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Direito Internacional
Privado
Joyce Lira
www.masterjuris.com.br
PARTE I
2) Direito Internacional Privado: reflexões sobre o Brasil.
Aula 5 – Codificações e Brasil.
a) Codificações nas Américas
“Os esforços para a codificação do DIPr nas Américas por meio de convenções têm
duas raízes históricas diferentes. Uma remonta aos primeiros congressos da
América espanhola que visaram à defesa da independência frente às potências
européias e à consolidação dos princípios do direito internacional
destinados a regular as relações mútuas entre as novas repúblicas. A outra
tem sua origem na tradição européia e nos pensamentos dos grandes
internacionalistas do velho mundo que projetaram uma codificação global do
direito internacional para regular o convívio pacífico das nações.” Jürgen
Samtleben
- Alteração do DIPr as Américas:
Organização dos Estados Americanos – OEA (atividade internacional) e o trabalho
das CIDIPs (Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado);
iniciativas do Mercosul com repercussão no DIPr;
reforma da legislação interna de DIPr em alguns países.
- Meados do século XIX: acolhida na América Latina, numa tentativa de uniformizar
toda a matéria através de grandes codificações.
- Andrés Bello: primeiro estudioso do Direito Internacional Privado na América Latina
que, em seu livro Principios de Derecho das Gentes, 1832, adotou extremado
territorialismo.
- Territorialismo (Bello): “as leis de cada Estado regiam todos os assuntos que se
desenvolviam no território do país, e ainda se estendiam aos atos realizados no
estrangeiro, sempre que houvesse alguma conexão pessoal ou territorial com o
próprio Estado.” (Nadia de Araujo)
- América Latina e papel de vanguarda na unificação do DIPr: adoção das ideias de
Mancini no século XIX.
- Peru (1875): circular-convite conclamando os demais governos a se reunirem em um
congresso de jurisconsultos, com o objetivo de harmonizar as legislações dos diversos
países.
- Conferência de Lima (1877-78): Tratado de Lima (regras uniformes em matéria de
DIPr). Ex.: adotou o critério da nacionalidade para reger o estado e a capacidade das
pessoas (o domicílio variável ou estabelecimento da pessoa fora do país de
nascimento não faz perder seu caráter de estrangeiro).
- “O tratado teve pouca aceitação por causa de sua opção pelo critério da
nacionalidade, especialmente porque o domiciliar era o mais usado pela maioria dos
países presentes.” (Nadia de Araujo)
- Gonzalo Ramirez: jurista e professor uruguaio, partidário do princípio do domicílio, e
que elaborou, em 1897, um outro projeto de código de DIPr.
- Congresso de Montevidéu (1889/90): uma iniciativa de uniformização da Argentina e
do Uruguai, que resultou em oito tratados em diversas áreas, especialmente no Direito
Civil Internacional. O Brasil compareceu à conferência, e também as delegações da
Bolívia, Chile, Paraguai e Peru.
- Domingos de Andrade Figueira (delegado do Brasil): discordou das conclusões da
conferência, em especial quanto ao tratado de Direito Civil Internacional
(incompatibilidade de regras sobre o estatuto pessoal – nacionalidade, nas regras
brasileiras; domicílio, nas regras do Tratado).
- Revisão dos Tratados de 1889 (1939 e 1940): Segundo Congresso Sul-americano
de Derecho Internacional Privado de Montevidéu, tendo como resultado o Tratado de
Direito Civil Internacional de Montevidéu, de 1940, ainda hoje em vigor na Argentina,
no Uruguai e no Paraguai.
- Brasil: estava presente, mas não aprovou o Tratado, por três razões:
adoção do critério do domicílio para reger o estatuto pessoal, enquanto o Brasil
adotava o critério da nacionalidade;
adoção da lei do local da execução para reger as obrigações, enquanto éramos
partidários do sistema do local da celebração;
divergência em matéria de sucessões, tendo o tratado adotado o critério da
pluralidade sucessória enquanto o Brasil filiava-se à corrente universalista.
Obs: sucessão – indivíduo brasileiro que reside em outro país e lá falece, ou deixa
bens em outro país – interesse de DIPr.
- 1ª Conferência Pan-Americana (Washington, 1889): Depois da 2ª Reunião de
1901, a 3ª Reunião ocorreu no Rio de Janeiro, em 1906. Para sediar o evento, foi
construído o Palácio Monroe.
- Movimento codificador americano: formação da Comissão Internacional de
Jurisconsultos, embrião do atual órgão da OEA, a Comissão Jurídica
Interamericana, sediada no Rio de Janeiro.
- Reunião da Comissão de Jurisconsultos (Rio de Janeiro, 1912): formação de sub-
comissões para proceder à análise dos projetos de dois códigos - Direito
Internacional Público (Epitácio Pessoa) e Direito Internacional Privado (Lafayette
Rodrigues Pereira). Baixa repercussão dos projetos e abandono deles em razão da
1ª Guerra Mundial.
- Reuniões retomadas em 1927 (Rio de Janeiro): apresentação do Projeto do
Código Bustamante.
- Código Bustamante: fruto da reunião realizada em Havana, em 1928. Foi
incorporado ao direito brasileiro em 1932, estando vigente ainda em outros quatorze
Estados. Pouco conhecida e pouco usada pelos tribunais. No Brasil, foi utilizada
também como fonte para os países não signatários, servindo para suprir lacunas da
legislação interna.
- Fase posterior (OEA, anos cinquenta): atualização dos tratados existentes na América
Latina, com vistas à integração econômica latinoamericana. Aproximação da
metodologia utilizada pela Conferência de Haia (diplomas setoriais e temáticos).
- Convocação da primeira Conferência Especializada Interamericana sobre Direito
Internacional Privado pela Assembleia Geral da OEA (1971): Até hoje, sete
conferências foram realizadas (Conferências Interamericanas Especializadas sobre o
Direito Internacional Privado, chamadas de CIDIPs, números I, II, III, IV, V, VI e VII), e
em todas elas foi adotada a metodologia de reuniões técnicas setoriais, com aprovação
de várias convenções.
- CIDIP I (Panamá, 1975): primeiro passo para a renovação do movimento
uniformizador latinoamericano.
Objetivo principal: desenvolver uma estrutura jurídica adequada em matéria
comercial, para estimular o desenvolvimento dos processos de integração regional,
(aprovação de oito convenções sobre os mais diversos tópicos, dos quais destacam-
se a arbitragem comercial e as cartas rogatórias).
- CIDIP II (Montevidéu, 1979): continuidade à trajetória iniciada no Panamá nas áreas
de Direito Comercial e Direito Processual Internacional.
Importância: elaboração da Convenção sobre Normas Gerais de Direito
Internacional Privado, que regula a base do sistema conflitual interamericano, sendo
uma convenção única no seu gênero.
- CIDIP III (La Paz, 1984): aprovadas quatro convenções.
recomendações para futuros estudos na área de menores e para que no campo
de compra e venda internacional se ratificasse a Convenção de Viena da
UNCITRAL.
- CIDIP IV (Montevidéu, 1989): adoção de três convenções abarcando os temas da
restituição internacional de menores, dos alimentos e do transporte internacional de
mercadorias.
Recomendação para a convocação da CIDIP V, com objetivo de continuar os
trabalhos, especialmente na área dos contratos internacionais, assunto sobre o qual
foram aprovados apenas os princípios gerais, visto que não houve tempo hábil para
discutir uma convenção.
-CIDIP V (Cidade do México, 1994): aprovadas duas convenções - a primeira, sobre
contratação internacional; e a segunda, sobre os aspectos civis e penais do tráfico
de menores.
Convenção sobre contratação internacional representou grande avanço no
continente por conta da adoção do princípio da autonomia da vontade e,
subsidiariamente, a regra de conexão dos vínculos mais estreitos. Só foi ratificada
por dois países (México e Venezuela).
- CIDIP VI (Washington, 2002): Aprovação de uma Lei-Modelo Interamericana sobre
Garantias Mobiliárias e dois documentos uniformes para o transporte rodoviário.
Relevância: Bastante inovadora em relação à metodologia utilizada pelas
conferências anteriores, que executavam a uniformização através de convenções
internacionais de conflitos de leis, pois optou pela técnica de Lei-Modelo, ou seja,
pela uniformização do direito material, mas de caráter não-vinculante. O documento
único de transporte é, também, um exemplo de verdadeira unificação (ideia de
utilização em todos os países do continente, para os transportes rodoviários).
- Aproximação dos sistemas jurídicos (civil law e common law) na América e
uniformização de regras
- “O método utilizado nas convenções pode ser chamado de misto, pois conta com
normas não só conflituais, como também substantivas, promovendo a uniformização
de algumas normas de direito material dos países latino-americanos.” (Nadia de
Araujo)
- Outras características das convenções originadas das CIDIPs:
concepção universal;
permissão para reservas apenas de caráter especial
inserção de cláusulas de interpretação para a sua futura aplicação pelos juízes
nacionais
adoção de método de trabalho similar à Conferência da Haia de Direito
Internacional Privado com a elaboração de convenções sobre temas específicos, em
vez de um código abrangente
método de trabalho que favorece a uniformização do DIPr
- CIDIP VII ( 2003 início – Parte I em Washington): acompanhou a nova metodologia
de trabalho do CIDIP VI, com a elaboração de uma lei modelo.
- Direito do Consumidor: área pouco regulamentada no DIPr. Por isso, foi incluída
como tema de interesse da CIDIP VII, ao lado da questão dos registros eletrônicos.
- Direito do consumidor: “o Brasil apresentou um projeto de Convenção de lei
aplicável aos contratos internacionais com os consumidores, de autoria da
Professora Claudia Lima Marques. No entanto, em sessão plenária de 09.10.2009, a
CIDIP VII avançou apenas no tópico relacionado a registros eletrônicos, tendo
aprovado um Regulamento Modelo para Registro, regulamentando a Lei Modelo
Interamericana sobre Garantias Mobiliárias aprovada na CIDIP VI. O tópico de
proteção ao consumidor não avançou.” (Nadia de Araujo)
- Avanços promovidos pelas CIDIPs: novo formato de codificação, com normas de
DIPr materiais; normas flexíveis; normas alternativas e normas narrativas.
- Exemplos de regra material:
Convenção sobre o Regime Legal das Procurações para serem utilizadas no
exterior, de 1975 (cria formalidades próprias às procurações internacionais);
Convenção sobre Conflitos de Leis em Matéria de Sociedades Mercantis (define
o que seja “lei do lugar de sua constituição” – art. 2º)
- Exemplo de norma de caráter material:
Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores de 1989 (art. 3º) - define
o que seja o direito de custódia e o direito de visita.
- Exemplo de regra alternativa:
Convenção sobre Obrigação Alimentar de 1989 – a lei aplicável será aquela que
for mais favorável ao credor, em busca do objetivo maior, que é o de assegurar a
efetivação da obrigação alimentar (art. 6º).
- Exemplo de norma de caráter alternativo:
Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção, de 1984 (art. 4º) –
em regra, questões como a capacidade e outros requisitos pessoais do adotante
serão regidos pela lei do seu domicílio. Entretanto, se a lei da residência habitual do
adotado tiver requisitos mais rígidos, esta é que deverá ser aplicada, em benefício do
adotado (finalidade é a proteção do menor).
- Exemplos de normas narrativas (importante avanço na codificação interamericana):
Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores de 1989 (art. 1º) - define
como objetivo maior da convenção assegurar a pronta restituição dos menores ao
país de sua residência habitual, que tenham sido transportados ilegalmente para
outro país.
Convenção sobre Obrigação Alimentar de 1989 – determinação de que “toda
pessoa tem direito a receber alimentos sem distinção de nacionalidade, raça, sexo,
religião, filiação, origem, situação migratória ou qualquer outro tipo de discriminação”
(Art. 4º).
Convenção sobre o Tráfico Internacional de Menores, de 1994 (art. 1º) -
estabelece como seu objetivo a proteção dos direitos fundamentais e dos interesses
superiores do menor, devendo os Estados garantir a proteção do menor, sempre
levando em conta seus interesses superiores, e assegurar sua pronta restituição.
- Importância das normas narrativas (Erik Jayme) – dupla função: regulamentar
determinados casos e permitir a criação de uma ordem de valores, pela qual podem
ser medidas pelas jurisdições nacionais.
- Problemas atuais: baixa aplicação efetiva das normas de DIPr oriundas dos
trabalhos das CIDIPs e OEA. No Brasil, aponta-se como bem efetiva a Convenção
Interamericana sobre Cartas Rogatórias (muito utilizada pelo STJ).
b) Codificação no Mercosul
“O Mercosul é uma organização intergovernamental e, ao contrário da União
Européia, não possui instituições dotadas de supranacionalidade. Atingiu até agora o
estágio de união aduaneira imperfeita.” (Nadia de Araujo)
- Força das decisões de seus órgãos: precisam valer-se do processo tradicional do
Direito Internacional Público de incorporação de tratados internacionais.
- Três maneiras de solucionar controvérsias no Mercosul:
1ª) a via institucional, quando o litígio é entre os Estados, através da arbitragem
regulada pelo Protocolo de Olivos;
2ª) a via judicial, quando está em questão a utilização e interpretação de uma
norma do Mercosul já incorporada, quando os interesses são privados;
3ª) a via arbitral, quando os interesses privados são resolvidos pela arbitragem
comercial.
- A maioria dos protocolos ligados ao DIPr incluem-se na parte relativa ao conflito de
jurisdições e à cooperação internacional.
- Protocolos que contêm normas destinadas a resolver conflitos de leis no sentido
amplo (incluindo-se a cooperação jurídica internacional):
o Protocolo de Las Leñas, sobre cooperação e assistência em matéria civil,
comercial, trabalhista e administrativa;
o Protocolo de Ouro Preto sobre medidas cautelares;
o Protocolo de São Luiz, sobre matéria de responsabilidade civil emergente de
acidentes de trânsito;
o Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdição internacional em matéria contratual;
o Protocolo de Santa Maria, sobre a jurisdição internacional em matéria de
consumo;
o Regulamento sobre a Arbitragem Comercial.
- Protocolo de Las Leñas: jurisprudência no STF e posteriormente no STJ.
- Este Protocolo permite que decisões estrangeiras sejam enviadas diretamente ao país para
cumprimento por meio de cartas rogatórias (o que ocorre somente após o exequatur pelo STJ, após a
EC nº45/2004).
- O STF, enquanto ainda competente, era contrário à ideia de concessão de exequatur por meio de
carta rogatória.
“O entendimento do STF começou a mudar a partir da década de 90, máxime quando o Brasil ratificou
alguns tratados internacionais de cooperação interjurisdicional, como é o caso do Protocolo de Las
Leñas, no âmbito do Mercosul. Vide: (…) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no
sentido de considerar insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatórias passivas
revestidas de caráter executório, ressalvadas aquelas expedidas com fundamento em atos e
convenções internacionais de cooperação interjurisdicional, como o Protocolo de Las Leñas (STF.
Decisão na CR 7.913, Relator Ministro Celso de Mello. Publicada no DJ de 11.09.1999)” Lucas
Cavalcante de Lima.
Ex.: DESPACHO (Presidente do STF): O Juiz do Tribunal Coletivo de Instância Única da 2ª Vara de
Família da Comarca Judiciária de San Martin, Província de Buenos Aires, Argentina, roga a seguinte
diligência: "... a inscrição da sentença proferida neste processo quanto ao Casamento
contraído no Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais - 13º Subdistrito - BUTANTA -
República Federativa do Brasil - Estado de São Paulo - transcrito no Livro 87, fls. 161, Termo nº 1002,
do 12 de agosto de 1976, do Tabelião Titular do Registro Civil, Bacharel Benedicto Antonio Dufrayer
Silva, entre os nubentes JUAN CARLOS FUNES e EGLE APARECIDA MAMEDE..." (fl. 09). O PGR
opinou pela concessão do exequatur, nestes termos: "... verifica-se que a rogatória em questão se
ajusta aos termos do Protocolo de Las Lenãs, assinado entre os Governos do Brasil, da Argentina, do
Paraguai e do Uruguai e promulgado pelo Decreto nº 2.067, de 12 de novembro de 1996, que em seu
artigo 19 prevê a execução de sentenças por carta rogatória. Assim, como não há nenhum motivo de
impugnação, o Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem. ..." (fl. 39). O objeto desta
carta rogatória não atenta contra a soberania nacional ou a ordem pública. Ante o exposto,
concedo o exequatur (art. 225, RISTF). Encaminhem-se os autos à Justiça Federal no Estado de
São Paulo para as providências cabíveis. Publique-se. Brasília, 10 de novembro de 2004. Ministro
NELSON JOBIM Presidente. (CR 11722, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão Proferida pelo(a)
Ministro(a) NELSON JOBIM, julgado em 10/11/2004, publicado em DJ 22/11/2004 PP-00026)
- Permissão expressa para concessão do exequatur para medidas de caráter
executório na Resolução nº 9/2005 do STJ, sua importância foi reduzida.
Art. 2º É atribuição do Presidente homologar sentenças estrangeiras e conceder
exequatur a cartas rogatórias, ressalvado o disposto no artigo 9º desta Resolução.
Art. 3º A homologação de sentença estrangeira será requerida pela parte
interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei
processual, e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da
sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente
traduzidos e autenticados.
Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia
homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.
- O Acordo de Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (1998): Conselho do
Mercado Comum – Decisão CMC 3/98 (assim como o equivalente entre Mercosul,
Chile e Bolívia — Decisão CMC 4/98).
pode ser considerada como verdadeira convenção internacional de arbitragem;
de maneira detalhada, estabelece regras e princípios para as arbitragens
processadas em seu âmbito;
útil para a multiplicação dos intercâmbios comerciais na região;
deixou às partes a liberdade de determinar as normas de procedimento e a lei
aplicável à substância do litígio.
- Adoção da autonomia da vontade como norma de DIPr:
“Art. 10. As partes poderão eleger o direito que se aplicará para solucionar a
controvérsia com base no direito internacional privado e seus princípios, assim como
no direito do comércio internacional. Se as partes nada dispuserem sobre esta
matéria, os árbitros decidirão conforme as mesmas fontes”.
- Autonomia da vontade nos contratos internacionais:
princípio geral do direito, reconhecido pelos países civilizados;
tendência mundial
Mercosul tem acompanhado
c) DIPr no Brasil
-Codificação:
Historicamente, ainda na época do Império, as normas de DIPr vigentes eram as
de Portugal;
Nessa fase, eram encontradas normas de DIPr na Constituição e no Código
Comercial — no qual havia normas de conflito de leis para os contratos;
O marco das normas de DIPr na era republicana foram as normas de Introdução
ao Código Civil de 1916;
O país ganhou um conjunto autônomo de regras específicas para a disciplina,
fortemente influenciadas pela técnica europeia do conflito de leis;
Houve isolamento do Brasil, por força dessa norma, diante dos demais países
da América Latina, tendo em vista a adoção do critério da nacionalidade para o
estatuto pessoal (o Brasil era o único país na América Latina a seguir esse
sistema).
- Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, hoje denominada Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro – LINDB: modificou a situação de exclusão do Brasil
diante das normas de DIPr adotadas na América Latina.
- A maior modificação promovida pela LINDB foi a substituição do critério da
nacionalidade pelo critério domiciliar, alinhando finalmente o Brasil aos demais
países da América Latina.
- O DIPr positivo brasileiro continua regulado pelas noções clássicas do século XIX,
com base no sistema de regras de conexão bilaterais rígidas.
- Enquanto se espera uma mudança na legislação, resta aos tribunais modernizar o
DIPr e tentar incorporar as novas tendências.
- O único exemplo de uma norma de DIPr brasileira de caráter material se faz
presente na sucessão internacional.
- O critério da nacionalidade deixou de ser o regente do estatuto pessoal e do direito
de família, mas ainda existe a exceção prevista no § 1º do art. 10 da LINDB:
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação
dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os
represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
- Tal regra obedece ao art. 5º, XXXI da CRFB/88, que se preocupa com o resultado e
se apresenta como direito fundamental (e princípio constitucional): “XXXI - a
sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira
em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais
favorável a lei pessoal do "de cujus";”
- A regra constitucional de sucessão é, portanto, norma de DIPr que possui caráter
de norma material e unilateral (privilegia a norma brasileira de forma expressa,
aplicável em favor de um grupo determinado de pessoas).
- Antes de aplicar a norma sucessória brasileira, entretanto, será necessário verificar
a norma estrangeira, para a aferir se a mesma é ou não mais favorável aos nacionais
brasileiros envolvidos na sucessão.
- A opção pelo direito brasileiro só ocorre quando a norma estrangeira for menos
benéfica que a brasileira.
- Existe nesse contexto a demonstração da tendência constitucionalizante das
normas de DIPr.
- Os Tribunais brasileiros envolvidos na aplicação de regras de DIPr têm privilegiado
a interpretação baseada em princípios fundamentais quando da aplicação dos
institutos próprios do DIPr.
- Exemplo: Carta Rogatória n° 8.577, STF, Argentina, julgada em 19/6/1999, Relator
Min. Celso de Mello. Nesse caso, a Justiça argentina requereu oitiva de testemunhas
aqui no Brasil, na sede de sua embaixada, perante um juiz argentino, que viria
especialmente para a diligência. Decidiu o ministro Celso de Mello, à época
presidente do STF: "Revela-se lesiva à soberania brasileira, e transgride o texto da
Lei Fundamental da República, qualquer autorização, que, solicitada mediante
comissão rogatória emanada de órgão judiciário de outro País, tenha por finalidade
permitir, em território nacional, a inquirição, por magistrados estrangeiros, de
testemunha aqui domiciliada, especialmente se se pretender que esse depoimento
testemunhal — que deve ser prestado perante magistrado federal brasileiro (CF, art.
109, X) — seja realizado em Missão Diplomática mantida pelo Estado rogante junto
ao Governo do Brasil".
- Apesar da baixa alteração legislativa nos temas de DIPr, o Brasil tem ratificado inúmeras
Convenções nos últimos anos, bem como os Tribunais brasileiros têm aplicado as regras contidas em
tais documentos. Exemplos de normas ratificadas:
Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças;
Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em matéria de Adoção
Internacional;
Convenção sobre o Acesso Internacional à Justiça.
- A experiência do Judiciário brasileiro tem promovido uma mudança de dentro pra fora. Observa-se a
mudança de metodologia pela jurisprudência: adoção de regras materiais, no lugar de regras
conflituais, em prol do objetivo de assegurar a proteção dos direitos humanos por via do DIPr.
- Para Nadia de Araujo, essa atualização da metodologia (regras de conexão) de DIPr por meio da
jurisprudência é legítima, ainda que o país não seja signatário de documento que a inspire, diante do
objetivo de proteção dos direitos humanos e da necessidade de superar normas ultrapassadas (como
é o caso da LINDB).
- As regras que cuidam da competência internacional e da cooperação jurídica, por
outro lado, tem sido incorporadas ao ordenamento jurídico nacional por meio do
Novo Código de Processo Civil, o que representa um avanço e será debatido em
aulas futuras, mais especificamente.
Resumo da aula:
- Codificação no DIPri na América Latina e no Brasil;
-Avanço do DIPr: do territorialismo à proteção dos direitos humanos (normas
flexíveis);
- Organização dos Estados Americanos – OEA (atividade internacional) e o trabalho
das CIDIPs (Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado);
- Mercosul e normas de integração econômica;
- Cooperação jurisdicional;
- Critério de estabelecimento do direito aplicável: mudança do critério de
nacionalidade para o critério de domicílio.
Fontes:
- ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. 1. ed.
Porto Alegre: Revolução eBook, 2016.
- LIMA, Lucas Cavalcante de. Protocolo de Las Leñas: as cartas rogatórias no
Mercosul à luz da jurisprudência do STF. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35
972/protocolo-de-las-lenas-as-cartas-rogatorias-no-mercosul-a-luz-da-jurisprudencia-
do-stf/2