuidadosa da sentença adiante no procedimento e evitar acusações pelas partes de violação ao devido processo legal.

2. O PODER DO ÁRBITRO DE APLICAR O DIREITO CONCORRENCIAL

No capítulo anterior, foram tratadas questões consideradas preliminares no contexto da intersecção entre arbitragem internacional e Direito Concorrencial, abordadas através de quatro perguntas, principalmente: qual é a natureza jurídica do Direito Concorrencial? O Direito Concorrencial pode ser objeto de uma ar­bitragem? De que forma ocorre a aplicação privada do Direito Concorrencial? O árbitro tem o dever ou somente a faculdade de aplicar o Direito Concorrencial?

126

IZ7

128

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., pp. 192-193.

OCDE. Op. cit., p. 13. "Eles deveriam fazê-lo apenas na presença de indicações fortes, com base nos autos, de que o direito da concorrência

seria de fato aplicável ao caso e de que a falha em levá-lo em consideração resultaria em uma violação séria." (DI

BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit. , p. 193).

230 CLÁUDIO FINKELSTElN (ORG.)

Como se viu, a resposta à segunda pergunta é largamente positiva, devendo­-se fazer a ressalva de que, em todo caso, a arbitrabilidade objetiva do Direito Concorrencial está sujeita à soberania de cada jurisdição, devendo a questão ser analisada com um enfoque territorial. Q!J.anto à terceira pergunta, viu-se que, quando permitida a submissão de matéria concorrencial à arbitragem, existe a ex­pectativa de que o Direito Concorrencial será efetivamente aplicado pelo árbitro.

No presente capítulo e no capítulo seguinte, se passará às perguntas lo­gicamente subsequentes a estes primeiros questionamentos: se o árbitro tem o poder de aplicar o Direito Concorrencial, de onde deriva este poder? Q!lais são os limites impostos a este poder? Finalmente, no exercício deste poder e na hipótese de múltiplas jurisdições envolvidas, qual Direito Concorrencial deve ser aplicado?

Tratam-se de questões centrais ao estudo da arbitragem internacional, so­bre as quais todas as grandes doutrinas se ocupam detidamente. No entanto, conforme se verá, tais temas já tão debatidos pela literatura especializada adqui­rem contornos e problemáticas próprias quando ponderados no contexto da aplicação do Direito Concorrencial.

2.1. A questão dos poderes do árbitro na arbitragem internacional

Primeiramnte, é importante ter em mente a diferença que existe entre a figura do árbitro e a figura do juiz togado para tratar da questão dos poderes e prerrogativas jurisdicionais do primeiro. Como observam Alan Redfern e Martin Hunter, um tribunal arbitral instituído para decidir uma disputa internacional opera em um contexto completamente diferente daquele de um juiz em uma cor­te estatal, inserido em um contexto legal que define de maneira clara a extensão de seus poderes e deveres vis-à-vis as partes e o ordenamento jurídico.129

Tudo isso difere significativamente na arbitragem, e particularmente na ar­bitragem internacional. Neste contexto, é de extrema importância, no esforço de identificar e divisar os poderes e deveres de um tribunal arbitral, analisar a ques­tão do status do árbitro internacional.130 No entanto, como observa Gary Born, 131

129

130

131

8LACKABY, Nigcl; PARTASIDES, Constantinc; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Op. cit., pp. 304-305.

Acrescenta-se, apesar da obviedadc da constatação, que juízes togados também tem claro a qual ordenamento jurídico

devem se voltar para fins da regulação de sua conduta c de suas prerrogativas jurisdicionais.

"Dctermining thc intcmational arbitrator's rights and dutics vis-à-vis thc partics rcquircs dcfining the status of thc

arbitrator and asccrtaining thc contcnt o f thc rights and obligations that this status imposcs on the arbitrator; in in­

tcmational contexts, tbis also rcquires dctermining the law govcming thc arbitrator's status, rights and obligations."

(80RN, Gary 8. Op. cit., p. 1.963).

80RN, Gary 8 ., Op. eit., p. 1.964. Na visão do autor, esta realidade não se deve pelo fato de a questão do status do árbitro

ser considerada de pouco importância, mas justamente pelo oposto: "lntcmational trcaties and nationallegislation have

omitted trcatment ofthc subjcct bccause tbe arbitrdtors' status has bccn too important and dclicate for nationallegisla­

tures to have addressed in any comprehcnsivc fashion. They have also clone so bccause the arbitrdtors' rights and duties

vis-à-vis the parties are distinguisbable from thc main focus ofmost national arbitration legislation (which is dirccted

largcly to the parties' rights and obligations vis-à-vis one anothcr)." (80RN, Gary B. Op. cit., p. 1.965.)

232 CLÁUDIO FINKELSTEIN (ÜR< +-----------------------------------------------~~----~~~~

Em termos práticos, isto significa que os poderes, deveres e limites jurisd cionais de um tribunal arbitral emergem de uma complexa mistura da vontac das partes, da lei que rege a cláusula arbitral, da lei da sede da arbitragem (a ch mada !ex arbitrt}, das regras da instituição arbitral (se houver) e da lei do loc em que poderá ser buscado o reconhecimento ou execução da sentença arbitral.1

Entre os poderes normalmente outorgados ao tribunal arbitral, seja peL partes ou pela lei, pode-se citar (i) o julgamento acerca da própria competênc: para decidir sobre uma dada disputa (decorrência do princípio do kompeten. -kompetenz); (ii) a instituição do tribunal arbitral; (iii) a determinação da lei aplic vel e mesmo da sede da arbitragem, na ausência de escolha das partes; (iv) a escolr da língua empregada no procedimento, na ausência de escolha das partes; (v) requisição de produção de documentos ou outros meios de prova; (vi) a conduçã e tomada de depoimentos de testemunhas; (vii) a indicação de peritos e expert (viii) a concessão de medidas provisórias; (ix) o julgamento do mérito da dispu1 (x) a determinação de segurança do juízo (security for costs), entre outros.139

De modo geral, estes poderes convergem no sentido de permitir ao tribun; que desempenhe sua função e cumpra seu mandato (legal e contratual) de form adequada e eficiente. Neste sentido, Wiliam Park propõe que os deveres do árbitr podem ser divididos em três tipos. O primeiro seria o de prolatar uma sentenç "justa", é dizer, uma decisão final que seja fiel às disposições contratuais e legai bem como ao contexto do litígio. O segundo dever do árbitro estaria relacionad à equÍdade processual, uma noção que engloba diversos elementos relacionadc ao princípio do devido processo legal, principalmente a independência e a in parcialidade do árbitro no exercício de suas funções. O terceiro dever, segundo autor, se inspiraria na noção de eficiência ou "economia de meios" - se tratarj de buscar, na medida do possível, um equilíbrio entre os dois primeiros deven (sentença justa e a equidade processual), de forma a evitar sacrificios desnecess; rios em ambos e levar a cabo uma "boa administração da justiça". 140

Para Gary Born, as obrigações do árbitro podem ser sumarizadas de form a incluir o dever de (i) resolver a disputa submetida pelas partes de maneir

138

139

140

BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constantine; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin, Op. cit., p. 305. Os aut

res pontuam ainda que, em um procedimento arbitral internacional bem conduzido, existe um movimento de tran

ferência do controle dos procedimentos das partes ao tribunal arbitral. Assim, em um primeiro momento, as part•

estariam em total controle da disputa, que efetivamente surgiu entre elas e era até então desconhecida do árbitr

situação que seria invertida conforme este se familiarizasse com os fatos e o direito envolvidos, passando entí

a formar suas próprias convicções acerca de quais são as questão mais relevantes, seu adequado enquadramen

jurídico, o ritmo do trâmite processual, etc. (BLACKABY, Nigcl; PARTASIDES, Constantine; REDFERN, Ala HUNTER, Martin. Op. cit., p. 306).

BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constantine; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Op. cit., pp. 308-317. E'<

dentementc, cada um destes poderes possuem desdobramentos e questões próprias, que fogem ao foco deste trabalh

e dependem, além disso, do sistema jurídico de cada país para saber se e em que medida estão disponíveis em arbitr. gens internacionais.

P ARK., William H. Le.r devoirs de I 'arbitre: ni un pour tous, ni tous pour un, Revista de Arbitragem e Mediação, V<

31,20ll ,pp.ll8/ll9.

_D_I~_I_ro_E_ARB ___ IT_AA_G_E_M_-_V_o_LU_ME __ I_l ________________________________________ -+1 233

"adjudicativa"; (ii) conduzir o procedimento arbitral de acordo com a vontade das partes; (iii) manter a confidencialidade da arbitragem; (iii) em determinadas circunstâncias, propor às partes a realização de um acordo para resolver a dis­puta; (iv) completar o mandato estipulado pelas partes e pela lei; e (v) manter-se imparcial e independente.141

Feitas estas considerações gerais acerca dos poderes e deveres do árbitro na arbitragem internacional, passa-se agora a um exame destas mesmas questões no contexto específico da arbitragem internacional envolvendo Direito Concorrencial.

2.2. A fonte do dever do árbitro de aplicar o Direito Concorrencial

Como se viu, o entendimento mais corrente é de que o árbitro tem o dever de aplicar o Direito Concorrencial. Entretanto, em linha com o que foi visto anteriormente, muitas são as possíveis fontes de onde pode derivar este dever, o que tem implicações específicas no caso deste ramo particular do direito.

2.2.1. Vontade das partes

A vontade das partes pode ser classificada como a fonte primária dos poderes dos árbitros142

, além de ser considerada a pedra angular da arbitragem internacional.l43 Entretanto, como foi visto anteriormente, é improvável que o dever específico dos árbitros de aplicar o Direito Concorrencial venha estipula­do no acordo das partes, seja antes do começo da arbitragem, seja no curso do procedimento arbitral.144

Isto pode ser explicado por duas razões, principalmente. A primeira é o fato, já mencionado, de que questões envolvendo matéria concorrencial cos­tumam surgir de forma incidental em um procedimento arbitral, não sendo objeto de estipulação prévia pelas partes. Uma segunda explicação possível seria a questão de as partes normalmente presumirem que uma escolha de lei aplicável ao mérito da disputa (a lex causae) já abrangeria a escolha do Direito Concorrencial aplicável, isto é, o Direito Concorrencial do Estado cuja lei se pretende aplicar.

Ainda mais, em alguns casos as partes poderiam mesmo ter suposto que o Direito Concorrencial não seria aplicado. Contudo, como é evidente, a ausência de um acordo entre as partes não pode por si só constituir um obstáculo à aplicação de normas cogentes ou imperativas, como é o caso do Direito Concorrencial.145

141

142

143

144

14S

BORN, Gary B., Op. cit., p. 1.985.

BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constantine; REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. Op. cit., 186.

BOSCO LEE, João; V ALENÇA FILHO, Clávio de Melo. A arbitragem no Brasil. la ed., Progr-dllla CACB-BID de

fortalecimento da arbitrdgem e da mediação comercial no BrasiL Brasília: 2001, p. 21.

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit. , p. 189.

KOMNlNOS, Assimakis P. Op. cit., p. 8.

234 CLÁUDIO FINKELSTElN (OR +-----------------------------------------------------------~-

2.2.2. Lex arbitri

Similarmente, o poder ou dever do árbitro de aplicar o Direito Concc rencial normalmente não derivará do direito da sede da arbitragem, ou l arbitri, que é outra fonte significativa do poder do tribunal arbitral.146

Tendo em vista que a incidência do Direito Concorrencial se dá por 1 tores de conexão especiais, atrelados à verificação de efeitos, potenciais ou eJ tivos, decorrentes da conduta anticompetitiva - como será melhor explicac adiante -, é verdade que a lex arbitri pode prever a competência do árbitro pa aplicar as regras de concorrência locais na medida em que o mercado econ mico local for impactado pela conduta sub judice ou pela sentença arbitral. I\ entanto, a lei local não poderá prever a aplicação do Direito Concorrencial c

terceiros Estados.147

Neste sentido, vale ressaltar que é comum, em arbitragens internacionai que a escolha da sede da arbitragem se dê em razão da neutralidade do foro, dizer, do fato de que o país escolhido para abrigar o procedimento não posst qualquer relação com as partes ou a disputa em questão.148

2.2.3. Lex causae

Muito devido às razões apresentadas acima, árbitros também não podet simplesmente se reportar ao direito que rege o mérito da arbitragem para busc: a fonte do dever de aplicar o Direito Concorrencial. De fato, a mera designaçã de um dado direito como aquele que deve reger a relação jurídica controvertid não é suficiente para tornar suas normas concorrenciais aplicáveis.149

Como foi visto, o Direito Concorrencial, na qualidade de norma cogent• tem fatores de conexão especiais, paralelos aqueles que desencadeiam a aplic ção da lex causae, como a vontade das partes (traduzida em forma de cláusu] de lei aplicável em instrumento contratual ou acordo posterior ao surgiment de uma disputa), territorialidade, discricionariedade dos árbitros em caráte supletivo à vontade das partes, ·etc.150

Estas peculiaridades devem ser levadas em conta pelo árbitro, que dever exercitar uma visão panorâmica da disputa e dos mercados possivelmente afet~ dos por ela a fim de identificar a fonte do seu dever ou competência de aplica o Direito Concorrencial.

146

147

148

149

ISO

LEW, Jonas; MISTELIS, Loukas; KRÕLL, Stefan. Op. cit. , p. 195.

THEOBALD, Alexandra. Op. cit., p. 1.076.

"International arbitration is now acknowledged - because its international cbaracter reflects tbe nature o f tbe disput(

being resolved - to bc a ncutral metbod o f settling commercial disputes betwecn parties from different nations, a

lowing cach ofthe parties to avoid tbe "home" courts ofits co-contractors." (FOUCHARD, Philippe; GAILLARI

Emmanuel; GOLDMAN, Bcrthold; SA VAGE, John. Op. cit., p. 1 ).

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p . 190.

RACINE, Jean-Baptiste, Droit Économique ... Op. cit., p. 80.

_D_I~ __ n __ uE_A_~ __ IT_RA __ GE_M_._-_V_o_Lu_ME __ I_I ______________________________________________ ~I 235

2.2.4. Dever de produzir uma sentença exequível

De forma geral, como observa Luca Radicati di Brozolo, árbitros terão de levar em conta um conjunto mais geral - e mais pragmático - de considerações no intuito de precisar a fonte do dever de aplicar o Direito Concorrencial no caso concreto.151 Talvez a principal delas seja, simplesmente, o dever de produzir uma sentença exequível, isto é, o dever do árbitro de se assegurar - até onde for razoável - que a sentença prolatada ao final de um procedimento arbitral não seja passível de anulação na sede da arbitragem ou não execução em qualquer outra jurisdição.

Alguns autores defendem não ser correto falar-se em 'dever' neste contexto e impor tal "obrigação de resultado" ao árbitro, que não pode antecipar todos os possíveis locais de execução da sentença e tomar providências para que esta se conforme aos requisitos legais de cada jurisdição considerada.152 Em que pese o mérito destes argumentos, parece procedente o entendimento de que haveria um dever de diligência mínima por parte do árbitro, traduzido na ideia de que deve ele envidar os melhores esforços para produzir uma sentença exequível, 153

sendo que a desconsideração desta obrigação pode levar à frustração do propó­sito e objetivo de uma arbitragem. 154

Assim, a observância do dever de produzir uma sentença exequível pressu­põe que seja levado em conta o Direito Concorrencial aplicável ao litígio, sob pena de se arriscar anulação ou posterior não execução da sentença arbitral com base no art. V.2(b) da Convenção de Nova York. No entanto, permanece a já referida dificuldade de que, muitas vezes, não se saberá de antemão os países em que se buscará a execução da sentença, especialmente em razão da própria ideia de garantir uma circularização internacional das sentenças arbitrais estrangeiras, facultada a execução no local mais benéfico ou eficaz à parte vencedora.

De forma ainda mais geral, pode-se invocar um direito do árbitro de não se tornar cúmplice de uma violação ou burla ao direito155

, o que também pode

152

ISJ

154

ISS

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 190.

Para uma critica recente, ver: BOOG, Christopher; MOSS, Benjamin; WITIMER, Schellenberg. The Lazy Myth

of the Arbitral Tribunal's Duty to Render an Enforceable Award. K.luwer Arbitration Blog, 2012. Disponível em:

http:/ /klu werarbitrationblog.com/20 13/0 1/28/the-lazy-myth -of-the-arbitral-tribunals-duty-to-render -an-enforceable

-award/. Acesso em: 10.05.2017.

Neste sentido, as Regras de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional ("CCI") preveem em diversos mo­

mentos a necessidade do árbitro de empreender tais esforços, com destaque para o seu artigo 42: "Em todos os casos

não expressamente previstos no Regulamento, a Corte e o tribunal arbitral deverão proceder em conformidade com o

espírito do Regulamento, fazendo o possível para assegurar que a sentença arbitral seja executável perante a lei".

É com base nesta consideração que muitos árbitros afirmam se tratar efetivamente de um dever implícito do árbitro,

um corolário da confiança depositada nele pelas partes e do mandato adjudicativo outorgado pela lei. Neste sentido,

ver o registro de palestra proferida por William Park, Teresa Cheng e Brigitte Stern no 25° Workshop Anual do

Instituto para Arbitragem Transnacional em 2015, intitulada 'The theory and reality of the arbitrator: what is an

Intemational arbitrator?' in Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 45, 2015, pp. 101- 119.

"Se é verdade que árbitros estão primariamente a serviço das partes, é agora reconhecido que eles não são meros

servidores e que de alguma forma eles se encontram sob um dever mais amplo de garantir que a justiça seja feita" (DI

BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 190).

236 +~-------------------------------------------------C_L_Ã_u_o,_o_F_IN_KE __ Ls_w_m~(O __ RG~.) ser visto como um dever de não compactuar com condutas que o façam. Neste sentido, vale transcrever preciosa lição de Yves Derains, ex-presidente da Corte Internacional de Arbitragem da CCI, acerca da questão:

"An international arbitrator is bound as regards the 'Societas Mercatorum' to ensure that arbitration does not become an instrument for fraud upon the legitimate inte­rests of the State. If he neglects that duty, internacional arbitration will disappear at the expense of the development o f international trade"156

3. OS LIMITES DO PODER DO ÁRBITRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO CONCORRENCIAL

3.1. Qual Direito Concorrencial aplicar?

A questão da escolha da lei aplicável, e especialmente do conflito de leis, é das mais tormentosas no estudo do Direito Internacional Privado. Ilustrativo desta observação é o clássico comentário de William L. Prosser acerca do con­flito de leis enquanto disciplina e discussão na prática da advocacia:

"The realm of the conflict of laws is a dismal swamp, filled with quaking quagmires, and inhabited by learned but eccentric professors, who theorize about mysterious matters in a strange and incomprehensible jargon. The ordinary court, or lawyer, is quite lost when engulfed and entangled in it."157

Na arbitragem doméstica, em que são partes empresas de um mesmo país, litigando acerca de fatos cujas repercussões jurídicas e econômicas não ultrapas­sam as fronteiras de sua jurisdição, este é, via de regra, um problema inexisten­te. O árbitro irá simplesmente aplicar a lei do contrato ou, na ausência desta, a lei do país em questão.

Já na arbitragem internacional, em que partes, árbitros, sede da arbitragem e local de execução do contrato podem todos se situar em países distintos, a questão é de enorme relevância- tanto teórica quanto prática158

-, especialmen­te se as partes não previram uma cláusula de lei aplicável ao mérito. Aqui, o árbitro terá que lidar com todos estes fatores (nacionalidade das partes, local de celebração e execução do contrato, sede da arbitragem, existência ou não de cláusula de escolha de lei) para então tomar uma decisão quanto à lei aplicável

156

157

158

Citado em T ALBOT, Conor C. Op. cit., p. I.

PROSSER, William L. Intcrstate Publication, 51 Mich L. Rev. 959, 1953.

''In rcality, the secmingly abstract qucstions of comparativc law and conflict oflaws, or cvcn quasi-philosophical is­

sucs such as thc intcrrclation bctween private and public intcmationallaw or thc hiemrchy of norms betwccn private

and public intemational mattcrs, frcqucntly have significant praticai ramifications and far-reaching financiai reper­

cussions" (GAILLARD, Emmanucl. The Role ofthe Arbitrator in Detennining the Applicable Law.ln The Lcading

Arbitrators Guide to lntemational Arbitration, Juris, 2nd Edtion, 2008, p. 171 ).

D~~~~~~_o_E_ARB ___ IT_RA_G_E_M_-_V_o_L_u_ME __ II ____________________________________________ ~, 237

que concorra ao julgamento efetivo da demanda e que não seja colidente com a vontade das partes.159

Entretanto, a tarefa de identificar a lei aplicável ao mérito da disputa pode adquirir uma outra dimensão no contexto de arbitragens internacionais que envolvam a aplicação do Direito Concorrencial. Isto porque, conforme foi visto, a aplicação do Direito Concorrencial, na qualidade de norma impe­rativa, é regida por fatores de conexão especiais, independentes de qualquer legislação aplicável à disputa, seja por vontade das partes ou imposição da lei da sede da arbitragem, o que foi chamado de princípio da "autoconexão" das normas imperativas.

A melhor descrição das dificuldades relacionadas à aplicação de normas imperativas na arbitragem internacional talvez tenha sido dada pelo eminente arbitralista Pierre Mayer, ainda em 1986:

"Uma razão final deve ser encontrada na complexidade singular do problema de apli­car regras imperativas de direito sempre que ele se coloca perante um árbitro. Assu­mindo que o árbitro não tenha qualquer pudor de natureza intelectual em abandonar o método do direito internacional privado em favor àquele das regras imperativas de direito, ele então confrontar-se-á, ao contrário do que aconteceria com um juiz de di­reito, com um conflito entre a vontade do Estado que promulgou a regra imperativa, de um lado; e, de outro, com a vontade das partes - da qual deriva sua autoridade. E ainda, ele precisa resolver esse conflito a partir de dois pontos de vista: para fins de seu próprio foro, mas também levando em consideração um foro externo. Ele deve, portanto, primeiro decidir a questão referindo-se à liberdade contratual, que na arbitragem é ~ elemento fundamental do processo de resolução de conflitos entre regras de direito; esse é o seu foro próprio. Mas, ao mesmo tempo, ele deve se preo­cupar com o que pode acontecer com sua decisão, em particular com o risco de que, se não aplica a regra imperativa, o seu laudo arbitral não será reconhecido no país que promulgou a lei. As considerações sobre esse assunto, são, portanto, altamente complexas, e além de tudo, é frequentemente dificil antecipar o que possa acontecer com o laudo, pois podem haver diversas jurisdições em que potencialmente pode se requerer a execução do laudo, e não é possível prever a atitude dos juízes a quem será submetido o laudo para examinar a sua exequibilidade"160

Desta forma, no contexto do contencioso arbitral concorrencial, se o árbi­tro internacional ainda deverá levar em consideração os elementos trazidos no segundo cenário (nacionalidade das partes, local de celebração e execução do contrato, sede da arbitragem, existência ou não de cláusula de escolha de lei), verifica-se que uma análise limitada a estes fatores não será suficiente, sendo

159

160

Neste ponto, deve-se lembmr que, conforme já foi pontuado, seguindo a corrente conceitual da "ordem arbitml autô­

noma", o árbitro internacional não possui foro e não está vinculado às regras de conflito de leis da sede da arbitmgcm

ou da lei aplicável ao mérito, possuindo ampla (mas não irrestrita) liberdade na invocação e aplicação de leis no

procedimento.

Transcrito por Rodrigo Octávio Broglia Mendes em MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. Op. cit., p. 2.

238 +~-------------------------------------------------C_L_Ã_u_ot_o_F_m_KE_L_s_~~~~(O~RG~.) que o árbitro deverá atentar às normas concorrenciais com "um título legítimo a serem aplicadas no caso concreto". 161

Assim, deve-se, neste momento, precisar qual exatamente é o fator de co­nexão especial que atrai a incidência do Direito Concorrencial segundo o prin­cípio da auto-conexão das normas imperativas.

3.1.1. Doutrina dos efeitos

Conforme foi visto, o Direito Concorrencial é normalmente atrelado a um standard de aplicação, que consiste na violação ou potencial violação à ordem concorrencial de um determinado país.162 Um bom exemplo disto pode ser encontrado na legislação brasileira de defesa da concorrência, na medida em que o caput do art. 36 da LBDC caracteriza como infrações à ordem econômica "atos, sob qualquer forma manifestados" que produzam os efeitos listados nos incisos do dispositivo, quais sejam: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma pre­judicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.163

A questão da caracterização do ilícito concorrencial se desdobra em ou­tra, a do alcance do Direito Concorrencial.164 Isto porque, a partir das obser­vações feitas acima, desenvolveu-se o que ficou conhecido como o princípio dos efeitos (effects doctrine) do Direito Concorrencial, o qual determina a in­cidência da lei anti truste do Estado em que se verificarem as consequências da prática restritiva.165 Aqui, o que importa não é a nacionalidade dos partícipes ou o território da autoridade (administrativa, criminal ou civil) que tutela a

161

162

163

164

16~

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 190.

Deve-se ressaltar, no entanto, a existência da figura do ilícito per se em matéria concorrcncial, consistindo em

condutas consideradas tão graves c prejudiciais à concorrência que a simples comprovação de sua ocorrência basta

para a incidência da lei e caracterização da ilegalidade, independente de poder de mercado dos agentes ou da coro­

provação dos efeitos da conduta (GOUVÊA, Marcus de Freitas. Op. cit., p. 222). O ilícito per se por excelência,

no Brasil e em outras jurisdições, é o chamado cartcl clássico ou "hardcore", marcado pela institucionalidadc e

habitualidade da prática.

Deve-se notar que legislações concorrcnciais de outros ordenamentos, como o americano c o europeu, adotam técni­

cas jurídicas diversas do bmsilciro no tocante à caracterização do ilícito concorrcncial, podendo-se inclusive concluir

que a LBDC é peculiar em sua escolha de evitar qualquer tipificação de condutas anticoncorrcnciais e adotar a ca­

racterização da ilicitude exclusivamente pelos efeitos. No entanto, observa-se que a questão da produção de efeitos

acaba por ser considerada fundamental também nestas outras jurisdições, seja pelo caráter instrumental da disciplina

da concorrência (caso específico da União Europcia), seja pela aplicação da chamada "regra da razão" (FORGIONI,

Paulo. Op. cit., 130-131 ).

Conforme esclarece Paula Forgioni, as leis nacionais que adotam o princípio da extraterritorialidade do Direito Con­

correncial costumam confundir os institutos lei aplicável e jurisdição (FORGIONI, Paula. Op. cit., p. 430). Apesar

do aspecto jurisdicional do alcance da lei concorrcncial parecer mais próprio à atividade das autoridades de defesa da

concorrência, pode-se entender que ambos os aspectos são aplicáveis ao tribunal arbitral, na medida em que a produ­

ção de efeitos em determinado mercado relevante não somente atrai a incidência do Direito Concorrencial do Estado

afetado como também desencadeia a jurisdição do árbitro para aplicar aquele Direito.

FORGIONI, Paula. Op. cit. , p. 427.

_D_IRE __ l~_o_E_~ ___ l_TRA __ G_E_M_-_V_ o_L_UM __ E_l_l ______________________________________________ --rl 239

ordem concorrencial, mas sim o mercado relevante no qual são produzidos os efeitos da conduta.166 Trata-se do mais comum elemento de conexão do Direito Concorrencial, sendo adotado pelas principais jurisdições do mundo em matéria de defesa da concorrência, incluindo-se aí Estados Unidos da América, Europa e Brasil. 167

De fato, a questão dos efeitos nos mercados relevantes é considerada ine­rente à natureza do Direito Concorrencial.168 No entanto, tal questão não é desprovida de controvérsias, uma vez que releva o alcance extraterritorial do Direito Concorrencial, 169 em exceção ao princípio de direito internacional se­gundo o qual "cada Estado, como membro da comunidade internacional, exer­ce sua autoridade dentro de seu território".170 Em vista disso, vários foram os fundamentos desenvolvidos pelos Estados que constatavam a necessidade de recorrer cada vez mais à extraterritorialidade de suas normas concorrenciais, no intuito de regular as atividades globais de empresas multinacionais.171

Neste sentido, entende-se que o árbitro está autorizado a aplicar o princí­pio dos efeitos a fim de identificar o mercado relevante que será, de qualquer maneira, afetado pela relação jurídica e econômica sob seu julgamento.172 Mais que uma autorização, alguns defendem tratar-se de um dever do árbitro, haja visto o caráter impositivo de normas de Direito Concorrencial.173

Posto de outra forma, se as normas antitruste imperativas reclamam apli­cação obrigatória, o modo de fazê-lo que é consentâneo com a natureza do Direito Concorrencial seria através de seu fator especial de conexão, qual seja, a verificação da existência de efeitos anticompetitivos em mercados relevan­tes afetados. Vale ressaltar, a tarefa de identificar tais mercados relevantes em

166

167

1611

169

170

171

In

173

"The criterion for the application ofthe EU competition rules is whether certain agreement, practice or behaviour

prevents, restricts or distorts competition within the internai market in a causal, foreseeable and substantial way.

Such an effect constitutes a sufficiently "close link" with the EU Member States to justify the application o f EU

competition rules. Such a conflicts rule exists in most national competition laws, which also use as a connecting

link (facteur de rattachement) the impact o f thc anticompetitive conduct on their markcts" (KOMNfNOS, As­

simakis P. Op. cit., p. 14).

No caso do Brasil, a adoção deste fator de conexão é feita de forma expressa no art. 2° da LBDC: "Aplica-se esta Lei,

sem prejuízo de convenções e tmtados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no

território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos".

THEOBALD, Alexandra. Op. cit. , p. 1.066.

A questão da extmterritorialidade do Direito Concorrencial é mais problemática no caso dos Estados Unidos da Amé­

rica; em razão de sua proeminência econômica e do pouco constrangimento de seus reguladores e cortes em aplicar as

normas anti truste americanas a condutas ocorridas fora de seu território, o país se vê recorrentemente envolto em con­

trovérsias acerca do alcance de sua autoridade: "( ... ) whcrc antitrust is concemed, American enforcers and courts have

bcen quite willing to assert American authority over activities ocurring abroad, and not particularly accommodating

ofthe conflicting policies o f foreign nations. As a result, scholars o f conflict oflaws and internationallaws sometimes

find American application of its law to activities abroad excessive and perhaps even jingoistic" (HOVENKAMP,

Hcrbert. Op. cit., p. 766).

MAGALHÃES, José Carlos de. O controle pelo Estado da atividade internacional das empresas privadas, Revista

de Informação Legislativa, no 119, 1993, p. 191.

LIMA E SILVA, Valéria Guimarães. Op. cit., 74.

RACINE Jean-Baptiste. Droit économique ... Op. cit. , p. 81.

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 190.

240 ~1-------------------------------------------------C_L_Ã_u_oi_o_F_m_KE __ LS_~_~~(Ü __ RG~.) muitas ocasiões coincidirá com a tarefa do árbitro de identificar as jurisdições nas quais poderá ser buscada a execução da sentença arbitral - afinal, as duas categorias dizem respeito a países relacionados às partes ou à disputa.

3.1.2. O problema das múltiplas jurisdições

Uma dificuldade que se sobressai neste ponto é aquela do conflito de normas

concorrenciais de diferentes países. O possível impasse decorre da consideração, por um lado, de que o Direito Concorrencial, enquanto norma imperativa, é de aplicação necessária e imediata tão logo se verifique a produção de efeitos decorren­tes de uma conduta anticompetitiva e, de outro, que existe um número considerável de sistemas potencialmente aplicáveis em um dado procedimento arbitral interna­cional174 - 111, para ser exato, segundo estimativa de Anestis Papadopoulos.175

Este problema deixa de ser hipotético e passa a ser de real preocupação

no estado atual da economia globalizada. Com a intensificação da relações comerciais internacionais e a integração de cadeias produtivas globais, cada vez mais criam-se situações em que práticas anticoncorrenciais projetam efeitos

para diversos países.176

Isto pode ser verificado tanto no contexto, por exemplo, de cartéis interna­cionais em que a divisão de mercados e combinação de preços se dá em escala global, quanto em condutas anticompetitivas locais que produzem repercus­sões em mercados de diversos países. Um exemplo expressivo é o famoso caso

LIBOR, em que se descobriu, em 2012, que bancos europeus manipulavam de forma concertada suas taxas de juros de empréstimos de forma a fraudar o

índice composto pela média das taxas praticadas pelas instituições financeiras, a London Interbank Offered Rate, ou "LIBOR". Tal índice serve de parâmetro mundial na definição de taxas de juros para acordos comerciais, transações e instrumentos financeiros, estimando-se que é empregado atualmente na inde­xação de ativos totalizando cerca de US$ 350 trilhões.177

O problema das múltiplas jurisdições, porém, é tão mais relevante quan­to forem divergentes os conteúdos dos sistemas concorrenciais aplicáveis ou

174

17S

17(t

1n

DEBOURG, Claire. Normas Imperativas e Arbitragem Internacional. Revista de Arbitragem e Mediação, voL 40,

2014, p. 29L

Citado em THEOBALD, Alexandra. Op. cit., 1.060.

Relacionando a questão da intensificação da economia globalizada c o estabelecimento da doutrina dos efeitos entre

diversos países, Andrew Guzman observa que "thc choicc-of-law rules chosen by domesric systems internet to crcate

a complcx regulatory systcm that afTects intemational activity but that is not controllcd by any singlc authority"

(GUZMAN, Andrew. Op. cit. , p. 359). No mesmo sentido, Alessandra Thcobald afirma que "lhe issue ofconflicting

mandatory antitrust laws in arbitration is important givcn the risc o f multi-national corporations whosc continued

growth is constrained by a jumble o f compctition regulations" (THEOBALD, Alexandra. Op. cit., 1.060).

O caso teve diversos desdobramentos, tanto nas cortes estatais do Reino Unido quanto na Comissão Eur·opeia, moti­

vando investigações por autoridades de defesa da concorrência de todo o mundo. Para um demonstrativo das questões

lidadas, pode-se consultar os comunicados de imprensa da Comissão Europcia sobre o caso, disponível em: http://

europa.cu/rapid/press-rclcasc IP-1 6-4304 cn.htm. Acesso em: 10.05.2017.

_D_I~ __ IT_O_E_A_~ __ n_·RA __ G_EM __ -_V~O~LU~M~E~l~l----------------------------------------------+1 241

as soluções previstas em tais sistemas. 178 Neste sentido, Jean-Baptiste Racine entende que o conflito de normas imperativas em matéria concorrencial é ainda largamente teórico, uma vez que a aplicação do Direito Concorrencial dos sistemas normalmente envolvidos em uma celeuma transnacional da ma­téria levam a resultados "senão idênticos, ao menos convergentes". 179

Outro entendimento é apresentado por Alexandra Theobald, que observa que as abordagens de países em matéria de política antitruste podem divergir significativamente.180 A título de exemplo, a autora observa que o Direito Con­correncial norte-americano é focado na proteção ao consumidor e atribui um peso considerável à eficiência na avaliação de condutas e estruturas; a Europa, por outro lado, visa promover a integração econômica entre seus Estados Mem­bros, elevando a competitividade de nações menos favorecidas economicamen­te, bem como promover a livre circulação de bens e capital entre suas fronteiras internas.181 Assim, o diferente perfil dos dois sistemas poderia levar, a depender do caso, à soluções jurídicas divergentes ou mesmo opostas.182

Portanto, são inúmeros os questionamentos possíveis. Devem ser levadas em consideração as normas imperativas do local da sede da arbitragem, ainda que não exista possibilidade de produção de efeitos decorrentes da prática restritiva naquele país? A posição da doutrina não é unívoca. Luca Radicati di Brozolo, secundado por Claire Debourg, entende pela negativa, complementando que o único fator que deve reger a aplicação do Direito Concorrencial é o do local da produção de efeitos183• Já Alexandra Theobald entende que a ordem pública da !ex arbitri deve sempre ser levada em conta, sob o risco de que o judiciário local proceda à anulação da sentença arbitral, à revelia de considerações acerca de fato­res especiais de conexão do Direito Concorrencial pelo juiz nacional.184

E se o Direito Concorrencial que integra a lei escolhida pelas partes conflitar com o Direito Concorrencial do local da sede da arbitragem? Luca Radicati di Brozolo afirma, mais uma vez, que somente deve ser aplicada a

17K

17'!

liSO

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182

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RACINE Jean-Baptiste. Droit économique ... Op. cit., pp. 65-66.

Ibid. pp. 65-66.

Neste sentido, ver: WOOD, Dianne P. International harmonization of Antitrust Law: the tortoise or the hare?, 3

Chi. J. Int'l K. 391, 405-406, 2002, comparando abordagens divergentes de países membros da OCDE e países em

desenvolvimento quanto à questões de tratamento nacional em legislações concorrenciais, e sugerindo que países em

desenvolvimento são motivados por objetivos políticos diferentes como distribuição de renda localmente.

THEOBALD, Alexandra. Op. cit., p. 1073.

Um exemplo claro em que o sistema concorrencial norte-americano e europeu chegardiil a soluções abertamente

conflitantes tratando da mesma questão é o caso da fusão General Electric/Honeywell, que foi aprovada no primeiro

mas vetada no segtmdo (ROBERTSON, Kyle. One law to control them ali: international merger analysis in the wake

oJGE/Honeywell. 31 B. C. Int'l & Comp. Law. Review, 153, 2008).

"( ... )se a sede da arbitragem é na Suíça e a relação impacta o mercado da União Europeia, dos Estados Unidos ou do

Bmsil, o direito da concorrência suíço não será aplicáveL Por outro lado, a lcx arbitri (incluindo seus conflitos de normas

de direito que podem ou não ser aplicáveis também aos árbitros) gemlmente não requererá a aplicação do direito da

concorrência de um terceiro Estado. Para continuar com o mesmo exemplo, o direito suíço não requererá que árbitros

sediados na Suíça apliquem um direito da concorrência estrdllgeiro" (DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 190).

THEOBALD, Alexandra. Op. cit., p. 1.077.

242 +~------------------------------------------------C_LA_·u_o_ro_F_m_~ __ Ls_w_~~(O_R~G~.) norma concorrencial cujo mercado relevante possa vir a ser afetado pela con­duta restritiva, pelos motivos já enunciados, enquanto que Alexandra Theo­bald reitera que deve ser dada prevalência à lex arbitri, visto que a sentença arbitral em questão de nada servirá ao terceiro país cujo mercado será afetado se tal sentença for anulada no local da sede da arbitragem. 185

Fala-se também na consideração do Direito Concorrencial do Estado em que ocorreu a conduta anticompetitiva, bem como dos países em que provavel­mente será buscada a execução da sentença. ~anto à segunda hipótese, surge um novo problema: o local da execução da sentença arbitral irá depender, naturalmente, de qual parte sairá vencedora da disputa, o que por sua vez é intimamente relacionado a qual lei será aplicada ao mérito - trata-se de um raciocínio circular, como se vê.186

Tratam-se de questões para as quais não existem respostas fáceis. As possibi­lidades de conflito de leis no âmbito de arbitragens internacionais que envolvem a aplicação do Direito Concorrencial somente tendem a se multiplicar, especial­mente considerando que tais procedimentos envolvem ou afetam um número cada vez maior de países, enquanto que o árbitro só pode aplicar uma lei de cada vez187

- ainda que um esforço de compatibilização pareça ser recomendável. Ao final, o certo é que árbitros irão adotar o nível de preocupação com a apli­

cação de normas imperativas que lhes parecer conveniente, decidindo igualmente se levarão em conta o fator 'execução da sentença arbitral', e em que medida.188

Em todo caso, em que pese as dificuldades relatadas, é dificil não ver razão - e certa ironia - na conclusão de Luca Radicati di Brozolo de que a possibilidade de que diferentes legislações antitruste possam vir a ser aplicadas na arbitragem internacional envolvendo matéria concorrencial pode tornar a arbitragem um meio de defesa privado da ordem concorrencial mais efetivo e abrangente do que o próprio judiciário.189

3.2. Limites dos poderes do árbitro na aplicação do Direito Concorrencial

Conforme foi visto, estabeleceu-se atualmente um amplo consenso acer­ca da arbitrabilidade, em princípio, do Direito Concorrencial. Porém, esta

185

186

187

188

189

Ressalte-se que a autora parte da premissa de que a sentença arbitrdl anulada na sede não é passível de execução em

qualquer outro foro, questão esta altamente controversa c que conta com autoridades de peso posicionando-se em sentido contr'drio (neste sentido, v. BRAGHETI A, Adriana. A importância da sede da arbitragem: visão a partir do

Brasil, São Paulo, Renovar, 2010).

THEOBALD. Alexandra Op. cit., p. 1.078.

Ibid. p. 1.075.

"( ... ) ultimately, it is upon lhe arbitrator dcciding the particular case whcther to take lhe cnforcement factor into account or not." (BREKOULAKIS, Stavros. On arbitrability: persisting misconceptions and new areas of concem,

in MISTELLIS, Loukas c BREKOULAKIS, Stavros. Arbitrability: lntemational and Comparative Perspectives,

Intcrnational Arbitration Law Library, Vol. 19, p. 36).

DI BROZOLO, Luca Radicati, Op. cit. , p. 190.

244 +'----------------------------------------------C_L_Áu_o_Jo_F_JN_~ __ Ls_ru_~~(O_R_G~.) No campo de controle de condutas, existe a discussão acerca da possibilida­

de do árbitro de, além de aplicar as sanções pecuniárias de ordem civil, reconhecer a contrariedade de determinada conduta com o Direito Concorrencial, determi­nando a invalidade/nulidade de contrato ou cláusula com base neste julgamento. Aqui, a solução parece ser largamente positiva, na medida em que é permitido às cortes estatais reconhecer a ilicitude de condutas em caráter incidental, não ha­vendo razão para se entender em sentido diverso com relação ao juízo arbitral.194

Um tema particular ao sistema da União Europeia é o das isenções, entendi­das como exceções à aplicação do Direito Concorrencial a condutas ou arranjos anticompetitivos previstos no artigo 1 O 1 do TFUE nos casos em que se verificar que a conduta ou arranjo contribui para a melhoria da produção ou distribuição de bens ou para a promoção de progresso técnico ou econômico, enquanto que beneficia consumidores, nos termos do parágrafo terceiro do dispositivo.195

Aqui, existe o entendimento de que, uma vez que a Comissão Europeia não detém exclusividade no reconhecimento e aplicação de isenções individuais desde a entrada em vigor do Regulamento nQ 1/2003, esta prerrogativa é atualmente compartilhada entre autoridades nacionais de defesa da concorrência, cortes esta­tais e, pelo mesmo motivo enunciado acima, tribunais arbitrais.196 Por outro lado, entende-se que o árbitro não pode conceder isenções em bloco, o que permanece sendo de competência exclusiva das autoridades regulatórias.197

3.2.2. O grau de violação ao Direito Concorrencial que autoriza a intervenção das cortes judiciais

Outra forma possível de se precisar os limites da atuação do árbitro em matéria concorrencial é observando as situações em que uma violação ao Direi­to Concorrencial autoriza a intervenção de cortes estatais na fase de revisão da sentença arbitral, sob alegação de violação à ordem pública.

Uma primeira constatação importante que deve ser feita, retomando o raciocínio exposto anteriormente de que ordem pública não se confunde com norma imperativa, é que nem toda violação concebível ou descumprimento de uma norma cogente e, especificamente, de uma norma de Direito Concorren­cial, implica em uma transgressão à ordem pública.198

Sobressai, neste sentido, a necessidade de se assegurar um equilíbrio entre o respeito à ordem pública e a efetividade da arbitragem.

Segue--se, então, a pergunta: quando é possível dizer que se está diante de uma violação à ordem pública no âmbito do Direito Concorrencial? Na busca

194

195

196

197

1911

IDOT, Laurcncc. Op. cit. , p. 59.

ROTH, Pctcr c ROSE, Vivicn. Op. cit., p. 189.

THEOBALD, Alexandra. Op. cit. , p. 1068 e IDOT, Laurcncc. Op. cit., pp. 59-60.

Ibid. p. 60.

DI BROZOLO, Luca Radicati. Op. cit., p. 182.

_D_I~_I_v_o_E_A_~_I_T_RA_G_E_M_-_V~o~L~UM_E_l_I ____________________________________________ +I 245

de uma resposta, mostra-se de grande utilidade o entendimento de Luca Radi­cati di Brozolo sobre o tema:

"( ... ) a transgressão à ordem pública (e portanto ao direito da concorrência) deve ser "efetiva" e "concreta". Isso significa que a compatibilidade da sentença com a ordem pública deve ser verificada com relação à situação específica, de forma a determinar se a solução dos árbitros verdadeiramente põe em risco os objetivos da política con­correncial. A aplicação errônea, e mesmo a não aplicação, do direito da concorrência pelos árbitros, ou ainda um desvio de uma decisão de uma autoridade concorrencial, não são por si sós suficientes para configurar uma transgressão à ordem pública. As únicas infrações ao direito da concorrência capazes de se qualificar como violações à ordem pública, e por isso de implicar a anulação ou recusa de execução de uma sentença, são portanto aquelas que seriamente põem em risco os objetivos da política concorrencial. Do requerimento de que a violação da ordem pública seja séria decorre que a decisão dos árbitros não pode ser repreendida por erros ou omissões que não impliquem severas consequências para a política concorrencial."199

Corroborando esta posição, em 2004, o Tribunal de Apelação de Paris esta­tuiu no caso Thales vs. Euromissile que, para configurar transgressão à ordem pú­blica, uma violação ao Direito Concorrencial deve ser "flagrante, efetiva e séria".200

Tais termos podem ser difíceis de definir. No entanto, pouca dúvida haverá de que uma sentença arbitral que tolere ou chancele um acordo horizontal com efeitos tão danosos quanto a divisão de mercados, fixação de preços ou troca de informações sensíveis será considerada conflitante com a ordem pública. Neste sentido, Bruno Becker entende que as violações à ordem concorrencial que satisfazem o critério de gravidade definido acima e autorizariam a intervenção do juízo estatal seriam aquelas relacionadas a "condutas colusivas" em geral, em oposição a "condutas unilaterais" por parte de agentes econômicos.201

Por outro lado, é mais difícil imaginar que uma violação à ordem pública, nos termos descritos acima, seja encontrada em uma sentença que lide com restri­ções verticais, que constituem um ponto controvertido em matéria concorrencial e dividem opiniões entre sua licitude ou ilicitude, a depender das circunstâncias.202

4. CONCLUSÃO

Se em um primeiro momento arbitragem e concorrência pareciam dois campos inconciliáveis, fadados a correr paralelos, hoje vemos que são muitos os pontos de contato entre as duas disciplinas.

199

200

201

202

Ibid. p. 185.

Tribunal de Apelação de Paris, SA Thales Ai r Défense v. Euromissile, 2004.

BECK.ER, Bruno Bastos. Concorrência e arbitragem no direito brasileiro. Hipóteses de incidência de questões con­

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BROZOLO, Luca Radicati di, Op. cit., p. 186.

246 CLÁUDIO FINKELSTEIN (ÜRG.)

Pode-se dizer, inclusive, que se tratou de uma proximidade "forçada" -com o fortalecimento dos regimes de defesa da concorrência nas últimas déca­das, a intensificação da globalização da economia e a alçada da arbitragem ao posto de principal método de resolução de conflitos do comércio internacio­nal, parece inevitável que procedimentos arbitrais envolvendo Direito Concor­rencial se tornem uma realidade cada vez mais comum.

Porém, como se pôde ver, existem diversas "zonas cinzentas" na inter­secção entre o Direito Concorrencial e arbitragem. Assim, se o problema da arbitrabilidade objetiva do Direito Concorrencial se encontra em grande parte superado, persiste a dificuldade de precisar os limites e as fontes do poder do árbitro de aplicar regras concorrenciais. Como se viu, também são várias as questões práticas com as quais se depara o árbitro ao aplicar o Direito Concor­rencial: como a matéria pode ser invocada em um procedimento, se o árbitro possui a faculdade ou o dever de aplicar o Direito Concorrencial, como lidar com a recusa das partes em ter este direito aplicado, etc.

Além disso, estes temas podem adquirir outro grau de complexidade quan­do os consideramos no contexto da arbitragem internacional, relevando-se o problema das múltiplas jurisdições envolvidas e da escolha/ conflito do Direito Concorrencial aplicável.

De todo modo, deve-se ressaltar que o recurso à arbitragem somente tem a acrescentar no esforço de repressão a condutas abusivas e anticompetitivas, na medida em que coloca seus muitos e notáveis atributos (dentre os quais destaca­-se a especialidade do julgador, a flexibilidade procedimental, a celeridade e a circularidade de sentenças) a serviço da defesa da ordem concorrencial.

Ao fim e ao cabo, se as discussões apresentadas neste trabalho são, em sua maioria, extremamente recentes, pode-se ter a certeza de que elas continuarão a ser aprofundadas conforme a aplicação do Direito Concorrencial se torne cada vez mais recorrente na arbitragem internacional.

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